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Geralmente se diz que o Novo Testamento é o cumprimento daquilo que Deus prometeu no
Antigo e isso, até certo ponto, é verdade. Temos no NT a concretização de muitas
expectativas do AT e o cumprimento explícito de muitas das suas profecias, especialmente
das que se relacionam com a vinda e o reino do Messias. Mas o Novo Testamento é mais do
simplesmente o cumprimento do Antigo, pois este não se esgota e nem se exclui com
aquele. Eles não se substituem, mas se completam. A mensagem do AT ainda é para os
nossos dias assim como as promessas e realidades tratadas historicamente no NT já podiam
ser, até certo ponto, antecipadas e gozadas no período do AT. Ambos os Testamentos são
parte daquela revelação que começou a ser dada pelos profetas e que foi confirmada e
culminou com o verdadeiro Profeta, do qual os outros eram mensageiros e figura, Jesus
Cristo, conforme nos ensina Hb 1:1.
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Professor em tempo parcial no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Bacharelado em
Teologia: Seminário Presbiteriano Conservador 1963); Bacharelado em Direito: Faculdade de Direito de
Bauru (1969); Mestrado em Divindade: Faith Theological Seminary (1972); Mestrado em Teologia (AT):
Faith Theological Seminary (1974); Licenciatura em Letras: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; "Prof.
José A.Vieira" (Machado -MG) (1981); Mestrado em Teologia (NT): Seminário Presbiteriano "Rev. José
Manoel da Conceição" (1984). É membro do corpo editorial de Fides Reformata.
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Nem todas as profecias e promessas do AT foram cumpridas no NT, da mesma forma como
não temos no NT apenas cumprimentos, mas outras profecias e promessas, bem como o
desenvolvimento e o clímax da revelação que já fora dada anteriormente (AT). Ambos são
parte da revelação do pacto que Deus estabeleceu com o homem, e completam essa
revelação. Um não é mais importante do que o outro e nenhum estaria completo por si só.
Se queremos entender a revelação de Deus, em sentido amplo e adequado, não podemos
valorizar um em detrimento do outro. É conhecida a expressão que "o NT está latente no
AT assim como o AT está patente no NT". Ela é verdadeira, mas poder levar alguém a supor
que, uma vez tendo o NT, já não precisa do AT . É melhor dizer que a revelação iniciada no
AT é continuada, expandida e completada no NT. Você precisa dos dois para ter toda a
revelação.
A Bíblia usa o termo "nova aliança", tanto no AT (Jr 31:31) como no NT (Mt 26:28; 1Co
11:25; Hb 8:8,13; 9:15; 12:24). Em Hebreus, a expressão é uma referência à aliança ou
administração do pacto que, com a vinda de Cristo, substituiu o sistema antigo de culto
estabelecido na aliança mosaica (leis cerimoniais). É o que chamamos de Novo Pacto ou
Nova Aliança. O termo grego usado para qualificar a aliança como "nova", em todo o NT
(exceto em Hb12:24), assim como na Septuaginta, kaine, é o que transmite a idéia de "algo
renovado" ou "restaurado" e não necessariamente no sentido de "algo inédito", ou
"inexistente anteriormente". Ela é "nova" em relação à velha. É "renovada", tornada melhor
e superior. Este é o sentido de kaine, no uso com diatheke nessas passagens.
e os Profetas (Mt 7:12) ou ainda a Lei, os Profetas e os Salmos (Lc 24:44) e os outros
escritos dos apóstolos e de outros sob sua autoridade, que eram igualmente considerados
sagrados e autoritativos (parte do Cânon). Um uso que já prevalecia forneceu os nomes
adequados. O termo A Nova Aliança, usado por Jesus e os apóstolos para referir-se à
promessa de Jeremias 31:31, que se cumpriu com a vinda do Messias, sugeriu naturalmente
a aplicação da frase A Antiga Aliança.
Essa expressão já tinha sido usada até mesmo por Paulo (2Co 3:14), embora talvez não se
referindo a todo o conjunto de livros sagrados dos judeus, mas, pelo menos, a uma parte
dele. Foi assim que surgiu na Igreja Grega o uso das expressões A Antiga Aliança (e palaia
diatheke) e A Nova Aliança (e kaine diatheke) para designar os escritos sagrados dos judeus
e dos cristãos, respectivamente. Na Igreja Latina prevaleceu o uso de Velho e Novo
Testamento (Vetus et Novum Testamentum). A razão disso é porque a palavra latina
equivalente para o sentido primário de diatheke (no grego literário) é testamentum e não
foedus ou
pactum, como seria mais adequado, para o sentido bíblico do termo.
Os livros do NT, que contêm esses diferentes gêneros literários, são geralmente agrupados
em quatro categorias: Evangelhos (4), História (1), Epístolas (21) e Revelação ou Profecia
(1). As Epístolas costumam ser divididas em Paulinas e Gerais. O livro de Atos deve ser
melhor classificado como história teológica, pois seu objetivo principal não é histórico, mas
teológico.
Esses livros estão arranjados em ordem lógica, e não cronológica. O arranjo começa com os
Evangelhos, que narram os atos e ensinos de Jesus durante seu ministério terreno, passa
para o livro de Atos, que narra a continuidade desses atos e ensinos através dos apóstolos, à
medida em que se expande o Cristianismo de Jerusalém para o mundo gentílico, continua
com as Epístolas, que desenvolvem as doutrinas da Igreja e as normas de sua conduta e
organização, para terminar com a visão do triunfo final de Cristo em sua segunda vinda, no
livro de Apocalipse.
Profecia
Mateus Atos Romanos Hebreus Apocalipse
Marcos 1Coríntios Tiago
Lucas 2Coríntios 1Pedro
João Gálatas 2Pedro
Efésios 1João
Filipenses 2João
Colossenses 3João
1Tessalonicenses Judas
2Tessalonicenses
1Timóteo
2Timóteo
Tito
Filemon
Uma outra classificação pode ser feita de acordo com os dados históricos de cada livro:
Nota: A maioria dessas datas, assim como muitos desses locais de escrita e destinatários,
são matéria de discussão entre os estudiosos, não havendo, em muitos casos, qualquer
condição de definir tais dados. São suposições apenas, a partir de inferências tiradas do
conteúdo dos livros ou de outras evidências externas.
Um terceiro quadro ainda pode ser traçado de acordo com a classificação doutrinária ou
teológica dos livros:
Classificação teológica:
implicações
1Coríntios Soteriologia e Eclesiologia Questões sobre o comportamento do cristão
2Coríntios Eclesiologia Paulo e o ministério apostólico
Gálatas Soteriologia A justificação pela fé e a liberdade cristã
Efésios Cristologia e Eclesiologia Cristo como o cabeça da Igreja e suas
implicações
Filipenses Cristologia e Eclesiologia Alegria e unidade em Cristo
Colossenses Cristologia e Soteriologia A supremacia de Cristo e a suficiência nele.
1Tessalonicenses Escatologia e Soteriologia Ensinos acerca da 2ª vinda de Cristo e suas
implicações
2Tessalonicenses Escatologia e Soteriologia Complementação dos ensinos anteriores
sobre a 2ª vinda de Cristo
1Timóteo Eclesiologia e Soteriologia Cuidados do líder na organização da Igreja
e na conduta pessoal
2Timóteo Eclesiologia Palavras e instruções finais de Paulo a
Timóteo
Tito Eclesiologia e Soteriologia Instruções sobre a organização da Igreja, a
sã doutrina e a conduta cristã
Filemon Carta pessoal Paulo intercede por um irmão em Cristo
junto a outro
Hebreus Cristologia e Soteriologia A superioridade de Cristo e da nova aliança
sobre os mediadores e a aliança antiga
Tiago Soteriologia As boas obras como demonstração da fé
verdadeira
1Pedro Soteriologia e Escatologia Conduta e alegria do crente diante de um
mundo hostil e da esperança futura
2Pedro Soteriologia e Escatologia A conduta cristã, a autoridades das
Escrituras, os falsos mestres e a vinda de
Cristo
1João Soteriologia e Cristologia A relação entre a doutrina genuína e a fé
genuína, que se expressa em amor e
confiança
2João Soteriologia Exortação ao amor fraternal e advertência
contra o falso ensino
3João Carta pessoal Agradecimento e recomendações a Gaio, a
quem o autor recomenda Demétrio e
lamenta o comportamento de Diótefres
Judas Escatologia Advertência sobre os falsos mestres e seu
juízo na vinda de Cristo
Apocalipse Escatologia Conforto e encorajamento para a Igreja
diante das tribulações e seu futuro glorioso
com a vitória final de Cristo sobre seus
inimigos
Notas: 1ª) Os livros do NT não são obras de um tema só. Por isso, não é fácil e, às vezes,
nem é possível, classificá-los numa só categoria teológica, nem definir um assunto
principal; contudo, as informações dadas acima são as que, ao nosso ver, mais se
aproximam de tal classificação.
Implicações Práticas
Uma visão global dos livros do NT, assim como dos de toda a Bíblia, é fundamental para se
compreender a sua mensagem e o propósito de Deus ao nos dar a sua revelação. Eles não
são peças isoladas que alguém aleatoriamente colecionou, mas partes de um conjunto
harmônico e completo. Cada livro tem a sua parcela de contribuição para o todo que Deus
quis que conhecêssemos. Não seria suficiente conhecer os evangelhos sem as epístolas,
assim como estas não teriam sentido sem aqueles e sem o livro de Atos, onde temos a
narrativa dos fatos históricos da vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, do
Pentecostes, da pregação dos apóstolos e da expansão da Igreja. Ouve-se dizer que em
textos como João 3:16 ou Romanos 1:16 (preciosíssimos, sem dúvida) já temos todo o
evangelho de Deus. Não é verdade. O evangelho de Deus está apresentado em 66 livros,
todos igualmente importantes e necessários para conhecermos aquilo que Deus intencionou
revelar-nos. Nada mais e nada menos. Como disse Calvino: “Pois a Escritura é a escola do
Espírito Santo na qual, assim como nada proveitoso e necessário de se conhecer foi
omitido, também nada é ensinado além do que é preciso saber” (Institutas, 3.21.3.).
Introdução
Chama-se Período Intertestamentário ou Interbíblico o espaço de quatrocentos anos (ou
pouco mais) decorridos desde a profecia de Malaquias até a vinda de Cristo. É também
conhecido como o período do silêncio, pois nenhuma profecia divina foi dada nele até que
viesse João Batista. Os livros de Macabeus (apócrifos) e os escritos de Josefo, historiador
do 1º século da era cristã, são as principais fontes de informação sobre esse período. A
profecia de Daniel anunciou alguns dos acontecimentos que tiveram lugar nessa época. Ele
viveu durante a ascensão da Babilônia como potência mundial e viu esse reino sucumbir e
ser substituído pelo dos medo-persas. Sua última visão deu-se no terceiro ano de Ciro, rei
da Pérsia (Dn 10:1). Nessa visão, foi-lhe anunciado que três reis governariam a Pérsia
(Cambises, Pseudo-Smerdis e Dario) antes que um quarto rei (Xerxes) gastasse todos os
seus recursos combatendo os gregos (Dn 11:2). Depois viriam as eras de Alexandre, dos
Ptolomeus do Egito, dos Selêucidas da Síria, dos Macabeus e finalmente dos Romanos, que
são os dominadores que encontramos no período do Novo Testamento. Um pouco do que
aconteceu nesses quatrocentos anos vai nos ajudar a conhecer melhor a história dos judeus
e a entender o contexto em que os encontramos nos dias de Cristo. Ainda que não nos seja
possível guardar todos os detalhes dessa história, vale a pena conhecê-la.
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C. O Período sob o Domínio Egípcio (323- 204 a.C. - a era dos Ptolomeus)
Depois da morte de Alexandre em 323, na Babilônia (com apenas 32 anos), quatro de seus
generais dividiram o Império e estabeleceram suas próprias dinastias. Dois deles são
relevantes para o nosso estudo por terem se envolvido no governo da Palestina. Foram
Ptolomeu I (Sóter) e Seleuco I. Formaram, então, a dinastia dos Ptolomeus, no norte da
África (Egito - Alexandria) e a dos Selêucidas, na Grécia e no oeste da Ásia (Síria -
Antioquia). Dois impérios opostos.
A Palestina esteve debaixo dos Ptolomeus até 204 a.C. (ou 198, conforme alguns). No
início Ptolomeu I (Sóter) foi rigoroso para com os judeus, mas mais tarde tratou-os com
brandura, chegando a empregar alguns deles em altos postos do seu governo. Seu sucessor,
Ptolomeu Filadelfo, foi amigo dos judeus e foi durante o seu governo que as Escrituras do
AT foram traduzidas para o grego (LXX) em Alexandria. Com o tempo, a rivalidade entre
os reis do Egito (Ptolomeus) e os reis da Síria (Selêucidas) foi se agravando até atingir o
clímax nos reinados de Ptolomeu Filópater (222-204 a.C.) e de Antíoco III, chamado o
Grande, da Síria (223-187 a.C.). Antíoco III fez várias incursões vitoriosas em territórios
egípcios, mas foi derrotado, numa batalha em Ráfia, perto de Gaza (217 a.C.), e obrigado a
voltar para Antioquia. Depois de vencer a Antíoco, Ptolomeu Filópater começou a fazer
oposição também aos judeus, que lhe faziam oposição, retirando privilégios e perseguindo-
os. Quando morreu em 204 a.C., sucedeu-o seu filho Ptolomeu Epifânio, de apenas cinco
anos de idade. Antíoco o Grande, da Síria, aproveitou a ocasião para assumir o controle da
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Palestina, tirando-a das mãos dos egípcios. Assim os judeus, mais uma vez, passaram para
outra dominação – a dos selêucidas.
Tendo Antíoco Epifânio ido ao Egito para tentar anexá-lo ao seu domínio (170 a.C.), correu
um boato de que ele fora morto, o que foi motivo de grande comemoração pelos judeus. Foi
nessa ocasião que Jasão, que estava foragido, tentou reconquistar o seu posto, invadindo
Jerusalém, combatendo os seus próprios concidadãos, mas não sendo bem sucedido.
Tomando conhecimento do fato, Epifânio veio a Jerusalém, tomou a cidade e massacrou
quarenta mil judeus. Profanou o templo, entrando no Santo dos Santos, sacrificando uma
porca no altar e aspergindo o sangue sobre o edifício. Grande parte destes acontecimentos
está registrada em 2 Macabeus 5:1-16. O templo foi declarado de Zeus, deus do Olimpo, e
o culto e os sacrifícios judaicos foram proibidos, sendo substituídos pelos rituais pagãos. A
circuncisão foi proibida, assim como a leitura da Torah. Cópias da Torah foram confiscadas
e queimadas e os seus possuidores executados.
com um número cada vez maior de adeptos. Depois da morte de Matatias, pouco tempo
depois, assumiu a resistência seu filho Judas, alcunhado Macabeu. Os sírios tentaram, por
três vezes, reprimir o levante, mas sem êxito. Na primeira das investidas os judeus levaram
a pior, mas depois Judas derrotou duas vezes os sírios e os expulsou de Jerusalém.
O templo foi purificado e construído um novo altar. Uma festa foi estabelecida para
comemorar o acontecimento. Judas Macabeus conquistou as terras a leste do Jordão e
conseguiu a independência da Palestina. Depois da morte de Antíoco Epifânio, pouco
depois da derrota dos sírios, a guerra foi continuada pelo seu sucessor, Antíoco V. Judas
pediu ajuda a Roma, mas morreu em combate antes que a ajuda chegasse, e foi sucedido
por seu irmão Jônatas. Jônatas também morreu assassinado e foi sucedido por Simão, seu
irmão, que também buscou socorro em Roma.
As hostilidades com a Síria continuaram até 142 a.C., quando Simão foi reconhecido por
Demétrio II (da Síria) como aliado, o qual lhe deu liberdade política e isenção de todos os
impostos Os judeus ganharam, então, a sua independência e cessaram as batalhas dos
Macabeus. Simão unificou a Judéia e foi declarado pelos judeus e seus sacerdotes "o seu
chefe" (o governador político e civil da Palestina), como também "sumo-sacerdote para
sempre, até que surgisse um profeta fiel" (1 Mc 14:41). É possível que nesta ocasião um
grupo de hasidims (fariseus ou saduceus) tenha se retirado em protesto contra Simão, que
não era zadoquita (de linhagem sacerdotal), para os desertos. Foram estes, provavelmente,
os fundadores da seita dos essênios.
As lutas que os judeus enfrentaram neste período, superior a cem anos, foram mais de
caráter interno. Disputas de poder levaram ao assassinato traiçoeiro de Simão e de dois de
seus filhos por Ptolomeu, seu genro, em 135 a.C. João Hircano (135-104 a.C.), filho
sobrevivente de Simão, apoderou-se de Jerusalém e não deixou que Ptolomeu a tomasse.
Os judeus, porém , não puderam resistir a Antíoco VII, da Síria, que tinha sitiado
Jerusalém, e viram-se por um tempo forçados a pagar tributos à Síria. Com a morte deste, a
Síria foi mergulhada em guerra civil pelos pretendentes do trono e João Hircano aproveitou
a oportunidade para libertar a Judéia e inclusive aumentar os seus territórios, conquistando
a Iduméia, ao sul, os Samaritanos, ao norte, Medeba e outras cidades vizinhas, a leste do
Jordão. Tornou-se sumo-sacerdote e governador, fundando a dinastia asmonéia.
Vários conflitos internos se seguiram em disputa pelo poder, depois da morte de Hircano,
com Judá Aristóbulo (Aristóbulo I-104), Alexandre Janeu (103-76), Alexandra (76-67),
Hircano II (67) e Aristóbulo II (66-63) sucedendo-se no trono até que os romanos (sob o
comandado de Pompeu), percebendo o caos em que se encontravam a Palestina e a Síria,
atacaram Jerusalém e a colocaram sob o governador da Síria, também já subordinado a
Roma, em 63 a.C.
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Os romanos preferiram Hircano II a Aristóbulo II, e tornaram a nomeá-lo líder civil e sumo-
sacerdote, levando Aristóbulo II e sua família cativos para Roma. Os essênios viam os
Romanos como os Quitim, que foram usados por Deus para castigar os asmoneus por
haverem usurpado o sumo-sacerdócio. Hircano II ajudou a Júlio César na guerra civil entre
este e Pompeu, em 49 a.C. e recebeu como recompensa a nomeação como chefe principal
da nação judaica. Antípatro, da Iduméia, foi nomeado procurador sob as ordens de Hircano
(espécie de ministro) e recebeu a cidadania romana. Antípatro foi o que hoje chamamos de
"eminência parda" (o poder atrás do trono). Conseguiu de César a nomeação de seu filho
Fasael (ou Faselo) como governador da Judéia e de outro seu filho, Herodes, como
governador da Galiléia. Começou ai a dinastia herodiana. Antípatro foi envenenado no ano
seguinte e três anos mais tarde Júlio César foi assassinado em Roma.
Um novo triunvirato formado por Otávio (sobrinho de César), Marco Antônio e Lépido (o
primeiro fora formado por Pompeu, Crasso e Júlio César, antes de Júlio César ser o
imperador único) passou a governar Roma. Marco Antônio governava a Síria e o Oriente e
favoreceu muito a Herodes, levando essa família iduméia à ascensão ao poder. Herodes e
seu irmão, Fasael, foram nomeados por Marco Antônio governadores da Judéia. Herodes
conseguiu manter-se no poder em meio às constantes mudanças decorrentes das guerras
civis romanas. Sempre conseguia as graças do partido vitorioso. Casou-se com Mariana I,
neta de Hircano e, assim, tornou-se membro da família macabéia.
Implicações Práticas
A falta de novas revelações nesse período estudado e até quase quarenta anos mais tarde,
quando nasceram João Batista e Jesus, não significou que Deus estivesse inativo ou
esquecido do seu povo. O silêncio de Deus não significa ausência ou abandono. A
providência do Deus soberano estava supervisionando todos os acontecimentos e levando-
os ao cumprimento dos seus propósitos que, mais tarde, ficaram claros. O povo tinha
revelação, sim! Toda a revelação dada anteriormente, pela qual deveria guiar os seus
caminhos e confiar no soberano Senhor. Muito do que aconteceu nesse período tinha sido
profetizado por Daniel, como descrito no capítulo 11 do seu livro, particularmente a
profanação do templo por Antíoco Epifânio (vv. 30-31). Na visão de Daniel, o reino de
Deus triunfaria sobre as forças inimigas. O futuro seria de sofrimento para os judeus, por
algum tempo (Dn 11:40-45), mas no final o povo de Deus haveria de triunfar (Dn 12:1-3).
Sabemos que não é fácil confiar quando Deus parece estar silente e as coisas não vão bem.
É aí que a fé é testada. Queremos "coisa palpável", "audível", "revelação atual", ainda que
seja para confirmar a antiga. Isso é falta de fé. Se Deus julgou suficiente a revelação que
deu ao seu povo naquele período, quando ainda somente a primeira parte dela havia sido
dada (AT), quanto mais devemos dar-nos por satisfeitos com toda a revelação que temos
hoje (completa para o que precisamos saber) e confiar no Deus soberano que nos tem dado
"grandes e preciosas promessas" e que, "nestes últimos dias", falou-nos pelo seu próprio
Filho. Ainda que tenha sido há dois mil anos atrás! A obra de Deus no nosso meio e em nós
mostra que ele está presente e atuando.
1. J. I. Packer, Merrill C. Tenney & William White Jr., O Mundo do Antigo Testamento,
Editora Vida, 4ª edição, 1996, pp. 167-185.
2. J. I. Packer, Merrill C. Tenney & William White Jr., O Mundo do Novo Testamento,
Editora Vida, 4ª edição, 1996, pp. 7-57.
3. Merrill C. Tenney, O Novo Testamento: Sua Origem e Análise, Edições Vida Nova. 3ª
edição, 1995, pp. 43-62.
4. Reicke, Bo, História do Tempo do Novo Testamento, Paulus, 1996, pp. 1-126.
Introdução:
Na aula anterior estudamos o contexto histórico e político da Palestina sob os domínios
persa, grego, egípcio e sírio, até alcançar sua liberdade temporária e voltar mais uma vez à
sujeição estrangeira, agora sob Roma. Os irmãos macabeus não foram os libertadores
definitivos nem o seu messias. Ainda muita aflição estava reservada para o povo judeu até
que viesse o seu verdadeiro libertador; não político, como esperavam, mas espiritual. É o
que veremos nesta aula.
1. Herodes o Grande
Vimos que a dinastia herodiana começou com Antípatro, pai de Herodes. Seu reinado durou
30 anos. Herodes vivia sempre sob o medo de que um descendente dos macabeus pudesse
tomar-lhe o trono. Nessa desconfiança mandou afogar seu cunhado Aristóbulo III, irmão de
Mariana, que ele tinha nomeado sumo-sacerdote e que passou a gozar de grande
popularidade, pouco antes do banquete que iria dar em honra dele (Aristóbulo) em Jericó, e
enquanto este tomava banho (o banquete foi cancelado, naturalmente). Herodes não podia
ser sumo-sacerdote por ser idumeu. Também mandou executar seu tio José, sua própria
esposa Mariana I, que o acusou do assassinato do seu avô Hircano, e também sua sogra
Alexandra, que conspirou contra ele, depois que ficou enfermo. Mais tarde executou
também dois filhos que tivera com Mariana I e mais tarde ainda, a Antípatro, filho de sua
segunda esposa, também chamada de Mariana II. Augusto, a quem Herodes pediu
permissão para executar Antípatro, disse, num trocadilho da língua grega, que "preferiria
ser porco de Herodes do que seu filho" (hys = porco; hyios = filho, em grego).
Herodes era um hábil administrador. Construiu muitos edifícios públicos, dentre os quais se
destaca a reconstrução do templo, com grande esplendor (Mc 11:27). Fez muitos benefícios
ao povo. Mesmo assim era odiado por este, tanto por ter sangue idumeu (e ser visto como
estrangeiro) como por sua crueldade, e por sustentar cultos pagãos com suas ofertas. Não
vivia como um judeu piedoso, antes usava a religião, e principalmente o sacerdócio, para
fins políticos.
No final de sua vida Herodes viveu atormentado pelo remorso e, muito enfermo, morreu em
abril de 4 a.C. Foi ele quem mandou matar todos os meninos de Belém menores de dois
anos, quando do nascimento de Jesus (Mt 2:16), maldade essa que, para o seu currículo,
nem mereceu registro fora da Bíblia. O clima de suspeita em que viveu, eliminando quem
pudesse representar uma ameaça ao seu trono, está perfeitamente de acordo com a narrativa
bíblica (Mt 2:1-18).
2. Os sucessores de Herodes
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Com a morte de Herodes, dois de seus filhos reivindicaram seu trono. Arquelau, filho de
Maltace, a quem Herodes queria como seu sucessor, conforme seu último testamento, e
Antipas, também filho de Maltace, que também tinha sido designado sucessor num segundo
testamento. Ambos foram a Roma reivindicar o posto. Os judeus não queriam ninguém da
família de Herodes no trono e enviaram uma embaixada a Roma reivindicando a sua
autonomia. Filipe, filho de Herodes com Cleópatra (não a do Egito), defendia as pretensões
de Arquelau. Mas Augusto acabou confirmando os três filhos de Herodes no reino,
dividindo-o em três partes: Arquelau ficou com a Judéia, Samaria e Iduméia, com o título
de etnarca; Antipas ficou como tetrarca da Galiléia e da Peréia; e Filipe como tetrarca da
Betanéia, Traconitis e Aurinitis, ao norte do mar da Galiléia e a leste do Jordão.
Arquelau governou a Judéia apenas de 4 a.C. a 6 d.C. Foi o menos estimado dos filhos de
Herodes, por sua crueldade. Herdou o caráter de seu pai quanto a suspeitas e vinganças. Em
Mt 2:22 há uma referência incidental a essa crueldade. As queixas dos judeus contra ele o
levaram ao exílio. Depois do seu exílio, sua tetrarquia (Judéia, Samaria e Iduméia) foi
governada por procuradores romanos (6-41 d.C.). Um desses procuradores foi Pôncio
Pilatos, conhecido por ter presidido o julgamento de Jesus (Lc 23:1-7, etc.)
Herodes Antipas governou de 4.C. a 39 d.C. Foi hábil e menos brutal, mas orgulhoso e
astuto. É o mais proeminente nos Evangelhos. Mandou matar João Batista, que denunciara
seu casamento com Herodias, filha do seu meio- irmão Aristóbulo e ex-esposa de outro seu
meio-irmão Herodes Filipe I (Mt 14:3; Mc 6:17; Lc 3:19 - não confundir este Filipe com o
tetrarca Filipe, já mencionado). Jesus se referiu a ele como "aquela raposa" (Lc 13:32) e foi
perante ele que Jesus foi julgado (Lc 23:7-12). Construiu Tiberíades, junto ao Lago da
Galiléia, como nova capital. Favorecido por Tibério (14-37 d.C.), foi depois exilado por
Calígula (37- 41 d.C.) em 39 d.C., que nomeou Agripa I, irmão de Herodias e filho de
Aristóbulo, rei desse território.
Filipe governou de 4 a.C. a 34 d.C. Ele só é mencionado em Lc 3:1. Parece ter sido
governador benevolente. Cesaréia recebeu o seu nome (Cesaréia de Filipe - Mt 16:13; Mc
8:27). Quando morreu em 34 d.C., sua tetrarquia foi colocada sob a administração romana
da Síria e mais tarde, em 37 a.D., anexada ao território de Herodes Agripa I, seu sobrinho,
por Calígula.
Herodes Agripa I, irmão de Herodias, era filho de Aristóbulo e de sua prima Berenice, filha
de Salomé, irmã de Herodes o Grande. Era amigo dos judeus e com sua influência junto a
Calígula impediu que este erigisse uma estátua do imperador (Calígula) no templo de
Jerusalém, evitando assim uma revolta dos judeus. Quando Calígula foi assassinado em 41
d.C., Agripa I, que estava em Roma, apoiou a sucessão de Cláudio, o que lhe valeu não
somente a sua confirmação no reino que Calígula lhe tinha dado como também o acréscimo
da Judéia, Samaria e Iduméia a este reino. Tornou-se, desta forma, em 41 d.C., rei de toda a
Palestina; isto é, de todo o território em que reinou Herodes o Grande.
Herodes Agripa I teve quatro filhos: três mulheres e um homem. A filha mais velha era
Berenice, famosa pela vida incestuosa que viveu, primeiro casando-se com seu próprio tio,
Herodes, rei de Cálcis, e depois da morte deste, ajuntando-se a seu próprio irmão, Agripa II.
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Ela é mencionada em At 25:13,23 e 26:30. Outra filha de Agripa I, a mais nova, foi Drusila,
que casou-se com Félix, governador romano da Judéia. É mencionada em At 24:24.
Agripa I era estimado pelo povo, especialmente pelos fariseus, pela sua observância à Lei,
por ser de família asmonéia (macabéia) e também por ser hostil aos cristãos. Foi ele quem
mandou executar Tiago, filho de Zebedeu e prendeu a Pedro. Morreu repentinamente (Atos
12:20-23; de enfermidade intestinal, conforme Josefo, Antiguidades, XVIII, vi,7) em 44
d.C. e seu reino voltou a ser governado por procuradores. Sua perseguição aos apóstolos e
sua morte estão narradas em At 12:1-24.
Herodes Agripa II era o único filho homem de Agripa I. Estava em Roma quando seu pai
morreu. Em 50 d.C., quando seu tio Herodes de Cálcis morreu, foi eleito rei de Cálcis, com
direito a nomear o sumo-sacerdote do templo em Jerusalém. Em 53 d.C. deixou Cálcis e
recebeu as quatro tetrarquias de Filipe e Lisânias. Em 54 d.C., depois da morte de Cláudio,
recebeu de Nero mais algumas partes da Galiléia e da Peréia.
Quando Festo se tornou governador da Judéia, Agripa II veio a Cesaréia, com Berenice, sua
irmã e consorte, para fazer-lhe uma visita. Acabou sendo conselheiro de Festo no caso do
julgamento de Paulo, narrado em At 25:13-14,22-23; 26:1,32. Agripa II, embora
descendente dos asmoneus, não era um judeu de convicção. Na revolução de 66 d.C.
colocou-se ao lado dos romanos. Foi leal a Vespasiano e apoiou a Tito na vitória sobre o seu
próprio povo. Sua lealdade a Tito valeu-lhe o alargamento do seu reino. Morreu em 100
d.C.
3. Os governadores romanos
No período do NT alguns governadores ou procuradores romanos tiveram participação
direta no desenvolvimento da história judaica, que resultou em levantes ou revoluções.
Dentre estes destacamos: Fadus (44-46 d.C.), que provocou um breve levante por tentar
reaver a custódia das vestes dos sumos sacerdotes (indicação de sacerdotes) que estivera
nas mãos dos judeus de 36 d.C. até o seu tempo. Antes, de 6 a 36 d.C. estivera nas mãos dos
romanos; Alexandre (46-48 d.C.) que crucificou os dois filhos de Judas, o galileu, Tiago e
Simão, por rebelião; Cumanus (48-52 d.C., que governou com vários conflitos e entreveros
com os judeus; Félix (52-60 d.C.), que conseguiu ser ainda mais hostil aos judeus e levantar
maior oposição da parte destes. Tentou reprimir os zelotes (judeus patriotas favoráveis à
guerra contra os romanos) mas acabou tornando o grupo mais popular. A Bíblia fala dele
em At 23:26; 24:1-2, 22-27. Foi ele quem ficou amedrontado com o discurso de Paulo
sobre a justiça, o domínio próprio e o juízo vindouro (At 24:25); Festo (64-66 d.C.), que já
herdou o governo em situação insustentável, embora tentasse uma pacificação. Morreu
durante o seu mandato, deixando Jerusalém em completa anarquia; Albino (62-64 d.C.)
que, ao invés de pacificar a cidade agravou deliberadamente o problema com medidas
injustas e aceitação de subornos; e, finalmente, Floro (64-66 d.C.), que saqueava cidades
inteiras (saqueou os tesouros do templo) e cobrava "pedágio" dos ladrões para que
livremente pudessem exercer a sua "profissão". Assim Jerusalém mergulhou no caos.
Existe uma tradição de que os cristãos da Judéia foram avisados através de uma profecia de
que deveriam fugir para os montes, e assim, muitos deles escaparam do massacre. Os
essênios de Qumran, no Mar Morto, não tiveram a mesma sorte. Pressentindo o desastre,
conseguiram em tempo esconder nas cavernas seus preciosos manuscritos, mas não
conseguiram preservar suas vidas.
Flávio Josefo registrou em sua obra História dos Judeus os horrores da tomada de
Jerusalém. Eles foram tão intensos que muitos estudiosos, através dos séculos, têm
identificado ali a "grande tribulação". A maioria dos documentos do Novo Testamento foi
escrita antes deste evento histórico. Para os cristãos primitivos, a desgraça que sobreveio
aos judeus era o castigo divino pela rejeição do Messias, conforme profecias do Senhor
Jesus, cf. Mt 23.37-39; 24.1-2; 24.15-22; Lc 21.20-22; 1 Ts 2.14-16.
Em Masada, os zelotes conseguiram resistir até 73 d.C. Quando viram que seriam
derrotados, mais de mil deles se suicidaram, para não ser capturados pelos romanos. Como
resultado da revolta, milhares de judeus foram presos e vendidos como escravos, e assim
espalhados por todo o Império Romano. Os últimos vestígios da autonomia nacional foram
apagados.
Pouco depois, os líderes fariseus, que a esta altura passaram a ser conhecidos como rabis
("meu mestre", em hebraico), reuniram o que restou do povo para uma nova empreitada, a
de reconstruir a vida social e religiosa dos judeus. Usando a sinagoga como centro de
adoração e educação religiosa e social, os fariseus adaptaram as práticas religiosas às novas
circunstâncias. Por exemplo, os sacrifícios de animais no templo foram substituídos pelo
estudo diligente da Lei. Na teologia rabínica, o estudo da Torah equivalia aos melhores
sacrifícios.
O Sinédrio foi reorganizado na cidade de Jâmnia (ou Jabne), no ano 90 d.C. A liderança do
Sinédrio foi reconhecida por Roma, e os seus membros receberam o título de patriarcas.
Nesta época, o Cânon do Velho Testamento foi validado com o reconhecimento dos
mesmos livros já antes aceitos como canônicos e a rejeição dos que já eram rejeitados. Os
judeus da Diáspora aceitaram a autoridade deste novo Sinédrio em questões legais relativas
à Lei de Moisés. Alguns rabinos conhecidos deste período são Jonatan ben Zakkai,
Gamaliel de Jabne, e Akiba ben José.
também foi reprimida pelos romanos após 3 anos de combates encarniçados. Após a derrota
dos revoltosos, o Império Romano decretou que as práticas e costumes judaicos eram
crimes passíveis de morte (circuncisão, calendário religioso e leis dietéticas), e os judeus
foram banidos de Jerusalém. Israel deixou de ser nação, até a sua reorganização em 1948.
a Éfeso
Escritas 1 e 2Coríntios 54-57
Paulo viaja para Corinto; Escrita a carta aos 57
Romanos; Escrita a Carta aos Gálatas
Prisão de Paulo 58
Escrito o Evangelho de Lucas 58-63
Escrita a Epístola de Judas 60-66
Paulo enviado a Roma 60 Festo sucede a Félix
Paulo chega a Roma 61
Escritas as cartas a Filemon, aos Colossenses, 62 Albino sucede a Festo
aos Efésios e aos Filipenses
Paulo liberto da prisão em Roma; Escrito o 63
livro de Atos Visita de Paulo a Filipos (e Ásia
Menor?)
Visita de Paulo à Espanha (?) Escrita a 64 Floro sucede a Albino
Primeira Carta de Pedro
Volta de Paulo à Ásia Menor; Escrita a 66
Segunda Carta de Pedro
Viagem de Paulo à Macedônia; Escrita 67
1Timóteo; Visita de Paulo a Creta; Escrita a
carta a Tito
Segunda prisão de Paulo; Escrita 2Timóteo; 68 Morte de Nero
Martírio de Paulo; Escrita a Epístola aos
Hebreus
70 Destruição de Jerusalém e do Templo pelos
romanos; Dispersão dos judeus por todo o
Império romano
Escrito o Evangelho de Mateus 75
Escrita a Primeira Carta de João 85-90
Escrito o Evangelho de João 90-100
Escrito o Apocalipse; Escrita a Segunda Carta 96
de João
Escrita a Terceira Carta de João 97
Implicações Práticas
É importante notar que nenhum desses acontecimentos foi por acaso. Assim como Daniel
predisse as aflições do período anterior à vinda do Messias, o próprio Jesus, em seu
ministério, anunciou o que aconteceria aos judeus, a Jerusalém e ao Templo, no seu futuro
próximo (Mt 23.37-39; 24.1-2; 24.15-22; Lc 21.20-22). E a causa ou razão de tudo isso
também foi anunciada: a incredulidade. Os acontecimentos da história fazem parte do plano
soberano de Deus e servem aos seus propósitos. Punição e disciplina são alguns desses
propósitos. As palavras de Paulo em 1 Ts 2.14-16 são uma boa explicação. Que isto sirva de
alerta para todos os homens, em todos os tempos! Deus não só dirige a história. Ele a
interpreta para nós, em sua Palavra.
Bibliografia:
Para leituras complementares (não obrigatórias) sobre esse período recomendamos as
seguintes obras:
20
Merrill C. Tenney, O Novo Testamento: Sua Origem e Análise, Edições Vida Nova. 3ª
edicão,1995, pp. 60-76.
Reicke, Bo, História do Tempo do Novo Testamento, Paulus, 1996, pp. 126-162.
Introdução:
Várias passagens no Novo Testamento indicam a presença do Império Romano: Mc 12.13-
17; Jo 18.28-19.16; At 18.12-17; 22.23-29 e Rm 13.1-7, por exemplo. Como vimos na aula
2, a Palestina estava sob o domínio de Roma desde 63. a.C., quando Pompeu a colocou sob
o governador da Síria, que também já estava subordinada a Roma. O Império Romano foi
fundamental para formar o ambiente propício para a vinda de Cristo e a expansão do
Evangelho
Otávio (Otaviano - sobrinho de César e seu filho adotivo) tornou-se imperador e governante
único de todo o reino, depois de vencer Marco Antônio e Cleópatra na batalha de Ácio, em
31 a.C. e é a partir daí que se considera estabelecido o Império Romano, com a queda do
último dos reinos helênicos, o Egito, e a unificação de todo o governo sob Roma e sob um
único imperador. Em 27 a.C. Otávio recebeu do Senado o título de Augustus, "divino" ou
"exaltado". O Senado da antiga república tornou-se subserviente à sua vontade. Ele trouxe
paz e prosperidade ao Império Romano, pelo controle de seu exército. Criou a imagem da
era áurea em Roma. Foi durante o seu governo que Jesus nasceu: Lc. 2:1. Augusto morreu
em 14 d.C.
construção de importantes estradas, principalmente como rotas militares mas também úteis
para as atividades comerciais e culturais e relativa (e vigiada) liberdade às nações
conquistadas, às quais era permitido que conservassem sua língua, costumes e religião,
enquanto continuassem leais a Roma.
2. A Língua - Embora a língua do império fosse o latim, o grego era a língua franca, usada
universalmente nas relações comerciais e civis entre as várias nações. Essa foi,
provavelmente, a maior contribuição das conquistas de Alexandre, porque permaneceu após
a queda do seu império. A língua grega, espalhada entre todos os povos conquistados por
Alexandre, tornou-se a língua universal (como o inglês hoje), e possibilitou um maior
intercâmbio cultural e comercial entre os povos. Foi ela que tornou possível a disseminação
rápida do Evangelho e isso explica por que o Novo Testamento, escrito até onde se sabe
apenas por judeus (com exceção de Lucas) foi escrito em grego e não em aramaico (ou
hebraico), sua língua. E não no grego literário da época, mas no grego comum, usado no dia
a dia, conhecido como koine (comum). Roma respeitou esse uso e tirou proveito dele em
todo o império. Até em Roma o grego era conhecido e usado. Paulo escreveu sua carta aos
Romanos em grego e o próprio imperador Marco Aurélio (161-180 d.C.) também escreveu,
mais tarde, sua Meditações em grego. Embora a política e as armas fossem romanas, a
cultura e a língua continuaram gregas. Tudo isso foi essencial para a implantação e o
desenvolvimento do Cristianismo. Deus estava dirigindo a história e preparando o cenário
para a vinda de Cristo e a pregação universal do evangelho, pois foi durante esse período
que os fatos do NT se deram. Sem isto, seria impossível o Cristianismo alastrar-se com a
mesma velocidade.
exército. Exemplos dessas províncias no NT são a Acaia, cuja capital era Corinto e Chipre,
com capital em Pafos. Alguns procônsules dessas províncias são mencionados no NT, como
Sérgio Paulo, procônsul de Chipre (At 13.7) e Gálio, procônsul da Acaia (At 18.12). Os
procônsules são também mencionados, de modo geral, em At 19.38.
Algumas dessas vantagens podem ser vistas sendo exigidas e desfrutadas pelo apóstolo
Paulo, como a isenção de formas degradantes de punição (um cidadão romano não podia
ser açoitado sem sentença formal de condenação, nem crucificado - At 16:35-40; 22:25-
29) ) e o direito de apelar para a corte do imperador para livrar-se de sentenças injustas de
magistrados locais (At 25:11-12). A cidadania romana podia ser adquirida por direito de
nascimento (família) e, em alguns casos, por dinheiro e até como recompensa por
relevantes serviços prestados ao império. O primeiro era o caso de Paulo e o segundo, do
comandante da força em Jerusalém (At 22:27-28).
C. O Império e o Cristianismo
Como vimos, o Império Romano favoreceu indiretamente a chegada e expansão do
Cristianismo de diversos modos, como através da ausência de guerras, unificação do reino,
construção de estradas, tolerância religiosa, concessão de cidadania a não romanos, etc. No
relacionamento direto com o Cristianismo, não houve problemas, pelo menos no início. Ele
era visto como uma extensão ou ramificação do Judaísmo, que era tolerado e aceito.
De acordo com a política romana de trato com os súditos, alguém podia adorar os deuses da
Síria e do Egito, desde que adorasse também os deuses de Roma. O próprio politeísmo da
religião romana favorecia essa tolerância. As muitas religiões do império não eram
mutualmente exclusivas. Claro que esta não era uma posição aceitável para o Cristianismo.
Mas nos primeiros anos, ele desfrutou de privilégios especiais, por estar associado ao
Judaísmo. O Judaísmo era considerado uma nação e não apenas uma religião, e como tal,
tinha suas tradições e práticas respeitadas, inclusive as religiosas. De acordo com a política
de Roma de tratar os povos conquistados e, particularmente no caso dos judeus, devido à
sua intransigência em questões religiosas, era mais fácil e prudente tolerar seu monoteísmo
do que forçá-los a adorar outros deuses. O Cristianismo era visto, a princípio, pelos
23
representantes de Roma, como uma seita judaica a mais (At 18.14-15;; 25.19) Os próprios
judeus no princípio pensavam assim também, que se tratava de mais uma seita, que
chamaram "dos nazarenos" (At 24.5-6,14; 28.22). Isto facilitou a vida dos primeiros
cristãos, especialmente com respeito à questão do culto ao Imperador, do qual os judeus
ficaram isentos na maior parte do tempo.
No princípio Roma não apenas tolerou o Cristianismo (At 18:12-16) como até o defendeu
contra os ataques dos judeus, protegendo pregadores. Foi graças a isto que Paulo, sob a
guarda das legiões romanas, conseguiu escapar das acusações feitas a ele pelos judeus da
Palestina e foi a Roma para ser julgado pelo imperador (At 23:12-31). Só mais tarde,
quando o Cristianismo e o Judaísmo já tinham se tornado distintos e até antagônicos,
vieram as perseguições, especialmente por causa do culto ao imperador, mas, então, já era
tarde. A semente do Cristianismo estava lançada e era impossível arrancá-la ou evitar o seu
crescimento. O Cristianismo já tinha fincado sua posição e estava presente até na corte de
César.
Implicações Práticas
Como vimos nas aulas anteriores, a história do mundo é também a história da providência
de Deus. Mais uma vez vemos o dedo de Deus conduzindo os fatos e preparando o mundo
para o grande advento da vinda do Messias. A época estudada é a que Paulo chamou de
plenitude do tempo: "vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido
de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos" (Gl 4:4-5). Não foi por acaso que Cristo nasceu na era
dourada do Império Romano, quando o reino estava unificado, as estradas possibilitavam as
grandes jornadas com relativa segurança e facilidade, e uma língua universal tornava
acessível a comunicação da mensagem do Cristianismo. Aquela pequena fagulha, que
começou insignificante na longínqua e desprezada Palestina, em pouco tempo incendiava
todo o mundo conhecido da época, chegando ao centro do império. O tempo de cada coisa é
o tempo de Deus. "O coração do homem traça o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os
passos" (Pv 16:9).
Bibliografia:
Para leituras complementares sobre esse assunto recomendamos as seguintes obras:
J. I. Packer, Merrill C. Tenney & William White Jr., O Mundo do Novo Testamento, Editora
Vida, 4ª edição,1996, pp. 66-79.
Reicke, Bo, História do Tempo do Novo Testamento, Paulus, 1996, pp. 251-278.
Introdução:
Nossa compreensão do ambiente do Novo Testamento não será completa sem um estudo,
ainda que resumido, da cultura e das religiões do mundo daquela época. Elas também
servem de pano de fundo para o entendimento das situações vividas no tempo de Cristo e
dos apóstolos e narradas no NT. É o que veremos nesta aula.
A. A língua grega
O grego tornou-se a língua do mundo antigo através dos planos ambiciosos de expansão e
helenização de Filipe da Macedônia, o conquistador da Grécia, e de seu filho Alexandre o
Grande, o conquistador do mundo civilizado, que estendera as fronteiras do seu império até
a Índia.
Quando os romanos tomaram o antigo Império de Alexandre, verificaram que o grego era a
"língua universal", e deixaram que esta continuasse ao lado do latim. O grego continuou a
ser a língua internacional, como o nosso moderno inglês, a qual servia de veículo de
comunicação entre os diferentes povos conquistados. Era a língua do comércio e do
intercâmbio cultural. Alguns povos mantinham seus dialetos tribais antigos (At 2.8-11;
14.11) mas o grego, junto com o latim, era a língua da administração do governo romano
( Jo 19.20). Este fato, como já vimos na aula anterior, trouxe enorme vantagem para o
Cristianismo: não havia barreiras lingüísticas para a missão gentílica, a princípio. E assim,
o Cristianismo cedo tornou-se conhecido em todo o império.
O grego em que foi escrito o NT é chamado de koine, palavra (grega) que quer dizer
"simples" ou "comum". Era o grego simples, falado pelo povo, de vocabulário e sintaxe
mais simples do que o grego ático (clássico) ou mesmo do que o grego literário da época .
Assim, a mensagem do evangelho poderia ser entendida pelo homem comum. Durante
muito tempo se pensou que o grego do NT era peculiar aos textos bíblicos e alguns
chegaram a chamá-lo de "a língua do Espírito Santo". Com a descoberta de documentos
não literários no Egito (chamados de "papiros do Egito"), e o estudos dos mesmos, no
início deste século (XX), ficou comprovada a semelhança entre o grego do texto bíblico e o
falado naquele período em que o NT foi escrito. Há nele influência do pensamento hebraico
(hebraísmos), uma vez que os autores bíblicos eram judeus e pensavam como judeus. Por
ser língua simples, mas de precisão técnica e amplo vocabulário, foi o veículo ideal para
expressar, por escrito, as boas novas do Evangelho.
B. O Paganismo
1. As religiões pagãs
A influência unificadora da Grécia sobre o Império Romano foi sentida não apenas na
língua, mas também na religião e na filosofia. As religiões não gregas (dos povos
conquistados) continuaram a ser praticadas, mas foram freqüentemente helenizadas, isto é,
transformadas sob a influência do espírito grego. Um dos motivos da revolta dos Macabeus,
no passado, como vimos anteriormente (aula 2), foi a tentativa de helenização da Judéia,
que consistia na implantação da língua, das artes, da filosofia e da religião gregas.
25
Os deuses gregos eram sujeitos a paixões, iras, ciúmes, mentiam e brigavam entre si. Zeus
ocasionalmente era obrigado a apaziguar os outros deuses, em suas rebeliões. Eram
superiores ao homens apenas em poder, inteligência e imortalidade, não em moralidade. A
religião grega dava mais ênfase à beleza estética dos deuses do que aos valores morais. Não
oferecia qualquer provisão para a alma.
Roma adotou como religião oficial grande parte da mitologia e do panteão gregos,
identificando suas divindades com as dos gregos: assim, Zeus passou a ser Júpiter;
Afrodite, Vênus; Apolo, Hélios (Sol); Ares, Marte; Ártemis, Diana; Dionísio, Baco; Hades,
Plutão; Hermes, Mercúrio, etc. Alguns desses deuses são mencionados em Atos, como
Júpiter e Mercúrio (At 14:12-13); Marte (At 17:22 - Areópago quer dizer "colina de Marte",
em sua homenagem), Diana (At 19:21-40) e Dique (At 28:4 - deusa grega Justiça, que é o
significado da palavra em grego). Alguns dos imperadores foram deificados após sua morte
(Júlio César e Augusto César [Otávio]) e outros reivindicaram divindade e exigiram
adoração, como Calígula, Nero e Domiciano.
b. O culto ao imperador
As províncias orientais costumavam prestar culto a seus governantes vivos. Os egípcios
cultuavam os seus faraós e os gregos os seus grandes guerreiros mortos. Alexandre o
Grande estabeleceu para si um culto em Alexandria. Os ptolomeus e os selêucidas também
adotaram essa tradição, chamando a si mesmos "deuses". Com a ascensão dos romanos, os
conquistados começaram a adorar Roma (estado romano) e os grandes personagens
romanos (Júlio César, Antônio). Foi uma substituição natural. Os romanos, que
reverenciavam os espíritos de seus antepassados mortos (lares) e o espírito divino do chefe
de família (paterfamilias), de início desdenharam dessa prática de adorar vivos, mas
acabaram gostando da idéia. Augusto combinou as idéias do culto aos antepassados com a
do culto ao imperador, no culto imperial.
Calígula, Nero e Domiciano foram os que reivindicaram, em vida, a sua própria adoração,
mas não foram tidos como divinos após a morte. Calígula (37-41 d.C.) se apresentava entre
as estátuas dos deuses para ser adorado. Tentou colocar no templo de Jerusalém uma estátua
de Júpiter, com as suas características, para adoração, mas não teve êxito. Os judeus
reagiram e conseguiram que o governador da Síria, Petrônio, o dissuadisse. Domiciano (81-
96 d.C.) foi o primeiro a forçar a adoração de sua pessoa como sinal de lealdade ao
imperador e isto custou um alto preço para os cristãos, que se recusaram a tanto,
desencadeando uma série de cruéis perseguições. Foi no tempo de Domiciano que João,
exilado na ilha de Pátmos, escreveu o Apocalipse.
c. As religiões de mistério
Com o descrédito gerado pela religião grega, as religiões de mistério, como são assim
chamadas, tiveram campo fértil. Os poetas e filósofos também colaboraram para isso,
embora indiretamente, atacando as imperfeições morais dos deuses da mitologia de Homero
e as incoerências do politeísmo. Embora não atinassem com um Deus pessoal, seus
raciocínios caminhavam na direção do monoteísmo como a melhor explicação para os fatos
do universo. A pregação de princípios e valores morais (como a dos estóicos) contrapunha-
se ao vazio do politeísmo. Outros, em contraposição, pregavam a irreligiosidade e o
ateísmo, ainda que veladamente. Sócrates foi condenado à morte por "corromper a
juventude de Atenas com suas idéias", entre elas, a da irreligiosidade.
d. O Ocultismo
Assim como as religiões de mistério ofereciam contato direto entre o iniciado e o "poder
divino misterioso" que controlava o universo, outras celebravam a ligação com poderes do
universo que não podiam ser compreendidos, mas sentidos. Para estas, o mundo era
povoado de espíritos que podiam ser invocados e colocados ao serviço de seus cultuadores,
desde que estes conhecem os ritos e as fórmulas para se fazer isso. Eram as religiões de
magia que também estavam presentes em todo o império e nas quais participavam tanto
judeus como gentios. Nelas estavam incluídos a adivinhação, os chamados "oráculos", a
predição do futuro, os horóscopos, a necromancia, etc., coisas essas bem conhecidas do
nosso mundo contemporâneo. No bojo dessas práticas estavam também os espertalhões que
27
usavam a religião como fonte de lucro, mesmo entre os judeus. Alguns deles são
mencionados em Atos: Simão, o mágico (8:9-24), Elimas (13:6-12) e a jovem que dava
grande lucro aos seus senhores com suas adivinhações (16:16-18).
Esse desejo de libertação dos males do mundo e a busca de experiências místicas, que
caracterizavam essas religiões, ainda estão presentes em várias religiões modernas,
especialmente nas orientais, e não fogem muito do apelo que hoje encontramos em algumas
igrejas chamadas "evangélicas". O transcendental, o misterioso, o transe e a liberação de
males humanos era o que atraía as pessoas para essas religiões. Todavia, elas não podiam
satisfazer as reais e mais profundas necessidades humanas. Só o Cristianismo viria
preencher essa lacuna; libertar o homem dos seus pecados e colocá-lo em comunhão
pessoal com Deus.
Muitas delas operavam no princípio do dualismo propagado por Platão entre a matéria má e
o espírito bom. Idéias gnósticas também se misturaram a essas religiões e deram a base para
heresias que são refletidas e combatidas no NT, tais como o ascetismo religioso, a negação
da ressurreição física (por considerar a matéria má), a possibilidade de se alcançar a
imortalidade do espírito através do conhecimento de doutrinas secretas e uma elaborada
hierarquia tanto de demônios como de anjos (aeons) através dos quais o Deus puro, que não
pode contaminar-se com a matéria má, relaciona-se com o mundo. Não se tratava do
gnosticismo doutrinário que veio a ser sistematizado mais tarde, no segundo século, mas de
uma forma incipiente de gnosticismo, permeada de superstições e sincretismo religioso.
2. A filosofia grega
Como dissemos, foram os filósofos gregos os grandes críticos do politeísmo originado com
Homero. Eles abriram caminho para o monoteísmo pela busca de um princípio comum que
pudesse explicar todas as coisas. Os deuses, que sempre se contradiziam e lutavam entre si,
não podiam ser uma explicação adequada para a harmonia perceptível no universo.
Alguns filósofos pregavam valores morais elevados, como os estóicos e os cínicos. Através
da pregação itinerante, difundiam suas idéias e ideais pelas cidades. Os estóicos (que
tiveram em Zenão seu fundador, 340-265 a.C.) perseguiam o ideal do homem sábio,
independente das paixões e desejos, que tem como base de toda sua vida a força interior. Os
cínicos pregavam o desprendimento de bens materiais, condenavam a luxúria, o orgulho e a
malícia e exaltavam a vida natural. Esse tipo de pregação trouxe-lhes uma reputação
negativa. Como rejeitavam aquilo que a sociedade tinha como seus valores, julgava-se que
desprezassem qualquer valor.
pode, por si só, alcançar o conhecimento divino. Aquilo que os gregos chamavam de
sabedoria Paulo chama de loucura e o que eles chamavam de loucura Paulo chama de
sabedoria (1 Co 1.18-25).
C. A Septuaginta (LXX)
A maior contribuição da cultura grega para o crescimento do Cristianismo em seus
primórdios foi a tradução da Bíblia Hebraica para o grego, que ficou conhecida como
Septuaginta (ou LXX). Segundo uma tradição (a carta de Aristéias) 70 (na verdade 72)
sábios judeus traduziram a Bíblia Hebraica para o grego em Alexandria, no Egito, durante o
período de 275-100 a.C, por ordem de Ptolomeu II (Filadelfo). A Septuaginta contém os
livros da Bíblia Hebraica, mais os livros apócrifos aceitos pela Igreja Católica. Não se sabe
se as cópias mais antigas possuíam esses últimos livros, pois as cópias existentes datam do
4º século d.C. e não comprovam que os livros haviam sido incluídos em épocas anteriores.
A Septuaginta era a Escritura dos judeus que só falavam o grego (judeus da Dispersão ou
mesmo da Palestina, mas de cultura grega, também chamados de helenistas). Mais tarde,
porém, veio a ser as Escrituras dos cristãos gentios também (AT). Os autores do NT, em
grande parte, citaram a partir da Septuaginta e não do texto hebraico. Todavia, nunca
citaram os livros apócrifos contidos nela. Ainda hoje ela é usada pela Igreja Ortodoxa
Grega e também serve como fonte de referência para os estudiosos, tanto do Antigo como
do Novo Testamento.
O valor da Septuaginta para o trabalho missionário da Igreja primitiva entre os gentios foi
incalculável. Quando o Cristianismo surgiu, já havia uma Bíblia em grego! Não era preciso
dar-se ao trabalho difícil de tradução. Os pregadores tinham um veículo preparado para
ensinar o Antigo Testamento aos gentios e mostrar nele o evangelho que pregavam.
Implicações Práticas:
Quando o Cristianismo chegou, havia um povo sedento da verdade, cansado de religiões
humanas que não podiam satisfazer aos anseios mais profundos da alma. A filosofia
também não tinha respostas para as indagações e necessidades espirituais dos homens. Mas
já havia a revelação anterior do Antigo Testamento ao alcance de todos, no hebraico para os
judeus e no grego para os gentios, revelação essa que explicaria o Cristianismo e que seria
confirmada e expandida através da pregação e do ensino de Cristo e dos apóstolos. Também
já havia um veículo para que a comunicação das boas novas fosse feita e pudesse alcançar
todos os povos: a língua grega. O cenário estava preparado para a grande missão. Quando
Deus nos chama para uma grande tarefa ele vai adiante, preparando o caminho. Será que o
nosso mundo atual é muito diferente daquele?
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, 1981, pp. 37-42.
29
Introdução:
O contexto do Novo Testamento é essencialmente judaico. Os fatos narrados nos
Evangelhos se deram todos na Palestina. A partir de Atos encontramos elementos gentílicos,
mas mesmo assim associados também com os judeus da Dispersão, como era o ambiente da
Igreja no primeiro século. É, portanto, necessário estudar alguns pontos importantes a
respeito do Judaísmo daquela época para entendermos melhor o NT.
A liturgia do culto da sinagoga teve grande influência na do culto da Igreja Cristã primitiva,
visto que os primeiros cristãos eram judeus que a freqüentavam. Jesus e os discípulos
freqüentaram a sinagoga e nela ensinaram. Paulo fez das sinagogas seu ponto de partida
para a evangelização (At 13:5, 15-43; 14:1; 17:3,10,17; 18:4,8; 19:8)
2. O Templo
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Com o retorno do exílio, o templo foi reconstruído por Zorobabel e o culto novamente
restabelecido (537 a.C.). Foi esse templo que Antíoco IV (Epifânio) profanou em 167 a.C. e
Judas Macabeus o purificou e restaurou em 164 a.C., restabelecendo o culto. Ele foi
considerado o segundo templo, sendo o primeiro aquele que Salomão havia construído,
com grande glória e esplendor, e que os babilônios (Nabucodonosor) destruíram em 587
a.C. O segundo templo era de proporções e beleza modestas em relação ao primeiro, tanto
que, quando foi dedicado, houve um misto de alegria e tristeza, conforme Esdras 3:12.
Herodes o reconstruiu de 19 a 9 a.C., devolvendo-lhe um pouco mais da glória e esplendor
que antes tivera. Na verdade foi uma nova construção. Esse templo reconstruído por
Herodes é chamado por alguns de terceiro templo e é o que encontramos em uso na época
do NT. Nem todos concordam com a expressão "terceiro templo", pois o segundo (de
Zorobabel) nunca fora destruído, mas apenas removido para dar lugar a este de estrutura
maior e mais trabalhada. Em 70 a.D. foi definitivamente destruído pelos romanos (general
Tito).
O templo era a figura central da religião judaica e o principal lugar de culto. Só nele
podiam ser oferecidos os sacrifícios. Havia toda uma legislação relacionada com ele. Tinha
a sua própria guarda (romana) cujo chefe chamava-se strategos ou "chefe do templo" (At
4:1;5:24-26). Jesus e os discípulos, mais tarde, ensinaram e pregaram nele. Durante algum
tempo o Cristianismo, no seu ramo judaico, continuou ligado ao templo (At 21:23-26). A
sua destruição, até certo ponto, ajudou os judeus cristãos a romperem com as práticas
judaicas. É verdade que já, a esta altura, a separação entre judeus e cristãos se fazia mais
nítida.
Como a função de mestre da Lei passou a ser importante, surgiram o rabinato e as escolas
rabínicas, que cuidavam de interpretar a Lei e dar-lhe aplicação. Surgiu assim a tradição,
que era a codificação dos ensinos e interpretações dos rabinos. Primeiro em forma oral e,
depois, escrita. Algumas dessas tradições eram tidas como sendo contemporâneas ou até
anteriores à Lei e como tendo sido transmitidas paralelamente à revelação escrita, ao longo
de toda a história do povo. Seu valor e autoridade eram vistos de modos diferentes pelas
seitas ou partidos judaicos. Os fariseus tinham a tradição como de igual autoridade à Lei,
enquanto que os saduceus a rejeitavam. Jesus se referiu a ela várias vezes, afirmando que as
interpretações contraditórias que dava à Lei acabavam por invalidá-la (Mc 7:3). Era
chamada de lei oral, mesmo depois que foi escrita, para distingui-la da Torah. Duas dessas
escolas rabínicas de interpretação que se tornaram famosas foram a de Hilel, mais
moderada, e a de Shammai, mais rigorosa.
A coleção dessas tradições, com os comentários feitos pelos rabinos, é que constituem o
Talmud (o termo vem do verbo hebraico ensinar). O Talmud é composto de duas partes: a
31
Mishna e a Gemara. A Mishna é a lei oral, como era conhecida até o fim do 2º século d.C.
A Gemara é a interpretação da lei oral feita pelos doutores. Essas interpretações também se
dividem em dois tipos: a Halakah, que se refere à interpretação da própria lei e a
Haggadah, que é a interpretação homilética ou a aplicação da lei. Inclui tudo o que não é
Halakah. Há dois Talmuds: o de Jerusalém, também chamado de Palestino, e o Babilônio.
Eles foram escritos entres os séculos 3º e 5º. Ambos foram escritos em aramaico. Até hoje o
Talmud é o padrão de interpretação da Torah para o judaísmo ortodoxo.
B. O Judaísmo na Palestina
1. O Sinédrio
A Judéia era governada por procuradores romanos, mas os assuntos internos (questões
religiosas e domésticas) eram resolvidos pelo Sinédrio. Este era o mais alto tribunal judaico
durante o período da dominação helenística e romana sobre a Palestina. Reunia-se no
segundo e no quinto dias das semana, na área do templo em Jerusalém, e podia ser
convocado a qualquer momento, exceto nos sábados e dias santificados. Sua composição e
descrição são bastante debatidas, especialmente no que diz respeito às suas atribuições.
Sabe-se que era um concílio composto de 71 membros; o presidente, que era o sumo
sacerdote da época, e mais 70 juízes, e tinha funções religiosas, judiciais e administrativas.
Embora tivesse uma certa autonomia para resolver questões judiciais e religiosas na
Palestina, os romanos negavam ao Sinédrio o direito de decretar a pena de morte, conforme
Jo 18:31. Nos Evangelhos, os membros do Sinédrio (principais dos sacerdotes, escribas e
anciãos) aparecem freqüentemente tramando contra Jesus. O Sinédrio foi dissolvido em 70
d.C., com a queda de Jerusalém. Os fariseus reconstituíram o concílio mais tarde, em
Jamnia (Jabné), e depois em Tiberíades, mas com autoridade puramente religiosa. Nessa
outra qualidade o Sinédrio sobreviveu até o século 5º.
2. Os partidos político-religiosos
Havia na Palestina várias seitas ou partidos religiosos como os fariseus e os saduceus, os
mais importantes, e outros de menor expressão como os essênios, os zelotes, os zadoquitas
e os herodianos.
32
a. Os Fariseus
Os fariseus formavam o mais influente e numeroso dos partidos judaicos da época do NT.
O nome significa separado e pode fazer referência tanto à separação ritual como ao
patriotismo (exclusivismo judaico) dos seus membros. Sua origem remonta, provavelmente,
aos hasidim da época dos Macabeus, a que nos referimos em aula anterior, os quais se
opunham à helenização da Judéia. Os fariseus eram severos na interpretação e cumprimento
das leis mosaicas e rabínicas, e hostis às influências estrangeiras. O dízimo e a pureza
cerimonial são mencionados no NT como matéria de estrita observância da parte deles (Mt
23:23-28). Eram extremamente legalistas. Jesus se referiu a eles como hipócritas porque
davam exagerada importância aos preceitos legais, a maioria deles fruto de sua própria
interpretação (Mt 15:7-9; 22:18; 23:13-19) e se esqueciam do mais importante da Lei: a
misericórdia , a justiça e a fé (Mt 23:23, 25-28; 12:7). Vem daí o sentido pejorativo que a
palavra "fariseu" tem hoje. Isto não significa que todos os fariseus fossem hipócritas. Paulo
se orgulhava de ser fariseu (At 23:6) e grande parte das convicções do partido estava em
consonância com a doutrina da igreja primitiva. Às vezes eles até serviram de aliados aos
cristãos, principalmente nas questões contra os saduceus (At 23:6-7). Mas o legalismo e a
religiosidade exterior os caracterizaram, de modo geral.
A esta classe pertencia a maioria dos escribas, intérpretes profissionais da lei que, para sua
observância, criavam novas regras, "as tradições orais" (humanas). Os fariseus discutiam
quanto um homem podia andar num sábado sem transgredir a lei, se uma mulher podia ou
não olhar no espelho nesse dia, para não correr a tentação de, vendo um cabelo branco,
arrancá-lo e, assim, transgredir o sábado; se alguém podia comer um ovo posto no sábado,
ainda que a galinha não tivesse consciência da santidade do dia. Para que pudessem
"cumprir" a lei, criavam mecanismos de defesa, interpretando-a de modo diferente e
geralmente evasivo. Um exemplo claro disto está em Mc 7:7-13.
Os fariseus, diferentemente dos saduceus, criam na ressurreição (Mt 22.23) e em anjos (At
23.8). Os fariseus, embora não ocupassem posições de maior autoridade como os saduceus,
tinham o povo do seu lado, e por isso, na prática, tinham mais poder do que estes.
b. Os Saduceus
Os saduceus formavam a aristocracia rica, que ocupava as posições de autoridade secular.
Dentre eles eram escolhidos os sumo-sacerdotes. Eram os descendentes e herdeiros dos
asmoneus, do período intertestamentário. Por controlar o sacerdócio, tinham mais poder
político, embora fossem em menor número do que os fariseus. Eram menos religiosos e
mais políticos, devido aos seus contatos com os dominadores estrangeiros. Para garantir
seus privilégios e posição social, eram mais favoráveis aos governos estrangeiros (Roma,
na época do NT) e mais receptivos ao processo de helenização. Aceitavam apenas a lei de
Moisés e rejeitavam as tradições dos escribas e rabinos, que não eram sacerdotes. Não
criam em milagres (providência de Deus), na imortalidade, nem na existência dos anjos,
como
criam os fariseus.
que veremos a seguir) É mais provável, porém, que o nome seja uma derivação de
zaddikim (justos, em hebraico), adotado por eles devido à sua fidelidade à letra (forma
escrita) da Lei do AT, em contraposição à tradição oral dos fariseus. O partido desapareceu
depois de 70 d.C., com a destruição do templo e do poder sacerdotal. Por serem mais
políticos e por se oporem à doutrina cristã, eram mais ferrenhos inimigos da Igreja do que
os fariseus.
c. Os Essênios
Os essênios não são mencionados no NT. Sua existência é atestada pelos escritos de Filo,
Flávio Josefo e Plínio. Com a descoberta em 1947 dos Manuscritos do Mar Morto, em
grutas escavadas nas encostas dos montes que margeiam o Mar Morto (Qumran), e dos
restos do que foi um mosteiro no mesmo local, datando de 150-100 a.C., o nome dos
essênios passou a ser ligado à comunidade que habitava a região e que produziu aqueles
manuscritos, ainda que os próprios manuscritos não mencionem esse nome. É geralmente
aceito hoje que a comunidade de Qumran era constituída de essênios, ainda que não se
consiga provar que se tratava dos mesmos essênios mencionados por aqueles autores.
Acredita-se que o nome grego "essênio" venha de uma palavra aramaica (ou hebraica) que
significa "pio" ou "santo". Os essênios, segundo Flávio Josefo, representavam a terceira
seita dos judeus, ao lado dos fariseus e saduceus. Ao que tudo indica, a seita foi formada
por um grupo dissidente de judeus (fariseus ou saduceus) que abandonou a Judéia e se
isolou nos desertos. Mas havia essênios também em Jerusalém. Geralmente sua origem é
associada, como a dos fariseus, aos hasidim, que se opunham às concessões e objetivos
políticos dos asmoneus. Alguns os consideram a extrema direita dos fariseus.
d. Os Zelotes
Os zelotes representavam o partido de extrema esquerda dos fariseus. Estavam mais
interessados na política do que na religião e buscavam a independência e autonomia da
nação mais do que qualquer outra coisa. Segundo Josefo, seu fundador foi Judas de Gamala
(Judas, o galileu - At 5:37), que incitou os judeus a rebelar-se contra o império quando do
censo para fins tributários, em 6 a.D. (feito por Quirino, governador da Síria).
Foram eles, até certo ponto, que precipitaram a guerra civil de 66 d.C., que resultou na
destruição de Jerusalém. Eram fanáticos e sua facção mais extremada eram os sicários
("gente da adaga"). Os sicários eram terroristas e apunhalavam, no meio da multidão, os
que eram a favor de Roma,. Foram os zelotes sicários que se refugiaram em Masada,
34
quando do cerco e invasão de Jerusalém, e se mataram para não morrer nas mãos dos
romanos. O NT os menciona em At 21.38. A pergunta de Mc 12:14, feita por um fariseu,
pode refletir a maneira de pensar dos zelotes. Simão (não o Pedro) era chamado de "zelote"
(Lc 6:15; At 1:113) e não
se sabe se é porque havia sido membro do partido. A palavra significa "zeloso" ou "ávido" e
pode apenas representar um qualificativo atribuído a Simão.
e. Os Zadoquitas
Se os essênios podem ser chamados a extrema direita dos fariseus, os zadoquitas podem ser
considerados a extrema direita dos saduceus. O partido teve início mais de um século antes
de Cristo, nos círculos do sacerdócio judaico, através de um movimento reformista que
visava avivamento religioso e correção das irregularidades no culto do templo. Seus
seguidores eram chamados os "filhos de Zadoque", ou por eles mesmos ou por escárnio de
seus adversários, não se sabe ao certo.
f. Os Herodianos
Os herodianos podem ser considerados a extrema esquerda dos saduceus. Eram um partido
quase que puramente político, pois tinha em suas fileiras judeus de várias seitas religiosas.
Com a deposição de Arquelau (6 d.C.), Augusto, atendendo a pedidos dos judeus, nomeou
um governador para a Judéia. Alguns dos judeus foram contrários a essa nomeação, pois
pretendiam a continuação da dinastia herodiana. Com a popularidade do ministério de
Jesus, os herodianos, temendo que isso viesse a precipitar um movimento nacionalista que
contrariasse seus propósitos e interesses (com respeito aos seu favoritos), uniram-se aos
fariseus em oposição a Cristo. Nas três referências que o NT faz a eles os encontramos
sempre em associação com os fariseus contra Cristo (Mt 22:15-16; Mc 3:6; 12:13).
Assim, podemos dizer que os fariseus tiveram nos essênios a sua ala extrema direita e nos
zelotes a sua extrema esquerda. Os saduceus tiveram nos zadoquitas sua extrema direita e,
nos herodianos, sua extrema esquerda.
D. O Judaísmo da Dispersão
1. A Diáspora
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Diáspora era o nome que se dava à situação dos judeus que viviam fora da Palestina.
Diversos textos falam sobre eles, também chamados de judeus da Dispersão: At 2.5-13;
13.13-15, 42-45, 48-52; 18.1-4; 28.16-22; Tg 1.1; 1 Pd 1.1. A Diáspora vem desde o
cativeiro babilônico e continuou através dos séculos. No 1º século d.C. os judeus já estavam
espalhados pelo mundo, por diversas causas: guerras, fome, perseguições políticas,
religiosas, interesses comerciais, etc. (Jr. 42:7-14). No governo dos reis selêucidas havia
colônias judaicas na Ásia Menor, encorajadas por aqueles. Com o Império Romano e a
facilidade de viagens e intercâmbios, a dispersão aumentou. No 1º século os judeus eram
numerosos na Síria (especialmente na capital, Antioquia), no Egito (Alexandria) e até em
Roma.
2. Hebreus e Helenistas
Os judeus da Diáspora costumam ser classificados de dois modos: os hebreus (ou
hebraístas), que eram aqueles que, mesmo fora da Palestina, conservavam tanto a fé judaica
quanto os seus costumes, tradições e a língua hebraica, e os helenistas, que eram aqueles
que vieram a adotar a língua e a cultura grega, ou a do lugar onde habitavam, embora
mantivessem a sua fé judaica. Paulo, embora nascido em Tarso, cidade de cultura grega, se
considerava "hebreu de hebreus" (Fp 3:5) e afirma que foi "instruído ... segundo a exatidão
da lei" (At 22:3). Já o filósofo Filo, de Alexandria, é um exemplo do judeu helenista do 1º
século. Procurava conciliar sua fé judaica com a filosofia grega, resultando daí suas
alegorias baseadas no AT. Mesmo na Palestina havia judeus helenistas. At 6:1 menciona
uma tensão entre as duas categorias na Igreja cristã, que resultou na instituição dos
diáconos.
3. Prosélitos e Devotos
Não só judeus freqüentavam as sinagogas. Gentios também era admitidos. Dentre estes
havia duas classes: a dos prosélitos - os que tinham se tornado judeus (religiosamente) por
aderir totalmente à religião judaica (menos numerosos, certamente - At 2:11; 6:5; 13:43) e a
dos devotos (ou piedosos) - os simpatizantes e interessados na religião judaica e que
aceitavam alguns de seus ensinos (At 17:4,17). Cornélio era um deles (At 10:2).
Continuavam leais à religião dos seus pais, devotos à Lei de Moisés, ainda que isto lhes
custasse oposição. Submetiam-se, mesmo à distância, quase sempre, à autoridade do
Sinédrio, faziam contribuições para o templo e freqüentavam as grandes festas em
Jerusalém. A Septuaginta, como vimos, foi uma grande contribuição do Judaísmo da
Diáspora, não só para o próprio Judaísmo como também para o Cristianismo.
A vida religiosa dos judeus da Dispersão concentrava-se nas sinagogas, lugar de culto e
instrução religiosa. A língua da sinagoga era o grego, e mesmo as Escrituras eram lidas na
36
Septuaginta . O procedimento era o mesmo das sinagogas da Palestina, com orações, leitura
das Escrituras (um texto da Lei, outro dos Profetas), uma explicação e a bênção final. Havia
liberdade para visitantes que quisessem falar e tivessem preparo (não necessariamente
técnico) para tanto. Paulo usou muitas destas oportunidades.
Implicações Práticas:
O Judaísmo, embora tenha, como movimento religioso, rejeitado o Messias (e ainda rejeita
até hoje), foi um meio usado por Deus para o cumprimento do seu plano salvador. Proveu
para o povo, do qual viria o Messias, a unidade e o idealismo necessários para que
mantivesse a sua identidade étnica e religiosa. Preservou as Escrituras e a expectativa
messiânica, e forneceu os primeiros convertidos ao Cristianismo, assim como os seus
primeiros pregadores. Os apóstolos eram todos judeus. Paulo, embora como judeu tivesse
perseguido a Igreja, não renega a sua origem judaica. Pelo contrário, afirma a continuidade
do Judaísmo no Cristianismo por dizer que servia a Deus desde os seus antepassados, com
consciência pura (2Tm 1:3). Segundo ele, o verdadeiro judeu é aquele que, crendo em
Cristo como o Messias que os judeus esperavam, é transformado interiormente (Rm 2:28-
29). Ele diz que eles têm vantagem (quando crêem) porque a eles foram confiados os
oráculos de Deus (Rm 3:1-2). Essa vantagem, porém, não é preferência da parte de Deus
(Rm 10:12; Gl 3:28). Os judeus tiveram prioridade na ordem cronológica da pregação do
evangelho (Rm 1:16), mas essa prioridade lhes deu também maior responsabilidade (Rm
2:9-10). Além de todas as contribuições do judaísmo para o Cristianismo, vistas nesta aula,
devemos lembrar também, e principalmente, que o nosso Redentor veio ao mundo através
de uma família judia e viveu como um judeu fiel e obediente à Lei, para nos livrar da
maldição dela. Na providência de Deus, devemos o nosso Cristianismo ao verdadeiro
Judaísmo.
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, 1981, pp. 43-59.
J. I. Packer, Merrill C. Tenney & William White Jr., O Mundo do Novo Testamento, São
Paulo: Editora Vida, 4ª edição, 1996, pp. 88-100.
Merrill C. Tenney, O Novo Testamento: Sua Origem e Análise, São Paulo: Edições Vida
Nova. 3ª edicão,1995, pp. 111-144.
37
Dana, H. E., El Mundo del Nuevo Testamento (Buenos Aires: Casa Bautista de
Publicaciones, 1977), pp. 108-126.
Introdução
Esta aula tem como pressuposto o conhecimento do conceito de inspiração bíblica, já
discutido na disciplina anterior Panorama do AT. É porque consideramos os livros da Bíblia
inspirados (AT e NT) que lhes reconhecemos a autoridade e a canonicidade. Mas é também
o reconhecimento da sua autoridade que lhes confere o status de livros divinos. Não deixa
de ser um raciocínio em círculo (círculo vicioso), porque é pressuposicional. Partimos da
pressuposição de que Deus existe e se revelou aos homens de forma escrita, através da
Bíblia. Em última instância, é matéria de fé, mas uma fé racional (não racionalista), que
pode ser evidenciada por bons argumentos. O conteúdo da Bíblia e a reivindicação que ela
faz de si mesma são a base de nossa crença na inspiração. Mas é o testemunho interno do
Espírito Santo que confirma esse fato nos nossos corações e nos dá a convicção de que
"toda escritura é inspirada (soprada) por Deus" (2Tm 3:16) e de que "homens santos
falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo" (2Pd 1:21). Negada a inspiração,
não poderemos ver na Bíblia mais do que livros comuns, que retratam a experiência
religiosa de um povo, ainda que lhes demos alto valor literário e moral. É a inspiração que
torna os livros da Bíblia divino-humanos, a revelação autoritativa de Deus.
se revelou de modo escrito; 2º) Deus se revelou de modo escrito através de homens
(profetas - todos os autores bíblicos); 3º) A revelação escrita de Deus é autoritativa (tem
autoridade conferida por Deus - é para ser crida e obedecida). O primeiro ponto fala da
fonte ou causa da inspiração. Provém de Deus. Este é o sentido da palavra inspirada
(theopneustos) em 2Tm 3:16 = "soprada por Deus". O segundo fala do meio ou modo da
inspiração. Homens santos foram movidos (carregados é o sentido original em 2Pd 1:21)
por Deus para produzir a Escritura. E o terceiro fala do resultado. A Escritura é útil (e
eficaz, Hb 4:12) para os propósitos para que foi dada por Deus, e precisa ser crida e
obedecida.
1. O testemunho de Cristo
Toda a autoridade do NT é baseada na autoridade de Cristo, o ponto mais alto da revelação
divina (Jo 1:18; Hb 1:1). Foi de Cristo que os apóstolos (e outros sob a sua supervisão)
receberam a autoridade para escrever a revelação do NT. Portanto, é preciso primeiro
reconhecer a autoridade de Cristo e de seu ensinamento para se reconhecer a autoridade do
NT.
Sua tarefa era dar testemunho dele: Lc 24:48; Jo 15:27; 17:20; At 1:8; 1Jo 1:1.
Para equipá-los para sua tarefa Jesus prometeu-lhes o Espírito Santo: Mt
10:20; Jo 14:26; 15:26; 16:7; 20:22.
Jesus prometeu que o ES lhes ensinaria todas as coisas e os faria lembrar de
todas as coisas que Ele tinha dito, Jo 14:26, e os conduziria a toda verdade: Jo
16:13. Isto é promessa de que eles continuariam a transmitir a revelação que
Cristo continuaria a dar, depois da sua ascensão.
39
a. Pelo poder do ES, os apóstolos cumpriram sua tarefa de dar testemunho: At 1:8,
21–22; 2:14,32; 3:15; 4:8,20,33; 5:32; 10:39; 13:31.
c. Embora não tenhamos uma ordem expressa de Jesus para que os apóstolos
escrevessem, exceto em Ap 1:11,19, não obstante escreveram com a mesma
autoridade com que falaram.
d. Sua escrita foi uma forma especial de testemunho (permanente): Lc 1:2; Jo 1:14;
10:35; 20:31; 21:24; 1 Jo 1:1–4; 1 Pe. 1:12; 5:1; 2 Pe. 1:16; Hb. 2:3; Ap. 1:3; 22:18–
19.
g. Pedro afirma que os escritos proféticos foram dados por inspiração divina
("homens santos falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santos" 2 Pe 1:21)
e os profetas do NT figuram, juntamente com os apóstolos, como os alicerces da
igreja : Ef 2:20.
Paulo reivindica:
i. Ter Cristo falado a ele e por seu intermédio: 2 Co 13:3; 1 Co 2:10,16; 2 Co 2:17; 1
Ts 2:13.
l. Que não só o que falou mas também o que escreveu tinha a autoridade de Deus: 2
Ts 5:27; Cl 4:16; 2 Ts 2:15; 3:14.
a. Em 1 Tm 5:18 Paulo cita como "Escritura" tanto uma passagem de Dt 25:4 como
outra de Lc 10:7, atribuindo autoridade de Escritura ao evangelho de Lucas.
b. Pedro coloca os escritos de Paulo no mesmo nível das demais Escrituras do AT,
em 2Pe 3:15-16.
5. Outros testemunhos
Além de todas essas evidências bíblicas (internas), que são decisivas para aquele que aceita
a autoridade das Escrituras, temos evidências externas que comprovam que os livros do
Novo Testamento foram tidos como inspirados e de igual autoridade aos do Antigo.
Algumas destas evidências, conforme apresentadas por Geisler & Nix (ver leitura
obrigatória) são:
b. A circulação dos livros do NT. Os livros visavam todas as Igrejas e não apenas
aquelas para as quais foram primeiramente escritos. Mesmo as cartas, embora
escritas, na maioria, a igrejas específicas, circulavam entre as demais. A circulação e
a aceitação desses livros nas igrejas evidenciam que eram tidos como inspirados e
autoritativos.
Implicações Práticas:
Nossa fé está baseada no testemunho de Cristo dado através dos apóstolos. É por isso que
ela é chamada de "fé apostólica". E a autoridade dos apóstolos repousa na autoridade que
Cristo lhes deu. Para que produzissem livros sagrados, foi preciso que recebem não só a
autoridade para escrever, mas também aquilo que é chamado de inspiração, afim de que
seus escritos fossem fidedignos. Embora biblicamente inspiração (ou expiração, como seria
o melhor sentido) seja um termo aplicado apenas ao resultado do seu trabalho (Escritura,
2Tm 3:16), não é impróprio dizer que os autores bíblicos foram "inspirados", no sentido em
que foram movidos pelo Espírito Santo para falarem da parte de Deus (2Pd 1:21). É este
fato que torna os livros, tanto do Antigo como do Novo Testamento, diferentes de todos os
outros. São ao mesmo tempo divinos e humanos. Produzidos por Deus através de homens.
Este pressuposto, baseado em boa evidência, é essencial para o conceito de cânon e de
autoridade, que será nosso próximo assunto.
Introdução
Nesta aula estudaremos como os livros do NT vieram a ser colecionados para formar uma
lista ou corpo de escritos sagrados, a que chamamos de cânon. Foi um processo histórico
razoavelmente gradativo. Nosso conceito de inspiração é fundamental para estabelecermos
nosso conceito de cânon. Partimos do pressuposto que não é a Igreja que determina o
Cânon. Ela apenas o reconhece e o proclama. O que determina se um livro é canônico ou
não é a sua autoridade interna, a sua condição de inspirado. De novo, parece ser um círculo
vicioso. Um livro é canônico se é inspirado e inspirado se é canônico. Não é bem assim. A
inspiração vem primeiro como fator determinante do segundo. Só é canônico se for
inspirado. Este é o ponto de vista protestante de cânon. Não é a Igreja que produz o Cânon.
Ela apenas o reconhece e o declara. Mas ainda é a Igreja que reconhece e declara tanto a
autoridade como, por conseguinte, a canonicidade de cada livro. Daí o processo histórico
gradativo desse reconhecimento.
A. O Conceito de Cânon
A palavra kanon é grega e significa etimologicamente "cana", "junco", mas passou a
significar "vara de medir", "régua", e, daí, "regra", "padrão", "medida". Com o tempo, nos
meios eclesiásticos e teológicos, veio a significar a lista dos livros que são aceitos como
inspirados por Deus e, portanto, autoritativos, e que constituem o Antigo e o Novo
Testamentos. Uma definição bem sucinta de cânon pode ser: "a coleção encerrada de
42
B. A Formação do Cânon do NT
A pergunta crucial é: quando os 27 livros que constituem o Cânon do NT vieram a ser
reconhecidos como inspirados (oficiais) e distinguidos de outros textos? Em outras
palavras, como foi formado o Cânon? Dois passos podem ser mencionados:
Nem sempre houve acordo, entre os diversos setores da Igreja, sobre quais livros deveriam
ou não pertencer a esta lista, pelo menos nos primeiros séculos. Alguns livros, como o de
Hebreus, demoraram um pouco para ser aceitos por todas as igrejas. Só no final do 4º
43
século houve unanimidade. A lista mais antiga é a do herege Marcião (c. 140 d.C.),
contendo apenas o evangelho de Lucas e dez das cartas paulinas (omitiu as pastorais). A
segunda mais antiga é o Cânon Muratório (170 d.C.). Esta era mais fidedigna, mas mesmo
assim omitiu os livros de Hebreus, Tiago, 1 e 2Pedro e 3João e aceitou outros não
canônicos. Outras listas se seguiram.
Eusébio de Cesaréia, (c. 260-340 d.C.) apresentou em sua História Eclesiástica (3,25) uma
classificação tripartite, listando: os livros reconhecidos (homologoumena), os questionados
(antilegomena) e os não reconhecidos (introduzidos pelos hereges em nome dos apóstolos),
mostrando a situação do Cânon no Ocidente no início do 4º século. A primeira lista que
inclui todos e apenas os 27 livros do nosso NT é a da carta de Páscoa escrita por Atanásio
em 367 d.C. à igreja alexandrina. É a prova de que a Igreja do Oriente aceitava esse cânon.
Não sabemos exatamente quando e como foram feitas as primeiras coleções de livros do
NT. O que sabemos é que, em meados do 2º século, os quatro evangelhos canônicos já
circulavam juntos e que, até antes disto (começo do 2º século) as epístolas paulinas já
circulavam na forma de uma coleção (chamada de corpus paulinum).
Todos os autores bíblicos foram profetas "de dom" ou "de ofício"; ou seja, se não tiveram o
ofício profético, tiveram pelo menos o dom, pois o profeta era porta-voz de Deus. No caso
do NT, o princípio é o de autoria profética através de um apóstolo ou de alguém ligado a
um apóstolo. A Igreja é advertida contra falsos apóstolos e falsos profetas (2 Ts 2:2; 2 Co
11:13; 1 Jo 2:18,19; 4:1-3). Esse é o critério mais comumente mencionado pelos pais da
Igreja.
Por isso que, acima de todos esses princípios, todavia sem dispensá-los, temos que acreditar
na providência de Deus em preservar a sua Palavra e imprimir no seu povo a percepção
espiritual para aceitá-la. É o que Calvino chama de "o testemunho interno do Espírito
Santo". Ele diz: ... o testemunho do Espírito é mais excelente do que toda a razão. Pois do
mesmo modo como somente Deus é testemunha adequada de si mesmo em sua Palavra,
também a Palavra não encontrará aceitação no coração dos homens antes que seja selada
pelo testemunho interno do Espírito. Portanto, o mesmo Espírito que falou através da boca
45
dos profetas deve penetrar em nossos corações para persuadir-nos de que eles fielmente
proclamaram o que foi divinamente ordenado. Isaías expressa de modo muito próprio esta
conexão nas seguintes palavras: "... o meu Espírito que está sobre ti, e as minhas palavras,
que pus na tua boca, não se apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus
filhos..." (Is 59:21) (Institutas, I, vii). F. F. Bruce, de igual modo, afirma: “A posição cristã
histórica é que o Espírito Santo, que presidiu à formação de cada um dos livros, também
lhes dirigiu a seleção e incorporação, continuando assim a dar cumprimento à promessa do
Senhor de que ele guiaria os discípulos a toda verdade” (Merece Confiança o Novo
Testamento?, Edições Vida Nova, 1965, p. 29).
E. A Extensão do Cânon do NT
Hebreus - por questão de autoria. Por ser anônimo e, por isso, não poder ser relacionado com algum dos
apóstolos. Era aceito no Oriente, que o julgava de Paulo, mas não no Ocidente. Só no 4º século, com a
influência de Jerônimo e Agostinho, o livro foi aceito no Ocidente, independentemente de ser ou não paulino.
Não houve objeção quanto ao seu conteúdo, nem quanto à reivindicação de autoridade divina (cf. 1:1; 2:3,4;
13:22).
Tiago - por questões de autoria e de conteúdo. O autor (Tiago) não afirma ser apóstolo. Os que o associaram
ao irmão do Senhor (At 15 e Gl 1), como a Igreja do Oriente, não tiveram problema com a questão da
apostolicidade (vinculada com apóstolos). Já a Igreja do Ocidente não fez essa associação. Outro problema era
o aparente conflito doutrinário entre Paulo e Tiago sobre a justificação. Com a influência de Orígenes e
Eusébio (Igreja Oriental) e Jerônimo e Agostinho (Igreja Ocidental) tanto a apostolicidade como a veracidade
da carta foram reconhecidas.
Segunda Carta de Pedro - Foi a mais disputada, por questão de estilo diferente de 1Pedro. Questões de estilo,
porém, nunca foram definitivas para decidir autoria, dado o uso de escriba ou amanuense. Pedro poderia ter
46
usado um secretário para escrever uma das cartas. O grego da segunda é superior, com o maior número de
hapax legomena (termos que só ocorrem uma única vez) entre todos os livros do NT. Das 57 hapax, 32 não
ocorrem nem na LXX.
Segunda e Terceira Cartas de João - Foram questionadas por anonímia (autor anônimo) e por circulação
limitada. O autor se identifica apenas como "presbítero". A semelhança em estilo e linguagem com 1João (de
aceitação geral) abriu o caminho para a aceitação destas também. Pedro também usa o título de "presbítero"
( 1 Pe 5:1), formando um paralelo com João, embora aquele se identifique no início da sua 1ª carta.
Judas - Foi questionada por alguns quanto à sua confiabilidade, por citar o livro pseudepígrafo de Enoque (Jd
14,15) e possivelmente fazer referência ao livro Assunção de Moisés (Jd 9). Com a aceitação de pais
influentes como Irineu, Clemente de Alexandria e Tertuliano e o entendimento de que o uso de fontes
extrabíblicas não autorizava (como canônicas ou mesmo como verazes em todo o seu conteúdo) essas fontes
(caso de Paulo citando poetas pagãos em At 17:28 - Cleantes ou Aratus; 1 Co 15:33 - Menander. e Tt 1:12 –
Epimênides), a objeção foi levantada.
Apocalipse - Também foi questionado no início do 4º século quanto à sua confiabilidade. A doutrina do
milênio do cap. 20 foi o ponto central da controvérsia. O uso que os montanistas fizeram do mesmo também
levantou suspeitas. Foi, não obstante, um dos primeiros livros de João a ser aceitos pelos pais antigos. Com a
influência de Atanásio, Jerônimo e Agostinho as dúvidas foram dissipadas.
Sumariando: A oposição ocorreu, como dizem Geisler e Nix, "por causa da falta de
comunicação, ou por causa de más interpretações que se fizeram desses livros. A partir do
momento em que a verdade passou a ser do conhecimento de todos, tais livros foram
aceitos plena e definitivamente, passando para o Cânon Sagrado, da forma exata como
haviam sido reconhecidos pelos cristãos primitivos desde o início" (op. cit., p.118).
A Epístola de Barnabé, (c. 70-79 d.C.) que figura no códice Sinaítico (um dos mais antigos unciais
[manuscritos de escrita maiúscula] do 4º século) e foi mencionada como "escritura" por Clemente de
Alexandria e Orígenes. O autor da carta não reivindica autoridade divina e certamente não é o Barnabé,
companheiro de Paulo, do NT (At 14:14).
A Epístola aos Coríntios, de Clemente de Roma (c. 96 d.C.). Encontra-se no códice Alexandrino, do 5º século
e foi, segundo Eusébio, lida em várias igrejas (H.E., 3,16). Não reivindica inspiração divina. Cita o Livro de
Sabedoria (apócrifo do AT) como "escritura". Nunca foi amplamente aceita nem reconhecida como canônica.
A Segunda Epístola de Clemente, ou Homilia Antiga (c. 120-140 d.C.). Já foi erroneamente atribuída a
Clemente de Roma. Conhecida e usada no 2º século. Constava no códice Alexandrino ao lado de 1Clemente
(Epístola aos Coríntios). Também nunca foi aceita como canônica, pelo menos em grande escala.
O Pastor, de Hermas (c. 15-140 d.C.). O mais popular dos não canônicos na igreja primitiva. Figura no códice
Sinaítico, em algumas Bíblias latinas, e foi tido como inspirado por Irineu e Orígenes. Era lido publicamente
nas igrejas e usado para instrução religiosa, segundo Eusébio. É uma alegoria cristã, tal como O Peregrino, de
Bunyan. Tem valor ético e devocional, mas nunca foi tido como canônico pela igreja em geral.
O Didaquê, ou O Ensino dos Doze Apóstolos (c. 100-120 d.C.). Naturalmente não foi escrito pelos apóstolos,
mas foi muito popular na igreja primitiva. Foi mencionado como Escritura por Clemente de Alexandria. Era
usado na instrução e catequese de cristãos. Tem valor histórico e catequético, mas nunca recebeu
47
Outros apócrifos menos conhecidos são: Apocalipse de Pedro (c. 150 d.C), Atos de Paulo e
de Tecla (170 d.C.), Carta aos Laodicenses ( 4º século?), Evangelho segundo os Hebreus
(65-100 d.C.) e Sete Epístolas de Inácio (c. 110 d.C.)
Os apóstolos e demais autores do NT tinham a mesma atitude de Jesus para com o AT.
Apelavam para as Escrituras com o decisivo "está escrito": Pedro: At 1:20; 1 Pe 1:16; -
Paulo: At 13:33; Rm 1:17; 2:24; 3:4,10; 4:17; 8:36; 9:13,33; 10:15; 11:8,26; 12:19; 14:11;
15:3, 21; etc. (para ficar só em Romanos); Tiago: At 15:15. A pregação dos apóstolos e dos
primeiros cristãos estava baseada nas Escrituras do AT, como explicação para os fatos
relacionados com Cristo e o Evangelho: (A vinda de Cristo: Rm 1:2; 16:26; a morte de
Cristo: 1 Co 15:3; a ressurreição de Cristo: At 2:25-28; 13:33-37; a vinda do Espírito Santo:
At 2:17-21, etc.).
Toda essa questão de inspiração, canonicidade e autoridade pode ser resumida nas seguintes
palavras de Geisler e Nix: Os livros da Bíblia não são considerados oriundos de Deus por se
haver descoberto neles algum valor; são valiosos porque provieram de Deus - fonte de todo
48
bem. O processo mediante o qual Deus nos concede sua revelação chama-se inspiração. É a
inspiração de Deus num livro que determina sua canonicidade. Deus dá autoridade divina a
um livro, e os homens de Deus o acatam. Deus revela, e seu povo reconhece o que o Senhor
revelou. A canonicidade é determinada por Deus e descoberta pelos homens de Deus (op.
cit., p. 65).
Implicações Práticas
De nada serviriam a revelação e a salvaguarda da inspiração se o texto inspirado não fosse
preservado e não pudesse ser reconhecido como canônico pela Igreja, em todos os tempos.
O Deus da Providência não deixou sua obra incompleta. Fez ambas as coisas. Tanto revelou
sua vontade e seu caráter aos homens em "Escrituras inspiradas" como levou homens sob a
direção do seu Espírito a reconhecer essas "escrituras" e a preservá-las na forma de um
cânon. É por esta razão que hoje temos a nossa Bíblia, pela qual podemos conhecer a
verdade de Deus. Lendo-a, reconhecemos essa verdade através da iluminação do Espírito
Santo, o qual dá testemunho em nossos corações de que ela é a Palavra de Deus. Só os
incrédulos não percebem isso!
Introdução:
Tanto os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) como Atos são conhecidos
como livros históricos e de fato o são. Somados totalizam cerca de 60% de todo o conteúdo
do Novo Testamento. Este fato, por si só, já é significativo. Significa que o Cristianismo
está basedo em história, em fatos. Os Evangelhos são as boas novas da salvação, de como
Deus cumpriu sua promessa do Messias Salvador ao seu povo. Eles contam a história de
como Cristo nasceu, viveu, morreu e ressuscitou, e finalmente foi assunto ao céu, e
registram a revelação que ele deixou a nós através de seus ensinos e sinais. O livro de Atos,
que é a segunda parte da obra de Lucas, narra a continuação desse ministério através dos
apóstolos, sob o poder e assistência do Espírito Santo. Lucas diz que o seu primeiro livro
(seu Evangelho) é o relato das "coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em
que... foi elevado às alturas" (At 1:1-2), implicando com isso que seu segundo livro (Atos)
é o relato do que Jesus continuou a fazer e a ensinar através dos apóstolos. Não há solução
de continuidade. Atos é a continuação da história do Cristianismo e da formação e
desenvolvimento da Igreja Cristã. Narra o progresso da pregação cristã a começar de
Jerusalém até chegar à capital do império, conforme o projeto de Atos 1:8. Começa com o
derramamento do Espírito sobre os apóstolos e termina com o testemunho de Paulo em
Roma.
49
Mas tanto os evangelhos como Atos não são apenas livros históricos. São livros teológicos.
Não foram escritos apenas para narrar história e, se fossem avaliados unicamente deste
ponto de vista, deixariam muito a desejar. Não é toda a história de Cristo, nem da Igreja. A
história que eles narram é selecionada com propósitos teológicos (J.o 20:30-31). Por isso
temos quatro e não apenas um evangelho. Se o propósito fosse apenas (ou mesmo
principalmente) histórico, bastaria um, completo. Mas nós, ao invés de termos um
evangelho historicamente completo (que narre tudo que Jesus fez e disse (Jo 20:30; 21:25),
temos quatro, com variedade de narrativas e, até certo ponto, diferentes. Cada um tem
abordagem própria, ênfases e propósitos específicos. É isto que torna a revelação de Deus
rica e suficiente. Temos o que Deus julgou útil e necessário conhecermos, através da
narrativa de não apenas um, mas de vários teólogos evangelistas. Por essa razão
consideramos os evangelhos mais do que simples biografias e o livro de Atos mais do que
simples história. São livros teológicos, que baseiam sua teologia nos fatos históricos
acontecidos nos seus dias.
1. Seu conceito
Conforme já afirmamos, os evangelhos não são apenas biografias, do gênero literário já
conhecido na época em que foram escritos. Os dados biográficos de Jesus são escassos,
neles. Não há uma descrição detalhada de sua vida nem uma exata seqüência cronológica
dos fatos. João, por exemplo, ocupou-se com muito pouco da vida de Jesus. Estima-se que,
no máximo, seu relato cubra cerca de 20 dias do ministério de Cristo. Os capítulos 13-19
(cerca de 1/3 da obra) cobrem apenas um dia da vida de Jesus.
Os evangelhos representam um novo gênero literário, sem paralelos até então. (Depois
surgiram os "evangelhos apócrifos", que não foram aceitos pela Igreja por não serem
reconhecidos como inspirados e confiáveis). Podemos conceituar os evangelhos como o
registro autorizado, em forma escrita, dos atos e das palavras de Jesus, feito pelas suas
testemunhas oculares (apóstolos) ou por pessoas ligadas a elas. Esse registro é uma
proclamação de e sobre Jesus Cristo, com o objetivo de despertar e fortalecer a fé (Jo
20:30-31).
2. Sua Forma
Como eles só foram escritos algumas décadas depois dos fatos que narram, os evangelistas,
para escrevê-los, serviram-se não só da lembrança desses fatos (ativada pelo Espírito Santo
- Jo 14:26), no caso das testemunhas oculares, como também de fontes orais e escritas (Lc
1:1-4). O conteúdo do evangelho foi preservado e transmitido de forma oral até que fosse
feito o seu registro escrito. Essa escrita serviu, na providência de Deus, para manter a
exatidão e a fidelidade do seu conteúdo e prover às igrejas a informação de que precisavam
para a proclamação de Jesus e a crença nele.
Até certo ponto, a narrativa dos quatro evangelistas é semelhante, nos aspectos principais
do ministério público de Jesus: começa com o batismo, continua com seus atos e ensinos e
termina com sua morte e ressurreição. Mas cada um tem características próprias e objetivos
específicos, na sua apresentação. A seleção do material a ser registrado e a forma de
abordá-lo diferem algumas vezes, o que aponta para ênfases peculiares. Os três primeiros
50
(Mateus, Marcos e Lucas) são mais semelhantes entre si, razão por que são chamados de
sinóticos. O quarto evangelho (João) tem peculiaridades próprias. Segue uma orientação
diferente.
B. Os Sinóticos
O termo vem do grego synoptikos - "que se vê em conjunto" ou "que tem a mesma visão".
Os sinóticos se distinguem João nos seguintes aspectos:
1. Diferenças na estrutura
Os sinóticos narram o ministério de Jesus seguindo uma seqüência geográfica comum:
depois do batismo vem o ministério na Galiléia, depois a retirada para o norte, tendo como
ponto de transição a confissão de Pedro, depois o ministério na Judéia e Peréia a caminho
de Jerusalém (não tão claro em Lucas) e o ministério final em Jerusalém, que resultou na
sua morte.
João se concentra no ministério de Jesus em Jerusalém, durante as visitas periódicas que fez
à cidade para as festas, juntamente com seus discípulos. As demais narrativas estão
relacionadas com as viagens (peregrinações) da Galiléia para Jerusalém. É através do relato
de João que se consegue calcular o tempo do ministério público de Jesus (cerca de três
anos, pois participou de três páscoas). Os seguintes textos mostram as viagens de Jerusalém
entre a Galiléia e a Judéia (Jerusalém): João 2:l,13,23 ; 3:22,26; 4:3-4, 43,46; 5:1 [Páscoa?];
6:1,4; 7:1,10; 10:40; 11:7,54; 12:1, 12; 13:1; 18:28.
João narra apenas 7 milagres de Jesus, além do da sua ressurreição (cada um ensinando
uma lição específica), e não contém parábolas, nem expulsão de demônios (O termo grego
usado em Jo 10:6 e 16:29, paroimia, às vezes traduzido por "parábola", quer dizer "figura"
51
e não parábola propriamente). Desses milagres, só dois são narrados por outros
evangelistas: a multiplicação dos pães e dos peixes e o andar por cima das águas. Como
vimos acima, quase todo o seu material é peculiar e não se encontra nos demais
evangelistas.
Para João, os adversários de Jesus são os judeus (sem que sua categoria seja especificada):
2:18,20; 5:10,15,16,18; 6:41,52; 7:1,13, 15,35; 8:22,31,48,52,57; 9:18,22; 10:19,24,31,33;
11:8,19,31,33,36, 46,54; 12:9,11; 13:33; 18:12,14,31,36,38; 19:7,12,20,38; 20:19.
C. O Problema Sinótico
1. Semelhanças e diferenças
Pelo que vimos acima, os sinóticos não apresentam apenas semelhanças entre si, mas
também diferenças. Há muito material comum aos três, mas também há considerável
quantidade de material peculiar apenas a dois dos três e até material peculiar a cada um
deles. Como explicar o fato? Como pode ser que tenham tanto material em comum e, ainda,
52
2. Soluções propostas
O primeiro a tentar fazer uma harmonização dos evangelhos foi Taciano, com o seu
Diatessaron (c. 170 a.D.), mas sem abordar o que mais tarde se chamou de problema
sinótico. Agostinho (354-430 d.C.) talvez tenha sido o primeiro a abordar o problema. Cria
que os evangelhos foram escritos na seqüência em que aparecem no NT hoje. Sugeriu que
as semelhanças de linguagem indicavam dependência literária entre eles. Para ele, Marcos
era uma condensação de Mateus. O problema não foi levantado durante toda a Idade Média,
nem no período da Reforma. Só em meados do século XVIII, com o surgimento da
moderna crítica bíblica, é que a questão foi propriamente apresentada e soluções foram
propostas.
a. A hipótese do proto-evangelho
Essa hipótese foi proposta por G.E. Lessing e J.C.. Eichhorn, que acreditavam que houve
um evangelho original do qual os três evangelistas sinóticos extraíram o seu material.
Lessing, em 1776, sugeriu que Mateus escreveu um evangelho em aramaico, conhecido
como Evangelho dos Nazarenos e que, depois, fez um resumo deste evangelho para o
grego. Esse resumo seria o nosso Evangelho de Mateus. De igual forma, acreditava que
Marcos e Lucas são excertos desse evangelho aramaico, feitos de acordo com seus pontos
de vista e com os propósitos que tinham em mente. A base para as suposições de Lessing
era uma declaração de Papias de que cada um interpretava a Logia de Mateus como podia.
Eichhorn, por outro lado, acreditava que apenas as seções que eram comuns aos três teriam
vindo diretamente desta fonte aramaica, que, segundo ele, teria sido
escrita por um discípulo de um dos apóstolos, por volta do ano 35 d.C. Supunha ainda que
essa fonte original aramaica foi depois tanto alargada como abreviada, primeiro em
aramaico e depois em grego, e desses muitos evangelhos, produzidos entre 35-60 d.C,
teriam vindo os nossos evangelhos canônicos.
Essa teoria não tem confirmação histórica e não foi aceita por ser altamente improvável.
Como pergunta Thiessen: "Se nossos evangelhos são excertos desta ‘fonte’, por que a
própria fonte não foi preservada? A teoria não consegue explicar a omissão, em vários
evangelhos, de material que seria pertinente ao seu evidente propósito. Se os autores tinham
todo esse material diante de si, por que então não o incluíram todo para atingir os seus
objetivos?" (op. cit., p. 104).
Não se pode negar que as narrativas do evangelho tiveram uma primeira fase de tradição
oral (testemunhas oculares que transmitiram a outros) assim como é certo que essa tradição
também teve, em alguma medida, forma escrita. Lucas afirma isto. O que a teoria não
consegue explicar é como não só há semelhanças no conteúdo e vocabulário dos sinóticos,
mas também na sua seqüência de perícopes e no arranjo do material. Como autores
independentes, usando material fragmentado, poderiam concordar em tantos pontos na
estrutura do seu trabalho? Por isso, a hipótese não tem sido considerada satisfatória.
Embora seja inevitável aceitar que a primeira forma das narrativas dos evangelhos tenha
sido oral, a teoria não explica toda a questão sinótica. Poderia explicar as seções comuns a
todos os três, mas não explica o material encontrado em dois apenas, ou somente em um
deles. Também, visto que essa tradição oral deve ter acontecido na língua aramaica, a
hipótese não explica a semelhança na estrutura e na seqüência das perícopes, nem a
semelhança literal do texto grego. Desta forma, também não é satisfatória.
Vimos que esta hipótese foi primeiro aventada por Agostinho. Ele acreditava que os
evangelhos foram escritos na seqüência em que estão hoje no NT. Mateus é o primeiro,
Marcos é uma condensação de Mateus e Lucas fez uso dos dois.
Foi assim construída a hipótese das duas fontes, nas quais se supõe que os sinóticos se
baseiam: Marcos e a fonte Q. Foi a hipótese que teve mais aceitação até aos dias de hoje;
54
não, todavia, sem muitas críticas. O assunto é muito vasto e complexo para ser discutido
aqui.
As evidências não são conclusivas, mesmo porque não há evidências históricas e textuais
das supostas fontes, nem mesmo da Q. Por que o uso desta Q se limitou apenas a Mateus e
Lucas e não a Marcos? Se a prioridade de Marcos não puder ser provada, ambas as teorias
(duas e quatro fontes) perdem a sua sustentação. Ambas têm sofrido sérios ataques e vão
perdendo defensores. A questão sinótica ainda fica sem resposta definitiva e satisfatória
3. Outras alternativas
Embora o problema sinótico persista, algumas alternativas (mais ortodoxas) têm sido
apresentadas, levando em consideração tanto os fatos conhecidos e provados historicamente
quanto as pressuposições bíblico-teológicas que devemos sustentar:
Desde o início existiu uma tradição apostólica das palavras e dos atos de Jesus. A "doutrina dos apóstolos",
mencionada em At 2:42, seria a transmissão das palavras e dos atos de Jesus, pois esse era o critério para a
escolha de um apóstolo: ser testemunha ocular dos fatos da vida de Jesus (At 1:21). As reflexões eafirmações
teológicas vieram posteriormente, principalmente com o apóstolo Paulo. Assim, é possível que já no início do
Cristianismo os relatos das testemunhas oculares da igreja primitiva foram colocados em forma escrita.
Pelo fato de se falar aramaico e grego na igreja primitiva (At 6 espelha o conflito), era necessário que os
relatos das testemunhas oculares fossem traduzidos para o grego.
Mateus e Pedro podem ter sido os apóstolos responsáveis por essa versão, que teria como pontos principais os
atos de Jesus na Galiléia e em Jerusalém. Seria a "tradição de Jerusalém". João Marcos, companheiro de
Pedro, teria baseado seu evangelho nessa tradição e nos acréscimos das experiências pessoais de Pedro.
A ênfase na versão transmitida por Mateus estaria nos ditos e discursos de Jesus (Logia). Neste ponto, assim
como no anterior, Godet aceita a tradição de Papias tanto sobre a origem de Marcos como sobre a de Mateus.
Mateus teria escrito primeiro um evangelho em aramaico, que era a língua que ele e Jesus falavam. Pelo fato
da igreja primitiva falar duas línguas, Mateus teria preparado também uma tradução grega.
Essas versões de Mateus e Pedro teriam sido registradas por muitos, tanto em aramaico como em grego, às
quais poderiam ter sido feitos acréscimos com perícopes mais extensas da tradição. Estes documentos teriam
formado a base da proclamação da igreja primitiva, como indica Lucas (1:1-4). A igreja primitiva, então,
conhecia fragmentos (diegesis) da tradição escrita, que tiveram influência no evangelho de Marcos.
O evangelho de Mateus recebeu o seu nome pelo fato do autor ter incorporado além da tradição dos
fragmentos de Jerusalém, as palavras de Jesus transmitidas pelo apóstolo Mateus. Godet não parece acreditar
55
A proposta de Godet é apenas mais uma alternativa, contendo suposições também. Tem a
vantagem de não fazer Mateus e Lucas necessariamente dependerem de Marcos, como nas
teorias das fontes.
Conhecimento direto - Mateus, segundo Thiessen, foi o primeiro a escrever e, por ser apóstolo, seria estranho
fazê-lo depender de outras fontes para muito do seu material. Muito pouco da vida e do ministério de Jesus
ficaria fora daquilo que seria o conhecimento direto do autor, segundo Thiessen, mesmo que Mateus tenha
consultado outros apóstolos ou testemunhas oculares, antes de escrever. A inspiração do Espírito Santo
poderia suprir os elementos necessários para fazer do primeiro evangelho um relato original e autoritativo.
Marcos e Lucas, não eram apóstolos e, portanto, não tiveram o mesmo conhecimento direto dos fatos, mas
foram associados com os apóstolos Pedro e Paulo, respectivamente, de quem receberam informações. A base
da confiabilidade, porém, não seria o conhecimento direto, mas a inspiração do Espírito Santo.
O ensino oral - A tradição oral, já discutida aqui, foi outro recurso que informou os escritores nos seus
trabalhos, segundo Thiessen. Cita como exemplos de ensinos de Cristo que foram transmitidos oralmente, sem
registro nos evangelhos, At 20:35 e 1Ts 4:15. Breves relatos escritos (fragmentos - diegesis), que também já
foram discutidos aqui.
A inspiração do Espírito Santo - A supervisão do Espírito Santo no processo de formação dos evangelhos é
apresentada como o recurso último a favor de autoridade dos documentos.
A proposta de Thiessen, ao que nos parece, tem a ver muito mais com a questão da
autoridade dos documentos (sua inspiração) do que com a da sua origem ou formação. É
verdade que as teorias críticas não levam em consideração o fator inspiração (sobrenatural)
e tratam o texto apenas do ponto de vista literário e histórico. Ter em mente o elemento
sobrenatural é preocupação justa e necessária. Mesmo assim, nossas pressuposições
teológicas, conquanto válidas e necessárias, não devem impedir-nos de buscar explicações
que, porventura, possam nos ajudar a entender melhor o próprio texto, desde que coerentes
com essas pressuposições. A proposta de Thiessen não parece explicar o problema sinótico.
Ainda as semelhanças e diferenças no texto, tanto no seu conteúdo quanto na sua estrutura,
ficam sem solução.
escritas que, eventualmente, tenham servido para a formação dos evangelhos, estão tratando
com a Crítica das Fontes. E quando buscam estudar os objetivos teológicos do evangelista
no uso das fontes, ou seja, na seleção do material e no uso que faz dele, estão tratando com
a Crítica da Redação. Todas essas práticas têm sido usadas, geralmente, de modo destrutivo,
e têm minado a confiança de muitos na autoridade e confiabilidade das Escrituras. Mas isto
não significa que elas não servem para nada. Muito pode ser aprendido através da
contribuição desses críticos, sem prejuízo das nossas convicções. Uma dessas contribuições
está exatamente em mostrar que os evangelistas não eram simples biógrafos ou narradores
de fatos, mas interpretes deles, e os usaram para os fins específicos que tinham em vista,
visando o seu público alvo. Não eram apenas historiadores ou escritores, mas teólogos.
A Crítica da Redação ensina-nos a ver os evangelhos sinóticos não apenas como uma
coletânea de passagens isoladas a que um determinado autor deu um enredo de seqüência
mais ou menos lógica, mas como a obra de um escritor que tinha um propósito em vista e
que, para atingi-lo, selecionou as passagens da tradição do Evangelho (oral ou escrita) que
mais se prestavam a esse fim, deu-lhes uma redação adequada e peculiar e revestiu-as de
suas próprias interpretações teológicas. O Evangelho é visto como a obra de um autor e não
como um amontado de pequenas unidades literárias, que porventura tenham sido ajuntadas
por um editor. Os evangelistas são vistos como autores do Evangelho e não meros
colecionadores de fragmentos da tradição... esse método permite ao exegeta conhecer a
contribuição que cada evangelista dá às tradições que tinha em mãos, através de uma
comparação de seus múltiplos testemunhos de Cristo. É, portanto, de grande utilidade para
a compreensão das diferentes ênfases dadas a um mesmo fato da tradição, e de substancial
ajuda na solução de aparentes discrepâncias. Embora não resolva todas as questões
levantadas pelo problema sinótico, a Critica da Redação pode nos ajudar a entender muitas
das diferenças que existem entre os escritos dos vários evangelistas.
D. João e Atos
Como já foi dito, o Evangelho de João tem abordagem diferente da dos sinóticos. Nele, os
ensinamentos e milagres de Jesus são apresentados como temas para longas reflexões
teológicas sobre a pessoa e obra do Filho de Deus. Por isso ele é chamado, desde os dias de
Clemente de Alexandria, de "evangelho espiritual" (cf. Eusébio, H.E., VI, xiv).
De igual forma, Atos, embora seja o livro que registra os fatos históricos relacionados com
a Igreja Cristã nos seus primeiros anos, não deve ser considerado apenas como um livro
histórico. Visto deste ângulo, Lucas teria falhado no seu propósito. Muito pouco da história
da Igreja nos dias apostólicos é narrado. Os fatos ali dizem respeito quase que
exclusivamente ao apostolado de Pedro, João e, principalmente, Paulo. Nada é dito do
trabalho dos demais apóstolos e da origem de outras igrejas. O propósito de Lucas foi mais
teológico do que histórico. Foi mostrar como as profecias feitas ao povo de Israel se
cumpriram na Igreja
(o Israel de Deus) e como ela se expandiu como agente do Reino, levando a mensagem
evangelística desde Jerusalém (judeus) até os "confins da terra" (Roma, o centro de
irradiação para todo o mundo gentílico da época).
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Implicações Práticas
Sem os evangelhos e sem o livro de Atos não conheceríamos a história de Cristo e dos
apóstolos. Nossa fé não estaria baseada em fatos conhecidos, testemunhados por aqueles
que os presenciaram. O Cristianismo não é apenas uma religião de princípios e idéias. É um
acontecimento histórico, devidamente registrado. Paulo deu grande ênfase nisto quando
disse aos coríntios: "Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual
recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra
tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o
que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e,
depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais
a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por Tiago, mais
tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como
por um nascido fora de tempo" (1Co 15:1-8). E João afirma: "O que era desde o princípio,
o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos,
e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a
temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com
o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros,
para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o
Pai e com seu Filho, Jesus Cristo" (1Jo 1:1-3). Esta é a característica do evangelho pregado
pelos apóstolos. Um evangelho de verdades e fatos testemunhados. E é nos evangelhos e
em Atos que esses fatos, devidamente interpretados, têm o seu registro. Louvado seja Deus
por nos dar a conhecer tão grandes acontecimentos, que fazem toda a diferença!
Introdução
As epístolas ocupam um lugar importantíssimo no corpo do Novo Testamento. Dos 27
livros que o compõem, 21 são epístolas. E dentre essas 21 epístolas, 13 são de Paulo. Esses
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números salientam a importância que esse gênero literário teve para a formação do Cânon
do NT e mostram também a grande contribuição que Paulo deu para a Igreja de Cristo,
tanto para os seus dias e como em todo o tempo até hoje. Atenção especial às epístolas, e
em particular às de Paulo, é essencial para o estudo do Novo Testamento.
Há alguns que fazem distinção técnica (terminológica) entre “epístola” e “carta”. A epístola
seria mais formal, seguindo uma estrutura padrão e geralmente de caráter público, ao passo
que a carta seria mais pessoal, sem preocupações formais rígidas e de caráter particular.
Essa distinção, de modo geral, não tem sido aceita para com os livros do NT (os desse
gênero). Epístolas e cartas são termos usados permutavelmente pelos estudiosos, mesmo
porque as epístolas do NT não seguem padrões rígidos como as gregas, ainda que poucas
sejam pessoais e, ao que tudo indica, nenhuma é de caráter estritamente privado. Filemon,
considerada a mais pessoal de todas, dado o assunto de que trata, é também dirigida a Áfia,
Arquipo e à igreja que se reunia na casa de Filemon. 3João, embora endereçada a Gaio,
trata de assuntos eclesiásticos, e sua preservação e circulação provam que foi aceita como
de interesse de toda a Igreja. “Carta” e não “epístola” tem sido o nome mais usado,
ultimamente.
A estrutura típica de uma epístola greco-romana era constituída de quatro partes: pessoa ou
grupo endereçado, saudação, corpo e conclusão. As epístolas ou cartas neotestamentárias
seguem até certo ponto essa estrutura, mas não de modo rígido. Algumas, como Hebreus e
1João, não têm endereçados (destinatários), nem saudação. As cartas paulinas (todas) e 1 e
2Pedro e 2João substituem a saudação por uma oração por bênçãos. O caráter pastoral e
religioso dessas cartas certamente é a razão porque uma saudação formal foi substituída por
um desejo ou oração, mais adequados à relação entre pastor e rebanho. Nas cartas paulinas,
com exceção de Gálatas, 2Coríntios, 1Timóteo e Tito, a oração por bênçãos é seguida de
ações de graças ou de uma doxologia.
O corpo das cartas bíblicas varia de acordo com o propósito com que foram escritas. Temos
desde longos tratados teológicos, como em Romanos e Hebreus, como conselhos pastorais,
respostas a questões práticas, admoestações, pedidos pessoais, etc. Um dos aspectos em que
algumas cartas bíblicas se diferenciam das suas contemporâneas seculares é o da sua
extensão. As bíblicas, são, em geral, mais longas. Segundo D.A. Carson, D.J. Moo e L.
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Morris, Cícero escreveu 776 cartas, com comprimento entre 22 e 2.530 palavras; Sêneca
escreveu 124 cartas, com comprimento entre 149 e 4.134 palavras. As cartas de Paulo têm
um comprimento médio de 1.300 palavras e Romanos tem 7.114 (Introdução ao Novo
Testamento, Vida Nova, p. 263). Também é próprio das cartas bíblicas conter, junto com a
saudação final (conclusão), uma doxologia ou bênção.
B. O modo da redação
Na antigüidade, as cartas podiam ser redigidas de três modos: a) por redação manuscrita do
próprio autor, por ditado textual feito pelo autor e redigido por um secretário, e ainda c) por
palavras ou idéias-chaves dadas pelo autor, redação feita pelo secretário e confirmação
final do texto com saudação pessoal feita pelo autor. É possível que essas três formas
tenham sido usadas pelos autores das epístolas.
Pelo menos em Romanos temos uma evidência clara do uso de amanuense. Tércio se
identifica como tal (16:22). Em Gl 6:11 temos a menção de que Paulo escreveu de seu
próprio punho (com letras grandes), o que pode referir-se tanto a toda a epístola como à
saudação final. Filemon, certamente, foi toda escrita por Paulo de próprio punho (Fm 19).
Em algumas cartas, como nas duas aos Coríntios, Filipenses e nas duas aos
Tessalonicenses, Paulo menciona outros companheiros seus como remetentes também. Não
é certo, nem provável, que eles tenham tido alguma participação na autoria. As evidências
são contrárias à idéia. Em Filipenses, por exemplo, há um elogio a Timóteo (19-24), o qual
figura no início da carta como um dos remetentes (1:1). Seria estranho que Timóteo fizesse
um elogio a si mesmo (a menos que a prática de certos pregadores atuais já estivesse em
moda...). A questão mais discutida é sobre o processo do ditado. Como era feito? Palavra
por palavra ou por idéias chaves? Algumas situações na vida de Paulo podem sugerir que
dificilmente ele pudesse ditar ou escrever de próprio punho algumas de suas cartas, como
as da prisão. A proposta de que algumas cartas foram redigidas por secretários, a partir de
um conteúdo dado pelo autor, ajuda a entender diferenças de estilo e de linguagem. Mas até
que ponto isso pode ser aceito sem ferir o nosso conceito de inspiração verbal? O ponto
mais importante da discussão, ao nosso ver, que não pode ser esquecido, é que o autor final,
aquele que
apunha a sua assinatura como selo de autenticidade, era sempre o que fora inspirado
(movido pelo Espírito Santo) para a produção das idéias e para a conferência e confirmação
final das mesmas, caso esta hipótese de ditado de idéias-chaves tenha acontecido. Paulo,
por exemplo, sempre conferiu suas cartas, se não as escreveu de próprio punho, e as atestou
com sua saudação final. Quer fossem palavras suas ou de seu secretário, em última
instância, eram as que recebiam a sua autenticação como expressão fiel de seu pensamento.
A diferença entre o grego das pastorais e o das outras epístolas tem sido explicada, por
alguns, através desta hipótese. As pastorais teriam sido escritas por um secretário
(amanuense), que alguns acreditam ter sido Lucas (2Tm 4:11).
Não há qualquer dúvida de que Paulo não apenas foi considerado apóstolo pela Igreja, mas
ele próprio defendeu essa prerrogativa como essencial para estabelecer a sua autoridade
como ministro e como escritor de cartas. A sua autoridade está vinculada ao seu apostolado.
Que Paulo defendeu a sua autoridade de apóstolo e, por conseguinte, a sua autoridade para
escrever cartas inspiradas, pode ser deduzido de suas reivindicações, já vistas na aula 7, e
aqui repetidas para maior clareza e ênfase:
Ele reivindica:
Estas reivindicações são fundamentais para a aceitação das epístolas paulinas como
canônicas, e , por isso, a igreja primitiva, que as aceitava, nunca teve problemas com a
autoridade de Paulo como escritor de cartas inspiradas.
D. A Compilação das Epístolas Paulinas
Não é sabido quando ou como as epístolas de Paulo foram coligidas e passaram a circular
em um só conjunto. A referência mais antiga a um conjunto de cartas paulinas, como vimos
no estudo sobre o Cânon, é a lista de Marcião (por volta de 140-150 d.C.), que considerava
apenas 10 das cartas de Paulo como inspiradas (ele omitiu as pastorais). Alguns acreditam
que ele tenha sido o primeiro a fazer algum tipo de compilação. Outros acreditam que por
volta do ano 100 d.C. já as epístolas paulinas circulavam como um conjunto e não
separadamente, formando o que chamam hoje de Corpus Paulinum (cf. F.F. Bruce,
Romanos – introdução e comentário, Vida Nova e Mundo Cristão, p. 23). A ordem de Paulo
para que suas epístolas fossem lidas em outras igrejas (pelo menos no caso da de
Colossenses - 4:16) leva a supor que com essa permuta de correspondência epistolar, a
reunião em um só conjunto teria sido feita não muito depois da escrita da última, ainda no
1º século, quem sabe por um dos discípulos de Paulo. Alguns sugerem Timóteo. Outros,
Lucas.
E. Paulo e a Pseudonímia
Uma breve palavra deve ser dita a respeito de algumas obras atribuídas a Paulo mas que, na
verdade, foram escritas em época posterior a ele e não foram aceitas pela Igreja. São os
apócrifos Atos de Paulo (c. 170 d.C.) e a Epístola aos Laodicenses (4º século?). O fato de se
atribuir autoria falsa a um livro é denominado pseudonímia (do grego pseudos - falso).
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Embora a prática hoje seja totalmente condenada e até configure crime, na antigüidade era
razoavelmente comum e até aceita como uma forma de se exaltar as qualidades daquele a
quem a obra era atribuída. Geralmente ela não era reconhecida pelos leitores como sendo
daquele a quem foi atribuída. É o caso do livro de Enoque, citado por Judas, que é atribuído
ao Enoque, ancestral da raça humana. Nos círculos judaicos, apenas duas cartas, a Epístola
de Jeremias e a Carta de Aristéias pertencem a esta categoria e mesmo assim, como diz a
obra de Carson (et al), nenhuma delas é realmente uma carta (op. cit. , p. 405). A primeira é
um pequeno sermão e a segunda um relato da tradução da Septuaginta (já citado em aula
anterior em relação à LXX). Como não temos epístolas no AT, e como Aristéias não é nome
de autor canônico, essas obras não configuram propriamente um precedente pseudonímico
de cartas. A pseudonímia era mais comum nos gêneros conhecidos como apocalípses,
evangelhos e atos.
Não há qualquer evidência de que a Igreja cristã aceitasse livros pseudônimos como parte
do Cânon. Pelo contrário, o próprio Paulo advertiu os tessalonicenses para que não
aceitassem, quer por palavra, quer por epístola, como se procedesse dele, o ensino de que o
Dia do Senhor já havia chegado (2Ts 2:2), e mais à frente, no final da carta, assina de
próprio punho para que os leitores pudessem reconhecer a sua assinatura e certificar-se de
que era ele mesmo (e não um pseudônimo) quem a tinha escrito: “A saudação é de próprio
punho: Paulo. Este é o sinal em cada epístola; assim é que eu assino”, diz ele (3:17). Não é
preciso prova mais clara de que a pseudonímia, embora já existisse nos círculos cristãos,
não era e não deveria ser reconhecida como legítima pela Igreja. Paulo advertiu contra ela.
Entre os autores bíblicos, era comum a prática da anonimia (ausência do nome do autor)
como nos quatro evangelhos, Atos, Hebreus, 1João e até mesmo 2 e 3João, em que o termo
“presbítero” não identifica propriamente o autor. Nunca, a pseudonímia. Os Atos de Paulo
(uma carta supostamente escrita à igreja de Corinto, a 3ª) e a Epístola aos Laodicenses (um
apanhado de textos e expressões paulinos extraídos principalmente de Filipenses, para
preencher a lacuna da carta mencionada em Cl 4:16, cf. Carson, et al, op. cit., p. 408)
circularam entre cristãos e até chegaram a ser vistos como parte do cânon em alguns setores
da igreja (síria e armênia, no caso de Atos de Paulo), mas foram finalmente rejeitadas,
exatamente por serem pseudônimas.
Além disso, como o critério para aceitação no Cânon era o fato do livro ter sido escrito por
apóstolo, ou alguém ligado a apóstolo, seria impossível que um livro pseudônimo fosse
aceito, uma vez que não teria sido escrito realmente por apóstolo. Algumas das questões
debatidas na questão canônica foram exatamente se o autor mencionado no livro era de fato
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o apóstolo que tinha aquele nome, como nos casos de 2Pedro e Apocalipse. Só quando a
Igreja ficou convencida de que eram de fato os apóstolos Pedro e João os seus autores, esse
livros foram aceitos.
Uma última questão sobre esse assunto tem a ver com o nosso conceito de inspiração.
Como pergunta Gerhard Horster: “Será que para o Espírito Santo a pseudonímia teria sido
tão sem importância” (Introdução e Síntese do Novo Testamento, Editora Evangélica
Esperança, p. 81). Uma alegação falsa, ainda que aceita na prática literária da época, seria
própria de um autor que escrevia movido pelo Espírito Santo e que tinha a consciência de
estar sendo usado como veículo da revelação divina para falar a verdade de Deus? Vê-se
que a pseudonímia é inteiramente incompatível com nosso conceito de inspiração e cânon.
Paulo a Timóteo
Tito Eclesiologia e Soteriologia Instruções sobre a organização da
Igreja, a sã doutrina e a conduta
cristã
Filemon Carta pessoal Paulo intercede por um irmão em
Cristo junto a outro
Implicações Práticas
O Cristianismo muito deve a Paulo em todos os tempos. Não foi ele apenas o missionário
desbravador de campos pioneiros, o grande campeão da fé, como também o principal
escritor de epístolas bíblicas, legado que deixou para o Cristianismo de todas as épocas.
Não fossem suas epístolas e pouco saberíamos de seu pensamento (que alguns chamam de
sua teologia), a não ser através de seus discursos registrados em Atos (o que já é algo
considerável). São suas epístolas que formam o fulcro da essência teológica que tem sido
desenvolvida pelos estudiosos através dos anos. Até hoje o pensamento de Paulo é estudado
e investigado com contribuições substanciais para a compreensão da verdade de Deus.
Talvez sobre nenhuma outra pessoa, exceto Cristo, tenha se escrito tanto em todos os
tempos, quanto sobre Paulo. As suas obras continuam sendo a riqueza da Igreja, tanto no
seu conteúdo teológico quanto prático. Foi o homem que Deus usou por excelência, no
primeiro século, para lançar os sólidos alicerces doutrinários da Igreja, os quais hão de
permanecer até o fim. Conhecer sua doutrina e imitar sua fé é o mínimo que podemos fazer
hoje para manter a firmeza da Igreja, em dias tão conturbados!
Introdução
Além das epístolas Paulinas, que são em maior número, há ainda outras oito, comumente
chamadas de epístolas gerais ou católicas. E, por fim, vem o livro de Apocalipse,
terminando a coleção de livros sagrados do Novo Testamento. As epístolas gerais
classificam-se no gênero já estudado na última aula. O livro de Apocalipse representa um
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gênero específico na literatura do NT. Uma breve introdução a esse conjunto de livros se
faz necessária, para completar nossa visão panorâmica do Novo Testamento.
Sobre a contribuição das Epístolas Gerais à mensagem do NT, dizem Bruce Wilkinson e
Kenneth Boa: Essas oito epístolas exercem uma influência fora de proporção com a sua
extensão (menos de 10 por cento do Novo Testamento). Elas suplementam as treze
Epístolas Paulinas oferecendo perspectivas diferentes sobre a riqueza da verdade cristã.
Cada um dos cinco autores, Tiago, Pedro, João, Judas e o autor de Hebreus, tem uma
contribuição distinta a fazer, a partir de seu próprio ponto de vista. Como as quatro
abordagens complementares sobre a vida de Cristo nos Evangelhos, estes escritores
provêem um extenso retrato da vida cristã, no qual o todo é maior que a soma das partes.
Grandes como são as epístolas de Paulo, a revelação do Novo Testamento depois de Atos
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ficaria severamente limitada com uma só perspectiva apostólica, se não fossem incluídos os
escritos destes cinco homens (citados por J. Hampton Keathley III in: Concise New
Testament Survey, http://www.bible.org/docs/nt/survey/nt-05.htm#TopOfPage).
D. O Apocalipse
O título do livro é extraído da primeira palavra de seu texto grego, apokalypsis, que quer
dizer "revelação". É o único livro do NT caracteristicamente profético. Suas primeiras
palavras apresentam a natureza de seu conteúdo: "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe
deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer..." (1:1). É
também o mais controvertido e de mais difícil interpretação. Diferentes formas de se
entender as visões e o período do reinado de Cristo, descrito no capítulo 20 (chamado de
milênio), têm produzido abordagens e interpretações à mensagem profética do livro
igualmente diferentes. É, não obstante, um livro de conforto para a Igreja, qualquer que seja
a interpretação adotada, porque apresenta a vitória final de Cristo sobre Satanás e sobre
todos os nossos adversários, inclusive a morte. A perspectiva futura é a da vinda de Cristo
para consumar sua vitória e dar a bem-aventurança eterna a todos os que são seus.
profecia e dar uma explicação aos muitos sofrimentos porque passava o povo judeu.
Procuravam também trazer conforto e esperança por acenar com um futuro glorioso e bem
sucedido, numa era vindoura. Por isso, essa literatura é geralmente caracterizada como
escatológica. Esse conforto era trazido através de supostas revelações que explicavam que o
mal que prevalecia naquela época teria um fim, desvendavam segredos celestiais e
prometiam a vinda do reino de Deus, como livramento da aflição. O livro Assunção de
Moisés (fim do 1º século a.C.), assim como IV (na Vulgata) ou II Esdras e o Apocalipse de
Baruque (ambos do fim do 1º século d.C.) são alguns desses apocalipses. Os Testamentos
dos Doze Patriarcas (2º século a.C.) inclui predições sobre o destino futuro de cada tribo.
No período do NT também muitos apocalipses surgiram, como vimos na aula 8. (Nota: Na
Vulgata o I Esdras é o Esdras canônico, o II Esdras é o Neemias canônico, o III Esdras é o
Esdras grego e o IV Esdras é o Esdras apocalíptico)
Não se deve confundir o livro canônico do Apocalipse com esse tipo de literatura, embora
seja também escatológico. A literatura apocalíptica era, na maioria dos casos, imitativa e
pseudônima. Os profetas canônicos como Daniel e Ezequiel eram os modelos que os
apocalípticos procuravam imitar, simulando sonhos e visões. Como Deus não falava mais
através de profetas vivos, punham as suas palavras na boca de algum santo ou profeta do
AT. Era o modo de validar sua mensagem perante os seus contemporâneos. A presente
ordem, de sofrimentos e lutas, daria lugar a uma outra, com a vinda do reino, também de
caráter temporal e não cósmico ou metafísico, em que o mal já não existiria. Daí o conceito
de duas épocas ou séculos: o presente e o vindouro. O presente é mau. O vindouro será o do
reino de Deus. A literatura apocalíptica é também determinista, pois a vinda do reino
depende inteiramente de Deus e não pode ser apressada nem adiada pelos homens. O reino
virá independentemente das condições naturais ou humanas. É também pessimista. Deus
retirou sua ajuda ao seu povo e só vai triunfar na vinda do reino, no século vindouro. Por
outro lado, não anunciava juízo nem castigo contra seu povo. Para os apocalípticos, Israel
era justo e o seu sofrimento não tinha explicações, a não ser o determinismo de Deus.
Faltava-lhe o caráter ético da profecia bíblica, em que o mal é sempre retratado como
conseqüência do pecado e das transgressões humanas.
É verdade que certos conceitos, como o da era atual e o da futura, e o do triunfo do Reino
de Deus, estão presentes também na escatologia ou apocalíptica bíblica. Mas na revelação
bíblica não há determinismo e sim um Deus providente, que age através da história para
cumprir os seus propósitos. Nela os juízos de Deus têm uma causa e uma explicação. O
Apocalipse de João não é uma imitação dos profetas do AT. É nova revelação que
acrescenta à antiga e a esclarece. O livro não é pseudônimo. Seu autor se identifica e
apresenta a sua obra como profecia autêntica (1:1-3). Nem é pessimista. Deus não
abandonou o seu povo na presente era. Cuida dele e o leva à vitória. Os santos vencerão a
besta, ainda que sofrendo o martírio, e triunfarão. Além disso, há exortações e repreensões e
não passividade ética como na literatura apocalíptica. As sete cartas dos capítulos 2 e 3
mostram um Deus cuidando da sua igreja e repreendendo-a, quando necessário, para que
seja vitoriosa.
Implicações Práticas:
Através de diferentes gêneros literários Deus se deu a conhecer, revelou o futuro e proveu à
sua igreja a instrução de que necessita para a sua trajetória triunfante. Ao lado da ênfase
reformada na Sola Scriptura ("Só a Escritura") está a da Tota Scriptura ("Toda a
Escritura"). Não podemos valorizar um livro da Bíblia em prejuízo de outro. As cartas
gerais são tão preciosas e úteis quanto as paulinas. A ênfase de Tiago nas obras como a
evidência da fé (ou a justificação diante dos homens, como preferem alguns) é tão
importante quanto à de Paulo na fé como meio exclusivo de justificação. Falhou Lutero,
quando considerou Tiago uma "epistola de palha", inflamado que estava com o ensino da
salvação pelas obras da Igreja Romana. Deixou de ver a preciosidade escondida atrás de tão
contundente revelação. Uma revelação não seria completa sem a outra. Do mesmo modo,
não devemos valorizar menos o livro do Apocalipse só porque não o compreendemos
perfeitamente. A revelação de Deus às vezes também esconde. Tenhamos a humildade de
reconhecer nossa ignorância e os olhos da fé abertos para contemplar as maravilhas daquilo
que podemos compreender!
Esta é a aula final e visa dar algumas implicações práticas dos pontos
principais do curso. Seu propósito é aplicar as lições estudadas, para
que o proveito não seja apenas intelectual. Promover o crescimento
espiritual é também um dos objetivos deste curso.
De tudo que vimos neste estudo panorâmico do Novo Testamento podemos tirar algumas
conclusões, que podem ser sumariadas nos seguintes pontos:
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As condições propícias que a primeira vinda de Cristo encontrou deixam claro que Deus
estava preparando cada detalhe e conduzindo a história para esse grande acontecimento. O
Cristianismo encontrou um povo sedento da verdade e envolto na mais crassa ignorância
espiritual; um governo centralizado, que possibilitava viagens e intercâmbios com
segurança; uma língua universal, que tornava a comunicação entre diferentes povos
possível, e na qual já havia a revelação do AT traduzida (LXX); e uma religião (judaísmo),
que lhe serviu de base e ponto de partida. Tudo convergia para a execução desse
maravilhoso propósito de Deus. Era, de fato, a "plenitude dos tempos" (Gl 4:4).
Nem tudo que foi revelado foi registrado (escriturado – Jo 20:30-31), mas o que foi
registrado tem valor permanente. É para que nos conduzamos por essa regra. A Confissão
de Fé de Westminster consubstancia assim esse ensino, no seu capítulo I:
II. Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora
todos os livros do Velho e do Novo Testamento ... todos dados por inspiração de
Deus para serem a regra de fé e de prática (Ref. Ef 2:20; Ap 22:18-19: 2Tm 3:16;
Mt. 11:27).
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III. Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não
fazem parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de
Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como
escritos humanos (Ref. Lc 24:27,44; Rm 3:2; 2 Pe 1:21).
IV. A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida,
não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de
Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é
a palavra de Deus (Ref. 2Tm 3:16; 1Jo 5:9, 1Ts 2:13).
VI. Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias para a glória
dele e para a salvação, fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na
Escritura ou pode ser lógica e claramente deduzido dela. À Escritura nada se
acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por
tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a íntima iluminação
do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na palavra, e
que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja,
comum às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da
natureza e pela prudência cristã, segundo as regras gerais da palavra, que sempre
devem ser observadas (Ref. 2Tm 3:15-17; Gl 1:8; 2Ts 2:2; Jo 6:45; 1Co 2:9, 10, l2;
1Co 11:13-14).
VII. Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo
modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e
observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente
expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso
dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas (Ref. 2Pe
3:16; Sl 119:105, 130; At 17:11).
trabalho humano de interpretação. Mas a aceitação das verdades espirituais que ela
apresenta só é possível ao homem iluminado pelo Espírito.
A Confissão de Fé de Westminster (I, VI) afirma: Pelo testemunho da Igreja podemos ser
movidos e incitados a um alto e reverente apreço da Escritura Sagrada; a suprema
excelência do seu conteúdo, e eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a
harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a
plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras
excelências incomparáveis e completa perfeição, são argumentos pelos quais
abundantemente se evidencia ser ela a palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão
e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do
Espírito Santo, que pela palavra e com a palavra testifica em nossos corações (Ref. 1Tm
3:15; 1Jo 2:20,27; Jo 16:13-14; 1Co 2:10-12).
E ainda (I, VIII): O Velho Testamento em Hebraico (língua vulgar do antigo povo de Deus)
e o Novo Testamento em Grego (a língua mais geralmente conhecida entre as nações no
tempo em que ele foi escrito), sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu
singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso
autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles
como para um supremo tribunal; mas, não sendo essas línguas conhecidas por todo o povo
de Deus, que tem direito e interesse nas Escrituras e que deve no temor de Deus lê-las e
estudá-las, esses livros têm de ser traduzidos nas línguas vulgares de todas as nações
aonde chegarem, a fim de que a palavra de Deus, permanecendo nelas abundantemente,
adorem a Deus de modo aceitável e possuam a esperança pela paciência e conforto das
escrituras (Ref. Mt 5:18; Is 8:20; 2Tm 3:14-15; 1Co 14; 6, 9, 11, 12, 24, 27-28; Cl 3:16;
Rm 15:4).
Deus dirigiu a sua igreja para definir os limites do cânon inspirado e preservá-lo, e ainda a
usa para produzir as traduções nas diversas línguas atuais, a fim de que a sua Palavra, dada
no passado, continue a ser a sua revelação permanente, em todos os tempos. Que sejamos
estimulados a conhecê-la, amá-la e obedecê-la, porque é assim que iremos conhecer, amar e
obedecer a Deus!