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Pesquisa em sala de aula: Fundamentos e pressupostos

Chapter · August 2018

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3 authors, including:

Maurivan Ramos Maria do Carmo Galiazzi


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
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PESQUISA EM SALA DE AULA A pesquisa em sala de aula é uma das maneiras de envolver
Fundamentos e pressupostos os sujeitos, alunos e professores, num processo de questionamento do
*
Roque Moraes discurso, das verdades implícitas e explícitas nas formações discursivas,
**
Maria do Carmo Galiazzi propiciando a partir disso a construção de argumentos que levem a novas
***
Maurivan G. Ramos verdades. A pesquisa em sala de aula pode representar um dos modos de
influir no fluxo do rio. Envolver-se nesse processo é acreditar que a realidade
“Foi um rio que passou em minha vida não é pronta, mas que se constitui a partir de uma construção humana.
E meu coração se deixou levar...” Dentro dessa perspectiva, o processo da pesquisa em sala de
(Samba de carnaval da Portela) aula, com base em idéias iniciais de Rowan (1981), pode ser representado
como um ciclo dialético que pode levar gradativamente a modos de ser,
O movimento da realidade do ser que compreende, age e vive compreender e fazer cada vez mais avançadas. Os elementos principais desse
se assemelha a um grande rio que corre para o mar. O rio carrega tudo que ciclo são o “questionamento”, a “construção de argumentos” e a “comunicação.
nele está, tudo sendo arrastado, geralmente com pouca reação dos A pesquisa em sala de aula, compreendida dessa forma,
participantes. Apenas alguns navegam o rio de modo consciente e são estes atende ao que denominamos um princípio geral que pode ser assim formulado:
que têm condições de influir no fluxo das águas, redirecionar o rumo do A pesquisa em sala de aula pode ser compreendida como
movimento, transformar o rio. um movimento dialético, em espiral, que se inicia com o
O rio é o discurso, formação discursiva, que carrega verdades questionar dos estados do ser, fazer e conhecer dos
estabelecidas. Somente na medida em que essas verdades forem participantes, construindo-se a partir disso novos
questionadas, possibilitando a construção de novos argumentos e novas argumentos que possibilitam atingir novos patamares
formas de compreensão é que podemos modificar o discurso no qual estamos desse ser, fazer e conhecer, estágios esses então
imersos. comunicados a todos os participantes do processo.
Queremos aqui tratar de modos como o ser humano pode
tornar-se participante ativo de seu movimento no rio da vida. Queremos refletir No presente texto discutimos esses três momentos,
sobre uma forma em que esse movimento pode ser desencadeado na sala de caracterizando-os e mostrando diferentes formas como cada um deles pode ser
aula por meio da pesquisa. Esse é o mesmo movimento propiciado pela ativado dentro do ciclo. O conjunto desses três momentos é uma espiral nunca
pesquisa em geral, capaz de fazer avançar nossa compreensão da realidade, acabada em que a cada ciclo se atingem novos patamares de ser,
nossa capacidade de explicar e compreender fenômenos. compreender e fazer.

*
Licenciado em Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. QUESTIONAMENTO
Professor e pesquisador do Curso de Pós-Graduação em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, atuando na linha de
Pesquisa Educação e Ciência. Coordenador de Educação do Museu de
Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
**
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Professora do Departamento de Química, da Fundação Universidade CONSTRUÇÃO DE COMUNICAÇÃO
de Rio Grande.
***
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do ARGUMENTOS
Sul. Professor da Faculdade de Química e da Faculdade de Educação da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

MORAES, Roque, GALIAZZI, Maria do Carmo, RAMOS, Maurivan Güntzel. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque, LIMA, Valderez M. do R.
Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012
Aprofundamos, a seguir, a discussão desse movimento de como se fazem as coisas, como se é. Cada sujeito tem sempre um
pesquisa e de transformação da sala de aula, propondo-o na forma de três conhecimento inicial em todos esses sentidos. Ninguém é vazio de
princípios, cada um deles focalizando um dos momentos principais desse ciclo: conhecimento, de saber fazer as coisas, de ter seu conjunto de valores e
questionamento, construção de argumentos e comunicação. atitudes. Tomar consciência do que somos e do que pensamos é um momento
inicial que precede qualquer questionamento.
Questionamento Não basta, entretanto, tomar consciência do que somos, do
que sabemos e do que fazemos. Isso por si só não nos conduz a um
O movimento do aprender através da pesquisa inicia-se com o questionamento. Para que esse possa ocorrer, é preciso tomarmos
questionar. Como afirmam Freire e Faundez (1985), em Pedagogia da conhecimento de outras possibilidades de ser. Quando lemos, podemos tomar
Pergunta, o conhecer surge como resposta a uma pergunta. A pergunta, a contato com outros modos de agir, de pensar e de ser. Também podemos
dúvida, o problema desencadeia uma procura. Leva a um movimento no conhecer outras possibilidades através da fala e discussão com os colegas e
sentido de encontrar soluções. Como também declara Alves (1985), em com o professor. Podemos, finalmente, observar outras realidades e vivências.
Filosofia da Ciência, um carro que funciona bem não nos preocupa; é quando o Talvez nem consigamos compreender todas essas outras possibilidades, tendo
carro enguiça e não quer andar mais que nos movimentamos para encontrar a em vista a limitação do nosso conhecimento. Mas numa determinada “zona
solução do problema. A pesquisa inicia com um problema. proximal” de acordo com a terminologia de Vygotsky (1988), conseguimos
Também assim parece ocorrer na aprendizagem. Uma nova movimentar-nos, especialmente com a ajuda de um mediador. Consigo assim
compreensão, um novo modo de fazer algo, uma nova atitude ou valor ver os limites do meu ser e perceber outras possibilidades.
parecem ter mais significado quando construídos como conseqüência de um Esse movimento de ver outras possibilidades, contrastado com
questionamento. Por isso entendemos o perguntar como o movimento inicial a consciência do nosso próprio ser e conhecer é que dá origem ao
da pesquisa, e da mesma forma da utilização da pesquisa em sala de aula. questionamento. Nosso ser é problematizado; nosso conhecer se transforma
Expressamos isso em forma de um primeiro princípio da em uma pergunta; um desafio de movimento se levanta. É o questionamento; é
pesquisa em sala de aula: a problematização. É sentir-nos incomodados no movimento do rio e desafiar
seu movimento.
Para que algo possa ser aperfeiçoado, é preciso criticá-lo, O questionar é dar-nos conta no fluxo do rio de que nada é
questioná-lo, perceber seus defeitos e limitações. É isto definitivo, que as verdades podem tomar diferentes formas. Que somos sujeitos
que possibilita pôr em movimento a pesquisa em sala de e que podemos influir no movimento da água. É compreender que podemos
aula. O questionar se aplica a tudo que constitui o ser, mudar, que é possível modificar-nos num sentido desejado, possivelmente
quer sejam conhecimentos, atitudes, valores, melhor. Questionar é criar as condições de avançar. Como novamente afirmam
comportamentos e modos de agir. Freire e Faundez (idem), perguntar é desafiar o poder. Quando questionamos,
assumimos nossa condição de sujeitos históricos, capazes de participar da
É importante que o próprio sujeito da aprendizagem se envolva construção da realidade. Deixamos de aceitar a realidade simplesmente, tal
nesse perguntar. É importante que ele mesmo problematize sua realidade. Só como imposta por outros, pelo discurso do grupo social em que nos inserimos.
assim as perguntas terão sentido para ele, já que necessariamente partirão de Esse é o início de um movimento de mudança.
seu conhecimento anterior. Temos assim condições de superar o exercício de Esse questionamento, conforme já salientado, pode dar-se em
tentar responder a perguntas que os alunos nunca se fizeram, também qualquer dimensão do ser. Vamos destacar aqui o conhecer e o fazer.
criticado por Freire e Faundez (1985). Questionar o conhecer é problematizar o conhecimento. Assim,
Como concretizar isso? Em que consiste esse questionamento, por exemplo, podemos questionar nossa compreensão do significado do
essa problematização? aprender. Podemos perguntar-nos sobre o que significa aprender e sobre os
Entendemos que esse movimento de questionamento pode ser diferentes significados do aprender para outros. Corresponderia a questionar
entendido como constituído de três passos. No primeiro ocorre a tomada de um conhecimento, capaz de propiciar-nos um movimento no sentido de
consciência do ser atual, o refletir sobre o que se conhece no momento, sobre aperfeiçoar nossa compreensão das questões sobre como se aprende.

MORAES, Roque, GALIAZZI, Maria do Carmo, RAMOS, Maurivan Güntzel. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque, LIMA, Valderez M. do R.
Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012
Questionar o fazer é problematizar modos de agir. Em relação construção de argumentos. Ainda considerando que esse trabalho ocorra no
ao mesmo aprender, podemos questionar-nos sobre como agimos quando seio da comunidade da sala de aula, não esperamos argumentos inéditos. No
pretendemos aprender algo. De que modo nos movimentamos quando entanto, é muito provável que sejam inéditos para os sujeitos.
pretendemos aprender algo, ou quando pretendemos ajudar outros em sua Entendemos que esse movimento de construção de
aprendizagem. Questionamos assim a nossa prática, mesmo que isso não argumentos pode dar-se em quatro passos principais.
possa ser separado de nossas concepções teóricas sobre o aprender. Teoria e Num primeiro movimento, a partir da problematização e do
prática são diferentes facetas do mesmo ser, e por isso integradas. Entretanto, questionamento, construímos uma nova hipótese do ser, fazer ou conhecer.
nesse momento nosso foco seria nossa prática. Isso constitui o momento da construção da antítese, da nova tese. Construir
Assim podemos questionar qualquer coisa, como nossas idéias essa hipótese ajuda-nos a decidir sobre o sentido do movimento, a partir do
sobre átomos ou sobre ácidos; o entendimento sobre equações de segundo questionamento anteriormente produzido.
grau ou sobre derivadas; podemos questionar nossa prática de plantar Uma vez formuladas essas novas hipóteses, é preciso reunir
hortaliças, ou nossas maneiras de fazer queijo. Tudo pode ser questionado. argumentos para fundamentá-las. A nova tese, o novo conhecimento, a nova
Tudo pode ser modificado. Dar-nos conta disso e envolver-nos nesse processo verdade precisa ser fundamentada. Precisamos convencer-nos dela.
é assumir-nos sujeitos na realidade em que vivemos. Necessitamos convencer os outros. Isso implica diversificadas atividades que
Entretanto, não podemos ficar no questionar. O problema faz- incluem o ler, o discutir, o argumentar, o reunir dados, analisá-los e interpretá-
nos agir. Quando o carro enguiça, fazemos algo para resolver nosso problema. los. Isso pode tanto dar-se em nível individual como de grupo.
Quando estamos curiosos sobre nossas concepções de aprender, vamos à Num terceiro passo, os argumentos precisam ser organizados.
procura de mais conhecimento. Mas isso já caracterizamos como um segundo Como diz Marques (1997), na capa do seu livro, escrever é preciso. As novas
movimento dentro do ciclo da pesquisa em sala de aula. verdades e os argumentos que as fundamentam precisam ser explicitados, de
modo especial por escrito. Isso implica torná-los mais rigorosos.
Construção de argumentos A partir disso, ou integradamente com isso, é importante um
quarto momento. Essa produção escrita também precisa ser permanentemente
O questionamento em si não é suficiente. Perceber os limites submetida à crítica, à análise de uma comunidade de discurso mais ampla, que
de uma verdade não produz automaticamente outra. A construção de uma pode ser inicialmente o próprio grupo de colegas de aula. O diálogo crítico e
nova síntese passa por um conjunto de ações e reflexões em que fundamentado se torna importante para construir a convicção sobre a nova
gradativamente vai se constituindo uma nova verdade, tornando-a cada vez verdade, o novo conhecimento que está sendo constituído. Como as verdades
mais fundamentada. Como isso pode ocorrer? estão constituídas dentro do discurso, é preciso integrar as novas verdades
Procuramos sintetizar esse processo num segundo princípio: nesse discurso. Isso pode dar-se através do diálogo e discussão críticos.
Esse segundo momento da pesquisa em sala de aula é o
A pesquisa em sala de aula precisa do envolvimento ativo momento da produção propriamente dita. Produzir argumentos é envolver-se
e reflexivo permanente de seus participantes. A partir do numa produção. É ir aos livros, é contactar pessoas, é realizar experimentos. É
questionamento é fundamental pôr em movimento todo também analisar e interpretar diferentes idéias e pontos de vista. É, finalmente,
um conjunto de ações, de construção de argumentos que expressar os resultados em forma de uma produção, geralmente escrita.
possibilitem superar o estado atual e atingir novos Assim, por exemplo, se questionamos o conceito de ácido,
patamares do ser, do fazer e do conhecer. precisamos movimentar-nos para responder ao nosso questionamento.
Podemos consultar bibliografias, podemos falar com pessoas que entendem do
Se há uma verdade estabelecida, esta tem argumentos que a assunto, podemos investigar o que outros pensam sobre ácidos. A partir disso
sustentam. Foi construída por alguém ou por determinado grupo social. vamos então elaborando novas compreensões sobre ácidos, vamos
Superá-la exige, uma vez feito o questionamento, construir os fundamentos de estruturando novos argumentos sobre o que são, suas propriedades, suas
uma nova verdade. Se questionamos o modo de fazer o queijo, precisamos reações. Finalmente, à medida que avançamos, começamos a colocar tudo
propor nova alternativa, demonstrando sua validade. É o que denominamos isso em uma produção concreta. Talvez escrevamos um texto sobre ácidos,

MORAES, Roque, GALIAZZI, Maria do Carmo, RAMOS, Maurivan Güntzel. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque, LIMA, Valderez M. do R.
Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012
que podemos então submeter à crítica de colegas e de outras pessoas Precisam ser comunicados e criticados. Precisam ser reconstruídos no coletivo.
interessadas no tema. É isso que expressa o terceiro princípio.
O exemplo mostra que os quatro momentos propostos se
apresentam integrados. Constituem um contínuo, ainda que os possamos É importante que a pesquisa em sala de aula atinja um
separar em diferentes momentos para compreendê-los melhor. Na prática, estágio de comunicar resultados, de compartilhar novas
entretanto, cada problema apresenta uma seqüência própria de evolução de compreensões, de manifestar novo estado do ser, do fazer
suas soluções. e do conhecer, o que contribui para a sua validação na
Sintetizando, entendemos que o questionamento é a mola comunidade em que esse processo está se dando.
propulsora da pesquisa em sala de aula. No entanto, a partir dele, é preciso
movimentar-nos rumo à organização de argumentos que justifiquem novas Essa comunicação pode ser entendida em dois momentos,
posições assumidas, novas compreensões atingidas. E esse movimento dá-se mesmo que sejam integrados e se superponham.
por meio do encontro de interlocutores para que se estabeleça o diálogo. O primeiro consiste num esforço em expressar com clareza a
Esses interlocutores têm características diferenciadas. Há interlocutores que nova compreensão atingida. É um novo momento de escrever e de falar. É um
argumentam através de suas produções escritas. São sujeitos que, de certo esforço de tornar compreensível para outros, especialmente aqueles que não
modo, já fizeram algum questionamento sobre o tema que nos intriga, e que participaram diretamente de nossas pesquisas, as novas teses, os novos
nos possibilitam, por intermédio da leitura, acessar, entender, compreender e modos de ser, de conhecer e de agir construídos ao longo do trabalho.
criticar suas interpretações. Mas não basta ficar apenas conhecendo cada vez Esse primeiro movimento comunicativo dá-se dentro do próprio
melhor os nossos interlocutores teóricos e seus argumentos, até porque esse grupo em que a pesquisa é concretizada. Por meio dele, o próprio esforço em
movimento nunca se esgota. É preciso também ir ao encontro dos fatos, das comunicar os resultados da pesquisa, preferencialmente por escrito, no
normas, das vivências. E isso se dá através dos interlocutores empíricos. Mas mesmo movimento em que são produzidos, também constitui parte do
não podemos ficar apenas na leitura e na coleta de dados. Precisamos processo de construção de uma nova compreensão. Como tão bem coloca
interpretar as novas informações e explicitá-las, de preferência por escrito. Marques (1997), a necessidade de escrever é princípio da pesquisa. De algum
Finalmente essa produção precisa ser submetida à discussão crítica e modo também é o fim da pesquisa, tanto no sentido de sua finalidade como de
divulgada. Isso leva-nos ao terceiro momento do ciclo, a comunicação. seu término.
Entretanto, nesse processo do escrever, muitas versões
Comunicação parciais de um texto final podem ser produzidas. Cada uma delas será
submetida a diferentes grupos da sala de aula para sua validação e crítica. A
A construção de novas verdades no discurso não é suficiente. comunicação final vai assim sendo refinada e aperfeiçoada, ocorrendo no
As novas teses necessitam ser integradas efetivamente no discurso. Precisam mesmo movimento a sua validação por um grupo cada vez mais amplo.
ser debatidas, criticadas, para tornar-se cada vez mais fortes nos argumentos O segundo momento é a divulgação propriamente dita dos
que as constituem. Não há discurso com uma só voz. No mundo do discurso, resultados do trabalho. É um movimento para fora do grupo mais restrito em
é preciso que as verdades, mesmo que provisórias, constituam-se a partir das que a pesquisa ocorreu. Mesmo conscientes de que a verdadeira compreensão
relações entre sujeitos. Por isso, precisam ser compartilhadas. Precisam ser seguidamente só é acessível a quem se envolveu no processo da pesquisa, é
comunicadas. Precisam constituir-se a partir de perspectivas múltiplas. Se o rio importante ampliar o grupo dos que tomam conhecimento das novas verdades.
precisa ser transformado, somente uma força intensa faz com que ele se Isso pode tanto dar-se através de relatórios escritos, apresentação do trabalho
adapte ao novo fluxo, reoriente-se ao novo percurso. em eventos, pela utilização prática dos novos modos de agir no dia-a-dia, ou
A construção de argumentos e a comunicação estão pela simples vivência de um novo ser.
estreitamente relacionadas. Constituem-se num conjunto de ações que, Esse segundo momento é um exercício de validação e
mesmo tendo início numa atividade individual, precisam ser sempre reconhecimento das novas verdades por uma comunidade mais ampla. Se
compartilhadas. Os argumentos necessitam assumir a força do coletivo. houve um questionamento de um ser, se foram construídos novos argumentos
como resposta aos questionamentos propostos, se foi atingida uma nova tese

MORAES, Roque, GALIAZZI, Maria do Carmo, RAMOS, Maurivan Güntzel. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque, LIMA, Valderez M. do R.
Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012
em relação ao conteúdo pesquisado, então é importante colocar isso tudo à O entendimento da realidade num sentido dialético implica
crítica. Isso é a essência da pesquisa e do avanço do conhecimento. Talvez assumir um movimento permanente. A realidade está em constante
seja o momento de perceber lacunas que a pesquisa em um pequeno grupo transformação. Assumir-se como sujeito nessa transformação é assumir o
não permitiu vislumbrar. O trabalho pode então ser retomado para papel de agente histórico.
aperfeiçoamento e complementação. Se acreditamos na natureza dialética desse processo,
Podemos exemplificar esse terceiro momento, descrevendo-o entendemos que as novas teses já trazem dentro delas próprias o princípio de
com um terceiro conteúdo. Numa sala de aula na qual se trabalha com essa sua superação. Descansar é estagnar. Melhorar e avançar exige que o
pesquisa de que estamos tratando, foi proposto o tema da avaliação. A partir questionamento continue. A espiral da vida, o movimento do rio não pode
disso levantamos questionamentos sobre como era concretizada a avaliação parar.
em um contexto concreto de um sistema de ensino da escola fundamental. Assim voltamos ao início. O Rio da Portela. Também esse pode
Isso levou a um conjunto de investigações bibliográficas e empíricas. representar uma evolução ou apenas submeter-se à corrente. Se entramos no
Inicialmente construímos uma compreensão em relação a diferentes modos de rio da escola como sujeitos questionadores e participativos, modificamos de
avaliação propostos em bibliografia pertinente, construímos um argumento com algum modo o desfile com nossa participação. Contribuímos para a qualidade
o propósito de superar as avaliações sancionadoras e advogar pela prática de da escola com a nossa criatividade. Mas podemos também apenas deixar-nos
uma avaliação mediadora. A partir disso examinamos a realidade empírica levar pelo que nos é imposto. Apenas repetimos, apenas obedecemos a
selecionada, o contexto de estudo, e essa foi interpretada com base nos ordens. Ou então nos orientamos pela criatividade de alguns. O que produzirá
pressupostos teóricos anteriormente construídos. A partir disso foi possível o melhor desfile? Temos a convicção de que todo bom sambista modifica o
construir, fundamentar e validar os novos argumentos, possibilitando ainda desfile com sua criatividade.
compreender melhor a avaliação no contexto examinado. Ao longo de todo o É possível transformar a sala de aula nesse movimento de
processo, foram sendo produzidos documentos explicitando os resultados das questionamento, construção de novos argumentos e comunicação e crítica das
pesquisas. Tudo isso resultou num documento final expressando o conteúdo novas verdades atingidas? Seria isso uma forma válida para superar algumas
investigado, os modos de investigação e as novas compreensões atingidas. das limitações que, em geral, as escolas apresentam?
Todos os trabalhos parciais foram periodicamente submetidos à crítica de
pequenos grupos e do grupo maior. Finalmente o trabalho foi apresentado em REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
eventos científicos e publicado, possibilitando uma crítica por uma comunidade
científica mais ampla. ALVES, R. Filosofia da Ciência. São Paulo: Brasiliense, 1985.
É importante salientar que os resultados do trabalho não são DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1997.
apenas a publicação resultante. Na pesquisa em sala de aula, é muito mais FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro:
importante destacar produtos como a construção das habilidades de Paz e Terra, 1985.
questionar, de construir argumentos com qualidade e saber comunicar os MARQUES, M.O. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí: Unijuí,
resultados à medida que são produzidos. Tudo isso expressa a qualidade 1997.
política que emerge da pesquisa de sala de aula, qualidade de transformação ROWAN, J. A dialectical paradigm for research. In: REASON, P.; ROWAN, J.
dos sujeitos que se envolvem no processo, e num segundo momento também Human Inquiry: a sourcebook of new paradigm research. New York: John
de outros sujeitos não diretamente envolvidos. Wiley & Sons, 1981.
Considerações finais VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento
e aprendizagem. São Paulo: Icone, 1988.
A comunicação final pode constituir um retorno ao ser, já não o
ser inicial, mas um ser transformado, um ser que sofreu uma evolução em
relação ao seu estado de partida.
Com isso completa-se um ciclo de pesquisa. Haverá um
momento de sossego? As novas verdades se manterão por algum tempo?

MORAES, Roque, GALIAZZI, Maria do Carmo, RAMOS, Maurivan Güntzel. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, Roque, LIMA, Valderez M. do R.
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