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RESUMO
Subintitulada Estórias que ilustram a História, a obra literária Ninguém matou Suhura
(1988), de autoria da moçambicana Lília Maria Clara Carriére Momplé, oportuniza a
apreensão da realidade vivenciada no país de origem da supracitada escritora entre os
idos de 1935 e 1974, período de intensa instabilidade e hostilidade ocasionadas pela
violência colonial a qual eram submetidos seus compatriotas. O presente artigo aborda
a ficção contemporânea produzida em Moçambique sob uma dupla concepção: (1)
pós-colonial, aqui concebida como um conjunto de práticas discursivas de
enfrentamento as ideologias coloniais através de obras literárias que denunciam as
agruras do “ser” colonizado submetido à degradação física/moral e (2) a autoficional,
tendo em vista o fato da referida autora empreender uma perspectiva de escrita de si,
enquanto sujeito oprimido e comunidade subjugada por questões econômicas, sociais
e raciais, externadas a partir da ficcionalização de experiências próprias e alheias que
justificam a resistência aos resquícios da colonização, sinônimo de escravidão. Para
tanto elencamos três dos cinco contos que compõem a coletânea: Aconteceu em Saua-
Saua, O baile de Celina e Ninguém matou Suhura, a fim de analisar aspectos inerentes
ao pós-colonialismo e autoficção conforme problematização de Leite (2012), Klinger
(2007) e Fanon (2005), Bonnici (2009), Santos (2010), Colonna (2014) dentre
renomados autores que dedicam-se a linha de pesquisa aqui empreendida.
1
Graduada em Letras, pela Universidade Estadual da Paraíba; mestranda no Programa de pós-
graduação em Literatura e Interculturalidade, da mesma universidade. E-mail:
<ci.di.nhampb@hotmail.com>.
2
Graduado em Letras, pela Universidade Federal de Campina Grande; mestrando no Programa de pós-
graduação em Literatura e Interculturalidade, da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
<olavo.barreto@live.com>.
Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
[Digite texto]
INTRODUÇÃO
2 Do pós-colonialismo a autoficção
A autoficcção biográfica
Definição- o escritor continua sendo o herói de sua história, o pivô
em torno do qual a matéria narrativa se ordena, mas fabula sua
existência a partir de dados reais, permanece mais próximo da
verossimilhança e atribui a seu texto uma verdade ao menos
subjetiva ou até mais que isso. (COLONNA, 2014, p. 44)
naquele ano a seca castigara o pais, este lança-se numa incessante marcha a fim de
conseguir os dois sacos de arroz que lhe faltam para alcançar a meta estipulada,
desolado por conhecer a punição imposta aos que não alcançavam o propósito,
destinado a jamais voltar a plantação de sisal e temendo ser abandonado pela segunda
esposa, esta personagem resolve pôr fim a própria vida, como forma de resistência a
opressão colonial.
Para além das inúmeras e frutíferas possibilidades de análise fornecidas por
esse conto, optamos por enfatizar os discursos de poder associados aos processos de
subalternização empreendidos por aqueles que possuem status de dominador. Para
tanto selecionamos no referido conto dois trechos nos quais o colonizador impõe sua
força de dominação sobre o colonizado, de modo a este deixar transparecer em sua
performance corporal e postura psicológica a valorização do dominante, neste
processo, inicialmente, encontramos, nos momentos finais do conto, o seguinte
excerto:
condição racial está marcada de modo determinista, pois apesar dos esforços da
genitora e sua filha, esta será proibida de participar do baile de formatura,
- Quero avisar-vos que não podem ir ao baile dos finalistas [...] Sem
dúvidas que vocês compreendem [...] Vem o senhor Governador-
Geral e pessoas que não estão habituadas a conviver com gente de
cor. E vocês também não haviam de sentir-se à vontade no meio
deles! Para evitar aborrecimentos de parte a parte, achamos melhor
vocês não irem ao baile[...]. (MOMPLÉ, 2009, p. 50-54)
[...] aos 13 anos, estudei no Liceu Luís Salazar, uma escola que era
apenas para brancos e pessoas com as melhores condições. Eu era a
única negra e minha mãe teve que fazer muito sacrifício para que eu
estudasse lá. Ela passava noites a costurar para poder pagar a minha
escola, foi uma fase muito difícil. Foi mesmo um acto heroico estudar
lá. (MOMPLÉ, 2012, p. 09)
Escrevi o primeiro livro porque tinha uma carga muito grande sobre o
colonialismo em Moçambique. Eu tinha raiva do colonialismo. Muita
raiva. Tinha raiva da injustiça. Eu nunca me conformava por tudo que
via: massacres sofrimento, opressão isso incomodava-me. Escrevi o
Ninguém Matou Suhura porque eu queria conversar com alguém
sobre o que vi e vivi durante aquele tempo. Tinha que me revelar.
(MOMPLÉ, 2012, p. 09)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BONNICI, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialistas. In: _____; ZOLIN, Lúcia Osana
(orgs.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3ª ed.
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COLONNA, Vicent. Tipologia da autoficção. In: _____. Ensaios sobre a autoficção. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2014 p. 39-66.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S. A.,
1968.
HALL, Satuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2003.
KLINGER, Diana Irene. Escritas de si, escritas do outro o retorno do autor e a virada
etnográfica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007
LEITE, Ana Mafalda, Oralidades e escritas pós-coloniais: estudos sobre literaturas
africanas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.
MOMPLÉ, Lília. Ninguém matou Suhura. Maputo: AEMO, [1988] 2009.
_____. Entrevista: “se não escrever mais nada não me importo”. In: Literatas. Centro
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agosto de 2012. p. 11-13.
SPIVAK, Gayatri Chacravorty. Pode o subalterno falar? Trad. Sandra Regina Goulart de
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SAMUEL, Rogel. Teoria pós-colonial. In: _____. Novo manual de teoria literária. 5ª ed.
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2010.