Você está na página 1de 157

Colecção SABER

por
V. GORDON CHILDE
Antigo director do Instituto de Arqueologia
na Universidade de Londres

PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA
45, RUA DAS FLORES
LÍSBOA-2
/J)i-fn
ia obra foi traduzida ãa cãkão original,
com o título A Sliorí Introduetzon to
Areliaelogy.

Tradução c prefácio de Jorge Borges de


Macedo.

Copyright by Frederielr Muller, Ltd.

Todos os direitos reservados para a língua por-


tuguesa por Publicações Europa-América, LM

U-JLU
HJL- á~Y A
jvyjfX
- tíELSGU DE AZEVEDO BRÂrjC»
I bJ w M t-..* ÍH w ç
PREFACIO

Uma intenção de divulgar obras e historiadores cen-


trais da cultura contemporânea não podia esquecer
V. Gorãon Ghilãe, cujos trabalhos aliam a rara preo-
cupação de tirar conclusões úteis para a cultura histó-
rica, no sentido da procura de uma evolução inteligível,
a uma rigorosa técnica de pesquisa. Entre nós, muitas
das suas ideias e conclusões estão, de há muito, ao
alcance do público, pois datam de 19k1 as primeiras
traduções das suas obras. E o próprio grande pré-Ms-
toriaãor conhecia o nosso país, que, mais de uma vez,
visitou.
Só agora, porém, se divulga em língua portuguesa
uma obra metodológica sua sobre a ciência da Arqueo-
logia, que, com tanta profundidade e tão fecundamente,
soube cultivar. Livro essencialmente prático este, feito
no sentido de disciplinar interesses dentro de uma téc-
nica sólida, sem a qual eles não serão mais que simples
curiosidades desprovidas de alcance científico. É tam-
bém, julgamos, a primeira vez que, em Portugal, se
publica um livro com esta finalidade. Carácter prope-
dêutico, que a sua formação de especialista —no sentido
superior do termo — não deixa transformar em má di-
vulgação que escamoteia as reais dificuldades da ciência.
Proveitosa leitura para quem deseja iniciar trabalho
u,.n,uão pela mão segura do pesquisador comprovado;
"cvisão crítica, e sintética dos métodos próprios âa
Arqueologia para quem dela se ocupa e conhece as
dificuldades da sua especial metodologia. Aliás, não são
frequentes os trabalhos com esta dupla vantagem, e só é
possível fazê-los, após uma longa vida de investigação, nos
seus aspectos práticos e interpretativos. É de salientar
o facto de o Autor se limitar ao campo tradicional das
técnicas de observação directa e de síntese imediata,
sem abordar métodos instrumentais mais complexos, como
que a advertir, lucidamente, que os primeiros instru-
mentos que o jovem pesquisador deve saber utilizar são
os olhos e as mãos. Passado este «exame» da perícia
natural, poderá entrar então nas técnicas especiais, cuja
aprendizagem e estudo não podem fazer-se era obras de
divulgação ou de propedêutica:
Há em Portugal um inc mtestável interesse pelas
pesquisais arqueológicas, tanl.< históricas como pré-his-
tóricas, e não são poucos os problemas ãa história
portuguesa, que aquelas podem resolver. Motivo mais que
suficiente para se procurar pôr ao alcance do maior,
número este útil livro de Gordon Chilãe. Seja a sua
difusão a nossa homenagem à sua memória.

O TKADUTOK
CAPÍTULO I

ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA

I — Testemunhos arqueológicos

A arqueologia é uma forma de história e não u m a


simples disciplina auxiliar. Os dados arqueológicos são
documentos históricos por direito próprio e não meras
abonações de textos escritos. Exactamente como qualquer
outro historiador 1 , um arqueólogo estuda e procura re-
constituir ò processo pelo qual se criou o mundo em que
vivemos — e nós próprios, n a medida em que somos
criaturas do nosso tempo e do nosso ambiente social. Os
dados arqueológicos são constituídos por todas as alte-
rações no mundo material resultantes da acção humana,
ou melhor, são. os restos materiais da, conduta humana.
O seu conjunto constitui os chamados testemunhos
arqueológicos. Estes apresentam particularidades e limi-
tações cujas consequências se revelam no contraste bem
visível entre a história arqueológica e a outra forma
usual de história, baseada em documentos escritos.
Nem toda a conduta humana se conserva registada
materialmente. As palavras que se pronunciam e alguém
ouve, enquanto ondas sonoras, são, sem dúvida alguma,
alterações que o homem realiza no mundo material e que
podem ter grande significado histórico. No entanto, não
deixam qualquer indicação arqueológica, a menos que
sejam captadas por um dictafone ou registadas por um
10 . V. GORDO® OHILDE

escriba. O movimento de tropas no campo de batalha pode


«mudar o curso da história», mas, sob o ponto de vista
arqueológico, também é efémero. Além disso (o que
talvez agrave a situação), a maior parte dos restos mate-
riais orgânicos são perecíveis. Tudo o que é feito de
madeira, couro, lã, linho, vegetais, cabelo ou materiais
semelhantes,- quase todos os alimentos animais e vegetais,
etc, se .decompõe, desaparecendo em anos ou séculos, a
não ser em condições excepcionais. Num espaço de tempo
relativamente curto, os vestígios arqueológicos reduzem-
-se a meros pedaços de pedra, osso, vidro, metal, cerâ-
mica, vasos vazios, gonzos sem portas, vidraças partidas,
sem caixilho, machados sem cabo, buracos de poste sem
postes. Pode avaliar-se a amplitude deste desgaste dos
materiais observando superficialmente as galerias de
etnografia de qualquer museu. Ainda se poderá ver
melhor consultando o catálogo de um depósito geral
— do Exército ou da Marinha, por exemplo — e retirando
todas as páginas referentes a substâncias alimentares,
têxteis, artigos de papel, mobiliário de madeira e outros
produtos semelhantes: o grosso volume ficará reduzido
a um delgado folheto. Não nos devemos esquecer que,
mesmo na Inglaterra, há alguns séculos atrás, eram de
madeira não só os carros de transporte, mas também
máquinas de complicadas engrenagens, feitas de madeira
e couro, não tendo sequer pregos metálicos, ao mesmo
tempo que, numa herdade, se usavam recipientes feitos
de madeira ou de couro em vez de porcelana e
de cerâmica. Apesar de tudo, a moderna arqueologia,
aplicando técnicas apropriadas e métodos comparativos,
ajudada por alguns curiosos achados em turfeiras e em
desertos ou regiões geladas, é capaz de completar uma
boa parte destes vazios.
O que irreparàvelmente desapareceu foram os pensa-
mentos que não se exprimiram nem as intenções que não
se executaram. Ora, tem-se dito que toda a história 6 a
história do pensamento. Acaso este ponto de vista inva-
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA

lidará a afirmação de que a arqueologia é uma fornia


de história? De modo nenhum. Um pensamento ou uma
intenção só poderão ter significado histórico quando se
exprimem numa acção pública. Por muito extraordinária
que seja a visão atribuída a um projecto, por muito
engenhosa que seja a criação concebida por um inventor,
o seu significado histórico é perfeitamente nulo se não
for expresso ou comunicado a alguém —- a menos que
tenha podido inspirar discípulos no sentido de os fazer
aceitar ou difundir a mensagem, ou que tenha preparado
aprendizes no sentido de reproduzir a sua invenção e de
induzir os clientes a usá-la. Na verdade, qualquer histo-
riador só pode ter em consideração pensamentos objec-
tivados no consenso da sociedade ou que" tenham siãe-
adoptados, aplicados e realizados por um grupo de
conceptualizadores que são também os agentes.
Todos os dados arqueológicos constituem expressões
de pensamentos e de finalidades humanas e só têm inte-
resse como tal. ÍÊ este facto que diferencia a arqueologia
da filatelia ou de uma colecção de arte. Selos e gravuras
têm valor em si, enquanto os dados arqueológicos só
servem pela informação que fornecem sobre o pensa-
mento e o rnodo de vida de quem os fez ou usou.
Os resultados mais correntes da conduta. humana, os
dados arqueológicos mais vulgares, podem chamar-se
artefactos, coisas feitas ou desfeitas por uma deliberada
acção humana. Os artefactos incluem utensílios, armas,
ornamentos, vasos, veículos, casas, templos, canais, fos-
sos, túneis de minas, poços de refúgio, e mesmo árvores
derribadas pela acção do homem, ossos intencionalmente
quebrados para extrair o tutano ou quebrados por uma
arma. Alguns são objectos móveis que podem ser reco-
lhidos, estudados num laboratório e porventura expostos
num museu; costumam ter a designação de restos. Outros
há que ou são demasiado pesados e volumosos para pode-
rem ter um tratamento daquele tipo, ou estão inteira-
mente ligados à terra, como, por exemplo, as galerias
IS " V. GORDON CJIILDE

das minas: são designados por monumentos. Mas há


muitos dados que, estritamente, nem são artefactos nem
restos ou monumentos. Uma concha mediterrânica num
campo de caçadores do mamute existente no Médio
Don ou numa aldeia neolítica do Reno é um precioso
documento na história do comércio, embora não seja
um artefacto. A deflorestacao do Sudoeste da Ásia e a
transformação do solo das pradarias de OMahoma em
massas de poeira resultaram de acção humana. Tanto
um como outro desses factos são acontecimentos histo-
ricamente significativos e, por definição, dados arqueo-
lógicos. Contudo, os seus autores em nenhum dos dois
casos pretenderam conscientemente ou prepararam deli-
beradamente qs seus lamentáveis resultados. Se um sis-
tema de irrigação é um artefacto, já o não é um deserto
produzido por um acidente.
O público, ao que suponho, considera como monumen-
tos as ruínas cobertas de erva, blocos de pedra escul-
pidos ou com inscrições. Para muitos outros, restos são
as moedas soltas, objectos de sílex apanhados nos campos,
lavrados ou em escavações ou ainda recordações pes-
soais — um botão do fato do príncipe Carlos, a falange
de um mártir, um dente de Buda. Nenhum deles, porém,
pelo menos do último grupo, pode ter qualquer signi-
ficado como dado arqueológico. Para que um objecto
tenha um significado decifrável por um arqueólogo, é
preciso que tenha sido encontrado dentro de um contexto.
TJm arqueólogo pode classificar ruínas e dar-Ihes assim
um sentido histórico porque nem estão vazias nem iso-
ladas. Contém —também fragmentariamente— restos
deixados pelos seus construtores e ocupantes; normal-
mente, em qualquer zona arqueológica, as várias ruínas
estão, de uma forma mais ou menos rigorosa, ajustadas
a um mesmo plano e, neste caso, podem considerar-sé
pertencentes a um conjunto de vestígios semelhantes.
Quando assim é, da distribuição dos monumentos pode
extrair-sa um plano estratégico ou administrativo.
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 13

II — Os tipos •

Ê evidente que se um monumento apresentar a inscri-


ção «John Doe, falecido em 1658», poderá ser classificado,
pelo menos, cronologicamente. O mesmo se dirá de um
objecto onde está indicado o nome do fabricante e a data
do fabrico. Mas, em compensação, um utensílio isolado
' de ped~a só terá significado se estiver estreitamente rela-
cionado com outros utensílios encontrados num contexto
significativo, pelo qual se qualifiquem tecnicamente, a
menos que esteja de acordo com um tipo j á definido.
Como se pode ver, pela observação do conjunto de u m a
; colecção, os utensílios de pedra, apresentam um.'número
enorme de formas e dimensões diferentes. U m dado íipe
aparece na Grã-Bretanha em sepulturas situadas debaixo
de elevações circulares, e é muitas vezes acompanhado
de pequenos obectos de cobre ou bronze; um outro tipo
aparece, por vezes, em elevações sepulcrais dispostas nc
sentido do comprimento, nunca contendo objectos metá-
licos; um outro, ainda, pode encontrar-se em eavomas.
junto com ossos de rena ou de animais desaparecidos; e
assim sucessivamente. Se o utensílio isolado se relaciona
com qualquer destes tipos referidos, poderá o arqueólogo
localizá-lo cronologicamente, dentro" de um período rela-
tivo, indicando também que os homens viveram perto do
local do achado, num determinado período. Mas at o
utensílio for único, não constitui um dado p a r a a arqueo-
logia. Não passa de uma simples curiosidade até que um
utensílio semelhante, isto é, do mesmo tipo, possa ser,
observado num contexto arqueológico significativo.
Nestas condições, a definição dada n a p. 9 pode ser
agora reformulada da seguinte forma: o testemunho
arqueológico é constituído por «tipos» encontrados em
«associações» significativas. Mas tanto o termo «tipo»
como «associação» exigem uma explicação mais pro-
funda. Â arqueologia começa por ser uma ciência classi-
ficadora, corno a botânica ou a geologia. Só depois de
V. GOBDON CHILDE

classificar os dados é que o arqueólogo os começa a


interpretar, para lhes extrair a história. Ora uma classe
é uma abstracção, e, deste modo, os arqueólogos tratam
com abstracções, tal como, afinal, os outros cientistas.
TJm zoólogo, por exemplo, pode estudar cavalos — classes
c espécies de cavalos—, mas não os cavalos individuais.
Partindo dos seus estudos, pode fazer generalizações e,
em seguida, previsões acerca da conduta provável de
qualquer tipo representativo de uma determinada subes-
pécie (casta), quer dizer, sobre as suas probabilidades
de eficiência a puxar um arado ou a transportar cargas
nas altas montanhas. Mas já nenhum zoólogo pode prever
que cavalo ganhará uma corrida de obstáculos. Os cál-
culos do apostador das corridas não são deduções sobre
generalizações científicas, mas baseiam-se em estimati-
vas subjectivas sobre a «forma». O arqueólogo deve imi-
tar o zoólogo:-estuda abstracções — tipos de vestígios,
de monumentos e de acontecimentos arqueológicos; o
papel do «apostador em cavalos de corrida» assemelha-se
ao de um avaliador de obras de arte.
Certamente que não há dois produtos de trabalho
manual humano absolutamente iguais. Até num auto-
móvel montado com elementos feitos em série se podem
encontrar desconcertantes diferenças no fabrico. As dife-
renças entre várias cadeiras ou pares de sapatos, feitos
por um mesmo artista, podem ser ainda mais acentuadas.
No entanto, todos os sapatos fabricados pelo Sr. X. estão
perfeitamente de acordo com o padrão médio que satis-
faz aos seus clientes, e, no conjunto, esse padrão conserva
uma semelhança tão estreita com a moda de sapatos
para homem usados no bairro londrino de West End cm
1950 que os seus clientes, ao usá-los, não se consideram
ridículos nem estranhos nos seus clubes. De facto, apesar
das pequenas diferenças no corte e no acabamento, os
sapatos usados na cidade peia camada mais elevada da
classe média londrina são de tal modo semelhantes que
qualquer sapato poderia ser imediatamente reconhecido
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 15

como próximo de um dos três ou quatro tipos de calçado.


Da mesma maneira, embora a moda mude com o tempo,
todas as facas usadas na Inglaterra em determinada
data (seja em 1950, 1750, 1250, 250 d. C. ou 250 a. C.)
reproduzem exactamente uma ou outra espécie de um
grupo muito limitado de padrões. Os arqueólogos têm
que ignorar as pequenas particularidades individuais de
uma dada faca e tratá-la como um exemplo de um ou
outro destes tipos-padrão, uma unidade Ce uma detex*mi-
nada classe de facas.
Só assim é possível reduzir a espantosa variedade
da conduta humana a proporções ajustáveis ao trata-
mento científico. Um arqueólogo, portanto, renuncia a
alguns dos objectivos usualmente pretendidos pelos histo-
riadores. Um" arqueólogo, como tal, pode estudar as
características gerais da pintura de um vaso grego,
traçar o seu desenvolvimento estilístico e distingui-lo da
arte cerâmica fenícia ou egípcia. Não seria já próprio
de um arqueólogo, mas de um historiador de arte, pro-
curar atribuir determinado phiale * mais a Euphronios
do que a Euthimedes ou fazer a apreciação estética sobre
uma qualquer idiossincrasia do pintor. Assim também
um arqueólogo, sem outro qualquer auxílio, poderia pre-
tender determinar aproximadamente onde e quando foi
inventado o carro de rodas ou a locomotiva. Mas só com
a ajuda de documentos escritos é que provaria que a
Rocket I 2 foi realmente a primeira locomotiva; e, como
os carros foram inventados antes da escrita, nunca
logrará identificar qual foi o primeiro. Em cada caso,
só quando o modelo original foi copiado e reproduzido
é que se tornou ura tipo e deste modo um dado arqueo-
lógico normal.

1
Prato grego. (N. do Tj
2
Refere-sé à locomotiva inventada por Stephenson em 1827
e que recebeu essa designação diferencial. (N. ão T.)
16 V. GORDOK CEILDE

A limitação da arqueologia aos tipos significa, eviden-


temente, a exclusão, na história arqueológica, de actores
individuais. Uma história deste tipo não pode aspirar a
ser biográfica e os arqueólogos estão excluídos da escola
histórica que estuda a acção do «grande homem». Vere^
mos mais adiante que, numa história arqueológica, os
actores são as sociedades e o desaparecimento das per*
sonae individualmente consideradas não tira interesse
humano ao drama estudado nesta ciência. Mas torna-se
necessário explicarmos primeiro o significado do termo
«associação».
Diz-se que os dados arqueológicos estão associados
quando se verifica qt.e ocorrem conjuntamente em con-
dições que revelam UF. O contemporâneo. Um enterramento
pagão é um exemplo clássico de associação. Tomemos um
guerreiro, com ornatos e insígnias, acompanhado de ali-
mentos e bebidas, provido de um serviço completo de
mesa e deitado de costas num ataúde escavado num
tronco de carvalho, depois coberto por um monte sepul-
cral. Neste exemplo estão associados o esqueleto, o ritual
do enterramento, e as várias partes do equipamento
funerário constituem aquilo a que podemos chamar um
«conjunto». Da mesma maneira, todos os objectos dei-
xados no chão de uma casa abandonada à pressa, juntav
mente com a própria casa e os respectivos móveis, con-
sideram-se associados e são também chamados um «con-
junto». Mas este termo só com reservas poderá ser apli-
cado a tudo o que foi encontrado no local de uma casa,
num monte de entulho ou num depósito aluvial na mar-
gem de um rio. Se a casa foi ocupada por várias gerações,
esses objectos podiam ter sido enterrados no chão ou
ficado alojados nas fendas e. aberturas, tendo assim
diferentes idades. O conteúdo de um monte de entulho
pode também ser variado. Em ambos os casos, as téc-
nicas modernas permitem a um investigador distinguir e
formar vários "conjuntos consecutivos, extraídos de um
monte de entulho ou do local onde existiu uma casa; já
INTZiODUÇÃO À ARQUEOLOGIA

O mesmo não poderá fazer com um depósito aluvial. O


mesmo leito de cascalho de um rio pode conter utensílios
feitos e perdidos por homens em dada altura instalados
junto do curso do rio, juntamente com outros utensílios
que já se encontravam em depósitos formados cerca de
cem mil anos antes de as águas das cheias o terem
= apanhado e levado para o depósito aluvial das margens.
Num agregado assim formado nenhuma escavação, por
muito habilmente dirigida que fosse, seria capaz de dis-
tinguir conjuntos de tipos associados. Não obstante, o
exame do «estado de conservação» dos utensílios podia
ter. alguma utilidade para esse efeito.

IH — Coitaras

Ora, verificou-se que numa determinada área ou


região, num certo número de estações distintas aparecera
associados os mesmos tipos. Assim, nos nossos dias e na
Inglaterra, nos lugares das cidades bombardeadas, veri-
ficaríamos que a maior parte das casas arruinadas tinham
sido construídas, em quase todos os casos, segundo o
mesmo plano, com o mesmo tipo de tijolos, e continham
fragmentos de espécies semelhantes de bules, caçarolas,
chaleiras, cutelaria, peças soltas, garrafas de cerveja,
válvulas de rádio, etc. A mesma uniformidade, pelo
menos, se poderia observar nas ruínas das cidades do
Norte da Rússia bombardeadas pela mesma altura, mas
as casas seriam de madeira e não de tijolo e os planos
de construção, mobiliário e conteúdo seriam profunda-
mente diferentes dos ingleses. Ao conjunto de tipos seme-
lhantes que em diferentes estações aparecem sempre
ligados chamam os arqueólogos uma cultura. Desde que
se possam pôr em contraste dois ou mais desses agrega-
dos, como, por exemplo, os conjuntos próprios das cida-
des russas e das inglesas, a expressão também pode ser
usada no plural. De facto, tal como os antropologistas,

I. A.—2
V. GORDON CHILDB

os arqueólogos empregam em sentido parlitivo esto teimo


de bem difícil uso. Neste sentido, o termo «cultura» é
usado com frequência em literatura arqueológica e o seu
sentido é tão especial que precisa ser mais bem anali-
sado e justificado, mesmo ã custa de um pequeno desvio.
Os antropologistas e os arqueólogos empregam o
termo para designar tipos de conduta comuns a um grupo
do pessoas, a todos os membros de uma sociedade. Essa
conduta é ensinada quer pelos mais velhos âs crianças,
quer por uma geração à geração seguinte. De facto,
quase toda a conduta humana é aprendida deste modo.
Os homens herdam, em número muito'reduzido, instintos
inatos, ou antes, instintos muito generalizados, aos çjiais
a educação dã forma, se acaso se destinam a garantir ou
a satisfazer a acção. Ao contrário âos cordeiros ou dos
gatos, as crianças humanas têm que ser ensinadas
quanto ao que hão-de comer, e o efeito deste antigo
treino é tão forte que muitas pessoas não podem real-
mente digerir um alimento são e nutritivo se a ele não
estiverem habituadas. Em consequência disso, não há
um único padrão de conduta com que todos os membros
da espócie humana se conformem, na mesma amplitude
que, por exemplo, se verifica com um carneiro ou um
bacalhau. Por outro lado, cada sociedade humana impõo
aos seus membros uma estreita conformidade com pa-
drões ou normas de conduta mais ou menos rígidos.
Pelos mesmos motivos, todos deveríamos falar a
mesma linguagem. Não inventamos as- palavras que usa-
mos nem as regras de gramática e de sintaxe que regulam
o seu uso. A sociedade apresenta-no-las completamente
elaboradas e nós não temos que as escolher, mas que as
aceitar. Até a nossa escolha de roupas está muito limi-
tada. Não ocorreria ao inglês médio sair à rua em roupa
interior ou com um fato sem mangas em vez de o fazer
com o seu habitual par de calças e casaco. Mas, mesmo
que o quisesse, não poderia comprar semelhante vestuário
Bum alfaiate de Londres. Se ele convencesse um alfaiate
B«iw e w*Wíws»Fr e ' w ^^

INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 19

a fazer-lhe um tal fato especialmente para si, sentír-sê-ia


ridículo c pouco ã vontade quando entrasse num auto-
carro. Ê evidente que são peimitidos certos desvios indi-
viduais. Não há duas pessoas que pronunciem as palavras
da mesma maneira nem que usem exactamente o mesmo
vocabulário. Apesar da instrução compulsiva e da B. B. C,
muitas pessoas preferem dizer «eu» a «para mim» e «seu»
cm vez «dele», e possivelmente estes últimos vestígios
de declinação virão a ser eliminados da linguagem cor-
rente, como já o foram no inglês o conjuntivo e o dativo.
Noutros domínios, torna-se possível nos povos civilizados
uma escolha mais ampla e uma maior liberdade para
os caprichos individuais. Mas quanto mais pequena foi'
a sociedade menos liberdade eia concede ao indivíduo
para se desviar das normas de conduta aprovadas. Num
atol do coral do Pacífico ou num vale do uma montanha
da Nova Guino, a conduta é infinitamente mais uniforme
do que em Manchester ou em Zurique. Por um lado,
dificilmente se apresentará a ura ilhéu do Pacífico ou
a um tribal papua qualquer alternativa de conduta,
tais como as que se apresentam a um inglês letrado, que,
pelo menos, tem um conhecimento de leitura sobre hábi-
tos curiosos de estrangeiros e pode ter visto chineses
comerem com pauzinhos. Por outro lado, a força da
opinião pública é muito mais compressiva numa pequena
comunidade. Numa grande cidade, as excentricidades no
vestuário não provocarão vaias de censura ou demons-
trações hostis; numa aldeia, as crianças escarnecerão de
qualquer anormalidade e os adultos poderão fazer sentir
a sua reprovação de maneira ainda menos agradável.
Os padrões tradicionais de conduta são mais diver-
gentes nas sociedades pequenas do que nas .grandes.
Contudo, mesmo no nosso mundo contemporâneo da
mecanização e da transmissão rápida das normas de
conduta, os padrões de correcção e de beleza são dife-
rentes entre Russos, Ingleses e Norte-Americanos. E
muitas destas divergências de tradição exprimem-se, como

II
. V. GORDON GHIL.DE

se viu, em diferenças referenciáveis em objectos mate-


riais, capazes de se tornarem dados arqueológicos. As
diferenças nas modas de vestuário ou de arquitectura
domestica reflectir-se-ão em vestígios arqueológicos e
não em diferenças dialectais.
Para distinguir as várias culturas, os arqueólogos
utilizam as tradições divergentes que se revelaram mate-
rialmente em resultados diversos, ou melhor, em que são
diferentes os resultados materiais dos actos inspirados
por essas tradições. E os arqueólogos consideram que
cada uma destas culturas representa uma sociedade. Uma
cultura —importa lembrar— é justamente um conjunto
de tipos que se encontram constantemente juntos num
certo número de estações. Ora dá-se o nome de tipo ao
resultado de uma série de acções distintas inspiradas
por uma e mesma tradição. Os tipos estão associados
porque as várias tradições neles expressas são conser-
vadas e aprovadas por uma única sociedade. E o mesmo
conjunto de tipos aparece num certo número de estações,
porque todas as estações foram oeupatlas pelos membros
de uma e mesma sociedade. Que espécie de unidade essa
sociedade apresentava — se uma tribo, uma nação, uma
casta, uma profissão — dificilmente se poderá conhecer
através de dados puramente arqueológicos. Mas as socie-
dades — embora não possam receber designação pró-
pria— constituem, para os arqueólogos, os actores do
drama histórico.

IV — O tempo arqueológico

A conduta tradicional pode alterar-se no decurso do


tempo. Os tipos expressivos dessa conduta podem variar,
iiâo sô quando são produzidos por diferentes sociedades,
mas também quando as modas se modificam dentro de
«ma mesma sociedade. Consequentemente, podemos pôr
cm contraste a cultura inglesa de 1945 tanto com a
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGÍÁ 21

cultura inglesa de 1585 como com a cultura russa do


1945. O plano de uma cidade Tudor e os edifícios qu©
a formavam, assim como o mobiliário e o restante con-
teúdo, são diferentes do plano, mobiliário c conteúdo do
u m a cidade inglesa contemporânea, tal como esta é dife-
rente de uma cidade russa. Concretamente, portanto,
cultura significa o mesmo em ambos os casos: um con-
junto de tipos quí. constantemente se e n c o n t a m juntos.
Mas, no segundo sentido, no que se refere à interpretação,
o caso é diferente. Dos testemunhos escritos, inferimos
(e, porventura, poderíamos inferir o mesmo dos dados
arqueológicos) que .'i cultura inglesa actuai, com todos
os seus elementos componentes, se desenvolveu a p a r t i r
da cultura inglesa Tudor. num contínuo processo de pro-
gressão científica e tecnológica, mudanças económicas
•e políticas, sem qualquer quebra n a tradição e sem qual-
quer substituição da sociedade que realiza essas tradições
por outra com uma constituição genética diferente ou de
diferente ancestralidade cultural. Aquilo que nós quere-
mos dizer com «cultura Tudor» é a «cultura inglesa de
período Tudor». E de facto seria melhor dizê-lo dessa
forma, pois as expressões não são sinónimas.
Ora nos sucessivos níveis de uma estação estratifi-
cada, os arqueólogos observam conjuntos de diferentes
tipos em que uns se seguem aos outros. Por outras pala-
vras, observá-se uma sucessão de culturas; dizemos então
que existe, nessa estação, u m a sequência cultural. Desde
que os mesmos conjuntos s e apresentem n a mesma ordem
em diferentes e s t a ç õ e s — e n u m a região natural é o que
« m regra se verifica—, a expressão é inteiramente cor-
recta. N a verdade, um período arqueológico em qualquer
zona ou em qualquer estação dessa zona é realmente
constituído pela cultura, ou antes, pelos tipos caracte-
rísticos que, nas diferentes camadas, a distinguem daque-
les que os precedem ou seguem. Podem surgir confusões
se aplicarmos o mesmo termo tanto ã divisão cronológica
de' um dado conjunto arqueológico como aos elementos
i
E2 F. GOBDON CRILDE

característicos dessa mesma divisão. No caso da «cultura


Tu dor» não há qualquer ambiguidade; ninguém pensa
que o termo designa uma fase de cultura francesa, russa
ou qualquer outra que não a inglesa. Mas deve desde já
advertir-se o estudioso de que uma aplicação semelhante
aos conjuntos pré-histórieos tem suscitado tremendas
confusões (p. 47). Temos que aprender a distinguir entre
«períodos de cultura», isto é, fases gerais de cultura, e
«culturas», que resultam de divergências da tradição
social num mesmo período arqueológico. A terminologia
deveria reflectir esta distinção, mas, infelizmente* nem
sempre assim sucede.
Finalmente, há certos tipos que mudam mais depressa
que outros, assim como há muitos padrões tradicionais
de conduta comuns a várias sociedades distintas. Nos
últimos cinquenta anos, os tipos de automóvel mudaram
quase a ponto de se tornarem irreconhecíveis, enquanto
as carroças permaneceram praticamente inalteráveis.
No mesmo período a moda do calçado masculino quase
se não modificou, enquanto o gosto dos chapéus se alte-
rou muitíssimo. No mesmo sentido, as lâmpadas eléctri-
cas e os pires de uma cidade russa bombardeada serão
muito mais parecidos com os congéneres ingleses do que
os fogões ou bules. Os conjuntos arqueológicos especí-
ficos das divisões cronológicas ou outras diferem habi-
tualmente entre si num número muito escasso de tipos.
Os que são usados para distinguir culturas ou fases de
culturas têm a designação de tipos-fósseis — pois o con-
ceito é importado da geologia. Qualquer conjunto, sempre
que nele se encontra um tipo pelo qual se pode distinguir
um período, fica «datado» e atribuído ao período a que
tal tipo-fóssil pertence. Na classificação cronológica, por-
tanto, um único exemplar de um tipo-fóssil bem definido
é o suficiente para datar o conjunto em que está inte-
grado. No entanto, para poder definir uma cultura, o
tipo-fóssil tem que aparecer com frequência e em várias
estações. Mas, evidentemente, aquele não caracteriza nem
23
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA

constitui a cultura, embora, muitas vezes, 03 pré-histo-


riadores procedam como se assim sucedesse. Sc assim
fosse, as lâmpadas eléctricas seriam constituintes tão
significativos da cultura russa como os fogões.

Há cerca de meio milhão de anos que o homem vive e


age na Terra. Durante todo este tempo provocou altera-
ções no mundo material, deixando assim testemunhos ar-
queológicos. A história arqueológica apreende ou tenta
apreender o conjunto destes quinhentos mil anos. Ká pouco
mais de cinco mil anos, algumas sociedades —os Egíp-
cios e os Sumérios — inventaram sistemas de escrita e
começaram a registar nomes e acontecimentos, iniciando
os testemunhos escritos. Subsequentemente, outros pevas
— os habitantes do vale do Indo, os Hititas da Ãsia
Menor, os Minóicos de Creta, os Micénios da Grécia
continental, os Chineses— começaram também a escre-
ver e esta prática difundiu-se, até que, actualmente, a
maior parte (mas não a totalidade) dos grupos humanes
conhece a escrita ou, pelo menos, dispõe de pessoas que
sabem ler e escrever. Evidentemente que os.textos escri-
tos se acrescentam aos testemunhos arqueológicos c
enriquecem-nos, sem que os ponham de parte ou os tor-
nem supérfluos. Além disso, o enriquecimento do conteúdo
da história por meio de testemunhos escritos tem um
significado tão dramático que se tomou habitual f aser
do início da escrita a base para uma divisão nos teste-
munhos arqueológicos. A parte que não dispõe de textos
escritos é convencionalmente chamada arqueologia prô-
-Mstórlca; quando começam os testemunhos escritos, em
qualquer região, começa então a arqueologia do período
histórico.
Esta divisão não tem um significado muito profundo
nem envolve qualquer mudança fundamental de método.
Todos os processos para verificação, classificação e inter-
pretação dos dados pré-históricos são igualmente apli-
cáveis aos períodos históricos do testemunho arqueológico.
V. GOBDON CIÍILBE

Clai-o está que a existência de fontes escritas torna


desnecessários alguns desses dados e introduz outros.
Mas os conceitos arqueológicos mais puros e as mais
refinadas técnicas de escavação têm sido aperfeiçoadas
para estudo dos testemunhos pré-históricos. A falta de
datas escritas, teve que se inventar um sistema especí-
fico de cronologia arqueológica, baseado exclusivamente
em dados não escritos, mas é claro que muitas vezes não
se pode aplicar esse processo a períodos mais recentes.
Além disso, os testemunhos deixados pelos nossos ante-
passados pré-letrados — para não falar dos homens do
pleistooénio mais antigo •— são tão raros e pobres, era
comparação com os deixados pelos Romanos, Gregos,
Egípcios ou Sumérios, que os pré-historiadores têm que
reunir escrupulosamente è estudar minuciosamente cada
vestígio que chegou até nós e pensar nas maneiras de
determinar e reconstituir traços que se haviam oblite-
rado quase por completo. Pelo contrário, a arqueologia
mesopotâmica foi, durante muito tempo, uma caçada às
placas com inscrições e aos objectos ãe arte, enquanto
as casas particulares, a cerâmica doméstica, as armas
e utensílios de metal e outros testemunhos humildes eram
estouvadamente destruídos ou postos de parte como não-
-significativos. No entanto, os mais antigos documentos
literários da Mesopotâmia, assim como do Egipto, são
fragmentários, muito limitados e de conteúdo escasso.
Só nas duas ou três últimas décadas, por meio da apli-
cação às estações sumérias e babilónias das técnicas de
escavação e dos conceitos interpretativos elaborados pelos
pré-historiadores é que foi possível conceber a actual
perspectiva sobre o Próximo Oriente antigo. Mesmo a
respeito da cronologia, foram-se buscar dados puramente
arqueológicos para corrigir as ambiguidades e erros doa
antigos testemunhos escritos; um dos resultados foi
diminuir em cerca de duzentos e cinquenta anos a data
da existência de Hamurabi, o primeiro legislador.'
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 25

Assim, também, durante muito tempo, os arqueólogos


da época clássica de tal modo concentraram a sua atenção
nos aspectos aquitectónicos dos edifícios públicos, n a
estatuária, mosaicos, e nas gemas gravadas, que, até
1935, não se sabia como era realmente uma casa grega
do período clássico! Enquanto os historiadores gregos a
romanos nos deixaram volumosos relatos sobre os acon-
tecimentos políticos e militares, foram, em compensação,
lamentavelmente omissos em matérias mundanas como o
comércio, a densidade da população e a tecnologia. O
volume e extensão do tráfego grego com os Bárbaros
— todos os não gregos, incluindo os Egípcios e os Babi-
lónicos, eram assim chamados — está sendo reconstituído
pelos arqueólogos, através do estudo dos vasos gregos da
vinho recolhidos no Sul da França e da Rússia, no Irão
e em outras regiões «bárbaras», indicando-se em mapas
os locais dos achados. Os cálculos sobre a população de
Atenas — a cidade mais bem conhecida da antiguidade
clássica—, baseados em referências escritas, faziam-na
variar entre 40 000 e 160 000 habitantes. A completa
escavação de uma cidade como Olinto, revelando o número
total de casas, forneceu os elementos fundamentais p a r a
«um cálculo razoável. Mesmo para a história militar, a
que os autores clássicos dão t a n t a . proeminência, 03
dados arqueológicos têm aumentado e até corrigido o
seu testemunho. O entulho resultante das destruições e
reconstituições dos fortes e campos legionários do Norte
da Grã-Bretanha revela vicissitudes dos sucessos roma-
nos e flutuações n a política imperial a que se não refe-
rem as fontes literárias.
N a verdade, todos os ramos da história, tal como
esta actualmente é compreendida, têm que estar baseados
em dados arqueológicos não escritos. P a r a a história da
ciência, por exemplo, as aplicações da arqueologia do
estudo da tecnologia são, pelo menos, tão importantes
como as especulações dos teólogos ou dos metafísicos.
No entanto, até ao século xvi a tecnologia é virtual-
26 V. GQBDON CHILDM

mente ignorada nos textos escritos. A história das ma-


quinas que utilizam a rotação está sendo gradualmente
escrita através das descobertas arqueológicas de moinhos
de braços e das azenhas ou pelas suas representações
em desenhos e mosaicos.
Assim, continua a ser conveniente distinguir a pré-
-história dos outros ramos de arqueologia, havendo toda
a razão em dar àquele ramo da arqueologia um lugar
proeminente no conjunto dos estudos arqueológicos.

BIBLIOGRAFIA

CHILDE, V. G., Piccing togeíhcr the past (Londres, 1956):


exaustiva discussão dos termos e conceitos aqui
expostos nos capítulos i e n.
CAPITULO H

A CLASSIFICAÇÃO

I — A tríplice base

Para fazer história com os dados de que dispõe, o


arqueólogo tem que os classificar. Para esse cfeitof
emprega três diferentes bases de classificação, que podem
ser designadas, respectivamente, por funcional, cronoló-
gica e corológica. Por outras palavras, a respeito de
qualquer dado, o arqueólogo faz sempre três perguntas:
Com que fim foi feito? Quando foi feito? Quem o fez?
E perfeitamente natural que o leitor fique alarmado com
a complexidade destas perguntas. Para o ajudar a com-
preender as suas implicações, consideremos um exemplo
— não totalmente imaginário— aplicado ã classificação
cronológica, ainda usada para os dados pré-históricos
e actualmente utilizada para dispor as espécies num
museu. :•;:.
Imaginemos o director de um museu bastante raro
que precisasse de classificar, para exposição, uma massa
de espécies excepcionalmente variada, obtida na- Ingla-
terra e nos vários países e regiões da Europa, da Ãsia
e mesmo da Austrália, e de preparar os dísticos elucida-
tivos. A colecção está limitada a artefactos —objectos
feitos pelo homem—, mas compreende não só espécies
autênticas, mas também fotografias, planos e desenhos;
V. GORDON CIIILDE

de facto, uma igreja ou um castelo são artefactos, exac-


tamente como um cachimbo ou um dedal, embora t e n h a m
menos possibilidades de serem expostos em vitrina. O
objectivo de um museu é apresentar a vida dos povos e
d a s sociedades nos diferentes períodos da sua história,
isto 6, nos sucessivos estádios das suas culturas (no
sentido em que a palavra é empregada na p. 17), c 6
evidente que os monumentos fazem parte dessa cultura,
exactamente como os simples vestígios.
O museu tem a função de apresentar o desenvolvi-
mento da cultura e de ser, de uma forma visualmente
concreta, uma história cultural no sentido em que aquela
expressão ê hoje compreendida. Em consequência disso,
o director terá que apresentar, em conjunto, os objectos
u s a d o s — n u m a dada época e por um dado povo (p. 22).
U m a vez que a história é um processo no tempo, u m a
sequência de acontecimentos, a enorme massa da colec-
ção distribuir-sé-á por uma série de galerias, cada u m a
das quais se dedicará a um só período, ficando tudo dis-
tribuído por ordem cronológica. O nosso imaginário direc-
tor tem a sorte de ter à sua disposição uma arranha-ecus,
uma autentica Torre da História. Assim, pode dedicar
a cada época um piso inteiro. O visitante subirá desdo
a s jazidas pré-históricas através dos pisos romano, anglo-
-saxónico, normando, Tudor, jacobita *, jorgiano, vito-
riano, até atingir, no topo, o piso contemporâneo nco-
-isabelino.
Se a colecção for tão completa como imaginamos,
p a r a a alojar será, evidentemente, necessária uma série
do arranha-céus paralelos e inter-relacionados — como
que com asas. O indiano actual, p a r a não citar o papua,
usa fatos muito diferentes do inglês deste mesmo período.
Embora os fatos sejam usados na mesma época, terão
que estar expostos em diferentes «asas» no mesmo piso,

1
Da época, de Jahno I.. (N. do T.y
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 29

se bem que, no entanto, ocupem galerias diferentes. Nota-


remos situações semelhantes nos pisos inferiores. Na
verdade, quanto mais baixo descermos, maiores diferenças
locais haverá. Felizmente, como na realidade sucede com
os arranha-céus, o nosso museu imaginário é mais largo
na base do que no topo.
Entretanto, podemos notar que a mera disposição geo-
gráfica, das «asas» do arranha-céus não é suficiente para
atender à diversidade das culturas • existentes em qual-
quer período, isto é, em qualquer piso. Dentro de uma
mesma região podem existir dois ou mais grupos do
povos c'!3 culturas tão diversas que necessitem salas
díferent» s. Mesmo em Inglaterra, no piso vitoriano ou
no jorgiano, pelo menos, os ciganos necessitarão de um
grupo separado de vitrinas. Na «asa» indiana será pre-
ciso fazer uma divisão ainda mais completa; mesmo qua
os artefactos feitos e usados pelos Indus, Maometanos
e Partas não diferissem tanto entre si que não precisas-
sem de salas diferentes, haveria ainda as tribos pagãs,
como os Todas 1 e os Oranis 2 , cujo modo de vida é de tai
forma diferente da maioria «civilizada» e tão diferente
entre si que exigiriam, com toda a razão, uma sala pró-
pria. Felizmente para o nosso director, a conduta dessas
tribos deixa um número de vestigios fossilizados muito
menor do que outros povos. Um simples recanto será o
suficiente para alojar, à vontade, 0.3 objectos ilustrativos
de cada uma delas.
Nos primeiros tempos, numa pequena área encontra-
vam-se sociedades inteiramente diferentes. Na Idade da
Pedra, por exemplo, numa região tão pequena como 3
Dinamarca podem distinguir-se três grupos distintos. No
entanto, embora uma parte importante da conduta de
cada uma delas se tenha fossilizado, de forma a não
' Tribo quase extinta das montanhas Nilgivi, zona de Ma-
drasta, e que ainda pratica a poliandria. (N, ão T.)
2
Ou Oraons, população dravldica do Nordeste da índia
(Tchota Nagpur); vivem ainda ém regime do recoleegão (N. do T.}
•"?¥' • "S^fPSIV-

V. GOBD027 CHJLDE

deixar ao pré-historíador qualquer dúvida de que estava


perante três tipos inteiramente diferentes, todos os ele-
mentos puderam ser convenientemente expostos em três
pequenas vitrinas. Cada uma destas sociedades —quer
os três grupos anónimos da Dinamarca pré-históríca,
quer os Indus e os Todas da Índia, ou os Ingleses e os
ciganos— criou uma cultura própria, e esta cultura
evoluiu ou, pelo menos, modificou-se no decorrer do
tempo, de modo a ter que estar representada em mais
de um piso. De facto, o nosso museu imaginário não
pretende ilustrar o desenvolvimento da cultura, pois isso
seria impossível. Tudo quanto pode documentar é o
desenvolvimento das culturas, os padrões alteráveis do
conduta das sociedades humanas diferentes. E por essa
razão que o edifício tem muitas «asas» laterais. Cada
uma das inúmeras divisões por piso constitui um depar-
tamento e necessitará de um conservador próprio para
organizar e classificar o seu conteúdo.

II — A classificação funcionai

O director e os conservadores que com ele colaboram


terão evidentemente que etiquetar cada espécie, de forma
a informar os visitantes de como ela era usada e para
que servia, numa palavra, a função que desempenhava
na vida da sociedade que a fez e a usou. Deste modo, a
direcção do museu terá que escolher as espécies, apre-
sentando e agrupando os ornamentos pessoais, os pro-
cessos de cortar, os meios de transporte, os objectos e
construções usadas para o culto, jogos e campos de exi-
bições, etc. Dará a cada objecto exposto um número
adequado que possa ser chamado a sua coordenada fun-
cional e escreverá uma breve legenda para explicar a
sua finalidade.
Sucede que esta etiquetagem não é tão fácil de fazer
como se pode supor. Além dos conhecimentos necessário^
--flga?:'

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 81

que tomam aspecto de enciclopédicos, para compreender


o uso das inúmeras miudezas usadas nas indústrias
modernas e mesmo nas antigas, o significado dos sím-
bolos dos vários grupos, ordens ou lojas rivais e as
subtilezas dos jogos populares, a apresentação dos objec-
tos referentes às fases mais antigas suscita problemas
especiais. Pelas razões expostas na p.. 9, as espécies
arqueológicas de grande antiguidade têm todas as pro-
babilidades de serem incompletas. Assim, as espadas e
estoques mais antigos não têm já os copos. Dos arpões,
só chegaram até nós os dentes de osso d'is pontas. Os
machados de pedra lascada em nada se p? .recém com os
machados que hoje usamos. Sem dúvida que os. seus
cabos desapareceram, mas é evidente que estes não pas-
savam por um orifício aberto no corpo da lâmina, por-
quanto os machados mais antigos não eram perfurados.
Durante a Antiguidade clássica e na Inglaterra medieval
supunha-se que esses instrumentos caíam juntamente
com os raios \ O seu verdadeiro uso só foi conhecido
quando se viram os peles-vermelhas da América do
Norte usar instrumentos de pedra muito semelhantes,
como sejam, por exemplo, as suas machadinhas. Da
mesma forma, também, as pontas de seta em osso
recolhidas nos remotos povoados dinamarqueses e suecos
foram sempre chamadas harpões até se verificar que
eram muito mais parecidos com os forcados de ferro
ainda hoje; usados pelos pescadores escandinavos.
Veremos adiante de que modo esses vestígios arqueo-
lógicos sobreviventes podem ser completados com se*
gurança. Os dois exemplos há pouco referidos mos-
tram bem de que modo a função de certas espécies
arqueológicas de uso desconhecido se pode esclarecer
quando as relacionamos com o folclore e a etnografia.

_ * Essa convicção ê ainda corrente em Portugal, sobretudo


na Alentejo e em Trás-os-Montes*. (N. do T.) -
32 V. GORDON OIIILDE

Nas aldeias ainda não industrializadas da Europa, nas;


ilhas ocidentais da Escócia, nas profundidades das flores-
tas finlandesas ou ao longo dos vales balcânicos menos
acessíveis, os camponeses e pescadores conservam intac-
tas tradições que remontam à Idade da Pedra, revelán-
do-as em utensílios e produtos comparáveis a vestígios
e monumentos de há mais de quatro mil anos. No Árctico
e no deserto do Kalahari, as populações ainda vivem de
maneira semelhante à dos Europeus ou dos seus contem-
porâneos Africanos na época glaciar. As semelhanças
do equipamento que chegou até nós permitem considerar
estes modernos selvagens, em certo sentido, como repre-
sentantes das sociedades da Idade da Pedra Lascada.
Logo que os vestígios foram assim arrumados em
grupos funcionais, o nosso director pode ficar embara-
çado ao verificar que, em muitos grupos, vai' ter que
expor grande número de objectos na sua, ainda que
espaçosa, Torre da História. Poderá reduzir estes grupos
a proporções aceitáveis, desprezando as diferenças meno-
res entre as espécies individuais. Considera-se que
alguns deles pertencem ao mesmo grupo; portanto, basta
exibir um só objecto, podendo o resto ser enviado para
o armazém ou posto de parte.
Por exemplo, a Bulby Motor & C° desde 1925 que
fabrica anualmente mil dos seus democráticos carros
de 5 cv que diferem somente no motor e nos números
colocados nos chassis. O nosso director adquiriu quarenta
espécies do modelo de 1928 que se distinguiam entre si,
principalmente no entalhe do guarda-lamas. Para a sua
finalidade, esse aspecto tem tão pouca importância como
o número do chassis. Apresentará assim um dos seus
exemplares como um tipo específico e guardará trinta
e nove. Noutro aspecto, a sua colecção pode compreen-
der trinta e nove fatos de homem, diferentes nas
dimensões e no tecido, mas todos de acordo com o
mesmo corte em moda. Bastará um fato para repre-
sentar esse tipo. Os fatos de senhora podem causar
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 33

maior embaraço e as criações da «alta costura» mos-


trar-se-ão ainda menos subordináveis a este tratamento.
Mas os fatos de uma aldeia britânica, muitas vezes de
uma província inteira, são todos estritamente idênticos
ao modelo, com excepção dos desenhos neles inscritos;
mas estas diferenças podem ser ignoradas; poderá apre-
sentar-se um só fato, como o tipo corrente, por exem-
plo, na província de Split. Aplicando assim o conceito
de tipo, j á exposto na p. 13, o director poderá expurgar
a sua colecção e reduzir cada um dos seus grupos fun-
cionais a um conjunto de exemplares não fundíveis
entre si. Poderá distribuir os tipos seleccionados : pelos
vários conservadores departamentais. Cada um destes
terá então que os reunir numa sala apropriada, juntando
a cada objecto um segundo número-índice, com a cor-
respondente cronologia.

I I I — A classificação cronológica

A primeira operação do conservador de cada depar-


tamento poderia ser a de agrupar, segundo uma ordem
cronológica, as espécies que lhe foram atribuídas. A sua
intenção, conforme estamos lembrados, era apresentar
conjuntamente objectos de uso contemporâneo. Assim,
com o seu modelo popular de 1928, apresentará o fato
que o condutor podia usar, a casa construída havia pouco,
que ele poderia comprar ou habitar, um jazigo semelhante
ao que poderia t e r mandado fazer para sua esposa, etc.
A volta de uma diligência, o conservador reunirá um
conjunto com elementos da mesma natureza, embora
diferentes no vestuário, n a habitação, nas pedras tumu-
lares, etc. U m carro de guerra podia constituir o centro
de um grupo menor de peças, se bem que menos uni-
forme do que aquele que acompanhava o automóvel, etc.
A finalidade do conservador é elaborar o plano das

i. A . - 3 UNIVERSIDADE GAMA FILHO


MBUGUCÁ CENTRAL
• ^ i

V. GOBDGN GEIIJJS

sucessivas mudanças que a cultura, britânica sofreu:


uma série de cenas ou de quadros, cada um dos quais
num andar diferente e representando uma fase signifi-
cativa daquilo que, na realidade, era um processo con-
tínuo. Cada cena representa uma dessas fases, cada
apartamento constitui um período.
O conservador pode pôr, em cada período, uma eti-
queta qualquer — «Vitoriano», «Jorgiano», «Tudor»,
«Romano-Britânico», «Neolítico Secundário», e marcar,
desse modo, os objectos expostos. Na sua finalidade
imediata, estes nomes só significam posições numa série;
números fariam exactamente o, mesmo efeito. E, de facto,
• muitas das suas espécies mais recentes apresentam já
esses números indicativos. O automóveis e as pedras
tumulares terão, sem dúvida, algumas datas, o que pro-
vavelmente já não sucede com os fatos. Todos os nume-
rais indicam uma posição na série natural: 1926 vem
depois de 1852. As datas indicam o número de anos que
passaram, isto é, o número de vezes que a Terra andou
â volta do Sol, entre o início convencional da era e o
acontecimento datado — seja, por exemplo, a construção
do túmulo. (Deve notar-se que os anos podem ser conta-
dos desde o zero inicial, para diante ou para trás.) Para
o departamento «Inglaterra», o ponto inicial da contagem
será o «nascimento de Cristo». Outros departamentos n£„
Torre da História usarão outras eras — por exemplo, a
Hégira, ou seja, a fuga de Maomé de Meca, em 622 d. C.
As datas, antes ou depois de uma era, não servem só
para indicar as posições relativas de dois acontecimentos,
na sequência que constitui a história da Inglaterra; colo-
cam também cada acontecimento na posição que ocupa
na sequência de acontecimentos referente a toda a super-
fície da Terra — a posição num sistema de referência
universal ou, pelo menos, terrestre. Este sistema do
datação é chamado a cronologia absoluta, em contraste:
com a cronologia relativa: Podemos saber que a lâmpada
de arco voltaico precede a lâmpada de incandescência
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 35

(isto é, na cronologia relativa), sem. que se saiba há


quantos anos foram inventadas. Numa linguagem mais
técnica, sabemos a idade relativa de dois acontecimentos,
não a sua idade absoluta. Na medida em que o conser-
vador expõe por ordem as espécies existentes no seu
departamento, poderá contentar-se com a cronologia re-
lativa. A necessidade de uma cronologia absoluta só o
preocupará quando tiver que decidir qual o piso do
museu em que deverá ser instalada determinada saía
referente a determinado período.
Ao mesmo tempo, uma data em anos é também a
medida da antiguidade de um acontecimento; seja, por
exemplo, a manufactura-de um carro. Agrupando as
«spécies no seu próprio departamento para representar
períodos sucessivos, um conservador não precisa de se
preocupar com a •duração dos diferentes períodos assim
representados. Enquanto se mantiver dentro do seu pró-
prio departamento, só precisa saber a ordem em que os
períodos se sucedem uns aos outros: podemos dizer qua
só necessita de determinar o tempo arqueológico; na
verdade, este refere a sucessão, mas não a duração.
A ordem dos acontecimentos pode ser determinada por
métodos puramente arqueológicos. Mas sem o auxílio da
física, da astronomia, da geologia ou de testemunhos
escritos a arqueologia não poderá dizer há quanto tempo
se deu um acontecimento, qual a idade de um edifício,
ou o tempo que durou um período.
Para a sua exposição planificada, o conservador pre-
cisa conhecer as espécies de uso contemporâneo. O nosso
homem pode evidentemente ver as datas inscritas nos
obejctos e juntar os que apresentam datas mais ou
menos semelhantes ou pode ainda consultar narrações
escritas. Nenhum dos processos é inteiramente satisfa-
tório e só são aplicáveis, na melhor das hipóteses, a uma
pequena parte da colecção. Talvez fosse melhor elemento
de ligação o princípio arqueológico da associação. Afinal,
•a melhor garantia de que os exemplares eram de uso
..WWífW '

V. GORDON CHILDB

contemporâneo é a de que poderiam t e r ficado associa-


dos nas circunstâncias referidas na p. 16. (Quando exis-
tem, as gravuras do período em causa podem fornecer
tão bons elementos sobre o uso contemporâneo como as
observações feitas no decurso de uma escavação.)
Só por si, a associação não dá nenhuma indicação
sobre o andar onde deveria ser colocado um dado con-
junto de tipos. No projectado arranjo cronológico, a
colocação de um conjunto no piso próprio depende da
posição relativa desse conjunto na sequência dos outros.
Evidentemente que se numa ou em duas das espécies
associadas a cada conjunto estivesse inscrita a data,
seria fácil a colocação conveniente de todo o grupo de
tipos associados — m a s só à luz dos elementos escritos.
N a verdade, muitas vezes, as datas referem-se não ao
ano* dentro de uma determinada era, mas, antes, sob a
forma de «5.° ano do reinado do rei Jorge III», ou no
ano «tal» do consulado de Crasso, ou «no ano em que o
rei...». E s t a s formas de datar só podem ser transpostas
em anos da nossa era quando se dispõe de testemunhos
escritos completos.
Mas tudo/o que neste momento o nosso conservador
necessita conhecer é a idade relativa dos vários objec-
tos. Precia saber se esse automóvel é mais velho do que
aquele e contemporâneo desta outra pedra tumular. A
cronologia relativa pode ser determinada por processos
puramente arqueológicos, sem qualquer referência às
investigações dos historiadores que se baseiam em do-
cumentos escritos. Podem utilizar-se dois princípios: o
estratigráfico e o tipológico. Este último, embora menos
seguro, é utilizado com mais facilidade e o conservador
pode aplicá-lo sem mesmo sair do museu. As locomoti-
vas do caminho de ferro podem servir de exemplo. Nin-
guém considera o tipo «Royal Scot» mais antigo do que
o «Rocket»; o facto é evidente por uma simples obser-
vação, e uma troca n a relação entre as duas é perfeita-
mente inconcebível. Poderia arranjar-se u m a série de
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 37 j,'<

desenhos e de fotografias p a r a mostrar como os melho-


ramentos cumulativos estabeleceram uma sequência entre
a locomotiva Rocket, relativamente primitiva e.. inefi-
ciente, e o expresso moderno. Conhecendo os dois termos
extremos, poderia encontrar-se, sem dificuldade, uma
série de tipos intermediários, n a sua ordem exacta, sem
referência à s datas que o fabricante obrigatoriamente
põe nos seus produtos. U m a sucessão de tipos de efi-
ciência crescente constitui aquilo a que se chama uma
série tipológica. Essas fases intermediárias podem ser
usadas p a r a determinar as posições relativas dos con-
juntos que lhes estão associados. Os conservadores dos
museus gostam de se sentar confortavelmente, nos seus
gabinetes, arrumando as suas espécies — o u os cartões
que as r e p r e s e n t a m — em séries tipológicas bem deter-
minadas. Mas, por muito belas que sejam, pouca con-
fiança se pode ter nelas, a menos que sejam corroboradas
ou por autoridades literárias ou por outro teste arqueo-
lógico — a estratigrafia. P a r a aplicar este teste, o con-
servador tem que deixar o seu museu e ir p a r a a terra
suja ou, pelo menos, tem que ler cuidadosamente os
aborrecidos relatórios dos escavadores!
A arqueologia copiou da ciência geológica o conceito
de estratigrafia. O seu princípio diz-nos que, em quais-
quer depósitos não alterados, as camadas mais baixas
são mais antigas e a s mais altas são mais recentes. O
princípio é tão importante que teremos que voltar a
estudar a s suas aplicações no capítulo seguinte, conten-
tando-nos agora com um simples esboço. Se uma caverna
ou uma povoação foi habitada,-durante sucessivas gera-
ções, acumular-se-ão camadas de terra ou de entulho no
chão, da caverna, n a s ruas ou num poço de entulho que
conterão dados arqueológicos, incluindo tipos de arte-
factos não deterioráveis, botões, garrafas, louça de barro
partida, bocados soltos de carros, etc. Alguns desses
tipos, pelo menos, passarão de camada para camada. O
princípio da estratigrafia diz-nos que os tipos mais anti-

"?*fe.'i
V. GORDOK GHILDE

gos são os que se encontram nas camadas mais baixas,


a menos que o depósito tenha sido violado. Se os ocupan-
tes mais recentes abriram um poço no chão da caverna,
podem encontrar-se ai objectos recentes abaixo dos mais
antigos.
Se uma estação assim estratígrafada (isto é, assim
disposta em camadas) for sistematicamente escavada,
identificar-se-ão um ou dois tipos próprios a cada camada
e que se não encontram nem acima, nem abaixo-
dela, em que aparecem outros tipos específicos. São, por
exemplo, considerados próprios da camada C os tipos
que lhe estão limitados. Com uma certa sorte, encontrar-
-se-ão noutras estagões, dentro da região, esses mesmos
tipos em camadas correspondentes, ocupando a mesma
posição relativa. Podem então ser chamados tipos-fósseis
(como foi explicado na p. 22) e utilizados para definir
um período arqueológico, uma divisão dos elementos
arqueológicos locais. Todos os depósitos em que esses
tipos aparecem conterão dados contemporâneos — em
tempo arqueológico — e serão atribuídos ao mesmo perío-
do, ao qual, possivelmente, pertencerão todos os outros
tipos com eles associados. A posição relativa do período
assim definido, na sequência dos períodos arqueológicos,
o seu lugar nos vestígios arqueológicos locais, estabele-
ee-se pela posição estratigráfica dos tipos-fósseis.
Deve o leitor notar, com especial atenção, dois pontos.
Em primeiro lugar, o período definido pelos tipos-fósseis
não ó uma divisão do tempo sideral, mas somente uma
divisão do tempo arqueológico local, limitado à região
em que esses tipos específicos eram correntes: os samo-
vares podiam definir um período da arqueologia russa,
mas não a inglesa. Em segundo lugar, nem todos os*
vestígios arqueológicos podem constituir tipos-fósseis.
Voltaremos ao primeiro ponto. O segundo já foi tratado
na p. 22.
Se o nosso conservador dirigisse um museu de anti-
guidades locais, a estratigrafia e a tipologia dar-lhe-Iam
l
KV - p ^^»«w^^5V?«««r^,?-flW'3^^r' ^ • ^ W ^ t W ^ f l ifle^J^^^ .
"'"»««íi^#S -

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 89

todas as informações de que necessitava para organizar


as suas colecções por ordem cronológica. Mas se diri-
gisse o departamento de um museu misto, os tipos con-
temporâneos não só na Inglaterra, mas também na Gré-
cia, Iraque, Índia, Nova Zelândia e noutros lugares, teriam
que ser expostos no mesmo piso. Devemos lembrai*, de
novo, que o visitante deveria poder deslocar-se não só
verticalmente de uma fase de cultura inglesa ou indiana
para a seguinte, mas também horizontalmente, de forma
a saber o que se passava, em dado tempo, na Inglaterra,
índia, Nova Zelândia e r, outros lugares.
Ora as etiquetas dos períodos — «Tudor», «Norman-
do», «Romano-Britânico», «Neolítico Secundário»— nãc
ajudam o conservador do departamento «Inglaterra» a
determinar o piso exacto em que se deverão colocar os
objectos assim etiquetados e correspondendo àqueles
onde estão expostos os objectos contemporâneos no Ira-
que ou na Índia. Estes terão etiquetas inteiramente dife-
rentes — «Otomano», «Abácida», «Parta», «Arcádico» ou '••MS*,.;

«Mongol», «Gupta», «Greco-Bactriano», «Harapano».


Quando estas etiquetas puderem ser transpostas para
datas numéricas, em termos da era cristã, maometana
ou outra qualquer, ou seja, na medida em que a crono-
logia relativa puder ser transformada em cronologia
absoluta, as cifras resultantes indicarão o piso corres-
pondente em qualquer «asa» da Torre da História. Mas
essa transposição em termos numéricos depende princi-
palmente de dados provenientes dos testemunhos escri-
tos. Ora os Maoris da Nova Zelândia eram analfabetos
quando desembarcou o capitão Cook, proveniente do
período jorgiano da arqueologia inglesa; assim como os
peles-vermelhas do Canadá não deixaram vestígios escri-
tos, quando na arqueologia inglesa se estava no período
Tudor, e a Inglaterra estava ainda na prê-história
"quando Júlio César desembarcou e mesmo quando Cláu-
dio César fez a anexação da Grã-Bretanha ao Império
Romano. Assim, para além destas datas, a história
irí | |
AQ ' V. GOBDON CHILDF

escrita não pode fornecer qualquer indicação aos vários


conservadores; em compensação, a geologia e a física
nuclear podem dar alguma ajuda. É ao director que com-
petirá decidir em que piso hão-de ser' apresentadas ao
público as diferentes colecções.
Pelo menos em certa medida, o problema de colocar
nos mesmos pisos a s espécies contemporâneas nas regiões
representadas n a s várias alas podia ser resolvido por
meios puramente arqueológicos. Os tipos correntes n a
Inglaterra Tudor foram transportados através do Atlân-
tico e comerciados com os peles-vermelhas da América,
enquanto alguns artefactos ameríndios vieram p a r a a
Inglaterra como curiosidades. Algumas colecções d a
América do Norte podem ser assim identificadas como
contemporâneas do grupo Tudor da Inglaterra e confia-
damente colocadas no mesmo piso. De uma maneira
parecida, ainda que um pouco mais surpreendente, houve
manufacturas inglesas que a t i n g i r a m . a Grécia Micénica,
enquanto a Inglaterra importou armas e contas fabrica-
das na Grécia durante aquele período. Deste modo, um
modelo de Stonehenge, e outros vestígios, considerados
contemporâneos desse santuário, podem, com razão, ser
apresentados no mesmo piso em que está um modelo da
P o r t a dos Leões de Micenas e as réplicas dos tesouros
dos Túmulos de Colunas, datados de 1550-1400 a. C.

I V — A classificação corológica

Ao explicar a classificação cronológica, devemos partir


do princípio' que o director sabia a que departamento
deviam ser atribuídas a s espécies e entregava aos con-
servadores a tarefa de a s classificar cronologicamente.
Empregando a linguagem técnica, o director j á havia
feito a classificação corológica da colecção, antes de o
seu conteúdo ter sido classificado cronologicamente. N a
prática, nada se poderia ter feito sem uma fonte externa
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 41

cie informação. No entanto, era possível ao director, por


meio de processos puramente arqueológicos, distribuir a s
espécies, não efectivamente em departamentos regionais,
tais como nós temos considerado, mas, pelo menos, em
culturas, no sentido indicado no capítulo I, desde que
fossem conhecidas as espécies associadas. Mas, primeiro,
seria preciso classificá-las cronologicamente. E quase
todos conservadores têm que assim proceder em relação
a' parte das suas colecções. J á se esboçou, a p. 34, o
processo adoptado.
Dentro do mesmo grupo ou do mesmo período crono-
lógico, há ainda diferentes tipos, que realizam funções
idênticas. Como deverão ser consideradas as diferenças?
O tipo americano de motor de comboio é, sem dúvida,
diferente do inglês; a locomotiva norte-americana é, por
exemplo, provida de um salva-vidas, uma campainha e
um holofote. E s t e s elementos não melhoram a eficiência
da locomotiva nos caminhos de ferro britânicos. Não
podem, portanto, surgir como melhoramentos realizados
sobre o modelo britânico mais antigo. Assim, estas dife-
renças não são devidas a discrepâncias de idade — a
diferenças cronológicas. A explicação deve provir antes
de diferenças de natureza corológica, resultantes da di-
vergência de tradição entre duas sociedades distintas (a
vedação dos caminhos de ferro ou o uso de estradas p a r a
linhas de caminho de ferro são, evidentemente, questões
de tradição social, de modo algum inerentes à natureza
dos caminhos de ferro). Ora há tipos que aparecem cons-
tantemente associados não só por serem contemporâneos,
mas também por serem fabricados e usados pelo mesmo
povo. Reciprocamente, a razão de divergência entre tipos
dentro de um mesmo grupo funcional está ligada ou a
melhoramentos e alterações de moda no decurso do tempo
ou a divergências tradicionais de actuação e de gosto
entre os diferentes povos. A divergência entre a Rocket
e a Royal Scott resulta da primeira causa, enquanto a
diferença entre aquela última e a locomotiva Boston re-
sulta da segunda. Usando as locomotivas como tipos-
-íósseis, tudo o que pode ser associado com a Royal Scott
— não só as carruagens de passageiros e os sinais, como
até as casas de lavoura, os fatos dos passageiros, os
sttcks do ericket e as facas de mesa — está ligado a uma
cultura e representa um povo, quer esteja associado com
a «Bostoniana» \ quer com outras locomotivas. Eviden-
temente que haveria muitos aspectos comuns a ambos os
conjuntos, mas, vistos como conjuntos, torna-se patente
o contraste entre as duas culturas. Com este exemplo,
tirado das culturas contemporâneas, pode facilmente ve«
rificar-se a diferença regional e justíficar-se empirica-
mente a explicação apresentada. Além disso, a cada cul-
tura podem dar-Si) nomes políticos e étnicos e o mesmo
sucede com as culturas de que temos referências escritas
e podem fazer-se inferências sobre as diferenças entre
os conjuntos pré-históricos. Mas, neste último caso, não
se pode pôr qualquer etiqueta política.
Muito excepcionalmente, com o auxílio da toponímia
e de fontes escritas pode aplicar-se uma etiqueta linguís-
tica (celta ou ibérica, por exemplo), a culturas pré-histó-
ricas mais recentes. Mas o mais vulgar é designar o
conjunto estabelecido por um nome convencional que se
pode ir buscar ã designação de um tipo-fóssil ou a uma
característica especial; temos assim as culturas do ma-
chado dê guerra, do túmulo de laje, ou do vaso campani-
forme. Por vezes; aplica-se a uma cultura 6 nome da
região onde ela está mais representada, como, por exem-
plo, o Lusaciano; mais raramente, dá-se um nome geo-
gráfico qualificado por um adjectivo cronológico: Tessa-
lense Neolítico A, Idade do Ferro Inglesa A (mas num
livro exclusivamente dedicado à pré-história inglesa pode
omitir-se o indicativo geográfico. Porém, a prática habi-

1
Nome do tipo das locomotivas norte-americanas íabricadr.^.-
em Boston. (N. do T.)
• f,«T~K"'w**"5 T
"^»»* í ^*"**'" í1,r -ff^'v' , " , ""«-

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA , '" 43

tual consiste em designar uma cultura pela estação onde,


pela primeira vez, foi encontrada ou onde aparece repre-
sentada de uma forma mais característica. Infelizmente,
usam-se, por vezes, os mesmos termos gerais p a r a a
divisão de vestígios arqueológicos locais, isto é, de pe-
ríodos locais. A s culturas e os períodos pré-hístóricos
têm que ser identificados com o auxílio de tipos-fósseis
e tanto u m a s como outros são constituídos por conjuntos
de tipos. Os dois conceitos apresentam-se perfeitamente
distintos; m a s podem facilmente confundir-se, caso lhes
seja dada a mesma designação. P a r a ajudar o estudiosa
a compreender os manuais mais antigos e evitar as a r m a -
dilhas inerentes à ambiguidade da terminologia pré-Iii?:-
tórica, encerraremos este capítulo com uma breve digres-
são histórica.

V — Períodos e culturas pré-hístóricos

A s divisões locais do tempo arqueológico, os suces-


sivos capítulos nos vestígios arqueológicos locais, p r e -
cisam ter u m a determinada designação. N a pré-história,
a indicação do ano, a data em anos, não é, em princípio,,
possível. Desde 1815 que se tornou habitual dividir a s
épocas pré-históricas dos vestígios arqueológicos em t r ê s
«idades», sistema imaginado por Thomsen, ao organizar o
Novo Museu das Antiguidades Nórdicas, de Copenhaga.
Thomsen decidiu expor os objectos de cada período como
se tivessem estado todos em uso ao mesmo tempo. A
colecção incluía muitos conjuntos descobertos associados
nos corcheiros, n a s turfeiras; nos túmulos megalíticos e
nos barrows. Deste modo, sabia que tipos poderia expor
conjuntamente, m a s não a ordem em que o deveria fazer.
Mas, tal como o poeta romano Lucrécio, considerou que
os homens, antes de conhecerem o uso do ferro, haviam
feito em bronze os seus utensílios de corte e a r m a s e„
V. GORDON CIIILDE

muito antes, desconhecendo qualquer metal, haviam uti-


lizado a pedra, o osso e a madeira. Assim, Thomsen reuniu
o s objectos de ferro, e os tipos que sempre se encontra-
vam associados, e deu-lhes a designação de Idade de
Ferro, qualquer que fosse o material em que eram feitos.
P e z o mesmo para os objectos de bronze; os objectos de
pedra, osso, madeira ou os tipos de cerâmica que se
encontravam ligados aos objectos de bronze for^m in-
•cluídos nessa designação garal de Idade ão Bronze. Ó
resto preencheria a galeria da Idade da Pedra. Subse-
quentemente, as escavações estratigráficas forneceram
u m a justificação objectiva à ordenação de Thomson e
revelaram que esse sistema era também aplicai ú à
Suíça, Itália, França e Grá-Bretanha: tem, de facto, apli-
cação universal.
As três «idades» são realmente três fases tecnológicas
•consecutivas que se seguem sempre umas às outras, na
mesma ordem, em qualquer parte onde apareçam. Teria
-sido mais sensato ter-lhes chamado «fases». Mas embora
ocupem sempre a mesma posição n a sequência — o u ,
por palavras tecnicamente mais precisas, sejam homo~
•axiais—, uma «idade» não surge em toda a parte na
m e s m a secção de tempo sideral, isto é, as suas manifes-
tações não são, em toda a parte, contemporâneas. A Idade
'da Pedra, na Austrália, acabou com o estabelecimento do
u m a colónia britânica em Botany Bay; na América Cen-
tral, com o desembarque de Córtez; na Dinamarca, por
volta de 1500 a. C ; no Egipto, muito antes de 3000 a. C.
A palavra «idade» só pode sugerir a ideia de um espaço
de tempo absoluto, de uma divisão n a cronologia absoluta,
enquanto que o termo «fase» sugere u m a sequencia. As
eras, épocas e períodos geológicos são considerados con-
temporâneos em toda a Terra e, deste modo, pertencem
ao domínio da cronologia absoluta. As eras arqueológicas
são divisões de tempo arqueológico e pertencem ã crono-
logia relativa. De qualquer modo, o sistema das trós
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 45

«idades», na sua forma original, fornecia uma ordenação


satisfatória, dentro da qual se podia construir uma estru-
tura cronológica da pré-história. As tentativas p a r a o
melhorarem levaram os pré-historiadores a confusões in-
termináveis.
Depois de 1859, quando sé reconheceu a existência do
homem no Pleistoceno e se recolheram utensílios de
pedra nos depósitos geológicos desse tempo ou mesmo
anteriores ao período glaciário, verificou-se que a pri-
meira Idade da P e d r a era desproporcionadamente longa.
E em 1863 estabeleceu-se a separação entre a antiga e
a nova Idade da Pedra, entre o Paleolítico e o Neolítico.
© p e r í o d o mais antigo era constituído pelos utensílios de
pedra lascada achados nos depósitos pleistocénicos, jun-
tamente com vestígios de animais extintos provenientes
exclusivamente d a caça. No Neolítico estavam incluídos-
os artefactos, incluindo instrumentos lascados e aguçados
por fricção e polimento que haviam sido encontrados nas
habitações lacustres da Suíça e nos dólmenes dinamar-
queses, associados com fauna recente, ossos de animais
domésticos e vestígios de agricultura. A divisão era assim
baseada em três critérios:, 1) geológico •— Pleistoceno
antigo ou recente; 2) tecnológico — afiamento por Ias*
cagem ou por polimento, e 3) económico: uma economia-
de frutos silvestres (economia de simples recolecção) ou
lavoura (economia de produção alimentar). Supôs-se que
as três coincidiam, mas, de facto, não sucedia assim.
Deste modo, a p a r t i r de 1921, veio acrescentar-se à Idade ir
da Pedra uma terceira divisão: o Mesolítico. Hoje, Paleo- 4*
lítico é equivalente a Pleistoceno, e todas as culturas
pós-pleistocénicas que mantêm intactas a antiga economia
de caça, pesca e colecção são chamadas mesolíticas; ou
antes, deveriam sê-lo. N a prática, o termo não é aplicado
aos recolectores nossos contemporâneos da Austrália,
África do Sul ou T e r r a do Fogo, nem mesmo às últimas
culturas pré-históricas das zonas eurasiáticas de coníferas
V. GORDON CIIILDE

e de tundra. As três divisões forneciam uma base lógica


•e sem ambiguidades para uma classificação cronológica
ou, pelo menos, sequente. Com as cinco «idades» (Paleolí-
tico, Mesolítico, Neolítico, Cobre e Ferro) já não sucede
o mesmo. Todavia, mesmo que representem, em qualquer
região, fases sucessivas, continuam a ser divisões de
tempo arqueológico; são divisões locais.
Têm sido propostas outras «idades», mas felizmente
nenhuma foi adoptada na generalidade, e mencioná-las-
-emos como mera informação para o investigador, que as
pode encontrar nas suas leituras. Alguns autores propu-
seram que entre a Idade da Pedra e a do Bronze se inse-
risse um período calcolítico (em italiano eneoMico, em
francês énéolithique); tal como foi usado originalmente
pelos pré-historiadores italianos, referia-se a uma fase
ou idade em que os utensílios e as armas de cobre eram
usados juntamente com tipos semelhantes feitos de
pedra. Este facto verificou-se, em toda a parte, durante
as fases mais antigas da Idade do Bronze, uma vez que
os metais eram muito caros e portanto só acessíveis a
um número escasso de membros das comunidades. O cobre
era quase sempre usado para as armas de arremesso ou
utensílios aplicados a materiais duro§. Não se pode por-
tanto fazer a comparação que geralmente se estabelece
«ntre esta fase e a «Antiga Idade do Bronze».
Podia ser mais útil distinguir uma fase em que só se
-empregava cobre natural, usado como produto superior
ã pedra, e moldado pelo calor. Por vezes, emprega-se o
termo «Calcolítico» para designar esta fase tecnológica.
Mas, sendo o cobre natural muito raro \ nem sempre essa

1
Deve dizer-se, porém, que não está provado que tivesse sido
Eempre assim: muitos pró-historiaàores so inclinam para a hipó-
tese da abundância inicial de cobre natural. (N. ão T.)

i^éasáfeiiíai.
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 47

idade deve ter precedido a do Bronze, e portanto não


representa uma fase geral do progresso tecnológico. A
«Idade do Cobre» é o termo habitualmente aplicado a
esta época, mas é mais frequente aplicá-lo ao período
em que era usado cobre simples em vez de bronze, liga
de cobre e estanho. Este critério é difícil de aplicar, pois,
'sem análise, química, nem sempre é possível distinguir
os vestígios de cobre dos de bronze. Fora da Europa,
quando a análise é possível, verifica-se que a maior parte
dos utensílios e armas tradicionais atribuídos à Antiga
Idade do Bronze erAm, na realidade, feitos só de cobre.
O termo «Idade do Bronze» é portanto quimicamente ina-
dequado e poderia ser substituído, com vantagem, pelo
termo «Paleometálico». Mas tentar distinguir nele uma
Idade do Cobre independente suscita mais confusão.
Os arqueólogos turcos, mal orientados p.or um inves-
tigador alemão, usaram, com pouca felicidade, os termos
«Calcolítico», «Cobre» e «Bronze» para designar as fases
sucessivas da pré-história anatólica. De facto, a sua
Idade de Cobre é tipològicamente equivalente e, em larga
medida, contemporânea da chamada Antiga Idade do
Bronze da costa do mar Negro e da Síria-Palestina. A
expressão «Calcolítico» parece sobretudo homo-axial do
Neolítico da Grécia, embora talvez se sobreponha tam-
bém à Antiga Idade do Bronze do mar Egeu. Assim, o
Calcolítico e a Idade do Cobre ainda se podem fragmen-
tar. O Mesolítico está suficientemente bem estabelecido
para que seja possível anulá-lo. O estudioso tem que su-
portar a divisão em cinco «idades».
Mesmo cinco fases dão uma estrutura demasiado
grosseira para reflectir satisfatoriamente o progresso da
cultura humana. No fim do século xix, Mortillet par-
celou a primeira e mais longa Idade da Pedra: o Paleo-
lítico. Apoiado na estratigrafia observada nas várias
•estações da França, distinguiu seis conjuntos ou culturas
•que, nas estações pré-históricas, se seguiam umas às
"**sn»B?*"« "

V. GOBDON CIIILDB

outras e na mesma ordem. Considerou que estas estações


representavam períodos do Paleolítico, por analogia com
o Devónico, Câmbríco, etc, da nomenclatura geológica.
Cada período foi designado pelo nome. da estação em que
primeiro foi encontrado ou em que estava mais bem re-
presentado —• Chelles, Saínt-Acheulle, Moustier, Aurignae,
Solutré, La Madeleine (os acontecimentos estão aqui deli-
beradamente simplificados). Ora, na medida em.que as
séries de Mortillet reflectem essa sucessão estratigráfica
(inicialmente não sucedia assim), as seis culturas refe-
ridas representavam divisões cronológicas dos vestígios
arqueológicos em França e as fases do desenvolvimento
da cultura em França. Mas, sob a influência da então
recente teoria evolucionista, procuraram representar fases
- evolutivas na cultura humana e períodos de tempo • abso-
luto universalmente contemporâneos com os períodos geo-
lógicos! >
Na realidade, o Aurinhacense, o Madalenense ou-
qualquer outro dos nomes atrás referidos exprimem um
conjunto de tipos que, numa área específica, estão cons-
tantemente associados. Fora dessa área, nem todos esses
tipos se encontram associados, pois nem todos são uni-
versais. Assim, é errado falar-se de um «período aurinha-
cense» para a Sibéria ou África do Sul. Não obstante,
muitos historiadores têm cometido esse erro. Os livros
ingleses anteriores a 1938 e os trabalhos russos até 1950
empregam os termos de Mortillet para designar divisões
de tempo absoluto (geológico, se não mesmo sideral),
aplicados a conjuntos que os escritores em questão pen-
savam que ocupariam uma posição na sequência local
semelhante à que tinham na sequência francesa. A ver-
dade é que o Aurinhacense, o Madalenense, etc, se re-
ferem a culturas —unidades da classificação corográ-
fica—, e empregar o mesmo termo para designar divisões
cronológicas estabelece grande confusão.
-tW "****'

INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 49

O abuso não se limita às divisões da Idade da Pedra.


Continuam a aplicar-se nomes de culturas, isto é, das
divisões corográficas, às divisões cronológicas da Meso-
potâmia, da pré-história egípcia e às subdivisões da
Idade do Ferro europeia. Mesmo na Inglaterra, a etiqueta
de Hallstatt é aplicada a um conjunto de tipos, nenhum
dos quais se encontra na estação epónima ou em estações
semelhantes da Europa Central e da França Oriental, por
essa altura equiparada às culturas de La Tène. A con-
fusão resulta, evidentemente, de que uma divisão ~de
tempo arqueológico, ou «período», e uma divisão coro grá-
fica, ou «cultura», são constituídas por um conjunto de
tipos especiais expressos por um só nome. Esta ambiva-
lência não provoca qualquer ambiguidade quando a di-
visão cronológica cai dentro dos tempos históricos. Se
falamos da cultura do tempo de Jaime I, não estabelece-
mos o contraste com a cultura europeia francesa ou com a
Índia, mas com a cultura Tudor ou jorgiana, isto é, com
a cultura da Inglaterra Tudor ou jorgiana. Quanto à
primeira comparação, podemos traduzir, graças aos do-
cumentos escritos, a cultura do tempo de Jaime I em
«século xvii». Muitas vezes, numa obra sobre história
arqueológica local, é conveniente e quase inevitável usar
uma designação cultural para referir uma divisão crono-
lógica dos vestígios locais. Numa obra sobre história
universal deve preferir-se uma designação independente.
Mesmo em pré-história, essas divisões são ainda úteis.
As culturas paleolíticas podem ser assim atribuídas a
convenientes divisões geológicas marcadas pelos avanços
e recuos dos glaciares e às correlativas regressões e
transgressões do mar (isto é, a períodos de alto e de
baixo nível marinho). O único motivo para falar de um
período «moustíerense» ou «madaienense» seria a falta
de confiança nas correlações vulgarmente estabelecidas
entre estas culturas e fases da época glaciar. Neste
caso, seria, então, melhor falar de Paleolítico Inferior,

i. A. — 4
50 V. GOEDON CIÍILDI3

Médio e Superior e dividir este último em fases trans-


postas para números. O «Solutrense» seria substituído
por um período designado por «Paleolítico Superior II
da Europa Ocidental».
Nos tempos pós-pleistocénieos é menos fácil encontrar
substi :utos para as designações culturais. Tentou-se fazer
uso de termos descritivos — designações de tipos-fósseis.
Assim, os prê-hístoriadores dinamarqueses costumavam
chamar do «Dólmen», de «Túmulo de Passagem» e de
«Adaga' aos períodos do Neolítico local, e os Alemães
ehamair actualmente â última fase da I Idade do Bronze
na Europa Central o período do «Campo de Urnas». Estes
termos, quando qualificados por um adjectivo geográfico
— dinamarquês, Sudoeste Alemão—, têm a vantagem de
indicar francamente o seu significado. Mas a verdade é
que os túmulos de passagem ou os campos de urnas são
efectivamente característicos de uma só das várias cul-
turas que floresceram no período assim designado. Os
pré-historiadores dinamarqueses preferem portanto falai*
de Neolítico Antigo, Médio e Recente e os pré-historia-
dores ingleses têm a mesma orientação. Para a Idade do
Bronze tem sido aplicada uma divisão tripartida seme-
lhante à que de há muito é usada para a Europa Cisal-
pina e para a Síria-Palestina, enquanto que em Creta,
Grécia, Cidades e Chipre o termo «Idade do Bronze» foi
substituído por designações, respectivamente, de «Mi-
nóico», «Heládico», «Cicládico» e «Cipriota». Pedia, na
verdade, ter sido melhor dispor em conjunto as «idades»
e referir a números os períodos sucessivos da cultura em
cada região. O ideal, evidentemente, seria correlacionar
as várias séries locais determinadas pelos meios arqueoló-
gicos atrás referidos (p. 40), de modo tal que o conjunto
da pré-história pudesse ser coberto por um simples es-
quema de divisões numeradas. Tornava-se assim possível
transpor as várias datas relativas para as datas absolutas
definidas com o auxílio da física e da astronomia.
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA
01

BIBLIOGRAFIA

§ 1:
CHII.DE, op. cit.
CLARK, J- G. D., Archaeology anã Society (Londres, 1939).
Prehisioric Europc: The Economic Basis
(Londres, 1953).
SOLLAS, W. J., Ancicnt Hunters anã Their Moãern Repre-
sentatives (Londres, 1921).
§ 4:
DANIEL, G. E., A hunãreã years of Arcliaeology (Londres.
1950).
CIIILDEÍV. G., «The Constitution of Archaeology as a
Science», in Ashworth Underwood (ed.). Science,
Medicine, ffisíory (Londres, 1953).
tmmgpptmfSHHpl
-Ç?

CAPITULO III

AS ESTAÇÕES ARQUEOLÓGICAS
B A SUA ESTRATIGRAFIA

Podem-se encontrar objectos antigos â superfície de


um terreno, no decurso de uma lavra ou da abertura de
uma vala. Esses objectos só potencialmente ê que são
dados arqueológicos; mas, em compensação, a sua loca-
lização ê um dado arqueológico, embora não seja um mo-
numento. Os vestígios e monumentos só se transformam
em dados quando se ajustam a tipos já classificados, à
luz dos conjuntos em cujo contexto foram encontrados.
A informação histórica só pode ser conseguida com exem-
plares encontrados, juntamente com outros, em estações.
Estas são de natureza muito variada — habitações,' tú-
mulos, fontes, minas, santuários, poços, ete. Analisemos
algumas delas, visando em especial os elementos crono-
lógicos que nos podem fornecer.

I—•Cavernas"'- '
As habitações humanas mais antigas ocupadas desde
o princípio da Idade da Pedra Lascada foram as caver-
nas, frequentadas até ã actualidade por caçadores, pas-
tores, passeantes e refugiados, ermitas ou bandidos, con-
trabandistas e pescadores. Formadas por processos
naturais, as cavernas, em si, não são dados ou monu-
,JtÊÈIÍ&zr~-~

INTRODUQÃO A ARQUEOLOGIA

mentos arqueológicos, embora muitas delas apresentem


nas suas paredes pinturas ou gravações, inscrições ou
representações que ás podem levar a essa categoria. Para
o arqueólogo, as cavernas têm uma vantagem especial:
os seus ocupantes não são (e quase nunca o foram)
asseados. Ê frequente deixarem atrás de si grande quan-
tidade de restos, latas abertas e garrafas partidas, facas
estragadas e ossos roídos. O lixo assim disperso pelo chão
foi conservado e coberto pela terra da caverna ou pelas
rochas que ruíram. Por outro lado, com excepção dos
tempos muito remotos, os ocupantes das cavernas são
pessoas de proveniência social relativamente humilde.
Deste modo, o lixo deixado no chão refere-se ao nível
médio da prosperidade e das realizações técnicas da so-
ciedade a que pertencem os utilizadores das cavernas.
Se um arqueólogo esquece este facto, ao analisar vestígios
deixados no século xix corre o risco de tomar uma
família de vagabundos ou um bando de contrabandistas
como característico do inglês médio desse período. Mas
esta restrição é contrabalançada por outras vantagens.
A caverna pode conservar um registo estratigráfico
claríssimo (1) \ Suponhamos que acampou, numa delas,
um certo número de pessoas; as cinzas do fogo que acen-
deram espalharam-se pelo chão; os restos dos seus ali-
mentos e os vasos e utensílios quebrados constituem uma
camada de ocupação. Abandonada a caverna, esta super-
fície cobrir-se-á, em determinadas condições, de uma
camada estéril de estalagmitcs, terra, excrementos de
animais ou pedras caídas do tecto, com o que ficam
protegidos todos esses restos de ocupação, isolando-a
dos novos materiais deixados sobre a nova superfície
estéril quando alguém voltar a ocupar o abrigo. Nas con-
dições geladas da época glaciar, as camadas estéreis

1
Os números entre parêntesis insertos .neste capítulo e no
imediato referem-se à bibliografia indicada no final iíòs mesmos.
5-1 V. GORDON CHILDE

íormavam-sc rapidamente, tornando-se geralmente duras


e impenetráveis. Assim, nas cavernas calcáreas da Eu-
ropa Ocidental, as camadas de ocupação do Moustierenso,
Aurinhacense, Gravetense, Solutrense e Madalenense es-
tratifícam-se umas a seguir às outras, perfeitamente isola-
das entre si por um leito estéril, fornecendo assim uma
prova irrecusável da sequência existente nessas indústrias.
Infelizmente tais condições nem sempre se verificam
e nos períodos mais recentes raramente ocorrem, fs fre-
quente que o chão da caverna seja constituído por terra
solta, facilmente removida pelos animais que nela pro-
curam abrigo, ou pelos habitadores humanos; noutros
casos, o chão é constituído, por grandes blocos de pedra
por entre os quais os utensílios podem resvalar ou ser
levados pelos ratos. Noutros casos ainda, como os ho-
mens, muitas vezes, abrem túmulos ou outros orifícios
no chão da caverna e os animais de toca frequentam o
abrigo com tanta assiduidade como o homem, a estrati-
grafia altera-se. Nenhuma conclusão se pode tirar da
profundidade èm que foram encontrados os vestígios,
a menos que o perito escavador possa provar que são
provenientes de camadas intactas.
Desde meados úo Pleistoceno que as cavernas têm
sido usadas para túmulos. Cronologicamente, os túmulos
são mais recentes do que a camada em que se encontram;
os corpos pertencem, na melhor das hipóteses, aos homens
que deixaram os depósitos de ocupação imediatamente
acima deles, mas também podem ser muito mais recentes.
Se as sucessivas camadas estiverem bem definidas, será
possível determinar quantas foram atravessadas para
escavação do túmulo, que pertencerá cronologicamente à
camada a partir da qual se iniciou a escavação.
As cavernas são muitas vezes veneradas como locais
sagrados. A famosa gruta de Lourdes é um exemplo
recente de uma prática que remonta, pelo menos, a cinco
mil anos atrás. Os visitantes piedosos costumam depositar
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 65

ofertas votivas nesses locais sagrados e é natural quo


algumas delas sobrevivam, como, por exemplo, imagens
de barro e ornatos de metal, que poderão ter chegado
até nós. Normalmente, porém, não se verifica uma se-
quência ordenada nas ofe'rtas. Mas se estas incluírem
exemplares cuja data seja conhecida pela estratigrafia
de outras estações, a mais antiga indicará a data em que
deve ter começado o culto.
Finalmente, as muralhas de muitas cavernas são
decoradas, veneradas ou modificadas por pinturas, gra-
vações, esculturas ou raspagens deixadas por visitantes
ou residentes. Desde o século vi a. C. que o hábito de
raspar ou garatujar o nome e a data é corrente nos
povos letrados. Por muito que hoje censuremos essa
prática, os arqueólogos estão prontos a saudar como
um precioso documento histórico as mais antigas inscri-
ções, ainda que tenham sido feitas por motivos fúteis.
As pinturas, gravações e baixos-relevos paleolíticos nas
cavernas da Dordogne, Pirenéus e montanhas cantábricas
são conhecidas em todo o mundo; fornecem ao historiador
uma informação única, tanto sobre a arte como sobre a
psicologia, as ideias e o ambiente do homem paleolítico;
mesmo para o zoólogo é um indispensável suprimento às
magras ilações que se podem tirar dos ossos fossilizados,
a respeito do aspecto de animais actualmente extintos,
como sejam o mamute e o rinoceronte piloso. Bastante
menos instrutivas são as gravuras pintadas ou gravadas
nos sombrios abrigos rochosos do Sudeste da Espanha,
Norte e Sul da Africa, e a incerteza quanto à sua antigui-
dade diminui o valor das informações que daí se poderiam
tirar. De épocas mais recentes e de culturas mais adulte-
radas, obtêm-se inapreciáveis informações com os ele-
mentos fornecidos pelas paredes das cavernas, desde as
soberbas pinturas- budistas de Arjanta, na índia, até aos
rudes «símbolos pictos» e às «antigas inscrições cristãs»,
nas cavernas costeiras da Escócia.
V. GOBDON CHILDB

A idade arqueológica das pinturas ou das inscrições


não datadas existentes nas paredes das cavernas pode,
por vezes, ser directamente determinada ou, pelo menos,
delimitada. Há estações francesas (2) em que as cenas
murais estão cobertas pelos depósitos resultantes da
ocupação das cavernas. Em duas outras caíram da parede
fragmentos de pintura que se misturaram com depósitos
provenientes da ocupação do solo. De qualquer modo, a
gravura deverá ser tanto ou mais antiga do que ò depó-
sito que a cobre ou do que os detritos entre os quais se
encontram os fragmentos caídos. Estes depósitos apre-
sentam, felizmente, tipos que podem, ser classificados
cronologicamente com, precisão e assim datados. Usual-
mente, porém, para determinar a antiguidade da arte
parietal e da pintura na rocha, temos que nos apoiar em
comparações de armas, fatos, ornamentos e outros arte-
factos que nelas aparecem representados com tipos já
arqueologicamente datados ou através de fontes escritas.
No entanto, a cronologia relativa das pinturas de uma
só caverna ou região pode ser determinada por via di-
recta. E frequente verificar-se o facto de a superfície de
uma c mesma rocha ter sido usada para «tela» em dife-
rentes períodos arqueológicos. Se os vários desenhos
foram pintados, a s . suas idades relativas podem ser
estratigràficamente determinadas. Uma observação cui-
dada pode revelar camadas de cor sobrepondo-se umas
às outras, constituindo elementos de pinturas distintas.
A camada do fundo pertence ao desenho mais antigo e
as que sobre ele estão pintadas devem ser mais recentes.
Foi por este meio que Breuil estabeleceu uma sequência
regular de estilos de pintura na região franco-cantábrica.
Mas, quando sé trata de gravações, a estratigrafia não
tem qualquer valor. E quando numa mesma superfície
rochosa se sobrepõem duas ou mais gravuras, é, muitas
vezes, possível determinar qual a linha que passa por
outra jâ desenhada, pertencente à mais antiga das duas.
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 57

I I — Casas e povoados '

Desde o Paleolítico Superior, a maior parte d a popu-


lação vive em abrigos artificiais feitos de turfa, lama,
tijolo, madeira ou pedra. É certo que, antes de 1940, se
acreditava e se repetia em livros de divulgação, sem
suscitar dúvidas, que os homens pré-histó ricos, incluindo
os «antigos bretões. > contemporâneos da invasão de Júlio
César, viviam em «abrigos de poço» total ou parcial-
mente cavados no chão. De facto, as casas de habita-
ção subterrâneas ou semi-subterrâneas constituem pro-
tecção contra os excessos do calor e do frio. sendo utili-
zadas na actualidade tanto n a zona polar como nos
desertos subtropicais. N a Rússia e na Morávia têm sido
identificadas estações constituídas por estas habitações
cobertas, utilizadas durante a época glaciar. Mas a maior
parte dos «abrigos de poço» {Wohngruben, fonas ãe
cabane), referidos pelos antigos escritores, quer abertos
no calcário argiloso (de greda), quer mergulhados nos
Jõss da Europa Central, são agora considerados pelas
autoridades competentes como não tendo sido mais que
silos, poços de argila, poços de entulho, pocilgas ou,
quando muito, oficinas de tecelagem. Neste último caso,
alojariam as pontas inferiores dos fios da urdidura pen-
durados num t e a r vertical e esticados pelas pedras ou
pesos de gesso encontrados no fundo dos poços, e pelos
quais se identificou a função destes.
Ás paredes das casas, tanto pré-históiicas como mais
recentes, sobem normalmente acima da superfície do
solo e a sua existência seria reconhecível pelos arqueó-
logos, mesmo que tivessem sido arrasadas ou tivessem
desaparecido; os seus vestígios diferem conforme o ma-
terial com que foram construídos — adobe, madeira,
pedra ou tijolo. O chão das casas varia menos, m a s o
seu reconhecimento é fundamental n a escavação de uma
habitação doméstica, quanto mais não seja pelas impli-
cações cronológicas. E certo que se pode dar o caso de
o chão estar pavimentado com lajes, azulejos, tijolos ou
mosaicos, mas mesmo as lajes eram parcimoniosamente
usadas no passado e os azulejos ou o pavimento.de már-
more ou de mosaico são próprios dos povos civilizados,
das sociedades letradas; mesmo aí, estão, em regra, con-
finados às mansões dos ricos ou aos estabelecimentos
públicos.
O chão de madeira era muito menos corrente na
antiguidade do que hoje, e nos tempos pré-históricos não
há vestígios desse processo de cobertura do solo; o chão
das habitações lacustres era de calcário, embora este
assentasse sobre uma plataforma de toros horizontais
(não tábuas). Tal como nos povoados mais antigos, as
casas actuais dos camponeses da Irlanda ou dos Balcãs
continuam sendo de terra batida. Numa escavação 6
muito difícil identificar este chão de terra ou de argila.
Quando é duro pode, com alguma sorte, ser sentido por
um pesquisador que trabalhe com uma colher de pedreiro,
mas uma pá atravessá-lo-á sem o notar. Se o chão não
está bem varrido, uma fina camada de cinzas ou migalhas
pode permitir que a sua superfície se distinga, reve-
lando-a num corte vertical. Nas aldeias dos pântanos à
volta dos Alpes, onde, devido à humidade, o chão das
casas tinha que ser constantemente renovado, deitava-se,
como isolante, casca de vidoeiro por baixo do chão. Um
corte vertical pode revelar a*, existência de uma dezena
de chãos de greda, uns sobre os outros, cada um deles
nitidamente separado do anterior por uma fina camada
de vidoeiro. A formosa estratigrafia assim obtida não
tem sido muito usada para a classificação cronológica
dos vestígios. Na verdade, os aldeãos dos pântanos não
só varriam o chão, como ainda raspavam a superfície
suja antes de colocar a camada do vidoeiro para o chão
seguinte (3). No entanto, à volta da lareira parece que
o chão ficava com a superfície cozida. Em consequência
disso, a dura superfície vermelha assim resulíande dá
uma indicação do nível geral do chão.
't INTRODUÇÃO A AEQUEOLOGIA 59

Mas pode obter-se um guia ainda melhor, pelos


objectos dispostos no chão ou pelas construções que
sobre ele se levantaram. Com excepção dos países quentes,
uma sala de j a n t a r contém, quase sempre, um fogão
pavimentado com lajes ou pedras e coberto por uma
estrutura de cerâmica moldada ou por um amontoado
de pedras. Nos climas muito frios o fogão de cerâmica
cozida pode estar assente no chão. A sua base é u m
meio pelo qual se pode conhecer o nível do solo. Este
também se pode inferir da posição da pedra ou do tijolo
que servia de soleira, ou seja da pedra de apoio sobre
a qual girava a porta. (Os gonzos foram u m a invenção
muito recente; antes desse invento, uma saliência de u m
dos topos d a porta rodava sobre um socalco n a soleira,
enquanto a correspondente saliência do topo superior d a
porta estava metida num buraco de couro ou de metal.)
P a r a fazer a s paredes das casas, a lama batida, mis-
turada geralmente com pedrisco ou palha, é um admi-
rável material de construção num clima seco e as ruínas
das casas dessa forma construídas deixam aos arqueó-
logos um registo estratigráfico claríssimo. Durante a
construção, é evidente que o material terá que estar
húmido p a r a se moldar e permitir que as sucessivas
filas se segurem umas às outras; expostas ao sol, endu-
recem e solidificam. Este material assim fabricado é
chamado adobe. Quando os blocos de adobe são primeiro
moldados à mão n a sua forma apropriada e, em seguida,
endurecidos ao sol, antes, de utilizados n a construção,
conservam o nome de tijolos manuais. Obtêm-se melhores
resultados, se os blocos tiverem todos o mesmo formato,
metendo o material, enquanto moldável, dentro de formas
de madeira. São chamados tijolos de adobe, para, se
<listinguirem dos tijolos cozidos no forno. Foram, de
facto, usados por volta de 3000 a. C , mas só em palá-
cios e templos. Num clima quente e seco, os tijolos
secos no forno constituem um luxo desnecessário, con-
CO V. GORDON CJIIILDB

sumindo, sem vantagem, trabalho c combustível quo


eram escassos.
Os tijolos de adobe assentam sobre argamassa húmida
também de adobe e a superfície das paredes é geral-
mente coberta com uma massa de adobe que pode, em
seguida, ser caiada ou pintada. Em clima seco, e desde
que o topo das paredes esteja protegido por largas
goteiras de colmo, lajes de pedra ou telha, uma casa de
adobe ou de tijolos de adobe pode durar um bom par
de gerações, talvez mesmo dois séculos. Na Ásia Sudoeste
e Central, o tijolo de adobe continua sendo o material
usado na construção das casas. Onde, porém, a chuva
é mais pesada, como em cerí;as regiões da Turquia e
•da Península Balcânica, os alicerces das paredes tom
que ser formados por duas ou três fieiras de pedra que
.suportam a massa dos tijolos.

Fig..-1
.1) Tijolo plano-convexo; 2) r Disposição ãos tijolos em espinha
de peixe

Alguns tijolos antigos, embora feitos em molde, têm


uma forma muito diferente dos actuais. Os mais antigos,
usados na Mesopotâmia, eram estreitos como telhas. Em
seguida,' . no período chamado dinástico Antigo, entre
2750 a. C. e 2350 a. C., -foram substituídos pelos cha-
T -Kf»!í«SB4JI>J!f»v'
•"BSÇ? •JJSÍT-

INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 61

mados tijolos plano-convexos, direitos numa face, mas em


forma de almofada na outra. Estes tijolos aparecem,
muitas vezes; dispostos, não horizontal, mas obliquamente,
tendo cada série, alternadamente, uma direcção oposta.
à anterior. Um par de filas parece-se assim com uma
espinha de peixe. As vezes, as pedras são também dis-
postas da mesma maneira, dando origem à alvenaria em
espinha ãe peixe que se encontra em redor do mar Egeu
durante a Antiga Idade do Bronze e que ainda se pode
encontrar nas represas da Espanha e da Cornualha. Mas
a disposição dos tijolos em forma de espinha de peixe
não se destinava a ser vista, pois era coberta por uma
camada de adobe.
Um conjunto de construções feitas com massa ou
tijolos de adobe e ocupado durante muitas gerações é
um exemplo clássico de uma estação estratigrafada (4).
As.paredes feitas com estes materiais desfazem-se e
transformam-se em poeira. Nesse caso, o nível do campo
em que as povoações estavam construídas sobe pela
acumulação dos restos, habitualmente atirados para as
estreitas ruas que separam as casas. As paredes em
ruínas podem então ser arrasadas e postas ao novo nível
das ruas e os restos (que mais não são do que terra)
espalhados sobre o chão anterior e aplanados. A super-
fície assim preparada serve de chão a novas construções
cujas paredes se levantam sobre o novo nível da rua e,
mais ou menos verticalmente, acima da primeira casa.
A repetição deste processo produz uma colina artificial,
vulgarmente designada pelo termo árabe tell, mas cha-
mado «hiiyiik» na Turquia, «tepe» no Irão, «maghoula»
ou «mogila» nos Balcãs e «kurgan» na Ásia Central;
mas os dois últimos são também termos designativos de
elevações funerárias.
As planícies dos Balcãs, Sudoeste da Ásia, Paquistão
e Ásia Central aparecem assaz densamente matizadas
de montes representativos de cidades, vilas e povoados,
e ainda hoje se pode assistir à sua formação no Iraque
62 V. GOBDON CHILD.S

o n a índia. Alguns atingem imponente altura: Tepo


Gawra, no Kurdistão, levanta-se 30 m acima da planície.
I\To entanto, alturas como esta são r a r a s e os seus topos,
habitualmente, passam a ser ocupados por cidadelas ou
locais sagrados. Um arqueólogo pode encontrar num tell,
apresentando com nitidez, n a ordem exacta da sequência,
vestígios e monumentos próprios dos períodos que se
sucederam. Massas consecutivas de vestígios arqueoló-
gicos são dispostas em ordem estratigráfica. A recupe-
ração destas massas de materiais, por meio de escavações,
apresenta, contudo, interessantes dificuldades e arma-
dilhas.
Não sendo as paredes e tijolos de adobe mais que
terra, torna-se extremamente difícil distinguir a terra
do tijolo d a não trabalhada, com que foram feitos, em
que se tornaram e onde foram encontrados. Só a expe-
riência pode revelar a s subtis diferenças de textura e
de cor que pode levar a estabelecer essas diferenças.
Numa superfície nivelada e desbastada, onde perfeita-
mente se veria o plano de uma casa de madeira, poderá
não ser possível encontrar as ruínas de adobe, se uma
ou ambas a s faces da parede não tiverem sido pintadas.
Neste caso, o topo d a parede seria marcado por uma
ou duas linhas brancas ou coloridas muito ténues, só
discerníveis num corte horizontal bem definido. Poi desta
forma descoberto, em Uruk, na Mesopotâmia, o anti-
quíssimo «Templo Branco» e o seu antecessor.
E m segundo lugar, a t e r r a com que são feitos os
tijolos de adobe ou com que se enchem os troços de
parede pode apresentar vestígios deixados pelos ocupantes
anteriores e que passam assim p a r a u m nível histórico
superior àquele a que cronologicamente pertenciam. P o r
exemplo, os antigos fizeram e partiram milhares de vasos
pintados, podendo encontrar-se um grande número dos
seus cacos nos lugares .onde havia povoados. Alguns
deles misturaram-se com o adobe usado em edifícios
muito mais recentes — o Templo Branco, em Uruk, 6
| INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA
63

um desses casos; foram aí encontrados restos de cerâ-


mica em camadas referentes a períodos muito posteriores,
quando essa cerâmica já se não usava.
Finalmente, em relação a um téll, mais do que sobre
uma caverna, um investigador não se deve esquecer de
que os homens podem —neste caso precisam mesmo de
assim proceder—• ter abertos poços, depósitos do lixo,
canais ou túmulos abaixo da superfície do solo em que
vivem; caídos nesses buracos, certos vestígios de objectos
utilizados pelos homens desse tempo podem assim passar
i a estar no nível dos objectos há muito cobertos de terra.
Em princípio, o pesquisador (5) deveria seguir os níveis
do solo, reconhecer as aberturas dos poços ou túmulos
e atribuir o seu conteúdo ao nível que lhe pertencia.
Mas este método de escavações consome muito tempo e
dinheiro.
Podem obter-se algumas informações de uma forma
muito mais barata e rápida, abrindo um poço-teste (6),
perfurando os vários níveis de um téll, conservando
juntos os vestígios encontrados à mesma profundidade
(em regra, encontrados 0,5 m abaixo de um ponto de
partida convencionado). Só se podem tirar conclusões
de uma escavação, tal como numa sequência estratigrá- U)M.<

fica, quando se parte de vestígios suficientemente nume-


rosos, isto é, desde que cada conjunto estratigráfico
esteja representado por algumas centenas de espécies.
Suponhamos, por exemplo, que três tipos de cerâmica,
A, B c C, foram sucessivamente usados, em quantidade, fft~*

pelos ocupantes de um lugar. Podem ter sido encontrados


cacos de cerâmica A em todos os níveis, mas 80 % deles
jjtfc «
estarão concentrados no nível-base. Da mesma maneira, |sfct»w«*s™

alguns cacos de cerâmica C desceram do topo para baixo,


podendo encontrar-se cerca de 5 % na base, enquanto no
nível do topo foram encontrados 75 %. Da cerâmica B
foram encontrados 10 % no nível mais elevado, 70 % no
nível médio e 15 % no nível mais baixo. Estas cifras
fornecem uma prova estratigráfica satisfatória de que os
fêM' -M&

•V. GOEOON CHILDjZ

três estilos se seguiram uns aos outros na ordem A, B e c.


Graças aos grandes números disponíveis, foi possível
descontar o deslocamento individual dos diferentes objec-
tos. Para um simples selo ou para um alfinete encon-
trado, por exemplo, no nível médio, não há qualquer
garantia de não ter sido incorporado num tijolo com o
entulho das ocupações anteriores ou de ter caído num
corredor ou abertura feitos por um rato.
Nas zonas onde há chuva bastante para provocar o
desenvolvimento da floresta, a madeira é o material de
construção mais vantajoso. Mas a madeira só sobrevivo
em excepcionais condições, como seja em desertos (onde.
no entanto, quase não existem árvores) ou em pântanos.
Pelo menos, nos solos normais, os planos das casas de
madeira podem ser reconstituídos por meio de técnicas
especializadas. As paredes e o tecto podiam ter estado
apoiados em postes, firmemente assentes no subsolo.
Mesmo que a madeira tivesse apodrecido, os buracos
onde estiveram os postes podem ter ficado cheios de uma
camada de solo virgem (quer dizer, o subsolo abaixo do
húmus e desprovido de raízes de ervas e de arbustos);
é muito mais difícil encontrar buracos ãe postes no solo
remexido, como seja, por exemplo, um depósito. Num
campo liso, os buracos apresentam sinais escuros, ou,
pelo menos, sinais donde saem raízes, enquanto o campo
envolvente está limpo delas. Normalmente, podem encon-
trar-se, no fundo do buraco, alguns pedaços de madeira
carbonizada, ao mesmo tempo que, à volta, se acumu-
lariam pedras. Quanto à terminologia, de «buraco jtfara
poste», será o buraco aberto para receber um poste; a
marca de um poste cravado verticalmente na terra é
chamada soco ãe poste. Os socos de poste mais delgados
podem chamar-se buracos ãe estaca. As cavidades dos
postes são suficientes para definir o plano de uma cons-
trução, embora os que suportam a cimalha do telhac'o
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 65

nem sempre se possam distinguir dos que suportam as


paredes de u m a divisão.
O espaço entre os barrotes de suporte pode ser
tapado com turfa, adobe, tijolos de adobe, um entrançado
de adobe (isto é, vimes entrelaçados e argamassados com
adobe ou estrume), ramos ou plantas colocados topo a
topo ou troncos dispostos horizontalmente. O sistema de
construções horizontais feitas com troncos recebe, muitas
vezes, w designação de arquitectura de barrotes. O en-
trançado (onde as varas ou troncos de árvore estão
dispostos em vertical) é normalmente colocado numa
estreita trincheira que pode se/ determinada pelo pro-
cesso a t r á s referido para a determinação dos orifícios
dos postes. Se as paredes tiverem sido feitas ou cobertas
de barro, só poderão ser definidas se a casa tiver ardido:
o barro cozeu, e tornou-se tão imperecível como a cerâ-
mica ou os tijolos feitos ao forno. As traves das paredes
involuntariamente queimadas podem ter ficado de pé,
espalhando-se pelo chão fragmentos da argamassa de
barro assim cozido e tendo as marcas das traves ou
do entrançado. N a verdade, chegaram até nós bocados
cozidos do telhado de barro, fragmentos das moldagens
que adornavam os remates, como cabeças de touro em
barro e até sinais do encruzamento das vergas!
Nas cabanas de madeira, a trave da base pode ter
deixado uma m a r c a pouco profunda no solo, podendo
mesmo não terem existido traves que. nele tivessem sido
cravadas: em vez de estarem metidos n a t e r r a d o s su-
portes verticais das paredes e do tecto podem ter sido
encaixados numa sólida viga horizontal chamada viga
de suporte. Quando a viga de suporte assenta no solo
ou está metida nele, numa trincheira própria, a s linhas
gerais da construção ainda são recuperáveis por uma
cautelosa técnica. N o entanto, podem também assentai
(como sucede, por exemplo, com as casas norueguesas
contemporâneas) sobre blocos de pedra. Quando assin?
acontece, a menos que as pedras estejam dispostas cor»

I. A., —5
V. GOBDON OHILDÍ'

perfeita regularidade e sem interrupção, pouca espe- •


rança há na reconstituição do plano de construção ou J
até no reconhecimento da sua existência. I
Quando as casas de madeira foram sucessivamente /
levantadas no mesmo local, as suas ruínas nunca cons- j
tituem camadas sobrepostas semelhantes às que se for-
mam com as casas de adobe. Nas zonas arbóreas da •'
Eurásia, ao norte do Pó e na planície húngara não há
tclls. Quando uma sequência de casas assentes em postes
cx'avados na terra permanece muito tempo no mesmo
lugar, nada mais resta do que um labirinto de orifícios
no chão. Uma observação cuidada dos seus planos dis-
criminados pode revelar grupos de buracos formando
um mcdelo-padrão — o plano de uma casa—, perten-
cente, portanto, a um determinado período. Mas, como
os orifícios estão todos no mesmo nível, a estratigrafia
não fornece qualquer informação sobre a sequência destes
períodos arquitectónicos. Uma observação minuciosa do
campo pode revelar casos em que os .orifícios dos postes
se cruzam uns com os outros e cortam as trincheiras
de alicerce. Neste caso, é possível determinar-se a ordem
das construções a que pertencem os respectivos orifícios.
As tendas ou cabanas cónicas de turfa podiam estar
apoiadas num simples barrote colocado ao centro e que
não precisava estar enterrado na terra, assentando numa
pedra lisa que, por seu turno, não deixava qualquer
indicação de existência. As colunas soltas de madeira
podem também assentar em bases de pedra. A função
dessas pedras revela-se em relação com outros aspee- i
tos —por exemplo, quando uma delas ocupa o centro I
de um arco de pedras podia ter servido para segurar os f
panos de uma tenda; quando aparecem quatro pedras I
à volta do mesmo centro, estariam geometricamente à
volta de uma lareira. Ou, então, as pedras de apoio
podiam ter sido cuidadosamente preparadas para servir
de base às colunas, como sucede nos palácios minóicos
e micénicos.
^rsy&ws^wp^^r*- «p***^ -'~^&^i^^'r^^^-*vwr,<''* " "'fs&ff^

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 67

A pedra só era um material de construção econó-


mico nas regiões rochosas e sem árvores. Mas a sua
maior duração e outras considerações menos racionais
deram-Ihe um tal prestígio que as sociedades, conve-
nientemente equipadas com utensílios adequados, passa-
ram da arquitectura de madeira ou tijolo para a de alve-
naria na construção de templos e palácios. Estes eram
copiados pelas' habitações privadas por quem se podia
permitir um tal luxo.
Para fazer paredes, o pedreiro podia usar calhaus
apanhados do chão ou lajes e blocos de faces para-
lelas — cubos ou paralelepípedos —- tirados das pedreiras.
Algumas rochas, como o calcário de Cotswold ou a
ardósia de Caithness, cindem naturalmente em lajes
finas, que se podem encontrar numa praia ou junto a
rochedos, já partidas e em pequenas - dimensões. Quando
estes materiais não são suficientes ou não existem no
local nas formas e dimensões utilizáveis, poderão ser
encontrados em pedreiras das proximidades. Estas lajes
planas podem ser colocadas umas sobre as outras, com
ou sem argamassa de barro, construindo-se muros com
a altura de 3 m ou mais. A aldeia neolítica de Skara
Brae, em Orkney, foi assim construída, na sua quase
totalidade, com blocos já afeiçoados e apanhados numa
praia próxima. Os diques de Drystone foram também
construídos com lajes não trabalhadas, embora os seus
construtores dispusessem de bons utensílios de ferro.
Qualquer construção deste tipo em que se não emprega
argamassa é chamada alvenaria de pedra vã. 32 evidente
que o uso de argamassa não só ajuda a anular as cor-
rentes de ar e a humidade como ainda aumenta a esta-
bilidade e a duração da parede. No entanto, em Skara
Brae podem ver-se paredes de pedra, com cerca de
2,5 m de altura, que se conservaram durante três mil
e quinhentos anos; a torre de 12 m, também de pedra vã,
que se eleva em Mousa, nas Shetland, tem, pelo menos,
vinte séculos.
CS V. GOBDON ORJU.WJ

Com boa argamassa é possível construir paredes ro-


bustas e estáveis, usando seixos irregulares ou calhaus
em bruto de rocha refractária. As igrejas de East-Anglia
feitas de pedaços de sílex mostram bem a duração
paredes. Mas sem argamassa não é possível levantar um
muro com seixos rolados não preparados, a menos que
seja excessivamente largo. Obtêm-se os melhores resul-
tados dispondo de grandes pedras na orla da parede ou
na base, como anteparo. Uma fila de calhaus-rolados,
ou, melhor ainda, duas filas paralelas, dispostas na orla
e com cascalho a encher as gretas e a ajustar o topo,
podem suportar perfeitamente .massas de seixos mais
pequenos formando uma cabana baixa.
Quando os grandes blocos estão colocados vertical-
mente sobre a base podem chamar-se ortostatos, che-
cando a ter tamanho suficiente para atingirem o telhado
sem quaisquer acrescentamentos suplementares de pedras
menores. Mas como os rudes ortostatos não têm a mesma
altura e pouco mais "têm do que um perfil rectangular,
podem-se colocar entre eles pedras mais pequenas para
enchei- os intervalos e aumentar as paredes, constituídas
pelos blocos mais baixos. A construção ortostática era
principalmente usada nos túmulos, tendo sido chamada
construção megalítica. Embora etimologicamente esta
designação se refira à dimensão das pedras, convencio-
nou-se restringi-la aos monumentos sepulcrais; para as
construções seculares feitas com grandes pedras, como
por exemplo as muralhas de Tirinos. ou de Bogaz-Kõy,
é preferível usar-se o termo «ciclópico». Podem cons-
truir-se paredes seguras sem argamassa quando os blocos
que estão junto uns dos outros forem preparados para
que as margens adjacentes se ajustem. Em geral, a faço
externa é também aplanada. Os blocos talhados não apre-
sentam os lados necessariamente paralelos: as muralhas
das cidades arcaicas gregas eram feitas com blocos poli-
gonais. No entanto, as muralhas de pedra mais dura-
douras e económicas eram feitas com blocos talhados úo
WTRQDUÇAG A ARQUEOLOGIA 6S

modo que as faces fossem paralelas. Estas pedras dis-


põem-se em filas horizontais, conservando normalmente
a mesma largura, ao longo da parede; ê o chamado tra-
balho ou alvenaria silhar. Como muitos dos blocos têm
as mesmas dimensões e são intermutáveis, pode fazer-se
a produção em formas-padrão, enquanto que na alvenaria
poligonal cada bloco exige; um complemento Individual
vizinho para que fique bem ajustado.
Tanto na alvenaria silhar, como nas construções em
pedra vã com pequenas lajes, como ainda no trabalho
em tijolo, as linhas de contacto entre os blocos de uma
fila nunca devem coincidir com as linhas de contacto das
filas imediatamente superiores ou inferiores. Uma linha
ãe contacto contínua, isto é, uma linha de contacto
. seguindo verticalmente através de várias filas, revela do
forma inequívoca que houve acrescentos ou alterações.
As paredes de pedra, e de tijolo têm usualmente a espes-
sura de duas filas paralelas dos elementos componentes.
Uma forma adequada para dispor as duas filas para-
lelas consiste em fazer uma alternância na disposição
do comprimento com a largura nos elementos compo-
nentes. Os blocos ou tijolos colocam-se em filas paralelas,
alternando os que as dispõem em comprimento com os
dispostos em altura. Muitas vezes, põe-se uma massa de
entulho entre as duas faces interiores da parede.
S perfeitamente possível encontrarem-se paredes de
pedra assentes sobre rocha. Este facto exige a abertura de
uma trincheira de apoio, de forma que a base da parede
esteja um pouco abaixo do nível do solo. Os primitivos
construtores, porém, desprezavam muitas vezes esta pre-
caução. As paredes das casas de Skara Brae (P. 67)
estão assentes na areia, embora algumas delas tenham
a altura de 2,5 m e se conservem levantadas desde há
três mil anos. Mas quase todas as muralhas de pedra
assentam; numa espécie de plinto, isto é, sobre uma ou
mais filas de lajes planas mais largas que a parede nelas
70 V. GOEDON OEILDWl

assente, passando, deste modo, para fora da linha da


parede.
A derrocada de uma construção de pedra ou de tijolo
leva à formação de uma pilha irregular de blocos, tor-
nando o lugar impróprio para nova construção. Se esta
tivesse que se levantar no mesmo sítio, seria preciso
retirar todo aquele material, os blocos intactos voltariam
provavelmente a ser usados na nova construção e sobre
o antigo nível assentar-se-iam novos alicerces. Quando
os restos das bases das antigas paredes se conservaram,
os espaços abertos têm que ser cheios com entulho que
pode conter objectos anteriores à nova construção. Não
devo confundir-se o entulho assim colocado com um
deposito de ocupação. -
Além disso, as construções de pedra é tijolo podem
ter caves —adegas, armazéns, criptas ou masmorras —
construídas abaixo do nível do solo, e sobretudo abaixo
do nível do solo na altura em que foram construídas.
As caves tendem a conservar-se, mesmo quando foi intei-
ramente arrasada a construção propriamente dita. ffi por
isso que os mais importantes vestígios dos palácios de
Creta minóica são filas de estreitas divisões de arma-
zenagem, sendo possível encontrar quase intacta a cripta
de uma antiga igreja, mesmo quando a nave e as capelas
desapareceram. Estas estruturas subterrâneas ou semi-
-subterrâneas não são de modo algum só construções de
alvenaria silhar ou de tijolos cozidos no forno. As casas
térreas da Escócia, os fogous da Cornualha e os subter-
râneos da Irlanda e da França são adegas e refúgios
subterrâneos feitos com paredes de pedra vã e cobertos
com pedras ou lintéis de madeira ao nível do solo e que
se encontravam junto das débeis habitações da Idade do .
Ferro que, normalmente, não sobreviveram. . í
Três mil anos antes, já tinham sido abertas e pre- ?
paradas caves muito semelhantes na aldeia pré-dinástica |
de Maadi, perto do Cairo. Os vestígios encontrados no
chão destes anexos subterrâneos devem ser contempo-
• NTRODUÇZO Z ARQUEOLOGIA 71

rtoeos das construções a que pertencem. . Mas também


é frequente que essas construções subterrâneas tenham
sido propositadamente entulhadas; sendo assim, o material
utilizado pode conter objectos mais recentes do que aque-
les que se poderiam encontrar no chão da habitação anexa.
As estações domésticas consistem num certo número
de construções diferentes. .Mesmo uma herdade isolada
ou separada de outras compreende, além da casa de habi-
tação, um estábulo dè vacas, um celeiro, uma casa de
tecelagem e outros adicionais. Normalmente, as habita-
ções agxupam-se em lugarejos, aldeias, vilas e cidades.
Pelo menos nestes últimos aglomerados, além das casas
de habitação há um ou mais templos ou igrejas, um pa-
lácio ou um edifício da «edilidade» e outros edifícios
públicos. Além disso, uma povoação pode estar rodeada
de defesas, ou, pelo menos, de valados, para afastar as
feras, e necessita de ruas e travessas calcetadas, pavi-
mentadas (com lajes) ou feitas com toros de madeira
(finos ou grossos dispostos horizontalmente). A escava-
ção completa de um povoado com a indicação das habi-
tações é das funções dos vários edifícios pode dar-nos
informações sobre a demografia económica é a sociologia
dos habitantes. As instalações habitacionais, incluindo
as caves, fornecem os melhores elementos para uma
divisão , estratigráfica dos vestígios arqueológicos locais
é, era condições favoráveis, fornecem excelentes indica-
ções sobre a vida quotidiana do grupo social em causa.
Mas podem muito bem não fornecer objectos inteiros ou
espécies cuja exibição não interesse aos museus. Os
objectos para esse efeito devem procurar-se nos túmulos.

III — Locais de enterramento

Os achados arqueológicos mais sensacionais, as espé-


cies mais espectaculares que os museus apresentam,
provêm dos túmulos pagãos. O leitor deve ter lido, visto
V. GORDON CHILD&

ou ouvido falar dos tesouros do barco tumular saxónieo


de Sutton-Hoo, do túmulo de Tutankamon, dos Túmulos
de Colunas de Mícenas e do cemitério real de Ur. Talvez
não saiba que a imensa maioria dos vasos gregos e das
fig-uras chinesas de porcelana, para não falar das es-
padas pré-liistóricas de bronze, dos mais humildes vasos
beafcer e das urnas cinerarias, são, na sua imensa maio-
ria, achados funerários.. Sem eles, os arqueólogos quase
só conheceriam os cacos encontrados nos locais de habi-
tação..Além disso, alguns achados funerários constituem a
melhor prova de «associação» (p. 16). Em contrapartida,
é raro obterem-se dados estratigráficos nos depósitos
sepulcrais. 28 conveniente fazer a distinção entre sepul-
tura e túmulo e entre ambas estas ;designações e os
monumentos funerários de superfície. Embora esta di-
visão não seja muito lógica e não possa ser. mantida com
rigidez, terá que ser seguida neste capítulo.
As sepulturas são, essencialmente, aberturas no chão —
poços, covas ou covais. Podem ser forradas de esteiras
ou entrançadas de vime, de madeira, tijolo ou lajes
de pedra. Uma sepultura forrada de lajes tem tecni-
camente o nome de urna, ou melhor, de urna de pedra,
porque a expressão «urna de tijolo» é vulgarmente
aplicada às sepulturas forradas de tijolo. Nas Ilhas
Britânicas, é corrente disting-uir-se entre urnas curtas
e urnas longas. As primeiras são normalmente forradas
de quatro lajes dispostas topo a topo e cobertas
por outra. Têm as dimensões suficientes para alojar
um esqueleto contraído (acocorado) e, em Inglaterra,
pertencem, g-eralmente, à Idade do Bronze. As urnas
longas eram destinadas a conter o cadáver estendido ao
comprido, de forma que, para as construir, tornava-se
necessário um certo número de lajes dispostas lado a
lado. As urnas long-as mais características nas Ilhas Bri-
tânicas pertencem aos primeiros tempos do Cristianismo
e algumas à Idade do Perro.
INTRODUÇÃO Á ARQUEOLOGIA 73

As escavações mais profundas destinadas a sepultura


podem chamar-se covaís. Muitas vezes há nelas uma
saliência nas paredes laterais 60 cm acima do fundo para
segurar uma cobertura. No Sul da Rússia, nas sepulturas
de coval é frequente a existência de estacas de madeira
que constituem as vigas de suporte para a cobertura do
túmulo, ficando as bordas da laje assentes nessa saliên-
cia. No fundo da campa, numa das paredes laterais, pode
estar aberto um nicho, sendo o lugar que verdadeira-
mente serve para enterramento. A esta escavação cha-
mamos habitualmente covql ãe nicho. Mas um coval de
nicho é já um túmulo, poit qualquer receptáculo especial
mais elaborado do que--v .na simples cavidade vertical
tem essa designação.
Os túmulos podem ser ou escavados ou construídos,
no todo ou em parte, acima do nível do solo. A maior
parte deles consiste numa ou mais câmaras onde se entra
por uma espécie de vestíbulo, muitas vezes precedido por
uma passagem. Um túmulo era,, afinal, a habitação do
morto e podia imitar uma casa ou um palácio. Mesmo
nos cemitérios cristãos e nos princípios do século xix,
é frequente encontrarem-se nos túmulos réplicas de fron-
tarias de prédios. Os túmulos de um faraó ou de um
nobre egípcio eram uma reprodução, talhada na rocha,
viva, de um palácio, e provida de uma série de divisões,
incluindo as latrinas e um harém! Este túmulo era feito
para alojar os restos mortais de um só indivíduo, pois
nesse tempo considerava-se que as esposas, as concubinas
e os criados podiam ser magicamente fornecidos. Mas
havia também outras séries complicadas de câmaras
subterrâneas, como, por exemplo, o hipogeu neolítico de
Hal Saflieni, em Malta, muitos túmulos da Idade do
Bronze em Chipre e as catacumbas de Roma. Entre estas
mansões ou labirintos subterrâneos e o simples coval de
nicho há toda uma série de formas intermediárias. Os
túmulos subterrâneos de câmara, cujas paredes e tecto
74 V. GORDON CBILim

não foram montados, são considerados como talhado;-;


na rocha, mesmo que a «rocha» seja barro endurecido.
As portadas dos túmulos talhados na rocha são, muitai
vozes, laboriosamente trabalhadas, procurando, por exem-
pio, imitar uma porta de madeira. Aqueles podiam ser
fechados por uma pedra pesada ou por uma autêntica
porta. A menos que o túmulo fosse talhado na face de
uma rocha em escarpa, vertical, o acesso tinha que ser
feito por um ãromos (passagem em declive ou rampa)
ou por uma escada. Na l. a dinastia egípcia construíram-se
lances regulares de degraus talhados na rocha para
acesso aos túmulos. Noutros casos, como em Chipre,
havia só que sustentar um tecto de rocha que bastava um
poço vertical com uma única saliência servindo de degrau
para nos fazer chegar à câmara sepulcral. A abertura
da entrada ou da escada podia tomar a forma de um
portal. Estava quase sempre cuidadosamente escondida
e toda a passagem ou escada bloqueada com entulho.
Quando o subsolo ou a existência de rochas não per-
mitiam a escavação de câmaras subterrâneas, podia' cons-
truir-se um túmulo na extremidade de um grande coval
ou do um largo valado aberto na encosta de uma colina.
No cemitério real de Ur (7), o túmulo do «rei» ou da
«rainha» era construído numa semicâmara em tijolo de
adobe ou em calcário, no fundo de um enorme fosso e
para onde se entrava por uma rampa .descendente. Os
corpos dos servidores, assim como o esquife e outros
acessórios, eram deixados no chão do fosso, fora da
câmara funerária; em seguida cobria-se tudo com terra.
Também se fizeram casas mortuárias de madeira para
os chefes hallstatianos da Europa Central, para os reis
citas do Sul da Rússia e para os príncipes no Altaí (8),
Instalados muitas vezes em solos húmidos, estes túmulos
chegaram até nós quase intactos; o mesmo sucedeu nos
lugares onde o gelo conservou quase toda a estrutura,
juntamente com os tapetes e as colgaduras. (Ao mesmo
tempo esses túmulos mostram-nos as construções de
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 75

madeira onde então se alojavam os seres vivos.) Mas na


Inglaterra e Sul da Rússia os únicos vestígios que che-
garam até nós, para nos mostrarem que os restos mortais
de' alguns chefes eram colocados em tendas ou cabanas
mortuárias, foram os orifícios deixados pelas estacas
espetadas no chão. A direcção dos orifícios mostra-nos
que as estacas convergiam num ponto central.
As casas mortuárias eram também feitas de madeira
e acima do nível do solo; de facto, encontramos vestígios
de que assim sucedia nos harrows da Holanda, da Suíça
c da Escócia. Reciprocamente, algumas das câmaras de
pedra, cuja descrição se fará a seguir, foram, de facto,
construídas em valas, covais ou campo aberto na encosta
de uma colina. Algumas destas câmaras de pedra são
vulgarmente consideradas como urnas e estão de acordo
com a definição dada na p. 72, salvo se forem dotadas
de porta ou de entrada. Mas quando são subterrâneas mas
não dotadas de quaisquer ãromos ou poço de acesso, as
«entradas» são justamente «portais dos mortos», sendo
os cadáveres introduzidos levantando as lajes do tecto
ou as lajes de topo, tal como numa urna vulgar.
Os túmulos de pedra mais célebres e importantes são
chamados megalíticos (9). Este termo, inicialmente apli-
cado às câmaras de enterramento de paredes e tecto
constituídos por blocos gigantescos de pedra n u a — a que
agora podemos chamar ortostatos (ver p. 68), também
tem sido usado para designar câmaras cobertas, de plano
semelhante, mas com as paredes feitas com filas de
calhaus e cobertas por uma falsa cúpula. Parte-se do
princípio de que os túmulos em questão foram artificial-
mente colocados abaixo da linha do solo e cobertos por
um monte de terra ou por uma pilha de pedras, embora
em muitos casos não existam vestígios dessa cobertura,.
Os túmulos megalíticos têm sido tradicionalmente
divididos, conforme o seu plano, em dólmenes simples (em
dinamarquês, ãysser), dólmenes de galeria (em francês,'
''SS?'.. 5 ''%&'' •'?&!• -—••- -e

76 ' V. GORDON C3ILDW1

ãolmens à galerie, em alemão, Ganggriiber) e túmulos


em corredor coberto ou em galeria de lajes (em francos,
allées convertes, em sueco, hãUMsior).

1) Dólmcnj 2) Túmulo de passagem; 3) Dólman ãc galeria com


pedra ãc escotilha

Os dólmenes são constituídos por quatro pedras de


suportfe e uma simples laje de cobertura, e, deste modo,
só diferiam das urnas pela dimensão das pedras. De facto,
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 77

imcialmente, os dólmenes dinamarqueses (ãyners) eram


destinados a conter um só corpo estendido. Os dólmenes
são a forma mais simples de monumento megalítico, mas
só na Dinamarca é que parecem ser mais antigos do que
os outros tipos.
Nos dólmenes de galena, a câmara é mais larga e
mais alta do que a passagem por onde eram introduzidos
os corpos. Nos túmulos de corredor coberto, a câmara,
em si, é comprida e estreita, precedida somente por um
átrio baixo ou antecâmara, normalmente da mesma lar-
gura. Não deverá exagerar-se o significado destas dife-
renças, e a determinação de um túmulo como pertencente
a um ou outro grupo é, muitas vezes, uma questão de
preferência pessoal, como sucede, por exemplo, como os
«dólmenes de galeria indiferenciada» ou os «dólmenes
de galeria transeptada» propostos por Daniel. Ambos os
tipos de túmulo podem apresentar nichos ou celas aber-
tos na câmara principal. Pelo menos, algumas vezes, os
nichos eram autênticos receptáculos de corpos, também
depositados numa cavidade aberta no chão da câmara.

Fig. 3

Corte ãe uma cúpula falsa (1) e verdadeira (2)


V. GOBDON CH1LDL

Numa forma especial de dólmen de galeria, clássica


em Portugal e que Daniel designa por «dólmen de galeria
paviana», em virtude do nome da vila onde a|jareceu,
a câmara é um polígono regular. Quando feita de alvena-
ria, uma dessas câmaras tornava-se circular; com o seu
telhado em cúpula, tomava a forma de uma colmeia. Estes
túmulos em forma de colmeia são habitualmente chama-
dos tholoi'—palavra grega originalmente aplicada às
câmaras com essa forma ou a rotundas cujas funções não
eram sepulcrais. Existem tholoi em Portugal e na Espa-
nha, juntamente com túmulos ortostáticos de galeria.
Mas os mais célebres tholoi encontram-se na' Grécia
mi cénica. A maior parte deles é construída num perfeito f
trabalho de alvenaria silhar, e alguns deles, como o -.
«Tesouro dos Atrídas», de Micenas, apresentavam portais \
ornados. (Parte do portal deste último foi retirado por t
Lorde Elgin e está actualmente no Museu Britânico.)
Na Sicília, também se encontram, abertos na rocha,
túmulos em colmeia de plano idêntico ao tholoi. Na
verdade, têm-se encontrado, reproduzidos em câmaras
talhadas na rocha, quase todos os tipos de túmulos
megalíticos. As diferentes escolas de pré-historiadores
atribuem prioridade às câmaras talhadas na rocha, aos
tholoi em urna, aos dólmenes ortostáticos de galeria,
ou ainda procuraram mostrar que o método de constru-
ção foi condicionado pelas formações locais. Nenhuma
destas teorias conseguiu aceitação geral.
Os túmulos de galeria não são, de modo algum, exclu-
sivamente pré-históricos,* e o próprio Santo Sepulcro não
era mais que um túmulo cavado na rocha. Nos tempos
clássicos, helenísticos e romanos foram construídos mui-
tos túmulos em colmeia em alvenaria silhar ou em tijolo
cozido, tais como eram provavelmente construídos na
Antiga Grécia, na Etrúria, na Trácia Anatólica e à volta
âo mar Negro. A própria construção ortostática foi
utilizada nos tempos históricos, embora os povos conhe-
cedores da escrita fossem geralmente capazes de Ievan-
^ifaí^^^ssr^^^ãw^i**»^ j

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 79

lar ortostatos, megalíticos pelas dimensões mas não


pela rudeza das formas.
As paredes dos túmulos megalíticos eram, por vezes
o em especial na Bretanha e na Irlanda, embelezadas
com esculturas, gravuras ou pinturas. Os temas são
apresentações altamente esquematizadas de rostos, seios,
machados, adagas, etc./ ou então padrões puramente
geométricos», como, por exemplo, espirais e losangos.
Aos tempos históricos, as paredes tumulares eram deco-
radas com pinturas mais vivas ou esculturas mais rea-
listas. No Egipto são vulgares as pinturas tumulares.
Os túmulos etruscos, trácios e citas apresentam também
belas e elucidativas cenas.
_ Como vimos, o portal de um túmulo de câmara era
oDjecto de atenção especial. Neste livro não teriam sen-
tido descrições pormenorizadas; no entanto, merece refe-
rencia especial um tipo de entrada associado aos túmu-
B r i t í í i f Í ° t\e( Í n C lFUrÍannd S° a °SSU 1-th0M) da
Suécia,-Ilhas
d aEs anha e
SfTrtt ^ ' P Portugal,
Sul da Itália, Bulgária, Cáucaso, Síria e índia Peninsular-
Zn A ^ e s c o t i I h a instituída por uma laje está
colocada num dos topos do túmulo megalítico ou inter-
' S S L * gãlerÍã d e p a s s a ^ m ; n e ^ foi aberto um buraco
câmara r T / ? C t a ^ U l a r P e l ° •*** se tinha acesso à
n o ™ T r í U a m - ( E S t a a b 6 r t U r a P ° d e s e r instituída
por uma fenda espaçosa na base de uma laje, semelhante
ou Zr 17- * feZer ^ 6 n t r a d a d e u m t o c a d * cão
par de ^ f ^ e m i c i r c u I ^ e s feito* .nas bordas de um
orffioio 1 J ° ^ E U r ° P a 0 c M e n t a I > e s t a s P edr ^ com
í r ; C e m M a t e t a r a d 0 ^esso em qualquer
fapo de tumulo megalítico, embora sejam mais frequentes
r " em f a t T * ^ ^ n 0 CáUCaS° e »a M i a " a P -
mas r G ^ S S m e g : a I í t i c a s <«P° dólmen). Nestas úíti-
T e um S ^ abCrtUraS Sã°' e m ^ tâ0
Pequenaa
S "las Mas
por elas. °U ^ era
M Tno^Ocidente C rp f ríe não o d e
° possível
° ° a passagem
P * > de

pessoas conduzindo corpos para o interior d T S r a Í

ih
80 VtGORDON CHILDB

Contrapor túmulos a monumentos é, evidentemente,


ilógico. Um barroto —que pode ser um amontoado de
terra ou de pedras — é indiscutivelmente um monumento.
Mas a maior parte dos túmulos de câmara estão cobertos
por um barrow, que vulgarmente faz parte integrante
do túmulo e desempenha um papel específico no ritual
funerário. Nas Ilhas Britânicas, por exemplo, a entrada
para um túmulo megalítico abre muitas vezes para uma
antecâmara semicircular, delimitada por uma muralha
ou um arco de ortostatos que constituem simultanea-
mente fachada e o revestimento interior do montículo
de terra. No entanto, para fins de exposição, podemos,
em geral, descrever os barrows sem referência aos
túmulos que cobrem. A maior parte dos barrows, de
facto, não cobrem um túmulo no sentido em que estamos
empregando o termo, mas uma simples campa ou mesmo
um corpo deitado à superfície do solo, ou refere o sítio
onde foi levantada a pira funerária.
Os barrows, incluindo neste termo tanto os montes
de terra como as pilhas de pedras, podem ser redondos
ou compridos, embora a imensa maioria deles sejam do
primeiro tipo. Alguns «barrows» longos têm exactamente
o tamanho suficiente para cobrir uma câmara alongada,
como que um túmulo de galeria, mas na Grã-Bretanha
e na Polónia sãó muito mais compridos do que seria
necessário para esse fim, enquanto que na Dinamarca
e no Norte da Alemanha foram enterrados debaixo de
túmulos rectangulares alongados dólmenes simples. E pos-
sível que nunca tivesse havido barrows constituídos só
por um monte de terra ou por pedras empilhadas. As
escavações mostraram que muitos deles foram construí-
dos com cuidado e cerimonial segundo um plano prévio.
A própria elevação pode ter sido sustentada por uma
parede de turfa, pedras ou tijolos, por uma série de
ortostatos de pedra ou por vigas de madeira ou ainda
por duas ou mais linhas concêntricas de paredes ou pali-
çadas. Ê matéria de discussão saber-se, em cada caso,
"•yar fWp*gf!fi*g!*

JtfTRGDVÇÁO Á ARQUEOLOGIA SI

se na forma final do monumento as paredes ou os supor-


tes eram ou não visíveis: actualmente, em regra,, apa-
recem cobertos de terra ou de entulho. O arco de suporte
constituído por pedras verticais tem a designação técnica
de pe?"isíáZiío («peristaxil» deveria ser o termo aplicável
às vigas de madeira, mas nunca foi usado) e a parede
de suporte, em pedra, chama-se crepis. O crepis em torno
da base dos túmulos históricos é geralmente feito cm
alvenaria silhar que pode estar aperfeiçoada com pilas-
tras ou mesmo com um friso escultural. O monte, mesmo
quando formado principalmente por terra, pode estar
coberto por ca"1 naus de quartzo branco, por uma camada

I 7777777> > i r 477W^

W^fW^ânn^rm-rr

Wfffrm,

Fig-. 4

«Barro-w» cm taça (1) • campamãar (2); em disco (3); eni tanque (O

I , A. — (5
82 V. GOBDON CBILDJ

de pedras ou um revestimento em alvenaria silhar.


O cume pode ser coroado por um pilar de madeira, uma
pedra levantada ou uma construção escultural. Um
stupa budista reproduz, numa cobertura de pedra ou de
tijolo, a aparência superficial de um barrow redondo
ornado, embora a concavidade da sua cúpula cubra
somente um pequeno fragmento ou o símbolo de um
cadáver.
Um barrow de terra pode estar rodeado completa
ou parcialmente por um fosso ou vala. Esta servia para
fornecer material para o monte, mas também devia ter,
sem dúvida, significado ritual. Na verdade, à volta do
túmulo central encontra-se, por vezes, um fosso em arco
coberto pelo barrow. Alguns arqueólogos ingleses (10)
distinguem várias espécies de fossos. Um «barrow» em
taça (fig. 4, 1) começa directamente no bordo interior
do fosso circundante. Num «barrow» campanular (fig. 4,
2) aparece um pequeno espaço vazio, a berma, entre
o fosso e o pé do "barrow, ao mesmo tempo que pode
aparecer um banco de terra fora do fosso. Num «barrow»
em disco (fig. 4, 3), a terra ão fosso forma um banco
externo, enquanto um ou mais pequenos montes cobrem
campas na zona plana cercada pelo fosso.
Finalmente, um «barrow» em tanque (fig. 4, 4) não
é um simples monte, mas uma escavação em forma de
travessa pouco profunda feita no calcário mole, e o
material tirado é disposto em monte à volta da borda
para formar um banco baixo circular de pedra (fig. 4).
Depois de ter sido levantado um barrow sobre a pri-
meira campa podem fazer-se nele enterramentos secun-
dários. O mais recente costuma estar, em regra, num
nível mais elevado do que o primeiro ou está mais afas-
tado do centro do monte. Os barrows tiveram muitas
vezes que ser ampliados, a fim de poderem receber
novos corpos. A determinação das relações entre o enter-
ramento primário e os secundários e destes últimos entre
í i é o meio principal para o estabelecimento da crono-
" t?^ rjsaegr

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 83

íogia relativa que se pode obter da escavação de uma


estação funerária,. No entanto, não deve deduzir-se daqui
que um barrow apresenta uma sequência estratigráfica
linear. A cova para um chefe rico e influente pode ter
sido feita mais funda do que a de um seu antecessor
mais pobre e pode afastar da parte central do barrow
os restos mortais deste último. P a r a melhorar e corrigir
deduções feitas a partir da relação espacial entre as
sepulturas, o pesquisador deve observar as intercepções
dos covais e procurar determinar a partir de que nível
terão sido escavados. Os acrescentamentos a um barrow
aparecerão, evidentemente no corte das camadas sobre-
postas ao monte original e uma vez por outra n;; sequên-
cia estratigráfica. Dificilmente poderá acontecer que um
túmulo seja mais antigo do que a camada em que foi
encontrado, mas pode ser mais recente.
A excepção das simples pedras tumulares, o barrow
é o tipo mais vulgar e quase universal de monumento
funerário. Pelo contrário, os mais famosos são incontes-
tavelmente as pirâmides do Egipto (11). N a sua origem,
a pirâmide não é um barrow engrandecido e imponente
(embora tenha sido emitida a opinião de que os monu-
mentos faraónicos de pedra ou de tijolo inspiraram os
quernes e túmulos dos bárbaros); são antes o desenvol-
vimento de uma estrutura completamente diferente. Sobre
os covais tumulares dos mais antigos faraós e seus nobres
levantaram-se construções rectangulares em tijolo de
adobe, actualmente chamadas mastabas, abrangendo a
câmara provida de equipamento funerário do morto.
As paredes exteriores não tinham qualquer porta autên-
tica^ estando decoradas com saliências e reentrâncias
alternadas, imitando possivelmente a fachada de madeira
do palácio do faraó. Um nicho pintado com um falso
portal servia de capela mortuária, onde eram feitas a s
oferendas. O conjunto era rodeado de uma parede de
tijolo de adobe. Durante a 3." dinastia, a mastaba de
tijolo de adobe passou a ser feita de alvenaria e incluía
V. GOBDON CHILL

geralmente a capela funerária ampliada e a parede ori-


ginal de.vedação. A «Pirâmide de Degraus» destinada a
Zozer, último rei daquela dinastia, pode ser considerada
como quatro mastabas de dimensões" que, progressiva-
mente, iam diminuindo, e eram colocadas umas sobre as
outras. O seu sucessor, Cheops, da 4.a dinastia, estabe-
leceu a forma clássica. Barcos cerimoniais eram enter-
rados em túmulos especialmente construídos, tanto junto
das mais antigas mastabas como das pirâmides.
Assim como uma mastaba servia de dispensa para os
alimentos destinados ao túmulo e era sua parte inte-
grante, o mobiliário nele contido é contemporâneo do
qué foi depositado na câmara subterrânea quando do
enterramento. Esta afirmação não se deve estender ao
conteúdo da capela funerária, porquanto as oferendas
aí colocadas podem ser mais recentes do que as do
enterramento. Aplicam-se as mesmas observações às
várias espécies de monumentos de superfície, onde as
funções da lápide "do altar e até mesmo do próprio
sepulcro estão combinadas, tal como sucede no período
greco-romano e nos seguintes.
As sepulturas e os barrows, as câmaras tumulares
talhadas na rocha ou construídas, agrupavam-se muitas
vezes em cemitérios. Mas em certas comunidades o morto
era, muitas vezes, enterrado dentro ou perto das casas
onde vivera. Usualmente, nestes casos, o enterramento
era feito em simples sepulturas, mas no Sudoeste da Ásia
construíram-se câmaras tumulares ou talharam-se na
rocha, por baixo das casas dos ricos citadinos. Quando
assim era, bastava levantar uma laje no chão para se
estar com os antepassados. A prática de enterrar as
crianças no chão da própria casa era mais corrente.
Quer fossem enterrados em túmulos ou em barrows,
os corpos podiam ser envolvidos em esteiras ou peles
e metidos num caixão de verga ou madeira, na casca
oca de um carvalho, num sarcófago de pedra ou num
grande vaso de cerâmica (qualquer grande vaso tinha na
WTBODUÇã.0 Â ARQUEOLOGIA 85

Grécia o nome de pithos, mas os arqueólogos aplicam esse


termo só a vasos funerários). Habitualmente, mas nem
sempre, os ossos queimados eram metidos num vaso,
mais pequeno, de cerâmica, metal ou pedra, chamado
uma cineraria. Um cemitério de urnas cinerarias tem a
designação de campo ãe umas. Um caixão de madeira
de carvalho encontrado num barrow da Idade do Bronze
em Loose Howe, no Yorkshire Oriental, estava escavado
à maneira de canoa, e alguns outros caixões de carvallo
apresentam a forma de um barco, se acaso não são mesmo
barcos. Muito depois, nã Suécia, o túmulo propriamente
dito era rodeado por uma construção em forma de barco
ou por um parapeito de pedras. Finalmente, no período
migratório e no período Viking, que se lhe seguiu, os
chefes e nobres eram enterrados em autênticos barcos
com toda a sua aparelhagem. São mundialmente conhe-
cidos os barcos funerários encontrados em Oseberg, na
Noruegu, o em Sutton-Hoo, em Norfolk. Os barcos eram
usualmente cobertos com um barrow, mas, com a corrup-
ção da madeira, o monte aluía, e a sua aparência actual
não tem qualquer imponência.
Se um mesmo barrow cobre várias campas, é em
geral possível determinar a ordem relativa dos enterra-
mentos (p. 82). Normalmente, num cemitério de campas
rasas não há estratigrafia. Por outro lado, cada campa
(esteja ou não sob um barrow) contém um só corpo.
Portanto, quando, na mesma campa, se encontram reu-
nidos dois esqueletos, ambos em posição normal, é por-
que foram enterrados simultaneamente. Os esqueletos
masculinos e femininos assim justapostos são geralmente
considerados casos de sataísmo 1 . Em consequência da
simultaneidade do enterramento, os artigos encontrados
num só túmulo são todos arqueologicamente contempo-

1
Costume de algumas tribos indus de matar a esposa par
altura da morte do marido. (N. do T.)
S6 - V. GOBDON CUILT.

râneos e constituem um exemplo clássico de associação.


Os túmulos de câmara podem, também,.. conter os restos
mortais de uma só pessoa, e, então, o seu conteúdo tam-
bém se considera associado. Noutro aspecto, a maior
parte dos túmulos de câmara são «jazigos de família»
e contêm enterramentos Colectivos, tendo sucessivamente
recebido, durante muitas gerações, os elementos mortos
de uma mesma família, linhagem ou mesmo de um
agregado mais vasto. Assim os túmulos de câmara podem
conter os esqueletos de cem ou mais indivíduos, tal como
sucede em certas cavernas, pois estes acidentes naturais
foram, muitas vezes, utilizados ^omo sepulturas colecti-
vas. Os vestígios encontrados nesses túmulos não são,
evidentemente,, contemporâneos i só raramente as posi-
ções ocupadas pelos materiais funerários aí encontrados
revelam uma sequência relativa na sucessão dos enter-
ramentos. Além disso, os antigos, túmulos de câmara
foram, por vezes, transformados em lugares de culto.
Assim, os gregos do período arcaico instituíram o culto
dos heróis em alguns túmulos micénicos, enquanto os
gauleses do período romano depositavam oferendas voti-
vas nos túmulos neolíticos de galeria e de corredor exis-
tentes na Bretanha. Finalmente, o saque dos túmulos
constituía uma indústria rendosa e regular no Egipto, e
desde o início da história escrita, em toda a parte, os
barrows chamaram a atenção dos salteadores. Escapa-
ram as campas baixas e os túmulos talhados na rocha
de entrada habilmente escondidos. Mas," por esta mesma
razão, a descoberta de campas intactas tem sido mera-
mente acidental. Se o pesquisador não tiver sorte, deve-se
contentar com os vestígios deixados pelos antigos sal-
teadores.
BIBLIOGRAFIA
Pesquisas clássicas em cavernas:
(1) GARROD, D., e BATE, D., The Stone Age of Mount
Carmel, I (Oxford, 1937). .
n-TTRODUÇÂO A ARQUEOLOGIA 87

«La Ferrasie», in Prêhistoire, m (1934).


PEYKONY,
L., GZi Scavi nella Caverna ãellc Arene
BERNABÓ BREA,
Canãiãe (Bordighera, 1946).
(2) BURKITT, M. C , The OU Stone Age (Cambridge;
cm preparação a nova edição, revista).
(3) O., Z)as Steinseitãorf
PARET, Ehrenstein bei Ulm
(Estugarda, 1955).
(4) FKANKFORT, H., The Birth of Civilization in the Near
East (Londres, 1951); (formação dos tell).
(5) Escavações dos tell:

a) Só tijolos de adobe:

LOYD, S., e SAFAR, F., «Tell Hassuna», Journal


Near Eastern Stuãies, rv (Chicago, 1945).
SPEISER, E. A., e TOBLER, Excavations at Tepe
Gawra (Filadélfia, 1935, 1950).

&) Alicerces de pedra ou de tijolos:

LAMB, W., Excavations at Thermi in Lesbos (Cam-


bridge, 1936).
GOLDMAN, H., Excavations at Eutresis (Cambridge,
Mass., 1931).

(6) Testes a poços:

MALLOWEN, M. E. L., in Liverpool Annals of Archaeo-


logy anã Anthropology, xx, 1933.
HEURTLEY, W. A., Prehistoric Macedónia (1939).
(7) WOOLLEY, L., Ur Excavations, n, The Royal cemetery
(Londres, 1934).
(8) RUDENKOJ S. I., KuVtura Naseleniya gornogo Altaya
v. skifskoe Vremya (Moscovo - QUemiiíegrado, 1953).
88
F
.~ _.___ i GORDON OSlLDi,

(8) COILDE, V. G., «Megraliths», i n Ancicnt índia r-r , v


Delhi, 1948). Cf. D A S M I > a . E . , « T he D ^ ^ ^ ^
of tho Mégauthlc C o l o n k t i o n , i ^ ^
SÍ0
rio Bociely, V I I (Cainbrhjge, 1841) '" "
(10) fesar., L. V., Tho Ancient Burlai Mounãs of r *
7
to«d (Londres, 1953). ^
d l ) E » s , I. E. S„ r ; i e P^-amicfe of EaVPt P „ , , P
(Londres, 1947). - ^ « W , Pehcan
CAPITULO IV

ALGUMAS IDEIAS SOBKE A DESCOBERTA


DE MONUMENTOS NO CAMPO

hm-
O3 arqueólogos ouvem com frequência esta pergunta:
«Mas como sabem onde têm de fazer escavações?» E,
na realidade, muitas, se não a maior parte, das estações
arqueológicas (à excepção das paleolíticas) apresentam
aspectos de superfície que um observador pode notar:
montes, orifícios no terreno, etc. Estas indicações de
superfície podem ser apreciadas sem escavações no sen-
tido de orientar um perito sobre a espécie de monumento
a que se referem e, deste modo, sobre o que a escavação
•poderá encontrar. Assim, há vantagem em dar algumas ••M

indicações sobre as inferências que podem tirar-se dos


fenómenos arqueológicos mais correntes que o leitor
pode apreender. As obras cm terra relativamente solta,
muitas vezes 'com saliências e depressões cobertas de
relva, têm tradicionalmente sido postas em contraste com
os amontoados de pedras que podem indicar o lugar de
uma estrutura de alvenaria ou de quernes. Será conve-
niente seguir o processo (embora não seja muito lógico),
começando, portanto, pelas obras em terra. Estas podem
ser divididas em simples montes, montes alongados numa
direcção ou bancos e valas.
V. GORDON GIULD-j

I — Montes

Um monte 'aproximadamente circular pode ser uni


cômoro natural deixado pelos glaciares e lençóis de gelo
que, em tempos, cobriam a Escócia, o País de Gales e a
maior parte do Norte da Inglaterra. Se é artificial,
poderá ser um monumento funerário, um barrow. Mas
a ambiguidade dos termos nativos, «kurgan», «maghoula»
e «mogila» (p. 61), revelou já ao leitor que, à primeira
vista,' um tell formado por sucessivas camadas .de ocupa-
ção é pouco diferenciável de uma sepultura tumular. Na
prática, um tell pode ser relativamente baixo e de super-
fície menos regular e, se não estiver muito coberto do
vegetação, encontra-se certamente juncado de cacos de
cerâmica e outros artefactos semelhantes.
Os verdadeiros tells não existem nas Ilhas Britânicas.
Mas, ao nível de superfície turfosa dos pântanos drenados,
como, por exemplo, perto de Glastonbury, os pequeninos
montes que aí se vêem marcam talvez lugares de cabanas
circulares pertencentes às aldeias dos lagos (1). O chão
das cabanas era de barro aplicado sobre uma plataforma
de barrotes ou ramos que, por sua vez, assentavam sobre
turfa mais ou menos esponjosa. Como o solo ia abatendo
gradualmente ou o nível das águas ia gradualmente
subindo, o chão e a respectiva infra-estrutura necessi-
tavam de renovação periódica. Por este processo acabava
por se levantar um monte que podia chegar a ter 1,80 m
de altura. Quando o nível da água subia a ponto -de
cobrir a infra-estrutura de madeira, esta conservava-se.
Quando todos esses elementos ficavam acima do nível
da água, só sobreviviam as sucessivas camadas de barro
e estas ficavam perfeitamente conservadas, sendo mais
espessas ã volta do forno central, onde o barro cozeu.
Não se devem confundir estes pequenos amontoados
ou moites com os barrows, embora as mottes se pare-
cessem muito com barrows grandes e recentes. Estes
,ja.>'- ' '•s£sp55?.".?í'íf

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA PI

estão, geralmente, rodeados de valas, o que não acontece


cora os lells; as motlcs, por seu turno, estão sempre
rodeadas por um fosso. Motte (2) é a corrupção do termo
latino «monte» e significa uma elevação artificial; a
designação está certa, tal como sucede com o tell. U m a
motte. tem sempre o topo liso, pois no alto havia u m a
torre de madeira rodeada por. uma sólida paliçada. O
monte é inteiramente composto, por terra mexida e' sem
estratificação. Contudo, no topo, um perito escavador,
em condições favoráveis, pode encontrar os orifícios - das
estacas que sustentavam a torre e a paliçada. Muitas
vezes o trabalho em madeira foi substituído por alvenaria.
Estas mottes foram construídas pelos Normandos, e são
as precursoras imediatas das torres ãe menagem de pedra
que ainda se podem ver a coroar certas mottes. Quando
existem vestígios da torre, a classificação funcional de
motte não oferece dúvidas; de outro modo, pode facil-
mente confundir-se com um grande barrow. Mas u m a
motte nunca se encontra isolada. N a sua base havia sem-
pre uma vedação maior chmada pátio, onde se pode
descobrir o parapeito e o valado que a rodeavam, embora
possa estar coberto ou danificado pela lavra da terra.
Os monumentos ingleses são tanto montes circulares
como compridos; aliás, estes últimos assemelham-se a
verdadeiros barrows longos (p. 80). Estes montes variam
entre 27,5 m e 92 m e são constituídos com os materiais
retirados dos grandes valados que correm paralelamente
às suas longas partes laterais. Este aspecto ajuda a
diferenciar os barrows longos das ruínas dos parapeitos
para archeiros, muito mais recentes. Ora um monte
quando prolongado toma o nome de banco. Ao contrário
de um monte, u m banco pode rodear uma superfície.

I I — Vedações

Toda a área delimitada por u m banco pode ter o nome


de vedação. Normalmente, h á um valado seguindo ao
92 V. GOBDON CB;:L:.,

longo do banco. J3 possível que o primeiro tivesse forne-


cido o material necessário para a construção do banco,
mas, em regra, a sua função era servir de obstáculo
adicional à entrada no interior. Quando, portanto, o
valado é exterior ao banco, pode ser classificado de
«defensivo», destinado a afastar os animais ferozes ou c
conter o gado, se não mesmo inimigos humanos.
Há, porém, na Grã-Bretanha, um certo número do
monumentos onde o fosso se encontra no interior do banco.
Nestas condições seria prejudicial a quaisquer defenso-
res. Normalmente esses monumentos são considerado-
«rituais». São quase todos circulares e compreendem oa
barrows em campânula, em disco (p. 82) e os henges (3).
Nestes últimos, a área central é plana, a menos que e.
sua superfície tenha sido interrompida por um ou mais
círculos verticais (como em Avebury) ou de estacas
(como em Arminghall, perto de Norwich). Ao contrário
dos monumentos funerários, o banco e o valado são
interrompidos por uma ou mais aberturas simples ou
calcetadas servindo de entrada. Atkinson divide os monu-
mentos henges em dois tipos: ou com uma ou com duas
entradas. As escavações feitas nos primeiros revelam
que as comunidades do Neolítico os usaram como cemi-
térios crematórios. Embora a sua função original possa
não ter sido funerária, alguns campos de urnas da Idade
do Bronze Inglesa recente estavam cercados por um
valado e um banco mais curto e estreito do que os hen-
ges neolíticos. Os adrop circulares das igrejas podem
acaso ter perpetuado uma tradição nativa que remonta
a uma Idade da Pedra pagã, como desde há muito tem
sido"sugerido por Hadrian Allcroft. Os henges do segundo
tipo são atribuídos ã I Idade do Bronze Inglesa, mas a
sua função exacta ainda é menos conhecida.
As estações romanas de sinalização, construídas nr-t
planície, são muito parecidas com os henges do primeiro
tipo. Apresentam-se no terreno como um fosso circular
quase fechado, cuja terra foi amontoada no exterior.
e y g M*Çs^?rasnjBiWS5*fiw^-

^INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 83

Collingwood supunha que o fosso se destinava inicial-


mente à drenagem. Não apresenta imponência. A área
rodeada tem uma largura entre 9 m e 12 m. Ao centro,
existia uma torre quadrada de madeira ou de pedra.
Quando assim sucedia, ainda se podem ver os alicerces
ou encontrar vestígios deles. Os restos de um anfiteatro
romano, acessório indispensável a qualquer municipali-
dade autónoma em todo o Império Romano, já não são
susceptíveis de confusão. Na verdade, e"m Dorchester
(Dorset), um monumento pré-histórico henge foi adop-
tado a anfiteatro local (Maumbury Rings),- tendo sido
previamente tapado o fosso interior. Mas, em regra, os
anfiteatros não eram circulares como os henges, mas
ovais, com aberturas nos topos e diâmetros da ordem
dos 80 m por 67 m.
Um banco em arco quase fechado (isto é, um cír-
culo interrompido por uma simples entrada), desacom-
panhado por qualquer fosso e com 6 m a 12 m de diâ-
metro, tem muitas probabilidades de ter sido uma cabana
circular. O banco representa o muro baixo de turfa, barro
ou terra e pedras, sobre o qual assentava um telhado
possivelmente cónico. As escavações feitas sobre essas
estruturas revelam uma lareira central, um canal sub-
! í ftw»
terrâneo de drenagem, correndo a partir do centro, atra- |;|*
vés da abertura de entrada, ou uma trincheira de drena-
gem debaixo ou ao lado do banco (tais como as que hoje
se abrem em redor das tendas) e orifícios para as ombrei- iííílí-
ras das portas e outras traves. As cabanas circulares in
mais bem conservadas encontram-se nas regiões rochosas
e as suas paredes são, em parte, feitas de pedra. A face
exterior do banco, e muitas vezes também a face inte- ttn«»

rior, ê coberta com seixos, dispostos lado a lado e supor-


tando uma massa, central de entulho misturado com terra iiH!.J
i
e turfa. Não há a certeza de estas cabanas circulares
serem, mais antigas do que a Idade do Ferro; algumas P«.
mesmo devem ter sido medievais.
94 V. GOIiDON CEiLD;

O termo rath i*efcre-sc a massas circulares do terra


semelhantes a cabanas circulares e a henges de uma
entrada, mas diferentes dos primeiros pelas suas maiores
dimensões —15 m a 1500 m de diâmetro — e de ambos
pela existência de um fosso exterior que devia ter tido
funções defensivas. Alguns raths são rodeados por dois
ou mesmo três arcos concêntricos de bancos e valados.
Os. raths são muito vulgares na Irlanda e, encontram-se
também nas terras baixas do País de Gales, da Escócia
e da ilha de Man. A sua localização parece ter sido esco-
lhida tendo em vista a defesa, mas são, em geral, baixos,
e, por vezes, dominados até por terras mais altas. Tor-
na-se, portando, possível considerar que o rath sé desti-
nava a rode.? r e proteger a habitação de um próspero
lavrador ou rancheiro que podia ser um chefe local, ou
mesmo um rei, no * sentido irlandês do termo. De facto,
no interior de muitos raths irlandeses têm sido descober-
tos alicerces de casas (p. 70), ou, pelo menos, um subter-
râneo possivelmente relacionado com uma habitação de
superfície, '
No entanto, o Dr. Bersu (4), baseado nas escavações
feitas em vários raths da ilha de Man (com diâmetros
de 21 m a 27 m) e de Lissue, no Ulster (diâmetro: 45 m),
é de opinião que o banco circular interno não era a
muralha de uma fazenda, mas uma autêntica parede
exterior da própria casa e onde assentavam os topos dos
barrotes destinados a suportar o telhado que cobria o
interior. A vala externa teria servido inicialmente de
pedreira para obter a pedra da parede, para drenagem,
mas não para defesa. Os especialistas ingleses e irlan-
deses não estão inclinados a aceitar generalizações a
partir destas observações feitas em três ou quatro esta-
ções, especialmente depois que Jope fez o esboço de uma
casa independente dentro de outro rath no Ulster. Alguns
raths irlandeses parecem remontar à Nova Idade do
Bronze local, mas, na sua maioria, são pré-romanos ou
cristãos primitivos. Na Dinamarca e na Suécia têm-se
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 95

encontrado construções circulares em terra, muito seme-


lhantes, sendo consideradas como defensivas. Uma esta-
ção, explorada em Trelleborg", na ilha dinamarquesa de
Zealand, apresentou-se como um campo fortificado onde
os jovens marinheiros da frota Viking- eram alojados em
casas em forma de barco, acomodando-se em cada uma
a tripulação de um grande barco.
As construções rectilíneas em terra eram mais vul-
gares e mais variadas e são, consequentemente, mais
difíceis de determinar por observação externa. Algumas
delas, apesar do valado exterior que apresentam, só podem
ser consideradas como casas rituais. Os mais curiosos
são os chamados cursiis (5). Parece que só existem nas
Ilhas Britânicas. Na verdade, até 1955, não apareceu
ainda qualquer exemplo ao norte da zona sul da Escócia.
No vocabulário arqueológico britânico, cursus significa
uma linha de terra longa, mas relativamente estreita,
ladeada .de ambos os lados por bancos paralelos com
fossos exteriores que voltam a encontrar-se em cada
topo. Aquela designação foi aplicada por Stukley a Sto-
nehenge, que, durante muito tempo, foi o único caso
conhecido e que aquele autor interpretou como sendo um
estádio onde se realizavam corridas cerimoniais de carros.
Embora se não conheçam os carros que existiam na Grã-
-Bretanha, quando se construíram os cursus, ainda se
não encontrou explicação mais satisfatória. O cursus
de Stonehenge em 2800 m de comprido e 100 m de lar-
gura, mas no de Dorset, embora só tenha 18 m de largura,
foi possível fazer-lhe o traçado, seguindo regularmente
as cristas e os cumes, durante cerca de 10 km! Eviden-
temente, uma construção em terra desta natureza só
podia ser considerada uma «vedação» por meio de pros-
pecção aérea. A luz dos escassos achados de duas peque-
nas escavações e das suas relações com os barrows
longos, julga-se que os cursus pertencem ao mesmo
período; dos henges do primeiro tipo, isto é, ao Neolítico
Secundário.
V. GOBDON OEIL^lj

Limitado, ao que parece, a Wessex, onde pertencem à.


Nova Idade do Bronze, encontram-se vedações trapezoi-
dais distintas e muitas vezes relacionadas com os cami-
nhos em vala (p. 101). Parece terem sido inicialmente
currais para gado, mas em algumas das estações explo-
radas encontraram-se alicerces de frágeis cabanas re-
dondas.
As vedações rectangulares com uma entrada ao moio
de um dos lados mais extensos ou com duas entradas
situadas ao meio de dois lados opostos são também con-
sideradas como campos protectores de gado, pertencentes
à época romana. A sua forma rectilínea deve íer-se ins-
pirado na arquitectura militar romana. As tribos célticas
ainda livres fizeram construções de terra muito seme-
lhantes, tanto na Gália como na Europa Central, e que
em alemão receberam o nome de VierecTcschanse. Assim,
é possível que a ideia tenha sido ítalo-céltica e introdu-
zida na Grã-Bretahha, muito antes da sua anexação por
Cláudio, conservando-se durante a dominação romana.
As granias ãe fosso da Baixa Idade Média fazem lembrar
o plano -destas vedações para gado, mas como o fosso
estava, muitas vezes, cheio de água, constituíam uma
autêntica vedação líquida.
As mais imponentes construções rectilíneas em terra
são constituídas pelos monumentos de engenharia militar
romana — campos de marcha, campos semipermanentes,
fortalezas e fortes. Idealmente, todos deveriam ser de
plano . rectangular com cantos arredondados, mas em
relação a este modelo de campo e fortaleza as diferenças
são frequentes, ditadas pelas condições naturais do lugar.
Em todos eles, os lados são rectilíneos e as entradas, em
número de quatro, estão sempre situadas ao meio de
cada um dos lados. Todas estas construções são prote-
gidas por um valado (fosso) separado da elevação de
terra por um espaço, a berma, e por um banco, agger,
que servia de base a uma palanca, o vallum. Muits?
INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA 97

vezes, há mais do que um valado, e em Ardocli, em


Perthshire, há nada menos que seis valados paralelos
a proteger o lado mais exposto. A protecção das entra-
das é, muitas vezes, reforçada pelas clavículas, eminências
colocadas para vedar o acesso directo à entrada e para
obrigar, quem quer que se aproximasse, a fazer rodeios,
expondo o seu flanco à acção militar.
Teoricamente, construíam-se acampamentos sempre
que o exército romano, em campanha, acampava durante
uma noite. As obras eram portanto mais superficiais e
é natural que tenham desaparecido os vestígios de muitos
deles. Os acampamentos semipermanentes eram ocupa-
dos durante uma campanha inteira ou um cerco (como
aqueles que se encontram à volta do oppiãum nativo de
Burnswark, em Dumfriesshire). As fortalezas eram ins-
talações para guarnição permanente de um destaca-
mento, enquanto os fortes alojavam uma legião inteira.
Na Grã-Bretanha, os fortes ocupavam entre 2,5 e 9 acres
de terreno. Em ambas as construções há vestígios de
artilharia {ballistce) ao longo dos parapeitos das plata-
formas. Estes são, por vezes, construídos de pedras e
argamassa, mas, não havendo escavações, a alvenaria
é pouco visível. Nos fortes existiam construções impor-
tantes — celeiros, balneários, departamentos de comando,
escritórios —, que, no entanto, não são visíveis nos vestí-
gios da superfície.
Os castros apresentam um completo contraste com a
estrita regularidade das obras militares romanas e com
os círculos rituais britânicos. A sua situação era, evi-
dentemente, escolhida tendo em vista a defesa, e os tra-
balhos de protecção eram feitos aproveitando inteira-
mente os acidentes do terreno, com vista a aumentar as
dificuldades de um assalto. Por outras palavras, acom-
panham os acidentes do terreno, com o que se explicam
as irregularidades do plano. Dentro deste tipo, é útil
distinguir entre castros ãe promontório e castros ãe

I. A, — 7
0$ V. GORDON CIIIL.:!

colina. Os primeiros têm uma área de defesa que ocunt


a extremidade de um contraforte, onde os lados são em
precipício e virtualmente inacessíveis. As únicas cons-
truções cie terra necessárias são valados e bancos cons-
truídos através da garganta, ligando essa extremidade
ao cume principal. Nos outros casos, este tipo de defesa
não difere na estrutura e disposição das entradas dos
tz-abalhos que rodeiam completamente o alto do monte.
As defesas compreendem tanto o banco ou contir-
forte como o valado ou fosso exterior. Quando o fosso
extezior não existe, o contraforte apresenta uma muralha
de pedra, mesmo que já se não vejam vestígios de alve-
naria através da turfa. ~ Mas ainda, que o contraforte
seja só em terra, não se deve supor que se apresentasse
ao assaltante como um obstáculo tão fácil de transpor
como a sua actual aparência faz parecer. Muitos para-
peitos de terra eram construídos com um revestimento de
madeira seguro por sólidos barrotes cujos vestígios se
podem encontrar por escavação abaixo da superfície
actual da massa de terra. Na verdade, em alguns casos,
o parapeito era constituído por uma série de casamatas
(câmaras ou grandes caixas) seguras por barras hori-
zontais e cheias de terra. Em ambos os casos, o assal-
tante encontraria uma muralha feita de madeira e quase
vertical que uma grande massa de terra sustentava e
reforçava. Ao longo desta palanca corria um passeio
protegido por uma paliçada de sólidas traves, que conti-
nuava, na parte superior, a linha da muralha. Mesmo
quando o parapeito não era assim revestido, a construção
tomava a forma de uma plataforma fortificada, coroada
por uma paliçada.
Tanto o castro de promontório como o castro de colina
podiam ser defendidos por dois ou mais parapeitos ou
valados paralelos. Neste caso, as fortificações são cha-
madas de valados múltiplos. Ora uma série de obras
exteriores pode dividir ioda a vedação envolvente numa
sucessão de defesas, culminando numa cidadela.
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA SS

Um ou mais portais (que se apresentam agora como


aberturas nos bancos, com as correspondentes interrup-
ções no fosso) davam acesso ao forte. A porta estava
sempre bem guardada, embora sem escavações seja im-
possível apreciar as precauções contra as surpresas. Prin-
cipalmente nos fortes de um só fosso, a entrada deve ter
estado rodeada por um valado. Os parapeitos não se
cortam imediatamente de ambos os lados da passagem,
fazem antes uma inflexão para trás e para dentro e
prolongam-se 6 m ou 9 m para o interior do forte.
A entrada é assim transformada numa passagem, flan-
queada de & mbos os lados por construções de terra,
laqueadas de madeira e barradas de ambos os extremos
por sólidas portadas. Esta entrada pode realmente ser
mais parecida com um túnel, visto que a possível pla-
taforma no parapeito deveria certamente ter sido con-
tinuada por uma ponte sobre a passagem e talvez
transformada em torre barbacã. Nos fortes de múltiplos
valados (mas não ratlis, onde as aberturas e calçadas
estão normalmente em linha recta), a abertura no banco
exterior nunca aparece directamente em frente da aber-
tura interior, mas está de tal modo disposta que, passada
a entrada externa, quem se aproximasse tezia que dar
uma volta para a esquerda, ficando com a sua direita
desprotegida e exposta aos projécteis atirados do para-
peito interior, antes que a nova entrada pudesse ser
atingida. Certos trabalhos defensivos exteriores eram
muitas vezes construídos em frente <Ja passagem para
lhe controlar o acesso de uma forma ainda mais eficiente.
Na Grã-Bretanha, a maior parte dos castros foram
construídos na Idade do Ferro, mas há um certo grupo
de fácil referenciação, atribuível ao Neolítico. A carac-
terística específica destes fortes (6), ou campos, neolíticos
é que os fossos eram frequentemente interrompidos por
passagens com as respectivas aberturas nos parapeitos.
Em consequência disto, estas construções de terra têm
100 V. GOBDON OIÍILlm

a designação de campos calcetados. Também se encon-


tram campos neolíticos calcetados na Franga e no Reno.
mas no continente há fortificações neolíticas sem os
característicos valados interrompidos. A maior parte dos
grandes fortes da Europa Temperada pertencem ou à
Idade do Ferro, tal como sucede na Grã-Bretanha, ou à
fase final da Idade do Bronze. A volta do Mediterrâneo
e na Idade do Bronze construíram-se também, sem dúvida,
imponentes fortalezas, enquanto pela mesma altura, no
Oriente, as cidades' dos povos conhecedores da escrita
eram contornadas por formidáveis muralhas.

III—Construções rectilíneas em terra

Nem todos os. sistemas de bancos e valas cercam uma


área bem definida. Tanto nas Ilhas Britânicas como no
continente pode o leitor encontrar um banco de terra,
mais ou menos importante, tendo de cada um dos lados
um valado, e poderá segui-lo, durante muitos quilómetros,
sem encontrar qualquer indicação de fechamento ou con-
tacto com outra ponta. Essas obras são possivelmente
limites territoriais ou defesas de fronteira e pertencem
a períodos arqueológicos muito diferentes. Os exemplos
mais remotos da Grã-Bretanha pertencem â Nova Idade
do Bronze; outros são medievais. As obras mais antigas,
ou, pelo menos, as menos imponentes, são descontínuas.
Ao observar o seu curso e cotejando-o com os mapas
geológicos vemos que as interrupções encontradas são
realmente resultantes de obstáculos naturais, zonas pan-
tanosas ou densas florestas. As várias construções em
terra, conhecidas com à designação de dique de Grlm,
que atravessam as terras baixas de Wessex, devem,
talvez, ter marcado os limites de grandes granjas ou
de territórios tribais. O imponente dique de Bokerley
n-TTEODUÇAO A ARQUEOLOGIA 10Í

era, na sugestão de Hawkes, a estrema de u m a herdade


imperial dos séculos II ou III. O dique de Offa (7), nos
pântanos de Welsh, é uma verdadeira, obra de fronteira
' do século v i u atribuível aos Mercianos *.
As mais importantes construções em t e r r a de carácter
defensivo foram levantadas pelos Romanos p a r a proteger
e definir as fronteiras do seu império. U m a vez por
outra, foram transformadas em muralhas de pedra, mas
a muralha antonina de jtTorth até Clyde e a mais antiga
versão da conhecida muralha de Adriano, do Tync ao
Solway, eram verdadeiras obras em terra. N a genera-
lidade, a «muralha romana» era constituída por irm fosso
defensivo, seguido de uma parte plana, ou berma, e depois
de um parapeito maciço de terra-. Por trás do parapeito
passava u m a estrada militar e, de espaço a espaço, cons-
truíam-se ou fortalezas para alojar as guarnições perma-
nentes ou castelos mais pequenos, os «castelos de milha,».
As estradas e caminhos são também construções li-
neares de terra. U m a estrada romana pode àpresentar-se
como um banco baixo e largo, flanqueado, de ambos os
lados, por estreitos valados, correndo paralelamente e
por longos espaços em linha recta. O banco m a r c a a
via empedrada {agger), sendo os valados simplesmente
drenos como os que hoje bordejam também uma estrada
moderna. Muitas vezes, numa aldeia podem ver-se peque-
nos orifícios, seguindo paralelamente à linha da estrada.
E r a m os poços de pedreira que forneciam material p a r a
o agger. U m caminho em vala é, num certo sentido, a im-
pressão negativa de uma estrada romana. Apresenta-se
como um fosso flanqueado por bancos paralelos,' mas a
via escavada nunca segue tanto a linha recta como u m a
estrada romana. O «fosso» é simplesmente a pista usada
pélas patas dos rebanhos, animais de carga e homens,
enquanto os bancos, tais como as cercas dos caminhos
de ferro, são as protecções colocadas de cada lado.

1
I>o antigo reino inglês de Márcia., (N. ão T.)
102 " V. GOBDON OHILD

IY — Campos, Jaerdades e minas de sílex

No campo, os caminhos em vala conduzem ao centro


dos campos cultivados, a aldeias ou herdades. Sigamo-los.
Os antigos campos cultivados aparecem com mais facili-
dade nos declives onde há terraços descontínuos, tecnica-
mente chamados lynchets (8) (fig. 5). Quando uma zona
inclinada de campo foi muitas vezes lavrada, a terra
qie assim se perde vai para o fundo do terreno, indo
parar às partes mais baixas. Com o tempo,, a parte
superior da courela fica sem terra, que vai formar um
banco no fundo do terreno. Ora, normalmente, entre dois
eamóos ficam bocados de terreno por cultivar, para
oncl-- c natural que o lavrador atire as pedras e outros
materiais inúteis que for encontrando na terra que cul-
tiva. Os lynchets formam-se, assim, ao longo dos obstá-
culos dispostos paralelamente ao perfil do declive; apa-

v
A £
n
o -a
'O <$ JO
3 K O

"tf1''1 «Lvnci
«fcyncbet>

Fig 5 — Formação dos lynchets

A) Duas courelas lavradas num declive; B) Desgasto do solo,


após vários anos ãc lavra
INTRODUÇÃO Â ARQUEOLOGIA ' . 1 0 3

rece um «lynchet» negativo na base do obstáculo mais


elevado, enquanto os outros materiais deslocados vão
ficando na parte não lavrada do fundo do campo, como
um «lynchet» positivo, O obstáculo que acompanha o
declive continuará a acentuar-se perto do topo do terreno,
mas apresenta-se ligeiramente mais reduzido n a base.
N a Inglaterra foram postos a descoberto por este
processo dois tipos de campo cultivado. Alguns têm a
forma aproximada de um quadrado e são tradicionalmente
designados por campos célticos; pela sua datagão per-
tencem ao período entre a Nova Idade do Bronze e os
primeiros tempos romanos. Os outros são longos e estrei-
tos e apropriadamente chamados «lynchets» em fita.
Todos os campos anglo-saxões e medievais estão de
acordo com este plano e medem quase todos 200 m po1*
18 m. Mas os «lynchets» em fita remontam aos tempos
pré-romanos, pelo menos n a s partes da Inglaterra ocupa-
das pelos belgae; n a Dinamarca e na Holanda dessa
mesma altura também se- identificaram campos seme-
lhantes, longos e estreitos. Ê natural que os campos
célticos estivessem adaptados ao arado leve, em latim
chamado aratrwm e em dinamarquês arã, que se limita
somente a a r r a n h a r a superfície do solo; com este
instrumento havia vantagem em fazer duas lavras que
se cruzassem, o que seria-desnecessário com um verda-
deiro arado provido de uma relha e de uma aiveca p a r a
poder voltar a relha; este modelo era assim mais prático
num terreno comprido.

Os terraços ãe cultura (9) que se podem ver no lado


sul do «Arthur Seat», em Edimburgo, e em várias Outras
encostas inglesas são funcionalmente próximas dos «lyn~
chetsi em fita, mas geneticamente diferentes. Embora
longos e estreitos, acompanhavam, normalmente, o perfil
das colinas. O lado da encosta de cada lado da faixa de
terra é um autêntico terraço, um banco formado de
pedras e barro sistematicamente acumulado. Estes ter-

^ ^ ^ ^ ^ S ^ S ^ ^ K .
V. GORDON CniLDr

raços esíão muitas vezes associados a vedações escavada a


(p. 105) e devem ser medievais.
"Um outro tipo de campo cultivado muito diferente
e muito mais regular é proveniente do sistema romano
de divisão da terra designado por centuriação. Segundo
as regras prescritas nos manuais latinos de agrimensura,
fazia-se um tabuleiro em grade a p a r t i r de duas estradas
principais — o ãecurio maximus, com 12 m de largo, e o
carão maximus, com 6 m, que se interceptavam em
ângulo recto. De cada uma dessas linhas principais saíam,
em ângulo recto também, linhas secundárias, cada uma
com 2400 pés romanos de comprimento; estas últimas
tinham 2,5 m de largo, mas estava preVista uma faixa de
3,5 m de cinco em cinco linhas. As Unhas secundárias
serviam p a r a limites dos lotes (centúrias) e para vias
de acesso. Parece que todas as estradas estavam lajeadas
e bordejadas de ambos os lados por valetas. Estas últimas
características têm possibilidade de ser observadas no
campo e revelam-se com clareza n a prospecção aérea.
Encontraram-se traços primitivos de centuriação na Itália
e, depois, em todo o império.
Também podem ter chegado até nós os bancos baixos
que serviram de demarcação aos antigos campos de
pasto, mas que, mais frequentemente, delimitavam anti-
g a s fazendas. Podem também provir ou de caminhos com
vala ou de construções de herdades. N ã o é possível dar
aqui u m a visão de conjunto dos variadíssimos tipos destes
vestígios que chegaram até nós, mesmo só n a Inglaterra.
Torna-se porém necessário explicar ó que se entende por
vedações em vala (10). Nas encostas das colinas da
Escócia e de Gales, os camponeses medievais abriam,
por vezes, um fosso largo mas pouco: profundo, horizontal-
mente cortado no declive, colocando a t e r r a e as pedras
tiradas em frente do barranco aberto, p a r a formar uma
plataforma. A parede vertical da plataforma e o fundo
assim aberto constituíam a base p a r a as casas existentes
no valado.
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 105

Além dos bancos levantados acima do nível do campo


circundante, também podem aparecer poços cavados,
depressões em forma de cratera, possivelmente prove-
nientes das valas para extracção de sílex, de u m a c â m a r a
subterrânea ou qualquer outro monumento semelhante
que tenha aluído. Qual tivesse sido a sua função só pode
resolver-se por meio de escavações. Mas um conjunto
dessas crateras semelhantes numa zona pedrosa tem
todas as possibilidades de ser uma ruína de sílex seme-
lhante às que foram abertas no Neolítico e n a época do
Bronze. Nas regiões metalíferas, a existência de profun-
das trincheiras pode provir de minas de cobre, p r a t a ou
chumbo escavadas em campo aberto. Pilhas de escórias
encontradas nas proximidades fixarão melhor a natureza
dos vestígios. Por vezes, essas pilhas distinguem-se de
outras constituídas por restos de rocha naturais, por
terem menos vegetação. Mas n a generalidade, e especial-
mente no campo, só uma inspecção pode indicar se qual-
quer abertura revela um poço antigo ou uma escavação
mineira, e não u m a pedreira ou um poço de cal mais
recente. Do mesmo modo, os trabalhos feitos no próprio
veio de sílex não se podem distinguir com facilidade das
pedreiras donde foi retirada a pedra para construir um
dique ou um campo para gado. Mas quando se não encon-
t r a qualquer destas construções nas proximidades exclui-se
esta segunda interpretação, o que não quer dizer que a
primeira fique provada.

V — Construções em pedra

Uma grande pilha de pedras, mais ou menos circular,


tanto podo constituir um empedrado funerário, com ou
sem câmaras, como simplesmente as ruínas de um pe-
queno forte ou de u m a construção doméstica de alvenaria
sem argamassa: os quernes de Caithness apresentam-se-
-nos, geralmente, como montes de pedras cinzentas, nuas;
ICC "^ GOBDQN CEILSJ

as construções domésticas arruinadas cobrem-se normal-


mente de erva, transformando-se assim em «monte?
verdes». Se encontramos uma parte de um peristálito
(p. 81) ou distinguimos um parapeito na base dess"
amontoado, torna-se plausível a determinação de um
querne. Mas o peristálito pode não existir ou não ser
visível no meio das pedras caídas ou da turfa invasora.
Com a derrocada de uma construção redonda, como seja
por exemplo, um pequeno montículo, podia ficar, ao
centro, uma pequena cratera; num querne sepulcral, o
facto é verificável tanto pelo ruir natural da câmara
de enterramento como pela actuação dos ladrões. Numa
casa ou num forte circulares, a entrada é indicada por
uma depressão que sobe pela elevação em direcção ao
centro; mas essa depressão também podia resultar da
derrocada da passagem que, na pirâmide, conduzia a
câmara de enterramento. As fiadas de pedras que se
esboçam na superfície da muralha em ruínas sugerem
um pequeno forte circular, um montículo ou um brocli.
Mas alguns túmulos com câmara são rodeados de duas
ou mesmo três paredes de pedra vã cuja superfície, em
alguns casos, é visível; as paredes destes túmulos são
autênticos revestimentos, com fachada de um só lado.
Sc um monumento que se supõe ser um querne não
tiver cobertura de túmulo de câmara, é mais natural
que seja um pequeno forte circular, ou ãún. Os exemplo..-;
que foram escavados mostraram que eram constituídos
por uma sólida muralha de alvenaria em pedra vã com
a espessura de 2,5 m a 3,5 m e aparelhada tanto na
parede interior coma na exterior e cheia de entulho
no espaço livre entre elas. Mesmo em ruínas, através das
pedras soltas, podem distinguir-se uma ou ambas r.->
paredes, assim como a linha de entrada. Esta últimn
pode ter sido talhada entre paredes bem faceadas que,
mais ou menos ao meio, se estreitavam nos umbrais que
sobressaíam de ambos os lados da parede. Exactamente
na pax*te dos umbrais, 60 cm ou 90 cm acima do solo <•
m
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 107
f
11 'lis

de ambos os lados, podem ver-se por vezes orifícios para


barras. Um deles é profundo e cavado na espessura da
parede, podendo conter uma viga de madeira que segu-
rava a porta quando estava fechada. Para trancar a
porta, a trave saía, deslizava até ao outro extremo,
enfiando num orifício menos profundo, na parede oposta.
Este método de barrar uma porta não era, de modo
algum, só pré-histórieo; nos castelos medievais ainda se
encontram os buracos das traves e até as próprias traves;
esse mesmo processo aparece empregado na aldeia neo- ÍJ'
lítica de Skara Brae. í<
' N o s fortes circulares, na espessura das paredes, em ' |'
vez de entulho, podia haver câmaras. Essas constituem |',
um aspecto de um tipo especial de construção, específico |
à Escócia, conhecido pelo nome de broch. Nas paredes de '$<•
um broch deveria haver, ao nível do solo, perto da câmara |"
de guarda, à entrada e à esquerda desta última, uma cela íi*
intramural onde começava unia escadaria que, entre as íf
duas faces da parede, subia no sentido dos ponteiros do •%>
relógio, chegando, pelo menos, até ao primeiro andar do f
baluarte. Mas em alguns brochs (11), se não em todos, , '>fl
a parede maciça constituía a base donde subia uma |
torre oca, que em Mousa (Shetland) atinge a altura de I
12 m. A escadaria devia continuar à roda, entre as V,
paredes exterior e interior, unidas por lajes horizontais ' -;|
juntas umas às outras è formando o chão de «galerias». • 1
Essas torres não eram muito estáveis. Quando caíam, |
a grande massa de pedras enchia o pátio central, de modo
que as ruínas se assemelham a um grande túmulo cir- I"
cular de pedras. Os brochs que se concentram em Caith- \
ness, Orkney, Shetland, Sutherland e Hébridas parece l
terem sido construídos nos primeiros anos da nossa era, í"
mas alguns, pelo menos, continuaram a ser ocupados, ,-
após consideráveis reconstruções, até 600 d. C. ou mesmo [
depois. Há outros pequenos fortes de pedra impossíveis [
de datar com rigor, devendo muitos deles pertencer aos
primeiros tempos do Cristianismo.
v
108 - GORDON CETZD;

Certos pequenos fortes circulares com um diâmetro


interior de 9 m ou menos — todos os brocha escavados,
com uma única excepção, estão dentro deste limite .
podem parecer quernes arruinados. Mas os fortes cir-
culares, como, por exemplo, os raths, existem em todas
as dimensões. As ruínas de um dos maiores fortes pare»
cem-se com um banco circular de entulho, rodeando um
orifício central, normalmente coberto de vegetação. Mas
um sheepree (termo escocês referente a um «redil cir-
cular») em ruínas também lhe é muito semelhante. Se o
banco de entulho pertence ao baluarte de um «forte»,
apresenta aspectos semelhantes à parede de uma cons-sjÊ
trução mais pequena — faces interior e exterior, pas-IB
sagem de entrada com umbrais e orifícios e, excepcionaI-|B
mente, celas intramurais; mais raramente ainda, escadas.U
Os fortes circulares de pedra chamados na Irlanda casIielslM
são os correspondentes num país rochoso aos raths, des-;{•
critos na p. 94, e devem J ser interpretados da mesma W
maneira.
De facto, a maior parte das vedações defensivas des-
critas na secção li deviam' ter sido (e assim sucedia nas
regiões rochosas) constituídas por muralhas de pedra
em vez de bancos de terra ou diques. Se a parede era de
pedra vã, a sua derrocada levava à formação de um
banco de pedra que, às vezes, se podia cobrir de relva.
A parede, naturalmente, terá sido faceada de um ou
ambos os lados, mas as faces sõ estarão de pê, na me-
dida em que ficaram seguras por .restos caídos das partes
mais altas, que, acumulando-se junto delas, as seguram.
Essas faces podem, por vezes, ser encontradas sem ne-
cessidade de escavações.
As faces das paredes podem ser só compostas por
séries irregulares de lajes semelhantes à parede de um
forte circular. Mas o trabalho de pedra pode ter sido
reforçado com traves de madeira ou combinado com
construções de madeira, turfa ou tijolos. Deste modo,
a parede de pedra vã seria sustentada por traves ver-
Wí"- 1 '<*$§•"¥" "

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 109

ticais colocadas de espaço a espaço, de uma forma muito


semelhante às que existiam p a r a segurar o revestimento
de madeira de um parapeito de t e r r a (p. 98). Os. toros
de madeira apodreceram, evidentemente, mas é pos-
sível verem-se as cavidades verticais ou os seus nichos
interrompendo as pedras da alvenaria. Filas de traves
ao longo das paredes exteriores e interiores ligados entre
si por vigas transversais formavam uma excelente estru-
tura para uru parapeito seguro. Ora as duas faces da
parede de alvenaria podem ser ligadas por vigas dis-
postas horizontalmente e umas a seguir à s outras. .Na
superfície das paredes uma observação experiente pode
encontrar os encaixes que, em tempos, seguravam os
topos dessas vigas de ligação, procurando as fieiras de
|* intervalos regulares que a obra em pedra apresenta de
duas em duas ou de três em três filas. Estas paredes
&ão correctamente chamadas «de madeira ligada» (12)
1
, e erradamente designadas por «paredes gálicas», munis
gallicus. O murus gallicus referido por César era, n a rea-
lidade, um tipo especial de parede «de madeira ligada»
onde foram tomadas precauções p a r a isolar os materiais
de madeira entre elementos de pedra, de forma a impedir
a difusão do incêndio, caso uma das traves ardesse.
Qualquer combinação de madeira e alvenaria, e, em
especial, uma simples parede de madeira ligada, era sus-
ceptível de se incendiar, por acidente ou por acção
inimiga. Quando assim sucedia, o espaço entre a s faces
da muralha podia transformar-se n u m a espécie de forno
onde se poderia g e r a r uma temperatura suficientemente
alta para fundir as pedras mais fungíveis, como, por
- exemplo, o basalto. O resultado era aquilo a que hoje se
dá o nome de forte vitrificado. Tendo-se derretido as
pedras mais fungíveis, uniam-se com bocados de rochas
mais refractárias, formando massas vitrificadas de
diferentes dimensões. Estas constituem os mais impor-
tantes vestígios de um parapeito que pode ter chegado
até nós como uma muralha contínua de material fundido.
'l?!7^^sí?r^,

110 . V- GORDON OBILOfi

Em consequência disso, supôs-se que essas muralhas eram


assim construídas, embora se não pudesse explicar como
se procedia para tal. Hoje pensa-se que são o resultado
da destruição pelo fogo das paredes «de madeira ligada».
Mesmo sem escavações, uma observação mais cuidada
apresentou nalguns casos, sob a estrutura vitrificada
fiadas de pedras na base da parede e até os próprios
orifícios das traves. A combustão desses parapeitos cons-
truídos também pelo processo «de madeira ligada», mas
utilizando pedras mais refractárias, não conduzia à vitri-
ficação, mas só as calcinava, efeito menos fácil de
reconhecer.
Nas Ilhas Britânicas, os fortes vitrificados estão limi-
tados à Escócia. Julga-se que a sua vitrificação resultou
da acção das legiões romanas de Agrícola em 84 d. C.,
mas tem sido muito discutida a data da sua construção.
Na Europa Ocidental, alguns fortes vitrificados são tam-
bém atribuídos à Idade do Ferro pré-romana, embora
pertencendo à sua primeira fase, a de Hallstatt. Mas, a
leste da Europa Central, a maior parte indica fortalezas
eslávicas dos séculos viu e ix. No entanto, encontramos
sinais de calcinação mesmo nos fortes neolíticos da
França. A verdadeira muralha gálica parece ter sido
inventada pelos Gauleses, talvez mesmo pelo temível ini-
migo de César, o próprio Ver cinge torix, como defesa
contra a invasão romana de 60 a. C.
As ruínas das construções históricas construídas em
alvenaria silhar com a ajuda de argamassa não cabem
no âmbito deste capítulo. Por um lado, porque, se fossem
visíveis, explicar-se-iam por si. Por outro lado, os luga-
res onde se encontravam têm sido, com frequência, utili-
zados como pedreiras pelos construtores que vieram
depois. Os blocos mais sólidos e bem cortados eram
tirados e usados noutras construções. Na melhor das
hipóteses, só ficava o entulho interior. Ora o entulho
com boa argamassa é extraordinariamente durável e
pode perfeitamente conservar-se muito tempo depois de
Fj$r
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 111

os blocos aparelhados terem, sido retirados. Muitas vezes,


de . uma grande muralha feita de alvenaria silhar só
ficam as trincheiras da fundação. Neste caso, evidente-
mente, só por escavação poderia ser encontrada, até
porque o interior do entulho está actualmente abaixo
do nível do solo.. Acima deste (com algumas excepções)
há muito menos vestígios de u m a vila romana ou de um
templo céltico primitivos do que de túmulos neolíticos de
câmara ou de brochs pré-romanos!

BIBLIOGRAFIA

HAWKES, J., A Guiãe to the Prehistoric anã Roman Monu-


ments of England anã Wales (1951).
0'RIODAIN, S.; Antiquities of the Irish Gountrysiãe (Lon-
dres, 1953).

(1) BULLEID, A.,____and GRAY, G., The Glastonbury Lake


Village (Londres, 1911-17).
(2) HOPE-TAYLOR, B., «A motte at Abinger», Ar eh. J.,
cvii (1950).
(3) ATKINSON, R., e outros, Excavations at Borchester,
Oxon. (Oxford, 1951).
(4) BERSU> G-, «Celtic Homesteads in the Isle of Man»,
J. Manx Museum, v, n.° 72;- «The Rath in Town-
land Lissue», Ulster J. Arch., x (1947).
(5) ATKINSON, R., «The Dorset Cursus», Antiquity, xxix
(1955).
Excavations at Dorchester, Oxon., II (Oxford, em
• impressão).
(6) PIGGOTT, S., Neolithic Cultures of the British Isles
(Cambridge, 1954).
.(7) Fox, C , Offa's Dyke (Londres, 1955).
(8) CRAWFORD, O. G. S., Air'Survey anã Archaeology
' (O. S. Prof. Papers, 7, 1924).
CURWÈN, E3. C , Plough anã Pasture (Nova Iorque,
1953).
112 V. GORDON CHILDE

(9) GIUIIAM,A., «Cultivation Terraces in S. E, Scotland»


Proc. Soe. Ant. Scot., i,xxui (1938-39).
(10) Fox, A., «Early Welsh Homesleads on Gclligaer
Commnon», Arch. Cambrensis (1939); Stevenson
R. B. K.,„ in Proc. Soe. Ant. Scot., LXXV (1941)
pp. 92-115, LXXXI (1947), pp. 158-68.
(11) CHILDE, V. G., Prehistory of Scotlanã (Londres, 1935),
(12) COTTON, M., «Bri.itish Camps with Timber-laeed
Ramparts», in Arch. 3., cxi (1954; cf. Weeller,
«Earthwork since Hadrian Allcroft», ibiã., evi
Supplement (1952).
» $íra«-ipwwjf»^ ""

CAPÍTULO V

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ARQUEOLÓGICOS:


TECNOLOGIA ELEMENTAR

Um arqueólogo, para interpretar os objectos que re-


colhe, para os classificar e mesmo para correctamente os
descrever, deveria, em princípio, ser capaz de os fabricar.
; Devia, pelo menos, saber aproximadamente como se fa-
; zem. O necessário conhecimento só poderá ser adquirido
; pela prática efectiva e obtido pelo exercício. De modo
algum se pretende aqui ensinar o'leitor como se fazem
pontas de seta ou se fundem estátuas de bronze. O mo-
desto objectivo deste capítulo é explicar alguns dos
termos técnicos sempre usados na descrição dos processos
usados para manufactura dos tipos mais vulgares de
testemunhos arqueológicos. Esperamos assim que o leitor
seja capaz de acompanhar com mais facilidade os exer-
cícios a que assista e possa observar nos vestígios aspec-
tos significativos que, de outro modo, poderiam passar-
-Ihe despercebidos.

I — Trabalho em sílex

I Não se dispondo de metal, podem com facilidade fa-


i zer-se utensílios muito cortantes com pedras criptoeris-
I talinas, como o sílex e a ciFsidiana (cristal vulcânico
natural). Sendo o sílex o mais corrente, será o objecto

I. A. — 8
..... - . . _ . . . • , ,
114 V. GORDON CBILBE ]

de estudo nas linhas seguintes, embora as mesmas noções


se possam aplicar, sem que o seu sentido se altere à
obsidiana ou ao cristal. O sílex aparece, na natureza cm
grandes pedaços irregulares ou, mais vulgarmente, em
.placas —sílex em placa—, no meio do barro e de certos
calcários e em nódulos provenientes destas formagões.
Pode, muitas vezes, encontrar-se no cascalho dos rios
ou dos glaciares. Os nódulos são normalmente cobertcs
por uma espessa crosta opaca, chamado o córtex («a
casca»). Por baixo dela, o sílex é cintilante e translúcido
tornando-se muitas vezes opaco, branco ou sem lustro
— patinado—, por certas reacções químicas' ainda não '
bem conhecidas. Os nódulos, na sua forma natural, não
poderiam ser utilizados como utensílios. Podem, porém

Fig. 6

1) Cone de percussão formado num bloco de sílex; 2) Bolbo ãe


percussão provido ãa$. marcas ãe ondas, ãe uma lascai ãe «ífca?

fazer-se utensílios com ele, quebrando-o de uma certa


maneira, de acordo com o processo natural de lascagem
do sílex.'
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 115

Dando uma pancada vertical precisamente no centro


de um bloco de sílex ou de cristal, a onda de choque
propaga-se em cone pela massa, sendo o seu vértice a
ponta de percussão (fig. 6, 1). Teoricamente, o cone
?„ssim formado cai fora da parte inferior do disco e
mostrará na sua superfície marcas ãe ondas, exactamente
como as que se dispersam na água de um tanque, quando
nele se deita uma pedra; mas, no caso do sílex, as ondas
são a três dimensões, como se a água tivesse gelado.
Se a pancada for dada perto da borda de um disco e
num ângulo conveniente, separar-se-á uma lasca com a
forma de uma secção cónica. No ponto de aplicação da
pancada aparece o vértice do cone um tanto distorcido c
que recebe a designação de bolbo ãe percussão, foco de
marcas ãe ondas mais ou menos elípticas (fig. 6, 2).
A face interior da lasca que contém a protuberância
bulbar chama-se superfície bulhar. No bloco donde se
destacou a lasca vér-se-á o seu leito •— a marca da lasca —
e uma reentrância mais profunda — o bolbo negativo —,
correspondente â saliência na lasca e rodeada também
por marcas de ondas.
O bloco donde se tiraram as lascas — neste caso, o
disco imaginário— é tecnicamente chamado o núcleo & a
superfície plana em que foi dada a pancada de separação
é designada por plataforma ãe percussão. A observação
dos bolbos e das marcas de rugas num utensílio de sílex
revela a posição e direcção dos golpes por meio dos
quais o objecto foi feito. Essa observação é especialmente
útil para distinguir os utensílios feitos peia mão do
homem dos calhaus naturalmente fracturados. Na ver-
dade, o bater dos seixos uns nos outros numa praia ou
o toque da relha do arado num campo podem fazer saltar
lascas com ondulação e bolbo de percussão, exactamente
como a pancada de uma pedra que serve de martelo,
mas as direcções das pancadas assim aplicadas são fruto
do acaso. Para fazer um bom utensílio a partir de um
nódulo, torna-se essencial um certo trabalho preliminar,
116 V. GOBBON CIIILDjj

em especial a preparação de superfícies lisas para ser-


virem como plataformas de choque que se intersectariam
num ângulo com menos de 90°. Com este rebarbamento
preliminar, fica preparado o núcleo do qual se podem
obter utensílios de duas maneiras. A primeira consiste
em tirar sucessivamente lascas até o núcleo ficar na*
forma desejada; o que resta do núcleo é o instrumento
desejado, ou, pelo menos, um instrumento grosseiro, pro-
priamente chamado utensílio de núcleo. A segunda con-
siste em utilizar as próprias lascas no fabrico de uten-
sílios a que podem dar-se o nome de utensílios ãe lascas.
Após o trabalho inicial acima referido, os utensílios
de núcleo ou de lasca em bruto SSÍO submetidos a opera-
ções secundárias ou de retoque para melhorar a forma
ou o fio. Os mais conhecidos utensílios de núcleo (alguns,
de facto, constituídos por grossas lâminas) são os cha-
mados machados ãe pedra lascada (coups ãe poíng) das
indústrias. do Paleolítico Inferior abevilense, chelense e
acheulense. Os machados de pedra lascada foram feitos
destacando, alternadamente lascas em redor de ambas as
faces do núcleo. Podem ser assim considerados como
trabalhados bifacialmente, e, na verdade, a tecnologia
francesa chama-lhes bifaces. A primeira operação deixava
um fio muito ondulado e a segunda pretendia diminuir
essas ondulações arrancando pequenas lascas. Os coups
ãe poing eram utensílios muito vulgares destinados a
todos os fins e que, possivelmente, nunca serviram como
machados. Mas os machados de -sílex do Neolítico eram,
muitas vezes, esboçados da mesma maneira. Um processo
especial para "produzir um machado ou uma machadinha,
a partir de um núcleo ou de uma grossa lasca, é o cha-
mado golpe de tranchet. O golpe faz destacar de um
extremo do utensílio uma lasca transversal (nos ângulos
rectos) ao eixo principal do núcleo ou da lasca. O resul-
tante tem o nome de tranchet, em francês, e os arqueó-
logos ingleses usam o mesmo termo. Os trancheis são
muito vulgares no Mesolítico e Neolítico primitivo na
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 117

Europa Noroeste, mas aparecem também no Egipto, Pa-


lestina e mesmo no arquipélago de Salomão.
As lascas podiam ser muitas vezes utilizadas sem
retoque, mas p a r a obter uma lasca de uma forma especial
e de dimensões determinadas impunha-se uma prepara-
ção cuidada do núcleo, pela qual uma grande parte delo
pode ter sido reduzida com o trabalho de afeiçoamento.
Por meio da técnica le valloisence, muito popular nas
indústrias do Paleolítico Médio, partindo de um «núcleo
em' tartaruga» podem obter-se duas ou três lascas de
forma semelhante mas de crescentes dimensões. Toda
uma série de lascas longa.j e estreitas, de fios mais ou
menos paralelos, poderão ser obtidos a partir de um
núcleo cónico ou prismático. O termo lâmina aplicar-se-ia
exclusivamente às lascas destacadas desse núcleo. A pro-
dução regular de lâminas começou n a Europa Ocidental
no Paleolítico Superior, de forma que as características
específicas desta fase são por vezes tomadas como gerais.
No entanto, as indústrias contemporâneas, por exemplo
em África, seguem ainda a tradição levalloisence, enquanto
as verdadeiras lâminas aparecem n a Palestina em hori-
zontes geologicamente mais antigos e continuam a ser
produzidas no Mesolítico e nas fases subsequentes.
As lascas e as lâminas podem ser trabalhadas de
novo por meio de retocagem e transformadas em lâmi-
nas de faca, raspadeiras, furadores e outros utensílios.
N a produção de lâminas de faca, o trabalho secundário
visa geralmente o «embotamento da retaguarda», isto é,
de um dos fios da lasca, de forma que esse fio não corte
a mão nem p a r t a o cabo de madeira, ao usar-se o outro
fio para cortar ou serrar. Lâminas rebatidas, ou simples-
mente rebatidas e embotadas, são a designação apro-
priada a todos os utensílios fabricados desta maneira.
O trabalho secundário é geralmente realizado a partir
da superfície bulbar, e assim as marcas que deixou apa-
recem n a superfície superior ou dorsal da lâmina. No
entanto, os buris (em francês, burin) são feitos tirando
118 V. GOBDON OHILDbl

pequenas lascas ao longo do fio da lâmina com uma


pancada ou impacto feito de uma forma determinada.
Assim se obtêm um cinzel ou uma goiva assaz toscos
com um fio que pode facilmente voltar a ser afiado; pára
isso tiram-se novas lascas fazendo novo fio. Os buris são
utensílios admiráveis para abrir entalhes em osso, chifre
de rena, marfim e pedra, tendo sido usados para fabricar
utensílios de osso e gravagões nas paredes das cavernas
(p. 55). Na Europa Ocidental, a sua manufactura irre-
gular começou no Paleolítico Superior e continuou por
todo o Mesolítico, mas não foi além deste período.
Para retocar as lascas e,. lâminas, pode usar-se a
pressão em vez da percussão. Por esta maneira, podem
desíacar-se lascas relativamente longas mas estreitas que
se estendem a todo o comprimento da lâmina. A pressão
era muitas vezes usada para remover lascas de ambas
as faces de uma lasca, dando origem a um pequeno uten-
sílio classificável como biface (p. 116). Na Europa Oci-
dental, a técnica de pressão foi pela primeira vez usada
no período solutrense para a produção de pontas de
dardo ou de seta bifaciais em forma de folha de loureiro.
A mesma técnica era usada para a manufactura de pon-
tas de seta em todos os períodos seguintes e é a qun
usam os habitantes actuais da Austrália e da América.
Desenvoiveu-se no Egipto pré-dinástico para produzir a«
soberbas facas de lâminas onduladas e no Norte da
Europa para fabricar as famosas adagas, assim como
na obtenção de formas fantasistas."
Os microlitos são artefactos pequeníssimos de dimen-
sões inferiores a 25 mm. Alguns deles não são mais do
que finíssimas lâminas tiradas de minúsculos núcíoos
prismáticos ou cónicos, mas a maior parte apresentam
pequenos retoques e devem ter sido pedaços de lâminas
maiores. As pequenas aparas irregulares e sem retoque,
produzidas aos milhares como subproduto do trabalho rso
sílex, não devem confundir-se com os microlitos. O objec-
tivo da operação secundária de ajustamento nestes íJíi-
/
WTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA Í19

mos poderá ser embotar a parte de trás do instrumento


ou dar-lhe forma particular ou uma ponta. Deste modo
se reduziram alguns microlitos a formas regulares —
triângulo, trapézio, rombo ou segmento de círculo (meia-
-lua), e são portanto chamados geométricos. Os micro-
litos eram usados ou individualmente para pontas de
setas ou ligados entre si para farpas de projécteis; sepa-
rando-se do projéctil no interior de uma ferida, tendiam a
conservá-la aberta, provocando assim a morte da presa.
Os utensílios de sílex apresentam, muitas vezes, tragos
indicativos dos elementos naturais a que estiveram ex-
postos e do uso que lhes foi dado. A simples exposição
ao ar pode produzir a patina, que o ferro ou outras
soluções nas águas do subsolo fazem manchar de cas-
tanho ou de cor de laranja. A rolagem, isto é, o bati-
mento por outros calhaus, entre os quais podem estar
os utensílios, quer na praia ou no leito de uma torrente,
embota os fios e cristas, fazendo sair da sua superfície
pequenas aparas. Um embotamento semelhante é obtido
pelo uso de uma pedra como percutor ou como base.
A lascagem por pressão era muitas vezes efectuada com-
primindo a lasca a rebarbar na borda de um taco de
sílèx — a base. Dás bordas do taco deveriam também
saltar pequenas lascas até aquele ficar embotado. Batendo
com um pedaço de ferro —um minério dé ferro como» &
pirite podia também servir— num taco de sílex pro-
duzir-se-ia uma faísca que pode queimar uma mecha,
mas que ao mesmo tempo embota os fios do taco de
sílex. O uso dos utensílios poderá produzir pequenas
bocas no fio da lâmina. A serragem da madeira produz
uma estreita fita lustrosa ao longo do fio, mas o corte
de palha deixa uma fita muito mais larga e de brilho
cintilante. As lâminas de sílex que mostrem este brilho
foram provavelmente utilizadas para armar foices de
madeira usadas na ceifa de cereais, e, assim, podem ser
chamadas foices ãe sílex.
120 V- QORDON GHILJJvi

II — Pedras de grão fino

As rochas cristalinas podem ser mais facilmente pre-


paradas pelos mesmos métodos utilizados com o sílcx,
mas os fios obtidos nestas pedras são menos cortantes e
menos duradouros do que nos instrumentos de sílex. Para
dar a esse utensílio um fio de corte eficiente, torna-se
necessário afiã-los por meio de moinha ou polimento,
O sílex também podia ser afiado por meio de polimento;
mas embora o fio assim obtido seja mais resistente, deve,
no entanto, considerar-se que as facas e os machados de
sílex foram polidos em grande parte por razões estéticas
ou de prestígio. •
Os utensílios de rochas cristalinas que aparecem com
mais frequêacia são os celta, utilizados como machados,
machadas, cinzéis ou goivas. Antes do polimento, o celt
era esboçada em tosco por meio de lascagem num núcleo
de pedra como para fazer um biface de sílex (p. 115),
batendo e desbastando o calhau com um martelo de
pedra —isto é, picando-o— ou serrando-o. Quando a
forma preparatória foi feita por picagem, a parte não
polida do celt é furada por martelagem. O celt feito por
serragem apresenta uma cruz rectangular ao centro.
As pedras moles podiam ser serradas com uma Iâmím:
de sílex, mas, em regra, utilizava-se um pó abrasivo,
normalmente areia, cuja acção podia ser apressada por
um pedaço de couro. ou um pau. Afiava-se o celt esfre-
gando-o vigorosamente para baixo e para cima ixc-.
superfície mole de um arenito ou Outra rocha granulada.
São numerosos os lugares da Europa onde aparecem
superfícies rochosas com buracos ou estrias resultantes
de tais operações; encontramos, por exemplo, perto de
Paris, essas pedras, que têm o nome de polidores.
Os machados são normalmente cravados num cabo de
madeira, mas a pedra pode estar perfurada: conhecem-sc
machados de pedra tendo ao centro um orifício para o
cabo, como sucede com os machados modernos. Para
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 121

perfurar um bloco de pedra de forma j á definida, podem


empregar-se dois ou três métodos: 1.°) Percussão: mar-
telando, repetidas vezes, com um martelo de pedra e um
cinzel, num ponto escolhido, escava-se gradualmente um
orifício em forma de taça. Quando a profundidade deste
orifício era cerca de metade da grossura do bloco, este
era virado e o processo repetia-se, n a outra face, até
que a pedra ficasse furada. O resultado final é um orifício
na parte central em forma de ampulheta. Regra geral
vêem-se as marcas dos golpes de martelo à volta da per-
furação. 2.°) Perfuração directa: o orifício começado por
percussão, como no 1.° caso, é continuado, com um perfu-
rador desílex ou de metal, ou, mais frequentemente, com
um abrasivo cuja acção é melhorada por uma pua, que
pode ser de um material mais macio. A pua pode ser ou
segura na mão e forçada a rodar .-—processo chamado
de perfuração — ou segura a um moitão e por ele levada
a rodar, e temos então a brocagem. Também neste
método, o bloco era geralmente voltado quando a
perfuração atingia a metade da massa de pedra, repe-
tindo-se o processo no lado oposto. A perfuração é então
bicónica. N a s suas paredes, são geralmente visíveis as
riscas ou estrias espirais deixadas pelos grãos do abra-
sivo. Em ambos estes métodos, a pedra que ocupava o
orifício é reduzida a pó pela força muscular do operador.
3.°) A perfuração por tubo economiza uma grande parte
deste labor físico. A ponta da p u a é u m tubo oco que
pode ser de metal (uma folha de cobre em forma de
tubo), mas podia fazer-se a mesma operação com u m a
haste oca de madeira, embora não durasse tanto tempo;
o verdadeiro desgaste é feito pelo abrasivo. N a perfu-
ração por tubo só é desfeito o veio d a pedra sujeito à
acção da areia e d a pua. Quando o tubo penetrou bas-
tante no bloco, separa-se dele um cilindro de pedra de
diâmetro ligeiramente inferior ao da perfuração. É o
chamado núcleo ãe perfuração (na prática, é um verda-
deiro cilindro, embora uma das bases eeja maior do que
122 v, GOTÍDON OHIL&J:

a outra). Todo este núcleo teria sido reduzido a pó no


processo por broeagem ou por percussão. Em certas esta-
ções onde se perfuravam pedras aparecem, por vezes,
esses núcleos inteiros ou truncados por se terem partido
antes de a perfuração estar completa.
Os mesmos métodos usados para a perfuração podiam
ainda servir para cavar vasos num bloco de pedra. Para
a percussão, o artífice punha normalmente um cinzel
entre o martelo e o bloco. Mas, à excepção do fabrico de
vasos muito simples e primitivos, empregava-se uma
espécie de broca. Mesmo com uma pua de sílex e tendo
a areia como abrasivo poderia facilmente perfurar-se um
vaso cilíndrico. Para perfurar vasos redo/idos ou mais
estreitos na abertura do que no interior, os Egípcios
inventaram há cerca de cinco mil anos, no tempo dos
primeiros faraós, um método simples mas engenhoso.
Empregavam pontas de sílex em forma de crescente,
cujo tamanho e distância entre as pontas ia gradualmente
aumentando. O eixo da pua, com a forma de forquilha,
segurava na ponta o crescente de sílex quando estava
em posição de trabalho. Mas tinha que ser metido per-
pendicularmente no interior do vaso, pela sua estreita
abertura, e só depois girava. Caton Thompson encontrou
em Fayum centenas de sílices destinados a esta utiliza-
ção, assim como vasos em todas as fases do seu fabrico.
Mais tarde, quando o metal se tornou mais frequente,
apareceram as brocas tubulares. Estas podiam ser inse-
ridas em qualquer ângulo, através da abertura do vaso,
mas deixavam nas paredes do vaso uma série de núcleos
de perfuração, depois arrancados a* cinzel.

III — Trabalho em metal

O cobre, o primeiro metal a ser usado pelo homem,


como- é maleável, pode ser moldado por martelagemf
sem alterar o seu estado natural. Mas esta, quando cons-
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 123

íante, torna o cobre muito duro e quebradiço, sem poder


tomar novas formas, a frio. A maleabilidade, contudo,
é restaurável por fusão, isto é, aquecendo o metal
até ficar vermelho-baço. Por martelagem repetida e fun-
dição pode dar-se a um pedaço de cobre a forma que se
quiser. Na Europa pré-histórica e na Ásia Interior, nos
primeiros tempos históricos, fabricavam-se, a quente,
lâminas de machados, pontas de dardo e adagas. Por
vezes, são visíveis nesses objectos as marcas dos golpes
de martelo.
Na América pré-columbiana, o cobre nativo da região
dos Grandes Lagos costumava ser batido para formar
folhas largas e delgadas. A mesma técnica de batimento
foi usada no Velho Mundo para a fabricação de caldeirões,
baldes e outros vasos, elmos e outras pegas de arma-
dura e outros artigos, desde o início da Idade do Bronze,
e é ainda hoje empregada pelos serralheiros de toda a
Ásia. Esses objectos de metal martelado são, evidente-
mente, fabricáveis em bronze, prata ou ouro, assim como
em cobre. Sem fundição e por martelagem, usando uten-
sílios apropriados, é possível fazerem-se, pòr meio do
processo chamado de bate-chapa, grandes e complicados
objectos a partir de uma pequena quantidade de metal.
Fazem-se objectos maiores e mais complicados
ligando, por rebitagem, fundição ou soldagem, várias
folhas dé metal. Estas também podem ser facilmente
ornamentadas com relevos ou desenhos gravados. Se os
desenhos são feitos em relevo, martelando pela reta-
guarda, temos o processo chamado repoussé. Mas o
efeito do relevo também se obtém desenhando por gra-
vação, isto é, trabalhando sobre a folha com um traçador
ou um cinzel fino.
A grande vantagem do metal —pelo menos do cobre
ou do bronze— sobre a pedra é ser fundível. Assim, na
Idade do Bronze, a maior parte dos utensílios, armas e
ornamentos, e mesmo de alguns vasos, eram feitos por
fusão. O cobre funde a 1083 °C e o bronze (liga de
124 V. GORDON CHILDE

cobre e estanho) a uma temperatura mais baixa, podendo


ser vasados num molde cuja forma é tomada pelo metal
quando arrefece.
A forma mais simples de realizar esta fusão é fazer
um molde do objecto pretendido num material mole de
barro ou em pedra. Quando se usa o barro, o molde
faz-se cobrindo convenientemente de barro o objecto cujo
modelo se pretende" tirar; retirado o objecto, deixa-se
depois endurecer o barro, que servirá para nel-i ser
lançado o metal. Este método é chamado fundição em
molde de secagem livre. Evidentemente que só é apli-
cável à manufactura de objectos planos numa face e sem
ângulos reentrantes na outra. No início da Idade dos
Metais, a fundição em molde de secagem livre era empre-
gada na produção de machados planos, adagas e artigos
semelhantes e continuou a ser empregada na fundição de
simples barras ou discos com os quais se podiam forjar
ou fabricar outros objectos. Moldes de pedra para essas
fundições simples aparecem com frequência nas estações
arqueológicas.
Para objectos mais complicados precisava-se, pelo
menos, de um molde em peças. Este compreende, pelo
menos, duas peças ou metades, cada uma das quais apre-
senta o negativo da respectiva parte do objecto. Para
fundir um objecto sem reentrâncias em ambas as faces,
podia fazer-se facilmente um modelo, colocando cada
metade do volume desses objectos num respectivo bloco de
barro mole. Em seguida, depois de se ter coberto o
modelo e a superfície aplicada do bloco com carvão ou
gordura, para impedir que se pegue à outra metade, jun-
tam-se ambas as partes do molde. Quando o barro está
duro, separam-se os dois blocos e o modelo é retirado.
Cada um dos blocos apresenta agora uma cavidade cor-
respondente a metade do modelo. Voltam a juntar-se, são
envolvidos numa cobertura de barro e o metal líquido é
vasado na cavidade, através de um orifício que se deixou
num dos extremos e conhecido pela designação de
INTRODUÇÃO Â ARQUEOLOGIA 125

entrada. Para extrair o objecto fundido tem que se partir


o molde. Em Jarlshof, nas Shetland, e noutras estações
da Nova Idade do Bronze, foram encontrados muitos
fragmentos desses moldes. Por alguns deles foi possível
conhecer-se a madeira de que era feito o modelo.
Os elementos do molde são, muitas vezes, feitos de
pedra ou mesmo de metal, em vez de barro. Podiam ser
separacos para extrair o objecto fabricado, voltando a
ser usados; os exemplares que chegaram até nós sáo
numerosos. Alguns desses modelos europeus remontam à
Antiga e Média Idade do Bronze, mas usaram-se muitas
vezes mo)des de pedra juntamente com os de barro na
Nova IdaJe do Bronze e subsequentemente. Na fundição
de cadeiras de bronze e outros objectos mais complexos
deviam empregar-se moldes de três e até de quatro
partes. * ••"'.•*
A manufactura de celts ocos ou de pontas de dardo
trazia uma nova complicação. É necessário fazer um
corpo de barro ou de pedra de diâmetro e largura igual
ao orifício destinado ao cabo de. madeira, e preso âs
partes do molde, mas de modo tal que o metal possa
passar à volta dele; a colocação dessa peça no interior
pode fazer-se ou por meio de varetas compridas vindas
da extremidade do molde em direcção a sua abertura ou
perfurando a peça com um par de finos fios metálicos
que, fundindo-se, serão absorvidos pelo metal em fusão
quando entra no molde. O processo é chamado de fun-
dição com núcleo.
Embora as partes do molde tenham que estar bem
juntas, alguns bocados de metal fundido entram na zona
de junção. Ao esfriar, quando se retira o molde apare-
cerá essa massa extravasada seguindo ao longo do objecto
como uma pequena espinha, a que se dá o nome de
costura e que era frequentemente eliminada pelo serra-
lheiro; mas, em geral, podem descobrir-se vestígios de
costura em sítios pouco visíveis da peça, como, por
exemplo, dentro dos ganchos que, muitas vezes, existem

— ~w*., . *<*,. , j , ^ . ««.^^ssBsqãjjasg^


'••W
1£S V- QOBDON CIULBlf-

na ponta dos dardos c nos cclts. A existência de costura


prova o uso da técnica de molde, mas a sua ausência
não prova o contrário. Pode acontecer que as entradas
não deixem escoar bem o metal ou se entupam durante
a fundição. Não raro aparecem bronzes, com as conse-
quentes distorções, podendo fornecer úteis informações
sobre o processo usado.
O processo de cire perãue («cera perdida») é o terceiro
método para fundição de objectos de bronze. Neste caso,
o modelo ê a reprodução em cera de um determinado
objecto. Esse modelo é depois completamente coberto de
barro, com excepção de um orifício de entrada. Depois
de o barro ter secado, coze-se, conservando-se voltado
para baixo o orifício de entrada. Desta maneira, o barro
fica cozido e a cera derretida corre para fora. O invólucro
vazio com o orifício de entrada é depois voltado para
cima, vasando-se no interior vazio o metal fundido, que
assim adquire, naturalmente, a forma do modelo de cera.
Para tirar o objecto já fundido quebra-se o molde; como
esses pedaços resistem com facilidade ao tempo> são das
indicações mais vulgares sobre a actividade metalúrgica
em qualquer estação.
Ainda se usa o processo da cire perãue na fundição
de estátuas de bronze, e a sua utilização remonta à Idade
do Bronze. Mas alguns objectos que se julgava terem
sido feitos pelo processo de cire perãue devem realmente
ter sido obtidos em moldes de barro pelo processo indi-
cado na p. 12á. Era, evidentemente, muito fácil delinear
belos modelos de cera que a fundição reproduzia fiel-
mente. Tem-se dito, talvez sem razão, que a rica decora-
ção marcada nas armas e ornamentos da Idade do
Bronze do Norte da Europa e da bacia do Médio Danú-
bio era feita por este processo.
Qualquer objecto fundido, depois de sair-do moído,
exige acabamento. Em especial, o fio dos utensílios cor-
tantes precisa ser afiado por uma martelagem que, ao
mesmo tempo, o endurece. O arqueado da lâmina de um
, («"WTOV"
••W1W«9ÇW|W^«i»8«*?8^«f^'^W"

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 127

machado de cobre ou de bronze resultava, em parte,


desta martelarem e começou por não ser deliberada-
mente procurado, sendo o afiamento o principal objectivo.
Com o tempo, a arqueação do fio passou a ser feita pro-
positadamente, dando-se mesmo ao molde uma forma
trapezoidal, em vez de rectangular. Além .da fundição
"pela cire perãue, é também necessário limar ou serrar
a costura ou quaisquer restos de metal que ficam à
entrada (o .chamado «jacto») ou outras excrescências
acidentais. As limas metálicas não eram conhecidas até
ao final da Idade do Bronze, mas a superfície dos objec-
tos era polida com pedra-pomes ou areia. A's pequenas
serras de bronze são características do ferro mental dos
fundidores do fim da Idade do Bronze.
Até à Idade Média, não se deve ter fabricado ferro
fundido. Anteriormente só havia ferro forjado. Os pro-
cessos de fabricar ferro forjado empregados na pfé-his-
tóría, pelos serralheiros orientais e pelos greco-rornanos,
eram substancialmente os que ainda se usam nessas
mesmas aldeias metalúrgicas actuais e não é necessário
fazer-Ihes aqui referência. Os antigos armeiros conheciam
também os processos de embutimento, incrustamento ou
semelhantes, mas a sua complexidade torna desnecessária
uma referência num capítulo sobre tecnologia elementar.
Salvo em solos desfavoráveis, como, por exemplo, os
que predominam na Mesopotâmia, os objectos de cobra
e bronze podem durar milhares de anos. O ferro está
muito mais sujeito à corrosão e pode desaparecer por
completo, num processo que alterações da humidade
aceleram; a camada de ferrugem que cobre um objecto
de ferro quando há humidade cai quando o objecto seca.
Por isso, se acaso acontecer ao leitor encontrar no solo
húmido da Grã-Bretanha um objecto de ferro, deverá
conservá-lo metido em água ou envolvido num pano
húmido, até que possa ser convenientemente tratado.
íílilí IWMI
Reciprocamente, se o objecto for achado na areia seca
do deserto egípcio, deverá ficar hermeticamente fechado,
128' V.GORDON OHILDE

sendo preferível que tenha junto (mas sem lhe tocar)


um agente desidratante, como, por exemplo, cal viva ou
soda cáustica. O tratamento dos metais é uma operação
delicada que só deve ser levado a efeito num laboratório
e por especialistas.

IV — Cerâmica

Quimicamente, cerâmica é barro depois de aquecido a


uma determinada temperatura — superior a 400° — sufi-
cientemente elevada para poder provocar uma alteração
química, ou seja, a expulsão da água das moléculas da
argila. Mas não se pode fazer um vaso com barro puro.
Deve misturar-se-lhe uma certa quantidade de matéria
arenosa, tecnicamente chamada têmpera, se esta não
existir na matéría-príma. A têmpera pode ser constituída
por palha ou pó de areia, de pedras, conchas ou mesmo
cacos reduzidos a pó. A natureza da têmpera pode for-
necer indicações úteis sobre a antiguidade e proveniência
do vaso e sobre as condições culturais dos seus fabri-
cantes. •
Há duas —ou, antes, três — maneiras de fazer um
vaso de argila convenientemente temperada: a) modelada
ou feita à mão; b) em roda de oleiro; c) por meio de
molde. .
1) O fabrico à mão comporta, de facto, vários pro-
cessos cuja aplicação mesmo um profissional dificilmente
pode discernir num artigo já fabricado. Um vaso pode
ser feito aos arcos ou enrolado. Neste último processo,
o barro é amassado num rolo comprido que depois é
disposto em espiral, de maneira a formar a parede do
vaso. Na construção por arcos fazèm-se arcos de tiras
finas com a circunferência desejada e são em seguida
colocados uns sobre os outros. Em ambos os casos, o rolo
ou os sucessivos arcos devem ser fortemente comprimidos
com as mãos molhadas, de forma a provocar a sua liga-
ção, e o resultado assim obtido é depois coberto de barro
INTRODUÇÃO Â ARQUEOLOGIA 129

húmido. Por outro lado, cada rolo ou arco deve ser feito
de tal maneira que tenha resistência suficiente para
suportar os outros que sobre ele vão ser postos. Tudo
isto torna o fabrico de um único pote uma operação
longa e incómoda e traz para o vaso uma causa de
quebra: torna-se susceptível de quebrar ao longo das
junturas, o que de facto acontecia. Quando num vaso
grosseiro lhe cai a orla de remate, a que ficou parece
uma orla mal acabada e pode facilmente considerar-se
a própria orla, embora seja possível determinar na falsa
borda alguns vestígios do arco que caiu. Com uma cuida-
dosa amassadura, aparamento e batedura, os vasos feitos
à mão podem alcançar uma surpreendente perfeição
tanto pela simetria como pelas paredes extremamente
finas. Mas as marcas dos dedos ou dos utensílios de
ultimação nunca são estritamente paralelas. A sua irre-
gularidade (mais do que a rudeza ou carência de sime-
tria do vaso) é o melhor critério para distinguir um vaso
feito à mão de outro feito em roda de oleiro.
2) Na roda de oleiro, o barro húmido é seguro a uma
haste colocada precisamente ao centro de um disco que
se pode mover livremente. Quando a roda gira a mais de
cem rotações por minuto, a força centrífuga a que o
barro em movimento fica sujeito permite ao oleiro dar-
-Ihe a forma que desejar, sem necessidade de nenhuma
outra força física que não seja uma ligeira pressão com
os dedos, cujas marcas nas paredes do vaso, embora leves,
são estritamente paralelas ou concêntricas. Estas são a
prova mais saliente do uso da roda. Infelizmente, o oleiro
esforçava-se muitas vezes por apagá-las retocando ou
batendo as superfícies onde apareciam. Distinguem-se
com mais facilidade nas paredes externas ou na base.
Com a roda pode fazer-se em poucos minutos um vaso
que, feito à mão, levaria horas: a roda de oleiro permitiu
assim a produção em massa de mercadorias baratas. Só
um artífice altamente especializado a pode utilizar com
vantagem; em regra, é um profissional ou um especia-

l. A. — a
130 V. G-OBDON CHILDB

lista que só conhece osso trabalho. Torna-se portanto


necessário um mercado local que lhe g a r a n t a o sustento,
dado que os vasos são demasiado frágeis p a r a se expor-
t a r e m em massa enquanto o sistema de transportes sê
não tiver aperfeiçoado. P o r outro lado, fazer um vaso
à mão é tão fácil como tecer pano ou fazer uma peca
de vestuário. Assim, entre as sociedades não industria-
lizadas da Africa ou da América, os vasos caseiros e os
vestuáros familiares são feitos. pelas mulheres nas suas
funções domésticas. Deve ter-se dado o mesmo nos tem-
pos pré-históricos da Europa e da 'Ásia. A roda de oleiro,
inventada antes de 3000 a. C , uçada nos grandes aglome-
rados populacionais existentes 1:0 Sudoeste da Ásia e no
vale do Indo, antes de- 400 a. C (isto é, até à Idade tío
Ferro I I ) , nunca- foi empregada ao norte dos Alpes, e
os habitantes mais atrasados da Escócia e Norte da
Europa continuavam a usar vasos feitos à mão alguns
milhares de anos depois daquele invento.
3) No processo ãe moldagem, põe-se \o barro húmido
no interior de um molde pré-preparado, feito também
de barro cozido. Tal com nos metais, o molde pode ser
composto por duas ou mais peças; quando o barro secou,
o molde pode ser desmontado, voltando a s peças a serem
usadas depois de retirado o vaso moldado. O interior do
molde pode ser gravado ou ^esculpido com on e g a t i v o de
um modelo que aparecerá ou em relevo ou escavado no
vaso que se fabricou. Ê um processo que não deixa estrias
e é muito usado na manufactura, de vasos decorados,
incluindo a terra sigillata ou vaso de Samos dos períodos
helenístico e romano. • ' - '•
Depois de fabricado pelo primeiro ou segundo método,
o vaso era. geralmente coberto por u m a fina camada do
mesmo barro (engobe, úberzug) com a consistência de
um creme de forma a escorrer pela superfície. Antes da
sua aplicação podia juntar-se-lhe óxido de ferro ou qual-
quer outra substância corante a que verdadeiramente so
chamará pintura, A cobertura melhora a aparência do
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA . 131

vaso e torna-o menos poroso, mas pode cair; só neste


caso se conhece com facilidade a sua existência. Dá-se
o nome de barreia a esta cobertura finíssima feita com
uma mistura quase líquida de argila e água.
Quer seja ou não coberto com essa barreia, a super-
fície do vaso pode ser polida, esfregando-a fortemente
com,uma pedra ou um osso liso, antes de estar dema-
siado seca. O polimento não só melhora a aparência da
superfície, dando-lhe brilho, como diminui a porosidade;
pode levar a formar-se uma mais fina cobertura super-
ficial de barro, semelhante â formada com a barreia;
tem o nome de cobertura mecânica e não se descasca.
A decoração do vaso faz-se antes de este ir ao fogo
e tanto antes como depois do polimento. A decoração
pode ser por raspagem da superfície ou por impressão
de um cunho {decoração impressa); por aplicação de
outras faixas ou rolos de barro {em relevo) repuxando
ou enrugando de qualquer forma a superfície {por enni-
gamento) aplicando uma cobertura colorida disposta em
tiras {por pintura). Quando se risca com uma ponta de
sílex ou de metal a superfície do vaso depois de este ter
ido ao fogo, temos a chamada gravação; quando se faz
a aplicação espessa de cor, depois de o vaso ter ido ao
fogo, tem-se a chamada cerâmica coberta (ao con-
trário do que sucede com a decoração por pintura, atrás
referida, a cor desaparece com facilidade). Na cerâmica
helenística {megárica) e na de Samos do período romano
a decoração fazia-se esculpindo no vaso o negativo do
molde.
Depois destes preliminares o vaso estava pronto para
a cozedura, isto é, para a sua transformação em peça
de cerâmica. Nesta operação é que se efectua a alteração
química crítica e, além disso, altera-se a cor do produto.
Está última depende tanto das impurezas contidas na
argila ou que deliberadamente se lhe acrescentaram como
da temperatura e condições da cozedura. Os vasos podem
ser cozidos em «fogo ao ar livre» (embora a cozedura
132 ' V. GOBDON GIULDhl

possa realmente ser feita num poço) ou num forno, em


que se pode regular a temperatura e a chegada do ar.
Em geral, com a cozedura ao ar livre, a uma tempera-
tura normalmente baixa, obtém-se um cinzento escuro
ou uma cor de lodo. Mas se o barro contiver uma grande
quantidade de compostos de ferro ou se lhe for aplicada
uma cobertura nas mesmas condições (isto é, ferrugi-
nosa), a superfície do vaso ficará vermelha quando
cozida ao ar livre; ficará preta se, durante a cozedura,
não existir ar no recinto. Mas também se consegue cor
negra se o barro contiver muitas substâncias orgânicas
e se a cozedura for feita a baixa temperatura até a
matéria orgânica se ..queimar — ou ainda cozendo-a num
fogo com muito fumo, depositando-se a fuligem nos
poros do barro. A cerâmica pálida — amarelo-creme, cin-
zento-acastanhada ou esverdeada — só poderá produzir-se
quando o barro é cozido a uma temperatura relativa-
mente, alta —1000 °C ou mais — num forno ou. num
grande fogo ao ar livre.
As cores das pinturas, que, em grande parte, também
são de argila, sofrem (tal como o vaso em que são
feitas) a influência da cozedura. Assim, uma pintura
ferruginosa tornar-se-á preta ou vermelha, conforme a
quantidade de Oxigénio que tem acesso ao vaso enquanto
este. coze. Além disso, os silicatos fundíveis existentes
na pintura podem vitrificar parcialmente, tornando bri-
lhantes as superfícies pintadas. Estas pinturas espelhadas
são, com razão, chamadas lustrosas, por oposição às
cores baças ou mates. São, muitas vezes, incorrecta*
mente designadas por pinturas vidradas ou polidas
quando aplicadas numa fina camada ou, por meio de
banho, sobre toda a superfície do vaso. Mas esse vidrado
é, de facto, vidro; polir significa, neste caso, cobrir ou
transformar a superfície do vaso numa fina camada de
vidro. O brilhante vidrado negro dos vasos clássicos
gregos e o vidrado vermelho da cerâmica de Samos nos
tempos romanos parece realmente terem sido fabricados
INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA 133

por uma cobertura de barro, com ingredientes fundíveis


e materiais corantes, pois não deixam uma fina camada
do vidro ã superfície do vaso. A designação correcta
deveria ser a de cobertura vítrea.
Os verdadeiros vidrados e pinturas vidradas só podem
resultar bem quando aplicados a vasos já cozidos. Tor-
na-se então necessária uma segunda cozedura para fazer
fundir e vitrificar a cobertura. Os Assírios fabricaram,
a partir de 1250 a. C, autênticas pinturas vidradas, mas
não foram usadas em grande escala antes dos primeiros
tempos de Roma,

V —Vidro

Quimicamente, o vidro é um silicato facilmente fun-


dível; vulgarmente é composto de soda, potassa, cal ou
chumbo. Líquido quando em fusão, é duro e quebradiço
quando frio, mas entre estes dois extremos permanece,
durante um período considerável de tempo, em estado
viscoso. Na prática, pode fazer-se vidro aquecendo areia
de quartzo (isto é, sílica), natrão, um sal natural de
sódio ou potássio e cal ou calcário em pó. Estes elementos
produzem um material sem cor e transparente, mas que
se pode tornar azul, vermelho, castanho, amarelo, etc,
ou ainda opaco,' se lhe acrescentarmos pequenas quanti-
dades de compostos de cobre, ferro, manganésío ou co-
balto ou outras substâncias apropriadas.
O vidro era já conhecido no Egipto por volta de
3000 a. C. é, provavelmente, não muito mais tarde, na
Mesopotâmia. Mas até 500 a. C. nunca foi trabalhado
para, por meio de sopro, tomar formas várias. Inicial-
mente, o vidro era trabalhado por moldagem ou pressão,
enquanto viscoso. Com um cadinho de vidro fundido não
é difícil fabricar rolos e tiras (como as pérolas de me-
laço que caem de uma concha), que depressa endurecem,
mas manipulados podem fazer-se objectos simples, como

^ . --^^u, r^^M^ssi^^ã^^S^^^SSSSÈS
134 V. GOBDON CHILDE

contas, arcos e braceletes. O fabrico dos próprios vasos


de vidro resultava de uma simples modificação deste
processo. Assim, por exemplo, fabricavam-se jarros e
garrafas dispondo faixas de vidro viscoso à volta de um
núcleo de sal, moldado na forma conveniente sobre um
vaso de cobre. A decoração era feita comprimindo em-
polas, fios de vidro de diferentes cores, na superfície
ainda mole do vaso ou das contas ou envolvendo aquele
com faixas de várias cores.
Depois de 1200 a. C, pouco mais ou menos, os vasos
e outros artigos de vidro passaram também a ser feitos
em moldes. O vidro, porém, não era lançado em estado
líquido nos moldes, como no fabrico de objectos de bronze,
mas enquanto viscoso, comprimindo-o, como se estivesse
fabricando vasos de barro. A subsequente invenção do
sistema de sopro não eliminou as técnicas mais antigas.
Assim se passou a usar o vidro' na manufactura dos
vasos e seus ornamentos e para cobrir e decorar objectos
de outros materiais.
Faz-se faiança por meio de um núcleo opaco coberto
de um vidrado colorido. O núcleo parece ser uma massa
de areia (sílica), misturada com alguma água e uma
certa quantidade de adragante. O objecto desejado, uma
conta, um vaso ou uma pequena figura, era primeiro
fabricado com essa substância por modelação ou por
molde e mergulhado depois num cadinho contendo vidro
fundido convenientemente colorido. No Egipto, antes de
3000 a. C, e na Mesopotâmia, pouco mais ou menos pela
mesma altura, já se fabricavam pequenos artigos de
faiança, como, por exemplo, contas. Depois o processo
foi usado por todo o, Próximo Oriente, para a manu-
factura de pequenos vasos, ornamentos e figurinos, in-
cluindo os familiares ushabtis egípcios; já em 1500 a. G.
se exportavam contas de faiança para a Inglaterra e
Polónia.
A esmaUagem é um invento destinado a decorar
superfícies metálicas aplicando misturas de vidro colo-
• S9f-

INTRODUÇÃO Â ARQUEOLOGIA 135

rido opaco. U m método primitivo consistia simplesmente


em aplicar massas de esmalte n a superfície a orna-
mentar. N a maior parte dos casos havia duas maneiras
de colocar n a s cavidades o esmalte, muitas vezes de
cores variadas — vermelho, branco, azul, amarelo c verde.
No processo do champlevé,. as cavidades que se devem
cobrir de massa colorida f i c i m abaixo do nível geral da
superfície. No processo cloisonnê os compartimentos
baixos são dispostos e divididos por fios de arame sol-
dados ou fundidos à superfície, A arte de esmaltar pelo
processo de champlevé atingiu .'magnífica perfeição entre
os celtas da Europa Ocidental no período de L a Têne.
Continuou a florescer durante o Império Romano e, maio
especialmente n a Irlanda, nos primeiros tempos do Cris-
tianismo.

BIBLIOGRAFIA

Século i:

OAKLEY, K , Man the Tool-maker (Londres, 1949).


WATSON, W., Flint Implements (Londres, 1950).
LEAKEV. L. S. B., Adam's Ancestors (Londres, 1954).
A History of Technology, ed. Sínger,
Holmyard and Hall (Oxford, 1954),
pp. 128-43.

Século III:

COGIILAIV, H. H., Notes on the PreMstoric Metállurgy of


Copper anã Bronze (Oxford, 1951).
FoitBEs, R- J-, «Extracting, Smelting and Alloying», ín
A History of Technology, pp. 572-99.
JVÍARYON, H., «Fine Metal-work», ibiã., pp. 623-62.
«Technieal Methods of the Irish Smiths»,
Proc. R. Irish Amã, xuv, c (1938).
1SG V. GORDON OHILDí-l

OLDEGKÍÍG, A. E., Bletaltteknik unclcr forhistorisJc Tid


(Leipzig, 1943).

Século IV:

HARMSON, H. S., Pots and Pans (Londres, 1928).


SCOTT, Lindsay, «Pottery», in A History of Teclmology,
pp. 376-412.,

Século V:

Nenhum livro recente descreve as técnicas dos antigos


trabalhadores do vidro, em relação aos. seus produtos,
à excepção de LUCAS, A. M., Ancient Egyptian Mate-
rials (Londres. 1948).
P a r a a técnica da vidragem n a cerâmica grega, e ro-
mana, veja-se LANE, A., Greéle Pottery (Londres, s. d.).
*,. ^ i** $% ç«cwrv*w* r

J r
$ ftwg^imp»v' "

CAPITULO VI

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ARQUEOLÓGICOS:


A RECONSTITUIÇÃO

Para interpretar uma espécie arqueológica é mais


importante saber para que servia do que como foi feita.
No entanto, como já se disse na p. 10, a maior parte
dos utensílios que sobrevivem são simples fragmentos
dos objectos autênticos, donde desapareceram as partes
feitas em material perecível. Na verdade, pode muito
bem pedir-se a um arqueólogo que faça a reconstituição
de todo um carro a partir de duas cavilhas metálicas e
que ficou no varal. Nesta introdução só podem dar-se
algumas indicações sugerindo como, nos casos mais
correntes, se devem reconstituir as partes desaparecidas,
com vista a determinar-se como era realmente usado o
utensílio.

I—Machados e machadas — «Celts»

Os machados e as machadas de pedra, e também,


muitas vezes, os de metal, eram normalmente presos ou
metidos numa peça de madeira ou cabo que não estava
enfiado nem metido num orifício do corpo do instru-
mento. O método mais simples mas o menos eficiente
consistia em atar o corpo do machado à ponta de um
cabo direito, melhorando essa ligação com uma goma.
1S3 ' '""'• ' ' V. GORDOS CEILD2?

Este método era usado pelos aborígenes australianos, nica


não existem indicações do seu uso nos vestígios de po-
voados da Eurásia Neolítica ou da Africa. que tenham
chegado até nós. Uma juntura ligeiramente mais segura
era obtida quando se fendia o topo do cabo e o corpo
dapedra era atado e gomado entre as duas hastes feitas
pela fenda. Também não há indícios pré-históricos deste
processo. Por último, os machados podiam ser atraves-
sados ou colocados numa cavidade existente ou aberta
num sólido pedaço de madeira. Nas habitações lacustres
dos Alpes e nas turfeiras das Ilhas Britânicas, Norte
da Europa e Rússia (fig. 7, 1) encontraram-se muitos
celts de pedra assim montados.
Em vez de se meter directamente o celt no cabo de
madeira, este podia ainda ser colocado na cavidade inte-
rior de um chifre ou de uma ponta de rena, e esta manga
de chifre ãe rena {gaine) era, por seu turno, metida
num cabo de madeira (fig. 7, 2). O cliífre de rena, leve-
mente arqueado, actua como um amortecedor para o
cabo e reduz o risco de este se quebrar com o choque
do golpe. Além disso, o chifre de rena pode ser cortado
com mais facilidade do que a pedra para ser solidamente
ajustado ao orifício aberto no cabo de madeira. Cortando
o bocado da armação na junção de um dos seus galhos,
este último pode ser adaptado de modo a formar um
tacão que absorve a vibração, eliminando o perigo de
o machado entrar, cada vez mais, dentro do cabo, ató
que sairia pela parte de trás! Noutra forma, pode abrir-se
com facilidade um orifício num. chifre de rena para
fazer passar por ele o cabo (fig. 7, 3). Essa manga per-
furada (gaine perforée), com uma lâmina de pedra me-
tida numa ponta, corresponde, em princípio, ao machado
de ferro contemporâneo. As mangas de chifre de rena
são um dos achados mais frequentes nas palafitas alpinas
e nos povoados neolíticos correspondentes. Mas as man-
gas perfuradas eram vulgares no período mesolíticc da
Pinamarca e aparecem em Franga na zona exterior à
'ÍT»*^rW , ff W *~-^^« , «5K»«-Wf»ri i >. > , , i - ,

FJgr. 7
Montagem ãe machados ãe pedra; 1) directamente; 2) como
manga ãe chifre ãe rena; 8) em. manga perfurada ãe chifre de
rena; 4) num cabo ãe cotovelo; 7) num cabo ãe cotovelo com
manga escavada; 5) cabo de cotovelo para machado; 6) maohaão
montado ivwm cabo
.-jrwr.- -i^J*"-

140 V- GORDON CHILDE

área, alpina num contexto neolítico recente. Os Mela-


nésios empregavam tubos de- bambu p a r a cabos dos
celts, semelhantes aos tipos simples de m a n g a de chifre
de rena.
Os celts podem ser montados em mangas p a r a serem
utilizados como lâminas de machadinha (em que a lâ-
mina forma ângulo recto com o cabo); neste caso, a
montagem é semelhante à que é feita p a r a o mackado.
N a verdade, algumas, tribos melanésias montavam os
machados numa manga móvel encastoada n a cavidade
de um cabo, de modo a poderem transformá-lo em macha-
dinha, desde que a m a n g a rodasse 90°. .'•
Os celts também podem ser montados como machac* as,
usando os chamados cabos de cotovelo, também utili-
záveis em cabos de machado. É fácil obter-se um cabo
de cotovelo cortando um tronco alguns centímetros acima
do ponto em que h á um ramo que faça um ângulo de
75° a 90°. O ramo servia de cabo e o célt prendia-se à
parte do tronco que ficou acima da junção. Quando o
celt se destina a ser usado como machada, basta abrir
uma fenda no cepo que ficou ligado ao ramo. N a super-
fície lisa assim obtida o celt pode ser simplesmente
atado (fig. 7, 6); noutros casos, a parte do tronco presa
ao ramo podia ser aberta ao meio e o celt encravado
n a fenda. Resulta daí um machado, quando a abertura
é paralela ao ramo (fig. 7, 4), e u m a machada, quando
a abertura é perpendicular. Finalmente, o cabo em coto-
velo podia ser usado em combinação com uma manga
de chifre, feita com parte de uma haste de veado cujas
extremidades foram escavadas. O cabo não é fendido,
mas adelgaçado, e a sua extremidade entra no topo oco
da haste de veado, enquanto o outro topo segura o
celt (fig. 7, 7). Este processo pode ser chamado de
manga escavada; aparece nas habitações lacustres dos
Alpes do Neolítico Médio.
Nos lagos alpinos e num túmulo da Alemanha Cen-
tral e noutros lugares foram encontrados celts de pedra,
J
íJ7TOWÍj|fíW«3^^^^^'•'*'.- °"!'', ;
-

;f^P'*'3W ™
^j-^fwçr-^ * w * * « T '

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA ' 141

montados cm cabos acotovelados de topo fendido. Os


cclls e os palstaves metálicos de franja e de asa da
Antiga e Média Idade do Bronze na Europa devem ter
sido montados precisamente da mesma maneira, e nas
minas de sal e cobre dos Alpes Orientais foram encon-
trados cabos de cotovelo fendido a que se prendia um
machado de abas.. Os celts rebatidos que caracterizam
a Nova. Idade do Bronze da Eurásia Interior, desde a
China ã Irlanda, assim como os seus descendentes da
I Idade do Ferro, só,podem ser montados nas mangas
escavadas referidas no parágrafo anterior.
Assim, com excepção talvez dos mais antigos celts
planos de cobre, todos os celts de bronze e ferro ao norte
dos Alpes foram montados em cabos de cotovelo. Quanto
aos celts planos de metal, ighora-se o modo como eram
montados, no. Sudoeste da Ãsia e na índia, e não
se conhecem outros tipos. No Egipto, a parte direita do
cclt plano, típico do local, alargava-se de ambos os lados
em orelhas salientes. Tiras de couro metidas nessas
orelhas ligavam a cabeça do machado ao cabo. As ma-
chadas eram colocadas em cabos curtos de cotovelo.

II — Pontos de projécteis.

Os cabos das setas eram, claro está, de madeira, mas


normalmente tinham a ponta em sílex, osso, ardósia ou
metal. Na verdade, as pontas de seta. constituem a parte
mais importante e atraente de. muitas colecções de ins-
trumentos de pedra. A ponta de seta em sílex era nor-
malmente posta no cabo de madeira, fendendo o topo
deste último; era presa com • resina, BirTcenteer (resina-
do bétula, goma tirada da casca de vidoeiro ou outra
cola natural). Em regra, apertava-se o cabo na base da
fenda, para impedir que abrisse mais. No caso das vul-
garíssimas pontas de seta com farpa e espigão, só este
é que mergulhava na madeira da haste. Quando se trata
142 V- GQRDON OHILDE

de pontas de seta em forma de folha, triangulares ou


de base escavada, metade ou dois terços delas sobressaem
de ambos os lados da ponta do cabo, em forquilha.
Tanto as pontas de seta triangulares cortadas sobre
lâminas metálicas como as de espigão feitas de hastes
metálicas podiam ser montadas no cabo como as de sílex.
Mas algumas antigas pontas sumérias eram providas de
um encaixe, um tubo metálico ligado ã base do triân-
gulo. As pontas de seta farpadas com encaixe fundido
são já da Nova Idade do Bronze e da Idade do Ferro.
Nesta última fase, as pontas de seta com encaixe usadas
pelos Citas tinham três farpas, de forma que no cruza-
mento assemelhavam-se à letra Y. Este tipo parece deri-
vado das pontas de seta em osso já mencionadas.
Eram também usados como pontas de seta alguns
dos pequeníssimos sílices chamados microlitos (p. 118).
Nas estações do Norte da Europa do final do Paleolítico
Superior apareceram pequenas pontas assimétricas com
duas partes laterais salientes cravadas em cabos de ma-
deira; essas partes salientes serviam de farpa. Acha-
ram-se também pontas em forma de meia-lua, montadas
de maneira que uma extremidade formava uma ponta,
enquanto a outra, junto ao cabo, funcionava como farpa.
As pontas em meia-lua e trapezoidais eram, muitas
vezes, montadas de forma que o arco exterior ou o lado
mais largo do trapézio, colocado em ângulo recto em
relação ao topo do cabo, formavam uma lâmina trans-
versal ou um cinzel; o arco menor ou o lado menor do
trapézio mergulhavam no cabo. Esses projécteis têm a
designação de pontas de seta transversais, ou em corte
de cinzel. Numa turfeira mesolítica da Dinamarca foi
encontrada uma ponta trapezoidal montada dessa ma-
neira; pontas de seta montadas em cinzel aparecem refe-
ridas nos documentos faraónicos do Egipto e nas escul-
turas mesopotâmicas e, mais tarde, nos selos minóicos
de Creta. Actualmente ainda há tribos de caçadores que
as usam.
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 143

Os microlitos eram também aplicados como farpas


das setas ou dardos, sendo colados nos encaixes num ou
mais lados do cabo de madeira; o cuidadoso trabalho da
parte posterior dos microlitos teria sido feito para im-
pedir que a madeira abrisse, adaptando-os melhor à
aplicação do adesivo. Na Suécia foi encontrado recente-
mente um miCvXilito seguro ao cabo com resina de bétula
e não entalhado. Neste caso, o retoque procurava pro-
vavelmente formar um viés para ajustar o microlito à
superfície curva do cabo.
Podem ter sic/o utilizadas como pontas de seta simples
lascas de osso tornadas cilíndricas por polimento. •• No
Neolítico e em períodos mais recentes, o osso era tra-
balhado desse modo a produzir uma ponta com uma
secção triangular ou rômbica donde saía uma ponta que
se ia adelgaçando. A ponta seria ajustada não à extre-
midade fendida de um cabo de madeira, mas a uma
cavilha oca que ou já pertencia ao corpo da seta ou
servia de antecabo, a cuja ponta inferior se ajustava o
cabo propriamente dito. O feitio das pontas de seta em
osso era, por vezes, copiado em pontas de ardósia, sílex
ou metal montadas num cabo da mesma maneira.
Um harpão é um projéctil provido de uma cabeça
farpeada destacável e ao qual está firmemente ligada
uma linha: quando a ponta do harpão mergulha na carne
do animal, este fica preso. Geralmente, o cabo do harpão
é de madeira; a cabeça pode ser de osso, chifre de veado,
marfim ou metal. Para que um arqueólogo possa, com
toda a confiança, considerar uma ponta farpeada como
sendo um harpão, tem que encontrar na extremidade um
orifício ou um dente para segurar a linha. Na Europa,
os harpões devidamente identificados como tais e, feitos
de chifre de rena são muito característicos da cultura
do Paleolítico Superior. Durante o período aziíense e em
algumas culturas neolíticas da Eurásia aparecem harpões
de chifre de veado. 28 muito provável que sejam pontas
de harpão as peças farpeadas feitas em osso dos Natu-
1U V. GORDON CEILDE

fienses Rlesolíticos da Palestina e do Neolítico de Fayum,


assim como as pontas de marfim do Egipto pré-dinástico
e do Sudão. Mas também é possível que a grande maioria
das pontas de osso farpeadas ou denteadas, frequen-
tíssimas nas culturas mesolíticas florestais: do Norte
da Europa, tradicionalmente designadas por «harpões»,
tenham antes sido forcados preensores de, peixe • ou for-
quilhas. Ligavam-se duas ou três pontas farpeadas a um
cabo convenientemente preparado de tal maneira que
as farpas das extremidades ficavam voltadas uma para
a outra; a farpa do meio, quando existia, estava enta-
lhada de ambos os lados. Quando passou a ser feita em
metal, a forquilha transformou~se em tridente, símbolo
de Neptuno; os três forcados podem ser fundidos ou
forjados numa só peça.

III — Os arreios

Os animais de tiro podem ter sido arreados com


cordas ou correias que não deixaram vestígios arqueoló-
gicos. Pouco depois de 3000 a. C, os Sumérios dirigiam
os bois de tiro com anéis de cobre aplicados ao focinho
(tal como ainda se faz hoje com os touros), tendo che-
gado até nós alguns desses anéis. Os cavalos eram tam-
bém dirigidos por uma corda aplicada ao nariz ou por
um cabresto; os mais antigos freios devem ter sido feitos
com um pedaço' de madeira ou% de couro entrançado,
passando entre os dentes do animal; esses primeiros
exemplares desapareceram. Mas, para impedir que o
freio escorregasse para os lados, segurava-se-lhe cada
uma das pontas a um terminal, que podia ser de madeira
mas muitas vezes era de chifre de rena. Neste último
caso havia probabilidades de subsistir, e só neste caso
uc poderá conhecer o sistema de arreios, o que constitui,
na verdade, a única prova autêntica da domesticação de
cavalos. O terminal em chifre de rena é uma ponta do
-• .•yp0se$8^r?:&%BZf*í
ixi^-i^çr?^*'

INTRODUÇÃO Â ARQUEOLOGIA 145

armadura do animal onde se fizeram três buracos; dois


deles estão no prolongamento um do outro, mas o médio
pode fazer ângulo recto com os outros dois. Os terminais
eram, evidentemente, usados aos pares no freio propria-
mente dito (ou ferro de boca), passando ou prendendo-se
ao orifício médio. Os outros orifícios seguravam as extre-
midades dos arreios, que assim se conservavam na cabeça
do cavalo.
Pouco depois de 1500 a. C. e no Próximo Oriente, o
freio e os terminais passaram a ser de metal, mas este
só substituiu realmente o couro e o chifre quando se
começou a usar o ferro. O freio passou a ser constituído
por uma sólida barra de metal ou de liga metálica, sendo
geralmente torcido, imitando a forma de freio anterior-
mente usada, terminando sempre num gancho para as
rédeas; os terminais passaram a ser constituídos • por
* barras de metal curvas ou, mais raramente, por estreitas
tiras metálicas também providas de três orifícios ou de
ganchos. Mesmo quando o freio é fundido, como sucede
. nalguns casos encontrados na Ãsia Interior, o freio cons-
titui uma só peça juntamente com os terminais; estes
possuem ganchos correspondentes aos olhais do freio.
Os cavalos eram primeiro empregados para puxar
carros e carroças e usados sempre aos pares, ficando
cada animal de cada lado de uma barra central e não
entre varais. Nestas condições, os túmulos e tesouros
apresentam sempre dois freios e quatro terminais. A
cada freio podem estar associados cinco discos ou rosetas
ornamentais de bronze, providas de uma presilha na
parte interior. Serviam para ornar e, ao mesmo tempo,
reforçar, as ligações das várias correias necessárias a
um arreio. Uma dessas rosetas estava presa, de cada
lado, no sítio onde a correia do cabeção se dividia em
duas para se prender às duas extremidades do freio.
Outras duas decoravam talvez a junção de cada ter-
minal com uma correia que rodeava o focinho. O quinto
ornamento, talvez maior que os outros, ornava a tes-

I. A.—10 ...-
148 V. GORDON GEILDE

tada do cavalo, possivelmente no sítio onde uma correia


da testada se ligava à correia do focinho para ir passar
entre as orelhas.
Com o melhoramento dos arreios, os terminais passa-
ram de moda, mesmo nos cavalos de carro. Na Europa,
durante a II Idade do Ferro (La Tène), foram substi-
tuídos por grandes argolas (muitas vezes de ferro, co-
be./to de bronze) que passavam através das pontas fu-
radas do freio, e a que se prendiam as rédeas. Ao mesmo
tempo, colocava-se, por vezes, entre as duas já referidas,
uma terceira junção — que podia ser um bocado de arame
torc/do em 8. Esses freios de três ligações aparecem
esporadicamente nos túmulos L.a Tène, em França; daí
foram introduzidos na Grã-Bretanha por invasores celtas,
provavelmente os Parisii, para se desenvolverem em
linhas originais.
Na Inglaterra, cada uma das duas junções exteriores
do freio acabou por ser fundida numa só peça, junta-
mente com a argola, que, ao princípio, se movia livre-
mente na sua presilha. Aquilo que anteriormente era o
topo do freio tornou-se uma saliência sem função dentro
do arco terminal e um elemento decorativo. Mas, como
os freios continuavam a usar-se para dominar os cavalos
que se atrelavam aos pares, só se ornamentava a extre-
midade exterior. Assim, os freios britânicos são assimé-
tricos, sendo uma extremidade mais ricamente ornamen-
tada do que a outra.

XV—Veículos

Por volta de 1600 a. C, os carros ligeiros puxados-


por cavalos, tal como os carros pesados, os de carga ou
as charruas que os bois e onagros puxavam há cerca
de mil e quinhentos anos, eram feitos com materiais
inteiramente perecíveis — madeira e couro. Sobreviveram
cerca de uma dúzia, metidos ern pântanos ou na terra,
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 147

mas tudo o mais desapareceu sem deixar o mínimo trago.


Normalmente, só é possível determinar a remota exis-
tência de um veículo quando alguma das suas partes foi
reforçada ou* embelezada com trabalhos em metal. Essas
partes não são as que seriam previstas por um moto-
rista contemporâneo ou mesmo um cocheiro do tempo
de Eduardo VII. Por ordem de antiguidade, os exemplos
que nos restam são os seguintes: argolas de rédeas,
«fiadas de pregos», cavilhas de rodas, adornos de re-
mate dos cubos das rodas e estojos do eixo. Nenhum
destes inventos é necessário aos automóveis, de modo
que interessa explicar, pelo menos, os que não existem
nos carros de cavalos actuais. Na verdade, mesmo actual-
mente, não é necessário viajar fora da Europa para
ainda ver cavalos puxando veículos!
Como os animais de carga eram atrelados aos pares
ou em quadrigas, metade de cada lado de uma vara, as
rédeas deviam ser combinadas de forma que o condutor
pudesse puxá-las simultaneamente aos dois ou aos quatro
cavalos que ligavam, ao mesmo lado, as bocas dos ani-
mais de tiro, qualquer que fosse o lado do varal em que
se encontrassem. O cruzamento era feito por uma argola
de rédea ou porta-rédeas, presa ao varal. Na Ásia Oci-
dental, no 3.° milénio, usavam-se porta-rédeas compostos
por um par de orifícios encimados por uma mascote.
Uma decoração predilecta na cultura La Tène britânica
e nas suas sobrevivências do período romano eram uns
orifícios de bronze com a forma de um feijão, encai-
xando, por vezes, um núcleo de ferro.
Um espeque é uma cavilha fixada no topo externo
do eixo da roda para impedir que esta salte. Podia ser
feito de madeira, mas, cerca de 2000 a. C, no Elam, a
cavilha de madeira passou, muitas vezes, a ser substi-
tuída por uma de bronze, ornada de uma cabeça deco-
rativa. Na Idade do Ferro eram feitas de metal. Os
celtas do período La Tène, particularmente na Grã-Bre-
148 y- GOBDON GHILD1S

tanlia, fabricavam-nas também em bronze, ornamen-


tando-as.
Por volta de 3000 a. C, as bordas das rodas dos
veículos sumérios e elamitas tinham muitas vezes cravos
cie cobre para as proteger, e também, talvez, para as
tornar mais velozes, apresentavam virolas de couro. A
partir de 2000 a. C, no Elam, passaram também a ser
aplicadas às rodas virolas de cobre. Nas esses elementos
metálicos só durante a Idade do Ferro passaram a ser
de uso geral e feitos invariavelmente de ferro. Pren-
diam-se âs pinas por meio de longos pregos de ferro,
cujas cabeças, em alguns veículos assírios e europeus,
eram em chapa, para reforço adicional <!o aro das rodas.,
e o mesmo se dava com os pregos de cobre dos Sumé-
rios.
No final da Idade do Bronze e depois, os topos dos
eixos eram protegidos e ornamentados com remates me-
tálicos, Em alguns tesouros desse período apareceram
discos de bronze com cerca de 7 cm de diâmetro, tendo
uma elevação circular numa das faces (e que aparecem
também em alguns túmulos da Idade do Ferro) pro-
vavelmente usados como remates do topo dos eixos. Os
cubos das rodas são também cingidos de arcos metálicos
ornamentais.
i^^l^^^^^ç^W^^s ''y^p^^í^^^f^^^T^f^^^

ÍNDICE DE NOMES PRÓPRIOS

Abingcr — 111.
Atenas — 25.
Africa —- 55, 130, 138.
Alkinson CR.) — 92, 111.
Africa do Sul — 45, 48.
Atlântico — 40.
Agrícola — 110.
Aurisrnac — 48.
Alemanha — 80, 140.
Austrália — 27, 44, 45, 11S.
Alentejo — 31.
Avebury — 92.
Allcroft (Hadrían) — 92,
112.
Balcãs — 58, 60, 61.
Alpes — 58, 138, 140, 141.
Bate (D.) — 86.
Aliai — 74, 87.
Berpu (Dr.) — 94, 111.
América — 118, 130.
Bogaz-Kõy — 68.
América Central — 44.
Bordignera — 87.
América do Norte — 31,
Borkerley — 100,
40.
Boston —- 41, 42.
América prõ-columbiana —
Botany Bay — 44.
123.
Brca — 87.
Árctico — 32.
Bretanha — 79, 86.
Ardoch — 97. Brouil - - 56.
Arjanía — 55. Buda — 32.
Arminghall — 92.
Bulby Motor & C° — 32. ,
Arthur Seat — 103.
Bulgária — 79.
Ásia — 12, 27, 60, 61, 84, Eulleid (A.) — 111.
113, 123, 143, 145, 147. Burkitt — 87.
Agia Menor — 23. Burnswarfc — 97.
..-irr-

igo V. GOBDON CHILDE

Cairo — 70. Cristo —• 34.


Caithness — 67, 105, 107. Curwen (E. C.) — 111.
Câmbrico —'48.
Cambridge — 87, 88, 111. Daniel (G. E.) — 51, 77,
C a m b r i d g e (Massachu- 78, 88.
sets) — 87. Danúbio — 126.
Canadá — 39. Devónico •—• 48.
Candide (Arene) — 87. Dinamarca —• 29, 30, 44,
Carlos (príncipe, filho de 77, 80, 94, 103, 138, 142.
Isabel II) — 12. Doe (John) — 13.
Cáucaso — 79. Don — 12.
César (Júlio) — 39, 57, Dorchester — 93, 111.
109, 110. Dordogne —• 55.
Chelíes — 48. Dorset — 93, 95, 111.
Cheops — 84. Drystone —• 67.
Chicago — 87. Dumfriesshire —• 97.
CMÍde (V. G.) — 26, 51,
88, 1.12. East-Anglia —• 68.
China — 141. Edimburgo —• 103.
Chipre — 50, 73, 74. Eduardo VII -— 147.
Cidades — 50. Edwards (J. E. S.) — 88.
Egeu (mar) —• 47.
Citas — 142.
Egipto — 24, 44, 79, 83, 86,
Clark (J. G, D.) — 51.
Cláudio — 96. 88, 117, 118, 133, 3.34,
Cláudio César — 39 141, 142, 144.
Clyde —- 101. Elam — 147, 148.
Eigin (Lorde) -•— 78.
Coghlan (H. H.) — 135.
Escócia — 32, 55, 70, 75,
Collingwood — 93.
90, 94-, 95, 104, 107, 110,
Cook —- 39.
112, 130.
Copenhaga — 43,
Espanha —• 55, 61, 78, 7S.
Cornualha — 61, 70.
Estugarda — 87.
Córtez —• 44.
Etrúria — 78.
Cotswold — 67.
Euphronios —• 15,
Cotton (M.) — 112.
Eurásia — 66, 138, 341, 143.
Crawford (O. G. 3.) — 111.
Europa —- 27, 32, 47, 100,
Creta — 23, 50, 70, 142.
117, 123, 126, 130, 138,
'••%w*%rt*?!?t •• •r \ji

H
INTRODUÇÃO Ã ARQUEOLOGIA 151

141, 142, 143, 144, 146, Halstatt — 49, 110.


147. Hamurabi — 24.
Europa Central — 49, 57, Harrison (H. S.) — 136.
74, 96, 110. Hassund (Tell) — 87.
Europa Cisalpina — 50. Hawkes (J.) — 101, 111.
Europa Ocidental — 50, 54, Hébridas —107.
79, 110, 118, 135. Hégira — 34.
Euthimedes — 15. Heurtley (W. A.) — 87.
Eutresis — 87. Holanda — 75, 103.
Holmyard — 135.
F a y u m — 122, 144. Hope-Taylor (B.) — 111.
Filadélfia — 87. .
Forbes (R. J.) — 135.
libas Britânicas — 72, 79,
Forth — 1 0 1 .
80, 90, 95, 100, 110, 138.
Fox (C.) — 111, 112.
Índia — 39, 55, 02, 79, 88,
Franga — 44, 47, 48, 49,
141.
70, 79, 100, 110, 138, 146.
Indo — 23.
Frankfort (H.) — 87.
Inglaterra — 15, 27, 29, 31,
Gales (País de) — 90, 94, 34, 39, 40, 48, 72, 75, 88,
104, 111. 90, 103, 104, 111, 134, 146.
Gália — 96. Irão — 25, 61.
Garrod (D.) — 86. Iraque — 39.
Glastonbury — 90, 111. Irlanda — 58, 70, 79, 103,
Goldman (A.) — 87. 135, 141.
Grã-Bretanha — 13, 25, 39, Itália — 44, 79, 104.
44, 80, 92, 95, 96, 97, 99,
100, 127, 146, 147. Jaime I — 28, 49.
Granam (A.) — 112. Jarlshof —- 125.
Grandes Lagos — 123. Jope — 94.
Gray (G.) — 111. Jorge III (de Inglaterra)—
Grécia — 23, 39, 40, 50, 78, 36.
85.
Grim — 100. Kaíahari — 32.
Grinsell (L. V.) — 88. Kurdistão — 62.

Hal Saflieni — 73. La Madeleine — 48


Hall — 135. Lamb (W.) — 87. j «M
152 V, GOBDON CHILDE

Lane (A.) — 135. Mousa — 67, 107.


La Tono — 49, 135, 146, Mousticr — 48.
147. Museu das Antiguidades
Lcakey (L. S. B.) — 135. Nórdicas — 43.
Leipzig —- 136.
Leninegrado — 87. Negro ( m a r ) — 47, 78.
Lesbos — 87. Neptuno — 144.
Líssuo — 94, 111. Norfolk — 85.
Lixrerpool — 87. Noruega — 85.
Londres — 18, 26, 51, 87, Norwich — 92.
Nova Delhi — 88.
88, 111, 135, 130.
Nova Guino — 19.
Loose Iíovvo — 85,
Nova Iorque — 111.
Lourdes — 54.
Nova Zelândia — 39.
Loyd (S.) — 87.
Lucas (A. M.) — 136. Oakley (K.) — 135,
Lucrécio — 43. Offa — 101, 111.
Oklahoma — 12.
Maadi — 70. Oldcberg (A. E.) — 136.
Macedónia — 87. Olínto — 25.
Ivíahomé — 34. Oranis — 29.
Mailowen (M. K L . ) — 87. O' Riodaín — 111.
Malta — 73. Orkney — 67, 107.
Man (ilha de) — 94, 111. Oseberg — 85.
Manchester —• 19. Oxford — 86, 111, 135.
Maoris — 39.
Maryon (H.) — 135. Pacífico — 19.
Maumbury Kings — 83. Palestina — 117, 144.
Meca — 34. Paquistão — 61.
Mediterrâneo (mar) —100. P a r e t . í O . ) — 87.
Mércia — 101. Paris — 120.
Mesopotâmia — 24, 49, 60, Parísii — 146.
62, 127, 133, 134. Península Balcânica, (Vide
Micenas — 40, 72, 78. «Balcãs».)
Monte Carmelo — 86. Perthshire — 97.
Morávia — 57. Pcyrony — 87.
Mortillet — 47, 48, Piggot (S.) ~ 111.
Moscovo — 87. Pirenéus — 55.
fjm^^^ =a»

mmODUÇJio^ ABQUEÒLOQIA
15£

Pó — 66.
Polónia — 80, 134 Suécia — 79, 85, 94, 143,
Porta dos Leões - 40 Suíça — 44, 75.
Portugal _ s i , 78, 79' Sutherland — 107.
Sutton - Hoo — 72, 85.
Próximo Oriente — 24 87
134, 145. ' '
Tope Gawra — 62, 87.
Reno — 12, 1 0 0 Terra do Fogo — 45.
Roeket - a 5 | 3 0 f 37> 41 Tlr-rmi — 87.
Roma — 73, 133. Thompson (Caton) — 122.
Royal Scott - _ 36; 41 Thomsen — 43, 44.
42
Rudenko (S. J.) — .g 7 ,' Tirinos — 68.
RÚSSia — 17 ?K r^rr ryn „ .
T o b k r — 87.
138 ' Toda : — 29, 30.
Trácia Anatólica — 78.
Safar (p.) . g7 Trelleborg — 95.
Samos — i 3 0 ) 1 3 L Turquia — 60, 61.
Saint-Acheulle ~ . ^ s . Tuiankamon — 72.
Santo Sepulcro — 78. Tyne — 101.
Scott (Lindg-ay) — i 3 6
Shetland — 67, 107, 125. Ulster — 94, 111.
Sibéria — 48. TJnderwcod (Ashworth) —
Sicília — 78. 51.
Singer — 135. Ur — 72, 74, 87.
Síria — 79, Uruk — 62.
Síria-Palestina — 47 5 0
Skara Brae - 67> 6 g 1 0 ? Vcrcingáíox-ix —• 110.
Sollas (W. J.) __ 5 a
Solutré — 48. Weldi — 101, 112.
Solway — i o i , Wessex — 96, 100.
Speiser (E. A.) — 87 West End — 14.
Split — 33, Woolley (L.) — 87.
Stephenson — 15,
Stevenson (R. B . K.)—112. Yorkshire — 85.
Stoneheng-e — 40, 95
Stukley — .95, Zealand — 95.
Sudão — 144. Zozer — 84.
Zurique — 19.
ÍNDICE E GLOSSÁRIO DE TERMOS
TÉCNICOS

Todos os termos e expressões técnicas utilizados com


um sentido arqueológico especializado vêm indicados na
lista abaixo mencionada. O número aposto a seguir re-
fere-se à página onde é explicado ou definido o uso
arqueológico do termo ou expressão. Assim, o índice,
reconduzindo ao texto, servirá de glossário.

abrigo de pogo — 57. banco em arco quase fe-


acampamento — 97. chado — 93.
adobe — 59. barreia — 131.
agger — 96, 101. barrow — 80, 82.
agregado — 17. base de percussão — 119.
alvenaria em espinha de
berma — 82, 96.
peixe — 61.
bifaces — 116.
alvenaria de pedra vã—67.
boíbo de percussão — 115.
antecabo —• 142.
brocagem — 121.
antecâmara do túmulo—80.
arco de suporte — 81. broclis —• 107.
argola de rédeas —• 147. Bronze (Idade do) — 44.
arqueologia histórica — 23. buracos de postes — 64.
arquitectura do barrotes —
65. cabana circular — 93.
artefactos — 1 1 . cabo de cotovelo — 140.
associação — 16. calcolíticc -— 4G.
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA

caminho em vala — 96
101. co vai — 73.
coval de nicho —• 73.
campos calcetados — 99
100. cozedura — 131.
crepis — 81.
campos célticos — 103.
crescente •—• 122.
campos de urnas —- 85.
casamatas — 98. cronologia — 34.
casas térreas 70. cronologia absoluta — 34.
cashels — 108. cronologia relativa —• 34.
castros — 97. cultura —• 17.
castros de promontório — cursus —• 95.
97, 98.
cavilhas de rodas — 147. decoração por enrugamea-
celts — 120, 121, 138. to — 131.
centuriação — 104. decoração impressa •—• 131.
cerâmica coberta — 131. dólmen — 76.
cerâmica moldada — 131. dólmen de galeria — 77.
champlevé 135. ãún — 106.
ciclópico — 68.
Çire perãue — 126. eneolítico —• 46.
classificação corológica — engobe —• 130.'
40. enterramento colectivo —
classificasão cronológica— 86.
33.
enterramento estendido —
classificação funcional — 72.
29.
enterramento em grandes
clavículas — 97.
cloisonné •— 135. - vasos (pithos) — 85.
enterramentos s e c u n d á -
cobertura mecânica — 131.
cobertura vítrea — 133. rios — 82.
Cobre (Idade do) — 47' entrada do molde — 124-,
conjunto — 16. 125.
contemporâneo — 44. entrada valada — 93.
contexto — 12. ' entrançado de adofte — 65.
corologia — 40, 48. esmaltagem — 134.
córtex — 114. espeque —• 147.
costura — 125. estações de sinalização - -
92.

-^**'*{&iii&iáú££ra -
W&f&l"

156 V. GOBDON CHILDE

estrada romana — 101. lynclict negativo ou positi-


estratigrafia — 37, 53, 62. vo — 103.

faiança — 134. machado de pedra' lasca-


Ferro (Idade do) — 44. da -— 116.
ferro de boca. (V. «freio».) madeira ligada (paredes
fogous — 70. de) — 109.
foices de sílex — 119. manga de chifre de rena —
folclore — 31. 138,
fontes romanas — 96. manga escavada — 140.
fontes vitrificadas — 109. "manga perfurada — 138.
forquilhas — 144. ' marca da lasca —• 115.
fósseis. (Vide «tipos».) marca de ondas — 115.
fosso — 96. m a s t a b a — 83.
freio —• 144. megalítico — 68, 75.
fundição — 123. mesolítico — 45.
fundição com núcleo —125. microlito — 118, 143.
fusão —• 123. minas de sílex — 105.
moldes em peças — 124.
granjas de fosso — 96. monumentos •— 12.
gravadores — 117. moiles — 90, 91.
muralha gálica — 109.
Hallstatt (período de) —
murus gallicus — 109.
49.
harpão —• 143.
natrão — 133.
henge (monumentos) —
neolítico — 15.
92, 93.
homoaxial — 44. núcleo de perfuração—131.

idades — 44. obras em t e r r a — SS.


ortostato —• 68, 75.
lâminas de dorso abatido—
117. palanca — 96.
lascas — 117. Paleolítico — 45.
linha contínua de contac- pátio — 91.
to — 69. pavimento — 58.
lynchet — 102. pedra de escotilha — 73.
lynchet em fita — 103. Pedra (Idade da) — 44.
'í$F :

INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 157

percutor — 119. tell — 63.


perfuração — 121. têmpera — 128.
perfuração por tubo — 121. tempo arqueológico — 35.
período cultural — 22, 47, terminal — 144.
48. terra sigillata — 330.
peristálito — 81. terraços de cultura — 103.
pintura — 130. t e s t e m u n h o s arqueoló-
pintura lustrosa — 132. gicos —• 9.
pintura mate •—• 132. tholoi — 78.
•piso. (Vide «adobe».) tijolos —• 59.
piílios (vasos) —• 85. tijolos de adobe — 59.
plataforma de percussão — tijolos manuais --• 50.
115. tijolos plano - convexos —
plinto •— 69. 60, 61.
poço-teste — 63. tipos — 13, 16, 20.
ponta de seta — 141. tipos fósseis— 22.
ponta de seta transversal torre de menagem — 9 i .
142. •'••'. tranchet — 116.
porta-rédeas — 147. três idades — 43.
portal dos mortos — 75. túmulo .de câmara, — 73.
pré-Mstória (conceito)—23. túmulo escavado n a ro-
primeiro enterramento—82. ; cha — 73.

querne — 105, urna cineraria — 85.


urnas curtas — 72.
rath — 94. urnas longas — 72.
redoque — 116. .utensílio de núcleo •— 116.
roda de oleiro — 129.
xolagem — 119. valados múltiplos — 98.
vallum — 96.
Samos (cerâmica de)—130. vasos de cerâmica fabrica-
secagem livre — 124, dos aos arcos — 128, 129.
sequência cultural — 21. vedações —• 91.
séries tipológicas — 37. vedações em vala — 104.
silhas (alvenaria) — 69. vestígios — 11.
subterrâneos — 70. vidrados —- 132.
superfície buibar — 115. viga de suporte — 65.

* • ; ; . * » ; = .
ÍNDICE GERAL

PliEFÁCIO ( 7

CAPÍTULO I — Arqueologia, e história 9


I—•Testemunhos arqueológicos 9
I I — O s tipos 13
I I I —Culturas 17
IV — O tempo arqueológico 20

CAPÍTULO I I — ' A classificação 27


I — A tríplice base 27
I I — A classificação, funcional 30
I I I — A classificação cronológica 33
IV-—-A classificação corológica 40
V—'Períodos e culturas pré-históricos ...... 43

CAPÍTULO I I I — A s estações arqueológicas e a. sua


estratigrafia 52
I — Cavernas 52
I I — Casas e povoados 57
I I I — Locais de enterramento 71

CAPÍTULO IV — A l g u m a s ideias sobre a descoberta


de monumentos no campo 89
I —Montes 90
I I — Vedações 91
I I I — Construções rectilíneas em t e r r a 100
IV — Campos, herdades e minas de sílex ...... 102
V — Construções em pedra 105

3çsv3ffraaír™* W C T ™* f l ? I J r t w H "'
INTRODUÇÃO A ARQUEOLOGIA 159

CAPÍTULO V — interpretação dos dados arqueológi-


cos: tecnologia, elementar 113
I — Trabalho em sílex 113
I I — Pedras de grão fino 120
I I I — Trabalho em metal 122
IV—Cerâmica : 128
V—Vidro 133

CAPÍTULO VI — Interpretação dos dados arqueoló-


gicos: a reconstituirão 137
I — Machados e machadas — «Celts» 137
I I — Tontas de projécteis 141
I I I — Os arreios 144
IV—Veículos 148

ÍNDICE DE NOMES PRÓPRIOS 149


ÍNDICE E GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS ICVÍ
Edição n.° 1073

Este livro foi composto e impresso


na Sociedade Astória, Lda., para
. Publicações Europa-Améríca, Lda.,
e concluiu-se cm Dezembro de 1061
Condições de venda da

. •' Colecção SABER " '


Para os leitores fieis desta Colecção esísbekwaa-®ô condições
especiais que muito beneficiam os assinante já inscrita
os que venham a inscrever-se. tos ou

Peça informações aos Editores

Enviamos o nosso ca!áíogo geral ^ ed.ções ^


* dúíríbziçãss
a quem o solicitar

Você também pode gostar