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recomendações

Atualização de Condutas em Pediatria


nº 39 Departamentos Científicos da SPSP,
gestão 2007-2009.

Departamento de
Gastroenterologia
Hemorragia
digestiva baixa
na criança e
no adolescente
Departamento de Neonatologia
Imunização em
RN prematuros de
muito baixo peso

Sociedade de Pediatria de São Paulo


Alameda Santos, 211, 5º andar
01419-000 São Paulo, SP
(11) 3284-9809
recomendações
Departamento de Gastroenterologia

Hemorragia digestiva baixa


na criança e no adolescente

O trato gastrintestinal
perde diariamente
0,5 a 1,5 ml de san-
gue, em condições fisiológi-
cas, não detectados em testes
ser facilitado correlacionan-
do-se a idade da criança e os
sintomas (Tabela 2). A as-
sociação dos sintomas pode
auxiliar a definir o diagnós-
de sangue oculto nas fezes. tico. A história completa in-
Denominamos hemor- clui a duração, freqüência e
ragia digestiva baixa (HDB) gravidade dos sintomas.
Autor: a hemorragia distal ao liga-
Maraci Rodrigues
mento de Treitz. A hema- Exame físico
DEPARTAMENTO DE toquezia é a passagem de A gravidade do sangra-
GASTROENTEROLOGIA
Gestão 2007-2009 sangue vivo pelo ânus, isola- mento gastrintestinal é de-
damente ou misturado com terminada pela avaliação do
Presidente:
Mauro Sérgio Toporovski fezes formadas, coágulos estado cardiovascular do
Vice-Presidente:
Eraldo Samogin Fiore
ou diarréia sanguinolenta, paciente, incluindo a fre-
Secretário: em geral associados à HDB. qüência cardíaca e a pressão
Vera Lúcia Sdepanian
Membros:
Enterorragia é o sangramen- arterial (Tabelas 3 e 4).
Adriano de Castro Filho, to digestivo volumoso, não
Ana Maria Magni,
Ceres Concilio Romaldini, digerido, líquido, mesclado Testes
Cesar Augusto Lunardi, ou não com coágulos, po- laboratoriais
Dorina Barbieri,
Eliana Vidolin, Gilda Porta, dendo ou não estar associa- A solicitação dos testes
Helga Verena L. Maffei, do à HDB. O sangramento laboratoriais, endoscópicos,
Izaura G. Ramos Assumpção,
José Espin Neto, digestivo oculto é a perda cintilográficos e outros de
Liliane Maria Salgado de Castro,
Lívia Carvalho Galvão,
sangüínea não visível nas maior complexidade, de-
Luiz Henrique Hercowitz, fezes, confirmada pelo teste penderá de história clínica
Maraci Rodrigues,
Maria Fernanda M. D’Amico,
de sangue oculto nas fezes, e exame físico, implicando
Maria Inez M. Fernandes, com atenção aos resultados suspeitas diagnósticas para
Maria Teresa T. Alves,
Mauro Batista de Morais, falso-negativos ou falso-po- cada paciente.
Nancy T. B. Cordovani, sitivos. (Tabela 1). Existem três grupos de
Ramiro Anthero de Azevedo,
Regina Sawamura, testes de pesquisa de sangue
Renata Alessandra Cazzaniga,
Rosa Helena M. Bigelli,
História clínica oculto nas fezes. Os testes
Silvio Kazuo Ogata, O diagnóstico diferencial baseados em guáiaco são
Soraia Tahan, Soraya Goshima,
Ulysses Fagundes Neto,
do sangramento digestivo os mais usados. Contudo,
Yu Kar Ling Koda. baixo é extenso, mas pode eles não identificam fontes
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Departamento de Gastroenterologia

expediente
Tabela 1
Pesquisa de sangue oculto nas Diretoria da Sociedade de
fezes: falso-negativos e falso- Pediatria de São Paulo
positivos Triênio 2007 – 2009

Diretoria Executiva
Falso-negativos: Presidente:
José Hugo Lins Pessoa
ingestão de grande quantidade de ácido 1º Vice-Presidente:
ascórbico; João Coriolano Rego Barros
2º Vice-Presidente:
fezes secas, reagentes vencidos e conversão de Mário Roberto Hirchheimer
hemoglobina para porfiria pela flora intestinal. Secretário Geral:
Maria Fernanda B. de Almeida
1º Secretário:
Falso-positivos: Sulim Abramovici
ingestão de carne vermelha; 2º Secretário:
Fábio Eliseo F. Álvares Leite
ingestão de frutas e vegetais contendo 1º Tesoureiro:
peroxidase: melão, brócolis, rabanete ou nabos; Lucimar Aparecida Françoso
fissuras no seio materno; 2º Tesoureiro:
Aderbal Tadeu Mariotti
epistaxe: melena;
hematúria; Diretoria de Publicações
Diretor:
sangramento menstrual; Cléa Rodrigues Leone
prolapso uretral. Editor Revista Paulista Pediatria:
Ruth Guinsburg
Editores executivos:
Amélia Miyashiro N. Santos
mais altas de hemorragia e Em pacientes com sangue Antônio A. Barros Filho
Antônio Carlos Pastorino
apresentam resultados falso- oculto presente nas fezes, Mário Cícero Falcão
positivos e falso-negativos a colonoscopia é o exame Sônia Regina T.S. Ramos

com razoável freqüência. inicial de escolha, na tenta- Departamentos Científicos


Os testes imunoquímicos tiva de encontro da causa da Coordenadores:
Ciro João Bertoli
são mais caros, porém, são HDB, apesar de ser possível Mauro Batista de Moraes
Sérgio Antônio B. Sarrubbo
mais sensíveis para lesões perder lesões durante esse
distais. Os testes com base exame. Apesar da possibi-
na heme-porfirina permitem lidade do sítio de lesão ser
a identificação de causas o intestino delgado, diante
mais altas, mas necessitam dos resultados negativos de
de aparato laboratorial com- EDA (endoscopia digestiva Produção editorial:
L.F. Comunicações Ltda.
plexo e apresentam altas ta- alta) e colonoscopia, a repe- Editor:
xas de falso-positivos, com tição de tais procedimentos Luiz Laerte Fontes
LLFontes@LFComunicacoes.com.br
custos semelhantes aos dos é uma precaução justificável Revisão:
Otacília da Paz Pereira
testes imunoquímicos, sen- na maioria das vezes, antes Arte:
do, portanto, de uso clínico de se prosseguir com a in- Lucia Fontes
Lucia@LFComunicacoes.com.br
limitado. vestigação (Tabela 5).
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Tabela 2
Causas de sangramento digestivo
baixo em crianças e adolescentes

RN Crianças (1m-2a)
• Alergia PLV • Alergia PLV
• Deglutição de • Fissura anal
sangue materno • Intussuscepção
por meio de
rachadura do • HDA
mamilo • Enterocolite
• HDA infecciosa
• Enterocolite • D.Meckel
necrosante • Malformação AV
colônica

Criança (2-12a) Adolescente


(12-18a)
• Fissura anal
• Pólipo juvenil • Fissura anal
• Enterocolite • Enterocolite
infecciosa infecciosa
• DII (Doença • DII (Doença
inflamatória inflamatória
intestinal) intestinal)
• Úlcera retal • Pólipo juvenil
solitária • Úlcera retal
• Duplicação solitária
intestinal • Malformação
• Púrpura Henoch- AV colônica
Schönlein • Hemorróida
• S.Hemolítico- • Duplicação
Urêmico intestinal
• Malformação • Colopatia
AV colônica hipertensiva
portal

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Causas de os três anos, apesar de co-


sangramento lonoscopia e EDA normais.
gastrintestinal Avaliada no Hospital Sant
baixo Joan de Déu, Universidade
As principais causas de de Barcelona, com palidez
hemorragia digestiva baixa cutâneo-mucosa, taquicar-
estão listadas na Tabela 6. dia, sopro sistólico e sangue
Um exemplo real da di- oculto presente nas fezes.
ficuldade na localização da Foram afastados APLV e
HDB é exemplificado pelo doença celíaca (DC), por
quadro clínico de MEVB, meio de retirada do leite de
5 anos, feminino, brasileira, vaca. Entretanto, houve a
natural e procedente de São manutenção dos sintomas
Paulo (capital). Apresentou clínicos, mas o anticorpo
episódio de enterorragia aos antiendomísio e a biópsia
dois meses de vida, diagnós- de mucosa duodenal foram
tico inicial de alergia à proteí- normais. O EDA mostrou
na do leite de vaca (APLV) e esofagite erosiva superficial
tratada com fórmula hipoa- em terço médio e inferior,
lergênica. Manteve anemia com pesquisa de H. pylory
ferropriva e recebeu duas negativa e a cintilografia
transfusões sangüíneas até para Divertículo de Meckel

Tabela 3
Avaliação e exame físico no
paciente com hemorragia digestiva
baixa

Exame físico geral:

Temperatura, freqüência cardíaca, pressão


arterial, perfusão periférica, nível de consciência;
Taquicardia: perda sangüínea aguda e grave;
Palidez, hipotensão, retardo do enchimento
capilar, sudorese, confusão mental: hipovolemia
grave e choque;
Febre: processo de infecção ou inflamação.

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com Tc99 também nega- cias marcadas não eviden-


tiva. A arteriografia abdo- ciou sangramento ativo. A
minal indicou pequenas le- colonoscopia foi normal.
sões no íleo. O exame com Foi repetida a EDA, após
cápsula endoscópica aos 4 tratamento com inibidor
anos confirmou uma área de bomba de prótons, com
de mucosa eritematosa no normalização do exame.
íleo médio-proximal pseu- Evoluiu com persistência
dopoliposa (angiodisplasia). de sangue oculto nas fezes,
A cintilografia com hemá- palidez cutâneo-mucosa,

Tabela 4
Avaliação e exame físico no
paciente com hemorragia digestiva
baixa

Exame físico especial:


→ Exame do ânus
fissura, fístula DC (doença de Crohn)
toque retal: presença de pólipo
→ Pele
eczema: associação com APLV
pioderma gangrenoso, eritema nodoso: DII
hemangioma cutâneo ou telangiectasia: lesão
gastrintestinal
petéquia, equimose ou púrpura: coagulopatia,
trombocitopenia ou P. Henoch-Schönlein
pigmentação cutânea, perioral ou oral: S.Peutz-
Jeghers
tumores de tecidos moles ou ósseos: S.Gardner
dedos hipocráticos: cirrose hepática, DII, FC
(fibrose cística),
icterícia, aranhas vasculares, eritema palmar,
ginecomastia: cirrose
abdome: tenso ou massa no quadrante inferior
direito: intussucepção, duplicação intestinal, DII

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adinamia e recebeu sucessi- encaminhada para equipe


vas transfusões sangüíneas. cirúrgica pediátrica, porém
Foi proposto aos familiares os familiares desistiram mais
tratamento com talidomina, uma vez da opção cirúrgica,
fármaco com efetividade descontinuando o seguimen-
no sangramento digestivo to ambulatorial.
secundário à angiodisplasia
intestinal ou tratamento ci- Conclusão
rúrgico. Os familiares recu- O diagnóstico diferen-
saram a conduta cirúrgica, cial da hemorragia digestiva
voltando para o Brasil. Aqui, baixa varia desde entidades
foi administrada sandostati- benignas, autolimitadas a
na de liberação lenta intra- situações de emergência, im-
muscular uma vez ao mês, plicando diagnóstico e trata-
com aparente sucesso nos mento imediatos. É muito
dois primeiros meses, mas importante para o diagnós-
voltando aos sintomas ante- tico o trabalho conjunto do
riores após esse período. Foi pediatra, do gastroenterolo-
iniciado o tratamento com gista pediátrico e, em algu-
talidomida, sem resposta clí- mas situações, do cirurgião
nica após quatro meses. Foi pediátrico.

Tabela 5
Hemorragia digestiva em Pediatria:
diagnóstico

→ 99 mTc marcado com enxofre: sangramento


contínuo (0,1 ml/min)
→ Cintilografia com hemácias marcadas com 99
mTc: sangramento GI contínuo/intermitente (0,3
ml/min)
→ Angiografia abdominal seletiva (1 ml/min)
→ Cápsula endoscópica
→ Laparotomia/laparoscopia + enteroscopia
intraoperatória

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Tabe
Causas mais freqüentes de sangramento d

Idade História

Neonato Distensão abdominal, vômito bilioso, irritabilidade,


prematuridade e pequeno para a idade gestacional
Neonatos e crianças História benigna de fezes com sangue visível ou oculto

Todos, mais comum em Sangramento intestinal súbito, maciça, ausência de dor


crianças menores de 2 anos abdominal
Todos, mais comum entre Passagem de fezes com aspecto de geléia de morango,
3 meses a 3 anos vômito bilioso
Todos, mais comum entre Perfil do cuidador, história médica
a infância e pré-escolares
Mais comum em crianças Diarréia mucosangüinolenta e dor abdominal
menores de 5 anos
Crianças menores de 7 anos Dor abdominal e artralgias
Mais comum entre a idade de Sangramento retal vermelho vivo, indolor
3 a 10 anos

Todos, mais comum no Defecação dolorosa, fezes infreqüentes, duras,


pré-escolar e escolar diminuição de apetite, comportamento retencionista,
escape fecal
Todos, mais comum em pré- Viagem a outro país, ingestão de alimentos
escolar e escolar contaminados, nadar e beber água de lagos, açude etc.;
contato domiciliar com pessoa doente e permanência
em creche; cólica abdominal, diarréia, urgência; uso de
antibióticos
Todos Constipação crônica, hipertensão portal, doença
hepática, ardor e dor perianal
Todos Sangue nas fezes, ausência de dor retal e dor
abdominal

Todos História familiar positiva de violência ou abuso, história


não combina com exame físico
Rara em crianças Sangramento intestinal e anemia intensa recorrente

Neonatos e infância Sangramento gastrintestinal baixo raro, anemia,


constipação intestinal

8
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ela 6
digestivo baixo em crianças e adolescentes

Exame físico/teste Diagnóstico

Abdome tenso, Rx de abdome com sinais de Enterocolite necrosante


pneumatose intestinal
Normal, sangue oculto positivo, histologia com Colite a proteína de leite de
aumento de eosinófilos na mucosa intestinal/CGA vaca
(campo grande aumento)
Instabilidade hemodinâmica, cintilografia nuclear para Divertículo de Meckel
Divertículo de Meckel
Massa abdominal palpável, distensão abdominal, Intussuscepção
enema gastrográfico positiva
Sangue não pertence à criança Síndrome de Munchausen

Trombocitopenia, anemia hemolítica, insuficiência renal Síndrome Hemolítica-urêmica

Lesões cutâneas purpúricas e urticariformes Púrpura Henoch-Schönlein


Possível massa retal palpável, exame físico normal Pólipo juvenil
(exceto sangue nas fezes), remoção endoscópica com
confirmação histológica
Exame retal: reto alargado, fezes endurecidas, fissuras, Constipação intestinal
distensão abdominal
Rx de abdome: retenção fecal
Febre, diarréia sangüinolenta, cultura de fezes positiva Infecção, suspeita de
Clostridium difficile

Nódulos azulados protusos do ânus, esplenomagalia Hemorróida

Exame físico normal. Pode minetizar DII, no enema Hiperplasia nodular linfóide
opaco, a colonoscopia e biópsia confirmam o
diagnóstico
Fissura perianal ou dilaceração, queimadura da área Abuso sexual infantil
perianal ou outro sinal de abuso físico
Palidez intensa, colonoscopia, cintilografia para Angiodisplasia
pesquisa de sangramento intestinal, cápsula
endoscópica
Proctoscopia: múltiplas lesões planas compatíveis Síndrome de Klippel-
com hemangiomas submucosos planos no reto e no Trenaunay
sigmóide; a tomografia do abdome: dilatação dos vasos
pélvicos; hipertrofia óssea e de tecidos moles

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