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05/03/2020 Quem foi Chesterton?

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Texto da aula Aulas do curso

Introdução a Chesterton

Quem foi Chesterton?


Quem foi Gilbert Keith Chesterton, este homem tão querido entre os católicos, respeitado até
por inimigos confessos da Igreja, que continua a nos interpelar quase um século depois de
sua morte?

Qual é a história por trás deste gênio que, nascido num mundo à primeira vista tão diferente
do nosso, diagnosticou já em sua época, com olhar quase profético, os problemas e dramas
morais, espirituais e culturais que nos perturbam hoje?

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Quem foi Gilbert Keith Chesterton, este homem tão querido entre os católicos,
respeitado até por inimigos confessos da Igreja, que continua a nos interpelar
quase um século depois de sua morte? Qual é a história por trás deste gênio
que, nascido num mundo à primeira vista tão diferente do nosso, diagnosticou
já em sua época, com olhar quase profético, os problemas e dramas morais,
espirituais e culturais que nos perturbam hoje? É para responder a essas
perguntas e oferecer aos nossos alunos uma introdução, ao mesmo tempo
simples e completa, ao pensamento de Chesterton que este curso foi pensado.

Nascido em 29 de maio de 1874, Chesterton cresceu em um subúrbio de


Londres, no seio de uma família que, apesar de cristã, não pertencia
institucionalmente a nenhuma igreja, o que não a impediu, contudo, de batizá-
lo logo cedo na Igreja Anglicana. Pacata e estruturada, a família teve ainda
outros dois filhos: uma menina, morta muito criança — perda de que nunca se
recuperaram de todo —, e um rapaz, Cecil, com quem Chesterton, desde os
primeiros anos, afiou suas habilidades de conversador e polemista.

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Embora fosse de uma acuidade singular, Chesterton nunca foi o que se


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costuma chamar um “bom aluno”. De temperamento sanguíneo, o futuro
escritor não parecia adaptar-se bem a um estudo planificado e pouco
imaginativo. Interessavam-lhe mais a pintura e o desenho e, como ele mesmo
confessa, o ocultismo. Chesterton viveu, com efeito, um período bastante
delicado na história da Inglaterra. Foi precisamente nestes últimos anos do
século XIX que a ilha se viu invadida por uma onda de imoralismo, tanto na
literatura quanto nos costumes, e de doutrinas esotéricas, que eram a moda do
momento.

A época lhe valeu uma verdadeira “congestão” de imaginação. Somada à sua


natural inclinação e curiosidade, a atmosfera cultural de então o levou a
praticar “jogos com o demônio”, a uma vida que ele mesmo, em sua
autobiografia, descreve como uma espécie de satanismo. No entanto, foi
justamente por crer demais no demônio, ao contrário de seus colegas, que ele
logrou vencer essa anarquia de ideias. De todos os que com ele se entregavam
a conversas nada edificantes e a tentar penetrar o “oculto”, só ele preservava
um “fiapo” de sã religiosidade, de gratidão à fé doméstica, agarrado à qual ele
evitou afundar-se ainda mais.

Não chegou a concluir os estudos universitários. Os professores não o viam


como alguém muito promissor, mas os seus primeiros artigos de jornais,
sobretudo as críticas literárias, assinadas com um discreto GKC, granjearam-
lhe rápido uma fama incipiente, embora sólida. Foi nesse período que
conheceu Frances Blogg, com quem veio a se casar em junho de 1901.

Frances era tudo para o esposo. Foi graças a ela, aliás, que o escritor, passando
do ocultismo a uma temporada como agnóstico, finalmente se converteu ao
que ele então entendia por “ortodoxia cristã”, ou seja, ao anglicanismo. No
entanto, foi também ela o principal empecilho, por assim dizer, à sua
conversão ao catolicismo. Frances era uma anglicana devota, que vivia a sério

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a própria fé, e Chesterton, que via nela uma companheira inseparável, relutou
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muito tempo em empreender o caminho do catolicismo sem tê-la ao lado.

Essa ambiguidade entre um Chesterton publicamente anglicano, mas


interiormente católico, transparece com toda a clareza em seus livros. Suas
principais obras ressumam um ar muitíssimo familiar a qualquer leitor
católico. Basta ler umas quantas páginas para dar-se conta de que o seu autor,
embora não se declare católico, pensa e sente como um.

Há quem veja nessa relutância em fazer-se católico um sinal de fraqueza, uma


mancha feia, para alguns até indesculpável, na história do grande defensor da
ortodoxia. Esse é um juízo que não nos cabe fazer aqui. O fato é que Chesterton,
apesar de sua concentração e capacidade de trabalho extraordinárias, era um
homem estabanado e distraído, que necessitava da esposa com uma carência
que talvez nos pareça quase pueril, mas que revela, quiçá, a despreocupação de
um gênio para quem as urgências da vida ordinária são nimiedades, tão
nímias que é praticamente impossível lembrar-se delas.

Em 1914, converte-se ao catolicismo o irmão Cecil. Por esta mesma época,


Chesterton caiu gravemente enfermo, a ponto de a esposa convencer-se de
que, se ele se recuperasse, seguiria sem dúvidas os passos do irmão, fazendo-
se finalmente católico. Chesterton de fato convalesceu; mas, contrariando as
expectativas da esposa, permaneceu com ela na Igreja Anglicana. Não havia
doença que o fizesse empreender qualquer jornada sem sua querida
companheira.

Há, porém, amores maiores que os da carne e coração humanos, e o amor que
Chesterton tinha a Cristo e à sua única Igreja era grande demais para sofrer
tanta demora. A decisão veio durante uma viagem do casal a Jerusalém, entre
1919 e 1920. Eles, que como toda família cristã queriam ter muitos filhos,
estavam já resignados com o drama da infertilidade. Mas o vazio dos berços
lhes deixou espaço no coração para uma terníssima devoção ao Menino Jesus.

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A vista dos lugares sagrados e, de modo particular, de uma imagem da Virgem


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SS. em uma igreja em Brindisi infundira em Chesterton o ânimo necessário
para fazer-se católico tão-logo pusesse os pés na Inglaterra.

Essa presença de Maria ao longo de todo o seu processo de conversão aparece


com mais evidência em sua obra poética. São de 1911, nove anos antes da
viagem à Terra Santa, os versos de Balada do cavalo branco, um extenso poema
marcado pela doce presença de Nossa Senhora. São também de sua época de
anglicano, embora de alma católica, as primeiras histórias do Pe. Brown.

No dia 30 de julho de 1922, Chesterton entrou para a Igreja Católica. Batizado


sob condição, recebeu ainda os demais sacramentos da iniciação cristã, não
sem antes ter dedicado nada menos do que dois anos a um estudo diligente do
catecismo. Chesterton tinha, pois, plena consciência de que é condição
imprescindível para ser católico de verdade conhecer a fundo o que crê e
ensina a Santa Igreja Católica.

A celebração aconteceu num puxadinho, longe dos holofotes que mereceria


um dos atos mais importantes de um ensaísta que, à época, era já um dos mais
famosos de língua inglesa. A simplicidade, humilde e escondida, com que
Chesterton celebrou sua incorporação a Cristo evidencia que ele se converteu,
não pelos grandes sentimentos, não pela mera beleza da liturgia e o odor
místico do incenso, mas pelas grandes verdades.

É interessante notar que, três anos mais tarde, em 1925, visitou-o um jovem
padre estadunidense que, admirador de sua obra, lhe pediu que escrevesse a
introdução para a sua tese doutoral. Foi assim que veio a lume a dissertação
God and Intelligence in Modern Philosophy, do venerável Fulton Sheen.

Chesterton fez-se católico. O mundo, quando o soube, como que desabou.


Muitos ficaram pasmados, pensando que ele já o fosse; outros, porém, se
sentiram escandalizados, pensando que o escritor fora longe demais. A

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Chesterton, porém, pouco lhe importavam as reações exteriores. Sua vida foi a
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de um homem realmente virtuoso. Seu aspecto corpulento, é verdade, deu
ocasião a que muitos pensassem que o autor de Hereges fosse um tanto
indulgente com o vício da gula. A verdade é que Chesterton, pelo que contam
seus biógrafos, comia pouco, bem pouco para um homem do seu tamanho.

Com a coerência de um católico sem medo de ferir o “puritanismo” de uma


sociedade que só faz escrúpulo das coisas pequenas, e nenhum das grandes,
Chesterton defendia o consumo de bebidas alcoólicas, embora ele mesmo
bebesse pouco. O seu único “vício”, se assim podemos dizer, era o de escrever
sempre com um charuto na boca: era um instrumento tão ou talvez até mais
importante do que papel e tinta.

De aparência, Chesterton era, além de roliço, bastante alto. Os cabelos,


encaracolados, se agrisalharam antes que os bigodes. Mas o que talvez mais
chamava a atenção era o inusitado contraste entre aquela figura grandona e
imponente (tão grande que lhe valeu a isenção do serviço militar durante a I
Guerra) e uma voz nada profunda, com uma risada fina e gostosa.

Sua conversão, vale lembrar, foi epocal. Em 1921, com efeito, a Igreja Anglicana
aprovou o uso dos anticoncepcionais. Um coração católico não poderia
suportar tamanha traição a Cristo e aos valores evangélicos. “A Igreja”,
escreveu ele, “não deve mover-se com o mundo; deve mover o mundo”. São de
1922 alguns de seus grandes escritos contra a eutanásia, quiçá um dos maiores
flagelos do século passado que, ainda hoje, sob nomes e máscaras diversos,
estende os seus tentáculos para sufocar as vidas mais inocentes.

Essa “coincidência” entre a conversão de Chesterton e sua defesa da


moralidade sexual e familiar faz dele, podemos pensar, uma referência para
estes nossos tempos. Nele, vemos reunidas as duas armas com que devemos
defender o Evangelho da vida: por um lado, a espada da doutrina de sempre, do
ensinamento perene do Magistério eclesiástico; por outro, um são e robusto

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bom-senso, que ninguém como Chesterton soube esgrimir com mais fina
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maestria.

Já convertido, deixou-nos os seguintes versos, testemunho da sinceridade, da


pureza e da integridade do seu catolicismo:

After one moment when I bowed my head


And the whole world turned over and came upright,
And I came out where the old road shone white.
I walked the ways and heard what all men said,
Forests of tongues, like autumn leaves unshed,
Being not unlovable but strange and light;
Old riddles and new creeds, not in despite
But softly, as men smile about the dead

The sages have a hundred maps to give


That trace their crawling cosmos like a tree,
They rattle reason out through many a sieve
That stores the sand and lets the gold go free:
And all these things are less than dust to me
Because my name is Lazarus and I live.

Em 1936, aos 62 anos de idade, acometido por uma insuficiência cardíaca,


morria em casa o grande e bondoso Chesterton. Ele, que passara os últimos
anos recitando aquelas estrofes tão celestes da sequência de Corpus Christi,
expirou com o desejo de ir para o céu, de entrar naquela terra viventium, onde
todos os cidadãos são irmãos e familiares de Deus, numa mesma e eterna
alegria.

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Quando da sua morte, a cidadezinha em que vivera, pacato e suburbano, um


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dos grandes gênios da literatura inglesa moderna viu-se abarrotada de
admiradores. Lá estavam presentes Sheen e Belloc. Lá por certo estava
presente uma corte de anjos para o levar para o céu, onde cremos que ele
permanece vivo, tendo deixado gravada em seus livros a riqueza de sua vida
intelectual, uma bússola para nos guiar em um mundo cada vez mais sério e
cada vez menos bem-humorado, porque cada vez mais louco e insensato.

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