Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Determinismo e o Livre-Arbtrio PDF
Determinismo e o Livre-Arbtrio PDF
ARTIGO TEOLÓGICO
1
Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
por
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar a perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15
(Eclesiastes 3.1-15) a partir da relação dialética existente entre os conceitos filosóficos e
teológicos do determinismo e do livre-arbítrio. E, para podermos alcançar esse objetivo,
daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria tradução do texto original
hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves observações lexicais e semânticas.
Em segundo lugar, forneceremos quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o
determinismo e o livre-arbítrio. E, em terceiro lugar, faremos a leitura da perícope estudada
através da ótica do determinismo e do livre-arbítrio. Neste terceiro item, nos valeremos
principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas.
Palavras-Chave: Qöheºlet, Eclesiastes, Determinismo, Livre-Arbítrio, Interpretação.
RESUMEN
ABSTRACT
This article aims to analyze the biblical passage of Qöheºlet 3.1-15 (Ecclesiastes 3.1-
15) from the dialectical relationship between the theological and philosophical concepts of
determinism and free will. And in order to achieve this goal, we will give three basic steps.
First, we shall give our own translation of the original Hebrew text, which will be
accompanied by some brief lexical and semantics observations. Secondly, we will provide
four views on the relationship between determinism and free will. And thirdly, we will read
the passage studied through the lens of determinism and free will. In this third item, we will
use especially the views and comments made by Jewish sources.
Keywords: Qöheºlet, Ecclesiastes, Determinism, Free Will, Interpretation.
1
Este artigo foi apresentado originalmente como trabalho em 06/2011 para a Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (Departamento de Letras Orientais) da Universidade de São Paulo (USP).
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
INTRODUÇÃO
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Esse livro sapiencial, que foi escrito provavelmente entre os séculos IV e III
a.C.,3 é, no mínimo, “um livro estranho”, para usar as palavras de Haroldo de
Campos.4 E essa “estranheza” se deve, segundo Robert Balgarnie Young Scott, a
três fatores principais: 1) à divergência radical entre o conteúdo de Qöheºlet e
aquele encontrado no resto da Bíblia Hebraica, 2) à língua na qual o livro foi
escrito e 3) ao nome do livro. De acordo com Scott:
2
FRIEDMAN, Richard Elliott. O Desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro, Imago,
1997, p.284.
3
CERESKO, Anthony R. Introdução ao Antigo Testamento numa Perspectiva Libertadora. São Paulo,
Paulus, 1996, p.299. Para maiores informações sobre a data em que Qöheºlet foi escrito, veja: ARCHER,
Gleason L. The Linguistic Evidence For the Date of “Ecclesiastes”. [Journal of the Evangelical
Theological Society].Vol.12, nº3, Louisville, Evangelical Theological Society Press,1969, pp.167-181.
4
CAMPOS, Haroldo de. Qohélet = O-que-sabe: Eclesiastes: poema sapiencial. São Paulo, Editora
Perspectiva, 1991, p.17.
Página | 2
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
ou título poderia designar um mestre ou acadêmico que reúne em torno de si
alunos ou discípulos, como, aliás (nos é dito em xii 9), Qohelet fez.5
5
SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes. Vol. 18. [The Anchor Bible]. New York, Doubleday,
1965, pp.191,192.
6
Ceresko, comentando sobre o conteúdo de Qöheºlet, afirma: “a obra quase soa moderna em suas
inquisitivas reflexões”. (Cf. CERESKO, Anthony R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade
libertadora. São Paulo, Paulus, 2004, p.100).
7
JONG, Stephan de. “Quítate de Mi Sol!”: Eclesiastés y La Tecnocracia Helenística. Quito, Ribla
[Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº 11, 1992, p.1.
Página | 3
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
na metade do III século a.C.8
Seja como for, em nosso trabalho, buscaremos tratar basicamente da
relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio a partir da
análise da perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15. E, a fim de podermos atingir o
nosso objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria
tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves
observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro
pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio.
Em terceiro lugar, faremos o comentário do texto ora estudado, a partir da ótica
da relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio, visando
compreender melhor o seu significado. Neste terceiro item, nos valeremos
principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas. Depois
disso tudo, mencionaremos finalmente algumas conclusões às quais chegamos ao
término do nosso trabalho.
Feitos estes esclarecimentos, avancemos, então, em nosso estudo.
8
REIMER, Haroldo. “Y ver la parte buena de todo su trabajo” (Eclesiastés 3,12) – Anotaciones Sobre
Economia y Bienestar en la vida del Eclesiastés. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-
Americana], Nº51, 2005, p.1.
Página | 4
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
mais confiável da Bíblia Hebraica tanto por eruditos judeus, quanto por eruditos
cristãos em todo o mundo. A nossa tradução desse texto buscará ser a mais literal
possível, a fim de valorizar as nuances e características do texto hebraico clássico
(bíblico). Eis o texto hebraico de Qöheºlet 3.1-15 e a sua respectiva tradução:
Página | 5
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
6
Tempo para buscar ‘vQeb;l. t[eÛ 6
E tempo para perder dBeêa;l. t[eäw>
Tempo para guardar rAmàv.li t[eî
E tempo para lançar
`%yli(v.h;l. t[eîw>
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
7
Tempo para rasgar ‘[:Ar’q.li t[eÛ 7
E tempo para costurar rAPêt.li t[eäw>
Tempo para calar tAvßx]l; t[eî
E tempo para falar
`rBE)d:l. t[eîw>
8
Tempo para amar ‘bhoa/l,( t[eÛ 8
E tempo para odiar anOëf.li t[eäw>
Tempo de guerra
hm'Þx'l.mi t[eî
E tempo de paz
`~Al)v' t[eîw>
9
Que proveito (tem) ‘!Art.YI-hm; 9
O trabalhador hf,êA[h'(.
No que ele trabalha?
`lme([' aWhï rv<ßa]B;
10
Eu tenho visto a tarefa !y"©n>[ih'(-ta, ytiyaiär" 10
Que deu Deus ~yhi²l{a/ !t:ôn" rv,’a]
Aos filhos do homem ~d"Þa'h' ynEïb.li
Para estarem ocupados nela.
`AB* tAnð[]l;
11
Tudo fez belo em seu tempo;
Também o mundo deu no coração
AT=[ib. hp,äy" hf'Þ[' lKoïh;-ta, 11
deles, ~B'êliB. !t:ån" ‘~l'[oh'-ta, ~G:Ü
De tal modo que não descubra o ~d"ªa'h' ac'äm.yI-al{ rv<ôa] yliúB.mi
homem
A obra que fez Deus
~yhiÞl{a/h' hf'î['-rv,a] hf,²[]M;h;(-ta,
Desde o princípio e até o fim `@As)-d[;w> varoïme
12
Eu sei que não há nada !yaeî yKi² yTi[.d:§y" 12
Melhor para eles ~B'_ bAjß
Que se alegrarem x:Amêf.li-~ai yKiä
E fazerem (o) bem em sua vida
`wyY")x;B. bAjß tAfï[]l;w>
Página | 6
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
13 ‘~d"a'h'-lK' ~g:Üw> 13
E também todo homem
Que coma e beba ht'êv'w> lk;äaYOv,
E veja (o) bem bAjß ha'îr"w>
Em todo seu trabalho Al+m'[]-lk'B.
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Isso (é) um dom de Deus `ayhi( ~yhiÞl{a/ tT;îm;
14
Eu sei que tudo (o) que fez Deus ‘~yhil{a/h' hf,Û[]y: rv,’a]-lK' yKiû yTi[.d:ªy" 14
Ele (Isso) será para sempre
~l'êA[l. hy<åh.yI aWh…
Sobre ele (isso) nada (há) para
acrescentar @ysiêAhl. !yaeä ‘wyl'['
E dele (disso) nada (há) para tirar [:ro+g>li !yaeä WNM,ÞmiW
E Deus (o) fez hf'ê[' ~yhiäl{a/h'w>
(para) que temam em face dele `wyn")p'L.mi Waßr.YI)v,
15
O que foi ‘hy"h'V,(-hm; 15
Ele já (é) aWhê rb"åK.
E (o) que será tAyàh.li rv<ïa]w:
Já foi
hy"+h' rb"åK.
E Deus buscará o perseguido
`@D")r>nI-ta, vQEïb;y> ~yhiÞl{a/h'w>
Há algumas observações que devem ser feitas aqui sobre alguns vocábulos
em hebraico que aparecem em Qöheºlet 3.1-15 e os significados correspondentes
que escolhemos lhes atribuir.
Em Qöheºlet 3.1, três palavras merecem a nossa atenção. Tratam-se dos
termos: !m"+z> (zümän), t[eî (`ët) e #p,xeÞ (Hëºpec).
10
HOLLADAY, William L. (Ed.). A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Grand
Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company / Leiden, E. J. Brill, 1988, p.89.
Página | 7
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
aparece aqui significa “designado para um propósito”. Tal raiz, ainda segundo
esse mesmo dicionário, possui como significado cognato o conceito de
“estabelecer um objetivo”.12 O termo aparece em outras passagens na Bíblia
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Hebraica para se referir, por exemplo, ao tempo determinado ou designado para
as festas judaicas (Est 9.27,31) e também para se referir ao período de tempo que
Neemias definiu para a sua ausência de Susã (Ne 2.6).13 Em nosso trabalho,
resolvemos traduzir zümän por “tempo determinado”, o que fazem também as
traduções em português: ARA14 e ARC.15
Em segundo lugar, o substantivo feminino t[eî (`ët) que significa
11
GESENIUS, H.W.F. Geseniu’s Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. Grand Rapids, Baker
Book House, 1992, p.247.
12
CLARK, Matityahu. Etymological Dictionary of Biblical Hebrew. Jerusalem / New York, Feldheim
Publishers, 1999, pp.67,68.
13
Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 2. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em:
23/04/2011.
14
ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo,
Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
15
ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro,
Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
16
Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 3. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em:
23/04/2011.
17
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet. [Coleção: Grande Comentário Bíblico]. São Paulo,
Paulus, 1999, p.215.
18
Cf. RAHLFS, Alfred. (Ed.). Septuaginta. [Duo volumina in uno]. Stuttgart, Deutsche
Bibelgesellschaft, 2004.
Página | 8
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
tempus (“tempo”) e `ët por spatiis (“estação”).22 Assim como o hebraico e o
grego, o latim também não nos ajuda a identificar uma distinção nítida entre um
vocábulo e o outro.
Em terceiro lugar, o substantivo masculino #p,xeÞ (Hëºpec) pode significar
“deleite, prazer, desejo, a boa vontade, vontade, propósito, negócio (em época
tardia), questão (em época muito tardia)”.23 A Septuaginta traz no lugar de Hëºpec
o substantivo neutro pra,gmati (prágmati), o qual, por sua vez, é derivado do
termo pra/gma (prâgma), cujos significados básicos, dentre outros, são: “o que
tem sido feito, uma ação, ato, uma coisa, questão, negócio”.24 É da mesma raiz
dessa palavra que vem a nossa palavra moderna “pragmatismo”. Em nossa
tradução, preferimos adotar o termo “propósito” como tradução para Hëºpec.
Em Qöheºlet 3.2, os vocábulos td<l,Þl' (läleºdet) e [:Wj)n" rAqï[]l; (la`áqôr
Página | 9
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
vez que concordamos com o argumento de Líndez, segundo quem “colher” é a
tradução mais preferível por dois motivos: 1) a raiz `qr, de la`áqôr, “arrancar”,
parece ser derivada da raiz fenícia `qrT, significando “armazém”, “depósito” e 2)
a tradução “colher” se encaixa perfeitamente no contexto.26
Em Qöheºlet 3.11, o substantivo masculino ‘~l'[o (`öläm) tem sido alvo
dos mais intensos debates no que diz respeito ao seu significado no citado verso.
Vejamos o que Schökel tem a nos dizer sobre o significado de `öläm:
O mesmo autor ainda irá dizer mais adiante que `öläm também pode ser
traduzido como “mundo”, em uma concepção mais tardia. Aliás, esta é a
tradução que Schökel propõe para `öläm em Qöheºlet 3.11.28 A LXX, por sua
vez, verte `öläm por aivw/na (aiōna), substantivo no acusativo que é derivado de
aivw,n (aiōn), cujos significados básicos são: “tempo, duração da vida, vida,
eternidade, idade, geração, século”.29 Por fim, a Vulgata traduz öläm por
mundum, “mundo”. Curiosamente, a Bíblia Hebraica (BH) publicada pela Sêfer
26
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.215.
27
SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo, Paulus, 1997, p.483.
28
Idem, Ibidem, p.484.
29
PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto, Livraria Apostolado da
Imprensa, 1976, p.19.
Página | 10
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
(BJ) traz no lugar de öläm a expressão “conjunto do tempo”,32 sendo
acompanhada de perto pela Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), que traz
“sentido do tempo”.33 Além dessas versões, a versão espanhola da Bíblia, Reina-
Valera, traz “eternidad”.34 A versão em português de João Ferreira de Almeida,
Revista e Atualizada (ARA) também traz “eternidade”.35 Finalmente, a versão
em português de João Ferreira de Almeida, Revista e Corrigida (ARC) verte
öläm por “mundo”.36 Particularmente, preferi traduzir öläm por “mundo” por
entender que o conceito de “mundo” possui maior materialidade e concretude de
significado, sendo, a meu ver, mais condizente com o contexto de Qöheºlet 3.1-
15, que aborda aspectos “concretos” da vida humana, tais como: “nascer, morrer;
plantar, colher; matar, curar; destruir, construir; chorar, rir; lamentar, dançar;
lançar e amontoar pedras; abraçar e deixar de abraçar; buscar, perder; guardar,
lançar; rasgar, costurar; calar, falar; amar, odiar; guerra e paz” (Qöheºlet 3:1-8).
Obviamente, esta observação não significa que o autor de Qöheºlet fosse incapaz
de abstrair. Aliás, a sua obra como um todo demonstra exatamente o contrário.
Por fim, o sentido da última frase da nossa perícope, isto é, de Qöheºlet
3.15, também tem sido alvo de muita discussão. A frase inteira em hebraico diz:
@D")r>nI-ta, vQEïb;y> ~yhiÞl{a/h'w> (wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp) que,
30
Cf. GORODOVITS, David & FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. São Paulo, Editora e Livraria Sêfer
Ltda., 2006.
31
Cf. A Bíblia Sagrada. (Tradução na Linguagem de Hoje). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil,
1988.
32
Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Sociedade Bíblica
Católica Internacional e Paulus, 1985.
33
Cf. Bíblia –Tradução Ecumênica (TEB). São Paulo, Edições Loyola, 1994.
34
Cf. Santa Biblia (Versión Española Reina-Valera). Miami, United Bible Societies, 1995.
35
Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo,
Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
36
Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro,
Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
Página | 11
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
traz: et Deus instaurat quod abiit, ou seja, “e Deus renova o que passou”. Entre
as versões da Bíblia em português, as que mais se aproximam deste sentido são
as já citadas, Almeida, Revista e Atualizada (ARA): “Deus fará renovar-se o que
se passou” e a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB): “e Deus vai em busca do
que passou”. Além dessas versões, a também já mencionada Almeida, Revista e
Corrigida (ARC) declara: “e Deus pede conta do que passou”. E, finalmente, a
Nova Versão Internacional (NVI) traz: “Deus investigará o passado”.39 Apesar de
todas essas várias traduções dadas para a frase wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp
(Qöheºlet 3.15), eu preferi conservar o significado do texto original em minha
tradução, a saber, “e Deus buscará o perseguido”. Contudo, reitero que a versão
latina da Vulgata (“E Deus renova o que passou”) a meu ver, parece ser uma
tradução-interpretação mais coerente com o contexto da passagem, em vez do
complicado texto hebraico: “E Deus buscará o perseguido”. O já mencionado
Líndez, ao explicar a sua preferência pela Vulgata como a tradução-interpretação
mais apropriada para a compreensão da última frase de Qöheºlet 3.15, disse:
O homem, ser passageiro, não pode ser ponto de referência do tempo que foge e
se escapa; Deus, porém, [que] não está sujeito ao processo do tempo, supera-o e
alcança-o em toda sua extensão mesmo de passado e de futuro, por isso não é
estranho que se possa dizer que Deus vai em busca do passado. Segundo a
mentalidade de Qohélet, Deus o encontra e o alcança, o homem não.40
37
O Midrash Qohélet Rabá também traduz a construção verbal nirDäp, que aparece no Nif‘al, como
“perseguido”. (Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1170, nota z).
38
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.236.
39
Bíblia Sagrada (Nova Versão Internacional). Colorado Springs, International Bible Society, 2000.
40
LÍNDEZ, José Vílchez. Op.Cit., p.236. O acréscimo entre colchetes é meu. Os itálicos são do autor.
Página | 12
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
vista irão nos auxiliar no comentário e na compreensão do próprio texto em si
que faremos no terceiro e último capítulo do nosso estudo.
Página | 13
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
examinarmos a cada uma delas, vejamos primeiramente o que queremos dizer
com os termos determinismo e livre-arbítrio.
41
Para obter maiores informações sobre o determinismo e o livre-arbítrio sobre o ponto de vista
filosófico-teológico cristão, veja: GEISLER, Norman & FEINBERG, Paul D. Introdução à Filosofia:
uma perspectiva cristã. São Paulo, Edições Vida Nova, 1996, pp.153-162; FEINBERG, John et al.
Predestinação e Livre-Arbítrio: quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana.
São Paulo, Mundo Cristão, 1996; HUNNEX, Milton. Filósofos e Correntes Filosóficas em Gráficos e
Diagramas. São Paulo, Editora Vida, 2003, pp.50-52; CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia,
Teologia e Filosofia. [Vol.2 | D – G]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, pp.91-96. Já para obter maiores
informações sobre este mesmo assunto, mas a partir da perspectiva judaica, confira: MAIMONIDES,
Rabi Moshe ben. Guia de Descarriados. Madrid, Editorial Barath, 1988, pp.226-232; REHFELD, Walter
I. Nas Sendas do Judaísmo. São Paulo, Perspectiva; Associação Universitária de Cultura Judaica;
Tecnisa, 2003, p.63-65.
42
RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible
Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.1. Shimon Bakon faz
questão de distinguir o conceito de Providência Divina do conceito de Predestinação. Segundo ele: “Há
uma considerável diferença entre estes dois conceitos, o primeiro significando participação divina, ou
mesmo interferência, em assuntos humanos, o outro sugerindo uma força cósmica, predeterminando os
destinos dos homens e até mesmo dos deuses. Em ambos, resta pouco espaço para a liberdade humana”.
(Cf. BAKON, Shimon. Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXVI, nº3. Jerusalem, The Jewish
Bible Association Press, 1998, p.172).
43
Cf. o verbete: Liberdade Humana, in: ERICKSON, Millard J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã.
Rio de Janeiro, Juerp, 1995, p.99.
Página | 14
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
que Suas escolhas são feitas com total desconsideração das escolhas humanas.44
O determinismo radical também pode ser chamado de fatalismo ou, na teologia
cristã reformada, de calvinismo extremado ou hiper-calvinismo.
Os problemas que o determinismo radical traz consigo são basicamente
dois: 1) Ele nega o livre-arbítrio humano, o qual encontra apoio em outras partes
da Bíblia Hebraica e também na experiência humana e 2) Ele nega a
benevolência divina, pois se Deus age desconsiderando as ações humanas, isto
quer dizer que Deus é, em última análise, a origem de todas as coisas, inclusive
do mal.
44
GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-
arbítrio. São Paulo, Editora Vida, 2001, p.53.
45
Idem, Ibidem, p.62.
Página | 15
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
escolhas que fazemos deles, mas são, ao mesmo tempo, determinados, a partir da
perspectiva da presciência que Deus tem deles como Ser atemporal.46
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
teologia cristã, tais como, arminianismo radical, arminianismo extremado,
teísmo do livre-arbítrio, teísmo aberto,47 neoteísmo ou Openess of God, isto é,
“Abertura de Deus”), ao contrário do determinismo radical, exalta o livre-
arbítrio humano à custa do sacrifício da soberania divina. O autor, Clark
Pinnock, no livro intitulado The Openess of God, menciona cinco características
do livre-arbítrio radical ou teísmo aberto, as quais transcrevemos abaixo:
1) Deus não somente criou esse mundo, ex nihilo, mas pode (e às vezes
faz) intervir unilateralmente nos acontecimentos na terra;
2) Deus escolheu criar-nos com liberdade incompatibilista (libertária) –
uma liberdade sobre a qual ele não pode exercer controle total;
3) Deus valoriza tanto a liberdade – a integridade moral das criaturas
livres e de um mundo no qual tal integridade é possível – que não
atropela essa liberdade, mesmo que a veja produzindo resultados
indesejáveis;
4) Deus sempre deseja o nosso mais alto bem, tanto individual como
corporativamente, e assim é afetado pelo que acontece em nossas
vidas;
5) Deus não possui um conhecimento exaustivo de como exatamente
utilizaremos a liberdade, embora possa muito bem, às vezes, ser capaz
de predizer com grande exatidão as escolhas que livremente faremos.48
46
GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.51.
47
Ware assim define o Teísmo Aberto: “Esse movimento é assim denominado pelo fato de seus adeptos
verem grande parte do futuro como algo que está ‘em aberto’, e não fechado, mesmo para Deus. Boa
parte do futuro está ainda indefinida e, conseqüentemente, Deus o desconhece. Deus conhece tudo o que
pode ser conhecido, asseguram-nos os teístas abertos. Mas livres escolhas e ações futuras, por não terem
ocorrido ainda, não existem e, desse modo, Deus (até mesmo Deus) não pode conhecê-las”. (Cf. WARE,
Bruce A. Teísmo Aberto: a teologia de um Deus limitado. São Paulo, Vida Nova, 2010, p.14).
48
PINNOCK, Clark. The Openess of God, p. 156. Apud: GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.117.
Página | 16
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
impotente, pobre e frágil e, ao mesmo tempo, promoveu o homem, deificando-o,
divinizando-o e entronizando-o em seu livre-arbítrio absoluto ilusório.
49
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.3. [H-L]. São Paulo, Editora
Hagnos, 2001, pp.866,867. Aliás, a esse respeito, Rudman declara que “o homem não é de todo o mestre
de sua própria vida”. (Cf. RUDMAN, Dominic. Determinism in the Book of Ecclesiastes. Sheffield,
Sheffield Academic Press, 2001, p.33). Seow chama essa liberdade parcial do homem de “determinismo
de circunstâncias”. (Cf. SEOW, C.L. Ecclesiastes. New York, Doubleday, 1997, pp.171-172)
Página | 17
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
A primeira delas é que tanto o determinismo radical quanto o livre-
arbítrio radical devem ser rejeitados, porque ambos são extremistas em suas
posições, pois negam, de um lado, o livre-arbítrio humano e, do outro, os
atributos essenciais divinos. Portanto, tais posicionamentos filosófico-teológicos
não nos fornecem uma resposta adequada para o nosso assunto em questão.
A segunda conclusão a que cheguei é a seguinte: uma vez que tanto a
soberania divina quanto a responsabilidade humana são duas verdades
repetidamente afirmadas na Bíblia Hebraica, logo, se faz necessário defender um
ponto de vista que leve em consideração esses dois pólos juntos.
Tendo esse intuito em mente, menciono a seguir alguns comentários que
defendem uma postura de equilíbrio sobre a relação entre o determinismo e o
livre-arbítrio, os quais foram feitos por representantes das três maiores religiões
monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. No que
diz respeito ao judaísmo, o rabi Dan Cohn-Sherbok, apoiando-se na Bíblia
Hebraica e no Talmude, faz a seguinte afirmação:
De acordo com a Escritura, cada pessoa é capaz de escolher entre o bem e o mal.
O conceito de punição e recompensa está baseado neste pressuposto. O Talmude
especifica que Deus é onisciente: não obstante, os seres humanos têm
capacidade para escolher seu próprio estilo de vida.50
50
COHN-SHERBOK, Dan. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, Oneworld Publications, 1998,
p.77.
Página | 18
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
(...) o monoteísmo afirma que Deus transcende a natureza e que não é idêntico a
ela nem a nenhuma parte dela (...). No monoteísmo, Deus está sujeito às
variações da vida mortal.51
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
soberania divina e a responsabilidade humana, comenta:
51
AGUS, Jacob B. La Evolucion del Pensamiento Judio: desde la época bíblica hasta los comienzos de
la era moderna. Buenos Aires, Editorial Paidós, 1969, pp.16,17.
52
PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997, p.5. Os acréscimos entre
colchetes são meus.
53
Confissão de Fé de Westminster. (Comentada por A. A. Hodge). São Paulo, Editora Os Puritanos,
1999, p.95.
Página | 19
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
(...) nós sabemos que os seres humanos têm liberdade de escolha e livre-arbítrio,
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
ao mesmo tempo em que sabemos que Deus é o Governante sobre todas as
pessoas e ações.55
Sendo assim, por mais paradoxal que possa parecer, proponho uma
posição de meio-termo, que leve em consideração tanto o determinismo
moderado quanto o livre-arbítrio moderado, isto é, uma posição que leve em
conta tanto o determinismo divino quanto a liberdade humana como os dois
lados de uma mesma moeda. Aliás, sendo mais explícito ainda, defendo que
embora a relação entre o determinismo divino e a liberdade humana seja um
mistério, tal relação não implica necessariamente contradição. A finitude da
nossa existência humana e a limitação da nossa razão não podem servir como
argumentos infalíveis para comprovar a suposta contradição existente entre essas
duas verdades. Nas palavras de Norman Geisler, “ninguém jamais demonstrou
uma contradição entre predestinação e livre-escolha. Não há conflito insolúvel
entre um acontecimento predeterminado por um Deus onisciente e um evento que
é livremente escolhido por nós”.56
Ora, uma vez que nós definimos e justificamos a posição que, a nosso ver,
corresponde melhor às verdades do determinismo divino e da liberdade humana,
partamos então para o exame de Qöheºlet 3.1-15.
54
Aiatolá é o título pelo qual são conhecidos os principais líderes islâmicos xiitas. O aiatolá é inferior
apenas ao Imã. (Cf. LOVISOLO, Elena et al. Dicionário da Língua Portuguesa. (Larousse Cultural). São
Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.33).
55
SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol. IV: Justicia Divina).
Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987, p.43.
56
GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, pp.47,48.
Página | 20
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Livro de Qohélet), “dentro da erudição moderna, o catálogo dos tempos e
estações em 3.1-8 e o comentário que Qohélet fornece sobre esta passagem em
3.9ss., é visto como um texto chave para a compreensão do livro como um
todo”.57 Tal observação revela a importância de Qöheºlet 3.1-15 e de seu estudo
para a compreensão do tema que ora estamos abordando neste trabalho.
Entretanto, antes de entrarmos no comentário da perícope em si, devemos
mencionar preliminarmente as palavras de Baruch Spinoza (1632-1677) sobre a
liberdade que as pessoas têm de interpretar os textos religiosos em geral e, em
particular, a Bíblia. Dentro de seu Tratado Teológico-Político, no capítulo VIII,
intitulado Da Interpretação da Escritura, Spinoza diz o seguinte:
(...) como todos têm o pleno direito de pensar com liberdade, inclusive em
matérias de religião, e não é concebível que se renuncie a este direito, cada um
dispõe de uma autoridade suma de sumo direito para decidir em questões
religiosas e, portanto, para lhes dar uma explicação e interpretação. Assim como
o direito de interpretar as leis e a decisão soberana dos negócios públicos
correspondem ao magistrado, por serem assuntos de direito político, da mesma
forma cada um tem sua autoridade absoluta para julgar e explicar a religião,
porque esta pertence ao direito de cada um.58
Página | 21
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
subperícope (3.1-8) possui um caráter descritivo,60 pois ela descreve
simbolicamente, de forma não exaustiva, todas as situações da vida humana, a
segunda subperícope (3.9-15), por sua vez, tem um caráter explicativo, porque
visa explicar o porquê das coisas acontecerem assim em Qöheºlet 3.1-8.61
öheºlet 3.1-8
3.1. Qöheº
1
Para tudo (há) um tempo determinado, e um tempo para todo propósito
2
debaixo dos céus. Tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para
plantar, e tempo para colher; 3 tempo para matar, e tempo para curar; tempo
para destruir, e tempo para construir; 4 tempo para chorar, e tempo para rir;
tempo de se lamentar, e tempo de dançar; 5 tempo para lançar pedras, e tempo
de amontoar pedras; tempo para abraçar, e tempo para afastar-se de abraçar; 6
tempo para buscar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para
lançar; 7 tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo
para falar; 8 tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de
paz.
59
ALTER, Robert & KERMODE, Frank. (Orgs.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo, Unesp,1997,
p.299. Auzou diz que o autor de Qöheºlet “escreve em prosa ritmada entrecortada de sentenças e versos”.
(Cf. AUZOU, Georges. A Tradição Bíblica. São Paulo, Livraria Duas Cidades Ltda., 1971, p.213).
60
Assim pensa também Loader, segundo quem, “a reflexão sobre as séries de eventos mutuamente
exclusivos não é prescritiva, mas descritiva”. (Cf. LOADER, J. A. Polar Structures in the Book of
Qohelet. Berlin / New York, De Gruyter, 1979, p.29).
61
Todavia, Lilia Veras possui opinião diferente da minha. Para a autora, 3.1-8 é uma reflexão sobre a
incapacidade do homem de interferir na obra de Deus e 3.9-15 é uma revisão de alguns temas que o
Qohélet tratou nos capítulos anteriores. (Cf. VERAS, Lilia Ladeira. Un Primer Contacto Con El Libro del
Eclesiastés o Libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], nº 52,
2005, pp.8,9). Já Zenger afirma que o trecho de Qöheºlet 3.1-15 está dentro da estrutura maior de Qöheºlet
1.3-3.22, a qual trata do desdobramento e resposta à pergunta pelo conteúdo e pelas condições da
felicidade humana. (Cf. ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. [Coleção Bíblica
Loyola | Nº 36]. São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.334).
Página | 22
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
Este primeiro versículo funciona como uma introdução para todo o trecho
de Qöheºlet 3.1-8. Ele nos faz pensar, por exemplo, em um provérbio atribuído ao
lendário autor grego, Esopo (VI Séc. a.C.), que teria dito que “é uma grande
coisa fazer a coisa certa na época certa”.62
Contudo, dentro do contexto judaico, muitas opiniões têm surgido a fim de
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
poder responder à seguinte questão: “até que ponto a vida humana é
determinada?”.63 No Talmude da Babilônia,64 por exemplo, Rava65 (nascido
aproximadamente em 270 d.C.) afirma que até mesmo as questões mais
elementares da vida humana estão sob a influência do zodíaco. Segundo ele: “A
vida, as crianças e o sustento dependem não do mérito, mas das estrelas [mzl]”
(B. Mo’ed Katan, 28a).66 Tal influência zodiacal também é notada nos menores
detalhes da natureza, conforme pode ser percebido em Gênesis Rabá 10.6: “R.
Simão disse ‘Não há uma espécie vegetal única, mas ela tem uma estrela [mzl] no
céu que a atinge e diz, Cresça!’”.67 De forma bastante curiosa e, às vezes,
também contraditória, o Talmude diz em um momento que Israel é uma nação
predeterminada e em outro momento afirma que Israel é dotado de vontade livre.
Isto pode ser visto nos seguintes trechos talmúdicos: “R. Hanina b. Hama disse:
‘As estrelas [mzl] fazem alguém sábio, as estrelas fazem alguém rico, e há
estrelas para Israel’ (...) R. Yohanan disse: ‘Não há estrela para Israel’” (B.
Shabat 156a-b, cf. Yevamot 21b).68 Além disso, há que se notar também que o
Targum de Qöheºlet não está imune a esse tipo de pensamento determinista
62
SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221.
63
V. D’Alario faz o seguinte comentário sobre o conceito de determinismo encontrado no livro de
Qöheºlet: “O emprego da palavra hr<q.mi [“acontecimento, evento, destino”] no livro de Qohélet [p.ex., em
3.19] é uma confirmação posterior da singularidade do nosso texto em comparação com outros livros do
Antigo Testamento; hr<q.mi na verdade poderia evocar uma força misteriosa que determina os eventos,
considerando que na Bíblia o princípio da soberania absoluta de Deus está colocado de forma
incontestável”. (Cf. D’ALARIO, V. Liberté de Dieu ou Destin? Un autre dilemme dans l’interprétation
du Qohélet. In: SCHOORS, A. (Ed.). Qohelet in the Context of Wisdom. Leuven, Leuven University
Press, 1998, p.457). Os acréscimos entre colchetes são meus.
64
Segundo Christianson, o uso que o Talmude faz de Eclesiastes geralmente se concentra na aplicação
prática, muitas vezes, em apoio à observação mais banal. (Cf. CHRISTIANSON, Eric S. Ecclesiastes
Through the Centuries. Oxford, Blackwell Publishing Ltd., 2007, p29).
65
Seu nome é Rabi Abba Ben Joseph Bar Hama.
66
RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.4.
67
Idem, Ibidem, p.4.
68
Idem, Ibidem, p.4.
Página | 23
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
astrológico, o que é evidenciado pelo fato de que esse Targum lê todo o livro de
Qöheºlet a partir da perspectiva determinista. A esse respeito, o filósofo francês
judeu Emmanuel Levinas (1906-1995) escreveu o seguinte:
Em quinze ocasiões, o Targum utiliza o termo MAZAL que eu, com sérias
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
reservas, tenho traduzido como ‘Providência’... No Targum, Deus determina
mazal (Cf. V,18; VI,2; X,6) e o bom mazal é uma recompensa dada às pessoas
merecedoras (V, 17). Por outro lado, mazal é usado para descrever o destino
inevitável: uma pessoa não pode fazer nada para mudar o seu mazal (IX, 11).
Devido às suas características mecanicistas e deterministas, o Targum o usa para
explicar desigualdades tais como o sofrimento dos justos e o bem-estar do
perverso (VIII, 15). Os elementos mazal no Targum testemunham que a tradição
Farisaico-Rabínica não erradicou o controle da astrologia sobre a opinião
popular, mesmo nos casos onde mazal triunfou sobre zekut, isto é, mérito
acumulado. “Tudo é determinado por mazal!” (IX, 2). No entanto, aqui também
de vez em quando o Targum tempera este fatalismo explicando que Deus
determina até mesmo o que o mazal irá trazer (IX, 12). Finalmente, o Targum
inclui uma severa advertência contra o estudo e a prática da astrologia (XI,4),
embora seja, ele próprio, contaminado por ela.69
Página | 24
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
também das más”.73 Sendo assim, segundo penso, essa leitura determinista
radical de Qöheºlet não é adequada para a compreensão do nosso texto. Contudo,
além destas leituras deterministas, há aqueles que buscaram interpretar a
existência humana através de uma perspectiva mais equilibrada.
Maimônides74 (1135-1204), por exemplo, buscou interpretar esta questão
aliando o conceito de presciência divina ao conceito de liberdade humana. Este
sábio observa que é muita ingenuidade acreditar que o mazal (sorte ou destino
influenciados pelas estrelas e planetas) possa afetar a nossa vida. “Se isso fosse
verdade”, declara o sábio, “a Torá não teria nenhum sentido para nós. Não
existiria o conceito de recompensa e punição”.75 Maimônides ainda afirma:
72
GINSBERG, Harold Louis. Supplementary Studies in Koheleth, 1952. Apud: EATON, Michael A. &
CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. [Série Cultura Bíblica]. São Paulo,
Vida Nova / Mundo Cristão, 1989, p.84.
73
RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.3.
74
Seu nome é Moshe Ben Maimom.
75
Maimônides, in: WASSERMAN, Adolpho. [Tradutor e compilador dos comentários]. Eclesiastes. São
Paulo, Maayanot, 1998, p.20.
76
Maimônides, in: Idem, Ibidem, p.20. Os itálicos e os acréscimos entre colchetes são meus.
Página | 25
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
a ordem do zodíaco, Ele conhece o futuro em toda sua inteireza. Ele sabe como
cada pessoa agirá e se ela merecerá recompensa ou punição por suas ações”.77
Porém, em outro momento, este sábio declara que a palavra t[eî (`ët), “tempo”,
em Qöheºlet 3.1, faz referência aos “sinais que são repartidos para todo propósito
e coisa sob os céus. Cada objeto tem seu futuro contido nas estrelas”.78
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Já o trecho de Qöheºlet 3.2-8 nos mostra um poema que apresenta 14 pares
de situações ou de ações antitéticas, as quais, embora não abranjam todas as
situações da vida, devem ser vistas como elementos emblemáticos e simbólicos
de sua totalidade, os quais não são de forma alguma casuais.79
Este paralelismo antitético, observado nos 14 pares de situações
juntamente com os seus respectivos opostos, nos faz pensar naquilo que está
escrito no livro apócrifo de Eclesiástico 33.15, que diz: “Contempla, pois, todas
as obras do Altíssimo, duas a duas estão todas uma diante da outra”.80
Segundo Rashi81 (1040-1105 d.C.), as expressões “tempo para nascer” e
“tempo para morrer” (v.2a) se referem, respectivamente, aos limites divinamente
ordenados colocados sobre o tempo de gestação e sobre o breve espaço de tempo
da vida humana.82 De acordo com Rashi, o período natural de gestação de nove
meses está além do controle humano.83 Em outras palavras, Rashi está
descrevendo aquilo que eu chamo de determinismo biológico, o qual afeta a
todos os nascituros. Além disso, podemos dizer de igual modo que tal
determinismo biológico também alcança o ser humano no fim de seu ciclo vital.
Por isso, há um “tempo para morrer”. Dito de outra forma, embora não esteja
determinado que todos devam nascer (com exceção daqueles que já nasceram, é
claro), todavia, está determinado que aqueles que nascerem experimentarão um
ciclo de gestação no ventre materno de aproximadamente nove meses e, está
77
Alshich, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
78
Idem, Ibidem, p.20.
79
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.216. Cf. também: ANDERSON, William H. U.
Scepticism and Ironic Correlations in the Joy Statements of Qoheleth? [Doctoral Thesis in Philosophy].
Glasgow, University of Glasgow, 1997, p.72.
80
GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1294.
81
Acrônimo de Rabi Shlomo ben Yitschak.
82
RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.6.
83
Rashi, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
Página | 26
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
determinado também que, após o seu nascimento, tais pessoas deverão morrer
algum dia.84
Todavia, Blenkinsopp acredita que as ideias contidas no poema foram
emprestadas da filosofia estóica por um “judeu estoicizado”.85 E, para tentar
comprovar a sua tese, ele traduz equivocadamente a expressão tWm+l'
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
(literalmente, “para morrer”) encontrada no verso 2a como “dar um fim à vida
de alguém”, conectando assim o poema com a ideia estóica do suicídio.86 Porém,
tal tradução é bastante forçada, pois não reflete adequadamente o significado da
preposição hebraica, a qual aparece acompanhada pela construção verbal que
ocorre no infinitivo construto do Qal.
A continuação do verso, que diz que há “tempo para plantar e tempo para
colher” (v.2b), também aponta para outro tipo de determinismo, que eu chamaria
de determinismo agrário. Esse tipo de determinismo faz referência ao tempo
certo de plantar e colher as várias espécies de sementes existentes, as quais
possuem um tempo apropriado para a sua plantação e também para a sua
colheita.87 O Midrash,88 contudo, explica essa frase dizendo assim: “um tempo
para plantar em tempo de paz e um tempo para arrancar a planta em tempo de
guerra”.89 Já Jerônimo (347-420 d.C.) aplica todo o verso dois a Israel, dizendo o
seguinte: “um tempo para nascer e plantar Israel; um tempo para morrer e ser
84
Segundo Pfeiffer e Harrison, a morte que ocorre em uma guerra, em defesa própria, por exemplo, nunca
é acidental. Segundo estes autores, tal situação encontra eco na expressão moderna “era a sua hora de ir
embora”. (Cf. PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. (Eds.). The Wycliffe Bible Commentary.
Chicago, Moody Press, 1987, p.588).Rick Warren, por outro lado, enxerga a questão do nascimento e da
morte de forma acentuadamente determinista. Segundo ele: “Uma vez que Deus o fez por um motivo, ele
também decidiu o momento de seu nascimento e seu tempo de vida. Ele planejou os dias de sua vida
antecipadamente, escolhendo o momento exato de seu nascimento e de sua morte”. (Cf. WARREN, Rick.
Uma Vida Com Propósitos. São Paulo, Editora Vida, 2003, p.22).
85
O estoicismo enfatizava o controle pessoal sobre as emoções. (Cf. EVANS, C. Stephen. Dicionário de
Apologética e Filosofia da Religião. São Paulo, Editora Vida, 2004, p.51).
86
BLENKINSOPP, Joseph. Ecclesiastes 3.1-15: Another Interpretation. JSOT, Nº 66. Thousand Oaks,
1995, pp.56-57.
87
Kathryn Imray observa que os conceitos de “plantar” e “desenraizar” (“colher”) também podem ser
compreendidos aqui como metáforas para o nascimento e para a morte. (Cf. IMRAY, Kathryn. Qohelet’s
Philosophies of Death. [Doctoral Thesis in Philosophy]. Perth, Murdoch University, 2009, p.70).
88
Um nome genérico que se refere normalmente a ensinamentos não legais dos rabinos da era talmúdica.
89
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
Página | 27
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
levado para o exílio. Um tempo para matar no Egito e um tempo para a libertação
do Egito”.90
No que se refere à frase que diz que há “tempo para matar, e tempo para
curar” (v.3a), devemos dar-lhe uma explicação prévia. O Qöheºlet não estava
querendo defender com estas palavras o assassinato premeditado.91 Talvez, ele
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
esteja se referindo aqui a situações de matanças legítimas, por mais absurdo que
isso nos pareça. Tais situações poderiam ser verificadas, por exemplo, em
contextos de guerra, nos casos de vingança dos vingadores do sangue, nas
ocasiões de pena de morte, ou, até mesmo, em situações de autodefesa.92 Se este
for o caso, então, em Qöheºlet 3.3 nós saímos da “zona determinista” de Qöheºlet
3.1,2 e entramos no “perímetro do livre-arbítrio”. Explico: embora esteja
determinado sobre todos os nascituros que eles devem cumprir certo período de
gestação e que eles também deverão morrer, não está de igual modo determinado
que um soldado irá necessariamente matar alguém em uma guerra ou que ele
deverá matar alguém com o intuito de se autodefender. O soldado pode
simplesmente se recusar a matar alguém por sua livre escolha. Um comentário
lingüístico judaico sobre a Bíblia, chamado em hebraico Michlol Yofi, e escrito
pelo Rav David Kimchi, o Radak (Séculos XII/XIII), explica o verso 3a dizendo
que o “tempo para matar” é o tempo para a execução legal de criminosos e o
“tempo para curar” é o tempo de investigação para uma possível absolvição do
suspeito.93 Na segunda parte do verso três, a expressão “tempo para destruir, e
tempo para construir” (v.3b) é interpretada pelo Midrash como um tempo para
destruir pela guerra e construir na paz.94
No verso quatro, os dois pares de situações envolvem emoções humanas,
primeiro as particulares (chorar/rir) e, depois, as públicas (lamentar/dançar).95 A
90
MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire. [Studium
Biblicum Franciscanum]. Jerusalem, Liber Annuus, Nº 42,1992, p.152.
91
LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3. [Article].
Vol.5. South Africa, South African Theological Seminary, 2008, p.118.
92
CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos –
Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2713.
93
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
94
Idem, Ibidem, p.21.
95
EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, pp.86,87.
Página | 28
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
frase “tempo para chorar e tempo para rir” (4a) é interpretada pelo Lekach Tov96
assim: “chorar pela destruição do Templo em Tishá BeAv [9 de Av] e rir pela
redenção de Israel”.97 Já a frase seguinte, “tempo de se lamentar e tempo de
dançar” (v.4b) é compreendida pelo Rabi David Altschuller (Séc. XVIII), em seu
Metsudat David (comentários sobre a Bíblia) como uma referência ao tempo de
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
luto pelos mortos e ao tempo de dançar em festas de casamento.98
Os dois pares de situações do verso cinco parecem descrever
relacionamentos humanos de amizade e inimizade.99 Todavia, a primeira parte,
do verso, “tempo para lançar pedras, e tempo de amontoar pedras” (v.5a) tem
recebido quatro interpretações principais, as quais mencionamos abaixo:
(i) O Targum aramaico de Eclesiastes via, aqui, uma referência a espalhar pedras
num edifício velho, preparando-se para edificar-se um prédio novo; esta opinião
era defendida, também, por Ibn Ezra. (ii) Outros viam, aqui, uma referência ao
hábito de espalhar pedras nos campos, a fim de torná-los improdutivos (cf. 2 Rs
3.19,25; Is 5.2). (iii) Plumptre via, aqui, “uma velha prática judaica... de atirar
pedras, ou terra, no túmulo, num enterro”, na primeira frase [tempo para lançar
pedras], e a preparação para construir uma casa, na segunda [tempo de amontoar
pedras]. (iv) Eruditos mais recentes têm visto uma referência de ordem sexual
seguindo a interpretação do Midrash.100
96
Também conhecido como Pessikta Zutrata, um trabalho midráshico de Rabi Tovia (ben Eliezer) Ha
Gadol (1036-1108) sobre vários livros da Bíblia Hebraica, incluindo o livro de Qohélet, sendo este
publicado em 1908. (Cf. WASSERMAN. Eclesiastes, p.120).
97
WASSERMAN, Adolpho. Op.Cit., p.21. Os acréscimos entre colchetes são meus.
98
Idem, Ibidem, p.21.
99
EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87.
100
Idem, Ibidem, p.87. Os acréscimos entre colchetes são meus.
101
MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire, p.153.
Página | 29
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
abraçar” também possuem correspondência, mas descrevem relações de amizade.
Esse paralelismo de ideias cruzadas pode ser exemplificado pelo quadro abaixo:
A B
“tempo para abraçar e tempo para afastar-se de abraçar” (v.5b)
O verso seis, que diz que há “tempo para buscar, e tempo para perder;
tempo para guardar, e tempo para lançar” (v.6) é interpretado por Rashi a partir
da perspectiva da liberdade humana. Rashi lê assim esse verso: “Um tempo para
buscar os espalhados de Israel e um tempo para perdê-los no exílio. Guardar
quando Israel cumpre a vontade de D’us, e jogar fora quando Israel age contra a
vontade de D’us”.102
Então, neste verso, a capacidade que o homem tem tanto de cumprir
quanto de descumprir a vontade de Deus, evidencia a sua liberdade de vontade e
de ação em relação à vontade de Deus. Portanto, a partir da interpretação que
Rashi dá ao verso seis, verificamos que na “queda de braços” entre o
determinismo e a liberdade humana, a liberdade humana se sagrou vencedora.
Logo, tendo em mente essas observações, podemos dizer que o homem é livre no
que diz respeito à livre escolha de suas ações.
Quanto ao verso sete, que diz que há um “tempo para rasgar, e tempo para
costurar; tempo para calar, e tempo para falar” (v.7), Saadia Gaon103 (892-942)
interpreta a primeira parte deste verso, “tempo para rasgar, e tempo para
102
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. Os itálicos são meus.
103
Esta é a forma abreviada de Rabi Saadia ben Yossef Gaon.
Página | 30
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
costurar” (v.7a) com estas palavras: “rasgar as roupas em luto pelos mortos e
costurar as roupas para as festas de casamento”.104 Tais ações antitéticas de
“rasgar” e “costurar” as roupas pressupõem, segundo penso, ações humanas
livres, pois, nas situações de luto e de casamento, os atos de rasgar e costurar,
embora possam ser condicionados culturalmente pela sociedade na qual se vive,
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
constituem-se, porém, em última análise, em atos livres e autônomos por parte
daqueles que os praticam ou deixam de praticá-los. Já a segunda parte do verso,
“tempo para calar, e tempo para falar” (v.7b) pode ser interpretada pelo Talmude,
no Tratado Berachot 6b, assim:
Página | 31
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
fala ainda sobre as “recompensas” que existem tanto para aqueles que se mantêm
em silêncio na casa do enlutado, quanto para aqueles que falam boas palavras aos
noivos em um casamento. Ora, se há uma recompensa, deve-se pensar
conseqüentemente que há também uma boa ação livre que tenha sido executada e
que, portanto, merece ser justamente retribuída por tal ato.
Finalmente, o último verso desta primeira subperícope de Qöheºlet diz que
há “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”
(v.8). Sobre este verso, o Rabi David Altschuller, em seu já citado Metsudat
David (comentários sobre a Bíblia) declarou que “pode-se amar algo hoje e
detestá-lo amanhã. Há tempos em que uma nação entra em guerra com seu
vizinho e outros tempos em que ela busca conviver com esse vizinho”.107 Essas
declarações do Qöheºlet acrescidas do comentário de Altschuller, mais uma vez
me fazem pensar na liberdade humana. Ou seja, se o ser humano não fosse livre
para poder escolher entre amar e odiar e entre guerrear e viver em paz, então qual
o propósito de textos como Lv 19.18, que diz: “Não te vingarás nem guardarás
ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo: eu
sou o Senhor”?108 Ora, estas ordens dadas ao povo de Israel para que este não se
vingue, não se ire e ame o seu próximo, só podem fazer sentido, se Israel tiver
real liberdade para cumprir ou não tais ordens. Sendo assim, não há como
entender as frases: “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e
tempo de paz” (v.8) a não ser que elas sejam vistas sob a ótica da liberdade
humana. Caso contrário, se o homem não é livre para praticar ou deixar de
praticar tais atos, então, por que os mandamentos de Lv 19.18, por exemplo,
teriam sido ordenados? Tal pensamento não faria o menor sentido.
107
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21.
108
ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro,
Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
Página | 32
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
liberdade humana.
Neste momento de transição entre Qöheºlet 3.1-8 e Qöheºlet 3.9-15, cabe
citar aqui as perspicazes palavras de Michael Eaton:
öheºlet 3.9-15
3.2. Qöheº
9
Que proveito (tem) o trabalhador no que ele trabalha? 10 Eu tenho visto
11
a tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela.
Tudo fez belo em seu tempo; Também o mundo deu no coração deles, de tal
modo que não descubra o homem a obra que fez Deus desde o princípio e até o
fim. 12 Eu sei que não há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o)
bem em sua vida. 13 E também todo homem, que coma e beba e veja (o) bem em
14
todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus. Eu sei que tudo (o) que fez
Deus, ele (isso) será para sempre. Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar e
dele (disso) nada (há) para tirar, e Deus (o) fez (para) que temam em face dele.
15
O que foi, ele já (é); e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido.
109
EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87.
Página | 33
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós”.112 Como disse
Líndez, esse tom cético de Qöheºlet o caracteriza e o distingue radicalmente de
todos os sábios que o precederam.113 Aliás, o tom pessimista deste verso é
questionado tanto por Ibn Ezra quanto pelo Rabi Yaacov ben Yaacov Moshe de
Lissa (1760-1832). Ibn Ezra pergunta: “Uma vez que tudo é governado pelo
tempo, sobre o qual o homem não tem nenhum controle, que esperança existe
para ele em reter o domínio sobre seus esforços?”.114 E o Rabi Yaacov ben
Yaacov Moshé de Lissa, em seus comentários sobre o Qöheºlet intitulados
Taalumot Chochmá, de forma contundente, faz os seguintes questionamentos
sobre a predestinação e a liberdade humana: “Se tudo está predestinado por D’us,
independente da ação humana, seria próprio questionar o que o homem espera
alcançar por seu aparente desperdício em labutar estudando a Torá e praticando
as mitsvót”.115 De uma forma geral, verificamos que o Qöheºlet 3.9 acaba
servindo como introdução a Qöheºlet 3.10-15, versículos estes que, juntos,
fornecem “a resposta teológica de Qohélet à sua grande inquietude como sábio e
110
Longman observa que a palavra yyitrôn, “proveito”, é uma palavra-chave em Eclesiastes, onde
aparece nove vezes. Contudo, estranhamente, ela não ocorre em nenhuma outra parte no Antigo
Testamento. Ao que tudo indica, o termo deriva do verbo ytr, “sobrar”, “restar”. (Cf. LONGMAN III,
Tremper. The Book of Ecclesiastes. [The New International Commentary on the Old Testament]. Grand
Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company,1998, p.65). Os Gallazzi, ao comentarem os versos nove
e dez, observam: “Tudo parece determinado, escrito, decidido. A vida parece ser um jogo com cartas
marcadas. Nem o ‘amal (v.9), o trabalho escravo imposto pelo Mercado, nem o ‘inian (v.10), a fadiga
incompreensível imposta por Deus, são de algum “proveito” para o trabalhador (…)”. (Cf. GALLAZZI,
Ana Maria Rizzante & GALLAZZI, Sandro. La Prueba de los Ojos, La Prueba de la Casa, La Prueba
del Sepulcro: una clave de lectura del libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica
Latino-Americana], Nº 14, 1993, p.10).
111
CRENSHAW, James L. Ecclesiastes. [The Old Testament Library]. Philadelphia, The Westminster
Press, 1987, p.96.
112
KIDNER, Derek. A Mensagem de Eclesiastes. [Série: A Bíblia Fala Hoje]. São Paulo, ABU Editora
S/C, 1998, p.26.
113
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225.
114
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21.
115
Idem, Ibidem, p.21.
Página | 34
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
como crente”.116 Aliás, é digno de nota que no pequeno trecho de Qöheºlet 3.10-
15, o nome de Deus, ~yhi²l{a/ (´élöhîm), aparece seis vezes (3.10,11,13,14
[2x],15). Tal constatação nos faz concluir que esse pequeno trecho de Qöheºlet
possui “uma das reflexões teológicas mais densas” de todo o livro.117
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
No que diz respeito aos dizeres do verso dez: “Eu tenho visto a tarefa que
deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10), eles são
interpretados por Moshe Alshich de forma um tanto quanto confusa, pois, em seu
comentário, Alshich tenta harmonizar, porém, sem sucesso, o determinismo
divino e astrológico com a liberdade humana. Eis as suas palavras:
Tudo é feito de acordo com o plano perfeito de D’us. Ele estabelece que o
nascimento de cada homem se ajuste perfeitamente com o signo sob o qual ele
nasceu, de modo que cada ação de sua parte não contradiga sua vida, conforme
previsto pelas estrelas. Ele pode fazer coisas por seu livre-arbítrio, mas isso
concorrerá com seu destino conforme determinado pelos sinais nos céus.118
Esta (...) declaração reitera o Deus do autor, a Causa Única, mas ignora
completamente que outros fatores operam no mundo – as causas secundárias,
que se originam entre os homens, nas comunidades, na natureza, na lei natural e
até no caos.119
116
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225.
117
Idem, Ibidem, p.226.
118
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22.
119
CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos –
Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2714.
Página | 35
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10),
tarefa esta que se refere aos acontecimentos descritos em 3.1-8.
Já o verso onze tem sido visto pelos exegetas como um dos versos mais
difíceis de serem interpretados de todo o Qöheºlet, sobretudo, no que tange ao
significado da palavra hebraica ‘~l'[o (`öläm), que preferimos traduzir aqui
como “mundo”.120 O verso diz: “Tudo [Deus] fez belo121 em seu tempo; Também
o mundo (`öläm) deu no coração deles, de tal modo que não descubra o homem a
obra que fez Deus desde o princípio e até o fim” (v.11).122 A Teodicéia
Babilônica, em sua linha 256, faz um comentário sobre a inescrutabilidade divina
que lembra muito esse verso do Qöheºlet. Segundo essa teodicéia, “a mente de
deus, como o centro dos céus, é remota ... seu conhecimento é difícil”.123
De acordo com Michael Fox, o significado do verbo hf'Þ[' (`äSâ), “fez”,
no verso onze, não se refere à Criação, o que seria irrelevante para este contexto,
Shank chama a atenção para a característica polissêmica do termo öläm, o qual possui diferentes
120
significados em outros trechos de Eclesiastes, tais como: 1.14; 3.11,14; 9.6; 12.5. (Cf. SHANK, H. Carl.
Qoheleth’s World and Life View As Seen In His Recurring Phrases. [Westminster Theological Journal].
Philadelphia, Westminster Theological Seminary Press, 1974, p.66).
Segundo Caneday, aqui o Qöheºlet usa yäpè, “belo, bonito” como sinônimo de †ôb, “bom”. Cf.
121
CANEDAY, Ardel B. Qoheleth: Enigmatic Pessimist or Godly Sage? [Grace Theological Journal].
Winona Lake, Grace Theological Seminary Press, 1986, pp.45,46.
122
Essa incapacidade humana de perscrutar a obra divina mencionada no verso onze é muito bem
ilustrada por Davidson, ao dizer: “De nossa posição de criaturas debaixo do sol vemos (...) o avesso do
tapete com suas muitas linhas confusas e fios soltos. Procurar desemaranhar o tapete, de nosso ponto de
vista, é ficar envolvido num interminável labirinto”. (Cf. DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia.
[Vol.I]. São Paulo, Edições Vida Nova, 1990, p.660). Kushner também utiliza essa ilustração do tapete,
mas a aplica para explicar o propósito divino que existe por trás do sofrimento humano. (Cf. KUSHNER,
Harold. Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas. São Paulo, Nobel, 1988, pp.33,34). Já
Gerhard von Rad comenta: “Qohelet não tem nada de um niilista que nega a Deus. Sabe que o mundo foi
criado por Deus e que a sua atuação soberana perpassa o mundo constantemente, mas é catastrófico para
o ser humano não poder entrar em contato com essa forma de Deus atuar, porque é profundamente
oculta”. (Cf. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. [Vols. 1 e 2]. São Paulo, ASTE,
Targumim, 2006, p.443).
123
SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221.
Página | 36
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
mas se refere aos eventos da vida humana, tal como sumarizado pelo catálogo
dos “tempos” de Qöheºlet 3.1-8.124
Além disso, muitos comentários foram feitos sobre o possível significado
de `öläm. Em um trecho, o Qöheºlet Rabá interpreta `öläm como “mundo” e diz:
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
R. Berekias e R. Abbahu, em nome de R. Yonatan, disseram que “pôs o mundo
(h-‘lm) em seu coração” (Qo 3.11) (quer dizer que) pôs o amor ao mundo em seu
coração (mas também que) pôs o amor às crianças em seu coração.125
R. Ayawah b. R. Zeira disse que o “h-‘lm” (de Qo 3.11 deve ser entendido
como) ho‘olam (se lhes ocultou) o Nome Inefável.126
O Santo também colocou o tempo no coração dos homens para que possam
conhecer e compreender que existem tempos designados para o bem e tempos
designados para o mal. Porque o homem não consegue descobrir ou conhecer
[por si mesmo] os atos do Santo desde o início até o fim. Pois, se todos os
tempos fossem para o bem ou todos fossem para o mal, o homem não se
arrependeria diante do Santo, porque ele pensaria: “Uma vez que há um destino
no mundo, ou tudo é para o bem, ou tudo é para o mal, eu deveria abandonar as
124
FOX, Michael V. Qohelet and His Contradictions. [Bible and Literature Series, 18]. Sheffield,
Sheffield Academic Press, 1989, p.107.
125
LÓPEZ, Carmen Motos. La Forma Exegética M~v~l en Qohélet Rabbah. [Revista de Ciencias de las
Religiones | Nº 6]. Madrid, Universidad Complutense, 2001, p.89.
126
Idem, Ibidem, p.89.
127
Mark Smith que também traduz `öläm como “eternidade”, declara: “(...) entendo que Deus constrói na
pessoa humana uma intuição sobre a natureza da eternidade, algo de Divino por si só, mas sem que a
pessoa humana seja capaz de apreender as outras dimensões super-humanas do que Deus faz no
universo”. (Cf. SMITH, Mark S. O Memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no
Antigo Israel. São Paulo, Paulus, 2006, p.115).
Página | 37
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
minhas más ações por isso, e qual o benefício que eu receberia em meu
arrependimento?”.128
Além desses autores, vejamos também qual é o comentário que Rashi faz
sobre Qöheºlet 3.11. Segundo este sábio, que interpreta`öläm como “mundo”:
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
“Ele [Deus] também colocou um enigma em suas mentes” (colocou o mundo no
coração deles) para que não alcancem inteiramente a obra Divina e nem
percebam o futuro, pois se o homem soubesse quão próximo está o dia de sua
morte não construiria uma casa ou plantaria uma videira.129
Este comentário feito por Rashi também aponta, de certa forma, para o
conceito de liberdade humana em suas entrelinhas. Aliás, respeitados os seus
devidos contextos, o exemplo de Rashi é totalmente verificável em nossos dias.
Hoje, muitas pessoas de idade avançada que sabem que estão bem próximas da
morte também não se preocupam, muitas vezes, em construir uma casa ou plantar
uma semente qualquer. Diante da proximidade da morte, tais pessoas, em posse
de sua liberdade, podem simplesmente escolher não querer fazer ou produzir
mais nada até o seu último suspiro de vida.
No verso doze, nos deparamos com a seguinte expressão: “Eu sei que não
há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o) bem em sua vida”
(v.12).130 Sobre este verso, o já citado Rabi Yaacov ben Yaacov Moshé de Lissa,
ao comentar o livro de Qöheºlet em seus Taalumot Chochmá, destaca aqui o
papel da liberdade humana na prática das boas ações. Segundo este sábio:
Não há nada melhor nos dias da vida do homem do que a alegria que ele sente
quando praticou uma boa ação por seu livre-arbítrio, e ele percebe a recompensa
que o aguarda.131
128
JAPHET, Sara & SALTERS, Robert B. The Commentary of R. Samuel Ben Meir Rashbam on
Qoheleth. Jerusalem, The Magnes Press, 1985, p.116. Os acréscimos entre colchetes são meus.
129
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22. O acréscimo entre colchetes é meu.
130
Segundo Bentzen, a expressão “fazerem o bem” (la`áSôt †ôb) encontrada em Qöheºlet 3.12 é um
helenismo. (Cf. BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. [Vol.2]. São Paulo, ASTE, 1968,
p.215).
131
WASSERMAN, Op.Cit., p.23.
Página | 38
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
Segundo este comentário, as boas ações (e, por inferência, também as más
ações) são resultantes da nossa liberdade humana. Além do mais, tal pensamento
parece ser tão óbvio, que os praticantes das boas ações inclusive percebem que
há uma recompensa que lhes aguarda. Logo, se há recompensa, há justiça. E, se
há justiça, isto significa que há também agentes livres envolvidos.
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
O verso treze declara: “E também todo homem, que coma e beba e veja
(o) bem132 em todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus”. (v.13). Sobre este
verso, Moshe Alshich fez o seguinte comentário:
Quando o homem deixa este mundo, lhe é mostrada a riqueza espiritual que
adquiriu através do estudo da Torá. Mesmo aquele que goza os prazeres deste
mundo pode merecer a riqueza espiritual no próximo mundo. Ele “verá o
sucesso de toda sua labuta” na Torá. O fato de ele ter desfrutado este mundo não
significa necessariamente que uma porção será deduzida de sua partilha no outro
mundo, pois seu sucesso neste mundo foi um “presente” de D’us.133
De acordo com Fox, a palavra †ôb possui vários significados no livro de Qöheºlet. Aqui, no verso treze,
132
por exemplo, esse termo significa “prazer”. (Cf. FOX, Michael V. The Meaning of Hebel For Qohelet.
[Journal of Biblical Literature]. Madison, University of Madison, 1986, p.419).
133
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23. Neste comentário de Moshe Alshich, a frase “Ele ‘verá o
sucesso de toda sua labuta’ na Torá” está baseada em Is 53.11a, que diz: “O trabalho da sua alma ele verá,
e ficará satisfeito”. (Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida).
Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991).
Página | 39
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
Tudo quanto Deus faz perdura para sempre; coisa alguma pode ser adicionada ao
que Ele determinou; e coisa alguma pode ser tirada do que Ele estabeleceu.
Determinismo absoluto é o nome do jogo. (...) Para o autor do livro de
Eclesiastes, a vida se caracteriza por um profundo sofrimento, no qual os
homens vivem presos. Mas ele tinha a ideia distorcida de que Deus planejou as
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
coisas exatamente dessa maneira, visto que o mal faz parte desse determinismo
absoluto.134
(...) o conceito bíblico de temer a Deus tem “um caráter tanto metafísico quanto
ético”. Dito de outra forma, a noção “incorpora tanto uma teoria de vida quanto
uma direção de conduta”.135
Bem, se isto é realmente assim, então esse “caráter ético” embutido no ato
de temer a Deus que é acompanhado por uma “conduta” adequada, só pode
existir, de fato, em homens e mulheres que sejam agentes verdadeiramente livres.
Somente seres realmente livres podem optar entre praticar algo que seja
eticamente correto ou errado.
Por fim, Rashi faz o seguinte comentário sobre o verso 14:
Uma vez que a prática das mitsvót e o “temer a Deus” envolvem, ambos,
aspectos éticos (como acabamos de ver), então, novamente vemos a liberdade
humana envolvida em tais situações.
134
CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4, p.2715.
135
LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3, p.126.
136
WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23.
Página | 40
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
Em último lugar, vejamos o que diz o verso quinze: “O que foi, ele já (é);
e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido” (v.15).137 Sobre este verso,
vejamos o interessante comentário feito por Moshe Alshich que, novamente,
aborda os conceitos de determinismo e liberdade humana em seu pensamento:
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Maimônides já afirmara que se os acontecimentos neste mundo fossem baseados
no acaso ou destino toda a Torá não teria significado. Não teríamos nenhum
direito de condenar o assassino, se a vítima estava predestinada a morrer
assassinada. A Providência Divina supera o destino. D’us procurará aqueles que
foram perseguidos e o perseguidor será punido. Uma vez que um homem torna-
se assassino por seu livre-arbítrio, ele deve pagar com sua vida. Tudo tem seu
propósito. O destino é coordenado de tal maneira que ele não contradiz o livre-
arbítrio do homem, que finalmente é recompensado ou punido de acordo com
suas ações.138
Página | 41
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
todos aqueles que foram perseguidos, os encontrará e lhes fará justiça contra os
seus perseguidores.
Se esse pensamento estiver correto, então, nós encontramos aqui duas
verdades simultâneas. A primeira verdade é que Deus está presente e atuante na
obra da Sua criação. Ou seja, Ele a controla através do Seu infinito poder e
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
determina muitos dos seus acontecimentos. E a segunda verdade é que o homem,
por ser dotado de liberdade, pode perseguir as pessoas e até mesmo prejudicá-las.
Porém, mais cedo ou mais tarde, a justiça divina se manifestará e isso
demonstrará que as aparentes contradições da vida têm um propósito dentro do
plano perfeito de Deus.
Página | 42
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
CONCLUSÃO
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
aqui de forma resumida.
Em primeiro lugar, vimos introdutoriamente que o livro de Qöheºlet foi
escrito aproximadamente entre os séculos IV e III a.C. e vimos também que o
livro é singular sob o ponto de vista tríplice de seu conteúdo, de sua língua e do
significado de seu título. Além disso, observamos que o propósito da escrita de
Qöheºlet pode ter sido o de refletir sobre qual é o proveito real que se pode tirar
do trabalho quando se vive debaixo de um sistema de dominação estrangeiro, o
sistema helenístico. E, além do mais, sendo mais específico ainda, o Qöheºlet
pode ter sido escrito também com o propósito de incentivar o judeu a aproveitar
as coisas boas da vida (a filosofia do carpe diem), mesmo vivendo dominado por
um sistema estrangeiro. Esse tipo de comportamento seria uma forma de
protestar diante do sistema de trabalho helênico escravizante que havia em Judá,
o qual estava vigente na metade do III século a.C.
Em segundo lugar, no capítulo em que tratamos do texto original de
Qöheºlet 3.1-15 e de sua respectiva tradução, verificamos que existem alguns
termos e expressões encontrados nessa perícope, cujos significados são muito
debatidos pelos estudiosos em geral. Nesta parte do nosso trabalho, optamos por
adotar aqueles significados que julgamos serem mais condizentes com o texto
bíblico estudado.
Em terceiro lugar, escorados, sobretudo, na filosofia, oferecemos quatro
pontos de vista principais sobre a relação existente entre o determinismo e o
livre-arbítrio. Ao expormos tais pontos de vista, mencionamos a nossa predileção
por uma perspectiva mais equilibrada entre essas duas vertentes. Agimos assim
por entendermos que tanto a soberania divina quanto a responsabilidade humana
são duas verdades claramente recorrentes ao longo de toda a Bíblia Hebraica.
Página | 43
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
significado do conteúdo de Qöheºlet 3.1-15. Enquanto alguns pendiam para o
determinismo e outros se inclinavam para o livre-arbítrio, um terceiro grupo
ainda buscava defender uma posição de meio-termo. Em nosso trabalho, nos
identificamos com este último grupo, por compreendermos, como já foi dito, que
o determinismo e o livre-arbítrio são duas verdades complementares e não
necessariamente mutuamente excludentes.
Além desse resumo, ao término dessa pesquisa pude chegar a três
importantes conclusões pessoais.
Primeiramente, observei que o Qöheºlet é um autor extremamente ousado,
pois, mesmo sendo um homem religioso (o Qohélet menciona o nome de “Deus”
durante 41 vezes ao longo dos 222 versículos que compõem o livro), ele não
esconde as suas inquietações, frustrações e sentimentos mais íntimos, antes os
expõe corajosamente. A realidade da vida, com seus altos e baixos, com seus
dilemas e paradoxos, com suas bênçãos e desventuras e com seus mistérios e
revelações, fez com que o Qöheºlet expusesse toda a sua filosofia sobre a vida e a
existência. O Qöheºlet filosofa sobre a vida sem nenhum tipo de receio ou pudor e
sem se deixar intimidar pela força dos dogmas ou preceitos da religião oficial
israelita. Ele é um homem de fé, mas é, ao mesmo tempo, um ser pensante e
inquiridor, um teólogo arguto e um atento observador da vida e da efêmera
condição humana.
Em segundo lugar, notei também que conceitos relacionados ao
determinismo e ao livre-arbítrio atravessam todo o livro de Qöheºlet como um
longo fio condutor e estão presentes, inclusive, na perícope estudada de Qöheºlet
3.1-15. Entretanto, por mais que o livro aborde esses assuntos, o dilema existente
entre o determinismo divino e a liberdade humana nunca é definitivamente
Página | 44
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
resolvido pelo autor bíblico. Por esse motivo, concluí que as verdades do
determinismo e do livre-arbítrio são, ambas, necessárias, como o são também
igualmente necessários os dois trilhos sobre os quais um trem se desloca em sua
viagem. Assim como o trem precisa de dois trilhos para poder se locomover e
poder chegar ao seu destino, da mesma forma, precisamos aceitar a realidade
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
dupla do determinismo e da liberdade humana, por mais paradoxais e
antagônicos que possam parecer, como dois elementos necessários sobre os quais
devemos nos mover e existir.
Finalmente, em terceiro e último lugar, cheguei à conclusão de que o
Qöheºlet é alguém que gravita entre dois mundos, o mundo da fé e o mundo da
desilusão existencial. Aliás, o filósofo e teólogo espanhol, José Luis Sicre, ao
discorrer sobre o conteúdo de Qöheºlet, retratou exatamente este tipo de sensação,
ao dizer: “(...) quem sabe não haja neste livro uma profunda honestidade
religiosa. Não a espiritualidade falsa e estereotipada de quem presume ver Deus
em tudo, mas a do sábio modesto e desencantado que se contenta em continuar
crendo em Deus, apesar de todas as desilusões da vida”.140
140
SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis, Vozes, 1994, p.279.
Página | 45
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
BIBLIOGRAFIA
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
A Bíblia Sagrada. (Tradução na Linguagem de Hoje). São Paulo, Sociedade
Bíblica do Brasil, 1988.
Bíblia Sagrada (Nova Versão Internacional). Colorado Springs, International
Bible Society, 2000.
Bíblia – Tradução Ecumênica (TEB). São Paulo, Edições Loyola, 1994.
ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. (Eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. [Editio
Quinta Emendata]. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft,1997.
GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém. São Paulo,
Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1985.
GORODOVITS, David & FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. São Paulo, Editora
e Livraria Sêfer Ltda., 2006.
JÁNOS II, Pal. Nova Vulgata Bibliorum Sacrorum Editio. Vaticano, Libreria
Editrice Vaticana, 1979.
RAHLFS, Alfred. (Ed.). Septuaginta. [Duo volumina in uno]. Stuttgart, Deutsche
Bibelgesellschaft, 2004.
Santa Biblia (Versión Española Reina-Valera). Miami, United Bible Societies,
1995.
ALTER, Robert & KERMODE, Frank. (Orgs.). Guia Literário da Bíblia. São
Paulo, Fundação Editora da UNESP, 1997.
AUZOU, Georges. A Tradição Bíblica. São Paulo, Livraria Duas Cidades Ltda.,
1971.
BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. [Vol.2]. São Paulo, ASTE,
1968.
CERESKO, Anthony R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade
libertadora. São Paulo, Paulus, 2004.
__________. Introdução ao Antigo Testamento numa Perspectiva Libertadora.
São Paulo, Paulus, 1996.
Página | 46
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
KUSHNER, Harold. Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas. São
Paulo, Nobel, 1988.
PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997.
RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. [Vols. 1 e 2]. São Paulo,
ASTE, Targumim, 2006.
SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol.
IV: Justicia Divina). Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987.
SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis, Vozes, 1994.
SMITH, Mark S. O Memorial de Deus: história, memória e a experiência do
divino no Antigo Israel. São Paulo, Paulus, 2006.
WARE, Bruce A. Teísmo Aberto: a teologia de um Deus limitado. São Paulo,
Vida Nova, 2010.
ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. [Coleção Bíblica
Loyola | Nº 36]. São Paulo, Edições Loyola, 2003.
Página | 47
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
LOVISOLO, Elena et al. Dicionário da Língua Portuguesa. (Larousse Cultural).
São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992.
PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto,
Livraria Apostolado da Imprensa, 1976.
SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo,
Paulus, 1997.
Página | 48
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
FOX, Michael V. Qohelet and His Contradictions. [Bible and Literature Series,
18]. Sheffield, Sheffield Academic Press, 1989.
__________. The Meaning of Hebel For Qohelet. [Journal of Biblical Literature].
Madison, University of Madison, 1986.
GALLAZZI, Ana Maria Rizzante & GALLAZZI, Sandro. La Prueba de los
Ojos, La Proíba de la Casa, La Prueba del Sepulcro: una clave de lectura del
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-
Americana], Nº 14, 1993.
IMRAY, Kathryn. Qohelet’s Philosophies of Death. [Doctoral Thesis in
Philosophy]. Perth, Murdoch University, 2009.
JAPHET, Sara & SALTERS, Robert B. The Commentary of R. Samuel Ben Meir
Rashbam on Qoheleth. Jerusalem, The Magnes Press, 1985.
JONG, Stephan de. “Quítate de Mi Sol!”: Eclesiastés y La Tecnocracia
Helenística. Quito, Ribla, Nº 11, 1992.
KIDNER, Derek. A Mensagem de Eclesiastes. [Série: A Bíblia Fala Hoje]. São
Paulo, ABU Editora S/C, 1998.
LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet. [Coleção: Grande Comentário
Bíblico]. São Paulo, Paulus, 1999.
LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of
Ecclesiastes 3. [Article]. Vol.5. South Africa, South African Theological
Seminary, 2008.
LOADER, J. A. Polar Structures in the Book of Qohelet. Berlin / New York, De
Gruyter, 1979.
LONGMAN III, Tremper. The Book of Ecclesiastes. [The New International
Commentary on the Old Testament]. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans
Publishing Company, 1998.
LÓPEZ, Carmen Motos. La Forma Exegética M~v~l en Qohélet Rabbah.
[Revista de Ciencias de las Religiones | Nº 6]. Madrid, Universidad
Complutense, 2001.
MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et
commentaire. [Studium Biblicum Franciscanum]. Jerusalem, Liber Annuus, Nº
42,1992.
NET Bible. Ecclesiastes. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm.
PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. (Eds.). The Wycliffe Bible
Commentary. Chicago, Moody Press, 1987.
REIMER, Haroldo. “Y ver la parte buena de todo su trabajo” (Eclesiastés 3,12)
– Anotaciones Sobre Economia y Bienestar en la vida del Eclesiastés. Quito,
Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº51, 2005.
Página | 49
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
University Press, 1998.
SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes. Vol. 18. [The Anchor Bible].
New York, Doubleday, 1965.
SEOW, C.L. Ecclesiastes. New York, Doubleday, 1997.
SHANK, H. Carl. Qoheleth’s World and Life View As Seen In His Recurring
Phrases. [Westminster Theological Journal]. Philadelphia, Westminster
Theological Seminary Press, 1974.
VERAS, Lilia Ladeira. Un Primer Contacto Con El Libro del Eclesiastés o Libro
de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana],
nº 52, 2005.
Página | 50
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
© É permitida a reprodução parcial deste artigo desde que citada a sua fonte.
© Carlos Augusto Vailatti ● Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio ● 2011
Citação Bibliográfica: VAILATTI, Carlos Augusto. Qöheºlet 3.1-15 e a Tensão
Página | 51