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CONTRIBUIÇÕES DO POSITIVISMO FILOSÓFICO AO POSITIVISMO JURÍDICO

Roberto Wöhlke1

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar quais são as relações existentes
entre o positivismo filosófico e o positivismo jurídico. Tal indagação parte da afirmação de
Norberto Bobbio em sua obra intitulada O Positivismo Jurídico onde diz que a expressão
positivismo jurídico não deriva daquela de positivismo em sentido filosófico, embora
afirme que no século XIX, ambos os movimentos apresentam certa ligação, pois alguns
dos juristas positivos, também eram positivistas no sentido filosófico (1995, p. 15) Com
isso, o artigo pretende contribuir para o debate, caracterizando de forma sucinta os
pressupostos e fundamentos do positivismo filosófico, tendo como principal representante
Augusto Comte, com sua obra “Curso de filosofia Positiva” , e por outro lado caracterizar o
Positivismo Jurídico do inicio do século XIX e destacar as principais relações existentes
entre estes dois movimentos. Sabe-se a princípio que o positivismo filosófico caracteriza-
se por utilizar os métodos investigativos das ciências naturais e aplicá-los ao estudo das
ciências sociais. Afirmando ser o trabalho cientifico válido somente aquele que fosse
possível comprovar empiricamente. Por outro lado os pressupostos do positivismo jurídico
apresentam sua origem nas mais remotas concepções do Direito. É no mundo clássico de
Grécia e Roma que percebe-se seu florescimento, visto que sua expressão positivismo
jurídico na verdade deriva da locução do Direito Positivo que contra põe-se a locução do
Direito Natural. (BOBBIO, 1995, p.15). Mas o positivismo jurídico ficou caracterizado
principalmente pelas discussões e movimentos realizados no século retrasado através
das três importantes escolas; Exegese na França, Histórica na Alemanha e a Analítica na
Inglaterra que caracterizam-se pelos estudos da necessidade de uniformização e
sistematização do conhecimento jurídico (direito científico), além de se contraporem ao
movimento da metafísica. Desta forma é necessário caracterizar e distinguir tais
expressões, para não confundir e sobre por um movimento ao outro, pois em alguns
aspectos estes movimentos convergem, principalmente no sentido de estabelecerem um
método de investigação e negarem a metafísica. O artigo utilizou como método a
pesquisa bibliografia. Conclui-se que o Positivismo filosófico caracterizou e constituiu as

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O autor é professor dos cursos de Direito e Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí, mestrando em Sociologia
Política na Universidade Federal de Santa Catarina.
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bases científicas do século XIX, influenciado o positivismo jurídico no estabelecimento de


um método próprio de investigação da ciência jurídica, consolidando-se no processo de
purificação do direito no inicio do século XX, que constitui, hoje, um dos pilares do
conhecimento jurídico. Além disto, o positivismo filosófico influenciou no final do século
XIX e inicio do século XX, a política no Brasil tendo como principais adeptos boa parte dos
intelectuais brasileiros oriundos das faculdades de direito daquela época.

PALAVRAS-CHAVES: método científico; Direito Positivo; Positivismo Jurídico

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo demonstrar e analisar quais são as relações
existentes entre o positivismo filosófico e o positivismo jurídico. Tal indagação parte da
celebre afirmação de Norberto Bobbio em sua obra intitulada O Positivismo Jurídico:

A expressão positivismo jurídico não deriva daquela de positivismo


em sentido filosófico, embora no século passado (sic) (século XIX,
grifo nosso) tenha havido uma certa ligação entre os dois termos,
posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas em
sentido filosófico. (1995, p. 15)
Com isso, o artigo pretende contribuir para o debate, fornecendo algumas
contribuições; caracterizando de forma sucinta os pressupostos e fundamentos do
positivismo filosófico, tendo como principal representante Augusto Comte, com sua obra
“Curso de filosofia Positiva” , e por outro lado caracterizar o Positivismo Jurídico do inicio
do século XIX e destacar as principais relações existentes entre estes dois movimentos.
Sabe-se de ante mão, que os pressupostos do positivismo jurídico apresentam
sua origem nas mais remotas concepções do Direito. É no mundo clássico de Grécia e
Roma que percebe-se seu florescimento, visto que sua expressão positivismo jurídico na
verdade deriva da locução do Direito Positivo que contra põe-se a locução do Direito
Natural. (BOBBIO, 1995, p.15)
Desta forma é necessário caracterizar e distinguir tais expressões, para não
confundir e sobre por um movimento ao outro, pois em alguns aspectos estes movimentos
convergem, principalmente no sentido de estabelecerem um método de investigação e
negarem a metafísica.

2 DO POSITIVISMO FILOSÓFICO

O Positivismo Filosófico constitui uma das correntes do pensamento científico


que maior influência teve no séc XIX. A sintetização de tal, pensamento está expressa na
obra de Augusto Comte intitulada “ Curso de Filosofia Positiva”.
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Ele caracteriza-se por utilizar os métodos investigativos das ciências naturais e


aplicá-los ao estudo das ciências sociais. Afirmando ser o trabalho científico válido
somente aquele que fosse possível comprovar empiricamente. Neste sentido Nader
(2004, p.375) afirma:

O positivismo filosófico floresceu no século XIX, quando o método


experimental era amplamente empregado, com sucesso, no âmbito
das ciências da natureza. O positivismo pretendeu transportar o
método para o setor das ciências sociais. O trabalho científico
deveria ter por base a observação dos fatos capazes de serem
comprovados. A mera dedução, o raciocínio abstrato, a
especulação, não possuíam dignidade científica, devendo, pois, ficar
fora de cogitação.
Com isso, Comte estabelece que a ciência e a única fonte legitima de
conhecimento, tal afirmação está desenvolvida numa marcha historicamente comprovado
do desenvolvimento do espírito humano, tal marcha levou ao estabelecimento do que
ficou conhecido com a lei dos três estados. Como afirma Comte (1978, p.4):

(...) creio ter descoberto uma grande lei fundamental a que se sujeita
por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser
solidamente estabelecida, que na base de provas racionais
fornecidas pelo conhecimento de nossa organização quer na base
de verificações históricas (...) Essa lei consiste em que cada uma de
nossas concepções principais, cada ramo de nosso conhecimento,
passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado
teológico ou fictício; estado metafísico ou abstrato, estado científico
ou positivo.
Os três estados constituem os métodos de investigação filosóficos, sendo o
estado teológico dirigido essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos
seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que tocam, numa palavra para os
conhecimentos absolutos, dirige a ação para os fenômenos sobrenaturais. (COMTE,
1978, p. 4)
No estado Metafísico “(...) os fenômenos sobrenaturais são substituídos por
forças abstratas (...) inerentes aos diversos seres do mundo (...) capazes de engendrar
por elas próprias todos os fenômenos observados” (COMTE, 1978, p. 4).
O estado Positivo como último elemento do desenvolvimento humano esta
assim conceituado por Comte (1978, p. 4):

(...) o espírito humano reconhece a impossibilidade de obter noções,


absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo (...)
preocupa-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem
combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas (...). A
explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume
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de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos


fenômenos particulares e alguns fatos gerais(...)
A partir deste ponto, Comte estabelece a classificação das Ciências, indo deste
as Ciências Naturais julgadas por ele como as mais simples até as mais complexas,
chegando a última das ciências a Física Social. “como resultado definitivo temos a
matemática, a astronomia, física, a química, a fisiologia e a física social” (COMTE, 1978,
p.39). Criando a partir desta classificação a Sociologia (Física Social) e atribui o Direito
como uma sessão da Sociologia (NADER, 2004, p.376)
É evidente que tal classificação encontra-se incompleta, mas salienta-se que a
importância do trabalho desenvolvido por Augusto Comte está em estabelecer o método
experimental para as ciências sociais, este método constituiu três fases fundamentais; a)
observação; b) formulação de hipóteses; c) experimentação. Nader (2004, p. 377)
estabelece o seguinte procedimento:

A observação é o ponto de partida. O pensamento humano é atraído


por algum acontecimento ou fenômeno. A sucessão de fatos
observados sugere a formulação de uma hipótese, que deverá
explicar os fatos. Finalmente, a explicação. Aqui o cientista põe à
prova a sua hipótese, o seu pensamento. A experimentação deverá
ser a mais ampla possível. Alcançado o êxito, ou seja, a confirmação
do suposto, o conhecimentos terá alcançado um valou científico.
Como isso, o conhecimento científico positivo está baseado na observação dos
fatos conjuntamente estabelecidos pelo raciocínio que excluem tentativas de descobrir a
origem, ou as causa indiretas dos fenômenos e são tomadas como verdadeira as leis dos
fenômenos que devem traduzir, obrigatoriamente o que ocorre na natureza. (ANDRERY,
et al, 1996, p.381). Na obra “ O discurso sobre o espírito positivo” Comte (1978, p. 51)
afirma:

Nossas pesquisas positivas devem essencialmente reduzir-se, em


todo os gêneros, à apreciação sistemática daquilo que é,
renunciando a descobrir sua primeira origem e seu destino final. (...)
Nas leis dos fenômenos consiste realmente a ciência, à qual os fatos
propriamente ditos, em que pese a sua exatidão e a seu número,
não fornecem mais do que os materiais indispensáveis.
A partir destas afirmações, Comte apresenta as características do
conhecimento científico, fundamentado na sua certeza isto é, não admitindo conjecturas,
o conhecimento sempre apresenta um grau de precisão, embora admita que este grau
varie de ciência para ciência. Assim conforme salienta Andery (1996, p.382) “Comte
reforça a noção de que o conhecimento científico é um conhecimento que não admite
dúvidas, indeterminações e o desvincula de todo conhecimento especulativo”
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Traçado os elementos característicos do Positivismo Filosófico, cabe destacar


que a importância do trabalho de Augusto Comte, esta em propor as bases metodologia
ao estudo das ciências. O movimento do positivismo não se esgota somente com suas
contribuições. A partir de suas obras vários autores adaptam e utilizam parte de suas
idéias, constituindo uma teoria positiva da ciência, com isso, torna-se difícil afirmar que as
interpretações existentes representam todo o conjunto proposto pelo positivismo filosófico.
Desta forma, afirma Cupani (1985, p. 13):

As dificuldades para caracterizar a teoria “positiva” não se reduzem


todavia à questão de sua correta denominação. Não é fácil encontrar
uma exposição completa e pormenorizada desta posição e nem
todos os positivistas então de acordo em todos os detalhes da teoria
que se lhes atribui.
Com isso percebe-se que as relações existentes entre os dois movimentos está
fundamentada principalmente pela utilização de algumas contribuições do Positivismo
filosófico à algumas escolas do Positivismo Jurídico, principalmente aquelas surgidas no
século XIX, e que contribuirão para a noção do que se conhece sobre o Positivismo
Jurídico.
A partir do próximo ponto passa-se a ver as principais características que
fundamentam o Positivismo Jurídico, para depois traçar algumas influências do
Positivismo Filosófico sobre a configuração do Positivismo Jurídico.

3 DOS PRECURSSORES DO POSITIVISMO JURÍDICO

O positivismo jurídico é caracterizado ao longo de sua história por apresentar


sua derivação da expressão oriunda do direito positivo. Visto que este contrapõe-se ao
Direito Natural. Desta forma, remete-se com a doutrina segunda a qual não admiti-se
outro direito senão o direito positivo (BOBBIO, 1995, p.26). Desde modo pode-se afirmar,
numa tentativa de síntese, como aquele direito que emana de um poder soberano do
Estado, mediante do reconhecimento exclusivo da lei. Esta idéia parte, principalmente, do
processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado, vindo, este, a
consolidar com a codificação das leis. (BOBBIO, 1995, p.119)
Não será objetivo deste trabalho contextualizar o positivismo jurídico em cada
etapa de sua evolução histórica. O recorte encontrado aqui será o de abordar o
Positivismo Jurídico a partir das discussões oriundas do século XIX, principalmente
através de suas Escolas; a da Exegese na França, a Escola Histórica na Alemanha e a
Escola Analítica na Inglaterra e as suas influências para o surgimento da necessidade de
um direito científico.
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O século XIX, no que diz respeito ao estudo do direito, é peculiar as discussões


desenvolvidas para caracterizarem uma forte intenção de compreender os dispositivos
legais através das pesquisas realizadas pelos legisladores, proporcionando um intenso
debate da necessidade ou não da codificação das leis. (BITTAR, 2002, p.329)

3.1 Da Escola da Exegese

A escola da Exegese na França surgiu através da elaboração do código Civil


de Napoleão em 1804. Este código representava uma importante obra legal pois,
consolidava para a recente burguesia francesa todas as aspirações da Revolução (1789)
como a liberdade , igualdade fraternidade, a laicização do Estado e o republicanismo
(GALVES, 1995, p.215). Fazia-se necessária devida a grande insegurança jurídica que a
burguesia vinha sofrendo logo após a tomada do poder.
As características apresentadas pela escola estão no fato de uma forte ênfase
dada somente ao direito estabelecido no código. Seus principais formuladores negavam
aos julgadores a liberdade de recorrerem a outras fontes na busca de solução, afirmavam
que o código seria um todo perfeito e sem lacunas (NADER, 1999, p.180). A escola na
verdade propõe uma forma adequada de interpretar o código. Como expõe Bobbio (1995,
p. 148):

A escola da exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus


primeiros expoentes no estudo e exposição do código de Napoleão,
técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo
sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem
mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo,
do próprio Código.
A partir esta técnica estabelecida pela escola, inicio-se na tradição jurídica
ocidental da prática da criação dos manuais. Deste modo os Exegetas desconstituem o
direito natural e atribuem a lei a uma rígida concepção estatal do direito. (CAPELLARI,
2000, p.148)

3.2 Da Escola Histórica

Outro forte movimento no sentido de caracterizar a função do direito foi a


Escola Histórica na Alemanha, cuja principal referencia é Friedrich Karl von Savigny
(1779-1861). Os adeptos a esta escola compreendem o direito como resultante do
processo histórico, de uma realidade socialmente “dada” ou “posta. Como afirma Gusmão
(2001, p.384):
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Para os que formaram a Escola histórica do Direito, o direito é um


fenômeno espontâneo da sociedade, manifestado primeiro como
costume, que para os seus corifeus, é a sua fonte por excelência,
por corresponder mais fielmente aos ideais e necessidades da
sociedade em dado momento historio e por acompanhar de perto as
transformações dos demais fatos históricos.
Para a escola Histórica o sentido da tradição é expresso através dos costumes,
o direito é visto como normas consuetudinárias, que se formam e se desenvolvem através
de uma lenta evolução da sociedade. (BOBBIO, 1995, p.52)
O também chamado, Historicismo Jurídico opõe-se ao processo de codificação,
consequentemente a escola da exegese, por considerá-la limitada para remediar os
efeitos do direito, nesse sentido sustentava que somente através de uma ciência do
direito era possível compartilhar dos mesmos preceitos positivistas dos exegeses, na
busca de um direito unitário, sistemático e que garantisse a segurança jurídica. (BOBBIO,
1995, p. 121).
Consequentemente, logo após a escola do historicismo, temos na Alemanha o
movimento do pandectismo, caracterizado pelos juristas que se dedicavam ao estudo do
direito romano principalmente à pesquisa da Pandectistas ou Digesto de Justiniano.
Nader (1999, p. 180) contextualiza os Pandectistas afirmando “Em sua função elaborativa,
os pandectistas cultivaram a organização do sistema jurídico alemão, contribuindo como o
seu esforço para a unidade do Direito, do ensino jurídico e, ainda, da política nacional.”
Verifica-se que as idéias expostas pelos Pandectistas irão influenciar, bem
como a própria Escola Histórica, outros movimentos como Sociologismo Jurídico e a
moderna ciência do direito. (GUSMÃO, 2001, p.385)

3.3 Da escola Analítica

Por outro lado, paralelamentel, desenvolve-se na Inglaterra o pensamento da


Escola Analítica, também conhecida como Positivismo Analítico. Tal escola tem como
principal representante John Austin, jurista Inglês que através das influências, obtidas do
utilitarismo de Benthan elabora uma crítica ao direito legislado pelos juizes. Tal critica
fundamenta-se na incerteza do Common Law2, pois o direito elaborado pelos juizes não
traz segurança a sociedade, porque não se pode prever as conseqüências das ações

2
Common Law, locução Inglesa. Lei comum ou costume geral e imemorial que designa a lei não escrita ou não estatuída, criada por
decisões jurídicas, contrapondo-se à escrita, emanada do poder legislativo. É portanto, o conjunto de normas consuetudinárias,
baseadas nos precedentes judiciários, que impera na inglaterra e nas nações que adotam, por recpeção, por terem sido colonizadas
pelo povo inglês. (...) Caracteriza-se por ser um direito consuetudinário jurisprudencial não escrito, que tem por base os casos
resolvidos pelas cortes de justiça. (DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1 p. 685.
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destes (CAPELLARI, 2000, p.150). Desta forma, propõe um direito positivo fundamentado
em três pontos, como esclarece Bobbio (1995, p. 108):

a) a afirmação de que o objeto da jurisprudência (isto é, da ciência


do direito) é o direito tal como ele é e não como deveria ser
(concepção positivista do direito); b) a afirmação de que a norma
jurídica tem a estrutura de um comando (concepção imperativista do
direito); c) a afirmação de que o direito é posto pelo soberano da
comunidade política independente – isto é, em termos modernos
pelo órgão legislativo do Estado (concepção estatal do direito).
Como isso Austin análise as leis procurando isolar os conceitos jurídicos
fundamentais gerais de todo o Direito Positivo, para submetê-lo a uma classificação no
sentido de reduzir a um sistema de conceitos cujas simplificações e até mesmo as
aplicações práticas possam ser alcançadas pelo uso restrito da lógica formal. Calves
(1995, p.220) fornece uma síntese afirmando:

O estudo analítico do Direito Positivo é, pois, uma tarefa


estritamente racional, despreocupada do conteúdo dele, não se
perguntando jamais se é bom ou mau, justo ou injusto, natural ou
artificial. O jurista só se preocupa com saber se os comandos ou
regras de conduta social foram postos por um soberano, capaz de
sancioná-lo. Se foi, é o que basta para ser Direito de verdade.

Com relação às escolas aqui analisadas cabe, fazer algumas afirmações no


sentido de demonstrar a necessidade e as características de, no século XIX, construir-se
um direito científico. Visto o desenvolvimento socioeconômico deste período os juristas
franceses, alemães e ingleses eram premiados por uma considerável quantidade de
matéria jurídica confusa e dispersa, desde modo muitos viam que a solução não estava
no processo de codificação iniciado na França, mas sustentavam que a obrigação de
trazer ordem ao caos caberia a eles também através do estabelecimento de um direito
Científico. Assim sendo, Bobbio (1995, p. 123) destaca:

Esta idéia de uma ciência jurídica universal estava muito mais


próxima da concepção racionalista (...) A universalidade da ciência
jurídica é possível porque se serve de um método próprio, de certas
técnicas de pesquisa elaboradas e refinadas através dos séculos, as
quais são válidas para o estudo de qualquer ordenamento.

3.4 Do Direito Científico

O direito científico ganhou força principalmente com as contribuições de Rudolf


von Jhering, através de seu obra “Espírito do Direito Romano” onde estabelece um
método à ciência Jurídica fundamentado em basicamente três pontos: a) a análise
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jurídica, que consistia em decompor o material jurídico em simples conceitos; b) a


concentração lógica, que consistia na ordem inversa da primeira, num sentido de
reconstruir o material jurídico com os conceitos, estabelecendo a síntese, elemento chave
para toda a ciência; c) ordenamento sistemático, pela qual permitiria ao jurista não apenas
ter uma visão de conjunto sobre dados da experiência jurídica, mas ainda, a possibilidade
de produzir regras. (BOBBIO, 1995, p.125)

3.5 Do Direito positivo

Pode-se afirmar, em termos gerais, que a contribuição formulada pelas escolas


e juristas acima analisados apresentam os principais precursores do Positivismo Jurídico,
pois a doutrina do positivismo jurídico não é unívoca, apresenta-se composta por várias
escolas e movimentos que caracterizam um modo de pensar, neste sentido acrescenta
Bobbio (1995, p. 126):

Não me disporei a dizer que essas coisas ditas por Jhering sobre o
método da ciência jurídica são exatas e convincentes. Mas
certamente são indicativas de uma certa mentalidade, da
mentalidade do jurista teórico, que constrói um belo sistema,
preocupando-se mais com a lógica e com a estética do que com as
conseqüências práticas de suas construções. É a mentalidade que
geralmente tem sido atribuída ao jurista partidário do positivismo.
É através da necessidade desta sistematização e uniformidade ao direito
influenciado pelos avanços científicos do século XIX que motivou o surgimento da
doutrina3 do Direito Positivo, pondo de lado a metafísica, reduzindo o direito ao direito
positivo e definindo-o como fato, passível de estudo científico, fundado em dados reais.
(GUSMÃO, 2001, p.385)
Desta forma o próximo ponto irá tratar especificamente das contribuições do
Positivismo filosófico na doutrina do direito positivo, estabelecendo pontos de
convergências e destacando seus elementos.

4 DAS CONTRIBUIÇÕES DO POSITIVISMO FILOSÓFICO PARA O POSITIVISMO


JURÍDICO

As contribuições aqui expressas não têm a pretensão de demonstrar que as


configurações do positivismo jurídico do século XIX, apresentam traços em que o

3
Doutrina aqui é entendida como o Conjunto de teorias que envolvem um julgamento de valor, tem como propósito transformar uma
realidade. Difere da teoria, porque esta se limita a uma explicação causal, um juízo de existência. Mas em direito é muito comum usar-
se indiferentemente "doutrina", "teoria", "escola". Quando o leitor não encontrar o assunto sob um destes títulos, veja em outro. Opinião
dos doutos na matéria. Enciclopédia Jurídica Leib Soibelman
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positivismo filosófico tenha determinado. Cabe salientar que o Positivismo Jurídico


enquanto doutrina do direito positivo é anterior ao positivismo filosófico de Augusto de
Comte. O que de fato ocorre é que ambos os movimentos estimulam um ao outro como
irá se demonstrar (MACHADO, 1995, p. 144).
O pensamento do Positivismo Filosófico proporcionou no século XIX, uma
atitude epistemológica, que tinha por características a realidade, no sentido objetivo dos
fenômenos, a utilidade, a certeza e a precisão do conhecimento. Nas palavras de Alonso
(1996, p.109), “o conhecimento científico vinha definido por Comte como mais do que um
método de explicação da realidade. A constituição da ciência seria produto do
desenvolvimento da razão na história”.
Por isso, destaca-se que o positivismo filosófico, contribuiu no sentido de
estabelecer três pontos à ciência do direito a) reduzem a atividade humana e social a uma
simples realidade física ou natural; b) identificam fundamentalmente as ciências humanas
e sociais e, entre elas a moral e o direito, às ciências físicas e naturais; c) consideram a
atividade humana sujeito ao mesmo determinismo rígido do mundo físico ou biologia, e
negam , conseqüentemente, a existência da liberdade (MONTORO, 2000, p. 247).
Neste sentido o positivismo jurídico, se equivale aos princípios do positivismo
filosófico, pois rejeita todos os elementos da abstração na área do Direito, a começar pela
idéia do Direito Natural, por julgá-la metafísica e anticientífica (NADER, 2004, p.376)
A partir do estabelecimento do método de investigação do positivismo filosófico
no século XIX, é que se originam as mais diversas escolas positivas. Cabendo aqui
destacar algumas delas.
A primeira seria a Escola Sociológica Francesa que possui como principal
fundador Émile Durkheim, influenciado diretamente pelas idéias de Comte, pretende
substituir o direito natural, considerando-o apriorístico e anti-histórico, pela ciência
positiva. Com isso Durkheim refutou o jus naturalismo de Kant e Rousseau, e procurou
demonstrar que os direitos naturais, inatos ou pré-sociais do indivíduo, nada mais são do
que direitos que lhes foram dados pela consciência coletiva, cujo órgão máximo é o poder
estatal, fruto da evolução histórica e cultural. Neste sentido Reale (1998, p. 61) destaca:

A consciência coletiva, tal com aparece nas obras de Durkheim e de


Davy, é a fonte primordial de todo Direito. A lei não é mais que a
expressão consciente da vontade coletiva do grupo social (...)
Durkheim em sua análise sociológica do fenômeno jurídico, aceita,
como ponto de partida o conceito de Direito tal como é fixado pelo
técnico para caracterizar o Direito Objetivo. Para ele o Direito é a
expressão exterior do fato da solidariedade social, de sorte que é
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através do Direito que pretende estudar a solidariedade, fenômeno


este de ordem moral que não se prestaria à obserbvação exata.
Através das concepções durkheimeanas da solidariedade social Léon Duguit,
fundamenta o direito no puro fato social do sentimento de solidariedade e de justiça,
confinando a ciência jurídica na pura observação dos fatos sociais. Com isso nas palavras
de Diniz (1997, p.104) transforma a ciência dogmática numa disciplina sociológica.
Outra importante escola do Direito que aplicou o método de Comte à Ciência
do Direito foi a Escola Positiva de Direito Penal cujo os principais representantes são
César Lombroso e Enrique Ferri, reduzindo desta forma a ciência do direito penal ao
plano das ciências físico-naturais. (MONTORO, 2000, p.249)
Salienta que a escola positiva de direito penal aplicava o método experimental
e indutivo, baseados na rigorosa e exata observação dos fatos constituía a única fonte de
fundamento racional. O contexto pelo qual surge esta escola pode ser assim expresso por
Diniz (1997, p. 109):

Com o advento da tecnologia, da industrialização, das descobertas


de Darwin e Spencer, o sistema de raciocínio abstrato do século XIX
entrou em crise, consequentemente houve o crescente prestígio das
ciências naturais, pelo emprego do método positivo, método de
exploração com o qual se estudava o homem, considerado em sua
própria natureza e em suas relações sociais. O direito penal deixou a
esfera de abstração em que se encontrava ao tempo do classicismo,
passando para o terreno das verificações objetivas sobre o delito e
seu autor.
Percebe-se, através destas escolas, que o emprego do método de investigação
positivo começa a ser reinterpretado aos mais diversos ramos do conhecimento. Com isso
pode-se obter uma síntese da aplicação das idéias de Comte nas palavras de Ferraz
Júnior (1995, p. 31) “todas as teses de Comte foram base comum para o positivismo
jurídico do século XIX. Daí surgiu, finalmente a negação de toda metafísica, a preferência
dada às ciências experimentais, a confiança exclusiva no conhecimento de fatos etc”.
Com isso o desenvolvimento das varias configurações e tendências do
positivismo que dominaram o século XIX, transformaram a ciência do Direito ora em
dogmática jurídica como ciência positiva da norma, ora como sociologia, ora com
psicologia do direito (FERRAZ JÚNIOR, 1986, p.32).
Desta forma as idéias que iniciam o século XX, acentuam a preocupação
metodológica com relação a ciência do direito. Por outro lado às concepções do
positivismo filosófico vão ganhando a contribuição de novos autores e se destacando na
formação de uma base lógica forte com relação ao método cientifico. Esta tendência se
consolidou no chamado Circulo de Viena que tinha como principal característica a análise
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da linguagem científica. Os autores desta nova versão do positivismo constituíram a


Escola do neopositivismo, também chamado de empirismo lógico(ABBAGNAMO, 2000,
p.140).
Os neopositivistas caracterizam-se pelo rigoroso emprego da linguagem, dando
a adequada interpretação, para salientar os significados mais autênticos, eliminando os
equívocos que conduzem ao uso impróprio de tais significados Nascimento (2002, p.65)
assim caracteriza o neopositivismo:

(...) é uma forma do empirismo. O neopositivismo reduz a filosofia à


função de zelar pela linguagem, tornando-a clara e significativa. (..)
O neopositivismo obrigou os filósofos a se questionarem sobre a
propriedade da sua linguagem e a se esforçarem para ser mais
precisos e mais rigorosos ao se expressarem.
Segundo Abbagnano (2000, p.141) contribuíram para a base de discussão do
Circulo de Viena entre outros H. Hahn, Karl Popper, L. Wittgenstein e Hans Kelsen.
Neste sentido, desde a segunda metade do século XIX a concepção positivista
do saber, identificava o conhecimentos válido com a ciência natural, o jurista aderia ao
sociologismo que submetia o direito a varias metodologias empíricas, com isso destaca
Diniz (1996, p.13) que “não havia domínio científico no qual o cientista do direito não se
achasse autorizado a pentrar”, desta forma o austríaco Hans Kelsen ligado ao Circulo de
Viena, centrado na questão da cientificidade irá promover o movimento da purificação do
direito, atribuindo a ciência jurídica como única ciência do direito. Com isso destaca o
autor (Kelsen, 1998, p.1)

(...) um realce de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como


se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra claramente
quão longe ele está de satisfazer á exigência da pureza. De um
modo inteiramente acrítica, a jurisprudência tem-se confundido com
a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta
confusão pode proventura explicar-se pelo fato de estas ciências se
referirem os objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão
com o direito.
Kelsen apresenta suas idéias numa das mais celebres obras de sua carreira “A
teoria pura do Direito” . Segundo, Diniz (1996, 45) Kelsen constitui o objeto da
conhecimento jurídico-cientifico, e neste sentido o direito deve ser entendido como norma,
pois a atividade do jurista esgota-se como com o conhecimento da norma. A conduta
humana só será analisada se constituir conteúdo de comandos jurídicos. Tal método
empregado à ciência Jurídica corresponde ainda como um dos principais pilares o
sistema jurídico contemporâneo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se deste modo que os juristas apresentados na sessão anterior além


de positivistas jurídicos na acepção da palavra, eram positivista também no sentido
filosófico, pois o emprego do método cientifico no século XIX, possibilitou todo o
desenvolvimento sócio-econômico da recém burguesia européia.
No campo do Direito nota-se a importância do positivismo filosófico
principalmente por influenciar o Direito no sentido de adquirir uma concepção positivista
de sistema, não só enquanto estrutura formal fechada e acabada, mas também enquanto
instrumento metódico de pensamento jurídico. (Ferraz Jr, 1986, p. 35)
Cabe ainda salientar que as influencias do positivismo filosófico no Brasil são
ainda mais predominantes. O próprio processo de proclamação da república, como
também as primeiras faculdades de direito tiveram como marco os ideais positivistas. O
positivismo no Brasil esteve presente tanto no campo ideológico, influenciando na política
(na atuação dos militares), bem como na formação da recém elite intelectual brasileira
(ALONSO, 1996, p.116). No que diz estritamente ao mundo jurídico, salienta Soares
(1992, p.372) que distinguir-se-ão eminentes nomes, como Tobias Barreto, Sílvio
Romero, Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda, Pedro Lessa entre outros, todos ligados ao
positivismo filosófico, alguns dos quais evoluíram para outras correntes confluentes do
pensamento.
Conclui-se, portanto que as contribuições do Positivismo filosófico ao
positivismo jurídico foram importantes por estabeleceram todo um modo de pensar e agir
diante da realizada jurídica, modo este ainda fortemente presente no inicio do século XXI,
que vem sofrendo inúmeras criticas. Deste modo o presente texto deve como finalidade
apresentar algumas contribuições para o debate, demonstrando de forma imediata as
influencia das idéias de Augusto Comte sobre o pensamento jurídico do século do final de
século XIX e inicio do século XX e de forma mediata o forte predomínio do cientificismo na
sociedade contemporânea.

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