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A essência do
conservadorismo
ES CRI TO PO R RUS S EL K I RK | 0 1 JUNHO 2 01 2
A RTIG O S -   CO NSE RV A DO RI S MO

O conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder do
direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da humanidade. Podemos ter a
esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito.

Uma amiga minha, a quem chamaremos senhorita Worth, teve uma conversa
com uma vizinha – senhora Williams, digamos – que, no dia anterior, havia
vendido um belo prédio antigo, há muito tempo pertencente à sua família, o
qual seria demolido para que muitos automóveis usados fossem postos a
venda no lugar. A senhora Williams tinha certos arrependimentos; mas, disse
ela em caráter definitivo, “você não pode parar o progresso”. Ela ficou surpresa
com a resposta da senhorita Worth, que foi esta: “Não, muitas vezes não; mas
você pode tentar”.

A Senhorita Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, é uma


coisa boa em si mesma. O Progresso pode ser bom ou mau, dependendo da
direção a qual se está progredindo. É perfeitamente possível, e não raramente
ocorre, de se progredir em direção à beira de um precipício. O pensamento
conservador, jovem ou antigo, acredita que todos nós devemos obedecer à lei
universal da mudança; mas muitas vezes está em nosso poder escolher quais
mudanças aceitaremos e quais mudanças rejeitaremos. O conservador é uma
pessoa que se esforça para conservar o que há de melhor em nossas tradições
e em nossas instituições, conciliando o que é melhor com a reforma necessária
de tempos em tempos.

“Conservar” significa “salvar”... (Considere) a maldição do cupido:

“Aqueles que mudam o amor antigo pelo novo, oram aos deuses para mudá-lo para pior.”
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Um conservador não é, por definição, um egoísta ou uma pessoa estúpida; em


vez disso, ele é uma pessoa que acredita que há alguma coisa em nossa vida
que vale a pena salvar.

Conservadorismo, na verdade, é uma palavra com um significado antigo e


honrado – mas, um significado quase esquecido pelos americanos até anos
recentes. Abraham Lincoln queria ser conhecido como um conservador. “O que
é o conservadorismo?”, disse ele. “Não é a preferência pelo antigo e
experimentado, acima do novo e do não testado?” É isso; e é também um
corpo de convicções éticas e sociais. Porém, a palavra “liberalismo” tem sido
preferida entre nós por duas ou três décadas. Mesmo hoje em dia, embora haja
um bom número de conservadores nas políticas nacional e estadual, em
nenhum grande partido muitos líderes políticos descrevem a si mesmos como
“conservadores”. Paradoxalmente, o povo dos Estados Unidos se tornou a
principal nação conservadora do mundo exatamente quando deixou de chamar
a si mesmo de conservador em seu próprio país.

No entanto, com a nossa severa oposição ao radicalismo dos soviéticos e


nosso repúdio nacional do coletivismo em todas as suas variedades, um bom
número de americanos agora têm muitas dúvidas quanto ao desejo de serem
chamados liberais ou radicais. Os liberais, por um bom tempo, foram derivando
para a esquerda em direção a seus primos radicais; e o liberalismo, nos últimos
anos, passou a significar um anexo para o Estado centralizado e para a
impessoalidade sombria do Brave New World, de Huxley, ou de 1984, de
Orwell. Homens e mulheres que não se consideram liberais ou radicais estão
começando a perguntar a si mesmos no que acreditam e do que deveriam se
chamar. O sistema de ideias opostas ao liberalismo e ao radicalismo é a
filosofia política conservadora.

O que é o Conservadorismo?

O conservadorismo moderno tomou forma por volta do início da Revolução


Francesa, quando homens de grande visão na Inglaterra e na América
perceberam que, se a humanidade existe para conservação dos elementos da
civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente de
ideias deve resistir ao nivelamento e ao impulso destrutivo de revolucionários
fanáticos. Na Inglaterra, o fundador do verdadeiro conservadorismo foi Edmund
Burke, cujas Reflections on the Revolution in France mudaram o rumo da opinião
pública britânica e influenciaram incalculáveis líderes da sociedade no
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Continente e na América. Nos recém-criados Estados Unidos, os fundadores


da República, conservadores por formação e por experiência prática, estavam
determinados a moldar a Constituição que deveria guiar a sua posteridade em
caminhos duradouros de justiça e liberdade. Nossa Guerra de Independência
Americana não foi uma revolução real, mas antes uma separação da Inglaterra;
estadistas de Massachusetts e da Virgínia não desejavam virar a sociedade de
cabeça para baixo. Em seus escritos, sobretudo nos trabalhos de John Adams,
Alexander Hamilton e James Madison, nós encontramos um conservadorismo
sóbrio e provado, fundado sobre uma compreensão da história e da natureza
humana. A Constituição que os líderes daquela geração elaboraram tem
provado ser o dispositivo conservador mais bem sucedido em toda a história.

Os líderes conservadores, desde Burke e Adams, subscreveram certas ideias


que podemos demonstrar, resumidamente, mediante definição. Os
conservadores desconfiam do que Burke chamou “abstrações” - isto é,
absolutos dogmas políticos divorciados da experiência prática e das
circunstâncias particulares. Eles acreditam, todavia, na existência de certas
verdades permanentes que regem a conduta da sociedade humana. Talvez, os
princípios mais importantes que têm caracterizado o pensamento conservador
americano são estes:

1. Homens e nações são governados por leis morais; e essas leis têm a sua origem em
uma sabedoria superior à humana – a justiça divina. No
fundo, problemas políticos
são problemas morais e religiosos. O estadista sábio procura apreender a lei
moral e reger sua conduta adequadamente. Nós temos uma dívida moral para
com nossos antepassados, que nos concederam nossa civilização, e um dever
moral para as gerações que virão depois de nós. Esta dívida foi ordenada por
Deus. Portanto, não temos o direito de, impudentemente, mexer com a
natureza humana ou com tecido delicado de nossa ordem social civil.

2. Variedade e diversidade são as características de uma grande


civilização. Uniformidade e igualdade absoluta são a morte de todo verdadeiro
vigor e liberdade na existência. Conservadores resistem, com imparcial
virilidade, à uniformidade de um tirano ou de uma oligarquia e à uniformidade a
qual Tocqueville chamou “despotismo democrático”.

3. Justiça significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é próprio – às
coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às recompensas de sua
capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua personalidade. A sociedade
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civilizada requer que todos os homens e mulheres tenham direitos iguais diante
da lei, mas essa igualdade não deve se estender à igualdade de condição: isto
é, a sociedade é uma grande associação, na qual todos têm direitos iguais –
mas não para igualar coisas. A sociedade justa requer liderança sólida,
recompensas diferentes para habilidades diferentes e um senso de respeito e
dever.

4. Propriedade e liberdade são inseparavelmente conectadas; nivelamento econômico


não é progresso econômico. Os conservadores valorizam a propriedade para seu
próprio interesse, é claro; mas a valorizam muito mais porque, sem ela, todos
os homens e mulheres estão a mercê de um governo onipotente.

5. O poder é repleto de perigos; portanto, o bom estado é aquele no qual o poder é


controlado e equilibrado, restringido por constituições e costumes sólidos. Na medida
do possível, o poder político deve ser mantido nas mãos de instituições
privadas e locais. A centralização é normalmente um sinal de decadência
social.

6. O passado é um grande depósito de sabedoria; comoBurke disse, “o indivíduo é


tolo, mas a espécie é sábia.” Os conservadores acreditam que precisamos nos
guiar pelas tradições morais, pela experiência social e por todo o complexo
corpo de conhecimentos legados a nós por nossos antepassados. Os apelos
conservadores estão para além da opinião precipitada do momento, pela qual
Chesterton os denominava de “a democracia dos mortos” - isto é, as opiniões
consideradas dos homens e mulheres sábios que morreram antes de nosso
tempo, a experiência da espécie humana. O conservador, em suma, sabe que
não nasceu ontem.

7. A sociedade moderna necessita urgentemente de uma verdadeira comunidade: e


verdadeira comunidade é um mundo distante do coletivismo. A
comunidade autêntica
é regida por amor e caridade, não por força. Através de igrejas, associações
voluntárias, governos locais e uma variedade de instituições, os conservadores
se esforçam para manter a comunidade saudável. Os conservadores não são
egoístas, mas zelosos do bem-estar público. Eles sabem que o coletivismo
significa o fim da comunidade genuína, e substituem uniformidade por
variedade e força por cooperação voluntária.

8. Nos assuntos das nações, o conservador americano acredita que seu país deve ser
um exemplo para o mundo, mas que não deve tentar reconstruir o mundo à sua
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imagem. É uma lei da política, bem como da biologia, que todo ser vivente ama,
acima de tudo – até mesmo acima de sua própria vida –, sua identidade
distintiva, que o diferencia de todos os outros seres. O conservador não aspira
à dominação do mundo, nem aprecia a perspectiva de um mundo reduzido a
um padrão único de governo e de civilização.

9. Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfectíveis; e nem o são
as instituições políticas. Nós
não podemos criar um paraíso na Terra, embora
possamos fazer um inferno. Somos todos criaturas nas quais bem e mal estão
misturados; e, quando as boas instituições negligenciam e ignoram os antigos
princípios morais, o mal tende a predominar em nós. Por isso, o conservador
suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder do
direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da humanidade.
Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não podemos
torná-lo perfeito. Quando o progresso é alcançado, o é através do
reconhecimento prudente das limitações da natureza humana.

10. Os conservadores estão convencidos de que mudança e reforma não são idênticas:
inovação política e moral pode ser tanto destrutiva como benéfica; e
se a inovação é
empreendida com espírito de presunção e entusiasmo, provavelmente será
desastrosa. Todas as instituições humanas, em certa medida, se alteram de
época para época, pois o lento processo de mudança é o meio de conservar a
sociedade, exatamente como é, para o corpo humano, o meio de sua
renovação. Mas, os conservadores americanos se esforçam para conciliar o
crescimento e as modificações essenciais para nossa vida com a força de
nossas tradições sociais e morais. Com Lord Falkland, eles dizem: “quando
não é necessário mudar, é necessário não mudar.” Eles entendem que homens
e mulheres são mais satisfeitos quando podem sentir que vivem em um mundo
estável de valores duradouros.

O conservadorismo, então, não é simplesmente o interesse das pessoas que


têm muitas propriedades e influência; não é simplesmente a defesa de
privilégios e de status. A maioria dos conservadores não são nem ricos nem
poderosos. Porém, eles fazem até mesmo o mais simples deles obter grandes
benefícios de nossa República estabelecida. Eles têm liberdade, segurança
pessoal e de sua casa, igual proteção das leis, o direito aos frutos de sua
indústria e oportunidade para fazer o melhor que neles há. Eles têm um direito
de personalidade em vida e um direito de consolo na morte. Os princípios
conservadores são o abrigo das esperanças de todos na sociedade. E o
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conservadorismo é um importante conceito social para todo aquele que deseja


justiça igualitária e liberdade pessoal e todos os amáveis caminhos antigos da
humanidade. O conservadorismo não é simplesmente uma defesa do
“capitalismo”.

(“Capitalismo”, na verdade, é uma palavra cunhada por Karl Marx, projetada


desde o início para significar que a única coisa defendida pelos conservadores
é a grande acumulação de capital privado.) Mas, o que o verdadeiro
conservador faz corajosamente é defender a propriedade privada e uma
liberdade econômica, ambas para seu próprio bem e porque elas são meios
para atingir grandes fins.

Esses grandes fins são mais do que econômicos e políticos. Eles envolvem
dignidade humana, personalidade humana, felicidade humana. Eles envolvem
até mesmo o relacionamento entre Deus e o homem. Pois o coletivismo radical
de nossa época é ferozmente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo
moderno detesta a fé religiosa, a virtude privada, a individualidade tradicional e
a vida de satisfações simples. Tudo o que vale a pena ser conservado está
ameaçado em nossa geração. A mera oposição negativa e irracional à corrente
de acontecimentos, agarrando-se com desespero ao que ainda mantemos, não
será suficiente nesta época. Um conservadorismo de instinto deve ser
reforçado por um conservadorismo de pensamento e imaginação.

Original adaptado de The Intelligent Woman’s Guide to Conservatism (New York: The


Devin-Adair Company, 1957).

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