Você está na página 1de 9

Auditorias da Qualidade

Alberto W. Ramos
Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP).
Professor do Departamento de Engenharia de Produção da EPUSP, na área de métodos
quantitativos. Mestrando em Engenharia de Produção pela EPUSP. Engenheiro de
Qualidade certificado pela .. American Society for Quality Control". Consultor de
empresas nas áreas de Controle e Garantia da Qualidade.

palavras-chave: Controle da qualidade, Administração da qualidade, Qualidade industrial

Key words: Quality control, Quality management, Industrial quality

RESUMO:

Este artigo tem como objetivo apresentar os conceitos envolvidos na aplicação de auditorias de
qualidade, de forma a ressaltar suas vantagens e desvantagens para toda a organização. É feita
uma revisão dos objetivos de uma auditoria de qualidade e das etapas de sua implantação;
apontando as principais causas de fracassos na sua aplicação.

ABSTRACT:

This paper presents a review ofthe main concepts in Quality Auditory, highlighting its advantages and
disvantages to the organization. The paper also remarks the Auditory objetives and its implementation
steps; pointing out the main reasons ofunsuccefull cases.

Rec. 10/90 Rev. 10/90 Apr. 11/90

PRODUÇÃO - Rio de Janeiro - VaI. 1 - Nº 2 - março 1991 - p.p. 87, 95

87
PRODUÇÃO

Introdução a) A auditoria da qualidade pode ser re-


alizada por qualquer pessoa da organização,
desde que:
As auditorias da qualidade são uma im-
portante ferramenta para a gestão moderna
- esta seja de uma outra área que não a audi-
da qualidade. Embora muitas empresas te-
tada;
nham desenvolvido esta função (algumas até
possuem departamentos específicos para a
- esta esteja treinada e capacitada para a rea-
sua execução), ainda não há uma total com-
lização da mesma.
preensão das vantagens advindas de sua
aplicação.
b) Uma vez que o objetivo principal da au-
ditoria é verificar a eficácia do sistema da
Este artigo tem por objetivo introduzir os
qualidade implantada, consequentemente seu
conceitos envolvidos nas auditorias da quali-
caráter é muito mais de prevenção do que de
dade, de forma a possibilitar ao leitor um
correção de problemas.
melhor entendimento de suas vantagens para
a organização. No final do texto encontram-
c) Por servir como mecanismo de realimen-
se diversas referências bibliográficas para
tação, as auditorias são um importante sis-
aqueles que quiserem se aprofundar no as-
tema de informações para a administração da
sunto.
empresa, pois possibilitam o aperfeiçoamento
da qualidade de seus produtos e serviços.

o Que É Uma
Auditoria de Qualidade Tipos de Auditoria
Uma auditoria da qualidade é uma ava- A literatura existente sobre o assunto cos-
liação planejada, programada e documenta- tuma apresentar os mais diversos tipos de clas-
da, executada por pessoal independente da sificação. Entretanto, podemos basicamente
área auditada, a fim de verificar a eficácia do dividi-las em:
sistema de qualidade implantado, através da
constatação de evidências objetivas e da iden- Quanto a sua execução:
tificação de não-conformidades, servindo
como mecanismo de realimentação e aper- - Externas: são aquelas executadas por outras
feiçoamento do sistema da qualidade (1). organizações, tais como clientes, empresas
especializadas, etc.;
Podemos dizer que esta representa para
a função 'qualidade' o que a auditoria contábil - Internas: são aquelas executadas pela própria
representa para a função 'finanças' da em- organização e costumam ser subdivididas
presa. As auditorias contábeis não só verifi- em:
cam a exatidão dos livros, mas também a ade-
quação do sistema contábil. A mesma analo- • auditoria de sistemas - examina a eficácia
gia vale para as audidorias da qualidade (2). do sistema da qualidade;

A análise da definição acima fornecida nos • auditoria de processos - avalia a proximi-


permite identificar alguns pontos importan- dade entre métodos e procedimentos es-
tes que merecem destaque: tabelecidos e a prática real;

88
PRODUÇÃO

.auditoria de itens (produtos e/ou serviços) , - Avaliar a aderência dos métodos emprega-
determina a conformidade de produtos' dos com os procedimentos estabelecidos;
e/ou serviços com as especificações técni-
caso - Avaliar O processo de tomada de decisão da
empresa, com relação à qualidade;
Quanto à ocasião de sua realização:
- Avaliar a conformidade das características
- pré-contrato ("pre-award") - quando é rea- da qualidade dos produtos/serviços com
lizado antes da celebração de um contrato as especificações;
comercial;
- Verificar e melhorar a eficácia do sistema da
- pós-contrato ("post-award") - quando é rea- qualidade;
I

lizada imediatamente após a celebração do


contrato comercial; - Detectar problemas potenciais da qualidade
de produtos/serviços;
- auditoria de projeto-desenvolvimento/pré-
produção - quando executada nas fases de - Permitir à administração uma visão mais pro-
desenvolvimento do produto/serviço e/ou funda da empresa, gerando uma consciência
pré-produção; para qualidade.

- auditoria de produção/construção - quando


executada na fase de produção/construção I Implantação de Um Sistema
do produto. ' de Auditorias da Qualidade
Quanto a sua frequência:
Não existe uma fórmula universal (receita
- programação (de rotina) - são aquelas cuja • de bolo) para a implantação de um sistema
execução está prevista no programa de au- : de auditorias da qualidade. Cada empresa
ditorias; : precisa avaliar especificamente as suas neces-
sidades e, em função destas, desenvolver um
!,

- não programada (especial) - são aquelas re- esquema que seja compatível com os objeti-
alizadas quando da evidência de problemas vos estabelecidos.
ou de deterioração do nível da qualidade.
Entretanto, podemos fazer as seguintes re-
comendações, que têm se demonstrado efi-
• cazes para a implantação do mesrrio (3):
Objetivos das
Auditorias da Qualidade O sistema deve ser desenvolvido e admi-
nistrado por um profissional com ex-
Os principais objetivos de uma organi- , periência na área, tendo o apoio da Alta Ad-
zação para a realização de auditorias da quali- ministração para a realização deste tra-
dade são: balho;

- Avaliar a conformidade dos procedimentos - O sistema deve ser montado de forma a as-
da qualidade com as normas estabelecidas segurar que a execução das auditorias seja
por clientes ou pela própria empresa; uma rotina regular dentro da organização;

89
PRODUÇÃO

- Deve ser selecionado um número deter- - O método de relatar eventos e recomen-


minado de normas, a fim de cobrir con- dações;
venientemente as exigências da organização
(contratuais ou não); - Os meios para que as ações corretivas
sejam determinadas e implementadas.
- Todas as auditorias devem ser executadas
comparando-se os sistemas da organiza- b) Um conjunto de procedimentos e instruções
ção contra as exigências das normas esco- que defina:
lhidas;
- Quem deve fazer a auditoria;
- O sistema deve ser planejado e consistente
na sua abordagem; - Quando a auditoria deve ser executada;

- Os auditores devem ser treinados em técni- - Como a auditoria deve ser executada;
cas de auditoria, incluindo-se os aspectos
comportamentais; - Onde a auditoria deve ser feita;

- O sistema deve ser divulgado, compreen- - Com que materiais;


dido e aceito por todas as pessoas da organi-
zação; - Que registros serão mantidos.

- Deve haver um sistema eficiente de infor-


mações da auditoria, com linhas de comu-
nicação bem definidas, uma vez que diver-
o Plano de
sas áreas funcionais estarão envolvidas; Auditorias da Qualidade
- Deve existir um método eficiente para as- O plano de auditorias (fig.1) é um cro-
segurar que as medidas corretivas sejam im- nograma que, basicamente, estabelece a fre-
plantadas. A auditoria deve ser objetiva, quência e responsabilidade pela sua execução.
concreta e executada contra uma norma de-
finida da qualidade; As informações para o plano das audito-
rias podem ser obtidas de:
- Um programa de auditorias deve ser deli-
neado e usado com base no sistema de regis- Relatórios de auditorias anteriores;
tros de auditoria.
- Relatórios de não-conformidades;
Como resultado do desenvolvimento do
sistema de auditorias devemos ter: - Relatórios de devoluções de clientes;

a) Um plano de auditorias que defina: - Relatórios de inspeções;

- As áreas funcionais a serem auditadas; - Documentação técnica;

- A designação dos encarregados de efe- - Contratos com clientes.


tuar as auditorias;
É importante salientar que a periodicidade
- A frequência das auditorias; das auditorias depende de diversos fatores:

90
PRODUÇÃO

DElERMINAÇÃO DAS
FUNÇOES/Á/ffiAS A
SEREM AUIlITADAS

DETIlRMINAÇÃO DE
EQUIPES E:DATAS
PARA AUDITORIA

PREPARAÇÃO DO
PLANO:DE
AUDITORIAS

SUBMISSÃO DO
PLANO PARA
APROVAÇÃO

NÃO

DIVULGAÇÃO
DO
PLANe)

COORDENAÇÃO
DO
PLAI'O

Fig. 1 - Elaboração do Plano de Auditorir.s

91 I
PRODUÇAO

número de deficiências encontradas, severi- e técnicas envolvidas. Além disto, é desejável


dade das deficiências encontradas, custos que o auditor possua as seguintes característi-
incorridos devido às deficiências, natureza cas (4):
crítica do item, processo ou função, exigências
dos clientes, etc. Entretanto, podemos dizer - interesse e tenacidade na avaliação;
que a sua frequência deve ser alterada, sempre
- possuidor de atitude e integridade pro-
que da ocorrência de uma das seguintes si-
fissional;
tuações (2):
- inquisitivo e analítico;
- Os resultados de auditorias anteriores in- - honesto;
dicarem a necessidade de efetuá-las com
uma maior (ou menor) frequência; - diplomático;
- disciplinado;
- Quando ocorrerem alterações significativas
em áreas funcionais do sistema da quali- - bom ouvinte;
dade, inclusive reorganizações e revisões de - bom planejador;
procedimentos;
- bom julgador;
- Quando a segurança, desempenho ou con- - comunicativo.
fiabilidade de um item estiver, ou se sus-
peitar que esteja, ameaçada devido a não- • Preparação da auditoria - esta etapa com-
conformidades; preende todas as atividades preliminares à
execução da auditoria propriamente dita. O
- Quando for necessário comprovar que as primeiro passo é obter toda a documentação
ações corretivas prescritas foram efetivadas. da qualidade e confrontá-la com as exigências
dos clientes, determinando se o sistema da
qualidade é adequado ou não. Em função
desta, devem ser elaboradas as listas de veri-
ficação a serem empregadas na obtenção de
Etapas de Uma Auditoria evidências objetivas;

Uma vez desenvolvida a sistemática de • Execução da auditoria - esta etapa nor-


auditorias da qualidade, passamos à fase malmente se inicia com uma reunião entre a
posterior, que é a sua implantação. Os diver- equipe de auditoria e o pessoal da área que
sos autores costumam dividir em um número será auditada. Sua finalidade básica é expor
maior ou menor de etapas as auditorias da qual- os objetivos da realização da auditoria. A
idade. Uma auditoria da qualidade apresenta seguir, a equipe de auditores percorrerá a área,
as seguintes etapas (fig. 2): verificando a execução das atividades em
conformidade com a documentação da quali-
• Seleção e treinamento de auditores - nesta dade, obtendo evidências objetivas e apon-
etapa é definida a equipe que irá realizar a tando os resultados/observações nas listas de
auditoria, sendo ministrado treinamento bási- verificação. Ao final, deve ser realizada uma
co e familiarização com detalhes específicos nova reunião, aonde serão relatada as prin-
a serem avaliados. Os auditores necessitam cipais deficiências observadas e combinadas
ter conhecimento dos princípios e práticas da as ações corretivas a serem implementadas.
qualidade, produção, engenharia e suprimen- Os princípios que devem nortear a realização
tos e, estar familiarizados com as exigências de uma auditoria da qualidade são (5):

92
PRODUÇÃO

1REINAMENTO
DOS
AUDITORES

1
PREPARAÇÃO
DA
AUDITORIA

I
EXECUÇÃO
DA
AUDITORIA

I
RELATÓRIO

I
ACOMPANIIAMENTO

SIM

ROAUD?
NAO

RETENÇÃO
DOS
REGIS1ROS

Fig. 2 - Etapas de uma auditoria

93
PRODUçAO

- Para o sucesso de uma auditoria é necessário tão logo quanto possível, de moda a formali-
um amplo conhecimento dos princípios e zar os resultados obtidos na auditoria;
práticas dá qualidade, mas não necessaria-
mente de todos os detalhes do produto/ • Acompanhamento - deve ser feito um acom-
serviço; panhamento da ação corretiva 'combinada',
prevendo-se, eventualmente, uma reaudito-
- As técnicas de avaliação devem ser bem as- ria para verificação de sua efetiva implan-
similadas e praticadas, para garantir a tação. Ao mesmo tempo deve-se verificar a
habilitação e competências exigidas para a adequação da ação corretiva 'tomada', ou seja,
sua eficácia; se esta foi eficaz na resolução do problema e
prevenção de sua repetição;
- A auditoria não deve ser feita no escritório
do gerente da qualidade, mas sim no local • Retenção de registros - os registros da au-
onde são desempenhadas as atividades, ditoria (relatórios, listas de verificação, etc.)
através da obtenção de evidências objetivas; devem ser arquivados, de forma a serem facil-
mente recuperados quando necessário.
- A auditoria deve se concentrar em itens im-
portantes e não em questões irrelevantes;

- Manter o controle da auditoria, verificando


Por que as
todas as informações recebidas. Verificar se auditorias falham
as informações são exatas e completas;
Embora muitas empresas reconheçam a
- Não utilizar artifícios de linguagem para importância das auditorias como mecanismo
amenizar o quadro real. Falar clara e direta- de aperfeiçoamento da gestão da qualidade,
mente, dizendo o que deve ser dito; é comum haver relatos de insucessos ou de
sucesso parcial na sua aplicação.
- Não criticar os resultados antes de discuti-
los com as pessoas envolvidas. Assegurar As causas mais comuns deste fracasso são:
que haja uma completa avaliação da si-
tuação, antes de considerá-la em desacôrdo; - Falta de comprometimento/envolvimen-
to da Alta Administração: Ishikawa (6) ressal-
- Estar de ouvidos sempre abertos, não se ta a necessidade do apoio da cúpula da empresa
deixando estereotipar. Dar crédito aonde para a eficaz utilização das informações obti-
deve ser dado; das quando da execução das auditorias da
- Envolver a gerência na crítica, quando a de- qualidade. Segundo ele, no Japão já se tomou
ficiência exigir a sua atenção; rotina a execução de auditorias pelo próprio
presidente da empresa, como forma de garan-
- Acompanhar as ações corretivas, sem perdê- tir bons resultados. Indubitavelmente, todas
las de vista. as ações devem ser implementadas de cima
para baixo, para serem bem sucedidas;
• Relatório da auditoria - a equipe deve
preparar um sumário com as deficiências - Resistência da organização: se todos na
observadas e recomendações, bem como ci- organização não copreenderem a finalidade
tar as ações corretivas e respectivos prazos das auditorias (prevenção, e não detecção),
de implantação combinados com o pessoal da surgirão focos de resistência, uma vez que as
área auditada. O relatório deve ser emitido pessoas se sentirão àmeaçadas. Portanto, é de

94
PRODUçAo

vital importância a divulgação dos objetivos presas na capacitação de seus recursos huma-
das auditorias, de preferência, pela Alta nos e facilitando sobremaneira a tarefa de
Administração; desenvolver e implantar esta importante
ferramenta gerencial.
- Falta de treinamento/habilidade por
parte dos auditores: o treinamento ministrado Por fim, gostaríamos de lembrar que a au-
deve não somente enfocar a parte técnica, mas ditoria da qualidade é a consequência de um
também os aspectos comportamentais en- sistema/processo e não o motivo para a ex-
volvidos na auditoria. É surpreendente veri- istência do mesmo, em outras palavras, é um
ficar como muitos auditores se esquecem do meio e não um fim para o aperfeiçoamento
ditado: "Môscas se caçam com mel, e não com da qualidade. As informações que são gera-
fel". É muito mais fácil obter as informações das devem ser utilizadas para realimentar o
em um ambiente cordial e de mútua confiança sistema, permitindo que as melhorias sejam
do que em uma situação de litígio; obtidas e mantidas a longo prazo.

- Falha na implantação da ação corretiva:


muitas auditorias são bem executadas, e os
pontos fracos do sistema da qualidade são
levantados, entretanto, não há implantação
da ação corretiva necessária à resolução do Bibliogragia
problema. Isto pode ocorrer devido a dois
motivos: falta de acompanhamento (reaudi- (1) INSTITUTO BRASILEIRO DO PETRÓ-
toria) e/ou falta de senso de urgência na sua LEO. Guias para a implantação de
implantação. Em ambos os casos o ciclo de sistemas de garantia da qualidade.
aperfeiçoamento não se completa e, conse- Capítulo 1 - Terminologia. 1987.
quentemente, a empresa não desfruta de seus
benefícios. (2) ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NOR-
MAS TÉCNICAS. Coletânea de Nor-
Muitos outros motivos poderiam ser ainda mas de Programas de Qualidade, 1986.
citados, mas acreditamos que a maior parcela
destes se enquadram de alguma forma em (3) PHILIPS. Manual de Qualidade Assegu-
uma das categorias acima citadas. rada.

(4) JOHNSON, L.M. Quality Assurance Pro-


gram Evaluation. L. Marvin Johnson
Conclusão Associates Inc., 1986.

Conforme dito anteriormente, a finalidade (5) RIBEIRO DA COSTA, J. Garantia da Quali-


deste artigo não é abordar a questão da au- dade Aplicada aos Ensaios Não Destru-
ditoria da qualidade em todas as suas tivos. Associação Brasileira de Ensaios
minúcias mas, antes de tudo, fornecer uma Não Destrutivos - ABENDE, 1984.
visão global de um assunto que vem desper-
tando o interesse de profissionais da área. (6) ISHIKAWA, K. TQC-Total Quality Con-
Diversos cursos têm sido ministrados nas troI. Estratégia e Administração da
principais capitais do país, auxiliando as em- Qualidade. IM & C Internacional, 1984.

Você também pode gostar