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BARBOSA, Ana Mae - O Ensino Da Arte e Do Design Quando Se Chamava Desenho - Reforma Fernando de Azevedo PDF
BARBOSA, Ana Mae - O Ensino Da Arte e Do Design Quando Se Chamava Desenho - Reforma Fernando de Azevedo PDF
Resumo
Este artigo coloca o Ensino da Arte e do Design no âmbito dos
Estudos Culturais e defende a necessidade de conhecimento
histórico como defesa contra o neo-colonialismo que espreita
a cultura dos países que, à semelhança do Brasil começam
a ser bem sucedidos economicamente. Usando pesquisa
feita em jornais entre 1922 a 1948, discorre-se a respeito da
reforma educacional considerada a mais radical já realizada
no Brasil, a Reforma Fernando de Azevedo (1927 a 1930). O
ensino do Desenho como Arte e Design foi um dos valores
centrais desta reforma. Fernando de Azevedo foi atacado de
todos os lados começando pela obrigatoriedade de exame
de Desenho para a entrada na Escola Normal. Também
se procurou desarticular as lideranças das professoras que
o apoiavam exigindo celibato para as professoras. O artigo
termina explicitando a importância dos Trabalhos Manuais
na Reforma Fernando de Azevedo.
Palavras-chave: Ensino da Arte. Desenho. Design. Reforma
Fernando de Azevedo.
1
Professora Titular da USP e da Anhembi Morumbi. anamae@uol.com.br
Ana Mae Barbosa
tarefa. Sua palestra salientou o valor da história para entender
o presente e projetar o futuro. Durante um jantar à beira da
belíssima Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio, ela falou de suas
preferências conceituais e dos artistas que mais admira de tal
forma que me identifiquei com suas preferências, assim como
já havia me identificado com as armas de luta contra o do uso
da Arte como instrumento de poder que seu amigo José Luis
Brea havia manejado.
Brea me foi introduzido em 2005 por minha aluna
Jociele Lampert. Comuniquei-me com ele que, por sua vez, se
mostrou encantado em vir ao Brasil, mas infelizmente antes de
formalizar sua vinda ele morreu. Lamentável perda.
Tenho sido muito estimulada para pesquisar a história
do Ensino da Arte, do Design e dos Estudos Visuais no
Brasil, como forma de contraposição ao esforço que alguns
programas de pós-graduações recentes vem fazendo no
intuito de eliminar a nossa HISTÓRIA e delimitar muito
estreitamente o campo da Cultura Visual. Coincidentemente
a exclusão do Design do âmbito da Cultura Visual vem sendo
praticada sem argumentação pelos mesmos que pretendem
destruir a História. Embora saiba que estou fazendo inimigos
ferozes continuarei lutando pela abertura do âmbito dos
Estudos Visuais no Brasil. Nos Estados Unidos a situação é
diferente.
Participei de uma mesa redonda na Annual Conference
da NAEA em Seattle em 2011 e pude observar que esse ano
na NAEA as mesas sobre Art and Design Education foram
as mais concorridas. Cultura Visual já não é algo discutível,
já está assimilada na Arte/Educação americana, pois seus
estudos foram integrativos com respeito à história e àqueles
que faziam Cultura Visual antes da Cultura Visual ter este
nome.
Desde os primórdios do modernismo houve arte/
educadores americanos como Belle Boas (anos vinte na
Educ. foco,
Juiz de Fora, Columbia University) que integraram diferentes meios
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
20 produtores de imagens ao ensino da Arte e estenderam o
campo de sentido da Arte para a Antropologia e os meios de O ensino da
arte e do design
quando se chamava
comunicação. desenho: reforma
Fernando de
Educação.
Deste tema falaram Kerry Freedman, Mary Ann Stankiewicz
e Robin Vande Zander. Foi uma mesa excelente. Começou com
a História do ensino da Arte e do Design na Escola Normal de
Massachusetts hoje Massachusetts College of Art, instituição
onde eu cursei uma disciplina durante meu doutorado. Falaram
de Walter Smith que influenciou o mundo todo no início do
século XX, da Nova Zelândia ao Brasil2. Foi analisada também
a Revista School Arts por Robin Zander demonstrando que esta
preocupação com o Design sempre esteve subjacente ao ensino
da Arte nos Estados Unidos. Tenho buscado provar através de
pesquisas que no Brasil também foi assim. A frase com a qual
Kerry Freedman, a grande dama da Cultura Visual, terminou sua
fala ecoou por todo o Congresso, todos os outros dias: “Art and
Design Education is Visual Culture”.
A África do Sul vem defendendo com grande ênfase
Art e Design Education no currículo. Há dois anos em
um Congresso no Brasil sobre Design, organizado por
Mônica Moura, um professor Sul Africano disse que em sua
universidade o número de professores de Design Education
era quase o triplo do número de professores de outras áreas
do Design. Quando perguntei “por que?”, ele respondeu que
era política do governo. Portanto a nova onda em direção ao
ensino da Arte e do Design não recomeçou nos países ricos,
mas em um país ainda em desenvolvimento.
A crise está obrigando os países ricos a reverem suas
posições.
2
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. SP: Editora Perspectiva,
1986. E PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância do
Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010. Trabalho de
Educ. foco,
Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos anos iniciais do Ensino Juiz de Fora,
Fundamental com ênfase em Educação de Jovens e Adultos) - Instituto Superior v. 18, n. 2, p. 19-52,
de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. 21 jul. / out. 2013
Ana Mae Barbosa
Termino aqui meu argumento afirmando em
consonância com Kerry Freedman que Design é Cultura
Visual, ou melhor, é parte integrante dos Estudos Visuais.
A ignorância sobre nossa história está fazendo
professores que orientam outros professores a negarem as
raízes sociais e políticas do ensino da Arte e do Desenho
no Brasil nas Escolas Primárias e Secundárias no Brasil. O
Projeto para ensino do Desenho de Rui Barbosa foi o mais
detalhado e mais bem embasado que se apresentou à legislação
brasileira até hoje. Usávamos a mesma palavra “DESENHO”
para designar desenho artístico e design. Só na década de
sessenta com as discussões para a criação da ESDI passamos a
usar desenho para a arte e design para projeto. A proposta de
Rui Barbosa nunca chegou a ser aprovada oficialmente, mas
como ele foi várias vezes candidato a presidente do país e sua
bandeira eleitoral era a educação, seu projeto como agenda
escondida resistiu nas escolas brasileiras até os inícios da
década de 1980, portanto quase cem anos. Quem se lembra
das rosáceas, das gregas, das frisas decorativas, do processo de
ampliação de figuras quadriculando o papel? Tudo isto que
entrou em nossa cultura visual pedagógica pelas mãos de Rui
Barbosa tinha como objetivo a preparação para o trabalho.
Era design, antes do design. O interesse era social e político.
Havia um boom da construção civil e os liberais lutavam pela
abolição da escravatura. Queriam que a Escola Pública e as
oficinas preparassem os escravos recém- libertos em Desenho
Decorativo e Desenho Gráfico para serem especializados e
bem pagos. Podemos questionar a visão política e social da
época, mas não podemos dizer que a preocupação do Ensino
da Arte com o social só surgiu na década de noventa do século
XX por influência da Cultura Visual, conforme afirmou um
orientador de mestrado e doutorado em artigo da Revista
Digital Invisibilidades. Rui Barbosa e André Rebouças
podem ter sido esquecidos pelos que ignoram e desprezam
Educ. foco,
HISTÓRIA, mas as ONGs que estão aí batalhando pelos
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
excluídos serem varridas da HISTÓRIA é mera destruição.
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Elas desempenham um papel tão evidente em nossa sociedade O ensino da
arte e do design
quando se chamava
que não dá para esquecê-las. Todas as ONGs que são eficientes desenho: reforma
Fernando de
na reconstrução social de crianças, jovens e adultos trabalham Azevedo
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MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
4
PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. SP:
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24 Perspectiva, 1987.
México, pois conhecia e chegou a citar em texto e discursos as O ensino da
arte e do design
quando se chamava
Escuelas al Aire Libre. desenho: reforma
Fernando de
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Além do programa de construções de novas escolas a comunidade continuou
insistindo em adaptar casa e oferecê-la como escola, como se vê na notícia do:
O Jornal - 05/07/1929
Pela instrução municipal
A população de Fontinha ofereceu um prédio à Prefeitura afim de nele ser instalada
uma escola
Os moradores da Fontinha, um dos mais prósperos subúrbios desta capital,
acabam de oferecer à Prefeitura, gratuitamente, o prédio da Estrada da Fontinha,
404, afim de nele ser instalada a escola da localidade.
Trata-se de uma casa completamente nova, com todos os requisitos exigidos pela
pedagogia moderna para a instalação de uma escola.
O prédio oferecido possui amplos salões, com capacidade para mais de 600
alunos.
Educ. foco,
Juiz de Fora,
A população de Fontinha, que tem para mais de 700 crianças em idade
v. 18, n. 2, p. 19-52, escolar, aguarda a presença do Dr. Licínio Cardoso, técnico da Diretoria
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26 de Instrução, a fim de dar seu parecer.
O jornal ainda afirmava que Nerêo Sampaio era O ensino da
arte e do design
quando se chamava
conhecido internacionalmente, que havia representado o desenho: reforma
Fernando de
7
Membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado
federal (1947-55) e governador do estado da Guanabara (1960-65). Fundador
em 1949 e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e criador, em 1965,
Educ. foco, da editora Nova Fronteira. Marcado pela ferrenha oposição ao “Getulismo”
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52, e seus frutos, dentre eles, Juscelino Kubitschek, disponível em: <http://www.
jul. / out. 2013
28 frasesfamosas.com.br/de/carlos-lacerda.html>. Acesso em: 08 out. 2011.
como fator predominante na seleção de pessoas competentes para O ensino da
arte e do design
quando se chamava
os novos cargos ou para as vagas que se abrirem, tão longe estará desenho: reforma
Fernando de
V. Excia. de melhorar a gravíssima situação do ensino no Distrito Azevedo
A Manhã
15/02/1928
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
31 jul. / out. 2013
Ana Mae Barbosa
Correio da Manhã
15/02/1928
Correio da Manhã
16/02/1928
O Globo
01/03/1928
Correio da Manhã
01/03/1928
As futuras normalistas
O Jornal do Brasil
05/07/1929
O espírito das elites dominantes era tão retrogrado que não
parou aí a perseguição à Reforma. Resolveram perseguir
as professoras da Associação Brasileira de Educação (ABE)
que começavam a se reunir como categoria profissional
e apoiavam a Reforma. Um deputado propôs o celibato
das mulheres professoras. O jornal A Pátria fez enquetes
com professores a respeito. O Professor Luis Palmeira foi
totalmente contra, mas veio de Benevuta Ribeiro, uma
mulher, o apoio incondicional.
A Pátria
15/02/1928
A Notícia
11/06/1930
• Leitura de Jornais
• Jogos Pedagógicos
• Museu de classe
• Testes
• Desenho e Trabalhos Manuais
• Dramatizações
• Aritmética
• Linguagem
Educ. foco,
• Música Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
45 jul. / out. 2013
Ana Mae Barbosa
O Desenho tinha o mesmo status que as outras disciplinas
e significava não mais submissão ao desenho geométrico, mas
a prática do desenho de imaginação, desenho decorativo,
desenho industrial, desenho gráfico (ou artes gráficas) desenho
de observação. As Escolas Profissionais se desenvolveram
muito sob a Reforma, eram escolas de iniciação ao “design” só
que esta designação não era ainda usada.
Quanto aos Trabalhos Manuais, embora tenham
tido menor divulgação que o ensino do Desenho, também
mereceram estudos, com o primeiro livro publicado no Brasil
sobre o assunto escrito por Coryntho da Fonseca.
Sobre o livro e o autor se publicou esta notícia abaixo:
Diário Carioca
06/06/1930
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1986.
______. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez,
2001.
MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e
transformação. São Paulo: Perspectiva, 1987.
PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância
do Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010.
Educ. foco,
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
anos iniciais do Ensino Fundamental com ênfase em Educação
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de Jovens e Adultos) - Instituto Superior de Educação do Rio de O ensino da
arte e do design
Jornais
A Manhã. 15/02/1928.
A Notícia. 11/06/1930.
A Pátria. 15/02/1928.
A Pátria – O Imparcial – O País – Jornal do Comércio – Jornal do
Brasil. 17/02/1928.
Correio da Manhã. 15/02/1928.
Diário Carioca. 06/06/1930.
Jornal da Manhã. 06/09/1941.
O Globo. 01/03/1928.
O Jornal do Brasil. 05/07/1929; 02/10/1929.
Abstract
This article looks at the teaching of Art and Design through
the eyes of Culture Studies and support the necessity of
historical knowledge as a hedge against the neocolonialism
that threat the culture of countries that, like Brazil, start
to become economically successful. Using research done
with 1922 to 1948 newspapers, the article speaks of the
educational reform considered to be the most radical on
Brazil, the Fernanda de Azevedo Reform (1927 to 1930).
The teaching of Drawing as Art and Design was one of
the central values of this reform. Fernanda de Azevedo was Educ. foco,
Juiz de Fora,
attacked by all sides, starting with the implementation of a v. 18, n. 2, p. 19-52,
compulsory drawing exam for acceptance in normal school. 51 jul. / out. 2013
Ana Mae Barbosa
There was also an effort to destabilize the teacher leadership
which supported it by demanding female teachers to be
single. The article also explains the importance of manual
labors on the Fernanda de Azevedo Reform.
Keywords: Arts Teaching. Drawing. Design. Fernanda de
Azevedo Reform.
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
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