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Introdução à
História do Português
Segunda edição
revista e muito ampliada
Edições Colibri
Índice
A. variação social (ou diastrática) – uma língua, em primeiro lugar, muda ou oscila de
acordo com as características e a estrutura da comunidade que a fala;
B. variação geográfica (ou diatópica) – em segundo lugar, muda de acordo com a
organização do espaço em que é falada;
C. variação cronológica (ou diacrónica) – finalmente, muda à medida que o tempo vai
passando.
Em relação à variação social, costuma dizer-se que Portugal goza de uma condição de
monolinguismo quase absoluto, sendo o português a língua que praticamente todos os
portugueses aprendem à nascença e usam ao longo da vida. Bem diferentes são as coisas
em Espanha, onde se fala castelhano, mas também outras línguas oficialmente
reconhecidas, como o galego, o catalão e o basco, além de grupos de dialectos que descen-
dem de línguas medievais, como o leonês e o aragonês, e que reclamam idêntico estatuto
oficial. Daqui resulta que o cidadão espanhol, embora deva conhecer o castelhano, tem a
possibilidade de tratar da sua vida em outra das línguas oficiais do Estado. No pequeno
território português, as coisas apresentam-se mais simples: além do português, apenas se
fala uma outra língua, o mirandês, que goza do estatuto de língua oficial regional. Assim,
na perspectiva da variação social, língua portuguesa em Portugal apresenta-se como um
objecto relativamente homogéneo, que serve de instrumento quase único de comunicação
entre os membros da comunidade nacional, apenas matizado pelas cambiantes de registo
cultural, formalismo, grau de intimidade ou de expressividade que são normais em socie-
dades antigas e estruturadas como a nossa.
Mas, segundo outro critério de classificação variacional – a distribuição da língua no
espaço –, deixa de ser possível restringir o âmbito da questão às fronteiras de Portugal.
Um brasileiro tem igual direito a dizer que a sua língua é o português, exactamente
como os africanos que o têm como língua materna e, nos mesmos termos, os
timorenses, macaenses, indianos, etc. que nasceram em ambientes onde se preservam a
cultura e a língua portuguesas. Facilmente se conclui que o português não é apenas uma
língua europeia, no sentido exclusivo em que isso se dirá do dinamarquês ou mesmo do
alemão e do italiano, mas também uma língua não-europeia. Talvez seja principalmente
uma língua não-europeia, tendo em conta a distribuição desproporcionada da sua área
geográfica e das massas populacionais que a falam na Europa e fora dela. Não têm
razão, pois, as pessoas que pensam serem os portugueses os proprietários únicos da
língua e os seus utilizadores mais competentes.
A descontinuidade territorial do mapa linguístico do português – língua
autenticamente transcontinental – tem implicações históricas, quer nos movimentos que
a causaram, quer nas consequências futuras que o desconhecimento mútuo e o
afastamento das várias populações lusofalantes não deixarão de ter sobre a unidade do
sistema linguístico. Daremos mais atenção a esta dimensão, a da variação diacrónica.
A língua portuguesa não nasceu ao mesmo tempo em todo o enorme espaço que
hoje ocupa, mas num pequeno território do canto noroeste da Península Ibérica, de
onde se expandiu na direcção do sul. Foi seu berço a Galécia Magna (que inclui a Galiza
actual, parte do norte de Portugal e o ocidente das Astúrias). Não nasceu, como
pensavam Alexandre Herculano e Leite de Vasconcelos, no centro de Portugal; não
nasceu na Lusitânia, mas mais a norte, num território que vai continuadamente desde a
Corunha, no extremo setentrional da Galiza, até à ria de Aveiro e ao vale do rio Vouga,
que nela desagua. A população nativa, galega ou portuguesa, deste território fala a
mesma língua que os seus antepassados nunca deixaram de aí falar. Coisa de que um
lisboeta não pode orgulhar-se: um lisboeta nativo, descendente de muitas gerações de
habitantes da capital ou do sul do país, fala uma língua que não é autóctone e não
descende do latim aí falado no tempo do Império Romano, mas que foi transplantada a
partir da Galécia Magna após a reconquista cristã. Exactamente como a língua falada no
Rio de Janeiro ou em Maputo foi para aí transportada a partir de Portugal.