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ESTUDOS CULTURAIS
Eixos Periféricos
Reitora
Célia Maria Silva Correa Oliveira
Vice-Reitor
João Ricardo Filgueiras Tognini
Comissão Organizadora
Edgar Cézar Nolasco, Marcos Antônio Bessa-Oliveira, Marta Francisco Oliveira, Arnaldo Pinheiro Mont’Alvão Júnior,
Daniel Rossi, Quelciane Ferreira Marucci, Giselda Paula Tedesco, José Francisco Ferrari, Leilane Hardoim Simões, Lui-
za de Oliveira, Marcia Maria de Brito, Willian Rolão Borges da Silva, Francine Rojas, Carla Letícia Stuermer, Eduavison
Pacheco Cardoso, Renata Damus, Alessandro A. Fagundes Matos, Camila Torres, Laura Cristhina Revoredo Costa.
Revisão
Edgar Cézar Nolasco, Marcos Antônio Bessa-Oliveira
A reprodução parcial ou total desta obra, por qualquer meio, somente será permitida com a autorização por escrito do
autor. (Lei 9.610, de 19.2.1998).
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SNEL – Sindicato Nacional de editores de livros
Semestral
ISSN 1984-7785
Eixos Periféricos
Esta é uma publicação que faz parte de um Projeto maior
intitulado Culturas locais que, por sua vez, está preso ao
NECC – Núcleo de Estudos Culturais Comparados – UFMS.
Apoio: PREAE/UFMS
Editorial
ARTE en la frontera
Leonor Arfuch ............................................................................................103 - 110
NORMAS EDITORIAIS
Papers, Artigos, Ensaios e Resenhas ..................................................................189
FESTAS PÚBLICAS E
COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS
NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO:
Ritanálise do IV Centenário
de São Luís/MA
9
O presente texto² tem como foco os ritos comemorativos na sociedade moderna,
1
Alexandre Fernandes Corrêa é professor da UFMA.
2
Uma versão desse texto foi apresentada na 28ª. Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias
02 e 05 de julho de 2012, em São Paulo, Brasil. GT. 39 – Festa, Estrutura, Mudança.
3
Nossa análise dos ritos comemorativos considera a estrutura hierárquica, sugerida por Wallerstein, dividida
entre centro, semiperiferia e periferia do moderno sistema-mundo, conforme explicitado: “We have now
outlined the two main constituent elements of the modern world-system. On the one hand, the capitalist
world-economy was built on a worldwide division of labor in which various zones of this economy (that
which we have termed the core, the semiperiphery, and the periphery) were assigned specific economic
roles, developed different class structures, used consequently different modes of labor control, and profited
unequally from the working of the system. On the other hand, political action occurred primarily within the
framework of states which, as a consequence of their different roles in the world-economy were structured
differently, the core states being the most centralized” (WALLERSTEIN, 1974: p. 162).
4
Texto derivado do Projeto de Pesquisa TEATRO DAS MEMÓRIAS II: Os Ritos Comemorativos na Atualidade:
As dinâmicas socioculturais das liturgias políticas dos 400 anos de fundação histórica da cidade de São Luís, UFMA.
5
Dissertação de mestrado apresentada no PPGA da UFPE.
6
Sobre os aspectos mais específicos desse debate mitológico e historiográfico reportamos o leitor para o
artigo, Alcances interpretativos de uma sociologia das comemorações históricas (Corrêa, 2011). Cabe fazer referência as
obras de cronistas e historiadores que publicaram e pesquisaram sobre o tema (Daher, 2007; Lacroix, 2002;
Lisboa, 1992; Mariz, 2007; Pianzola, 1992).
7
Para Roberto da Matta tal manifestação que não passou de um testemunho melancólico, sintoma de uma
recorrente confusão entre crítica e flagelação que ocorreria entre nós; como escreveu no dia 16 de abril de
2000, em texto publicado e difundido em diversos periódicos do país.
8
Da série de artigos, reportagens e entrevistas que a Folha de São Paulo fez em 26 de novembro de 2007
sobre os 200 anos da vinda da Família Real de Portugal para o Brasil. Mais detalhes: http://www.diariodorio.
com/especial-sobre-os-200-anos-da-corte-real-portuguesa-no-rio-de-janeiro/
c) os vêm como uma manifestação coletiva a mais entre outras igualmente válidas, que
pode suscitar uma catarse momentânea, mas que têm sobre seus executantes ou em seu
Cadernos de Estudos Culturais
Tais aspectos merecem nossa atenção, alargando nossa percepção sobre fenômenos
tão recorrentes; especialmente ao lembrar que estamos num período em que o país está
em plena profusão de megaeventos internacionais agendados, combinando reuniões,
cúpulas, confederações, copas, olimpíadas: congregando os mais diversos tipos de
empreendimentos comemorativos e rituais, em que modelos concorrentes se defrontam
12 e se confrontam. Nosso interesse é subsidiar análises críticas da atual efervescência desses
fenômenos, tentando compreender de que modo eles adquirem força no jogo dialético
FESTAS PÚBLICAS E COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO
Máquinas da Comemoração
Temos observado empiricamente se constituir uma verdadeira e poderosa ‘máquina
de produção comemorativa e festiva’10. Podemos afirmar que em termos sociológicos
o uso da comemoração consiste na faculdade de consagrar o sentido da história e de
permitir uma reprodução simbólica pública, cujo efeito transcendental assinala um tipo
de garantia da continuidade temporal de um grupo ou de uma sociedade. Nessa espécie
de ‘ficção de transcendência’, como coloca Henri-Pierre Jeudy (1995), o acontecimento
se transforma num símbolo eterno, conseguindo ultrapassar o instante presente, se
autonomizando, e exercendo através da sua evocação um poder de sacralização dos
lugares, das pessoas, dos atos... E podemos avançar mais ao enfatizar que rememorar é
um tipo de ‘apelo do inicial’ e que as comemorações são a encenação desse apelo. Como
9
Nesse esforço teórico recorremos aos autores clássicos e aos modernos (Cazeneuve, S/D; DaMatta, 1975,
1979; Eliade, 1998; Gluckman, 1962; Isambert, 1982; Lévi-Strauss, 1975; Moscovici, 1990; Turnner, 1969;
Van Gennep, 1978; Maertens, 1987).
10
Algo que possui paralelo com o processo analisado por Serge Moscovici na obra Máquina de fazer Deuses
(1990).
11
Sobre a compulsão contemporânea em ‘comemorar tudo’ cabe uma referência ao curioso acontecimento
‘jornalístico’ ocorrido por ocasião do décimo oitavo aniversário de morte do ídolo nacional e corredor de
Fórmula 1, Airton Senna: “Um dia depois de ‘comemorar’ os 18 anos da morte de Ayrton Senna, o Globo
Esporte fez uma espécie de ‘meia’ culpa da gafe cometida ontem pelo apresentador Ivan Moré, que substituía
Tiago Leifert. ‘Há 18 anos morria o tio do Bruno Senna, o maior ídolo do automobilismo brasileiro. Partiu
o coração de todos os brasileiros...’, começou Moré. Então completou: ‘E para comemorar essa morte (...)
tem uma exposição bem bacana aqui na capital...’, disse o apresentador-substituto”. Fonte: http://f5.folha.
uol.com.br/televisao/1084357-apos-gafe-sobre-senna-tiago-leifert-ataca-paladinos-do-jornalismo.shtml
12
Aspectos explorados no texto de Olivier Douville, Uma Melancolização do Laço Social? Ágora v. VII n. 2 jul/
dez 2004 179-201.
13
O debate em torno desse enunciado revela-se bastante controverso. Todavia, para nós, é evidente que a
manutenção do nome topográfico da cidade de São Luís em homenagem ao Rei menino de França, Luís XIII,
é prova cabal que Jerônimo de Albuquerque e seus companheiros, na luta pela “expulsão” dos franceses, não
deixaram de reconhecer a primazia e anterioridade dos francos no povoamento da localidade. Caso assim não
fosse, não teriam mantido essa “homenagem”. Portanto, a polêmica historiográfica nos parece academista
fugindo ao escopo de nossa ritanálise, já que o que nos interessa é sobretudo o alcance mitológico dos tais
enunciados históricos ou ideológicos em confronto.
Chama nossa atenção a busca por se constituir a harmonia das memórias coletivas
em torno da preservação consensual, muitas vezes forçada; reflexos disso encontramos
na contaminação geral pela quase unanimidade das ações de patrimonialização e
musealização vigentes na sociedade contemporânea: algo que prolifera em sociedades
centrais, periféricas e semi-periféricas. O ato comemorativo torna-se então a reencenação
obsessiva de uma coletividade e a comemoração é sempre um cerimonial de reinjeção do
14 sentido15. A ficção comemorativa pretende exorcizar o non sense das guerras, das formas de
destruição, violência e conflito; mas, sempre encontram um modo de emergir como um
FESTAS PÚBLICAS E COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO
14
No contexto local ludovicense, as palavras animação, pândega, algazarra, farra, adquirem significado todo
especial, pois integram com destaque o repertório de traços identitários decantados e exaltados pela chamada
maranhensidade. Curiosamente, aspecto que, diga-se de passagem, não possui singularidade extraordinária, pois
se trata de traço comum a brasilidade em geral e mais difusa.
15
O lema da VIII Semana Nacional dos Museus, em 2010: “Museus para a Harmonia Social”, foi elaborado
de acordo com o Conselho Internacional de Museus (ICOM): El Comité Consultivo del ICOM propone cada
año un tema que los museos pueden utilizar para valorizar su posición en el seno de la sociedad. Este año, el
tema propuesto es «Museos para la armonía social». La armonía es, a la vez, un concepto significativo para la
Humanidad y representante de las culturas orientales. Lo esencial de la armonía social consiste en el diálogo,
la tolerancia, la cohabitación y el desarrollo, basados en el pluralismo, la diferencia, la competencia y la
creatividad, cuya base es «entenderse pero distinguiéndose, buscar lo común pero conservando la diferencia».
Cada museo puede desarrollar, o no, el tema. Lo principal es “poner los museos bajo los focos”, por lo
menos una vez al año gracias a la fecha de aniversario que es el Día Internacional de los Museos. Disponível:
http://icom.museum/doc/IMD/SPA/KIT_launch_spa.pdf
16
Com Roland Barthes (1972) nos distanciamos da ‘conceituação’ de mito como ilusão, mentira e ideologia,
encontrada em historiadores locais como na obra A Fundação Francesa de São Luís e seus Mitos (Lacroix,
2002).
17
Misto de ironia, derrisão e deboche, que se encontra nos versos da música dos artistas populares Gerude e
Jorge Tadeu, São Luís Vai Virar Paris. Como se sabe, não há qualquer vestígio moderno da presença francesa
na cidade. No entanto, no Carnaval de 2012 o tema serviu como enredo para a Escola de Samba “Flor do
Samba”, vice-campeã: São Luís ou Saint Louis? Enfim uma só Paris.
18
Em texto publicado em jornal de São Luís, o presidente do grupo gestor das celebrações oficiais, declarou
que no dia 08 de setembro de 2012 ocorrerá uma Bigfesta, também designada de Megafesta, com mais de 70
eventos comemorativos. O texto pode ser acessado no seguinte endereço: http://www.jornalpequeno.com.
br/2011/12/31/sao-luis-como-e-grande-meu-amor-por-voce-182271.htm
19
Como escreveu Jeudy: “O efeito de paródia tem por espelho o bluff de um moralismo consensual que o
condena. O poder caricatura da simulação faz ressurgir o argumento ético como espectro da má consciência;
provoca enfim a obscenidade do telespectador, fintado como um voyeur enganado pela mercadoriaque
observa e de que se apercebe demasiado tarde” (1995, p. 52).
triunfal que, como se sabe, advém do período colonial e que se perpetua praticamente
incólume. Essa é a hipótese que desenvolvemos nesse momento experimental da
pesquisa. Na sociedade pós-moderna, em que a modernidade se petrificou, elevam-se as
culturas líquidas (Bartra, 2008) que se derramam em fragmentações e heterogeneidades
aos quais o modelo comemorativo, quase sempre multiculturalista21, tem se adaptado e
oferecido forma à gestão do teatro das memórias sociais. Em nossa sociedade, - tecida
16 em redes entrelaçadas de eixos periféricos - continuando um longo ciclo de transformações
e metamorfoses na cultura barroca, sua matriz original, o modelo festivo ainda exerce
FESTAS PÚBLICAS E COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO
20
Como exemplo desse tipo de comemoração organizada e racionalizada, temos os rituais realizados para
comemorar o Bicentenário da Revolução Francesa, em 1989.
21
O multiculturalismo como a lógica cultural do capitalismo multinacional (Jameson, 1998).
22
A programação do megaevento ocorrerá no transcorrer de uma semana, com shows e espetáculos que
contam com a presença de artistas de renome nacional e internacional: Roberto Carlos, Ivete Sangalo,
Gilberto Gil, Zezé de Camargo e Luciano, Alcione etc., além da presença de centenas de artistas locais:
“Shows para entrar para a História!”.
23
Mas é legítimo acreditar que se comemorará a manutenção histórica do nome da cidade de São Luís, por
400 anos, em homenagem à Luís XIII da França.
24
Uma análise mais especifica desse aspecto, ver o texto O labirinto dos significantes na cultura barroca (Corrêa,
2009).
25
A campanha publicitária na mídia alardeia: “Festa igual a essa só daqui a 400 anos!”.
26
Nossas observações empíricas cobrem as festividades desde 2007. Além das pesquisas de campo, temos
concluída uma orientação de monografia para o curso de Ciências Sociais/UFMA, defendida em 2010. Do
Mito ao Rito: análise de uma narrativa fotográfica da participação popular nas comemorações dos 397 anos de fundação da
cidade de São Luís, do bacharel Milton B. Lima Filho.
27
Confirmado na cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, nesse ano de 2012.
28
Aspecto que merece reflexão apurada considerando certa tendência de se aderir ao modelo dominante,
exaltando-se de modo telúrico e romântico positividades combinadas de festividade, alegria e mestiçagem;
no que se tem designado de corpo e alma característico do país. Um olhar distanciado mais apurado, que não
quer dizer “negativista”, aponta para aspectos críticos negligenciados por essa apologia quase ufanista. Por
exemplo, consideramos alarmante a manutenção de um modelo que tem preservado, séculos seguidos, uma
ideologia da mestiçagem adequada à manutenção de desigualdades econômicas e sociais aberrantes (Perez,
2011).
29
“Um novo conceito a partir de 2007 foi implantado no Maranhão, através da Secretaria de Cultura do
Governo Jackson Lago, com o intuito de abrir um leque de possibilidades para artistas maranhenses das mais
diversas áreas, assim como de levar a cultura do estado para todos os cantos destacando a particularidade de
cada região, conforme seguiu as diretrizes de municipalização deste governo, o conceito da “maranhensidade”
foi introduzido e que definiu as ações da secretaria. Festas tradicionais como o São João e o Carnaval da
Maranhensidade mostraram a nível nacional o orgulho de ser maranhense, através do nosso modo, dos nossos
costumes e do nosso jeito de ser”. Disponível na homepage: http://ogovernointerrompido.wordpress.
com/2010/04/05/a-cultura-da-maranhensidade/
30
Diversos sites e homepages podem ser consultados para a constatação de que estamos em pleno
vigor de um surto identitário local: 1. Trincheira da Maranhensidade: http://www.jornalpequeno.com.
br/2007/1/26/Pagina49732.htm; 2. Orkut: Eu sou da Maranhensidade: http://www.orkut.com.br/
Main#Community?cmm=119897470; 3. Maranhensidade Júridica: http://maranhensidadejuridica.blogspot.
com.br/2007/08/marcelo-dolzany-da-costa-os-desafios.html
31
Aspectos a serem desenvolvidos em futuro texto, desenvolvido na linha de pesquisa Cultura e Subjetividades.
32
Daí a resistência recalcitrante pela organização de uma comemoração mais reflexiva, relativizadora dos
enunciados pré-estabelecidos. Fato que se constata pela rarefação na densidade dos debates históricos,
sociológicos ou antropológicos efetivamente programados para a efeméride.
Referências Bibliográficas
ÁVILA, Affonso. “O Barroco e uma Linha de Tradição Criativa”. Revista Universitas, 21
Salvador (2), jan/abr, 1969.
33
Utilizamos o termo torrão no sentido de terra natal (homeland), empregado pelo geógrafo maranhense
Raimundo Lopes em seu livro O Torrão Maranhense. Obra que hoje compõe publicação reeditada conhecida
como Uma Região Tropical (Lopes, 1970). A expressão adquiriu grande repercussão no imaginário regional,
surgindo recorrentemente em toadas de bumba-boi e em diversas canções e poemas populares e eruditos.
Em breve, vamos desenvolver estudos sobre possíveis paralelos literários entre o torrão natal (homeland) dos
poetas brasileiros e a waste land (tierra baldia) do poeta T. S. Eliot (1888-1965). Sobre a obra Waste Land de
Eliot, ver as análises do antropólogo mexicano Roger Bartra, em Culturas Liquidas (2008).
_____. O labirinto dos significantes na cultura barroca. Psicanálise & Barroco. v.7, n.2:
12-34, dez. 2009.
_____. Alcances interpretativos de uma sociologia das comemorações históricas: o caso
do IV centenário de São Luís/MA. Revista do Instituto Histórico do Maranhão. São Luís:
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1975.
_____. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
_____. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.
Cadernos de Estudos Culturais
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22 211. 2011.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
FESTAS PÚBLICAS E COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO
23
1
Cristina Soreanu Pecequilo é professora da UNIFESP.
maior complexidade, havendo uma mudança nos padrões da bipolaridade. Tal mudança
corresponde a alterações de poder relativo que se observavam no sistema internacional
e que ocorreram em quatro dimensões: na das duas superpotências, Estados Unidos e
União Soviética, em direção a certo enfraquecimento econômico devido às demandas
da corrida armamentista nuclear e convencional, da projeção de poder em suas zonas de
influência e da disputa por novas áreas geográficas; dos membros dos blocos capitalista
26 e socialista, com a recuperação e crescimento econômico do Japão e das nações da
FESTAS PÚBLICAS E COMEMORAÇÕES HISTÓRICAS NA PERIFERIA DO SISTEMA-MUNDO
2
O período de 1959 a 1962, da Revolução à Crise dos Mísseis, quando a União Soviética anunciou sua
intenção de instalar armas nucleares na ilha, foi um dos mais críticos da bipolaridade (PECEQUILO, 2011).
3
É preciso não confundir “Grande Estado Periférico” com “Realismo Periférico” conceito apresentado
por Carlos Escude nos anos 1990 para se referir à posição de subordinação de nações menores no sistema.
Segundo a visão do “Realismo Periférico”, aos países do Terceiro Mundo não restaria outra opção de inserção
no sistema internacional que não fosse a do alinhamento a potências como os Estados Unidos. O tema ainda
será discutido no corpo do texto quando da análise do recuo da política externa brasileira.
4
Para uma análise detalhada da política externa do regime militar brasileiro sugere-se VIZENTINI, 1998.
5
O marco inicial das contradições econômicas e estratégicas do cenário internacional foi a crise do petróleo
de 1973. Outros fatores como a quebra do sistema de Bretton Woods com a saída dos Estados Unidos do
padrão ouro-dólar, a Guerra do Vietnã compõem igualmente este conjunto de fatores.
O Recuo (1985/2002)
Apesar de manter o perfil global-multilateral de política externa, a administração
Cadernos de Estudos Culturais
de José Sarney (1985/1989), primeiro presidente civil depois do regime militar (eleito
indiretamente pelo Colégio Eleitoral na chapa com liderada por Tancredo Neves7), já deu
sinais de recuo na projeção do poder brasileiro. Tais recuos resultaram de uma combinação
de forte crise interna (econômica e associada ao processo de redemocratização),
vulnerabilidade sócio-econômica-estratégica e pressões internacionais que, como visto,
iniciaram-se no governo Figueiredo. Sarney deu continuidade ao eixo multilateral-global,
30 com ênfase no contexto sul-americano e a reaproximação bilateral com a Argentina,
mas atuou com menor intensidade no mundo afro-asiático. No que se refere à América
O BRASIL E OS EIXOS PERIFÉRICOS: agenda e identidade nas relações internacionais
Latina, uma das questões mais relevantes do período foi a definição, na Constituição
brasileira de 1988, de que a integração regional era uma prioridade nacional. Além disso,
foram fechados espaços de intercâmbios ao Norte, devido ao “reenquadramento” da
esfera europeia ocidental e japonesa aos Estados Unidos, o que reduziu mais ainda a
margem de manobra. Com isso, desenhou-se o processo de “limpeza da agenda”, que
resultou na década de 1990 no realinhamento aos Estados Unidos.
O fim da Guerra Fria e a aparente unipolaridade norte-americana acentuaram
esta sensação de perda de lugar no mundo que, somado ao aprofundamento da crise
interna, aumentaram os questionamentos sobre o papel do Brasil como líder e/ou nação
pertencente ao Terceiro Mundo. Isto se refletiu na campanha eleitoral para presidência
da República em 1989, que culminou com a vitória de Fernando Collor de Mello
(1990/1992). O discurso de Collor sustentava-se na premissa da modernização e do
abandono do viés periférico da atuação internacional, considerando-o contraproducente
por ter gerado conflitos com os principais parceiros, em particular os Estados Unidos.
O termo que passou a ser aplicado ao modelo anterior era “autonomia pela exclusão” ao
6
O apoio ao talibã que lutava contra a União Soviética no Afeganistão (1979/1989) é um dos mais
controversos exemplos desta política.
7
A votação no Colégio Eleitoral fora antecedida por forte movimento popular a favor de “Diretas Já!”
da estabilidade econômica internamente. Como citado, não houve uma real mudança na
postura das nações do Norte, i.e dos Estados Unidos, diante destas demandas, ainda que
retoricamente o discurso diplomático reconhecesse o Brasil como um país relevante no
mundo. Esta ausência de benefícios, similar a de outras épocas de alinhamento no eixo
bilateral-hemisférico, deu início a uma reavaliação do perfil das relações internacionais.
Um forte componente para esta reavaliação deriva do mesmo campo que havia elevado
32 as perspectivas brasileiras: a economia. A estabilidade conquistada pelo Plano Real
encontrava-se ameaçada por questões cambiais, de produção, derivadas de uma crise
O BRASIL E OS EIXOS PERIFÉRICOS: agenda e identidade nas relações internacionais
revelou uma unidade em torno da defesa da abertura comercial justa entre o Norte e o
Sul.
A partir de 2008 com a disseminação da crise econômica global, observou-se o
adensamento do G20 financeiro, fórum de conversações econômicas criado em 1999,
composto por nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Na oportunidade, o objetivo
era criar um organismo intermediário entre o G7 (nações desenvolvidas) e o G77 (nações
em desenvolvimento), e com maior igualdade de representação que o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial em resposta ao novo cenário do pós-Guerra
Fria. Por fim, é preciso mencionar a institucionalização dos BRICS como aliança entre
os emergentes para a discussão de uma agenda global (e do BASIC, Brasil, África do Sul,
Índia e China para as temáticas ambientais). Economicamente, este processo também se
refletiu na própria pauta comercial do Brasil, que reorientou-se do Norte ao Sul: a partir
de 2011 a China tornou-se a maior parceiro econômica individual do Brasil (tendência
que pode se manter em 2012) no lugar dos Estados Unidos e, desde 2010, 55% da
pauta de exportações brasileiras destina-se ao Sul. Este processo teve continuidade na
gestão Dilma Rousseff a partir de 2012, ainda que com menor intensidade em algumas
dimensões, traduzindo-se em processo em andamento.
Referências Bibliográficas
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Traço. 2012.
_____. “A Política Externa do Brasil no Século XXI: Os Eixos Combinados de
Cooperação Horizontal e Vertical.” Revista Brasileira de Política Internacional. v.51, p.136 -
153, 2008
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ROUSSEFF, Dilma. Discurso de Posse. 01 de Janeiro de 2011. Disponível em http://
www1.folha.uol.com.br/poder/853564-leia-integra-do-discurso-de-possede-dilma-
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do Brasil. Brasília: IPRI/FUNAG, 2003.
SILVA, André Luis Reis. Do otimismo liberal à globalização assimétrica. Curitiba: Ed. Juruá,
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VISENTINI, Paulo G Fagundes e PEREIRA, Analúcia D. História do Mundo Contemporâneo.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2008.
1
Edgar Cézar Nolasco é professor da UFMS.
2
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.453.
3
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p. 454.
4
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.26.
5
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.26.
6
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.83.
7
“O sentido de ‘periférico’ é análogo ao sentido de ‘subalterno’, se concebermos que o termo se refere
a ‘culturas’ e línguas e não apenas a classes sociais e comunidades - isto é, tudo que se situa num espaço
relacional será colocado ‘numa posição inferior’” (MIGNOLO, 2003, p.270).
o lócus geoistórico periférico de onde proponho minha reflexão crítica, diferencial também
pode significar o modo como desloco (traduzo) as leituras críticas das quais me valho,
como a do próprio Mignolo pensada em inglês e dos Estados Unidos sobre a América
Latina, para pensar de forma diferencial a periferia em questão (neste caso, como já disse,
trata-se da fronteira do estado de Mato Grosso do Sul com os países Paraguai e Bolívia).
do Sul, Pedro Juan Caballero e Porto Quijaro, por exemplo, não são o México, nem São
Paulo e nem Buenos Aires. O portunhol, o guarani, bem como as condições reais de vida
na qual se encontram os brasiguaios, são únicos e indispensáveis para a compreensão da
colonialidade do poder ali instaurada e da paisagem fronteriza e periférica que se desenha
para o outro. Em se tratando do lócus aqui priorizado, o que se constata, num crescendo, é
que falta ainda uma crítica consolidada que se predisponha a pensar esse lócus geoistórico
a partir dele mesmo, com toda sua diversalidade (Mignolo) e problemas culturais. O que
temos, na verdade, é uma crítica assentada em teorias acadêmicas importadas dos centros
que simplesmente se basta em tomar o lócus periférico e fronteiriço como um “campo
de estudos”, ao invés de tomar tal lócus cultural periférico como um lugar capaz de
produzir discussões históricas, culturais e políticas que acabam por explicá-lo dentro de
um contexto mais geral. Constatando e ao mesmo tempo contradizendo o que disse a
pouco, o intelectual periférico parece ainda não se sentir seguro, intelectualmente falando,
para pensar a partir de seu próprio lócus geoistórico, sem correr o risco de cair em um
“localismo” piegas e chinfrim.
Cada vez mais, convenço-me de que quando se estuda um determinado lócus
8
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.159.
9
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.167.
10
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p. 162.
11
Ver RIVERA CUSICANQUI. Oprimidos pero no vencidos.
em sua específica zona de fronteira porosa e quase incontornável por ordem de seu
imaginário periférico. Enquanto uma “irredutível diferença epistemológica”, a periferia
(o pensamento periférico) situa-se na condição de travessia dos sujeitos atravesados
(ANZALDÚA), que vivem à margem do sistema moderno, como os brasiguaios, os
indígenas, os paraguaios, os bolivianos, os sul-mato-grossenses e migrantes da tríplice
fronteira-Sul do Centro-Oeste brasileiro; a periferia também é a travessia para o global,
44 já que o global passa pelo periférico, sem a ele se colar. A fronteira-Sul, mais uma vez,
na zona fronteriza aqui em destaque continua sendo o limite. Contraditória, se, por um
PAISAGENS DA CRÍTICA periférica
lado, ela significa a travessia infinita, por outro, ela também barra, como que sinalizando
que só pode ser narrada a partir de um pensamento periférico que emirja de-dentro dela
mesma, isto é, “um tipo de pensamento que se mova ao longo da diversidade do próprio
processo histórico”13. O pensamento crítico periférico deve, mais do que ouvir, escutar
o balbucio (ACHUGAR) da periferia e seus sujeitos Oprimidos pero no vencidos (RIVERA
CUSICANQUI) em toda sua diversidade cultural e lingüística. Se a periferia se move em
silêncio, como se move o dia com o por do sol sobre a fronteira sanguinolenta, o mundo
historicamente vinha se movendo ao redor e em direção à fronteira-sul e daqueles sujeitos
fronteiriços que por escolha, falta de opção ou força do destino resolveram permanecer
no lugar. O pensamento periférico se desenha como o lugar da diferença colonial por
excelência: “uma maneira de pensar que não é inspirada em suas próprias limitações e
não pretende dominar e humilhar; uma maneira de pensar que é universalmente marginal,
fragmentária e aberta; e, como tal, uma maneira de pensar que, por ser universalmente
marginal e fragmentária, não é etnocida”14.
Pontuei, até aqui, como essenciais para se pensar a periferia, e tendo como base de
12
MIGNOLO. Histórias locais/projetos globais, p.178.
13
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.105.
14
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.104.
Paisagens periféricas
Sorvi, com os olhos indagadores, essas paisagens campeiras em seus mínimos detalhes e
delas me tornei escravo submisso e voluntário. SEREJO. Balaio de bugre, p.8.
15
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.454.
Latina. Assumindo todos os problemas que a discussão implica, Achugar vai mais
longe e defende a idéia de que “pensar a partir da América Latina era pensar a partir
da periferia”.17 Por conseguinte, ao me propor pensar a partir da periferia, descubro,
para minha surpresa, que há periferias dentro da periferia e que pensá-las, por sua vez,
demanda uma perspectiva crítica ainda mais específica, como forma de abarcar suas
especificidades e suas sensibilidades biográficas no mundo heterogêneo que caracteriza
46 o que se denomina por América Latina. Nessa discussão, o Brasil parece sempre levar
desvantagem, uma vez que aparece como uma periferia à parte dentro da periferia. Não
PAISAGENS DA CRÍTICA periférica
por acaso, Mignolo comenta que “o Brasil fica incluído na América Latina não por causa
da língua [...], mas por pertencer ao continente!”18 Na verdade, o que se percebe é que
o lócus periférico chamado Brasil fica de fora das discussões críticas sobre a América
Latina por conta do desconhecimento da língua, reforçando, assim, uma subalternização
crítica da própria América Latina que, no cômputo de seu ajuizado crítico, reforça uma
exclusão periférica interna no mal sentido da palavra. Aliás, nesse tocante, mesmo na
leitura acurada de Mignolo, os problemas (ou não problemas) culturais, sociais e políticos
brasileiros, bem como suas produções artístico-culturais, ficam de fora da discussão
proposta, como que a nos lembrar da exclusão sumária da periferia de língua portuguesa
latina. Todavia, quando trago para o centro da discussão o lócus periférico e fronterizo
do qual faço parte, o problema toma proporções quase insolúveis. Aqui e daqui, temos
que administrar a exclusão que a crítica dos centros desenvolvidos do país opera quando
entende que pode pensar (e falar) o que seria o melhor para as várias e diferentes
periferias do país colossal. Por conseguinte, também temos que resolver um problema
de colonização (crítica) interno às periferias nacionais: a subserviente repetição crítica
16
C.f. MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.264.
17
ACHUGAR. Planetas sem boca, p.90.
18
MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.186.
19
ACHUGAR. Planetas sem boca, p.60.
sujeitos não apenas falam como articulam discórdias e brigas pelo poder (e pela terra)
entre eles. O lugar periférico e fronterizo aqui priorizado apresenta-se como um “lugar de
carência”, mas também como um lugar de imposição de leis próprias, de contrabando
de mercadorias e vidas alheias, lugar onde os corpos simplesmente desaparecem, lugar
por onde os andariegos cruzam dentro do silêncio da noite fronteriza, onde é travada
uma guerra sangrenta pela terra de ninguém (?). Nesse lugar, a periferia, assim como a
48 fronteira, é mais do que uma metáfora. Ela é tão real, quanto mais excludente tornam-
PAISAGENS DA CRÍTICA periférica
20
Ver SPIVAK. Pode o subalterno falar?
21
“Os brasiguaios ou brasilguaios são brasileiros (e seus descendentes) estabelecidos em território da República
do Paraguai, em áreas fronteiriças com o Brasil, principalmente nas regiões chamadas Canindeyú e Alto
Paraná, no sudeste do Paraguai. Estimados em 350.000, são, em sua maioria, agricultores de origem alemã,
italiana ou eslava e falantes do idioma português. O nome origina-se na junção das palavras “brasileiro” e
paraguaio” (Brasiguaios. Wikipédia).
22
“Onze campesinos sem terra foram assassinados na sexta-feira passada em uma fazenda próxima á
fronteira com o Brasil, onde está aumentando a tensão em paralelo às reivindicações e ações diretas pela
reforma agrária. O enfrentamento entre policiais e lavradores deixou sete agentes mortos, entre eles os
chefes do Grupo de Operações Especiais, uma espécie de BOPE paraguaio, só que sua tarefa não é reprimir
favelados como no Rio de Janeiro, mas os peões rurais que, depois que Lugo chegou ao governo, em 2008,
aumentaram seu nível de organização e decisão de luta, depois de décadas de submissão diante do jugo da
ditadura de Alfredo Stroessner” (Marin Almada. “Latifundiários brasiguaios querem derrubar Lugo”. In:
Carta Maior).
23
“‘Diplomacia você pode usar com pessoas cultas...só que... você sabe o dito popular que diz: a mulher do malandro obedece
só com pau...tamos lidando com pessoas de tamanha ignorância que com diplomacia você não soluciona’” disse o maior
produtor de soja do Paraguai, nascido em Santa Catarina (Apud ALMADA. “Latifundiários brasiguaios
querem derrubar Lugo”. In: Carta Maior).
lado, postulo que o amor pelas e entre as línguas periféricas da fronteira-Sul trabalham no
sentido de manter viva na fronteira uma “língua” que não respeita as diferenças, pois já se
articula numa relação diferencial, como o “portunhol”, linguagem específica da fronteira
e falada por quase todos os sujeitos atravesados (ANZALDÚA), independentemente de
sua língua pátria. Aliás, nesse tocante, e ressalvadas as diferenças nacionalistas, torna-se
inoperante falar em língua pátria. A zona de fronteira, se não rompe, embaralha esses
50 traços nacionalistas e patrióticos, como que a nos lembrar de que uma fronteira, além
PAISAGENS DA CRÍTICA periférica
de não ter lados definidos, borra as próprias diferenças culturais locais. Na esteira de
Anzaldúa, em Borderlands, viver na fronteira é correlato a um viver-entre-línguas. Nessa
direção, o portunhol, enquanto uma língua de fronteira, de fraturas e de fissuras, capta,
supera e traduz não apenas as relações diferenciais, mas o medo, a dor, a vergonha, a
humilhação, a perda, a discórdia, a alegria dos povos imbricados a situação/condição de
transfronteiridade. Enquanto um estilo de vida entre línguas, o espanhol amalgama o que é
da ordem do ético, do estético, do político, do social e do cultural no tocante às condições
de vida nas quais se encontram os sujeitos da periferia que se desenha ao Sul da fronteira
do Centro-Oeste brasileiro. Uma língua liminar, como a do portunhol, tem o poder de, de
forma especular, ressignificar e representar a fronteira enquanto um lugar periférico (ou
não) capaz de reflexão e libertação tanto dos temores nascidos no lugar quanto os vindos
de fora. O portunhol, como língua periférica, se, por um lado, condensa as condições
de vida dos sujeitos oprimidos e excluídos, por outro lado, assinala o receio que o poder
(intelectual) do discurso dos centros hegemônicos tem por não conhecê-la. Ressalvadas
as diferenças contextuais e culturais, vale a pena transcrever uma passagem de Anzaldúa
que traduz uma condição interlingual/intercultural encontrada na fronteira-Sul: “Aí, na
encruzilhada das culturas, as línguas se revitalizam e mutuamente se fecundam. Morrem
24
C.f “Brasiguaios”, In: Wikipédia.
25
Apud MIGNOLO. Histórias locais/Projetos globais, p.344.
26
ACHUGAR. Planetas sem boca, p. 96.
27
DIEGUES. Uma flor na solapa da miséria (em portuñol), p.3.
Referências Bibliográficas
ACHUGAR, Hugo. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura.
Trad. de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
54
PAISAGENS DA CRÍTICA periférica
1
Heloísa Buarque de Holanda é professora da UFRJ.
Cultura e narcotráfico
O AfroReggae é uma ONG criada pelo impacto, na imprensa e sociedade civil,
gerado por um confronto sangrento entre os chefes do narcotráfico e a polícia que
Empreendedorismo e literatura
O exemplo de Ferréz vai nos interessar aqui porque é o caso de uma ação individual
na favela do Capão Redondo, uma das mais violentas do país. Ferréz, que assume
58 publicamente o compromisso de sua literatura em estilo e em ativismo com o movimento
hip hop, é autor de vários livros (como Capão pecado, Manual prático do ódio, Ninguém é
A POLÍTICA HIP HOP nas favelas brasileiras
inocente em São Paulo, Os inimigos não mandam flores) e exerce uma forte liderança entre seus
“brothers” – como se denominam os habitantes de uma mesma favela. Organizou números
especiais da revista Caros Amigos, chamados Literatura Marginal, que reúnem e publicam
diversos escritores da periferia, abrindo assim espaço para os talentos locais. Graças à
projeção que sua literatura ganhou, Ferréz faz uma campanha pelo direito à cultura nas
comunidades pobres e cria, em parceria com o rapper Mano Brown, o movimento 1
DASUL, uma empresa cultural que, entre várias frentes de ação, tem sua produtora de
CD e uma marca de roupas chamada Irmandade. Hoje, essa confecção ocupa mais de
200 metros quadrados e incorpora mais duas outras confecções, produzindo uma média
de 400 peças por dia. A marca, caracterizada por ilustrações que denunciam a injustiça
social, tem uma loja no centro de São Paulo e distribuição em sete estados brasileiros,
além de deter os direitos de comercialização de outros seis grupos de rap. A grife publica
ainda panfletos antidrogas e planeja a criação de uma clínica para dependentes químicos
na favela do Capão Redondo.
Outros dois casos notáveis do papel instrumental da literatura como fator de
mobilização dos direitos culturais de uma comunidade são o “Cooperifa”, do poeta
Sergio Vaz; e o projeto de literatura de Alessandro Buzo, coordenador do movimento
“Favela Toma Conta”. A Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia, nos arredores
1. Introdução
Este texto explora possíveis contribuições das práticas agrícolas urbanas como
uma praxis espacial; as perspectivas de transformação da realidade, de enfrentamento 61
da crise urbana e de formulação de políticas públicas que articulem questões urbanas
1
Heloisa Soares de Moura Costa é professora da UFMG.
2
Daniela Adil Oliveira de Almeida é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto
de Geociências da UFMG.
que a ênfase recai sobre algumas reflexões sobre um conjunto de experiências de agricultura
urbana e agroecologia identificadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre
estas, foram privilegiadas aquelas vinculadas à Articulação Metropolitana de Agricultura
Urbana – AMAU. São destacados aspectos como os agentes e saberes relacionados
à prática agrícola; os espaços utilizados; as múltiplas funções do uso agrícola do solo
metropolitano; as tendências ou possibilidades futuras que estas experiências apontam,
assim como os desafios para sua consolidação e ampliação.
Do ponto de vista do processo de urbanização, privilegia-se um olhar a partir
da periferia, aqui entendida tanto como a manifestação espacial da urbanização numa
inserção periférica ao sistema capitalista, quanto como o processo de produção da periferia
metropolitana contemporânea, pobre e rica, articulando dialeticamente territórios
populares e formas elitizadas de parcelamento do solo na forma do que se convencionou
chamar de condomínios. Em termos territoriais, assiste-se principalmente nas regiões
metropolitanas, a um inegável processo de homogeneização na produção do espaço, com
crescente comprometimento das áreas periféricas com o parcelamento do solo para uso
urbano, elevando substancialmente o preço da terra e ameaçando as possibilidades de
sobrevivência de atividades agrícolas, de pequena produção tradicional, do artesanato,
enfim de práticas e processos associados à economia popular. Simultaneamente há
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v.4, n. 8, p. 61 – 78, jul./dez. 2012.
um conjunto significativo de lotes e imóveis vagos neste tecido urbano estendido, que
tanto pode ser visto como um problema, uma distorção do processo de produção do
espaço, como pode ser visto como uma potencialidade para eventuais usos cultural e
ambientalmente mais associados à reprodução da população.
Neste amplo tecido urbano, há pontos também de resistência, de permanências
– sítios, quilombos, espaços de produção agrícola, etc. Há também o (res)surgimento
de práticas tidas como tradicionais, mas que podem se articular com formas mais
contemporâneas de ocupação do espaço. As áreas e práticas de agricultura urbana são
um contundente exemplo destas possibilidades, como se argumenta a seguir, só não são
mais eloquentes pois para sobreviver tem que enfrentar entraves e resistências associados
a uma inserção subalterna, periférica mesmo à economia urbana. Apesar disto o ensaio
busca reforçar que as práticas agrícolas, ao serem visibilizadas e traduzidas, possibilitam
uma forma de apropriação da cidade que reforça e subverte o sentido excessivamente
acumulada nos saberes, práticas e agentes da agricultura urbana e contribui para que estas
experiências sejam consideradas muito frágeis, localizadas ou irrelevantes.
As práticas agrícolas urbanas são experiências disponíveis aqui e agora e a amplificação
simbólica das tendências e possibilidades que apontam pode contribuir para ampliar o
campo das alternativas possíveis para a politização da vida cotidiana, para o enfrentamento
da crise urbana e para a formulação de políticas públicas que articulem questões urbanas e
ambientais em regiões metropolitanas.
Este ensaio pretende contribuir para uma maior interlocução entre o trabalho
intelectual e político e para o necessário exercício da tradução entre os saberes e práticas
exercidos por diferentes grupos sociais envolvidos com a agricultura urbana na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e as formulações teóricas sobre a produção do
espaço e as concepções contemporâneas das políticas urbanas e ambientais.
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espaços de debate e formulação de políticas, especificamente voltados para esta temática,
promovidos por organizações sociais, universidades e diferentes setores de governo.
No âmbito internacional, a temática da agricultura urbana ganha maior expressão no
ano de 1996, com a divulgação do relatório “Urban Agriculture, Food, Jobs and Sustainable
Cities” durante a realização da II Conferência Mundial sobre os Assentamentos Humanos
- HABITAT II, em Istambul. Atualmente a agricultura urbana faz parte da agenda de
organizações internacionais como a FAO (Food and Agriculture Organization of the
United Nations) e a RUAF Foudation (Resource Centres on Urban Agriculture and Food
Security) que tem apoiado especialmente a documentação de experiências e a produção de
informações sobre o tema.
Não existe uma referência universalmente acordada sobre o conceito da agricultura
urbana (SANTANDREU; LOVO, 2007). No Brasil, uma formulação conceitual bastante
conhecida se encontra no documento resultante de uma pesquisa realizada em 11 regiões
públicas nas três esferas de governo para incentivar a prática da agricultura urbana, ainda que
até o momento se mostrem insuficientes em termos de criar condições para a manutenção
destas práticas. No plano federal, a formulação de uma Política Nacional de Agricultura
Urbana e Periurbana - PNAUP - é coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome - MDS - desde 2007. Em Minas Gerais, são exemplos a aprovação da Lei
15.973/2006 e regulamentação (Decreto 44.720/2008), que dispõe sobre a Política Estadual
66 de Apoio à Agricultura Urbana – PEAU - e a criação da Coordenadoria de Agricultura
Urbana vinculada à Sub-Secretaria de Agricultura Familiar do Governo do Estado em 2011.
AGRICULTURA URBANA: possibilidades de uma praxis espacial?
3
A Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas (REDE) é uma organização não governamental criada
em 1986, que atualmente promove a agroecologia em comunidades rurais do Leste de Minas, em comunidades
urbanas de Belo Horizonte e de alguns municípios da região metropolitana. Desde 1995 desenvolve ações
relacionadas à agricultura urbana por meio do apoio técnico e sistematização de experiências agroecológicas
e de produção em espaços urbanos; organização de grupos de base; formação de jovens e adultos; realização
de encontros e seminários; além da atuação em redes, fóruns e espaços nacionais e internacionais para a
articulação política de organizações e movimentos sociais e a incidência em políticas públicas em diferentes
âmbitos.
4
O Grupo Aroeira – Ambiente, Sociedade e Cultura (UFMG), criado em 2006, é formado por graduandos,
graduados, mestrandos, mestres e doutorandos de diversos cursos da UFMG, com experiências
interdisciplinares na área socioambiental e envolvidos com outros grupos e movimentos populares. A
temática da agricultura urbana é um eixo norteador das ações de extensão e pesquisas do Grupo, que tem
o objetivo de levantar, discutir e realizar ações na área socioambiental, contribuindo para o diálogo entre a
Universidade e a sociedade. O grupo destaca a importância acadêmica e social da agricultura urbana e a pouca
tradição de estudos do tema na UFMG.
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Neste cenário em que se observa a ocorrência de práticas espontâneas e o
desenvolvimento de ações institucionais, encontra-se também em curso na RMBH a
constituição de um movimento social em torno da temática da agricultura urbana, que tem
como um dos espaços de referência a Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana –
AMAU, criada em 2004. Participam desta articulação organizações da sociedade civil, como
associações comunitárias; ONGs, pastorais sociais, movimento feminista, de luta pela
terra e por moradia; coletivos de permacultura e alimentação saudável; empreendimentos
de economia solidária e grupos comunitários informais, além de estudantes e pessoas
interessadas na temática. A apropriação conceitual da agricultura urbana na AMAU dialoga
com a formulação mencionada acima, mas é ampliada, revista e questionada a partir da
interação permanente entre os diferentes atores envolvidos e da inserção política de cada
organização participante. As bases teóricas e metodológicas da agroecologia (compreendida
como um modelo de produção agrícola que incorpora um viés ambiental e social e também
como um enfoque científico que busca estabelecer novas bases para um novo modelo
5
Grupos comunitários (16): Semear e Colher, Grupo Comunitário Agricultura Urbana e Segurança Alimentar
- CAUSA, Millefolium, Nossa Horta, Terra Nossa, Uma esperança que brota, Horta Comunitária Vila Santana
do Cafezal, ITAI, Grupo de Agricultura Urbana do Capitão Eduardo, Jardim produtivo, Semear/Ervanário,
Farmácias Paulo VI, Quilombo Urbano, Quintais Baixo Onça, Beira Linha; Fruto da União. Associações
comunitárias (03): COMUPRA – Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu, ASPHAV - Ass.
Com. Vale do Jatobá, ASOSC – Ass. Com. Cardoso; Pastorais e movimentos sociais (07): Brigadas populares,
Marcha Mundial das Mulheres, MST – Movimento Sem Terra, MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas
e Favelas, Vicariato, CARITAS, Ocupação Dandara; ONGs (06): REDE, Bionúcleo, Kairós, EcoVida São
Miguel, CEPI - Centro de Estudos, Pesquisa e Investigação de Ribeirão das Neves, CEDEFES – Centro
de Documentação Eloy Ferreira da Silva; Redes e coletivos (05): Rede Terra Viva, Grupo Aroeira, Grupo
Alimento Vivo, RECID – Rede de Educação Cidadã, AMA – Articulação Mineira de Agroecologia.
6
Entre fevereiro de 2010 e setembro de 2012 foram realizados 16 encontros da AMAU, com uma média
de 35 participantes em cada. No mesmo período, várias ações foram realizadas, como mutirões, oficinas,
intercâmbios, participação em eventos e cursos de formação que abordaram dimensões políticas,
metodológicas e tecnológicas da agricultura urbana e chegaram a envolver mais de 300 participantes de
aproximadamente 08 municípios da RMBH.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v.4, n. 8, p. 61 – 78, jul./dez. 2012.
de consumo que limitam o acesso da população urbana de baixa renda à alimentação e
saúde de qualidade.
Assim, assentados da reforma agrária se surpreendem com a solidariedade das/os
moradores/as e a biodiversidade encontrada em pequenos quintais das vilas e favelas,
que por sua vez, passam a admirar e reconhecer as formas de organização e conquistas
dos movimentos de luta pela terra. Grupos de consumidoras/es de alimentos saudáveis
identificam a potencialidade de ampliação da produção agrícola na região metropolitana,
enquanto agricultores/as familiares percebem que existem alternativas de mercados e
relações diretas com consumidores. Lideranças de movimentos de luta por moradia se
sensibilizam com testemunhos de vida que atestam a relevância da relação cotidiana com
terra para a manutenção da saúde e bem estar na cidade, ao mesmo tempo em que
contribuem para politizar o debate sobre a função social da propriedade. Estudantes
e professoras/es universitários reconhecem novas conexões entre pesquisa e extensão.
7
A pauta política da AMAU apresenta ao mesmo tempo os desafios e propostas para o fortalecimento da
agroecologia na RMBH; orientam a organização interna da AMAU e apontam canais de diálogo com outros
movimentos, fóruns e redes da sociedade civil; setores de governo: 1) acesso à terra; 2) acesso aos recursos
naturais (água e biodiversidade); 3) assessoria técnica com enfoque agroecológico, popular e de gênero; 4)
organização de base e auto-organização das mulheres; 5) formação política e capacitação técnica; 6) fomento
para ampliação da produção agroecológica; 7) apoio ao escoamento e comercialização da produção; 8) apoio
a disseminação e consolidação das experiências, considerando as múltiplas funções da agricultura urbana;
9) apoio a iniciativas de comunicação popular; e 10) realização de pesquisas sobre a agricultura urbana e
agroecologia na região.
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4. Encantando o urbano e transformando o olhar
do planejamento e da análise urbana.
No contexto atual se observa um conflito de paradigmas no qual parecem prevalecer
tendências homogeneizantes de urbanização e faltar alternativas a modos de vida mais
sustentáveis em regiões metropolitanas. A aproximação de campos do conhecimento
que normalmente não dialogam, como o campo agroecológico e o campo das práticas
e estudos urbanos pode contribuir para ampliar a compreensão sobre os limites e
potencialidades das práticas agrícolas urbanas. Da mesma forma pode contribuir para
maior precisão conceitual sobre o que seja o urbano, o periurbano ou o rural, bem como
para uma identificação mais precisa de quem são os agricultoras/es urbanas/os no
contexto brasileiro.
A reflexão crítica sobre as práticas e o uso agrícola do solo urbano passa por
compreender as transformações em curso no espaço urbano e as tendências que alguns
campo e cidade, espaço natural e construído, Monte-Mór (1994) levanta uma reflexão
sobre a dimensão urbana e metropolitana da questão ambiental, orientada pelo conceito da
urbanização extensiva. Analisando a dinâmica contemporânea da organização do espaço
social e o processo de urbanização nas cidades brasileiras, o conceito de urbanização
extensiva é formulado por Monte-Mór (idem) para ressaltar o avanço do tecido urbano
sobre o espaço rural e regional, para além dos limites das cidades e uma espacialidade
72
resultante da extensão das condições gerais de produção (e de consumo) urbano-
AGRICULTURA URBANA: possibilidades de uma praxis espacial?
industriais para periferias próximas e distantes, mas que também carrega a possibilidade
de organização política própria da cidade e outras formas de cidadania.
Monte-Mór considera o urbano no mundo contemporâneo como uma síntese da
dicotomia cidade-campo. Nesta perspectiva, os limites e as características entre o campo
e a cidade estão cada dia mais difusos e integrados, mas “se o consumo urbano-industrial
atingiu os rincões mais distantes, grandes áreas metropolitanas contém ruralidades,
resquícios de vida campestre, formas outrora arcaicas e hoje revalorizadas e reconhecidas
como alternativas para a vida contemporânea” (MONTE-MÓR, 2005, p.444).
O autor aborda a visão difundida das cidades e das metrópoles como foco dos
problemas ambientais ou como espaços mortos do ponto de vista ecológico, e a
falta de percepção das virtualidades integradoras da natureza e do habitat e diferentes
possibilidades de diversidade cultural e biológica nos contextos metropolitanos. Ele ainda
destaca que apesar do crescente debate sobre a importância da qualidade de vida, pouca
atenção tem sido dada sobre sua relação com o resgate do valor de uso do espaço urbano
e sentido social da propriedade e com possíveis efeitos da manutenção de manchas de
espaço natural e biodiversidade (MONTE-MÓR, 1994).
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v.4, n. 8, p. 61 – 78, jul./dez. 2012.
Situando a questão ambiental como uma questão central da relação cidade-campo
e das possibilidades de aprimoramento das formas de ocupação e produção do espaço
social, Monte-Mór sugere que “à urbanização extensiva é necessário corresponder uma
naturalização extensiva, tanto para enfrentar problemas urbanos e ambientais ao nível
micro, da vida cotidiana, quanto para enfrentar questões globais da crise ambiental e
societal” (1994, p.178).
5. Considerações finais
A análise teórica das relações contemporâneas entre a agricultura e a produção do
espaço urbano é ainda limitada. Contrapondo a riqueza de experiências vinculadas à AMAU
observa-se uma carência de conhecimentos sobre as relações contemporâneas entre as
práticas agrícolas e a produção do espaço urbano. Ainda que a definição conceitual e dos
limites do que seja campo ou cidade na atualidade seja difusa e difícil, esta dicotomia ainda
nas metrópoles contribui para uma melhor interação entre espaço natural e social e uma
rearticulação do equilíbrio de ecossistemas urbanos, através da conservação dos recursos
naturais (água, solo e biodiversidade), da manutenção de áreas permeáveis, da ampliação
das áreas verdes, da ciclagem de resíduos, além da diminuição dos riscos potencializados
por eventos climáticos extremos. A produção agroecológica nas metrópoles, de modo
descentralizado, pode também alterar a relação da população com o alimento, ampliando
74 a disponibilidade local e o acesso a alimentos saudáveis, favorecendo a relação direta entre
consumidoras/es e produtoras/es e uma maior autonomia financeira das/es agricultoras/
AGRICULTURA URBANA: possibilidades de uma praxis espacial?
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A manutenção e a ampliação das práticas agroecológicas na RMBH enfrentam
fatores desfavoráveis, como o alto valor da terra e dos impostos territoriais; a crescente
transformação das áreas rurais em áreas urbanas através dos planos diretores; a pressão
sobre o solo urbano para a construção de novas unidades habitacionais; a degradação e
contaminação dos recursos naturais (água, terra e ar); a pouca presença de organizações de
base e outras institucionalidades relacionadas à agricultura; além das restrições para acessar
as políticas públicas existentes de apoio à agricultura familiar (ALMEIDA, 2011).
Na raiz do problema encontramos a instituição da propriedade privada e suas
consequências, que determinam quem tem o direito de usar a terra ou os recursos necessários
para pagar por este uso e o predomínio do valor de troca em relação ao valor de uso da
terra, resultantes da geração de mais-valias fundiárias urbanas no contexto de produção
capitalista do espaço urbano. Os movimentos e fóruns de reforma urbana já denunciam
as desigualdades resultantes da mercantilização da terra e apresentam em suas plataformas
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Daniela Adil Oliveira de. Agricultura urbana e agroecologia na Região
Metropolitana de Belo Horizonte. In: XII Simpósio Nacional de Geografia Urbana,
76 2011, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: IGC/UFMG/AGB, 2011.
AGRICULTURA URBANA: possibilidades de uma praxis espacial?
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MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo. Urbanização extensiva e lógicas de povoamento:
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MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo. A questão urbana e o planejamento urbano-
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MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo. As teorias urbanas e o planejamento urbano no
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SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São
1
Ilana Strozenberg é professora da UFRJ.
2
Marcia Contins é professora da UERJ.
segundo a qual “raça” é uma noção culturalmente construída e situada num processo
dinâmico de interações. Se contrapõe, portanto, às perspectivas essencialistas, que afirmam
a existência de uma natureza de negritude universal e homogênea, seja como resultado de
determinação biológica (em que a raça é vista como característica da espécie) ou de uma
experiência histórica comum (seja esta a escravidão, a colonização, ou a diáspora).
Desse modo, pretendemos propor uma via interpretativa alternativa à que se centra
80
no debate que gira em torno da dicotomia entre dois grandes modelos de interpretação
JOGO DE IDENTIDADES ENTRE JOVENS NEGROS NO RIO DE JANEIRO
De todo modo, não há como participar da Cia Étnica sem se deparar com o tema
da diferença racial. O depoimento de um dos mais antigos integrantes da Cia, que
atualmente, além de dançar, dá aulas de dança e desempenha funções de coordenação é
significativo. Ele conta:
“Quando a Carmem falou da diáspora negra, eu procurei estudar um pouco mais, sentei
82 com uns professores meus para falar - eu já estava entrando na faculdade. E em todos
esses negócios de consciência negra eu estava dentro.
JOGO DE IDENTIDADES ENTRE JOVENS NEGROS NO RIO DE JANEIRO
Mas como é que começou essa história de consciência negra? Foi aqui na Companhia?
Foi assim: depois que comecei a fazer teatro, as pessoas começaram a olhar a gente de
uma outra maneira. Na maioria, éramos todos negros.
Por exemplo, a Jurema Batista, que é deputada hoje, era uma pessoa ferrenha, na época
do movimento negro. Então, a gente começou a criar uma concepção política em torno
disso.
Você acha que foi através dela que começou essa história de consciência negra?
Também porque ela me ajudou muito. Como eu estava passando essa dificuldade com
minha família, na época... quando o curso não tinha coisa, eu limpava a sede e ela me
dava um dinheiro.
É, sobre a questão racial, sobre a questão de pobreza, da doença .... Então, a gente estava
lá para falar sobre juventude e começou a ver o baile funk de uma outra maneira...
Chama a atenção o fato de que entrar para a Cia Etnica é que transformou a questão
racial num tema de reflexão e num elemento de identidade. O bailarino a uma família
que freqüentava o candomblé, mas não se pensava como negro e sim como membro
daquela religião, sem fazer uma ligação necessária entre esses dois aspectos. Aliás, o
Não, não. Nem um pouco, nem um pouco. Para mim era tudo despercebido: toda
questão da dança afro, a questão racial, a questão da valorização de eu ser mulher, sendo
negra.
E hoje?
Num projeto de que participei antes, na associação de moradores, tinha dança afro.
Mas para conhecer mesmo, a fundo, o que é a dança afro, foi tudo na Companhia, com
os professores de lá. É uma dança negra que a gente tem que valorizar. Mostrar que
ela pode entrar num trabalho de dança contemporânea, ser a base desse trabalho, sem
problema nenhum. Aí vem as questões também da história, do que é a dança afro, de
onde ela veio.
Mas essa percepção positiva e valorizada não exclui o outro lado, o da discriminação.
Que, mesmo não fazendo parte de sua memória pessoal, agora se faz presente na sua
consciência, parte de sua condição de negra:
E você já sofreu algum caso de preconceito?
Cadernos de Estudos Culturais
Mas eu tenho uma consciência. Nunca passei pelo que a gente vê hoje em dia, mas essa
é uma coisa muito esclarecida na minha vida. Você tem que ter a consciência de que
não pode se deixar diminuir, de que tem que saber se impor na sociedade. Eu sou uma
mulher, sou negra, e tenho que lutar pelas coisas que eu quero. Mas eu não vou ficar
com isso na minha cabeça “Porque eu sou negra, só vou fazer isso porque eu sou negra”.
Não! Sou uma pessoa extremamente normal, que vou lutar, que não vou me deixar ser
84 diminuída se eu quiser ir a algum lugar. [Mas] eu acho que as pessoas confundem muito
JOGO DE IDENTIDADES ENTRE JOVENS NEGROS NO RIO DE JANEIRO
ao levar muito para esse lado a questão racial, quando ficam muito radicais. Acho que
não deve ser assim. Acho que tem que se misturar mesmo.
Nas sua interações na Cia Étnica, os jovens aprendem não só a reagir diante do
preconceito como também a identificar os momentos em que se manifesta no outro. Uma
das jovens entrevistadas narra que, embora, antes de ingressar no projeto, já houvesse
sofrido preconceito, na época, não possuía o que chama de “consciência” do preconceito
e de como enfrentá-lo:
Olha só, deixa eu te falar uma coisa: tenho para mim que quando a pessoa não tem
consciência e vai em certos lugares que a pessoa de repente até te olha, você acha que
já está sendo vista com preconceito e se retrai, o choque é pior. .. Então, antigamente
eu tinha um problema, mas aqui na Companhia a gente não só aprende a dançar, não,
a gente aprende várias questões, por exemplo, que podem até abalar a gente na questão
do preconceito, essas coisas todas(...) até para a gente ter dignidade, não é? Uma coisa
que de repente não ia ter, porque a televisão ensina o contrário. É (...) Assim, não é
uma preocupação, mais uma questão de imposição. Porque antes passava realmente
despercebido. Agora é mesmo uma questão de se impor.
botar no bolso e sair. Porque todo mundo tem. Todo mundo tem (...) mas o dela era de
brinquedo, não era de verdade não. Ela usava como se fosse de verdade, para ser aceita
pelos outros estudantes. Por que o que as pessoas vão dizer? São aceitas pelo que têm,
né? Ela queria ser igual.”
“(...) como uma pessoa carente, eu acho que isso faz com que as próprias pessoas não a
respeitem nesse sentido. E aí eu acho que o papel fundamental do pré, não é só colocar
na universidade, eu acho que você tem que estar formando uma pessoa para ingressar na
faculdade para ela cumprir o papel que ela tem lá dentro”.
3
Estamos usando a noção de subjetividade aqui enquanto processos sociais e culturais de elaboração de uma
autoconsciência individual e coletiva.
Uma das questões que nos chama a atenção, a partir dessas narrativas, é a estreita
relação entre “identidade e reconhecimento” (Taylor,C.1994). A identidade de uma
pessoa depende das relações dialógicas que esta mantém com as outras pessoas, tanto
no trabalho, quanto nas universidades e assim por diante. Segundo Taylor, o discurso do
reconhecimento aparece em dois níveis. Primeiramente na esfera íntima, individual, que
Boa parte desses jovens tem um contato muito próximo com movimentos sociais,
principalmente com os chamados “movimentos religiosos”. Além da Pastoral Negra da
Igreja Católica, outros grupos religiosos católicos ou protestantes (como batistas, metodistas
Cadernos de Estudos Culturais
Segundo o coordenador, esta igreja tem autonomia de ceder espaço e não precisa
de autorização de outros setores da igreja. Num outro depoimento, uma universitária fala
sobre o local onde funciona o pré- vestibular que ela cursou:
(...) funciona numa igreja, num espaço da casa paroquial. É uma varanda da casa do
padre. E muitas pessoas do pré são da igreja. Pessoas até que participam de algum culto
e tudo mais. São poucas as pessoas que freqüentam outras religiões e tem uns que não
freqüentam nenhuma. E o envolvimento da gente de lá (...) praticamente a gente só
ocupa o espaço, mas o padre também se identifica com a causa do pré- vestibular e tudo
mais (...) e sempre que tem alguma atividade procura convidar a gente”.
A questão do mérito, no que diz respeito ao esforço que este estudante faz para
seguir o curso universitário, conseguir boas notas e não desistir, está ligada ao ponto
que anteriormente coloquei a respeito da criação de diferentes identidades. Se de um
lado esses estudantes têm que lidar com uma realidade social, familiar e cultural que não
facilita essa opção de vida, por outro lado outros esforços se fazem para continuarem
seus estudos. De acordo com uma aluna de Pedagogia da PUC:
“A forma com que você vê o mundo é diferente também... quando eu cheguei lá levei
um choque (...) Uma coisa é você viver no seu mundinho, no seu espaço nas suas
condições. Outra coisa é quando você se depara com uma outra realidade, com uma
outra situação, e você fica se questionando o porque dessa diferença tão acentuada e se
Cadernos de Estudos Culturais
(...) intelectualmente a gente tem as mesmas condições, porque assim como eles fizeram
pré-vestibular, eu concorri com um deles...”
a ser geradas novas subjetividades (novas concepções de self) fundadas nas experiências
sociais e culturais dos alunos. Uma das entrevistadas, aluna de Serviço Social da PUC
afirma:
Mas eu acho que o fundamental da cultura é você saber se colocar dentro da Universidade
com a tua diferença. Porque todo mundo critica um pouco o diferente. O muito magro,
o muito gordo, o muito negro, o muito branco, o ruivo, o muito alto. “Você foi diferente
(...) É, existe um padrão de beleza, né. Você saiu daquilo, pra qualquer lado que você
foi (...) as pessoas riem, encarnam. Então você tem que saber o que você faz com esse
diferente. A gente reflete muito isso. Auto-estima aqui, a gente trabalha muito”.
Referências Bibliográficas
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Cadernos de Estudos Culturais
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_____. Projeto e metamorfose: antropologia as sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar,
1994.
Damián Bayon 93
1
Jorge Anthônio e Silva é professor da UNILA.
mesmos propósitos ideológicos que o fizeram nascer. Um sistema visual de sedução dos
sentidos latinos, já sensivelmente educados para a arte pública das opulentas civilizações
autóctones do Continente, quando e onde ainda não havia a separação entre o belo e útil.
Maias, Toltecas, Mixtecas, Incas, Astecas, Tapajônicos, Guaranis e Marajoaras tinham,
na arte, o elemento estruturante do cotidiano, um balizador da experiência social, em
constatação de que há processos mentais característicos da universalidade sócio cultural
94 da espécie, não importando a época ou o território de suas práticas. Isso facilitou na
recepção da nova forma de receber um único deus na terra, sem a demanda insaciável por
O BARROCO LATINO e o olhar contrafeito
A percepção da obra barroca é feita pelo olhar que não se fixou porque vê algo em
passagem para qualquer coisa outra, em explosão sem recortes da realidade. Ilusória
circularidade, droga divina para o instante em que a cupidez humana cessa o andar para
entregar-se à beleza da entrega.
A Itália, centro da produção artística europeia, tornara-se o vigoroso polo irradiador
96 de influências estéticas para todo o continente europeu, como resultado de transformações
sociais vigorosas, quando se iniciava o que se pode chamar de uma fase civilizatória. A
O BARROCO LATINO e o olhar contrafeito
em quase toda a extensão marítima. Contudo, por questões econômicas, Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso tiveram seus artistas e arquitetos. O Barroco está diretamente
atrelado às novas concepções artísticas no Brasil do Século XVIII, com as mudanças
econômicas processadas na colônia. Resultado da descoberta de ouro nas Minas Gerais,
essa nova fonte de riqueza fez proliferar construções, fontes públicas, mobiliário e a
produção de imagens de inspiração diversa, com ênfase nas religiosas. Influenciado pelo
100 ibérico, o brasileiro foi produzido por artesãos ligados à criação religiosa, tarefa que,
pela sua natureza, instituiu a função do artista no País, tal a capacidade de impressões de
O BARROCO LATINO e o olhar contrafeito
PERU
O encontro de culturas pode diluir crenças e vitalizar valores externos, dispersando
de onde irrompia o sobrenatural com suas demandas de ritos para apaziguamento de sua
ira. Isso estabelece a relação entre o homem transitório e os arquétipos da eternidade
permanente. A tradição da prataria e da ourivesaria peruana remonta 3.000 anos. Com
o Barroco, a técnica assumiu as novas formas do estilo, em especial em objetos, tanto
prático quanto religioso. São exuberantes as custódias rococós, nas quais foi preservado
o estilo limenho. Auréolas em prata sobredourada, engastadas com pedras de variados
102 matizes e qualidades para acréscimo em imagens religiosas, mais os candelabros, navetas,
O BARROCO LATINO e o olhar contrafeito
papelinas, atris, jarros, coroas reais, carteiras femininas, ostensórios em estilo Lezana,
atavios de cavalgaduras, auréolas, cálices e incensórios.
CONCLUSÃO
A arte barroca intermediou processos de conquista e submissão, constituindo-se
em unidade estética no continente, aculturando-se na variedade criativa e material da
America Latina.
Leonor Arfuch
inquietud, donde nada está dicho de modo irrevocable. Las prácticas artísticas, la escritura, y también
el despliegue de la imaginación teórica, alientan la exploración de los límites, a tono con el devenir
contemporáneo y la (supuesta) evanescencia de las fronteras. Sin embargo, estas parecen acentuarse al
tiempo que la conectividad global da la ilusión de ubicuidad absoluta. En ese borde que plantea la
pregunta –dilemática- entre el “adentro” y el “afuera” –un borde que es tanto ético, como estético y
político- plantearé algunas reflexiones sobre prácticas y escrituras que trabajan justamente en la infracción
de los límites, desde una perspectiva semiótico-discursiva de crítica cultural.
Lenguaje, transgresión y fronteras… tres significantes cuya articulación no resulta
inmediatamente evidente pero que sin embargo delinea una espacialidad reconocible,
tanto física como simbólica, tanto territorial como subjetiva. Una articulación, por otra
parte, que toca de modo muy sensible a México y que alguien realizó magistralmente desde
aquí – entendiendo esta tierra, precisamente, más allá de sus fronteras – en la palabra, en
la lengua, en el cuerpo, en el territorio: Gloria Anzaldúa, la poeta y escritora chicana, en
ese texto emblemático que fue Borderlands, La frontera, The New Mestiza, publicado hace ya más
de veinte años [1987] 1997).
1
Este texto fue presentado en un panel en el marco el Seminario Giros Teóricos IV “Lenguaje, transgresión y
fronteras”, México DF, UNAM/IESU. 21-24 de febrero 2012.
2
Leonor Arfuch é professora no Instituto de Investigaciones Gino Germani, Universidad de Buenos Aires.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
Un texto donde la cadencia de la lengua materna, componente esencial de aquello que
llamamos, provisionalmente, identidad, adquiere otras modulaciones, se carga de nuevos
sentidos, configura un espacio siempre en desajuste con el territorio -y un territorio en
desajuste con esos pobladores - y donde traducción y transgresión se avienen y confrontan en
una inevitable relación de amor y odio: ¿Spanglish, Stándar English, North Mexican Spanish,
Tex-Mex? Anzaldúa realiza en ese texto una interrogación antropológica, poética y política,
donde la propia biografía se lee en clave de una épica, de una gesta colectiva periódica y a
menudo trágica, y de un trasfondo histórico que articula remotos pasados, como el territorio
mítico de Aztlan, cuna de los senderos de Mesoamérica -que supuestamente se encuentra bajo
los pies-, con un presente de penosos “retornos”, todo ello desde los acentos de la lengua
cotidiana, de la imaginería doméstica, de la tensión entre el legado de la tradición y su deber-
ser-mujer y la propia orientación –y transgresión- identitaria: chicana, lesbiana, feminista,
activista, escritora, poeta...
Cadernos de Estudos Culturais
siglo XXI.
He aquí una de las tantas paradojas de la globalización, que por un lado alienta la
ubicuidad, la conexión sin límites en un espacio que se pretende casi interestelar, por el otro
agudiza una partición de territorios que reniega de huellas milenarias e impone barreras
infranqueables a la diferencia y la desigualdad. Barreras que contrarían la valencia polisémica de
frontera: umbral, puerta, contacto, intercambio, y por qué no, bienvenida, hospitalidad... Porque
el espacio no es una mera superficie donde se acumulan los dones o castigos de la naturaleza
y los vestigios de la cultura sino, como afirma Doreen Massey (2005), el producto constante
–y siempre inacabado- de relaciones e interacciones, de las más íntimas a las “globales”, y
por ende, abierto a la multiplicidad, a la diferencia, al devenir del tiempo y de la historia. La
espacialidad –la espacio/temporalidad- es entonces política y generizada, es un área prioritaria
en el ejercicio –y el reparto- del poder, que se enfrenta al desafío de la multiplicidad, a la trama
compleja de interacciones que rebasan las fronteras, al imaginario persistente de las mitologías,
a la identificación de los lugares como propios –hogar, región, terruño, pueblo, aldea-, que
resisten a la estratificación y al orden que divide el mundo en centros y periferias –aún cuando
la periferia esté ya instalada en el “centro” o, hipotéticamente, sean todas “periferias”-; lenguas
jerárquicas y secundarias; fronteras lábiles o férreas –o ambas cosas a la vez, según de qué lado
se intente pasar, como entre Tijuana y San Diego, por ejemplo.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
Esta obsesiva partición –y repartición- de territorios, fronteras interpuestas donde
no las había, invasiones, tráficos, saqueos, expulsiones de poblaciones enteras, migrancias
inducidas por el miedo, el acoso o la miseria; nuevas conquistas de zonas pródigas en
recursos naturales en desmedro de sus pobladores, hacen de la territorialidad un elemento
decisivo en esta etapa del capitalismo, que cada vez parece alejarse más de su carácter
“metafísico”, como lo definiera Scott Lash (2005), aludiendo a ese reparto de poder
que se consuma en las pantallas liquidas de las bolsas del mundo, sin ninguna instancia
material. O en todo caso habría que pensar que lo virtual surge también inevitablemente
sobre esos territorios y que la “guerra perpetua” es su modelo y su precio.
Pero también se agudizan las fronteras internas entre los propios habitantes que
podrían reivindicar la pertenencia a un lugar: fronteras urbanas trazadas por procesos
de gentrificación, con su vaciamiento de zonas degradadas para hacer de ellas nuevos
anclajes para nuevos pobladores o barrios que van quedando marginalizados mientras
Leonor Arfuch
Es que la transgresión está contenida en la idea misma de frontera, así como
en el simple ejercicio del lenguaje. Y hasta podría decirse que es la fuerza que anima,
secretamente, todos los tránsitos. Desde el esforzado eterno retorno de quienes una y
otra vez intentan llegar “del otro lado”, donde la dificultad del acceso parece incrementar
la fantasía, hasta los significantes que acosan nuestra percepción cotidiana, marcando lo
permitido y lo prohibido, lo decoroso y lo censurable. Umbral, frontera, límite, señalan
por ejemplo, quizá en un crescendo, los grados de incursión del lenguaje en los territorios
de la intimidad, gradación que asimismo podría expresarse, más allá de la clásica distinción
moderna entre público y privado, en la sutil escalada que supone pasar de lo biográfico
–perfectamente público- a lo privado –que ya no lo es tanto- y a lo íntimo, que constituye
hoy el mayor atractivo de los medios de comunicación, una intimidad devenida pública
en una transgresión generalizada y por lo tanto ya estereotípica.
En efecto, ¿qué podríamos considerar verdaderamente transgresivo en nuestras
sociedades contemporáneas, donde, contrariamente a lo que sucede con los territorios
físicos, hay un creciente desdibujamiento de límites y fronteras que en líneas generales sólo
cabe celebrar? Una mayor apertura conceptual, un aflojamiento de la norma, una “cultura
mundo”, como algunos autores gustan llamar (Lipovetzky y Serroy, 2008), estimulada no
sólo por las tecnologías sino también por viajes y migrancias voluntarias, parecen incidir
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
fuertemente en los procesos de subjetivación y reconfiguración identitaria, tanto a nivel
individual como colectivo, lo que genera una liminalidad -inquietante para algunos- entre
prácticas y espacios antes relativamente autónomos.
Prácticas de la vida cotidiana, desde luego, alimentadas en buena medida por la
conectividad global y su imposición de formas, hábitos y modelos de vida; espacios
académicos e intelectuales, donde una actitud no reverencial hacia los cánones instituidos
ha dado impulso a un pensamiento transdisciplinario; prácticas artísticas, que dejan
de lado la pregunta por la obra para desplegar más bien su comunicabilidad formal y
conceptual en el contexto acuciante del presente; prácticas de escritura, que infringen lisa
y llanamente los cánones al punto de tornarse inclasificables –o “post-autónomas”, como
las define Josefina Ludmer (2011).
Una permeabilidad que se evidencia asimismo en la consideración positiva de los
espacios intersticiales, como lo expresan las figuras teóricas del intervalo o del in between
Cadernos de Estudos Culturais
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
fuerza performativa de la lengua, tensando los límites entre traducción y transgresión,
retornó, como una acuciante interrogación, ante On translation/ Fear/Miedo, obra de
Antoni Muntadas sobre la frontera San Diego/Tijuana, que formó parte de La Memoria
de los Otros (2010), una exposición de video arte curada por Anna María Guasch en el
Museo de Bellas Artes de Santiago de Chile, que tuve la suerte de ver. La obra había
sido creada años antes, para participar del inSite05, una organización con sede en San
Diego que propicia el activismo del arte en el espacio público entre ambas regiones, y el
propósito inicial del autor fue que el video se pasara a los dos lados de esa frontera y por
la televisión, tanto en México DF como en Washington, cosa que efectivamente sucedió
aquí, donde Televisa lo pasó por el Canal 12.
Muntadas elige partir también desde el lenguaje, poniendo en tensión la traducción
con el sentimiento más común del ser humano, Fear/Miedo, experiencia compartida a
ambos lados de la frontera, cada uno con su modulación particular: desde San Diego,
Leonor Arfuch
a la manera del dialogismo bajtiniano, poniendo en sintonía –y por ende, en posibilidad de
respuesta- los respectivos prejuicios y el profundo desconocimiento del otro –alimentados
sabiamente desde los Estados, los medios de comunicación y los tráficos, esa “industria
del miedo”, al decir del autor, que prospera en y gracias a la frontera, la trama de negocios
que desafía toda interpretación dicotómica a favor de unos y en desmedro de otros…
La frontera, parece decirnos, se establece, simbólica y simbióticamente, a ambos lados, y
el desafío del miedo –y también sus víctimas- se juega justamente en el medio, in between.
Un lugar “entre”, podríamos aventurar, que nunca abandonarán los que logren cruzar
“del otro lado”: será otro cruce, entre lenguas y culturas On translation, con sus pérdidas
y ganancias, su “ni---ni” indecidible. Un lugar que quizá compartimos sin haber cruzado
en permanencia una frontera física, que hasta podría definirse, metonímicamente, como
un modo de ser contemporáneos.
No sólo Muntadas se ocupó de la frontera en esa exhibición –que incluyó también su
trabajo simétrico, Miedo/Jauf sobre la frontera marina de Tarifa/Tánger, con el terrorismo
como otro componente esencial- sino también el artista polaco Krzysztof Wodiczko,
con The Tijuana Projection, una intervención llevada a cabo en 2002 en la fachada del
CECUT, Centro Cultural de Tijuana, conocido popularmente como “la Bola”. El artista,
que suele trabajar en transgresión de escala, proyectando imagen y voz sobre edificios
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
o lugares emblemáticos para establecer una conexión subversiva y crítica con ellos –
como en su Hiroshima Projection –, lo hizo esta vez haciendo aparecer, sobre los muros,
enormes rostros de personas que narran el drama de su experiencia como inmigrantes
en tiempo real, expresando así la dislocación con ese espacio – el CECUT –, concebido
con un propósito dinamizador e integrador –Tijuana como atracción turístico-cultural y
no solamente como reino del narco, la prostitución y la “vida alegre”. Ante esa “fachada”
– y acentuando quizá su acepción como mera apariencia- rostros, voces, historias
-anclajes biográficos de lo colectivo – desafían la monumentalidad abstracta y silenciosa
mostrando lo no dicho, la afectación que ese cronotopo – el miedo, la frontera- tiene en
la vida cotidiana, las formas de convivencia, el reconocimiento de sí, la vida del espíritu,
en definitiva, transformando así el género espectacular de los medios en lenguaje crítico.
En efecto, ambos artistas trabajan sobre el modo del espectáculo, concitando
audiencias, presencias reales en escenarios verdaderos, y mostrando la potencialidad de
Cadernos de Estudos Culturais
Leonor Arfuch
otra mirada, el Otro, simplemente. Atreverse a salir del encierro que a veces supone
la especialidad –sin desmerecerla – hacia la espacialidad, podríamos decir, hacia lo que
diversas narrativas –de la filosofía, el cine, las artes, la literatura, la poesía – tienen para
decir de nuestro conflictivo presente.
El umbral, la frontera – así como el lenguaje y la transgresión – delinean asimismo
el espacio del aula, ese lugar simbólico que deja huella perdurable en la construcción de
sí y de los otros, y donde pueden desplegarse el miedo, la discriminación, la violencia y
reforzarse acendrados prejuicios, todo lo cual acrecienta nuestra responsabilidad. Aquí
también se abre el terreno de la exploración sobre los límites – del poder, del saber, de la
autoridad – donde voces, memorias y biografías son esenciales al reconocimiento, tanto
desde lo personal como en las experiencias y vivencias compartidas.
Finalmente, y siguiendo con la tríada, habría todavía – si – me lo permiten –, otra
respuesta posible al porqué de esta exploración, que me ha llevado, por esas casualidades
que no lo son tanto, a encontrar – y elegir – estas obras y estos artistas: el espacio biográfico,
tema al que me he dedicado largamente (Arfuch, 2002) – pero nunca para hablar de mí–,
el hecho fortuito de tener un hijo que vive en San Diego y percibir, en cada visita, desde
una mirada distante y una “subjetividad crítica” – desde el español de Buenos Aires,
desde nuestra frontera mítica del “fin del mundo”– las contradicciones y las tensiones, la
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 103 – 110, jul./dez. 2012.
simbiosis peculiar de esa región de “dos lados”, la pugna desigual de lenguas y culturas
y la sordidez amenazante de esa frontera, aunque mi lejano pasaporte me dispense del
miedo.
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1967 - 2012: a durabilidade
interpretativa da Tropicália
111
Todo relato histórico é interessado. No texto de 1978 intitulado “Cultura e política,
Liv Sovik
1967-1969” e mais recentemente, de novo, Roberto Schwarz busca explicar o que
aconteceu nos anos 60 e com a esquerda, levando em conta as divisões políticas e a
cultura industrial, sempre alerta para o desenvolvimento econômico capitalista e suas
determinações (SCHWARZ, 1992 e 2012). Antonio Cicero, com outro olhar, quer
entender a proposta artística de Caetano Veloso e sua ligação com a bossa nova, no
contexto dos processos de inovação na arte e na música (CICERO, 2003). Em 1994
defendi uma tese sobre a tropicália, para mostrar que o Brasil produziu uma estética
pós-moderna, embora os teóricos do pós-moderno europeus e norte-americanos não
a tivessem previsto em um país subdesenvolvido; concluí que a estética pós-moderna
é fruto mais da frustração de energias utópicas do que da aceleração e superficialização
da vida social, fruto do desenvolvimento tecnológico (SOVIK, 1994). Hoje, a questão
em pauta não é o subdesenvolvimento. Se o Brasil é periférico, também é uma potência
emergente. O momento atual brasileiro parece ser muito bom, de distribuição de renda,
estabilidade econômica e surgimento de uma nova “classe média”; de entusiasmo com
a perspectiva de estar nos holofotes do mundo durante a Copa do Mundo e os Jogos
Olímpicos; de aparente seriedade em torno da corrupção e das contas públicas. O que
se pretende aqui é revisitar a Tropicália para entender o que ela – ou mais precisamente,
1
Liv Sovik é professora da UFRJ.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
o disco Recanto (2011), de Gal Costa cantando canções de Caetano Veloso, nos diz hoje,
sobre a condição contemporânea do Brasil.
Segundo Silviano Santiago, em um estudo da correspondência entre artífices do
modernismo brasileiro, a interpretação do Brasil era uma tarefa “diária, destemida e
contínua”, que provia os alicerces de sua produção artística e ensaística. Além disso,
diz Silviano, “a tarefa de interpretação da nação era – e deve continuar sendo – uma
tarefa diária” (SANTIAGO, 2007, p.7). A interpretação do Brasil pelos tropicalistas
Tom Zé, Gilberto Gil e, sobretudo, Caetano Veloso, passa pela sua capacidade de encenar
pensamentos e sentimentos; essas encenações dizem respeito à situação do país e à
experiência de uma geração. No entanto, nem sempre o tropicalismo foi central para
a memória cultural. Nos anos 90, sua marca se diluia nas referências a Elis Regina,
Milton Nascimento e Chico Buarque; o tropicalismo era mais um. No final dos anos
90, a tropicália se consagrou como vitoriosa, predominando sobre as outras memórias,
Cadernos de Estudos Culturais
sobre os tempos atuais que antes estava obscuro. O interesse desta nova versão sobre o
tropicalismo é, então, identificar os traços do tropicalismo dos anos 60 ainda em debate,
observar sua continuidade através dos tempos e, a partir dai, pensar o que Recanto nos diz
sobre o Brasil de agora e os valores possíveis em um país que “enricou” e envelheceu.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
de mercado, ou se era de esquerda e contra o mercado, ou de direita e a serviço do
capitalismo.
Mais de vinte anos depois, em um livro de memórias, Sérgio Ricardo, artista
identificado, na época, com a canção romântica e política, reitera a denúncia.
Cassavam o mandato de pensadores, políticos professores, que pretendiam a salvação de
nosso povo. Instituiu-se a censura e a arte ganhou seu pior inimigo. O curioso e irônico
de tudo isso é que a ditadura só veio atrapalhar a vida dos que andavam com o pé no
chão. Os [homens de negócio] que tinham o sapato acima do chão permaneceram na
mesma boa vida.
Continua:
Por outro lado, o poder da comunicação se ampliou assustadoramente com o progresso
alcançado pela televisão, e os senhores do sapato flutuante tornaram-se todo-poderosos,
determinando com moral absoluta a conduta e o destino cultural de nosso povo.
Liv Sovik
televisão tornam anacrônica a crítica, mas Sérgio Ricardo tem um aliado e sucessor de
peso em Roberto Schwarz, de quem tomei emprestado o título do clássico ataque ao
tropicalismo, “Cultura e política, 1964-69” (SCHWARZ, 1992/1978). Schwarz mira no
tropicalismo como conformidade com o atraso do país e ausência de crítica ao capitalismo
vigente. Nesse primeiro texto de Schwarz, o resultado da estética tropicalista, que junta
os anacronismos ao ultramoderno, é “literalmente um disparate [...] em cujo desacerto
porém está figurado um abismo histórico real, a conjugação de etapas diferentes do
desenvolvimento capitalista” (p.74)2.
Schwarz voltou ao problema do tropicalismo com uma leitura crítica de Verdade
tropical em 2012. Apresento alguns trechos que dão um esquema do argumento: “O
sentimento muito vivo dos conflitos, que confere ao livro a envergadura excepcional,
coexiste com o desejo acrítico de conciliação, que empurra para o conformismo e para
o kitsch.” (SCHWARZ, 2012, p.57) Mas a crítica básica de Schwarz continua passando
pelos “fracos e atrasados” (p.75), que pagariam o preço da modernização, formando
uma “dívida histórico-social com os de baixo”; e também pela identificação ambígua
2
Vale a pena rememorar a variedade de sons produzidos no disco manifesto Tropicália ou Panis et Circensis,
de 1968, ouvindo os acordes iniciais de suas doze faixas, cujo som varia de pop a melodramático, passando
por lírico e de música de baile. Ouvir em http://www.allmusic.com/album/tropicália-ou-panis-et-circenses-
mw0000667468. Acessado em 21/10/2012.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
que Caetano, preso político, tinha com aqueles que optaram pela oposição política e
pela luta armada e sofreram muito mais (p.81 e 92). Ambígua porque Caetano fazia uma
crítica ao autoritarismo de esquerda (essa crítica se tornou hegemônica mais tarde, a
partir de acusações de “patrulhamento ideológico” de Cacá Diegues, no final dos anos
70) e ao mesmo tempo se orgulha de ter incomodado os militares. Para Schwarz, o erro
de Caetano é aderir ao capitalismo vencedor e, no plano das representações do Brasil,
abrir mão de uma análise mais fria: “A personificação mítica do país [...] toma o lugar da
discriminação sóbria dos fatos, com evidente prejuízo intelectual” (p.105). Mas o livro
vale a pena, conclui, porque faz “uma dramatização histórica: de um lado o interesse e
a verdade, as promessas e as deficiências do impulso derrotado; de outro, o horizonte
rebaixado e inglório do capitalismo vitorioso” (p.110).
O valor de Schwarz talvez não seja o de explicar o que é o tropicalismo, nem de
apresentar um modelo que nos atrai, para a interpretação do Brasil (“a discriminação
Cadernos de Estudos Culturais
sóbria dos fatos” que interessam aos “fracos e atrasados”). O valor de Schwarz é
sobretudo de lembrar que em certo momento, a ascendência tropicalista sobre a música
de protesto e sobre a doçura da bossa nova não parecia inevitável ou natural. Também
- pela sua ausência - o texto de Schwarz faz pensar sobre o que existe além do impulso
derrotado da esquerda e o capitalismo vitorioso. Emerge dessa ausência um entre-lugar de
produção simbólica em que o tropicalismo se estabeleceu. Pois o tropicalismo fez muito,
114 nesse espaço que entrecortava a esquerda e o mercado. Tornou manifesto uma structure of
feeling, representou os desejos de aceitar e, aceitando, avançar no novo ambiente político
CULTURA E POLÍTICA, 1967-2012: a durabilidade interpretativa da Tropicália
e cultural. Foi expressão da experiência de uma geração cujos direitos e debates políticos
foram abruptamente restringidos. Propôs a adesão dos fãs a uma cultura que não era nem
rock americano ou sua versão tupiniquim, iê-ê-iê (ou Jovem Guarda), nem bossa nova;
não era de esquerda, mas sofreu nas mãos da direita; não se interessava pela pureza da
cultura nacional mas era uma solução original e brasileira às pressões externas e internas.
Assim, a Tropicália não é redutível à adoção da ideologia do mercado e do marketing via
a televisão, nem à “americanização da cultura”, mas propõe uma perspectiva diferente a
partir da periferia.
Caetano é o artista que mais nos interessa aqui e eis por que: ele combina e
entremeia produção artística e verbal; embora use a linguagem da música popular,
é legível também como comentarista de uma conjuntura maior. Como diz seu amigo
e colaborador bissexto José Miguel Wisnik, “o gesto nítido de Caetano sempre foi a
recusa independente dos lugares comuns dados como prontos, muitas vezes provocados
por ele com prazer não disfarçado” (WISNIK, 2012). Caetano gosta do fato de que
João Gilberto encontrou, nele, “’um acompanhamento em pensamento’ para a música
brasileira”. O livro Verdade tropical, ele diz, retoma a “atividade propriamente crítico-
teórica que iniciei concomitantemente à composição e à interpretação de canções” (1997,
p.18). No final avalia: “O que vale mesmo ressaltar é que o que me levou ao tropicalismo
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
aqui me traz” (VELOSO, 1997, p.497): o tropicalismo não é o molde original nem obra
definitiva do artista, mas produto de uma atenção às circunstâncias da criação artística em
um momento histórico determinado.
Na época de seu surgimento, a questão chave era o atraso do Brasil, seu
subdesenvolvimento. Nas passagens iniciais do livro Verdade tropical, Caetano Veloso
fala de “esquisitos amortecedores que os impactos culturais de fenômenos de massa do
chamado primeiro mundo encontram em países como o Brasil, sobretudo no próprio
Brasil” (VELOSO, 1997, p.44). Caetano também reconhecia o atraso, mas não falava em
fraqueza. Na famosa entrevista feita meses antes do lançamento de “Alegria, alegria” e
“Domingo no parque”, consideradas as primeiras canções tropicalistas:
Nego-me a folclorizar meu subdesenvolvimento para compensar as dificuldades técnicas.
Ora, sou baiano, mas a Bahia não é só folclore. E Salvador é uma cidade grande. Lá não
tem apenas acarajé, mas também lanchonetes e hot dogs, como em todas as cidades
Liv Sovik
define pela incorporação de elementos da cultura de massa estrangeiros e o impacto
deles com a “ultramelódica tradição musical brasileira de base luso-africana e veleidades
italianas - e a atmosfera católica de nossa imaginação”, como dirá em 1997 (VELOSO,
1997, p.44). Para ele, nem a busca das raízes rurais, nem o foco nos atores político-
culturais - o artista, o povo, a televisão, o imperialismo - presentes no imaginário do
protesto, serviram para definir o avanço na “linha evolutiva” da música popular brasileira,
na sua famosa frase: ele não estava interessado em essências.
Segundo Antonio Cicero, quando falou na “linha evolutiva da música popular”
estava interessado, na modernização da música popular de sua época, equivalente à síntese
operada pela bossa nova entre música moderna e samba. Essa equivalência, ainda segundo
Antonio Cicero, passa não apenas pela utilização da “informação da modernidade musical
que ele [o tropicalismo] trazia para a MPB”, como na bossa nova, “mas a informação
da modernidade simplesmente: a informação da modernidade musical, poética,
cinematográfica, arquitetônica, pictórica, plástica, filosófica etc.” (CICERO, 2003, p.213)
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
Gilberto Gil e Caetano Veloso, quando o grupo de rock os Mutantes fizeram seu enterro
simbólico. No mesmo mês, Caetano e Gil foram detidos em São Paulo e ficaram presos
no Rio de Janeiro até fevereiro de 1969, passando depois à condição de vigiados em
Salvador e exilados em Londres. Primeiro foi enterrado, depois o tropicalismo parecia
ter sido morto pela repressão aos seus principais atores. Mas ele continuou vivo e a
marca que deixou na cultura industrializada brasileira não é da mão morta do passado,
assombrando tudo o que vem depois. Embora jornalistas e público se perguntassem, em
décadas posteriores, por que a grandeza dos anos 60 não se repetia, a tropicália não é o
equivalente a Woodstock. Ela não só foi ponto alto na história cultural do Brasil, mas
continuou sendo um marco estético, uma estampa do imaginário, para usar o termo de
Eneida Leal Cunha, citando Freud e Derrida: tem “traços que, reinvestidos, se repetem
sempre diferenciados” (CUNHA, 2006, p.14).
Podemos falar em pelo menos dois fenômenos diferentes dos últimos vinte anos
Cadernos de Estudos Culturais
3
Acessível em 21/10/2012 em: http://letras.mus.br/marisa-monte/88294/http://letras.mus.br/marisa-
monte/88294/
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
mais variados tons emocionais sem qualquer mudança de iluminação ou postura. As
semelhanças com o projeto tropicalista ou talvez a falta de desejo da cantora de falar a
respeito de seu trabalho fizeram com que as afinidades acabaram por falar mais alto do
que as inovações e Marisa Monte subsumiu-se à categoria geral de ótimas cantoras.
O mangue bit quis fazer impacto além da música e lançou um manifesto, que fala
da cidade de Recife, sua pobreza, os impasses gerados por um conceito de progresso
que aterrou rios e mangues, e faz um chamado para engendrar um “‘circuito energético’,
capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação
de conceitos pop. Imagem símbolo, uma antena parabólica enfiada na lama.” (ZERO
QUATRO, 1992). Musicalmente, o trabalho das três principais bandas que o compunham,
Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Mestre Ambrósio, se caracteriza pela
fusion de elementos pop com maracatu, soul, hip hop e outros.4 Vemos a busca de um
Brasil local renovado pela globalização, um arraigamento orientado para o novo, um certo
Liv Sovik
caminho não tropicalista para a música popular pensante: o rap. É um verdadeiro
movimento global que fala de política antes de cultura e surgiu entre setores populares.
O rap – associado sempre à sua sombra intelectual e artisticamente mais pobre, o funk –
parecia no final dos anos 1990 e início dos 2000 mexer com a soberania do tropicalismo.
Havia, para início de conversa, uma nova relação com a indústria cultural, transformada
pelas tecnologias digitais. Ao reduzir economias de escala, elas tornaram possível a
produção e venda direta, sem a ajuda e controle da televisão, da grande imprensa ou da
promoção paga, nos rádios. É pelas vendas que o rap chamou a atenção da grande mídia
no final dos anos 90. Em 1998, a banda Racionais MCs ganhou o prêmio de audiência para
um videoclipe de “Diário de um detento”5, um relato da chacina na prisão de Carandiru,
em São Paulo. O CD do qual faz parte, Sobrevivendo no inferno, vendeu 100 mil cópias
em um mês e meio milhão em oito, com divulgação por rádios locais e comunitárias
e vendas em shows em ginásios nos subúrbios, atingindo facilmente um público de 10
mil a cada show. Com esse potente esquema de comercialização - que retoma e atualiza
a popularidade do samba, em seus primórdios no Rio de Janeiro -, os Racionais MCs e
4
“A cidade”, do disco Da lama ao caos (1994), que mostra esse ecletismo, pode ser ouvido aqui: http://letras.
mus.br/chico-science-e-nacao-zumbi/70406/. Acessado em 21/10/2012.
5
Letra e videoclipe disponíveis em: http://www.vagalume.com.br/racionais-mcs/diario-de-um-detento.
html. Acessado em 21/10/2012.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
outras bandas do início do movimento se recusarem a aparecer em programas de TV até
então considerados fundamentais para o sucesso massivo, dizendo que sua mensagem é
outra e que são indiferentes aos gostos do público branco ou “playboy”.
Se o tropicalismo representava a alteridade de uma maneira refratada pela ironia,
a alegoria e o pastiche, os rappers encenam mais diretamente o outro excluído por
motivos raciais e econômicos, posicionando-se contra a violência física e simbólica da
ordem política branca. O gênero musical e linguístico do rap (como o rock, aliás), é
mais democrático, mais aberto a participações “amadores” do que a tradição da MPB.
Foi importado com mínimas alterações dos Estados Unidos, quase nada de estranhos
amortecedores, embora os rappers brasileiros desse momento inaugural, sobretudo,
fossem mais críticos às drogas e valores de consumo do que seus irmãos nos EUA. O
primeiro rap era tão global como Marisa Monte, mas tinha um perfil social e público e
uma ideia do fazer artístico diferentes. Muitos jovens decoraram suas letras kilométricas
Cadernos de Estudos Culturais
e o rap se tornou objeto de pesquisa para estudiosos de Letras e cientistas sociais, como
porta de entrada à análise da atual cultura popular brasileira e a importância da negritude,
nela, mas não vingou no âmbito maior da cultura, como o tropicalismo. Os motivos
podem ser vários: a resistência da cultura mainstream à própria ideia de negritude; a pecha
da ligação à juventude negra – com um projeto político de interesse aparentemente
“limitado” aos interesses de suas comunidades; o som que mais parece com um mantra
118 do que uma melodia ou uma canção, cuja tradição a classe média preza - tudo isso levou
rappers como MV Bill a ser mais conhecido pelo que ele diz do que canta. Com o tempo,
CULTURA E POLÍTICA, 1967-2012: a durabilidade interpretativa da Tropicália
a resistência dos rappers à grande mídia diminuiu e o escândalo do funk proibidão, sexual
ou policial, acabou tomando conta desse espaço popular no imaginário projetada pela
mídia.
6
Composição de Torquato Neto e Caetano Veloso, gravação original disponível em: http://www.youtube.
com/watch?v=VHLhuwZP0GY. Acessado 21/10/2012.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
Outro precursor a relembrar é Araçá Azul, o disco experimental que Caetano fez em
1972 no retorno do exílio. Uma das faixas mais difíceis é “De conversa, cravo e canela”7.
Caetano a retomou no disco Tropicália 2 (1992), feito em colaboração com Gilberto Gil,
em uma gravação – impossível chamá-la de canção – intitulada “Rap popconcreto”,
que começa com uma série de gravações famosas da palavra “Quem”. A faixa é tão
sonora, tão pouco espetacular visualmente que não está disponível no YouTube8. Um
dos primeiros artistas de sua geração a reconhecer o rap, Caetano o faz a partir de seu
interesse pelo som produzido por aparelhos eletrônicos, sintetizadores e gravadores, o
som que estrapola o musical e surpreende em sua materialidade. Recanto começa com
“Recanto escuro”9 com uma batida que parece o de coração, com um som eletrônico no
fundo que mais parece um ruído e, como no resto do disco, a incorporação de elementos
eletrônicos familiares aos que ouvem música com DJ. A letra mistura, segundo Caetano,
as histórias de vida dele próprio e de Gal; podemos distinguir a chegada a Salvador, o élan
criativo tropicalista, as pressões para assumir certo discurso político, a prisão de Caetano
Liv Sovik
Coisas sagradas permanecem
Nem o Demo as pode abalar
Espírito é o que enfim resulta
De corpo, alma, feitos: cantar
7
Disponível aqui: http://www.youtube.com/watch?v=UP3Fg8PDyhw. Acessado em 21/10/2012.
8
Mas na internet se encontra em um blog sobre a música experimental de Caetano e entre as outras faixas de
Tropicália 2, aqui: http://www.allmusic.com/album/tropicália-2-mw0000111979. Acessado em 21/10/2012.
9
Letra e gravação disponíveis em: http://letras.mus.br/gal-costa/1992784/. Acessado em 21/10/2012.
10
Letra e gravação disponíveis em: http://letras.mus.br/gal-costa/1992788/. Acessado em 21/10/2012.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
sejam, pois como na tropicália se constrói um mosaico irônico e auto-irônico de que
ninguém escapa: “Neguinho que falo é nós”. Esse “nós” é um subdesenvolvido já
modernizado sem consequências maiores para sua humanidade, que consome primeiro,
seja bem ou mal, e depois pensa, talvez duvida, que outro mundo é possível. “... vai pra
Europa, States, Disney e volta cheio de si / Neguinho cata lixo no Jardim Gramacho /
Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo”.
Finalmente, “Tudo dói”, a faixa favorita de Gal e Caetano (VELOSO, 2011), que
atualiza “Oração ao tempo”, de 1987, pois ambas nos posicionam diante do tempo da
vida que passa, que passou. “Tudo dói”11 talvez se refira também a “Nenhuma dor”,
de quarenta e cinco anos antes, com seu pedido de “seguir firmes na estrada que leva a
nenhuma dor”.
Tudo dói
Tudo dói
Cadernos de Estudos Culturais
Tudo dói
Os hipotálamos minguam
Tudo é singular
Dói
Tudo dói
Por que parece tão adequado ao momento atual? Talvez seja interessante imaginar
uma repetição com diferença, uma renovação da estampa tropicalista. Caetano e - com
sua interpretação singela e precisa - Gal, nos colocam em uma posição que relembra
“Alegria alegria”, pois apesar do título da canção de 1967, o sujeito que caminha contra o
vento, experimentando intensamente seu entorno, comunica uma sensação de abandono.
Ouvimos na faixa e no disco os traços de uma música experimental tecnificada, familiar por
causa dos MCs e DJs, mas é lenta, pesada, às vezes estridente e causa estranheza, mesmo
que não prove a paciência do público tanto quanto fazia Araçá Azul. São continuidades,
mas esse tropicalismo parece também pós-tropicalista. Em Recanto se retoma a questão
da modernização e o subdesenvolvimento do Brasil, tema tropicalista por excelência,
mas sem os contrastes entre o acarajé e o hot dog, o anacrônico e o ultramoderno,
11
Letra e gravação disponíveis em: http://www.radio.uol.com.br/ - /letras-e-musicas/gal-costa/
tudo-doi/2523638. Acessado em 21/10/2012.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
sem tanta necessidade de discutir os “estranhos amortecedores da cultura brasileira”,
pois o cosmopolitismo já pode ser presumido, como o fez Marisa Monte nos anos 90.
Estamos em um terreno paradoxal, desolado mas sem desespero, em que Disney e Jardim
Gramacho se juntam em uma fusion cujos elementos não precisam ser distinguidos e
que incluem música experimental, rap, funk e o som da voz de Gal Costa, atravessando
quarenta e cinco anos de carreira. O país e seus artistas já não são muito periféricos,
ou pelo menos não dá para falar em “dificuldades técnicas”, e isso gera uma espécie de
assentamento. No meio à euforia de alguns órgãos da mídia e governistas, acaba sendo
bom saber que “Viver é um desastre que sucede a alguns”; que “tudo é singular”; e que
para esses artistas, o espírito resulta de “corpo, alma, feitos: cantar”. Quem sabe, essas
são frases a seguir. Talvez na academia, enquanto continuemos distinguindo sobriamente
os fatos, alguns deles singulares, e se preocupando com essa figura universitária clássica,
“os de baixo”, podemos também imaginar que o espirito resulta de corpo, alma, feitos:
pensar.
Liv Sovik
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Cadernos de Estudos Culturais
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CULTURA E POLÍTICA, 1967-2012: a durabilidade interpretativa da Tropicália
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 111 – 122, jul./dez. 2012.
O LUGAR DA PERIFERIA
na nova economia mundial
Marcos Cordeiro Pires1
1
Marcos Cordeiro Pires é professor da Unesp – Marília.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
Ao longo do século XIX, a emergência do capitalismo industrial modificou a
natureza dessa Divisão Internacional do Trabalho. A forte demanda por matérias-primas,
que seriam processadas pelas fábricas da Europa, notadamente as da Inglaterra, os
modernos sistemas de transportes (canais, ferrovias e navios a vapor) e o uso de um
eficiente poderio militar criaram as condições para a ocupação de amplos espaços antes
relegados ao segundo plano, como o interior dos continentes asiático e africano, que
ficaram sujeitos às investidas do neocolonialismo inglês, francês, belga ou alemão, como
também da América Latina, sujeita ao imperialismo inglês e ao nascente imperialismo
norte-americano, além da frustrada tentativa francesa de recolonizar o México, na década
de 1860. A desproporcional diferença demográfica entre poucos soldados europeus e as
enormes populações locais, como na Índia, China, Indochina e África Subsaariana, seria
“compensada” com modernos navios, metralhadoras e canhões de rápido carregamento.
É importante ressaltar que entre 1815, ano que marca a derrota definitiva de
Cadernos de Estudos Culturais
Napoleão Bonaparte, e 1914, quando começou a I Guerra Mundial, a chamada “Paz dos
Cem Anos”, verificou-se o rápido desenvolvimento do capitalismo europeu, liderado
pela Inglaterra. Posteriormente, com o surgimento de novos competidores no setor
industrial, como a França, a Alemanha e os Estados Unidos, se intensificou a busca
por espaço econômico fora de seus territórios originais. Na fase final daquele período,
entre 1885 e 1914, assistiu-se a uma vigorosa disputa por colônias que pudessem,
124 simultaneamente, rentabilizar o capital excedente dos países industrializados, fornecer
mercados consumidores, fontes baratas de matérias-primas e ainda alocar uma população
O LUGAR DA PERIFERIA na nova economia mundial
excedente frente às potencialidades econômicas de cada país. Este período foi caraterizado
por John A. Hobson, no final do século XIX, como “imperialismo”, conceito que mais
tarde seria apropriado pelas correntes marxistas lideradas por Vladimir Lenin.
Além da repartição e ocupação de territórios na África e na Ásia e ainda com a
Guerra Hispano-Americana, de 1898, que marcou o início da influência dos Estados
Unidos na América Latina e na Ásia-Pacífico, o período imperialista foi caracterizado por
uma forte movimentação de capitais, que fluíam das economias industrializadas para a
periferia do sistema. Essa entrada maciça de capitais estrangeiros serviu para dinamizar os
setores mais demandados pela economia dos países industrializados, como a agricultura
tropical (café, cacau, borracha e açúcar), petróleo, cobre, carnes e cereais, e criou um
novo tipo de dependência para os países da periferia: a exportação de produtos primários
e a importação de bens industrializados para satisfazer um padrão de consumo mais
sofisticado, sobretudo das elites locais.
No caso brasileiro, a maior parte desse capital foi aplicada em ferrovias, empresas de
serviços públicos, finanças e comércio exterior. Esses recursos proporcionaram a difusão
de tecnologias modernas e a instituição de um padrão de consumo que tenderia a se
enraizar no país. O local que mais recebeu o aporte de investimentos estrangeiros, por
conta da cultura cafeeira mais bem desenvolvida, acabou por ser aquele onde o processo
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
de industrialização fincou seus alicerces: o estado de São Paulo. Nem mesmo os efeitos
da I Guerra Mundial sobre a vida econômica do país conseguiram refrear o movimento
ascendente de industrialização e de sofisticação da capacidade produtiva. De fato, os
problemas gerados pela guerra dinamizaram esse processo. Algo similar ocorreu na
província de Buenos Aires, centro da produção de gado e cereais e principal receptora
do capital inglês, o que proporcionou à Argentina uma invejável situação econômica até
a década de 1930.
A depressão que se seguiu à crise de 1929 e a eclosão da II Guerra Mundial (1939-
1945) abriram a possibilidade para que alguns países da América Latina pudessem ensaiar
um processo substitutivo de importações. Para tanto, a súbita diminuição das receitas
de exportações decorrente da contração do mercado mundial e, logo em seguida, a
diminuição física do comércio internacional decorrente da guerra naval, forçaram as
economias de países como Brasil, México, Argentina e Chile a produzirem internamente
industrial nacional, o modelo da ditadura militar (1964-1985) tinha por base a atração
e associação com o capital estrangeiro, que controlava as “caixas pretas” tecnológicas
e dominava a ponta do mercado consumidor com suas marcas e produtos. Naquele
contexto, cada empresa multinacional organizava suas atividades quase que totalmente
direcionada para o mercado local, enquanto que suas matrizes avançavam nos ganhos
de produtividade e inovação. Vale destacar que o México, apesar de não ter vivido uma
126 ditadura militar, seguiu em parte o caminho trilhado pelo Brasil, devido ao autoritarismo
característico do Partido da Revolução Institucional (PRI).
O LUGAR DA PERIFERIA na nova economia mundial
2
Há setores políticos e acadêmicos que optam pela variante francesa “mundialização”. Como não
identificamos nenhum grande traço de distinção entre os dois conceitos, optamos por utilizar neste artigo
aquele com maior penetração nos mais variados segmentos, qual seja, globalização.
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2 – O mapa econômico mundial é redesenhado em
benefício das corporações multinacionais
O novo posicionamento da América Latina na economia mundial é fruto de uma série
de transformações econômicas que tomaram forma no começo da década de 1980. Antes
de descrever essas transformações, é preciso retornar no tempo para sumariar algumas
características do mundo que ficou para trás. Para tanto, retornamos a uma reflexão que
fizemos em 2008 (Pires, 2008).
Entre o final da Segunda Guerra Mundial e 1973, a economia capitalista assistiu a longo
processo de crescimento econômico, vulgarizado como Era de Ouro3. Ao longo de quase 30
anos, os indicadores sociais dos países industriais melhoraram sensivelmente. Políticas de
assistência social foram adotadas para amparar os trabalhadores no desemprego, na doença
e na velhice. O consumo popular passou a ser o carro-chefe da expansão da economia. A
inovação tecnológica e a obsolescência programada dos produtos faziam girar as grandes
3
Há certa convergência entre os estudiosos do século XX em caracterizar o período de 1945 a 1973 como
“anos dourados” ou a “era de ouro”. Veja-se: Eric Hobsbawm. A era dos extremos: o breve século XX – 1914-
1991. 2ª ed. São Paulo: Cia. da Letras, 2001.
4
São fatos característicos os pedidos de ingresso no FMI de países como a Hungria e a Polônia, já no começo
dos anos de 1980.
5
Milton Friedman. There’s No Such Thing as a Free Lunch. La Salle (USA-IL). Open Court Publishing Co., 1977.
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ou três anos de crescimento e outros dois ou três anos de contração. Por conta disso, na
visão dos economistas liberais, a economia deveria se tornar mais “flexível” para se estabilizar
de maneira mais rápida. As garantias sociais que protegiam o trabalhador, por exemplo,
deveriam ser liquidadas, pois a grande empresa privada necessitava de margem de manobra
para enfrentar uma concorrência mais acirrada. Como em estados democráticos é impossível
reduzir direitos à força, a solução foi exportar os empregos.
Por isso, as grandes plantas industriais de padrão “fordista” foram fragmentadas por
estratégias de “terceirização”6. Também o modelo japonês de gestão, baseado no “estoque
zero”7 e na produção “just-in-time”8 passou a ser adotado nos Estados Unidos e na Europa.
O “mercado de massa” foi substituído pelo mercado de “nichos” e de “segmentos”. Artigos
que demandavam muita matéria-prima foram miniaturizados. O chip de computador passou
a figurar como peça-chave em quase todos os dispositivos industrializados. Reduzindo custos
com a eletrônica, foram disseminados os computadores pessoais, as placas de fax-modem, a
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fração do salário daquele, forçando para baixo os custos trabalhistas. A gestão de unidades
tão distantes das matrizes foi facilitada pelo barateamento nos preços das telecomunicações.
“Softwares” cada vez mais complexos tornaram as tarefas administrativas padronizadas e o cálculo
financeiro adequado para apurar, no tempo real, os ganhos e perdas decorrentes de modificações
abruptas nas taxas de câmbio dos diferentes países em que operam aquelas corporações.
6
“Terceirização”, ou outsourcing, é a estratégia de desmobilizar parte dos trabalhadores de uma grande empresa
quando se determina que sua tarefa não é “central” no processo de produção de uma certa mercadoria.
Geralmente esses trabalhadores são empregados em pequenas empresas e contratados por salários inferiores
e sem as garantias sociais daqueles da “empresa-mãe”. Também se refere ao processo de direcionar parte da
produção de determinado bem para terceiras empresas.
7
Levando-se em consideração as pequenas dimensões físicas de boa parte das empresas japonesas, estas
optaram por não possuir grandes estoques de suprimentos e de produtos acabados, daí a expressão “estoque
zero”.
8
“Just-in-time” significa literalmente produzir só na hora em que o mercado demandar. Para tanto, faz-se
necessário o estabelecimento de grande sincronia entre as empresas terceirizadas e a empresa-mãe, de tal
forma que no mesmo momento em que é feito um pedido para uma montadora, por exemplo, as empresas de
autopeças produzam a quantidade de componentes necessárias para a produção de automóveis. Vale destacar
que este tipo de operação industrial faz parte do chamado “toyotismo”, em contraposição ao “fordismo”. A
este respeito ver: Thomas GOUNET. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.
9
O processo conhecido como deslocalização diz respeito à transferência de plantas industriais dos países
com maiores custos produtivos para aqueles onde tais custos sejam menores. Este processo se intensificou
nos anos (19)80 à medida que as políticas de globalização se intensificaram, particularmente sob os auspícios
do ex-GATT e atual OMC.
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Também por conta desta internacionalização da produção, as operações financeiras
aumentaram de forma surpreendente desde 198010. Novos instrumentos financeiros foram
criados, como no caso dos derivativos, ou tiveram o uso intensificado, como as operações de
hedge11. Uma vez que a instabilidade passou a ser a regra da economia mundial, os agentes
econômicos buscaram se defender das mudanças abruptas de cenário, utilizando-se cada
vez mais de mecanismos de proteção.
Não obstante a sua necessidade tangível, as operações financeiras, ao longo das últimas
décadas, têm-se caracterizado mais pelo caráter especulativo. São objetos de especulação,
em nível mundial, as taxas de câmbio, as taxas de juros, a variação nos preços de commodities
etc. Aí também o desenvolvimento das telecomunicações possibilitou o acompanhamento
do mercado financeiro de diferentes países a partir de, por exemplo, um escritório da City
de Londres, em tempo imediato. As “posições” e os ativos financeiros passaram a mudar de
mãos rapidamente, sempre na busca pela máxima rentabilidade. Hoje em dia, os próprios
10
De acordo com Robert Salomon: “Quase todas as formas de transações financeiras internacionais aumentaram
enormemente na década de 1980 entre os países industrializados. As transações em títulos e ativos líquidos que atravessaram
fronteiras nos Estados Unidos – isto é, vendas e compras brutas de papéis negociáveis (valores) entre residentes e não-residentes
– elevaram-se de 9 por cento do PIB em 1980 para 89 por cento em 1990. Como o PIB dobrou ao longo da década, conclui-se
que essas transações aumentaram quase vinte vezes. Em 1996, chegaram a 164 por cento do PIB americano. O crescimento
de transações financeiras internacionais semelhantes ocorreu nos outros países industrializados. A única exceção é a queda
após 1989 no coeficiente do Japão”. Robert SALOMON. Dinheiro em movimento. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.
178-179.
11
Trata-se de operações financeiros que visam a proteger o investidor de futuras oscilações dos preços de
commodities, dos juros ou do câmbio.
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Todas as características deste novo quadro do capitalismo, que se vem desenrolando
nos últimos trinta anos, possuem fio condutor único: o acirramento da concorrência entre
as nações centrais do sistema, independentemente e/ou apesar de arranjos regionais. De
fato, empresas norte-americanas, europeias e japonesas procuraram criar no mundo as
condições mais adequadas para suas respectivas estratégias; e seus governos assumiram a
linha de frente na tarefa de forçar a abertura de novos mercados.
Diante disso, os organismos financeiros internacionais, sob controle dos países
centrais, passaram a defender uma nova ordem mundial. Se a tecnologia já permitia o
deslocamento de capitais e de indústrias por todas as partes do mundo, por que restringir
tal movimento devido a interesses locais nacionais? Estava na hora de retomar o antigo
discurso liberal: “laissez-faire, laissez-passer”, o que significou, no final da década de 1980,
aprofundar a globalização econômica e forçar a abertura de mercados em todo planeta,
particularmente nos países em desenvolvimento.
Cadernos de Estudos Culturais
destas instituições teria por finalidade criar uma ordem internacional dita “mais solidária”,
ao estimular a integração dos países por via do comércio internacional e por deslocar o
capital excedente de um polo do sistema para outro. Seria obtida assim melhor alocação de
capital, desde que todos os países convergissem em suas políticas macroeconômicas. Por
essas, garantir-se-ia a transparência necessária para a medição da taxa de lucros e dar-se-ia
maior segurança aos investimentos estrangeiros diretos. No final do processo, todos os
países sairiam vitoriosos, pois os padrões de consumo seriam equalizados no longo prazo. Os
mais pobres se aproximariam rapidamente dos mais ricos, sem prejuízo para os segundos...
Entretanto, essa promessa está longe de ser realizada.
Não seção seguinte, analisaremos o desdobramento prático desse processo.
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Rio Tietê é um imenso esgoto a céu aberto onde se concentram de montanhas de lixo em
suas margens. Tal situação vale para os rios das Pérolas, que corta a província de Cantão,
na China, o Mithi, que cruza a região de Mumbai, na Índia, ou o Ciliwung, em Jacarta,
Indonésia. Muita dessa destruição é causada pela grande concentração demográfica
e pela industrialização predatória que começou a tomar corpo na segunda metade do
século XX. Levas de camponeses se deslocaram para essas regiões metropolitanas e se
acomodaram em bairros distantes sem a mínima infraestrutura, em que o planejamento
público ficou ausente. Vale perguntar, por que isso ocorreu? Por que Alemanha e
Inglaterra são exemplos de economias “verdes” e Brasil, China, Índia ou Indonésia são
acusados internacionalmente por não defenderem seus patrimônios naturais?
Esta imagem paradoxal pode ser complementada quando se visita uma loja do
“El Corte Inglés”, em Madri, ou os shoppings centers de São Paulo, onde, em meio
ao conforto, ao aroma de perfumes e ao luxo, encontramos produtos de empresas
conceito de empresa até então existente. Conforme discutimos na seção anterior, a grande
fábrica de estilo “fordista” foi fragmentada, adotando-se modelos de produção que
tinham por base flexibilidade e a terceirização de processos antes internalizados. Apesar
de nos concentrarmos no setor de TICs, tal fenômeno pode ser visto nos setores de
calçados, materiais esportivos, confecção, automotivo, moveleiro, etc. A lógica principal
foi a de trocar o controle total sobre as diversas etapas da produção por uma rede de
fornecedores e subcontratadores que poderiam oferecer uma série de vantagens para a
empresa multinacional, particularmente menores custos produtivos.
No entanto, esta é a etapa final do processo. Nessa “reengenharia”, se organiza uma
hierarquização da economia internacional em que os papeis são bem definidos, deixando
os países hoje desenvolvidos numa posição de comando e os países da periferia em
posição de subalterna. Do ponto de vista da estruturação da cadeia de valor, os primeiros,
com tarefas criativas e bem remuneradas; os segundos, com tarefas repetitivas, poluidoras
e mal remuneradas.
Um país desenvolvido hoje não é caracterizado apenas pela capacidade industrial,
mas principalmente pela capacidade de gerar conhecimento, tecnologias e padrões de
consumo. A produção de bens passou a ser uma atividade secundária, do ponto de vista
da cadeia de valor. O lançamento de um novo produto pressupõe atender aos seguintes
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
aspectos: pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, viabilidade financeira, marketing,
produção e comercialização. Desses seis quesitos, o país desenvolvido concentra
necessariamente cinco deles, exceto a produção, que depende de cálculos de viabilidade
para a decisão de se produzir dentro ou fora de suas fronteiras. A obra coordenada por
Suzanne Berger (2005) “How we compete?” oferece ao leitor uma visão detalhada desse
processo.
Na primeira etapa, P&D, as universidades possuem um papel central, mas não
exclusivo, já que também as grandes corporações investem maciçamente em pesquisa
e desenvolvimento. Nas universidades não são criados apenas os conceitos básicos e o
conhecimento de ciência “dura”, que posteriormente serão absorvidos pelas empresas,
mas também o conhecimento da sociedade, da psicologia social, da linguagem, da
estética etc., que serão utilizados em fases posteriores do processo. Particularmente
quanto à indústria de TICs, as inovações surgem tanto nas universidades como nos
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
Algumas empresas do setor de TI, como a DELL Computer, conseguem se
estabelecer no mercado mesmo sem fazer muitos dos investimentos antes descritos.
Elas simplesmente dominam a comercialização, tecendo fortes vínculos com o
mercado consumidor e criando o conceito de “monte o seu produto”, com uma série
de componentes que podem ser facilmente acoplados. Daí surge um elemento da
nova industrialização: é cada vez mais comum a modularização de componentes que
podem ser utilizados em diferentes processos: um mesmo tipo de câmera digital pode
ser instalado num telefone celular, num notebook ou num tablet. Algo similar ocorre em
outros setores, como o automobilístico, em que uma mesma peça pode ser utilizada
em diferentes modelos de carros. A vantagem da modularização está em produzir em
larga escala um mesmo componente, rebaixando custos para setores inteiros da indústria.
Podemos pensar na dificuldade de se possuir existir tamanhos de DVDs ou ainda que
cada indústria possuísse “entradas” de periféricos diferentes das USB (Universal Serial
Bus). O custo para as empresas e para os clientes seria exponencializado.
Cadernos de Estudos Culturais
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
Tabela 1. iPhone Apple 3G’s - Principais componentes e custos dos fornecedores
O estudo realizado por Yuqing (2011), que trata de discutir o lugar da China na
cadeia produtiva do iPhone e desmistificar o papel deste país no déficit comercial dos
Estados Unidos, é esclarecedor sobre o papel marginal dos países em desenvolvimento
nas principais cadeias produtivas mundiais. O aparelho em questão é concebido pela
Apple, em Cupertino, nos EUA. Esta busca e credencia fornecedores de componentes e
também montadores que executem a produção com alta qualidade e baixo custo, neste
caso específico, a taiwanesa Hon Hai, mais conhecida como Foxconn. É interessante notar
que mesmo competidores da Apple acabam por lhe fornecer componentes (Tabela 1), já
que os módulos utilizados no aparelho podem ser acoplados a muitos produtos similares,
como é o caso da Samsung, que produz justamente o principal produto concorrente da
Apple, os celulares e tablets da linha Galaxy.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
Também observando a tabela 1 pode ser verificar que o valor agregado na China
é de apenas 3,68% do custo de produção do aparelho. Se considerarmos o preço final
ao consumidor, de aproximadamente US$500,00, o montante adicionado na China
representa apenas 1,3% do valor. Levando-se em conta que no preço final do iPhone
estão incluídos o custo de transporte, o lucro da Apple, o lucro dos revendedores, os
impostos pagos aos diferentes níveis de governo do EUA e o salário dos trabalhadores
envolvidos em cada uma dessa etapas, a economia norte-americana absorve 279% do
valor do aparelho, ou seja, US$321,04.
O que vale para um aparelho de alta tecnologia como o iPhone vale também para
produtos de menor valor agregado, como confecções e calçados. A empresa de material
esportivo Nike não dispõe de fábricas. Terceiriza toda a sua produção, que se espalha
por países da América Latina, Ásia, África e Europa Oriental. Em 2011, a empresa
apresentou um faturamento bruto da ordem de US$ 20 bilhões. No entanto, pouco disso
Cadernos de Estudos Culturais
ficou nos países hospedeiros. Onde ocorre esse tipo de produção industrial (baseada
em baixos salários, ganhos de escala, tecnologia importada, “caixa preta”...) não ocorre
o desenvolvimento econômico, apenas o emprego de trabalhadores pouco qualificados,
matérias-primas baratas e a impossibilidade de se desenvolver tecnologia própria12.
Na América Latina, de forma muito superficial, podemos mencionar duas
experiências pontuais que corroboram nosso argumento: México e Brasil. No primeiro,
136 por conta do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e Canadá (TLCAN),
O LUGAR DA PERIFERIA na nova economia mundial
12
Precisamos relativizar esta informação para os casos de China e Índia. Estes países tem apresentado bom
desempenho em apropriar tecnologia estrangeira e desenvolver grupos industriais locais com capacidade
de produção de tecnologia e também com grande competitividade no exterior. No entanto, para os demais
países da periferia isso não tem ocorrido a contento. Ver: ENGARDIO, Pete. Chindia: how China and India
are revolutionizing global business. New York: McGraw Hill, 2007.www
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
ainda hoje não deu vasão a nenhum grupo industrial de classe nacional, quiçá mundial
e as condições socioeconômicas da cidade não diferem muito daquelas de porte similar
no Brasil e outras partes da América Latina. Infelizmente, o problema não ocorre apenas
nesses dois casos apontados. O problema é estrutural e de difícil solução no curto prazo.
Considerações Finais
Observando o processo sob o ponto de vista das nações, pode-se constatar que
esta nova Divisão Internacional do Trabalho, criada sob os auspícios da globalização,
vem sendo benéfica para algumas (centro) e maléfica para outras (periferia). Os Estados
Unidos conseguiram superar o aparente declínio produtivo da década de 1970 e suas
empresas retomaram a liderança tecnológica antes perdida para o Japão, particularmente
ao criar um padrão de consumo relacionado às TICs. Os países da Europa e o Japão,
mesmo sem a liderança inconteste em algum segmento da nova economia, conseguem
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
Referências Bibliográficas
BERGER, Suzanne (2005). How we compete. What Companies Around the World
Are Doing to Make it in Today’s Global Economy. MIT Industrial Performance Center.
Boston.
BORRUS, Michael (1997). Left for Dead: Asian Production Networks and the Revival
of US Electronics. BRIE Working Paper 100, April 1997. Disponível em: http://brie.
berkeley.edu/publications/WP100.pdf. Acessado em 20/07/2012.
ENGARDIO, Pete (2007). Chindia: how China and India are revolutionizing global
business. New York: McGraw Hill.
FRIEDMAN, Milton (1977) There’s No Such Thing as a Free Lunch. La Salle (USA-IL).
Open Court Publishing Co.
GOUNET, Thomas (1999) Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São
Paulo: Boitempo.
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HOBSBAWM, Eric (2001) A era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991. 2ª ed.
São Paulo: Cia. da Letras.
PIRES, Marcos Cordeiro (2008). Brasil e China no processo de globalização. São Paulo,
LTCE.
PREBISCH, R (1949). Desarrollo económico de América Latina y sus principales
problemas, CEPAL,Santiago de Chile, 1949. In: GURRIERI, A. La obra de Prebisch en
138 la CEPAL, Tomo I y II, FCE, Lecturas del Trimestre Económico, México, 1982.
O LUGAR DA PERIFERIA na nova economia mundial
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 123 – 138, jul./dez. 2012.
PENSAR A ARTE
DE VANGUARDA
em Campinas
Este texto resulta de uma série de pesquisas que foram por mim supervisionadas
e coordenadas nos últimos 4 anos dentro do projeto A arte de vanguarda em Campinas
(1950-70): textos, obras, exposições. Este projeto, que contou com apoio financeiro do CNPq
e da FAPESP, visou à seleção, organização, digitalização e estudo de documentos de
época (textos críticos, artigos de jornal, catálogos de exposição, cartas e manifestos)
relacionados à produção de vanguarda em Campinas, no campo das artes visuais, durante
as décadas de 1950/1970, assim como ao levantamento, registro fotográfico e análise
de obras produzidas no período. Ele envolveu alunos do curso de graduação em Artes
Visuais da Unicamp (bolsistas de IC) e do Programa de Pós-graduação em Artes da
mesma instituição. Contou ainda com a participação do professor Emerson Dionísio de
Oliveira, da Universidade de Brasília, antigo diretor do Museu de Arte Contemporânea de
Campinas. Um de seus objetivos principais foi a produção de um site (www.iar.unicamp.
br/vanguardasemcampinas) que pudesse reunir e disponibilizar diversos documentos
1
Maria de Fátima Morethy Couto é professora do Instituto de Artes da Unicamp.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
de época - catálogos de exposição, textos críticos, fotos -, bem como os relatórios das
pesquisas empreendidas pelos alunos e artigos e comunicações apresentados em eventos
ou publicados sobre nossos objetos de estudo.
O tema por nós escolhido, muito embora apresente um enfoque local, possibilitou-
-nos discutir a relação entre centro e periferia; local, nacional e internacional no campo
das artes e da história da arte, bem como refletir sobre o estabelecimento e difusão de um
vocabulário de vanguarda fora dos grandes centros de um país periférico. Nesse sentido,
apesar de termos como eixo condutor de análise a situação das artes em Campinas
e a cena cultural da cidade nos limites temporais indicados, abordamos também, em
nossas pesquisas (em nível de IC e de Mestrado), questões relativas ao circuito artístico e
expositivo em outras cidades/capitais do Brasil no mesmo período. Discutimos, ademais,
as contradições de nosso processo de modernização, bem como refletimos sobre as
formas específicas de reação e de integração aos discursos hegemônicos de legitimação
Cadernos de Estudos Culturais
A expressão é de Paulo Sérgio Duarte. In: “Paulo Sérgio Duarte fala ao Fórum Permanente”.
2
< http://www.forumpermanente.org/.painel/entrevistas/entrevistas_alemanha/ps_duarte/>
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
o que o momento inaugural do modernismo busca não é uma modernidade abstrata e
universal mas uma modernidade com sotaque, que tenta adequar, ao próprio meio e às
próprias possibilidades linguísticas, as diferentes propostas da arte moderna. (FABRIS,
1994, p. 83)
Pensar nossa modernidade “com sotaque”, como propõe Fabris, não é o mesmo
que tomá-la como inadequada ou imprópria. Todo processo de modernização é decerto
contraditório e ambíguo, em que pesem as diferenças estruturais dos países ou locais
no qual ele ocorre. Como já apontou Nestor Canclini, ao criticar interpretações que
estabelecem uma relação direta entre modernização socioeconômica e modernização
cultural, deve-se evitar comparar “nossa modernidade [da América Latina] com imagens
otimizadas de como esse processo aconteceu nos países centrais” (CANCLINI, 2006,
p. 71). Do mesmo modo, faz-se necessário rever o que entendemos por “modernismo
brasileiro”, uma vez que muitos dos estudos até aqui empreendidos sobre o assunto
tomam como parâmetro de análise a arte produzida em São Paulo nos anos 1920 e
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
deveria-se “observar a superposição de temporalidades distintas, captar as vacilações do
novo, reler a permanência e a mudança da tradição moderna” (SOUZA, 1998, p. 29-30).
Nos dizeres de Wander Melo de Miranda,
A questão cultural se associa à questão teórica para enfrentar a pergunta talvez mais
relevante que se coloca: em cada uma das experiências periféricas e/ou tardias de
modernização a serem levantadas e analisadas, existiriam programas alternativos de
modernidade? (...) A partir desses programas, seria possível refazer conceitualmente a
discussão sobre modernidade, pós-modernidade e tradição? (In: SOUZA, 1998, p. 18).
Para os fins de nossa pesquisa, com foco nos anos 1950/70, fez-se necessário refletir
sobre as ambiguidades e contradições presentes nas ações e práticas dos artistas campineiros
atuantes no período em análise, entendendo que os termos moderno e vanguardista
passaram a ser adotados, por muitos dos envolvidos no debate em curso, tal qual um
talismã, já que as categorias com as quais eles operavam eram francamente ambivalentes.
Cadernos de Estudos Culturais
em seu trabalho, antecipar o futuro. Vanguarda é agora, de acordo com uma das definições
do Dicionário Houaiss, uma “parcela da intelligensia que exerce ou procura exercer um papel
pioneiro, desenvolvendo técnicas, ideias e conceitos novos, avançados”.
Parte significativa da história da arte do século XX, ou ao menos da primeira metade
do século XX, foi marcada pelo ideário vanguardista, pela busca do grau zero, do valor de
choque e da inovação constante e pelo desejo de “narrar a si mesma com vistas ao desfecho
a que se quer chegar”, servindo-se para tanto de termos muitas vezes antagônicos, como
tradição e de ruptura, evolução e revolução, imitação e inovação, destruição e construção,
negação e afirmação. Como assinala Antoine Compagnon, em seu livro Os cinco paradoxos
da modernidade,
depois do impressionismo, todo o vocabulário da crítica de arte torna-se temporal. A arte
apega-se desesperadamente ao futuro, não tenta mais aderir ao presente, mas a antecipá-lo,
a fim de inscrever-se no futuro. Trata-se não somente de romper com o passado, mas com
próprio presente do qual é preciso fazer tábua rasa se não se quiser ser superado, antes
mesmo de começar a produzir. (COMPAGNON, 1999, p. 42)
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
linear e evolutivo da arte. Tampouco faziam da hostilidade enfrentada por um artista o sinal
de sua glória futura. Romperam com o passado para afirmar o presente, sem estabelecer
qualquer expectativa em relação ao futuro. Não se consideravam “à frente de seu tempo”
e queriam ter seu talento reconhecido por seus contemporâneos e pelas instituições
oficiais. E, sobretudo, “não possuíam a consciência de um papel histórico a desempenhar”.
Modernidade e vanguarda “são, sem dúvida paradoxais, mas elas não tropeçam nos mesmos
dilemas”, alerta Compagnon:
A vanguarda não é somente uma modernidade mais radical e dogmática. Se a modernidade
se identifica com uma paixão do presente, a vanguarda supõe uma consciência histórica do
futuro e a vontade de se ser avançado a seu tempo. Se o paradoxo da modernidade vem de
sua relação equívoca com a modernização, o da vanguarda depende de sua consciência da
história. (COMPAGNON, 1999, p. 38)
3
O Grupo Vanguarda contou de forma definitiva e constante com os seguintes artistas: Thomaz Perina,
Mário Bueno, Geraldo Jurguensen, Enéas Dedeca, Francisco Biojone, Franco Sacchi, Geraldo de Souza,
Maria Helena Motta Paes Raul Porto. O artista de origem espanhola Bernardo Caro integrou-se ao grupo
em 1964. Edoardo Belgrado, Geraldo Dècourt, Ermes de Bernardi, membros fundadores, participaram de
duas ou três exposições. Belgrado afastou-se de Campinas em virtude de trabalho, retornando depois à
Itália. José Armando Pereira da Silva e Alberto Amêndola Heinzl, críticos de arte, contribuíram ativamente
na divulgação das idéias e atividades do grupo, principalmente através da página Minarete, do jornal de
Campinas Correio Popular.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
próximo, confirmado, por exemplo, pelo interesse e apoio dos artistas concretistas de
São Paulo em relação ao grupo Vanguarda, assim como pela frequente participação dos
campineiros em Salões e mostras coletivas organizadas em São Paulo nos anos 1960? Dentro
dessa perspectiva, como analisar e/ou explicar a feição local, o tom provinciano das obras
de vários dos integrantes do grupo Vanguarda, bem como sua relação direta com os temas e
códigos visuais das pinturas de alguns dos membros do chamado grupo Santa Helena, ativo
em São Paulo nos anos 1930/40?
Diferentemente dos concretistas de São Paulo, que possuíam um ideal coletivo,
compartilhavam dos mesmos princípios e visavam objetivos similares, os artistas do grupo
Vanguarda de Campinas desenvolviam trabalhos com características bastante diversas,
sem princípios claros que o norteassem. Thomas Perina, por exemplo, afirma que o grupo
campineiro “não tinha uma tendência para defender”, os artistas se reuniam para debater
e trocar informações referentes à arte, porém cada um possuía uma produção individual
Cadernos de Estudos Culturais
e distinta (CAMPOS, 1996, Anexos, s/p). Francisco Biojone, por outro lado, declara que
não havia, no grupo, a intenção de “romper”. “Rompimento?”, pergunta-se. “Intenção de
romper, com relação ao Vanguarda, só se foi inconsciente. A minha intenção era preparar
caminhos para a minha profissão artística. Eu nunca me preocupei em criar polêmica em
torno da minha pintura” (CAMPOS, 1996, Anexos, s/p). Portanto, é possível afirmar que a
unidade do Grupo Vanguarda era dada sobretudo por um desejo de distanciar-se da arte de
144 cunho acadêmico que predominava na cidade, desejo este que se expressava, muitas vezes,
por meio de uma tendência para a abstração.
PENSAR A ARTE DE VANGUARDA em Campinas
Talvez por isso seja possível apontar diversas semelhanças entre a formação e produção
do Grupo Santa Helena e a do grupo campineiro.4 Ambos os grupos, Santa Helena e
Vanguarda, não possuíam um projeto único de produção artística nem tinham a pretensão
de fazer uma arte de cunho nacional. Os temas que atraíam a atenção da maioria de seus
membros, em especial durante o início dos anos 1950, também se assemelhavam, tratando
do limiar entre o campo e a cidade, de um processo de modernização não inteiramente
consumado. Mário Bueno e Thomas Perina compraziam-se em representar paisagens dos
subúrbios de Campinas, casarios em meio a elementos naturais, trens que percorrem a malha
ferroviária. Exímios pintores, amantes do ofício, exploravam questões formais, plásticas,
sem abdicar por completo das referências figurativas. Por mais que seus trabalhos do final
dos anos 1950 flertem com a abstração, eles jamais se interessaram por uma abstração de
cunho racional, mantendo certa espontaneidade e lirismo em suas composições, servindo-se
recorrentemente de tons rebaixados sutilmente contrastados. O gesto autoral é importante,
o pincel, usado com elegância, expressa a sensibilidade de seu autor. Se pensarmos nas
premissas que regiam o trabalho do grupo concretista de São Paulo, percebemos que Bueno
e Perina jamais as aplicaram em sua obra.
4
Ver, a esse respeito, a pesquisa de Juliana de Sá Almeida Duarte, “Paisagens de Mário Bueno nas décadas
de 60 e 70: uma análise crítica”.
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Tais diferenças não impediram, porém, que Waldemar Cordeiro, líder do grupo
concretista, se interessasse fortemente pelo trabalho de Perina. Segundo relata Décio
Pignatari em entrevista concedida a Campos,
o Cordeiro ficou muito impressionado com a qualidade da pintura do Thomaz Perina.
(...) Achava que [sua] pintura tinha uma incrível intuição compositiva, e achava que o
Perina teria sido o grande mestre, o que teria feito o Grupo de Campinas. (...) Pois o
Waldemar Cordeiro chegou a dar o primeiro prêmio, que era o prêmio Governador
do Estado, para o Thomaz Perina, que era o prêmio mais importante de arte naquele
período. (CAMPOS, 1996, Anexos, s/p).
De todo modo, para além das diferenças entre obras e ideias, é possível afirmar
que houve um produtivo entrosamento com os concretistas de São Paulo, os quais
manifestaram recorrente apoio aos artistas de Campinas por meio da promoção e
apresentação do grupo Vanguarda no circuito cultural paulistano, em exposições
coletivas e individuais, como também de textos publicados em exposições realizadas em
5
Ver, a esse respeito, a pesquisa de Lívia Diniz, “A relação entre o grupo concreto paulista e os integrantes
do grupo Vanguarda de Campinas”.
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talvez como modo de compensar parcialmente a população de Campinas pela perda desse
importante espaço para manifestações artísticas e culturais, a prefeitura cria o Museu de
Arte Contemporânea de Campinas – José Pancetti (MACC) junto à sede da Secretaria
Municipal de Cultura6.
Na falta de um circuito de arte instituído, a Galeria Aremar, fundada por Raul Porto
na sede de sua agência de viagens, Aremar Viagens e Turismo, localizada na Rua General
Osório, 1223, funcionava como ponto de encontro dos artistas integrantes do grupo
Vanguarda, local de palestras e debates com artistas convidados e centro difusor da arte
abstrata na cidade.7 Como relata José Armando Pereira da Silva:
Em 8 de setembro de 1959 o Grupo Vanguarda se reuniu para a abertura da Galeria
Aremar, em Campinas. A engenhosidade de Raul Porto [...] combinaria o espaço de
atendimento com uma pequena galeria, pela qual iriam passar todos os integrantes do
grupo alternadamente com os artistas de São Paulo. (SILVA, 2005, p. 35)
Cadernos de Estudos Culturais
Em reportagem do jornal Última Hora de 14 de março de 1961, Raul Porto fala sobre
a campanha promovida pela Aremar para divulgar novos talentos da pintura e do desenho.
Segundo ele, uma série de exposições de grande nível seria promovida. Entre os artistas
expositores estariam Arnaldo Pedroso D’Horta, a gravadora Dorothy Bastos, Waldemar
Cordeiro e Tikashi Fukushima. Se muitas das mostras pretendidas não se concretizaram,
o estreitamento das relações entre o grupo de São Paulo e o de Campinas fez com que
146 Porto conseguisse que os concretistas expusessem na Aremar, intercaladamente com o
grupo campineiro. Waldemar Cordeiro, Maurício Nogueira Lima, Lothar Charoux, Luiz
PENSAR A ARTE DE VANGUARDA em Campinas
Sacilotto e Willys de Castro foram alguns dos artistas que por ali passaram. Um momento
importante da história da Aremar foi a mostra do artista Willys de Castro, de 12 a 26 de
novembro de 1960. No catálogo desta exposição, Castro publica o texto O objeto ativo,
de grande importância para o período e para o entendimento das propostas do artista, e
que será republicado, no ano seguinte, na revista Habitat. Nele, Willys de Castro ressalta a
importância da nova arte, da nova obra de arte, defendendo que “tal obra, realizada com
o espaço e seu acontecimento (…) deflagra uma torrente de fenômenos perceptivos e
significantes, cheios de novas revelações, até então inéditas nesse mesmo espaço”.
Ressalte-se também que o trabalho de Raul Porto destacava-se em meio aos dos
colegas por sua clara aderência aos ideais concretistas; várias de suas obras remetem
diretamente às obras de autoria de Geraldo de Barros ou de Luiz Sacilotto, por exemplo.
Seus desenhos e telas são marcadamente geométricos e simplificados, sem espaço para a
6
O MACC é inaugurado com a realização do I Salão de Arte Contemporânea de Campinas, que tinha como
objetivo maior auxiliar na criação de um acervo para o museu. Somente alguns anos mais tarde, em 1976, o
MACC recebeu um prédio que seria sua sede definitiva, onde se encontra atualmente, na Avenida Benjamin
Constant, 1633, no centro da cidade e ao lado da Prefeitura Municipal.
7
Ver, a esse respeito, a pesquisa de Marjoly Morais Lino, “Raul Porto e a galeria Aremar: Uma análise do
cenário artístico campineiro dos anos 1950-70”.
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gestualidade, diferindo radicalmente, portanto, das obras de Perina e Bueno. Geralmente
construídos a partir da oposição entre preto e branco, entre figura e fundo, negativo
e positivo, enfatizam a noção de serialidade, de continuidade entre as formas, o que
imprime ritmo e modulação às suas composições. Raul Porto tinha interesse especial pela
área da diagramação, design e ilustração. Seu desejo de atuar nessa área levou-o, em 1960,
a assumir a responsabilidade, juntamente Alberto Amendola Heinzl, Thomaz Perina
e José Armando Pereira da Silva, da página de literatura e arte de vanguarda Minarete-
Experiência, encarte que constou do jornal Correio Popular de Campinas entre 1960 a
1962 e que teve oito edições. Essa página foi um dos principais veículos utilizados pelo
grupo Vanguarda para dar voz às suas ideias e divulgar o trabalho de seus integrantes,
“cumprindo timidamente a função de estampar um pensamento local sobre a vanguarda”.
(SILVA, 2005, p. 42)
Dentro desse contexto de trocas, cabe destacar que vários artistas campineiros
8
Ver, a esse respeito, a pesquisa de Nara Vieira Duarte, “Bernardo Caro nas décadas de 60 e 70 e a Vanguarda
Artística Campineira”.
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por suas grandes proporções (2,80m X 3,50) e por seu material: madeira, gesso, papelão
e pele natural de carneiro. Segundo o crítico Olney Kruse, a obra de Bernardo Caro
representava um “animal político” e não remetia a um brinquedo que diverte, mas “um
brinquedo que propõe uma série de perguntas, de resto sem respostas”. Esta mesma obra
serviu de inspiração para Walmir Ayala compor o poema chamado O Cavalo.
Para concluir, ressalto que fomos surpreendidos pelo caráter ousado e inovador dos
Salões de Arte Contemporânea de Campinas (SACCs) realizados entre 1967 e 1977, com
uma retomada nos anos 1980, quando foram organizadas duas mostras. Inicialmente
concebidos nos mesmos moldes de um salão tradicional, os SACCs foram, ao longo
de suas realizações, modificando seu caráter e sua estrutura e chegaram a destacar-se
em âmbito nacional, principalmente nos anos de 1974 e 75.9 Segundo relato do crítico
e historiador da arte José Roberto Teixeira Leite – membro dos júris de 1969 e de 1970
–, os SACCs chegaram a ser considerados “laboratórios” para as Bienais de São Paulo
Cadernos de Estudos Culturais
Referências Bibliográficas
9
Ver, a este respeito, as pesquisas de Renata Cristina de Oliveira Maia Zago, “Os salões de arte contemporânea
de Campinas” e de Carolina Tiemi Odashima, “Os Salões de Arte Contemporânea de Campinas na década
de 1980”.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 139 – 150, jul./dez. 2012.
CORDEIRO, Waldemar. Artistas de Campinas. São Paulo: Galeria das Folhas, 1959, sem
paginação. (Catálogo da exposição).
DIONÍSIO, Emerson. “Uma inquietação: representações da identidade do Grupo
Vanguarda”. In: X Encontro Nacional de História Oral, Recife, abril 2010.
DOS ANJOS, Moacir. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005.
FABRIS, Annateresa. “Modernismo: nacionalismo e engajamento”. In: AGUILAR,
Nelson (org.). Bienal Brasil século XX. São Paulo: Fundação Bienal, 1994, p. 72-83.
_____. “Figuras do moderno (possível)”. In: Brasil, 1920-1950. Da Antropofagia à Brasília.
São Paulo: MAB-FAAP e CosacNaify, 2003, pp. 41-51.
FONSECA, Days Peixoto. Grupo Vanguarda – 1958-1966. Registro histórico através de resenha
jornalística e catálogos, Campinas, 1981.
_____; SILVA, José Armando Pereira da. Thomaz Perina – Pintura e Poética. Campinas:
[s.n.], 2005.
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A IMAGEM ENCARNADA
Processos poéticos em
Artes Visuais
Introdução
As imagens encarnadas, mais que uma metáfora retórica, têm múltiplos significados,
151
1
Mauricius Martins Farina é professor do IAR-Unicamp.
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Na atualidade existem diversos trabalhos sobre as teorias da imagem na cultura e sobre
as artes visuais, em particular. Os arquivos e acervos museológicos estão repletos de imagens
instituídas pela experiência da arte, constituindo um campo de conhecimento com suas
especificidades e amplitudes. Note-se que esse campo especializado não é necessariamente
fechado em disciplinas ou ciências, ao contrário, recorre à diversidade disciplinar para
estabelecer seu topus de possibilidades que é aberto, interdisciplinar.
A generalidade do conceito de imagem é uma amplitude que se soma a outras no
campo dos Estudos Visuais2, compondo-se numa temática que inspira uma coleção cujo
número de trabalhos escritos não é possível mensurar, tal é o apreço que esta questão tem
despertado. No entanto, essa generalidade encontra um domínio ao estabelecer-se no lugar
da arte quando é preciso considerar, para dimensionar um problema epistemológico, que o
objeto dessa pesquisa se situa num entrecruzamento de estudos que partem, necessariamente,
das relações entre a experiência dos artistas e a ação do imaginário naquilo que se produz.
Cadernos de Estudos Culturais
Ao trazer para perto o conceito de imagem encarnada, tenho como objetivo apartá-las
de uma generalidade, de uma cultura visual cuja amplitude abraça o mundo contemporâneo
em seus processos de comunicação. Ao contrário, proponho um possível reconhecimento
de processos poéticos através de relacionamentos no campo estendido das formas e dos
contextos da história das imagens, para as considerar como desvio do tempo e das formas,
como uma necessidade criativa ponderada pelo indecidível3. Essa é a natureza de um projeto
152 maior que, no horizonte das artes visuais, a partir de algumas imagens escolhidas, no campo
A IMAGEM ENCARNADA. Processos poéticos em Artes Visuais
A memória coletiva
Para Jacques Rancière tratando da questão estética e de como ocorre sua constituição
no sensível4, a “partilha do sensível é o que dá forma à comunidade” sendo, “o modo como
2
Esses estudos têm se desenvolvido fortemente nos Estados Unidos (Cultural Studies) e também na Espanha,
através de Jose Luis Brea, editor e fundador da revista de Estudios Visuales que, em conjunto com outros
importantes pesquisadores como Anna Maria Guasch têm atualizado essa discussão no ambiente europeu.
3
Aquilo que não se deixa compreender na lógica binária não sendo uma terceira coisa. (SANTIAGO, apud
DERRIDA, 1976).
4
Em As políticas da escrita (Ed. 34, 1995).
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se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes
exclusivas”. Uma das formas dessa partilha ocorre nas memórias coletivas, onde um senso
de formação das realidades ajuda a instituir o social manifestando-se a partir de sua cultura
imaterial, no âmbito do imaginário.5
Memórias guardam experiências que também podem ser derivadas de ecos longínquos.
Esta memórias quase perdidas são construídas por eventos cuja distância no tempo, dificulta
reconhecer a origem de sua referência, por isso a potência da arte do passado, em seus
simbolismos, como matéria encarnada no sentido de uma prospecção das mentalidades ali
envolvidas.
Ao verificar como processos da alteridade e da memória se entranham no tecido
sociocultural influenciando os indivíduos em suas demandas, a ideia do artista em sua
intimidade autossuficiente demonstra sua falência, quando esses processos não se dão por
autoctonia, mas, por “partilhas de sensibilidade”. Dessa maneira, fica evidenciado o vazio
5
“O imaginário permanece uma dimensão ambiental, uma matriz, uma atmosfera, aquilo que Walter
Benjamin chama de aura. O imaginário é uma força social de ordem espiritual, uma construção mental, que
se mantém ambígua, perceptível, mas não quantificável.” (MAFFESOLI, 2001).
6
“O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato
de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. Enquanto
o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto,
desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente
coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua
existência apenas à hereditariedade.” (JUNG, 2000).
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Nesse sentido, ao articular a história da materialidade artística com uma psicologia
da cultura, considera-se também a história das mentalidades7 configurando sentidos que
atuam num tempo-espaço construído pelo social; o que vai além dos museus e de outros
dispositivos físicos, apesar de incluí-los. O inconsciente coletivo da cultura, é o lugar onde
memórias atuam para gerar sentidos – embora não lhe reconheçamos necessariamente
uma origem – e seus arquivos podem ser acessados diretamente do imaginário num
sentido próprio de antologia, um lugar de invenções, de intuições, de fragmentos de
memórias não vivenciadas necessariamente pelo coletivo.
A arte como já se disse, não é apenas a manifestação da expressão da subjetividade
de um indivíduo destacado, mas, a manifestação desse indivíduo numa forma que lhe
permite encarnar uma diversidade de processos, em suas interlocuções com a memória e
com a cultura que o circunscreve nos processos de sobrevivência da arte como duração8.
Desse modo, ao verificar como certas imagens podem expressar uma extensão fora de
Cadernos de Estudos Culturais
7
Modalidade da historiografia que privilegia o modo de ser e de pensar dos indivíduos. A partir dos anos 60
está muito relacionada com a Escola dos Annales. Para Fernand Braudel, as mentalidades constituiriam um
padrão de pensamento ou de sensibilidade que mudariam muito lentamente, vindo a formar uma estrutura
de longa duração.
8
Sobre isso ver DIDI-HUBERMAN, G. La imagen superviente. Historia del arte y tempo de los fantasmas
según Aby Warburg. Madrid: Abada, 2009.
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Derrida não “pode ser apreendido pelas oposições binárias remédio/veneno, bem/
mal, dentro/fora, palavra/escritura, constituindo-se na cadeia aberta da différance”9, por
isso, ao propor um relacionamento com processos de encarnação de imagens artísticas
em diferentes espaços e diferentes temporalidades procura-se apenas reconhecer uma
importância concreta que se manifesta na abertura do tempo que se carrega, como na
ideia da exposição curada por Georges Didi-Huberman no Centro Reina Sofia no ano de
2011 em Madri, cujo significante título era: “¿Como llevar el mundo a cuestas?”.
QUESTÕES de método
No contexto dos Estudos Visuais como já apontamos, vislumbramos uma
perspectiva metodológica para o trabalho com imagens que se desviam das normas e
dos estilos, das funções consuetudinárias, considerando uma perspectiva transdisciplinar,
e ampliando os limites epistemológicos. Colaboram para esse campo as teorias do signo,
9
SANTIAGO, Silviano (Org.) Glossário de Derrida, 1976, p. 65.
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parte de nosso repertório, aquilo que á a obra passa a nos pertencer. As ações artísticas
ocorrem como resultado de ambientes que são transformados pela multiplicidade, pela
simultaneidade de proposições individuais e coletivas que atuam como possibilidade
de fabular a realidade, externa ou internamente às suas próprias condições, redes de
complexidades que não se explicam pelo sentido da presença da arte no mundo ou pelo
simples paradigma da eterna novidade. Partindo da experiência que construiu a obra temos
como resultado um processo dialógico em relação ao próprio artista, sua imaginação e
sua correspondência com o imaginário que nos pertence, em tempo e espaço diverso.
A Escola dos Annales10, ao considerar em específico vários aspectos da vida
privada e da cultura, tratou também de uma história das mentalidades em seus vários
desdobramentos, propondo ainda uma história da cultura e do imaginário já que estava
em questão a reconstrução do tempo histórico. No âmbito da história essa novidade
epistêmica foi transformadora.
Cadernos de Estudos Culturais
história em que os tempos não se baseavam mais sobre estados biomórficos senão que se
expressavam por estratos, blocos híbridos, rizomas, complexidades específicas, retornos
frequentemente inesperados e objetivos sempre interrompidos. (Didi-Huberman,
2009, 24-25)
Já não olhamos o passado com os mesmo olhos que os modernistas ou mesmo que
os pós-modernistas. Estamos mais vazios de revolução, e talvez esse que seja o nosso
maior problema numa relação com a distopia contemporânea, pode ser, entretanto, a
nossa própria condição de estabelecimentos de poéticas e reconhecimento dos arquivos
da memória. Epistemologicamente podemos ousar recompor o passado, e mesmo, através
10
A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico que se constitui em torno do periódico acadêmico
francês Annales d’histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais
à História e por promover uma renovação teórico-metodológica da história considerando a necessidade de
uma reconstrução do tempo histórico, a base do seu método era a representação do tempo histórico.
11
Aby Warburg (1886-1929) foi o primeiro a fazer da “sobrevivência do antigo” (Nachleben der Antike) o
motivo central de sua aproximação antropológica da arte ocidental: estudada segundo sua lógica, suas fontes
e em suas ressonâncias filosóficas que vão desde a sua historicidade até o conceito freudiano de inconsciente,
passando pelo conceito de sobreviventes de Edward B. Taylor, o eterno retorno de Nietzsche, a memória
biológica de Darwin, a morfologia segundo Goethe, a empatia segundo Vischer, a fenomenologia segundo
Binswanger. Partindo de um relacionamento heurístico e não dogmático, Warburg introduz um conceito
novo de imagem, tratando de sua capacidade de retornar, de sua capacidade de se revelar como uma cena
intensa de tempos heterogêneos que se corporificam conjuntamente. (DIDI-HUBERMAN, 2009).
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 151 – 162, jul./dez. 2012.
das experiências da física, considerar um dia a possibilidade de viajar no tempo sem ter
que pilhar e destruir para acervar museus. Essas influências me parecem fundamentais
para pensar uma relação com o processo meta-histórico do século XXI.
Na arte que é o lugar do exprimível12, historicamente é possível notar que, embora
até o século XIX a representação fique submetida à preponderância do designado,
a distinção entre significante e significado não permite hierarquias, já que o como,
a natureza material que se apresenta, é sempre o que distingui uma obra de arte de
uma peça de comunicação, ainda que seu assunto não tenha uma natureza moralmente
defensável.
Como em A morte de Marat13 de Jacques Louis-David pintada em 1793, uma pintura
famosa por sua apologia ao falso herói. Ela mostra o jornalista Paul Marat, morto por
Charlotte Corday, uma jovem revolucionária girondina. Marat foi representado como
vítima de uma traição o que, no entanto, não corresponde à realidade dos fatos. Marat
157
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 151 – 162, jul./dez. 2012.
Apesar desse problema em relação ao contexto de sua enunciação, essa
pintura está entre as mais importantes da história da arte e da cultura francesa por
consequência, e isso se deve a sua fatura, à complexidade de sua expressão como forma
pictórica que se distingue de tudo o que tinha sido feito até então. Apesar de engajada
nos interesses políticos mesquinhos e equivocados que a fizeram útil à propaganda
política no momento de sua ocorrência, ela é absolutamente distinta das imagens que
eram produzidas naquela altura seguindo um estilema Rococó. O que explica uma
fundamental diferença entre a arte e certas imagens engajadas que se apresentam como
arte e outras que mesmo com a confusão e o caráter discutível do artista conseguem se
instituir como uma transformação vincada na imanência poética que apresenta.
Imagens quaisquer e imagens encarnadas são coisas distintas, já que há imagens
que, mesmo utilizando um dispositivo estético, como no caso das pinturas do Realismo
Soviético, têm pouca originalidade na forma e submetem-se a um conteúdo o que lhes
Cadernos de Estudos Culturais
provoca um vazio existencial, uma imagem que ocupa um corpo que não lhe pertence.
A ausência do traço de pertencimento de identidade e alteridade implica em não haver
o necessário desvio criativo – característico da arte – e a ação do tempo em suas
dialéticas nesses casos, surge apenas como uma “pífia ilustração” através de uma forma
pronta de um estilo, e nunca de um estilema: uma marca distintiva. Imagens podem
também ser uma simulação, atuam na sombra de arte e da presença do artista.
158 A materialidade da obra de arte – que aqui convoco como um corpo – a distingue
A IMAGEM ENCARNADA. Processos poéticos em Artes Visuais
das outras produções da cultura visual, entretanto, essa diferença é distinta de uma
evocação de superioridade, trata-se apenas de uma demarcação necessária, ainda que
perfeitamente falível. O corpo da arte é sempre mais importante que o assunto, ou que
um simples argumento, ainda que não se possa separar dele, ou faça dele sua questão.
As tendências de desmaterialização da arte no século XX me servem para dizer que essa
noção de corpo não é apenas física, é também conceitual. A arte se manifesta através
de processos amalgamados entre o que é visível – corporificado – e o que não é – o
exprimível – ainda que seja impossível separar um de outro, essa é uma condição que
faz da arte uma potência de muitas memórias, que atuam como um elo para reconhecer
e para recompor um quadro, cujas mentalidades implicadas nessa razão manifestam sua
presença pelos processos do imaginário, que é o lugar em que se instituem as ideologias
e seus modos de representação.
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O paradoxo dessa experiência das
imagens encarnadas é deixar marcas
numa composição de espaços e no abrigo
do tempo, podendo variar e se renovar
constantemente nessas regiões de terras
e culturas variadas onde a amplitude vai
se apagando do específico e o singular,
que habita uma consciência de corpo,
permanece como um conhecimento a ser
percebido. Diante dessa dificuldade, de
apresentar a si e à natureza dos corpos, a
singularidade refletida de pertencer deve
servir como justificativa para prosseguir,
ainda que os objetivos tenham um dado
Marcos López, Vaca e caveira. Normandia/França, 2010, Lambda print 105 x 160 cm
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imagens em suas próprias distinções, esbarram naquilo que sempre terá uma utilidade
financiável, ao buscar compreender, entretanto, a natureza de uma investigação que toca
o sensível, ao considerar imagens encarnadas, requer uma abertura para o imponderável
da presença, o que nos coloca ao relento de nossas próprias configurações anteriores,
ao desabrigo das palavras, tentando apelar para o que se insinua como manifestação
sensível e relacional. Tratar de pesquisar a arte é também se por em campo numa natureza
complexa, tratando de acalmar uma instabilidade para reconhecer um horizonte, ainda
que possível, quando o estável o será apenas por alguns aspectos.
Existe ainda uma possibilidade de tentar compreender certas relações de expressão,
considerando sua contingência pluralista, tratando da noção de expressão como algo fora
do singular, mas, também, como não considerar a ideia da arte em favor da sensibilidade
singular sem ser romântico querendo a afirmação do sujeito? Considero ir ao encontro
de uma noção de experiência cujos conceitos, ao serem expressos numa corporeidade
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A contextualização da experiência artística, no entanto, depende de um processo
metodológico que pode ir além do convencional ao se abrir para as tantas particularidades
de um relacionamento que impõe um diálogo que articula não apenas a sintaxe, mas,
todo o conjunto de relacionamentos que envolvem a fabricação de sentidos. Sem maior
importância, ainda que a definitiva afirmação lhe procure, a fatura do exprimível vai
absorver essa narrativa densa em favor do esquecimento que lhe impinge a doença do
ciclo orgânico, sua tarefa, patafísica14 de quem lida com as imagens da arte.
Referências Bibliográficas
BURKE, Peter. A Escola dos Annales: a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo:
UNESP, 1997.
14
Para Alfred Jarry a Patafísica é a arte como “ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as
exceções”.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 151 – 162, jul./dez. 2012.
A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA
e a expansão da fronteira
riobranquense
1
Reginâmio Bonifácio de Lima atua na Divisão de Ensino da PMAC e no Centro Integrado de Estudos e
Pesquisa em Segurança Pública Dr. Francisco Mangabeira – CIEPS/AC.
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O Termo aqui é utilizado no sentido de rural-urbano; de colônias, seringais, colocações, chácaras à parte,
composta de cidade e suas ampliações.
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OLIVEIRA, Marilda Maia. 1983, p. 86.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 163 – 178, jul./dez. 2012.
Ao falar de ocupação é preciso ter em vista que “a compreensão do movimento
de formação e transformação da cidade, em sincronia com as etapas e contradições
da economia mercantil da borracha, torna-se então uma das chaves para desvendar os
problemas e conflitos surgidos agora com a aceleração do crescimento urbano”4. Nesse
aspecto, identifica-se nesse mesmo território, uma pluralidade de identidades coletivas,
envolvendo diversidades em relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que
aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si.
As gentes que se deslocaram para Rio Branco, provenientes da zona rural, tiveram
na cidade o mesmo descaso com o qual foram tratados anteriormente. Ao ocuparem
terras que não lhes pertenciam, as pessoas corriam o risco de serem expulsas. O que se
pode ver também, diante do contexto histórico, são as condições de vida, o excesso de
mão-de-obra “desprovida de qualificação” para a inserção no mercado de trabalho, e as
incertezas pairantes rodeadas de miséria e desagregação social.
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uma vez que se inserem no contexto das migrações internas, decorrentes da política
nacional da Marcha para Oeste, intensificada durante o período da Ditadura Militar.
Nas problemáticas levantadas busca-se investigar a forma como se deram as
relações entre as gentes que ocuparam as terras dando início à expansão da fronteira
riobranquense, almejando explicitar o processo de ocupação, bem como as modificações
antrópicas efetuadas no ambiente receptor da migração. Dessa forma, no presente
trabalho tem-se como objetivo analisar o processo de ocupação das terras amazônicas
em que se localiza a cidade de Rio Branco. Trata-se especificamente, de compreender o
movimento de formação e transformação da cidade, abordar a luta pela sobrevivência
das gentes migrantes expropriadas da periferia riobranquense, enquanto parte de um
processo macroeconômico e social; analisar as modificações antrópicas efetuadas nas
terras do ambiente receptor das migrações rural e urbana.
A pesquisa foi realizada dentro de uma perspectiva historiográfica, tendo como
apoio metodológico as formulações e a discussão social da propagação da experiência
humana, como elemento fundante para construção de um modo de vida comunitário,
embasado no pensamento estrutural de Paul Thompson. A vivência dos ex-seringueiros,
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OLIVEIRA, Luiz Antônio Pinto de. 1982, p. 32.
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ex-posseiros rurais e o quadro geral de seus movimentos históricos constituem o
foco de interesse do estudo, como matéria de investigação pertinente à compreensão
específica das características assumidas; a acentuação urbana, devido à intensificação do
êxodo rural, a luta pela terra e a ocupação dos espaços tornados urbanos. Assim sendo,
não se propôs a estudar a formação de Rio Branco a partir de um viés economicista,
vinculado unicamente à expansão da frente capitalista na Amazônia, mas a caracterizar
as complexidades que o processo de urbanização da Capital acreana apresenta no curso
da sua história recente.
Em um primeiro momento foram trabalhadas as bibliografias acerca da formação
da cidade, buscando fazer o enquadramento historiográfico do objeto de pesquisa e dos
sujeitos nele atuantes. Segundamente, os referenciais teóricos, conceitos e conjunturas
sociais, foram estudados na pesquisa, com a devida contextualização da urbanização e
do processo expansivo. Para tanto, foram consultados autores como Leandro Tocantins,
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à homogeneização social, antes, a difusão das novas técnicas deu-se em certas áreas,
inicialmente quase que exclusivamente pela aquisição de novos produtos via importação
(Furtado, 1992). Esse chamado processo produtivo causou uma modernização no Brasil,
mas não conduziu à redistribuição dos bens, não houve a elevação do nível de vida da
população.
Nesse contexto de subdesenvolvimento surgiu a industrialização tardia brasileira,
que agiu com grande rapidez para reestruturar o sistema produtivo, ainda embasado no
sistema substitutivo. A Amazônia trocava “pelas” de borracha por dinheiro, o que não
enriqueceu os seringueiros, mas formou grandes fortunas Brasil a fora. A modernização
tardia implementada pela “industrialização substitutiva” levou o Estado a sustentar a sua
modernidade com recursos provenientes dos meios ditos atrasados.
As políticas traçadas de expropriação e formação de mercados de reserva se deram
tardiamente na Amazônia em relação ao restante do país. Contudo, os efeitos foram
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vistos alardeadores das disparidades exercidas pela “ditadura do grande capital” e pelas
práticas governamentais voltadas aos interesses de uns poucos. As migrações da zona
rural para a urbana e dos pequenos centros para as cidades fizeram ocorrer uma grande
explosão demográfica nas cidades, aumentando as periferias, levando esses trabalhadores
expropriados a viverem à margem das cidades. Tudo isso, em grande parte, fruto das
políticas públicas e atividades capitalistas implementadas no campo.
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A política econômica adotada a partir de 1964 favoreceu os Estados da Amazônia
A OCUPAÇÃO AMAZÔNICA e a expansão da fronteira riobranquense
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Uma temática a ser abordada concernente a esse período específico da Ditadura
Militar e seus projetos para a Amazônia é o caráter transnacional da compreensão
amazônica enquanto necessária aos interesses dos países de economia desenvolvida.
Isso se dava não apenas com o intuito de uma economia predatória, mas também, pelas
riquezas da biodiversidade, descobertas científicas, a água potável para um mundo que já
sente a escassez deste produto, e, as alterações climáticas que a destruição da Amazônia
poderia causar nesses países. Por isso, o enfoque que deve ser dado, além da visão militar,
precisa incorporar temas emergentes e complexos que superem a crise ecológica e
ampliem o pensar reformulante que está ocorrendo dentro de uma atuação entre Estado,
as forças do mercado e a sociedade civil, numa questão de segurança internacional.
Os movimentos políticos e econômicos que começaram a surgir no final da década
de 1960 davam margem a grupos e ONGs que buscavam “proteger” a natureza para tornar
em “meio ambiente” a localidade implementando o “desenvolvimento sustentável”, a
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Abertura e definição da fronteira acreana
As terras do Acre por vários séculos foram tidas como desconhecidas ou “terras
não descobertas” e assim permaneceram até meados do século XIX. O Tratado de Madri,
realizado em 13 de janeiro de 1750, regularizou os limites entre as terras portuguesas e
espanholas, mas não delimitou a área especificamente referente ao Acre; outros tratados
foram produzidos e, da mesma forma, não estabeleceram, no terreno, a linha fronteiriça
que abrange do Rio Madeira ao Javari.
A borracha amazônica5 era bem conhecida e utilizada pelos índios, eles faziam
artefatos de borracha e brinquedos para os curumins, além de utilizá-la como
impermeabilizante. Várias espécies de árvores que fornecem o látex eram há muito
utilizadas: como o caucho (castiloa ulei), a balata (chrysophyllum balata), a sorva (couma utilis),
a mangaba (harnicornia speciosa) e a seringa (hevea basiliensis).
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Desde o descobrimento da América se conhecia a borracha. O próprio Cristóvão Colombo presenciou,
em sua segunda viagem à América, o “jogo da bola”, no Haiti. Muitos viajantes anunciaram essa “maravilha
da América”, contudo, foi o pesquisador geógrafo e astrônomo francês Charles Marie de La Condamine,
estudando as selvas do Equador, que comunicou à Academia de Ciências de Paris em 1736, notícia sobre a
aplicabilidade da borracha.
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Nessas áreas foram descobertas várias tribos indígenas, grande quantidade de árvores
para a coleta do látex, além de ricas fauna e flora.
Abre-se uma Frente pioneira no Rio Acre e pouco depois no Purus, impulsionadas
pelos interesses internacionais em adquirir a riqueza proveniente da floresta. Antes,
o comércio das drogas do sertão havia impulsionado o adentrar a floresta, agora a
borracha fazia subir às cabeceiras dos rios. A introdução de barcos a vapor em 1853,
bem como a aberturara do Rio Amazonas à navegação internacional, fizeram com que a
comercialização da borracha aumentasse em muito, a ponto de, ainda no século XVIII,
superar a de cacau no porto do Pará.
A relação entre os seringais e a cidade de Manaus era de compra da produção por
parte desta, enquanto subsidiava aqueles. O drama internacional começou a se esboçar por
os brasileiros transporem a fronteira entre seu país e a Bolívia, iniciando um rudimentar
processo de “civilização”. Os limites ainda não haviam sido fixados, nem os marcos
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Luiz Galvez, Plácido de Castro e tantos outros “heróis” acreanos entre lutas,
batalhas, tratados e diplomacia imputaram ao Acre status de pertencer ao Brasil. A
fronteira foi definida oficialmente no dia 17 de novembro de 1903, com o Tratado de
Petrópolis, anexando as terras do Acre ao Brasil6.
Definida a questão do Acre, é necessário que se dê continuidade ao estudo da
abertura da fronteira: as necessidades de excedente demográfico foram, em grande
medida, supridas pela corrente migratória para a Amazônia ocorrida a partir da grande
seca do Nordeste. De acordo com Lima (1982) a intensificação da migração nordestina
para o Acre inicialmente se deu no período de 1877 a 1900. Nesses treze anos, cerca de
cento e sessenta mil imigrantes se estabeleceram nos seringais situados na bacia dos rios
Madeira, Acre, Purus, Chandless e Juruá, sendo possível traçar a concomitância da seca
com o início do período mencionado, e o auge da produção gumífera com os últimos
anos do século XIX.
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em conflito.
É válido ressaltar que embora a relação vigente fosse de exploração e que os
seringueiros tenham sido expropriados, gradativamente se endividando e enriquecendo
os donos dos seringais, era latente que muitos seringueiros viam seus “patrões” como
alguém que cuidava deles, não como pesarosos ludibriantes. A relação tida na expansão
da fronteira, ainda que com momentos de confusão implementou marchas e contra
marchas, por conseguintes êxitos e fracassos, não necessariamente ligados às forças de
relações locais, mas prementes no âmbito do mercado de produção e na valorização – ou
falta dela – no produto gumífero explorado.
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O Tratado referente às relações de amizade assinado pelos representantes do Brasil, Barão do Rio Branco
e Assis Brasil, e, pela Bolívia, Fernando Guachala e Claudio Pinilla, estabeleceu: a) os limites estabelecidos
entre os dois países; b) a criação de um tribunal arbitral para resolver as reclamações provenientes de atos
administrativos e fatos ocorridos nos territórios permutados; c) uma indenização à Bolívia de dois milhões
de libras esterlinas; d) providências sobre a demarcação descrita anteriormente; e) um prazo de oito meses
para conclusão de um tratado de navegação e comércio; f) obrigação, por parte do Brasil, para construção de
uma estrada de ferro desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no rio Mamoré;
g) ventilação direta pelo Brasil dos limites com o Perú) Solução por um juiz arbitral de todas as dúvidas
que surgissem por ocasião da execução do tratado; j) concessão à Bolívia de 867,5 Km² de terras brasileiras
no Mato Grosso e Guaporé,além da liberdade de trânsito pela estrada Madeira-Mamoré e pelos rios até o
Oceano, com as correspondentes facilidades aduaneiras.
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O seringal sempre foi uma empresa desvinculada da terra, contendo em sua área
as árvores necessárias para a retirada do “leite”, colocações, “estradas de seringa” e
barracão. O seringalista monopolizava o acesso ao seringal, praticando o “aviamento”
dos produtos necessários aos seringueiros. Estes, por sua vez, trabalhavam até catorze
horas por dia, moravam em tapiris, tudo o que consumiam era-lhes imputado como
débito no barracão e comumente morriam de malária, febre amarela, ataques de índios
ou de animais selvagens.
As casas aviadoras situadas em Belém e Manaus abasteciam os seringais, recebendo
também os rolos de borracha produzidos nestes e vendendo-os ao exterior. Elas
financiavam quase cem por cento da produção, vendendo os víveres aos seringais por
preços superfaturados e recebendo as “pélas” que vendiam, ora com lucro, ora com
prejuízo, dependendo das estimativas e preços no mercado.
O sucesso de Henry Wickham ao embarcar setenta mil sementes da hevea brasiliensis,
pleno desenvolvimento.
Manoel Urbano, sob os auspícios da Província do Rio Negro, por ali passara...” (1981,
p. 96). Em 1882, aportou às margens do Rio Acre, nas proximidades da gameleira, o
cearense Newtel Newton Maia, dando início ao estabelecimento do seringal Empresa.
A partir desse seringal surgiu o que, em 1904, seria elevada à categoria de
Vila. Através do Decreto nº. 5.188, de 07 de abril de 1904, o Território acreano foi
dividido em três Departamentos: Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, tornando-se Rio
Branco sede do Departamento do Alto Acre. Em 1908, várias mudanças significativas
foram implementadas pelo então prefeito, Gabino Bezouro; como a transferência da
sede do Departamento do Alto Acre para a margem esquerda do Rio Acre (Bezerra,
2002), a instalação de policiamento, da justiça e da fiscalização tributária, estruturação
da Vila Penápolis, realização de construções públicas e criação da Secretaria Geral do
Departamento para fiscalização da limpeza pública (Costa, 2003). Rio Branco teve sua
constituição legal em 13 de junho de 1909, como sede da prefeitura do Departamento
do Alto Acre, na época era chamada de Penápolis. No ano de 1912 recebeu o nome que
possui até os dias atuais, em homenagem ao Barão do Rio Branco.
Em 1909, a cidade de Empresa recebeu o nome de Penápolis, em homenagem
ao presidente do Brasil Afonso Pena (...) em 1912 os lados direito e esquerdo
do antigo seringal Empresa foram chamados de cidade de Rio Branco, em
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homenagem ao Barão do Rio Branco, tornando-se capital do Acre em 1920
(Souza, 1999, p. 36).
7
Todas as ruas do “centro” do Primeiro Distrito foram planejadas, mas nem por isso têm seu traçado com
paralelas e perpendiculares, antes, muitas delas seguem o delinear do curso do Rio Acre.
8
Rio Branco está localizado no Nordeste do Estado do Acre, possui características geológicas e
geomorfológicas com singularidade predominantemente horizontal no relevo, com grandes áreas de
depósitos aluviais resultantes da erosibilidade das águas sobre as margens dos rios que o banham: Rio Acre,
Rio Iquiri, Rio São Francisco, Rio Antimari, Rio Xipamamu e Riozinho do Rôla, durante as enchentes cíclicas
anuais. A cidade de Rio Branco está localizada às margens do Rio Acre, sendo que o Rio São Francisco
também faz parte do ambiente urbano desta. O clima riobranquense é classificado como equatorial, com
uma estação chuvosa do mês de outubro a março, e uma de estio de abril a setembro. A temperatura média
anual é de 25,5° C e a umidade relativa tem valores médios que ficam em torno de 85% (INMET/UFAC).
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ruas paralelas Epaminondas Jácome e Benjamim Constant; e perpendiculares a aquelas,
Marechal Deodoro e Getúlio Vargas. Craveiro Costa (1998), ao estudar a formação
territorial do Acre, afirma que Rio Branco no início era formada por duas zonas distintas,
separadas pelo rio Acre: Empreza, à margem direita, onde se situavam os principais
hotéis, as diversões e os negócios de beneficiamento e transporte de produtos extrativos;
e Penápolis, à margem esquerda, onde se situavam as repartições públicas.
Com o passar dos anos, Penápolis teve melhor constituição de ruas, praças, infra-
estrutura em geral, não somente pela função de ser sede da administração pública, mas
também pelo fato de as pessoas mais abastadas financeiramente se mudarem para lá,
afastando-se da agitação de Empreza. Em 1920, Rio Branco havia suplantado as outras
cidades. Com a extinção e unificação dos três Departamentos existentes, através do
Decreto nº. 14.383, de 01 de outubro de 1920, Rio Branco foi elevada à categoria de
capital do Território Federal do Acre, nessa época tiveram as primeiras construções em
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várias foram as modificações ocasionadas pelas novas conjunturas político-econômicas
que eclodiram no Acre. Os problemas do êxodo rural, a deficiência na assistência sanitária
e social, a falta de crédito para o desenvolvimento das atividades extrativistas da borracha
e castanha foram fatores importantes que influíram na modificação do ambiente acreano
e seus sistemas de fomento, o que refletiu diretamente na Capital.
A luta pelo progresso levou o Brasil na década de 1960 a, teoricamente, caminhar
para a reforma agrária na Amazônia, onde pudesse haver um desenvolvimento das relações
e resolução das tensões suscitadas pela mudança das estruturas industriais brasileiras e
pelos equilíbrios sociais decorrentes do desenvolvimento – o que não ocorreu.
O crescimento de Rio Branco, capital do Estado do Acre, que já vinha alimentando-
se do deslocamento populacional desde a década de 1960, foi nutrido tanto pelas
populações expropriadas dos seringais como pelas populações que, em face às condições
difíceis vividas nos seringais, precisavam se deslocar de lá para sobreviver. Rio Branco
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As transições ocorridas na Amazônia, principalmente a partir dos anos 1960, foram
“pelo alto”, em que o governo agia procurando mecanismos explícitos de incentivos
empresariais, para atrair capital e empreendedores de diversos setores econômicos,
enquanto as gentes que migraram em direção a esse local, atraídas pela política de
colonização, tiveram poucos recursos e o apoio do Estado foi reduzido. A tentativa
de desenvolvimento econômico deixa claro que há uma continuidade na formulação
da política, sendo priorizada a dinâmica econômica. Altvater apud Heller (1999, p.138)
afirma que “como ocorre com o trabalho na indústria, a natureza também passa a ser
‘realmente subordinada’ ao capital, isto é, subjugada à lógica da acumulação, de uma
forma mais eficiente do que nunca na história da humanidade”. Há uma fluência do
monetarismo que não respeita fronteiras, antes a seu interesse constrói nacionalidades e
as destrói, desconsiderando as territorialidades postas.
Amazônia está inserida na lógica de dominação capitalista. Esta lógica rompe
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GELÉIAS E PERSEGUIÇÕES:
uma história de doces e amargas
lembranças – Resenha do livro
Retratos antigos (esboços a serem
ampliados) de Elisa Lispector
O livro póstumo de Elisa Lispector, organizado por Nádia Battella Gotlib e 179
1
Graduada em Filosofia Licenciatura e Bacharelado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em
Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPG-MEL) Campus Campo Grande.
Defendeu dissertação intitulada Clarice e o silêncio: a linguagem em A paixão segundo G.H., sob a orientação
do Prof. Edgar Cézar Nolasco. Membro do Núcleo de Estudos Culturais Comparados- NECC/UFMS.
2
Acadêmico do 4° ano do curso de Letras da Universidade de Mato Grosso do Sul, bolsista em Iniciação
Científica PIBIC/CNPq e membro do Núcleo de Estudos Culturais e Comparados (NECC – UFMS),
desenvolve o plano de trabalho: “Máscaras nas crônicas femininas de Clarice Lispector” sob a orientação do
Prof. Edgar Cézar Nolasco.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
atenta-se ao que está por vir. Esta frase revela como nasceu a ideia de escrever o texto:
mexer nos “retratos antigos” e manter viva a memória de uma família. Para a organizadora
“trata-se de uma apresentação dos antepassados da família Lispector por uma de suas
descendentes: Elisa”3.
Segundo as informações de Nádia Battella Gotlib, há indícios de que o texto teria
sido escrito a partir da década de 70, pois sua dedicatória é destinada a seus descendentes,
suas sobrinhas, filhos de Clarice Lispector e Tânia Kaufmann, Pedro, Paulo e Márcia.
E aos descendentes de “segunda geração”, Patrícia, Marco e Nicole (filhos de Márcia
e netos de sua irmã Tânia), nascidos durante a década de 60. Ao longo da narrativa é
confirmado o período de confecção do texto, pois, conforme conta Gotlib, a mesma
Nicole que aparece na dedicatória reaparece no livro como a “menininha” curiosa que faz
perguntas à sua tia-avó instigando-a a escrever. E como Nicole nasceu em meados dos
anos de 1960, o texto só pode ter sido escrito a partir do início de 1970.
Cadernos de Estudos Culturais
apenas as fotografias, após a publicação da narrativa eles podem revisitar sua família e
entrar em contato minimamente que seja com seus costumes e com a personalidade de
seus ancestrais.
A publicação encontra-se dividida em quatro partes. O livro foi impresso nos moldes
de um álbum antigo já para dar uma impressão para o que está por vir: a reprodução
das fotos do álbum de família dos Lispector. As fotos selecionadas para essa primeira
parte da publicação são as mesmas que figuram no antigo álbum de fotografias de Elisa
Lispector. Fotos tiradas na Ucrânia, que ainda pertencia à Rússia, e também no Brasil, nas
primeiras décadas do século XX.
Em seguida, temos o texto de Nádia Battella Gotlib, que prepara o espírito do leitor
para mergulhar nas lembranças da narradora. Na terceira parte da publicação está o texto
de Elisa Lispector. O texto é breve, e, como destaca a organizadora, tem caráter de texto
não acabado, pois a autora já na primeira lauda de seus datiloscritos escreve abaixo do
título a seguinte expressão: “esboços a serem ampliados”. A última parte que compõe
o livro é uma espécie de legenda das fotos reproduzidas em Retratos antigos, nome de
familiares, graus de parentescos, dedicatórias e recados, datas e cidades ajudam o leitor a
se situar nessa história que é de certa forma, coletiva.
3
GOTLIB. Memória encenada: retratos, recordações, reconfigurações, p.57.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
De acordo com Gotlib, o texto teria que esperar muito tempo para ser publicado, pois,
apesar de Elisa ser a primogênita de Pedro e Marieta, morreu 12 anos depois sua irmã caçula
Clarice Lispector, e, por não ter descendentes diretos, seu espólio passou para as mãos da
irmã Tânia Kaufmann. Apenas nos seus últimos anos de vida divulgou entre pesquisadores
alguns dos documentos nele reunidos, sem, contudo, abrir totalmente o “baú”.4 Quando
Tânia faleceu, o espólio de Elisa foi entregue à sua filha Márcia Algranti e à sua neta Nicole.
Hoje parte dele encontra-se depositado no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro.
A dificuldade que se impõe ao resenharmos o livro de Elisa Lispector é como pensar a
relação entre ficção, memória e autobiografia, pois o que lemos em Retratos antigos nada mais
é que a memória ficcionalizada da escritora. A essa altura, é impossível não nos lembrar
dos postulados da crítica biográfica e do conceito de memória do filósofo Jacques Derrida.
Eneida Maria de Souza, em “Notas sobre a crítica biográfica”, afirma que o autor
é aquele que ultrapassa os limites do texto e alcança o território biográfico, histórico e
Como lembrar-se de pães, doces e festas em meio a tanta crueldade? Como contar
com doçura a saga de uma família judia em migração? É que a memória nem sempre é um
retorno fidedigno ao passado, ela é filtrada por afetos, emoções, e no caso da escritora Elisa
Lispector, a memória é filtrada pela maturidade. Estudiosa derridiana, Maria José Coracini
tem passagem esclarecedora sobre o conceito de memória em Derrida que nos ajuda a
compreender o livro em questão:
4
GOTLIB. Memória encenada: retratos, recordações, reconfigurações, p.59.
5
SOUZA. Notas sobre a crítica biográfica, p.116.
6
SOUZA. Notas sobre a crítica biográfica, p. 119.
7
SOUZA. Notas sobre a crítica biográfica, p. 114.
8
SOUZA. Notas sobre a crítica biográfica, p. 119.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
É importante entender que para Derrida, nem a memória individual é inocente, neutra,
uma retomada da origem intacta, pura, do acontecimento em sua objetividade, ainda que
esse acontecimento tenha sido vivido, presenciado, testemunhado [...]. A memória será
sempre interpretação, invenção, ficção, que se constitui a posteriori do acontecimento,
em um momento que outros já se entrecruzam e fizeram história. Por essa razão sempre
será incompleta, faltosa, de certa maneira sempre verdadeira e, ao mesmo tempo,
mentirosa.9
Não vê nada, não ouve, não entende coisa alguma. Não fala, nem sequer chora.11
Nesta ocasião, Marim ainda pergunta o que era aquilo, e lhe informam que aquilo
era chamado de pogrom. Marim na verdade é Marieta, mãe de Elisa, que alterou os
nomes dos personagens do livro, para diferenciá-los de seus familiares. Depois de algum
tempo Marieta é quem ficará adoentada, não se sabe exatamente o que aconteceu a ela,
mas sabe-se que adoeceu devido a um trauma que sofreu durante um pogrom.
Outra relação que podemos fazer entre No exílio e Retratos Antigos. Encontra-se
na questão da alimentação. Enquanto no segundo Elisa se lembra dos dias das grandes
festividades e das comidas servidas e de seus rituais de alimentação, no primeiro a autora
descreve de uma forma mais factual, sem muita idealização desse momento de refeição
da família. Para demonstrarmos isso, recorremos a um trecho de uma fala de Pinkhas
“Não pude arranjar nada que servisse de korbanot nem de kharosset. Só consegui raiz
amarga para o maror. Aves, vinho, nozes... penso que ninguém mais se lembra o que isso
vem a ser.”12 A partir disso, observamos as distinções entre as duas produções de Elisa:
9
CORACINI. A memória em Derrida: uma questão de arquivo e de sobre vida, p. 130.
10
GOTLIB. Memória encenada: retratos, recordações, reconfigurações, p.65.
11
LISPECTOR, No exílio, p. 38.
12
LISPECTOR, No exílio, p.69.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
No exílio a autora está focada na história da família e a trajetória dela até o Brasil. Já em
Retratos Antigos, o foco recaia nas lembranças boas e felizes passados à volta da mesa.
Ucraniana naturalizada brasileira, Clarice Lispector pouco ou quase nada falou sobre
o fato de ser judia durante sua vida. Embora muitos estudos tenham sido feitos sobre
a tradição judaica e a escritora. Em entrevista, Clarice Lispector declarou: “Eu, enfim,
sou brasileira, pronto e ponto”. Em algumas crônicas, presentes no livro A descoberta
do mundo, Clarice Lispector, ao contrário da irmã Elisa, não pretendendo publicar uma
autobiografia, fala das recordações de infância.
No começo da crônica que citaremos a seguir, Clarice Lispector escreveu uma nota
que reproduziremos aqui porque traduz “em parte” a dificuldade da escritora de falar de
sua vida pessoal, e, por conseguinte, de sua herança familiar.
Nota: um dia telefonei para Rubem Braga, o criador da crônica, e disse-lhe desesperada:
“Rubem, não sou cronista, e o que escrevo está se tornando excessivamente pessoal.
Curioso é que não só Elisa Lispector recorreu à obra plástica de Lazar Segall em
Retratos antigos, Clarice Lispector na crônica Viajando por mar também o fez. Vejamos a
passagem da crônica: 183
Em outra crônica, Viagem de trem, Clarice Lispector demonstra pouco saber sobre
sua infância na Ucrânia: “devo ter viajado de trem da Ucrânia para a Romênia e desta para
Hamburgo. Nada sei, recém nascida que eu era”.15
Já Elisa Lispector, em cada um dos pequenos dez capítulos do livro desvela/revela
um familiar, que é também personagem da história. No capítulo de abertura, o velho
álbum de família suscita a questão: “que restou dos personagens desses retratos”? “O que
será deles, quando os da minha própria geração não mais existiram, e não houver mais
ninguém para dar testemunho de suas vidas”.16 É nesse clima que a narradora começa o
seu relato, ora instigada pelas curiosas perguntas de sua sobrinha-neta sobre o tal “vovô
estranho” que aparece em uma das fotografias. E assim nos apresenta a menininha que
13
LISPECTOR. A descoberta do mundo, p. 349.
14
LISPECTOR. A descoberta do mundo, p. 349.
15
LISPECTOR. A descoberta do mundo, p. 350.
16
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p. 83.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
certo dia assustou-se ao saber que aquelas pessoas sobre as quais falavam já pertenciam
ao mundo dos mortos.
Como a criança não parou de perguntar e pedir para ver “os retratos antigos”, a
narradora conta-nos que começou a tomar nota de cada nova lembrança, e, assim, muitas
outras surgiam na memória. Mas como remontar sozinha a história de uma família,
questionou? Ainda mais “para quem pertence a um povo que raramente chega a enterrar
no mesmo solo os seus mortos de duas ou três gerações, em consequência dos surtos de
perseguições e das migrações que fatalmente se impõem”.17 Com essa triste motivação, a
personagem recorre à ajuda da única sobrevivente da geração antecessora, uma tia, irmã
de sua mãe, para saber mais sobre seu passado.
A tia que aparece na trama refere-se, na verdade, a uma tia de Elisa Lispector que
veio da Ucrânia para Maceió, e depois para o Rio de Janeiro. Tia Anita Asrilhant, falecida
em 1979. Conforme o depoimento do neto, Boris Asrilhant Neto, a Nádia Battella Gotlib
Cadernos de Estudos Culturais
em 23-04-2011, sempre que Elisa visitava sua avó, que era geniosa, saíam brigadas. Mas
Elisa sempre voltava e o ciclo se repetia. Em passagem do livro, após um suspiro, a tia
recomenda: “não se fale mais do passado”.
Chagall ou Segall? Eis a questão? Com qual podemos estabelecer um grau de
parentesco com os personagens dos Retratos Antigos? Judeus exilados que cruzaram o mar
em porões de navios, vítimas de pogrom? Vejamos um trecho:
184
Em Chagall, figuras poéticas, contos folclóricos. Tudo se passa numa atmosfera onírica.
GELÉIAS E PERSEGUIÇÕES: uma história de doces e amargas lembranças
São as suas lembranças de antes de partir pata o mundo e dar razão à sua alma de artista.
Chagall não pintou céus escuros só iluminados pelos clarões dos incêndios, nem casa
de janelas de vidros quebrados olhando para fora como olhos vazados. Não pintou os
horrores dos pogroms. Esta herança coube a Segall, POGROM, ÊXODO, NAVIO
DE EMIGRANTES, assim são, na maioria, as obras de Segall. Pois, ao contemplar as
figuras dos “Retratos antigos” e relembrar os tempos conturbados em que essas pessoas
viveram, as vocações irrealizadas, os destinos descumpridos, é de Segall que mais me
aproximo.18
17
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p. 83.
18
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.85.
Cadernos de estudos culturais, Campo Grande, MS, v. 4, n. 8, p. 179 – 186, jul./dez. 2012.
Na sequência conhecemos as avós maternas, são delas os primeiros retratos
contemplados na narrativa. De um lado do álbum Itschac e, na outra página, Tcharma.
Entre as doces lembranças das férias de verão todos os anos passados na casa dos avôs, a
cruel morte do avô. Itschac foi morto em um dos pogroms que se seguiram à Revolução
Vermelha: “mesmo sem ter sido um devoto, pagou o preço amargo e inalienável destino
de ser judeu”.19 Também não foi longe a vida da avó Tcharma. Afável e caridosa, pois
boas ações são deveres da tradição judaica, morreu pela manhã bem cedo “como um
pássaro que levanta voo”.20 Destacamos a diferença na narração dos dois acontecimentos,
a morte do avô é narrada de modo bem direto, já a morte da avó é narrada com extrema
delicadeza, como comprova o trecho transcrito acima.
Nos capítulos finais desses Retratos antigos, a “figura” da mãe Márian e do pai Pinkas
compõe o livro e ilustram a vida e os costumes judaicos. Márian era bela e elegante. No
retrato, “cabelos longos e abundantes”, pois as mulheres de sua geração já não usavam
19
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.99.
20
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.101.
21
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.105.
22
LISPECTOR, Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p. 90.
23
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.113.
24
LISPECTOR. Retratos antigos (esboços a serem ampliados), p.119.
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Referências Bibliográficas
CORACINI, Maria José R F. Memória em Derrida: uma questão de arquivo e de sobre
vida. In: CADERNOS DE ESTUDOS CULTURAIS: Crítica Biográfica, v. 1, n. 4.
Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2010, p. 125-136.
GOTLIB, Nádia Battella. Memória encenada: retratos, recordações, reconfigurações. In:
LISPECTOR, Elisa. Retratos Antigos (esboços a serem ampliados). Org. Nádia Battella Gotlib.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012, p. 57-67.
LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
LISPECTOR, Elisa. Retratos Antigos (esboços a serem ampliados). Org. Nádia Battella Gotlib.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
________. No Exílio. 3ª Edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.
SOUZA, Eneida Maria de. Notas sobre a crítica biográfica. In: SOUZA, Eneida Maria
de. Crítica Cult. Belo horizonte: Editora UFMG, 2002. p 111- 120.
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polemico. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 43-56;
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da sobrevivência da arte e do Literário. Revista Literatura e Cultura. Rio de Janeiro:
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sejam aprovados pelo conselho editorial dos CADERNOS DE ESTUDOS CULTURAIS.
1
Fulano de tal é professor da instituição tal.
2
Fulano de tal é professor da instituição tal.
Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
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do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto:
Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três
linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de
três linhas, Citação com mais de três linhas, Citação com mais de três linhas.3 (a referência pode
ser em pé de página, conforme exemplo, ou dentro do texto (SOBRENOME DO AUTOR, ano
da publicação, p, xx).
Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
192 do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
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do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto. “Citação com menos de três linhas, Citação com menos
de três linhas, Citação com menos de três linhas, Citação com menos de três linhas, Citação com
menos de três linhas”.4 (a referência pode ser em pé de página, conforme exemplo, ou dentro do
texto (SOBRENOME DO AUTOR, ano da publicação, p, xx).
3
Apud SOBRENOME DO AUTOR. Nome da obra (se livro completo), p. xx. (Para caso se citação retirada de
um outro autor citado por outro autor)
4
SOBRENOME DO AUTOR. Nome da obra, p. xxx. (Para o caso de citação direta de um autor)
do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo do texto, Corpo
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do texto, Corpo do texto, Corpo do texto.
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do texto, Corpo do texto, Corpo do texto.
PS: Outros casos de Referências Bibliográficas aqui omissos poderão ser aceitas as normas
padrões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) ou sob consulta com os
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