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Eduardo Hoornaert

• Brasil História — v o l . 1 — Colônia — A. Mendes Jr. I


R. Maranhão e L. Ron cari torgs.)
• Da Colônia a o Império — U m Brasil para Inglês ver e
Latifundiário n e n h u m Botar Defeito — Lilia Moritz Schwarcz/
Migue/ Paiva A IGREJA
• A Igreja d o s Pobres na A m é r i c a Latina — Fund. SP/PUC
• Preconceito Racial n o Brasil Colônia — M. Luiza T. Carneiro
NO BRASIL-COLÔNIA
• A Q u e s t ã o da E d u c a ç ã o Indígena — Comissão Pró-lndio (1550-1800)
ColeçSo Primeiros Passos 1? edição 1982
• O q u e são C o m u n i d a d e s Eclesiais d e Base — Frei Betto 2? edição
• 0 q u e é Igreja — Paulo Evaristo, Cardeal Arns
• 0 q u e é Religião — Rubem Alves

C o l a ç ã o T u d o é História
• A A f r o - A m é r i c a — A Escravidão n o N o v o M u n d o — C.
Flamarion Cardoso
• A A m é r i c a P r ó - C o l o m b i a n a — C. Flamarion Cardoso
» Mercantilismo e T r a n s i ç ã o — Francisco Falcon

C o l e ç ã o Primeiros V ô o s
• O A n t i g o S i s t e m a Colonial — J. R. Amaral Lapa

1984
Copyright © Eduardo Hoornaert
Capa:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Seminário Cm&Mlfa
Caricaturas: ÊibMecü
Emílio Damiani

Revisão
José E. Andrade
D a t a
-¿CuO^S^L ÍNDICE
João Bosco Medeiros

Introdução: "uma"leitura, não "a"leitura . . . . 7


Como estava organizada a Igreja que entrou no
Brasil? Quais eram seus quadros? 10
Os cinco ciclos da evangelização do Brasil 28
Como funcionou o catolicismo no Brasil colo-
nial? Quais os mecanismos deste funciona-
mento? 66
Conclusão: afinal, que tipo de Igreja herdamos
do passado? 86
Indicações para leitura 89

editora brasiliense s.a.


01223 - r. general jardim, 160
são paulo — brasil
Jt. ; : J
SEMINARIO CONCORDE*
INTRODUÇÃO: "UMA" LEITURA,
NÃO "A" LEITURA

A Igreja Católica não pertence à história antiga


do Brasil. Sua entrada nesta terra é relativamente
recente e deve ser entendida dentro de um grande
movimento de expansão mundial a partir de um
centro europeu, chamado movimento colonial. Usa-
mos aqui as palavras "Igreja colonial" por conve-
niência, pois na realidade o "colonial" não é apenas
um período da história do Brasil: é uma estrutura
econômica, social, política, ideológica. Depois de ter
sido colônia de Portugal, o Brasil continuou sendo
"colônia" de outras potências estrangeiras, até hoje.
Existem dois discursos que condicionam o es-
tudo da história da Igreja no Brasil. Eles são irredu-
tíveis, pois provêm de dois "lugares" na sociedade
que estão em permanente conflito desde a entrada
dos europeus aqui e, por conseguinte, desde o esta-
belecimento da Igreja cristã nesta terra. O primeiro
discurso provém do lugar do Estado colonizador. Ele a posições concretas dentro de uma determinada so-
pode ser exemplificado aqui nas palavras de Dom ciedade. Nestas páginas procuraremos "ler" a his-
João III, rei de Portugal entre 1521 e 1557, ao pri- tória da Igreja no Brasil a partir do lugar dos indí-
meiro governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa: genas, dos africanos e de seus descendentes mestiços
"A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi e mulatos.
que a gente do Brasil se convertesse à nossa santa fé Vamos dividir este pequeno estudo em três par-
católica" (cit. Hoornaert, 1977, 24). Segundo este tes: numa primeira parte temos que nos perguntar
discurso, o estabelecimento europeu no Brasil foi um como estava organizada a Igreja que entrou no Brasil
benefício sobretudo espiritual, pois significou a con- com os colonizadores. Quais eram seus quadros?
versão dos índios, a expansão da Igreja, a catequese Estas perguntas são importantes para que enten-
de povos nunca dantes evangelizados. damos as alianças da Igreja com os poderes da* épo-
O segundo discurso provém do lugar dos que ca, de um lado, e com o povo, de outro lado. A
foram vítimas das novas relações de trabalho impos- organização da Igreja deixou margem pará articu-
tas pelos europeus ao chegarem aqui. Basicamente lações populares? Esta parte trata, pois, da organi-
são os indígenas, os africanos importados e seus.des- zação da Igreja. Numa segunda parte focalizamos a
cendentes que ocuparam este "lugar". Um índio ve- evangelização. A história econômica e militar do
nerável, chamado Momboré-uaçú, falou em nome Brasil revela o caráter cíclico da ocupação do territó-
deles aos colonizadores franceses do Maranhão, em rio. A cana-de-açúcar, o gado, o ouro, a caça aos índios
1612, segundo nos relata o cronista Claude d'Abbe- formaram respectivamente ciclos, assim como a de-
villè: "Os portugueses mandaram vir os padres. E fesa da Amazônia diante dos concorrentes espanhóis,
estes ergueram cruzes e principiaram a instruir os holandeses, franceses, ingleses. A mesma lei cíclica
nossos e a batizá-los. Mais tarde afirmaram que nem se verifica nos movimentos missionários e temos que
eles nem os padres podiam viver sem escravos para os ver por quê. Uma terceira e última parte trata da
servirem e por eles trabalharem" (Abbeville, ed. 1978, vida dentro da cristandade formada pela aliança en-
tre hierarquia eclesiástica e Estado colonizador. A
115). Este discurso relaciona evangelização com es-
nossa tarefa é a de estudar como funcionou este
k

cravidão e a partir deste relacionamento faz uma


catolicismo em relação à sociedade global e seus
leitura da história da Igreja no Brasil. Não podemos
problemas, quais eram os mecanismos da formação
aqui, nestas palavras preliminares, aprofundar o te-
de uma sociedade marcada pelo simbolismo católico.
ma, mas queremos lembrar que não existe uma lei-
tura da história da Igreja que seja objetiva e aceita
por todos, mas que toda leitura da história é relativa
. ,
COMO ESTAVA ORGANIZADA
A IGREJA QUE ENTROU NO BRASIL?
QUAIS ERAM SEUS QUADROS?

A partir do século XVI o território brasileiro foi


aos poucos englobado nos quadros organizatórios da
Igreja católica. Tratava-se de integrar o imenso terri-
tório da forma mais eficiente possível, dadas as con-
dições da época. Pois o esforço organizatório fa-
zia parte de um movimento mais complexo, de di-
mensões econômicas, sociais e políticas, que par-
tia da Europa: a expansão do sistema mundial capi-
talista.
Para compreender como se articulou esta inte-
gração do Brasil é importante estudar os quadros da
organização da Igreja na época. Eles mantinham
estreita aliança com o Estado português expansio-
nista, embora permitindo em alguns casos uma rela-
tiva liberdade diante dele.
Aliança com o Estado Pernambuco, Rio de Janeiro e São Luís do Mara-
nhão, a última diretamente dependente de Lisboa.
Á organização da Igreja no Brasil entre 1550- Na primeira parte do século XVIII foram criadas
1800 era em grande parte controlada pelo Padroado, mais três dioceses: Pará (1719), Mariana (1745) e
uma prerrogativa da Coroa portuguesa baseada no São Paulo (1745), acompanhando sucessivas aber-
fato de o rei ser grão-mestre de três tradicionais turas de espaços brasileiros para o sistema colonial.
ordens militares e religiosas de Portugal: a de Cristo Este número de sete dioceses manteve-se até a Inde-
(a mais importante), a de São Tiago da Espada e a de pendência (1822). As dioceses, prelazias e paróquias
São Bento, a partir de 1551. A Ordem de Cristo era ficaram vacantes por grandes lapsos de tempo, pois a ^
herdeira da dos Templários e gozava de grande in- Coroa portuguesa só mostrava interesse na função
fluência. O direito de padroado foi cedido pelo papa episcopal e sacerdotal à medida que estas esta-
ao rei português com a incumbência de promover a vam ao seu serviço. Poucos bispos realizavam a visita
^organização da Igreja nas terras "descobertas", de pastoral, recomendada pelo Concílio de Trento, so-
sorte que foi por intermédio deste Padroado que a bretudo por causa das distâncias e das dificuldades
expansão do catolicismo no Brasil foi financiada. O de viagem. A vivência real da religião católica foi
Estado português ainda dispunha de outros meca- desta forma pouco afetada pela estrutura eclesiás-
nismos para controlar a Igreja, como a "Mesa da tica. Todavia, temos que assinalar o Sínodo dioce-
Consciência e Ordens", que procedia às nomeações sano realizado em Salvador da Bahia, em 1707, e as
eclesiásticas, e o Conselho Ultramarino, que dava "Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia",
pareceres em questões de direito colonial. Contudo, o- que constituem a única legislação eclesiástica elabo-
mecanismo mais importante foi o Padroado. Com a rada no Brasil durante o primeiro período colonial
predominância do Padroado régio, a influência de (Azzi, 1977,177).
Roma sobre o Brasil foi mínima, especialmente a do O clero secular atendia às necessidades da assim
Concílio de Trento, que praticamente só foi aplicado chamada "sacramentalização" ou administração dos
no Brasil no século XIX (Azzi, 1977,168). sacramentos obrigatórios, como sejam: o batismo, o
. A organização das dioceses e paróquias foi mui- casamento, a confissão anual no tempo pascal, a
to lenta e sua influência sobre o catolicismo vivido no missa de defuntos. Estes sacramentos eram adminis-
Brasil bastante reduzida. Entre 1551 e 1676 o Brasil trados à população em geral, não a grupos que livre-
só tinha uma diocese, a de Salvador da Bahia. Nos mente os aceitavam: eram considerados obrigatórios.
anos de 1676 e 1677 foram criadas mais três dioceses: Uma parte do clero secular tomava conta de cape-
lanias das confrarias nas vilas; outra cuidava das
1 " " ~

j4 Eduardo Hoornaert A Igreja no Brasil-Colônia (1550-1800) 15

paróquias nas vilas e no interior do país. As paró- vrar-se da dependência que este financiamento criava
i quias foram organizadas, sobretudo a partir da legis- através da constituição de patrimônios próprios em
! lação pombalina (1755), onde antigamente existiam terras, casas, engenhos, fazendas e escravos, a partir
aldeamentos de indígenas, arraiais de bandeirantes, de doações, heranças e promessas dos fiéis. Os patri-
engenhos ou fazendas. 0 pároco visitava regular- mônios religiosos ocupavam importantes espaços
mente as diversas capelas do imenso território paro- tanto nas vilas — nas quais o "patrimônio dos san-
quial, a cavalo ou carregado de rede nos ombros de tos" constituía normalmente o núcleo primordial do
i escravos, para sacramentalizar o povo. A pregação povoamento — como no interior, onde as terras "dos
era comumente reservada aos missionários do clero santos" constituíam — entre outras coisas — um
regular, sendo que os párocos cuidavam da "deso- meio de acesso por parte dos escravos a uma pequena
briga" ou administração dos sacramentos. 0 clero parcela de terra para residência ou cultivo de subsis-
secular era dividido em alto clero (bispo e outros tência. A riqueza das ordens religiosas no Brasil
1
dignitários), que era pago pela "folha eclesiástica" manifestava-se na grandiosidade dos templos, con-
do Padroado régio, e baixo clero (párocos e cape- ventos e mosteiros, no luxo das igrejas barrocas rica-
lães), que vivia mais próximo do povo e compar- mente ornamentadas a ouro, no número impressio-
tilhava suas privações. A literatura acerca do clero nante de escravos (Fragoso, 1980, 201)
secular no Brasil dos três primeiros séculos é muito ^ ç ^ t f É m relação à atuação dos religiosos no Bra-
j deficiente. Existem lacunas no nosso conhecimento sil colonial é preciso dizer algo sobre um quadro
1 da vida do clero, da observância do celibato, do seu organizatório muito importante na formação do
1
1 envolvimento na política partidária e nas lutas do Brasil: os aldeamentos, também chamados missões,
povo, de sua formação e situação financeira (Azzi, aldeias, reduções. A importância do assunto depre-
1977, 183-210). Sendo mestiço, recaía sobre o clero ende-se do fato de que a experiência dos aldea-
l
secular o preconceito racial e cultural, o que difi- mentos, que não se limitou ao Sul do país (as famo-
cultou a conservação da memória acerca dele. sas reduções do Paraguai, e os Sete Povos do Rio
Grande do Sul) nem à Região Amazônica, mas se
A literatura acerca do clero religioso, europeu estendeu também por numerosas áreas do litoral
ou pelo menos de formação europeizante, é muito (com exceção das faixas litorâneas entre Bahia e São
mais abundante do que aquela que trata do clero Paulo e entre Paraná e Uruguai) e mesmo no interior
secular ou "nativo". As ordens clássicas de clero (com exceção de Minas Gerais), foi talvez a expe-
regular ficaram responsáveis pela abertura de suces- riência mais válida que partiu da instituição ecle-
í sivas fronteiras para a evangelização. Elas eram fi- siástica, até hoje.
nanciadas pelo Padroado régio, mas procuravam li-

i
1
Desde Dom João III (1521-1557) o Império por- beneditinos, que não trabalharam neste campo, só
tuguês começou a se organizar também no nível mis- mantiveram suas fazendas e mosteiros.
sionário. Dentro dos quadros gerais do Padroado O aldeamento originava-se num "descimento"
criou-se em Lisboa a "Mesa da Consciência e Or- ou "redução" de indígenas do interior da terra para a
dens", uma espécie de tribunal missionário que deci- zona litorânea, ou para a confluência dos rios, no
dia em assuntos de organização tipicamente mis- caso da Amazônia. Este descimento sempre era pra-
sionária. Desta "Mesa" partiu a licença para os pri- ticado manu militari, sendo o missionário acompa-
meiros aldeamentos no Brasil, durante o governo do nhado pela tropa (ou vice-versa, depende do ponto de
terceiro governador-geral, Mem de Sá: no dia 30 de vista). Os indígenas "brabos" eram deslocados para
julho, de 1556 firmou-se acordo, na Bahia, entre o as aldeias "de índios mansos", ou "índios da cruz":
governador e os jesuítas em relação às aldeias orga- a cruz no meio de uma praça aberta marcou a exis-
nizadas por estes, passando as aldeias a constituírem tência de um aldeamento e continua até hoje mar-
territórios livres e intocáveis. A base jurídica era a cando o centro de numerosas cidades, municípios,
antiga legislação acerca dos asilos, do direito de asi- lugarejos.
lo. Contudo, a legislação relativa ao direito de asilo Este descimento quase sempre resultou num fra-
no Brasil sempre sofreu de uma fundamental fra- casso, em termos demográficos: os índios morriam
queza, pois não se aplicava aos escravos. Daí se em quantidade, contaminados pelas doenças dos
compreende a luta dos padres jesuítas contra a escra- brancos. Foi o contágio que dizimou os índios do
vização dos indígenas confiados aos seus cuidados. Ê Brasil e podemos provar que a história dos indígenas
por causa desta legislação verdadeiramente discri- do Brasil após 1500 é a de sua progressiva elimi-
minatória que os quilombos nunca foram conside- nação. O indígena não podia conviver com o projeto
rados asilos de direito e por conseguinte não conse- capitalista, tinha que desaparecer, pois era irredu-
guiram, em numerosos casos, escapar à repressão tível aos intentos do capitalismo: foi eliminado pelas
. policial. Entre 1556 e 1561 foram organizados no doenças, pela fome, pelas guerras denominadas "jus-
Recôncavo Baiano onze aldeamentos, origem dos tas", pelas torturas, pelos regimes de trabalho, como
municípios atuais, como é o caso de inúmeros muni- o famoso regime de "repartição, em vigor na Ama-
cípios deste país. O movimento tomou logo muito zônia no século XVIII.
impulso e marcou a história da Igreja nos séculos Esta impressionante sucessão de calamidades e
XVII e XVIII, e nele não só atuavam os jesuítas, mas desgraças fez pensarem os missionários na possibi-
também os franciscanos, os capuchinhos, os carme- lidade de distanciar mais os aldeamentos das vilas e
litas, os mercedários (no Pará), com exceção dos das fazendas, de "paraguaizar" os aldeamentos no
sentido de aproveitar a experiência das reduções do dispunham de um poder de tropas que pudesse ser
Paraguai, amplamente comentada no interior da comparado com o dos indígenas treinados pelos
Companhia de Jesus. A partir de várias experiências padres:
no Nordeste, como a de Luís Figueira na serra do "Dividimos os índios todos em companhias, no-
Ibiapaba (Ceará), Jacob Roland no rio São Fran- meando-lhes por capitães e cabos a alguns mais be-
cisco, Martinho de Nantes no mesmo rio São Fran- neméritos... mandando-os com seus principais pas-
cisco, os missionários tentaram separar aldeamentos sar mostra em algumas ocasiões para os ter exerci-
e povoamentos coloniais, o que lhes impôs um gran- tados e prontos não só para a defesa contra os ta-
de esforço de adaptação aos costumes indígenas. puias, mas também para socorrerem e ajudarem os
Exatamente este esforço foi aos poucos criando uma brancos, se o pedir a necessidade" (cit. HCJB II,
mentalidade nova entre os missionários, mentalidade 548).
que percebemos bem na correspondência dos jesuítas Esta força militar que os aldeamentos iam ad-
que atuavam na região amazônica na primeira parte quirindo aos poucos inquietou as autoridades e as fez
do século XVIII. temer a força dos jesuítas, que na realidade era a
Um dos casos mais célebres de um aldeamento força dos indígenas organizados. Os jesuítas, com o
"livre", afastado dos centros coloniais, é o de Nossa tempo, foram compreendendo que tinham que se
Senhora da Assunção na serra do Ibiapaba (Ceará, aliar aos indígenas: a "Soberana Virgem Senhora
hoje município de Viçosa, fundado por Luís Figueira Nossa da Assunção", protetora do aldeamento do
e companheiros, que chegou a ser o maior aldea- Ibiapaba, tinha um significado diferente das nume-
mento do Brasil, contando em 1700 com quatro mil rosas invocações marianas a partir da empresa colo-
habitantes e em 1757, dois anos antes da expulsão nial: ela era deveras libertadora.
dos jesuítas, com mais de dez mil pessoas. A força Estas experiências com os aldeamentos deram
deste aldeamento estava na sua milícia, sendo que origem ao tema missionário da "liberdade dos ín-
capitães e cabos eram indígenas sob a "adminis- dios", muito combatido na época. Os missionários
tração temporal" dos padres jesuítas. A partir deste concordaram em reduzir os indígenas da sua vida
fato compreende-se toda a discussão interminável ancestral à "santa fé", mas não concordaram em
que houve no estado do Maranhão na segunda parte deixá-los serem escravizados. Isso se chocou frontal-
do século XVII e primeira parte do século XVIII mente com os interesses dos moradores, que necessi-
acerca desta "administração temporal": as autori- tavam de mão-de-obra local para poder sobreviver na
dades coloniais perceberam que o poder real militar colônia. Assim os aldeamentos eram freqüentemente
estava nas mãos dos jesuítas, pois elas mesmas não assaltados por grupos de guerrilheiros mamelucos,
uma espécie de "grileiros" da época, que receberam índios", foram expulsos e começou uma nova fase na
na historiografia oficial o nome de "bandeirantes". história dos aldeamentos, caracterizada pela mistura
Mas os aldeamentos estavam sujeitos a certos entre a incrível resistência e tenacidade de alguns
condicionamentos que lhes tiravam em grande parte missionários que continuaram a aldear índios e a
a face ideal: eles não podiam deixar de ser, global- acompanhá-los e a lei inexorável do capitalismo que
mente, instrumentos de dominação, mesmo nas me- se apoderava de fronteiras sempre mais recuadas do
lhores condições e sob as melhores intenções. Já o território brasileiro.
tipo de pedagogia cristã exercida nos aldeamentos A vida religiosa feminina realizava-se em "reco-
mostra isso: que houve antes doutrinação do que lhimentos" ou conventos financiados pelo Padroado.
verdadeira pedagogia da fé. Tratava-se de impor A divisão da sociedade entre livres e escravos foi
uma doutrina, ou pelo menos a obediência a uma transferida para estes Conventos: no convento do &
doutrina, o espírito de obediência e de submis- Desterro, em Salvador da Bahia (1764), cada reli-
são. Os jesuítas apegaram-se à educação das cri- giosa branca "de véu preto" era servida por duas ou
anças, muitas vezes contra a vontade dos pais, fa- mais "freiras de véu branco", que eram pretas e
zendo pressão sobre elas por meios nem sempre ho- escravas (Soeiro, 1974). (Veja também Hoornaert,
nestos. Esta doutrinação teve como resultado desfa- 1977,373.)
zer os laços existentes entre os indígenas, destriba- Os leigos conseguiram importantes organizações
lizar e descaraterizar os indígenas e produzir o "ín- dentro da Igreja no Brasil, pelas confrarias, irman-
dio genérico, pretérito, massificado, descaracteri- dades ou ordens terceiras, herdadas do passado por-
zado". Realmente, o "índio" é produto do aldea- tuguês, que floresceram nas vilas brasileiras e espe-
mento. cialmente em Minas Gerais. As irmandades, repre-
A sorte dos aldeamentos no Brasil e no Mara- sentavam a verdade racial, social e ideológica da
nhão precipitou-se após o Alvará régio de 7 de julho sociedade: havia irmandades de pretos (Rosário, São
de 1755, pelo qual o "poder temporal" dos missio- Benedito, Santa Ifigênia), de pardos (Conceição,
nários foi abolido e passou a ser exercido pelas auto- Amparo, Livramento, Patrocínio), de brancos (San-
ridades coloniais. Os colonos fizeram sua entrada tíssimo Sacramento, São Francisco, Nossa Senhora
nas aldeias indígenas, descaraterizando-as e inician- do Carmo, Santa Casa de Misericórdia). Havia irman-
do o famoso processo de miscigenação que foi "a dades de proprietários, comerciantes, militares, tra-
solução encontrada pela colonização para o proble- balhadores, escravos. As irmandades revelavam a sua
ma indígena", como diz Caio Prado Júnior. Os jesuí- "verdade" por ocasião das festas, procissões e pro-
tas, os mais ardorosos defensores da "liberdade dos messas (Azzi, 1977, 234). Não se pode duvidar do ca-
ráter eminentemente leigo da tradição católica no ocasião das romarias e festas (Azzi, 1977, 240-241).
Brasil. Outra forma de organização religiosa popular,
pouco estudada, era a dos quilombos ou redutos de
pretos fugidos dos engenhos ou fazendas. A religião
praticada nos quilombos era católica e, paradoxal-
A relativa liberdade mente, estes quilombos constituíram meios de evan-
gelização em vastas áreas do Brasil.
Áo lado destas formas de organização eclesiás- Esta afirmação é baseada em observações repe-
tica mais ou menos controladas pelo Padroado régio tidas por parte de viajantes do século XIX que pene-
havia importantes organizações religiosas populares traram nos sertões da Bahia, Minas Gerais, Goiás e
que escapavam relativamente ao controle do sistema. Mato Grosso, como Pohl, Saint-Hilaire, Avé-Lalle-
Enumeramos aqui algumas destas organizações que mant. Em 1820, Pohl encontra um quilombo numa
eram dotadas de grande criatividade: região mineira e escreve: "Tinham também um sa-
As beatas eram mulheres pobres que optaram cerdote que devia celebrar os serviços religiosos."
pela virgindade fora dos quadros institucionais de Saint-Hilaire fala do caso de um negro fugitivo que
recolhimentos ou conventos e organizavam em parte levou aos indígenas de Mato Grosso, em "lugares
a vida religiosa do povo pobre, sem presença clerical. nunca tocados pelas missões católicas, os rudimentos
A opção pela virgindade podia significar no Brasil do catolicismo". Estamos pois diante de uma forma
machista da época uma opção pela liberdade e uma original de expansão do catolicismo, forma muito
possibilidade de organização do importante patri- negligenciada pelos estudos acerca da expansão das
mônio cultural religioso guardado pelos pobres e de religiões, mas muito freqüente e importante.
preservação do potencial de resistência ao sistema A religião católica nos quilombos muda de signi-
que este patrimônio significava (Hauck, 1980, 112 e ficado: não significa mais a ideologia da expansão do
Fragoso, 1980, 220). Este patrimônio religioso pode sistema colonial capitalista, mas sim a resistência e
encontrar-se em numerosos livros devocionais que tenacidade de um povo que conseguiu fugir dos enge-
começavam a circular no Brasil durante o século XIX nhos e dos arraiais. O catolicismo nos quilombos é
(exemplo: Couto, 1867). alternativo do catolicismo nos engenhos e merece
' Os eremitas também conseguiram catalisar a toda a atenção por parte de quem quiser lutar pela
vida religiosa popular e criar organizações de identi- libertação dos oprimidos. Este catolicismo tem que
ficação e resistência em torno dos santuários onde ser considerado como uma das correntes do catoli-
viviam provocando grande afluência popular por cismo no Brasil, mesmo hoje, pois representa uma
forma importante de anúncio da mensagem aos po- ram "raptados" para fazerem a desobriga e execu-
bres em vastas áreas do interior, onde os sacerdotes tarem as orações e as missas (Hoornaert, 1974,
dificilmente penetravam. A imagem clássica da evan- 133-134).
gelização é a de uma obra de gente de raça branca e Os cultos clandestinos de origem africana ou
de classe privilegiada. O catolicismo nos quilombos, indígena constituíram núcleos de preservação de an-
mantido livremente pelos negros, vem apresentar-nos tigas organizações religiosas anteriores à coloniza-
uma imagem menos usual da evangelização. ção. Estes cultos eram praticados à noite e tolerados
Uma questão relacionada com isso é a seguinte: pelos senhores escravocratas. Eles não eram formal-
por que os quilombolas não praticaram o culto afri- mente cristãos, contudo colocam problemas de fundo
cano? Por que eles preferiram o catolicismo? Parece diante da consciência cristã (Hoornaert, 1977, 395).
que podemos aduzir as seguintes razões: em primeiro Sem exagerar, podemos afirmar que estas orga-
lugar, o catolicismo representava uma tradição reli- nizações religiosas já salvaram milhões de pessoas do
giosa já consolidada. Muitos negros já não tiveram desespero e da morte física ou moral, pois foram
mais um contacto vivo com a religião africana. Os elas, e unicamente elas, que foram capazes de dar
santos católicos já lhes eram mais familiares que os sentido — para os vencidos e oprimidos — à nova
orixás africanos. No mucambo do "macaco", em situação criada a partir das invasões européias do
Palmares (o mais famoso dos quilombos da história século XVI. As sucessivas ondas de invasões que se
do Brasil), após a derrota de Zumbi (1695), foi des- seguiram ao famoso "descobrimento" por Pedro Al-
coberta uma capela com as três imagens do Menino vares Cabral atingiram populações sempre mais re-
Jesus, Nossa Senhora da Conceição e São Brás, con- cuadas dentro do território brasileiro e introduziram
servadas em bom estado, que tinham sido manifes- uma nova população, a africana, que — dentro dos
tadamente objeto de veneração por parte dos quilom- intentos dos invasores — tinha que servir como mão-
bolas. Em segundo lugar, o catolicismo fazia união de-obra escrava.
entre negros de diversas proveniências africanas. Nos Os invasores imaginaram com relativa faci-
quilombos encontraram-se misturados fugitivos das lidade um sentido que fosse legitimar suas ações: este
mais diversas nações africanas. Nenhuma religião sentido era invariavelmente o do progresso, seja o do
africana podia constituir um eló de união religiosa "Reino de Deus por Portugal" (idéia de Antônio
entre eles, só o catolicismo era capaz disso. Por isso Vieira, SJ, certamente compartilhada pelos missio-
não era permitida a existência de lideranças reli- nários em geral); seja o da civilização contra a bar-
giosas de origem africana nos quilombos, sendo que bárie, segundo a mentalidade iluminista, liberal e
regularmente sacerdotes católicos de passagem fo- burguesa que animava os intelectuais do século XIX;
seja ainda e sobretudo hoje o da tecnologia e da sil ficou sendo a terra de Tupã, a terra de Oxalá, a
salvação pela tecnologia pregada pelos mestres atuais terra dos Mestres da Jurema e dos babalorixás.
positivistas ou simplesmente pragmáticos. "Deus conosco": eis o sentido da religião popular. O
Para as vítimas das invasões era muito mais escravo africano, desnudo, vendido como merca-
difícil reencontrar o sentido da vida e do mundo após doria, trouxe consigo seus deuses e com eles o sentido
as violências da guerra, das escravização e da humi- de sua vida. A relação entre religião e sobrevivência é
lhação trazidas pelos europeus. Tudo parecia desmo- por demais clara para quem estuda a História do
ronar e só a morte parecia uma saída digna diante da Brasil. O que aos olhos dos dominadores parecia ser
situação. Os indígenas trazidos à força aos pés do sincretismo, ignorância e superstição, tinha aos olhos
padre nos aldeamentos não conseguiram dar sentido dos dominados um sentido tático (ou, por assim dizer,
a esta nova situação. Eles certamente teriam endos- "artístico"): a ignorância era uma tática de esconde-
sado as palavras dos sábios e sacerdotes astecas rijo, o sincretismo um mecanismo de sobrevivência, a
diante dos franciscanos em Tenochtitlan (México) superstição uma artimanha de tenacidade e resis-
em 1524: tência. Tudo servia para preservar um sentido da
vida e uma interpretação do mundo que desse um
"Somos gente vulgar, pouco de espaço aos pobres e oprimidos. Os pobres
Somos perdedores, somos mortais não pediam muito: só um limitado espaço para res-
Deixem-nos pois já morrer pirar e simplesmente continuar a existir. Bastava um
Deixem-nos já perecer , gesto, um rito, um pequeno sinal para preservar a
Visto que nossos deuses também morreram." esperança.
Este sentido das organizações religiosas popu-
Quando os deuses morrem, o sentido da vida lares no decorrer da História do Brasil não foi reco-
desaparece: resta o suicídio, a morte, o desapare- nhecido pela Igreja, que estava comprometida com
cimento total. Os africanos trazidos no bojo dos na- os intentos dos Estados colonizadores e com os avan-
vios negreiros encontravam-se diante de uma situação ços do capitalismo triunfante. A Igreja julgava que só
ainda mais desesperada, já que foram despojados de a instituição hierárquica era válida, e não conseguia
tudo a não ser da vida física. ,t perceber que esta estava pervertida pela sua aliança
No fundo deste desespero tremulava a chama da com o poder colonizador.
articulação religiosa: os deuses não tinham morrido,
eles também migravam para o exílio (Roger Bastide),
eles acompanhavam seus fiéis: apesar de tudo o Bra-
cana-de-açúcar. Esta produção só se tornou possível
na zona litorânea, úmida e tropical. Desta forma
nasceu o ciclo econômico da cana-de-açúcar, que se
concentrou no Nordeste, entre Natal e Salvador, com
centros menores em Vitória do Espírito Santo, Rio de
Janeiro, São Vicente e Santos, no Sul, e São Luís do
Maranhão, no Norte. O ciclo do açúcar foi o mais
importante da História do Brasil e pode-se dizer que o
engenho de açúcar "formou" o Brasil em muitas de
OS CINCO CICLOS suas características básicas. Contudo, para produzir
DA EVANGELIZAÇÃO DO BRASIL o açúcar era necessário implantar na região novas
relações de trabalho que podem resumir-se no escra-
vismo colonial (Gorender, 1978). O indígena recusou
esta nova relação de trabalho e assim se tornou impe-
/— A evangelização do Brasil nos primeiros três
(
rioso importar mão-de-obra da Africa. Daí o caráter
j séculos operou-se em cinco movimentos ou ciclos: o
negro do ciclo litorâneo. As cidades históricas do
/ litorâneo, o sertanejo, o maranhense, o mineiro e o litoral brasileiro como Recife, Olinda, Salvador, Rio
paulista. Concorreram para ela quatro ordens reli- de Janeiro e São Luís foram as cidades por onde os
giosas dependentes do Padroado Real (Lisboa): os negros entraram no país. A economia exportadora de
jesuítas, franciscanos, carmelitas e beneditinos, além açúcar foi baseada numa aliança entre militarismo e
de duas ordens que dependiam da De Propaganda religião. O modo pelo qual o Estado português con-
! Fide (Roma): os capuchinhos e oratorianos. Isso em seguiu articular esta aliança constitui o grande su-
termos muito gerais. Vejamos agora como se articu- cesso da empresa européia no Brasil nos três primei-
laram os movimentos missionários. ros séculos da colonização. A "religião do açúcar"
era vivida através da capela, dos oratórios domés-
ticos, da devoção aos santos, finalmente dos ritos do
O ciclo litorâneo catolicismo tradicional português que passaram a
difundir a ideologia do capitalismo agrário implan-
Foi no reinado de Dom João III de Portugal tado no país. As práticas desta religião eram ligadas
(1521-1557) que o Estado português começou a se à família patriarcal do engenho e dispensavam em
interessar pelo Brasil como lugar de produção de grande parte a presença de sacerdotes. Desta forma
30 Eduardo Hoornaert A Igreja no Brasil-Colonia (1550-1800) 31

temos que relativizar bastante a influência dos movi- Os jesuítas organizaram a missão através de
mentos missionários emanados das ordens religiosas, uma articulação entre os colégios — que ficavam na
1
na formação da mentalidade católica no Brasil. A faixa litorânea — e as aldeias ou aldeamentos que
atividade missionária concentrava-se sobretudo, an- ficavam no interior. Os colégios formavam missio-
tes de Pombal (1755), na redução dos índios, de seus nários para as aldeias, pelo menos num primeiro
modos de vida e de trabalho aos modos novos de vida momento. No final do século XVI, quando já ficou
e de trabalho impostos pelo Estado português. claro que os aldeamentos resultaram na morte da
0 movimento missionário mais vigoroso do ciclo população indígena, os colégios começaram a fun-
litorâneo foi o movimento jesuítico, pioneiro nas cionar como sustentáculo da população branca das
1 Américas. Os jesuítas chegaram em 1549 a Salvador vilas litorâneas e de seus escravos negros. O sistema]
1 de aldeamentos iniciou-se em 1553 no Recôncavo
' I da Bahia e só em 1576 ao México, em 1586 a
1 Tacumán, na Argentina. As experiências de Manuel Baiano (região em torno de Salvador da Bahia) por f
i'
1 da Nóbrega (1517-1570) e José de Anchieta (1534- iniciativa do terceiro governador-geral, Mem de Sá, e j
j, 1597) no litoral brasileiro precederam as de Mateus provocou de imediato uma enorme diminuição dal;
Ricci (1550-1610) em Macau, na China e Roberto de população indígena, testemunhada pelos cronistas \
Nóbili (1577-1656) em Goa, na índia. A Companhia jesuítas (MB, passim), terminando na sua completa j
1
1 de Jesus tinha poucos anos de vida quando Nóbrega e eliminação do litoral atingido pela cana-de-açúcar. A |;
1
seus companheiros saíram da Europa. Francisco Xa- tentativa missionária no sentido de preservar a vida i

l| indígena na região fracassou, essencialmente por 1


vier viajou em lé40, Nóbrega e seus companheiros via-
jaram jáem 1 5 4 9 . 0 crescimento da província jesuítica causa das novas relações de trabalho impostas pelos]
no Brasil foi rápido, e o número de brasileiros ia brancos aos indígenas. Analisando este fracasso, os''
aumentando até a violenta expulsão em 1759: jesuítas tentaram organizar ulteriormente — sobre-
tudo nos ciclos sertanejo e maranhense — as missões
em outros termos, procurando afastar os aldeamen-
1549: 6 jesuítas, todos estrangeiros tos dos centros de colonização, para assim evitar o
1574: 110 jesuítas, 14% brasileiros escravismo colonial, como explicamos alhures nestas
1610: 165 jesuítas, 17% brasileiros páginas.
1654: 170 jesuítas, 34% brasileiros
1698: 304 jesuítas, 37% brasileiros Diante dos africanos a ação jesuítica em par-
1732: 362 jesuítas, 45% brasileiros ticular e missionária em geral nunca foi conce-
l
1757: 474jesuítas, 44% brasileiros bida em termos de missão: o africano escravo era
(Hoornaert, 1977, 46) julgado de direito pertencer à família patriarcal
1, '
j

L
encabeçada pelo senhor branco. Nunca houve missão tra os indígenas (por exemplo, em 1560 contra os
específica dirigida aos negros. A catequese deles foi Caetés) e aceitaram às vezes a administração de
desde o início realizada em português, isso em con- aldeamentos que o poder colonizador retirara dos
jesuítas, como aconteceu em 1585 na Paraíba (Hoor-
traste com a catequese indígena feita na "língua
naert, 1977, 61). Na segunda metade do século
geral", uma língua catequética criada pelos jesuítas
XVIII, em 1767, a ordem franciscana no Brasil ultra-
a partir da língua tupi. Os próprios jesuítas viviam
passou o número de mil frades (Willeke, 1974). De-
do trabalho dos negros, tanto nos colégios como nos
pois desta data ela foi caindo em número e impor-
aldeamentos, e entre eles aqueles que ousaram contes- tância, como aliás todas as ordens religiosas no
tar esta situação, como Gonçalo Leite (1546-1603) ou Brasil.
Miguel Garcia (1550-1614), foram repatriados
(HCJB, II, 227, 229). Os carmelitas, que entraram no Brasil em 1580,
Ao lado dos jesuítas atuaram os franciscanos. também atuaram através do sistema tripartido: con-
Estes agiram através de um sistema tripartido: con- vento, fazenda, aldeamento. As fazendas dos car-
ventos litorâneos, fazendas, aldeamentos no inte- melitas eram grandes, possuindo escravos em quan-
rior. Os jesuítas também mantinham fazendas, co- tidade. A irradiação da ordem partiu de Olinda
mo aliás todos os que dependiam do Padroado: era (1583), abrangendo sucessivamente Pernambuco,
uma forma de conquistar uma relativa indepen- Paraíba, Maranhão, Pará e Amazonas, no Norte,
dência diante do Estado português (Hoornaert, 1977, onde os carmelitas administravam uma rede impor-
36, 37). A ordem franciscana irradiou-se pelo litoral tante de aldeamentos na primeira parte do século
. a partir de Olinda (1585), concentrando-se sobretudo XVIII (Prat, 1940), e no Sul: Bahia, Rio de Janeiro,
na faixa entre Paraíba e Alagoas, com conventos Santos, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais.
também em Salvador, Espírito Santo, Rio de Ja- Os beneditinos chegaram em 1581 à Bahia, don-
neiro etc. (Willeke, 1974). A atuação franciscana de partiram para o Rio de Janeiro (1586), Olinda
era menos dinâmica do que a dos jesuítas e sobretudo (1592), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). No Sul
menos contestadora, mas voltada para a "assistência tiveram rápida expansão: São Vicente (1643), Santos
religiosa" dos moradores e de seus escravos na vilas e Sorocaba (1660), Jundiaí (1668). No Norte a ocu-
de Olinda, Igaraçu, Itamaracá, Goiana, Salvador, pação holandesa (1630-1654) foi-lhes desastrosa. Na
Rio de Janeiro, São Vicente, Santos. Os franciscanos metade do século XVIII havia cerca de duzentos
só abordaram raramente o tema da "liberdade dos monges beneditinos no Brasil. O número vai decli-
índios", tão caro aos jesuítas, mas, pelo contrário, nando depois. A ordem beneditina administrou pou-
animaram freqüentemente as "guerras justas" con- cos aldeamentos, atuou sobretudo nos mosteiros e
a eterna corrida atrás do ouro. Naqueles tempos o^
nas fazendas. Para sobreviver, ela se apoiava em caminho para o interior fazia-se por rios navegáveis,
grande número de escravos negros que eram chama- e daí proveio a importância do rio São Francisco que
dos "dos santos" (Luna, 1947). é absolutamente central no Brasil dos séculos XVII e
XVIII, com as ramificações deste caminho para o
Da atuação missionária de jesuítas, francis- Norte, sobretudo no curso do rio Parnaíba e pelo Su-
^;anos, carmelitas e beneditinos, junto aos indígenas doeste no curso do rio Paranaíba. Daí resultaram os
I litorâneos, poucos vestígios ficaram. Restaram ape- atuais estados do Piauí no Norte, e Goiás e Mato
! nas alguns minúsculos agrupamentos indígenas que Grosso no Sudoeste. As entradas partiam seja de
\ sobrevivem até hoje, sobretudo no Nordeste. Uma Pernambuco, seja da Bahia. ^
multidão, que ninguém s a b e avaliar atualmente, de- Nas missões redutivas de índios que acompa-
1 sapareceu por doença, fome, morte violenta, fuga nharam estas entradas atuaram quatro ordens reli-
para o interior. Sobre o sangue e a morte dos indí- giosas: capuchinhos e oratorianos, jesuítas e fran-
) genas brasileiros começou a florescer a cultura colo- ciscanos.
\ nial da cana-de-açúcar, baseada no trabalho negro, Os capuchinhos eram franceses, mais precisa-
\ já desde o final do século XVI. mente bretões, antes de 1698, italianos depois. Desde
1646 existem capuchinhos atuando no interior de
Pernambuco, estabelecendo aos poucos "hospícios"
em Olinda, em 1649, Recife (1656) e Rio de Janeiro
O ciclo sertanejo (1653), para sustentar o trabalho com os índios. Foi
sobretudo no sertão do rio São Francisco que os
A produção da cana-de-açúcar necessitava de capuchinhos atuaram, até que houve rompimento
dois sustentáculos: alimentação nos engenhos e es- das relações diplomáticas entre Portugal e França,
cravos como mão-de-obra. Assim nasceu o ciclo ser- com consecutiva retirada dos missionários bretões.
tanejo, ao longo do rio São Francisco e afluentes, Estes foram substituídos pelos italianos a partir de
com a demanda de carne de gado como respaldo 1705, que foram, por sua vez, expulsos do Brasil por
alimentício de uma cultura de exportação e com a decreto de 25 de agosto de 1831. Os capuchinhos
caça aos índios para fornecimento de mão-de-obra eram "missionários apostólicos", isto é, dependiam
em períodos de recesso econômico. Em períodos de da congregação romana De Propaganda Fide (fun-
prosperidade a mão-de-obra era africana, exigindo dada em 1622 para combater o Padroado Real da
um investimento maior eni dinheiro. Acrescentou-se Espanha e de Portugal), em oposição aos "missio-
a isso, como em todos os ciclos da História do Brasil,]
nários reais", cujo sustento proveio do Padroado toes; aliás, foram os primeiros a entrar neles, pois
Real estabelecido em Lisboa. As missões capuchi- pelos anos de 1650 já existia um Colégio frente a
nhas foram marcadas pela popularidade. Sobretudo Penedo, no baixo curso do rio São Francisco. Eles
os italianos usaram o método das missões ambu- tiveram nas missões sertanejas excelentes missioná-
lantes recomendadas pelo Concílio de Trento, de rios como Jacob Roland, José Coelho, João de Bar-
grande aceitação por parte do povo. Famosos missio- ros, Antônio de Oliveira, Luís Vicêncio Mamiani,
nários do período bretão foram Martinho e Bernardo que estudaram a possibilidade de fundar aldeias em
de Nantes; do período italiano: Apolônio de Todi, lugares afastados das vilas, fazendas e engenhos
Clemente de Adorno, Carlos José de Spesia, Anibal (HCJB, VIII e IX). A proximidade entre centro colo-
de Gênova (Nembro, 1958). Martinho de Nantes teve nizador e aldeamento tinha provocado a eliminação
problemas com os grandes fazendeiros escravocratas das populações indígenas ha faixa litorânea. No ser-
da região, pois se opunha à escravização dos indí- tão os indígenas ficaram mais preservados por causa
genas (Studart, 1902). da imensidão da terra. O ciclo sertanejo jesuítico
Os oratorianos que atuaram no interior de Per- chegou praticamente ao seu fim com a legislação
nambuco a partir do ano de 1669 eram padres secu- pombalina (1755) e consecutiva expulsão dos jesuítas
lares portugueses que assumiram quatro aldeias que (1759), transformação de aldeamentos em paró-
antes do período holandês (1630-1654) tinham sido quias, de missionários em párocos, substituição da
confiadas a jesuítas ou franciscanos. O movimento "língua geral" (tupi) pela língua portuguesa. Após
missionário oratoriano é breve: a partir de 1700 os Pombal o ciclo missionário sertanejo perde sua razão
oratorianos ocupam-se principalmente em dar assis- de ser.
tência religiosa aos moradores e seus escravos em
Pernambuco, pois os índios vão desaparecendo tam-
bém no sertão (Rubert, 1972).
Os franciscanos também atuaram nos sertões do O ciclo maranhense
rio São Francisco. Em 1652 a ordem recebeu por
parte do rei novas missões situadas entre a Bahia e a Este ciclo abrange a missão em toda a região
Paraíba, mantendo-as até meados do século XIX amazônica. Ê denominado maranhense porque — na
com população sempre mais reduzida. O período época — Portugal governava dois Estados distintos
sertanejo das missões franciscanas pode ser enqua- na América: o Brasil e o Maranhão. Esta situação
drado nos anos 1679-1863 (Willeke, 1974). ficou até a Independência. Para que o Estado portu-
Finalmente também os jesuítas atuaram nos ser- guês pudesse assegurar o comércio exclusivo entre
ambas as colônias americanas e a metrópole, era
importante controlar dois caminhos fluviais que de- amazonenses: os carmelitas (desde 1615), os francis-
sembocam no Oceano Atlântico: no Sul o Rio da canos (desde 1617) e os jesuítas (desde 1638). A
Prata com os rios Uruguai, Paraguai e afluentes, e no atuação dinâmica, também aqui, foi a dos jesuítas.
Norte o rio Amazonas com afluentes. Articulou-se Ela provocou desde o início desentendimento entre os
uma disputa entre a Espanha e Portugal acerca des- missionários e os moradores portugueses que neces-
tes caminhos estratégicos, a qual foi decidida (pelos sitavam de indígenas como escravos, pois o Estado
anos 1750) a favor de Portugal em relação à Amazô- maranhense era mais pobre do que o brasileiro e não
nia. Desta forma a Amazônia ficou marcada pelo podia comprar com facilidade escravos africanos. Os
militarismo: os missionários na região funcionavam jesuítas conseguiram com o tempo leis bastante libe-
praticamente como capelães militares, pelo menos no rais que deram aos missionários amplos poderes para
início. A cidade de São Luís do Maranhão foi con- administrar os aldeamentos e desta forma controlar a
quistada sobre os franceses em 1615, por uma expe- economia da região, já que ela era baseada na coleta
dição na qual iam dois carmelitas como capelães dos produtos naturais ou "drogas do sertão". As
militares. Logo depois os militares estabeleceram um "drogas do sertão" eram obtidas não propriamente
forte em Belém (1616) e assim entraram aos poucos por trabalho escravo, mas por um sistema de tra-
na vasta região fluvial, estabelecendo fortes no Gu- balho típico, chamado "de repartição", amplamente
rupá, Pauxis (atual Óbidos), Tapajós (atual Santa- comentado pelo cronista jesuíta João Daniel (ed.
rém), São José do Rio Negro (atual Manaus), além de 1976, pàssim). Houve diversas crises entre moradores
outros nas cabeceiras dos rios Negro, Branco, Soli- e jesuítas e neste contexto de perseguições contra os
mões, Madeira. Os missionários acompanhavam as jesuítas no Maranhão destacou-se a figura de Antô-
expedições militares e se preocupavam em "aldear" nio Vieira, sem dúvida o jesuíta mais famÕlscTda
as numerosas populações indígenas de maneira — se HlstórítTdo Brasil e do Maranhão^De seus longos 89
possível — pacífica. A origem da maioria dos atuais anos de vida, passou 52 na América, sendo ele por-
municípios da Amazônia deve ser procurada nesses tuguês: 27 na Bahia (entre a idade de 6 a 33 anos),
aldeamentos que se situavam normalmente nas con- nove anos no Maranhão (entre 1652. e 1661, o período
fluências de rios ou em lugares onde havia abundân- propriamente missionário de sua vida) e finalmente
cia de "drogas do sertão" (salsa, cravo, canela, ca- ainda 16 anos na Bahia, dos seus 73 anos até a data
cau, anil, borracha, tipos de óleo, castanhas) a serem da sua m o r t e / /
coletadas pelos indígenas. Muitos conhecem Vieira apenas como literato
ou orador, outros como diplomata. Contudo, ele foi
Três ordens religiosas dominavam nas missões
verdadeiramente missionário e mesmo teólogo da
missão, pois intuiu em profundidade ps problemas problema, pois "não só são apóstolos os missionários
que se colocaram na América diante da consciência senão também os soldados e capitães, porque todos
cristã. O período "maranhense" de Vieira merece vão buscar gentios e trazê-los ao lume da fé e
pois a atenção de todos quantos querem entender a ao grêmio da Igreja". Neste contexto a separação
ideologia missionária do catolicismo da época. entre Igreja e Estado não "tem sentido, pois poderia
Gomo Vieira entende a sua missão no Maranhão? enfraquecer a obra missionária^ieira nunca criti-
Podemos dizer que ele entende que Portugal tem cou o Estado português colonizador como tal, e se
uma missão toda especial dada por Deus em relação limitava a criticar os abusos/mantendo vivo o seu
à América-^o princípio unificador de toda a teologia entusiasmo messiânico acerca dos reis de Portugal,
de Vieira, inclusive em relação aos indígenas que ele embora estes não correspondessem a tão ardentes
encontra na vasta bacia amazônica, é o princípio expressões de adesão messiânica. Este messianismo
messiânico tão típico de Portugal da época: o Reino teológico, centrado no rei de Portugal, é a chave
de Deus por Portugal (Hoornaert, 1981, 64). O reino interpretativa dos demais discursos de Vieira, por
de Portugal é pois identificado com o reino de Deus exemplo em relação aos indígenas.
em marcha. Daj por que o rei português é diferente Para ele os indígenas são, por ordem divina,
de outros reis:/'Todos os reis são de Deus, mas os beneficiários de um direito anterior a qualquer outro
outros reis são de Deus feitos pelos homens: o rei de "direito humano", como o direito à liberdade, à mo-
Portugal é de Deus e feito por Deus e por isso mais radia, ao casamento, à terra: é o direito à salvação.
propriamente seu." Daí por que o povo português na Este direito é tão sublime que ultrapassa todos os
sua totalidade é um povo missionário: "Os outros outros: "Portugal está obrigado, não só por caridade
homens por instituição divina têm só obrigação de mas também por justiça, a procurar efetivamente a
ser católicos: o português tem obrigação de ser cató- conversão dos pagãos, pois estes, por incapacidade
lico e de ser apostólico. Os outros cristãos têm obri- ou por ignorância invencível, não têm esta obriga-
gação de crer a fé: o português tem obrigação de a ção. 7/ O texto é importante, pois indica que este
crer e mais de a propagar." A História de Portugal é direito soberano e absolutamente primordial não
por si mesma história sagrada, uma espécie de repe- aflora à consciência dos indígenas por "ignorância
tição da História de IsraeL do povo eleito. Deus age invencível", quer dizer, ps indígenas são incapazes
nela de maneira contínuay Portugal é o "seminário" de procurar por si só o que é mais importante na
da fé a ser propagada por Africa, Ãsia//América. As vida: a salvação. Eles vivem mergulhados na igno-
caravelas protuguesas são de Deus e nelas vão juntos rância, embora não tenham culpa disso; trata-se de
missionários e soldados, o que não constitui nenhum Uma ignorância que não pode ser superada ou "ven-
mental "negatividade", isto é, ele fica sensibilizado
cida". À terminologia toda vem da Escolástica, uma pela sua falta de liberdade, de saúde, de bem-estar,
escola teológica que dominava o pensamento cristão pelo seu sofrimento, sua probreza. Mas ele não con-
na Idade Média e até no século XVII, como estes segue atribuir ao indígena em si uma certa positi-
textosUémonstr am. vidade: fora do sistema cristão, o índio não tem
O tema da "ignorância invencível" dos pagãos, nenhum valor. Vieira vive tão imbuído e convencido
muito discutido em Vieira, distancia a sua reflexão de sua própria ideologia missionária que não enxerga
teológica das intuições fundamentais do grande teó- nada fora dela, só ignorância, negatividade, abusos,
logo hispânico Bartolomé de las Casas, dominicano pecado|[/ Decididamente, a distância entre as intui-
quinhentista, para o qual "Cristo está sendo flage- ções teológicas de las.Casas e Vieira é muito grande,
lado na pessoa dos índios" ("Yo dejo en las índias a embora as formulações sejam um tanto flutuantes
Jesucristo azotándolo y afligiéndolo y abofeteándolo em ambos. Temos que reconhecer que o Brasil não
y crucificándolo") (Historia de las Indias, III, cap. teve um "Bartolome de las Casas".
138). Os indígenas são, para las Casas, potencial- / / Os famosos sermões de Vieira proferidos no Ma-
mente membros do Corpo Místico de Cristo, de for- ranhão diante dos moradores e que algumas vezes
ma que haja espaços de salvação fora dos quadros da foram interpretados como a defesa de uma liberdade
cristandade. Esta intuição de las Casas é absolu- absoluta dos índios (o famoso tema da "liberdade
tamente revolucionária para a época e de maneira dos índios") devem ser compreendidos dentro do
nenhuma compartilhada por Vieira. Ê uma intuição quadro total da teologia do jesuíta, na qual o direito
mística, certamente nascida na meditação do rosto à salvação é primário e inquestionável, enquanto os
sofrido dos indígenas escravizados e humilhados por outros, como o direito à liberdade, por exemplo, são
trabalhos forçados. Ela leva las Casas a assumir po- apenas secundários e devem ser ordenados segundo o
sições políticas sempre mais afastadas dos projetos primeiro. Desta forma Vieira sempre defendeu os
coloniais da época, o que não é de nenhuma forma o "descimentos" militares que caçavam índios no inte-
caso de Veira, profundamente envolvido pelo entu- rior dos rios amazonenses e na realidade dizimavam
siasmo do "Reino de Deus por Portugal"//vieira não as populações indígenas de maneira drástica: o en-
enxerga o indígena senão dentro dos quadros men- volvimento ideológico impediu-lhe um olhar mais
tais do eurocentrismo da época e não consegue com- sereno do que se estava passando na realidade^
preender o'mundo americano como uma revelação
autêntica de Deus fora dos quadros elaborados na Mesmo assim, os moradores revoltavam-se con-
Europa e na teologia da cristandade ocidental. Se tra Vieira e seus compãhTieíros.pois estes represen-
Vieira defende os indígenas, é a partir de uma funda- tavam a ideologia do Estado português expansio-
nista, enquanto os moradores, inclusive os religiosos são. Eis a razão dos conflitos entre eles e moradores,
de outras ordens, tinham interesses que se distan- e também da expulsão de Vieira em 1661. O período
ciavam bastante dos interesses da Coroa portuguesa • maranhense de Antônio Vieira deve ser interpretado
os moradores queriam "fazer" fumo ou açúcar no a partir da alternativa criada pelos aldeamentos. O
Maranhão para poder subsistir em condições bas- aldeamento, pelo decorrer do tempo, constituiu-se
tante adversas, e para tal precisavam de "mão-de- em força organizada, em poder político. Este, sim,
obra" indígena. A vida no Maranhão sempre foi tinha condições de tornar-se "um Estado dentro do
dura para os moradores, eles não tiveram condições Estado" ou mesmo um "Estado contra o Estado", e
de comprar negros na Africa como seus colegas per- não os jesuítas como grupo de religiosos. Os jesuítas
nambucanos ou baianos, tiveram que apelar para o foram importantes porque acreditavam na força la-
escravismo colonial indígena tão ardorosamente tente da organização de indígenas no bojo de um
combatido pelos jesuítas, que optaram pela expe- sistema colonial: o verdadeiramente importante na-
riência dos aldeamentos afastados dos centros, das quela época, como hoje, era a praxis missionária
vilas e das guarnições militares. A questão funda- sensibilizada pela força de resistência dos oprimidos
mental era, pois, a dos aldeamentos, como veremos, e vencidos e que é capaz de sustar o avanço do
tratando do episódio da expulsão dos jesuítas em capitalismo na América.
1759. O Estado periférico maranhense, representado
pelos moradores articulados em torno das Câmaras Entre 1667 e 1678 o clima era particularmente
Municipais, seja de São Luís do Maranhão, seja de agitado em Belém do Pará, seguindo-se um período
Santa Maria de Belém do Pará, nada mais era do que de relativa calma, até o momento em que o Estado
umâ fronteira, sempre móvel, do sistema mundial português, sob o dinâmico Dom José I (1750-1777),
capitalista em expansão sobre os vastos espaços ama- articulou uma política maranhense de grandes di-
zonenses. Foi com este sistema que os jesuítas entra- mensões. Esta política é conhecida sob o nome de
ram em choque, aó defender a liberdade, mesmo "legislação pombalina". Ela se chocou inevitavel-
secundária e condicionada, dos indígenas. mente com o poderio político, econômico e moral dos
missionários na região e resultou na expulsão de 155
Os jesuítas, embora integrados na política do jesuítas do Maranhão (1759). No atual estado dos
Estado português colonizador por uma aliança que estudos acerca desta questão è difícil proferir um
não deixava de ser condicional, distanciavam-se bas- juízo definitivo acerca desta expulsão, pois havia de-
tante dos interesses dos demais moradores locais, certo a questão da "liberdade dos índios" da qual os
não tanto por amor aos grupos indígenas em si, mas jesuítas eram grandes defensores (Antônio Vieira,
antes por amor a uma determinada "idéia" de mis- João Filipe Bettendorff, Pedro de Pedrosa no final do
século XVII, muitos outros no século XVIII: HCJB,
VIII e XI). De outro lado as missões tornaram-se tendo a Companhia de Jesus, estavam ao mesmo
muito ricas pelo controle que exerciam sobre o co- tempo combatendo Roma e o clericalismo em geral
(Prien, 1978, 348).
mércio de exportação. Numerosos documentos exis-
tentes tanto em Roma como em Lisboa ainda preci- Os jesuítas eram defensores de um dogmatismo
sam ser analisados antes de se pretender dizer algo filosófico escolástico que mal combinava com os
de definitivo sobre esta importante questão, pois a avanços das ciências positivas baseadas na análise de
dados experimentados. O ensino deles era antiquado
expulsão dos jesuítas do Maranhão está no início de
para a época, não fomentava os estudos das novas
toda uma política antijesuítica por parte dos Estados ciências modernas.
europeus colonizadores.
A interpretação da expulsão dos jesuítas por Nas colônias, os jesuítas mantinham uma espé-
americanistas europeus, como Magnus Mõrner, Ri- cie de teocracia que não coadunava com os avanços
chard Konetzke, Charles Boxer, Pierre Chaunu, não da modernidade e concentraram as riquezas colo-
consegue convencer-nos. Estes autores apresen- niais nas suas mãos, prejudicando os moradores locais
tam comumente três tipos de explicação da ação e os administradores das colônias.
drástica de Dom José I, expulsando em 1759 os jesuí- Estes argumentos não deixam de ter razão, mas '
tas do Maranhão e do Brasil (115 jesuítas saíram do só em parte, pois deixam de lado o que nos parece
Maranhão, 119 de Pernambuco, 133 de Salvador da primordial nesta questão, pelo menos em relação ao
Bahia, 107 do Rio de Janeiro), e das ações concate- Maranhão e ao Brasil: a estratégia dos aldeamentos.
nadas que seguiram a ação de Portugal: expulsão das Os aldeamentos concatenados por todo o interior da
colônias espanholas em 1767, das reduções do Para- América, da Califórnia até o Paraguai, represen-
guai em 1768, dissolução da Companhia de Jesus tavam uma grande concentração de população orga-
(que na época tinha 22000 membros) pelo breve nizada e mesmo armada. Esta população não falava
"Dominus ac Redemptor" do papa Clemente XIV português, no caso da América portuguesa, mas uma
em 1773. As explicações são as seguintes: "língua geral" de procedência tupi. Ela era admi-
Os jesuítas, por sua organização interna, não nistrada por missionários e as terras onde morava lhe
podiam articular-se dentro da estrutura estatal rega- eram próprias, cedidas pelos reis de Espanha ou
lista de um absolutismo ilustrado. A estrutura cen- Portugal por documentos válidos. Os aldeamentos
tralizadora em torno de Roma, própria dos jesuítas, eram, pois, do ponto de vista de uma geopolítica
não combinava com os novos Estados nacionais e colonialista, eventuais "focos" de resistência arma-
com o regalismo neles vigente. Os Estados, comba- da, com excelente sistema de comunicação através .
dos missionários. Através dos aldeamentos, o destino |
da América podia ter sido diferente, não mais colo- sistema, veja o cronista João Daniel.) Foi porque os
nial. O dinamismo interno dos aldeamentos que se missionários se afastaram de uma das leis básicas do
capitalismo, a lei da divisão do trabalho e da explo-
revelou de maneira mais perfeita na experiencia das
ração pelo trabalho, que eles foram hostilizados. Es-
reduções do Paraguai estava presente nas outras
tes acontecimentos, restritos ao Pará e ao Maranhão,
experiências, na Califórnia, no Orinoco (Venezuela),
são contudo importantes para a história moderna e
no planalto andino, entre Chiquitos e Mojos da Bolí-
contemporânea em geral, pois mostram a incompa-
via, na vasta área amazônica, no litoral brasileiro. As tibilidade entre capitalismo e defesa de um direito
interpretações correntes acerca da expulsão dos je- humano básico: o direito a não ser explorado econo^
suítas repousam finalmente no postulado do colonia- micamente por outro. A ciu^s^&AM^Ã^Ê^l~49_gue
lismo: a América não se compreende senão coloni- nunca e por isso é importante analisar as verdadeiras /
zada e integrada no capitalismo como área periférica causas da expulsão dos jesuítas em 1759. Esta expul-
explorada. Esta visão parece ser participada pelos são, nos ensina que evangelho e capitalismo não an-
americanistas citados e por outros, mesmo brasi- dam j i e mãos. dadas, pois defendem teses absolu-
leiros, que estudaram o assunto. tamente irredutíveis. Para o capitalismo, o indígena
A questão que resultou na expulsão dos jesuítas não é senão mão-de-õbrX real ou potencial. Para o
não é, pois, basicamente, nem a do ensino ultrapas- evangelho, ele é pessoa humana com toda a digni-
sado e autoritário, nem a da relação com Roma, nem dade.-de filho de Deus. A oposição é irreconciliável^
a da riqueza: é a do destino da América. Baseado na A experiência da expulsão levou alguns jesuítas
documentação que nos é acessível acerca da história a interpretar a história da Igreja de maneira dife-
da Amazônia na segunda parte do século XVII e rente. Assim o cronista Matias Rodrigues (1729-
primeira parte do século XVIII, podemos afirmar que 1780), ele mesmo vítima da perseguição de Pombal,
a luta entre religiosos, sobretudo jesuítas, e mora- foi o primeiro a apresentar a história da Igreja no
dores colonistas era o acontecimento em torno do Brasil como a história dé uma perseguição, numa
qual todos os demais gravitavam. A abolição da Com- época em que toda a historiografia católica estava
panhia de Jesus no Maranhão e no Pará é conse- imbuída de profundo triunfalismo. Seus escritos
qüência de uma longa oposição entre ela e os mora- acerca da perseguição no Maranhão e no Pará e
dores locais por causa da questão da mão-de-obra acerca da perseguição que sofreu o famoso padre
indígena, não apenas por causa da riqueza jesuítica Gabriel Malagrida, ainda não foram publicados
ou das "drogas do sertão". A questão era a da mão- (Hoornaert, 1977, 115). Dois intelectuais do século
de-obra, da escravização dos indígenas ou sua utili- passado esboçaram a mesma interpretação da Histó-
zação pelo sistema de "repartição". (Acerca deste
50 / \ Eduardo Hoornaert
I DR. MARTINHO J MTrpn \

rla^o Brasil: Cándido-Mendos de Almeida (Introdu- fronteiras. As primeiras potências representativas do


ç¿V%t Direito Civil-eclesiá§iio Brasileiro) e Joaquim sistema mundial capitalista, como sejam Portugal e
Nat^2Íb(p 4èo/iWom$nííJp/Eles demonstraram que Espanha, tinham na América três áreas-chave, áreas
a IgrejiKae^'Btoil 'gojprflal viveu numa espécie de de acesso às zonas produtivas. A primeira área era o
''catividade baoiioñíca''. Atualmente renascem as Caribe, que significava para a Espanha a porta de
tentativas de uma historiografia eclesial menos triun- entrada para o México e o Peru através do Panamá.
falista. Mas na realidade são os pobres que conser- Uma segunda zona de acesso era constituída pelo Rio
vam á visão da história como a de uma perseguição, da Prata, que era uma área-chave que Portugal,
nos tesouros da tradição oral que eles guardam e que apesar de repetidos esforços, nunca conseguiu con-
são de tão difícil entendimento pelos burgueses. trolar: ela franqueava o acesso às minas de Potosi e
Os carmelitas foram importantes pelas missões toda a região sul da América. Uma terceira porta de
do rio Negro e Solimões, na primeira parte do século entrada era a Amazônia. Durante o século XVIII
XVIII (Prat, 1940). Alguns aspectos, como o de sua houve muita rivalidade entre as potências européias
relação com a questão das fronteiras entre o Império da época em torno da embocadura da Amazônia:
português e o castelhano, o de sua implicação na entre a Holanda, a França, a Inglaterra e Portugal.
"guerra de Ajuricaba" (1723-1727) e o de sua atitude Portugal conseguiu controlar a embocadura a partir
diante do regime de trabalho de "repartição", por do início do século XVIII, mas teve que enfrentar a
parte dos indígenas, necessitam de ulteriores estu- rivalidade, muito mais perigosa, da Espanha no inte-
dos (Wermers, 1965). rior dos vastos espaços abertos pelos rios amazô-
Aqui só temos oportunidade de apontar um ou nicos. A partir de Quito (Equador), a Espanha pro-
dois aspectos do ciclo missionário carmelitano (1693- curou penetrar no vale amazônico para torná-lo uma
1755) na Amazônia, tão importante para compreen- via de acesso para toda a região andina. O capita-
der a história do atual estado do Amazonas e inclu- lismo interessou-se pela Amazônia como área estra-
sive para intuir certas constantes na expansão do tégica, não em primeiro lugar como área produtiva.
capitalismo mundial, pois a Amazônia é exemplo As "drogas do sertão" amazônico nunca represen-
claro de uma região marcada pelos avanços de um taram um valor que se possa comparar com o açúcar
tipo de capitalismo particularmente "selvagem". do Nordeste, o ouro de Minas Gerais, o café. Pode-
O ciclo missionário carmelitano não começa por mos dizer que até recentemente a Amazônia repre-
impulso missionário "puro", mas é conseqüência sentava para o sistema mundial capitalista uma área
de uma política deliberada por parte do Estado colo- de importância sobretudo geopolítica, não prima-
nialista português à procura da consolidação de suas riamente econômica.
Dentro desta perspectiva o Estado português interesses do Estado.
procurou firmar suas fronteiras amazônicas primei- O ciclo missionário carmelitano na Amazônia,
ramente pela construção de uma fortaleza, chamada que durou 62 anos, até o alvará de 7 de junho de
de São José do Rio Negro (atual cidade de Manaus), 1755, quando o governo temporal das missões foi
e depois pelo estabelecimento de mais quatro forta- tirado das mãos dos religiosos, é caracterizado por
lezas: uma no rio Madeira, na boca do Guaporé- duas constantes, que ilustram certas leis do avanço
Mamoré, o forte Príncipe da Beira; outra no alto rio da capitalismo sobre o território americano: a da
Negro, São José de Maratibanas; uma terceira no segurança das fronteiras conflitantes entre Império
alto rio Branco, São Joaquim; uma quarta, São espanhol e Império lusitano e a da consolidação de
Francisco Xavier de Tabatinga, no alto rio Soli- um sistema de trabalho que explorasse o indígena a
mões, na boca do Javari. Em três destas quatro forta- serviço do branco colonizador.
lezas os carmelitas estavam presentes: nas do rio A questão da segurança das fronteiras resultou
Solimões e do rio Negro. A eles foi confiada da tarefa no choque entre religiosos: de um lado os que depen-
de cuidar das missões ao longo destes imensos rios. diam da Espanha através de Quito e do outro lado os
O rei português certamente estava recebendo que dependiam do Padroado lusitano através de Be-
queixas acerca do abandono em que se encontravam lém ou São Luís. Houve um jesuíta autríaco, que
os aldeamentos amazônicos e assim decretou uma estava a serviço da Coroa espanhola, Samuel Fritz,
"nova repartição das missões" (19 de março de que tinha estendido sua ação missionária pelo rio
1693), segundo a qual os aldeamentos são "repar- Solimões até Tefé, talvez até Coari, evangelizando os
tidos" entre jesuítas, mercedários, franciscanos, índios omaguas. Ele escreveu suas peripécias com os
carmelitas. Os carmelitas não estavam propriamente religiosos de dependência portuguesa no seu famoso
engajados na obra das missões e ficavam nos seus Diário (1689-1723: os anos 1689-1692 foram publi-
conventos de São Luís, Alcântara, Belém e Gurupá, cados em português; o resto só existe em espanhol)
mas tiveram que atender às ordens emanadas da (Hoornaert, 1980, 323). Desde 1695 Fritz relata a
"Mesa da Consciência e Ordens", e se ocupar "no presença de portugueses "em busca de cacau e cati-
sentido da Igreja e de Sua Majestade". Isso não vos" pelo Solimões: sempre são militares acompa-
significa que os religiosos hão estivessem imbuídos de nhados de missionários carmelitas.- As anotações do
espírito missionário, mas simplesmente que era o Diário respiram um clima de medo e tensão entre os
Estado português expansionista que estruturava a religiosos, que pertencem à mesma Igreja católica,
obra missionária. Não se pode esperar deste tipo de mas servem a impérios conflitantes. Este episódio
engajamento missionário uma ação contrária aos mostra com clareza qual era a função real das mis-
54 Eduardo

soes e como elas eram "orgânicas" dentro do estabe-


lecimento do sistema capitalista na América.
Quanto à consolidação do sistema de trabalho
houve fatos importantes sobretudo no rio Negro. A
partir da segunda parte do século XVII o rio Negro
tinha a fama de ser o rio mais povoado do Alto
Amazonas: lá moravam os manaus. Foi por este
motivo que a fortaleza São José foi fundada na barra
ou na boca do rio Negro>A partir desta fortaleza
organizaram-se as expedições para fornecer mão-de-
obra para "fazer" as "drogas do sertão": anil, bor-
racha, sobretudo cacau. Episódio marcante nesta
história foi o da guerra de Ajuricaba (1723-1727), da
qual estranhamente os documentos carmelitas co-
nhecidos não falain nada ou praticamente nada. Esta
guerra foi declarada pelo próprio rei Dom João V sob
o pretexto de que o líder Ajuricaba tentasse aliança
com os holandeses contra os portugueses. A razão ver-
dadeira da guerra foi outra: Ajuricaba não aceitava as
novas relações de trabalho impostas pelos europeus.
O colono europeu não conseguiu encarar o indígena
senão como trabalhador a seu serviço. Caso o indí-
gena não se acomodasse a trabalhar a serviço do
branco, ele era considerado índio brabo, selvagem
ignorante e bárbaro. Na prática as relações de tra-
balho na Amazônia, antes do ciclo agrário do açúcar,
do fumo e do gado, eram baseadas em trabalho
compulsório rotativo mediante pagamento prévio. O
Regimento das Missões de 1686 estabeleceu que os
índios entre treze e cinqüenta anos podiam ser requi-
sitados a trabalharem a serviço dos brancos, na co-
lheita das "drogas do sertão", durante um semestre mante, nas fazendas de café. Os pobres índios mor-
mediante o pagamento de salários fixos: doze varas riam após pouco tempo de trabalho compulsório e
de algodão de pano grosso, equivalentes a duas varas esta morte, conseqüência direta da implantação do
por mês (uma vara media mais ou menos 1,10 m). O capitalismo, é uma das causas primárias — ao lado
trabalho era extremamente extenuante e consistia em das doenças e das guerras — do extermínio dos
remar durante meses sem interrupção: os índios não numerosos povos amazônicos.
agüentavam mais do que dois ou três "semestres", Foi contra este sistema de trabalho que Ajuri-
morriam de esgotamento, também por falta de ali- caba (ou a guerra por ele simbolizada) se revoltara:
mentação adequada: o barco só levava mesmo a isso se depreende de um documento acerca da guerra
farinha (veja João Daniel, II, 57). Contudo, normal- existente no arquivo público do Pará (Hoornaert,
mente a situação ainda era pior, pois não havia ne- 1980, 325), que revela que Ajuricaba não aceitava os
nhum controle eficaz do sistema de trabalho imposto resgates: ora, os resgates eram exatamente incursões
aos índios. Ainda no século XIX (em 1866) escreve militares à procura de mão-de-obra. O discurso ofi-
Tavares Bastos: "Desde tempos imemoriais, servem- cial, contudo, procurou deslocar a questão para o
se os brancos dos indígenas, que recolhem em suas tema da "segurança nacional" e insistiu no fato de
casas e educam nos hábitos da sociedade... No Soli- que Ajuricaba estaria fazendo aliança com os holan-
mões há mercadantes ou regatões que, carregando deses, pelo Rio Branco, ameaçando a hegemonia
nas canoas machados, missangas, aguardente, e t c , portuguesa na região. O discurso da "segurança na-
sobem os rios desertos e a troco destes objetos ou à cional", já naquele tempo, era um discurso de des-
força conseguem trazer índios selvagens aos povoados vio: foi baseado nele que Dom João V decretou uma
do litoral, onde os cedem ou vendem a quem os "guerra justa" contra os manaus do rio Negro, que
deseja... Dizem que, no Alto Japurá, se compra um resultou na captura de Ajuricaba e dois mil guer-
índio por um machado: os próprios pais os vendem reiros e abriu definitivamente o rio Negro para caça
aos traficantes" (cit. J. Gorender, 1978, 474). à mão-de-obra indígena.
Eis a grande miséria do capitalismo: a de se Os carmelitas, querendo ou não, estavam enga-
aproveitar de tudo para fazer lucro, a de cobiçar a jados neste drama: os missionários tinham que entre-
força de trabalho de seus iguais para enriquecer. O gar uma parte dos indígenas de suas missões para
sistema de trabalho compulsório, seja. rotativo ou estes trabalhos forçados, de sorte que o cronista João
não, seja semestral ou não, seja organizado ou não, Daniel afirmava: "Nas missões portuguesas o mesmo
era o mais das vezes mais penoso que as condições é fazerem-se cristãos os índios que ficarem obrigados
nos engenhos de açúcar, nos arraiais de ouro e dia- a servirem aos brancos e europeus... Praticados por
58 Eduardo Hoornaert A Igreja no Brasil-Colônia (1550-1800) 59

algum missionário para se aldearem e fazerem cris- tenciam a três unidades diferentes: a da Piedade,
tãos é o mesmo obrigarem-se a servir aos mesmos portuguesa, chamada pelo rei em 1693, a da Con-
brancos" (João Daniel, II, 167). 0 resultado era que ceição, portuguesa, chamada em 1706, e a de Santo
as ordens religiosas, sobretudo a carmelitana, fica- Antônio, portuguesa, chamada em 1617.
>

ram sempre mais ricas na Amazônia e ostentaram em Também os mercedários, de nacionalidade es-
Belém do Pará magníficos conventos e grandiosas panhola, participaram das missões amazonenses a
igrejas, enquanto os índios ficaram sempre mais mi- partir de um imponente convento em Belém. 0 rei
seráveis. As ordens religiosas ficaram mais ricas do gastou grandes somas no estabelecimento destas mis-
que os moradores, o que provocou em parte as refor- sões, repartidas da maneira seguinte: jesuítas na
mas pombalinas na região. margem direita do Amazonas, franciscanos e merce-
Resultado triste deste conjunto de elementos dários na margem esquerda, carmelitas no alto Ama-
(tropas de resgate, sistema de,"repartição" ou tra- zonas, a partir de São José do Rio Negro (atual
balho rotativo compulsório, doenças ou contágios, Manaus).
discriminação cultural) foi o despovoamento do rio 0 ciclo maranhense foi o movimento mais im-
Negro e do Solimões atestado já por João Daniel (entre portante da história da Igreja no Brasil nos três
1759 e 1776) em numerosas páginas do seu Tesouro primeiros séculos, por diversas razões. Primeira-
Descoberto do Máximo Rio Amazonas (I, 296; II, mente pelo número dos indígenas que foram vítimas
271, 278, 349). 0 ciclo missionário carmelitano foi do sistema colonial: Antônio Vieira fala em dois
concomitante com o violento processo de despovoa- milhões de indígenas mortos entre 1615 e 1652, só na
mento dos rios amazônicos além da atual cidade de < região entre São Luís e Gurupá (Hoornaert, 1977,
Manaus e colaborou com este processo. Não foi, 405), enquanto João Daniel menciona três milhões de
pois, um episódio glorioso nem triunfal da expansão indígenas deportados na região do rio Negro (Da-
do cristianismo na América: antes foi um processo niel, ed. 1976, I, 232). Em segundo lugar: a contes-
triste de extermínio de povos inteiros que habitavam tação do sistema colonial por parte da missão nunca
vastas regiões. foi tão forte como no período maranhense, sobretudo
Claro que,estas colocações têm que ser mati- na primeira parte do século XVIII. A expulsão dos
zadas pela atuação que certos missionários, especial- anos 1759-1760 atingiu 629 jesuítas, 474 do Brasil e
mente jesuítas, tiveram na Amazônia, e que é anali- 155 do Maranhão. 0 sentido desta expulsão ultra-
sada alhures nestas páginas, quando se trata da passa os limitados espaços do Maranhão e mesmo do
questão da expulsão dos jesuítas. Brasil e da América Latina, e se erige em fato de im-
Os franciscanos que atuaram na Amazônia per- portância universal. Em terceiro lugar: a experiên-
cia maranhense esboçou um novo modelo de Igreja Carmo, atualmente Mariana (1721). O Estado por-
que vem a se manifestar com mais vigor no século tuguês temia a relativa independência das ordens
XX, o de uma Igreja não mais aliada ao Estado mas religiosas. Desta forma o ciclo mineiro é formado
sim ao povo, uma Igreja popular. pelas "ordens terceiras", expressões leigas calcadas
sobre o modelo clerical. O período mineiro caracte-
riza-se por igrejas sem conventos. Assim encontra-
mos em todas as vilas mineiras as clássicas igrejas de
O ciclo mineiro São Francisco, do Carmo, da Conceição, das Mercês.
Acrescentam-se as igrejas das ordens terceiras dos
pretos, como sejam as do Rosário dos Pretos, de
O ciclo missionário mineiro é diferente de todos Santa Ifigênia ou São Benedito. Os jesuítas não for-
os outros, por ser formado por movimentos leigos e mavam ordens terceiras, o que explica que a influên-
não clericais, devido à política desenvolvida pelo Es- cia jesuítica, mais dinâmica e menos tradicionalista,
tado português em relação às áreas de mineração no nas regiões mineiras tenha sido mínima. Contudo, o
Brasil. Os atuais estados de Minas Gerais, Goiás e que mais pesou na formação do catolicismo mineiro
Mato Grosso do Sul são formados pela corrida do foi o caráter altamente repressivo da sociedade mi-
ouro que agitava todo o império colonial português neira. O prédio mais imponente das vilas mineiras foi
na primeira parte do século XVIII. As vilas mais o da cadeia conjugada com a Câmara Municipal.
importantes são: Vila Rica, atualmente Ouro Preto Todas as vilas mantinham as cerimônias lúgubres da
(1695); Vila Real, atualmente Cuiabá (1713); Vila flagelação de escravos no pelourinho, da execução na
Boa, atualmente Goiás (1725); Tyuco, atualmente forca, da contínua vigilância por parte dos "dragões"
Diamantina (1729); Vila Bela, atualmente Mato ou soldados que impunham o "toque de recolher":
Grosso (1752). Este ciclo mineiro no Brasil deu gran- todos os habitantes deviam recolher-se a casa a uma
de impulso ao centro do sistema capitalista, então já determinada hora da noite.
controlado pelo Estado inglês (Boxer). Ele necessi-
tava de extrema centralização do escoamento de ouro Antônio Vieira caracterizou corretamente o ci-
e diamantes para o Estado português no comércio clo missionário mineiro ao afirmar que todo portu-
oficial e de uma luta constante contra o contrabando, guês, ao vir ao Brasil, tinha que ser missionário:
o que explica fundamentalmente a proibição da en- "Nas outras terras uns são ministros do evangelho e
trada de religiosos nas Minas (1711) e a retirada dos outros não: nas conquistas de Portugal todos são
jesuítas que já estavam estabelecidos em Ribeirão do ministros do evangelho... Não são só apóstolos os
missionários senão também os soldados e capitães:
Sado com uma filha do cacique Tibiriçá, cujos filhos
todos vão buscar gentios e trazê-los ao lume da fé e
já caçavam índios. Daí nasceu a divisão religiosa no
ao grêmio da igreja" (cit. Hoornaert, 1974, 35). Eis
planalto paulista: os beneditinos colocavam-se ao la-
como se formou a região mais católica do Brasil.
do dos colonos e os jesuítas ao lado dos índios. O
mosteiro dos beneditinos foi construído por Fernão
Dias Paes Leme, caçador de índios. Logo depois
O ciclo paulista chegaram os franciscanos e carmelitas, que também
se comprometeram com os colonos.
Este último ciclo da formação do catolicismo no No início do século XVII São Paulo era uma vila
Brasil entre 1550 e 1800 partiu do colégio de São pobre, de população mameluca (ou mestiça), falando
Paulo (1554) em direção a Minas Gerais, Goiás e tupi, sem produtos de exportação, com agricultura
Mato Grosso, ao Norte, e daí descendo por Itatim e de subsistência, algum gado e o negócio dos índios.
Guairá até a região do Tape, no atual estado do Rio O conflito com os jesuítas tornou-se aberto e estes
Grande do Sul. O ciclo articulou-se da maneira se- foram expulsos da vila em 1640, só voltando em
guinte: 1653, com a condição de não se meterem em "negó-
Houve um ciclo litorâneo que se implantou com cios de índios e cuidarem apenas do espiritual". Daí
Martim Afonso de Sousa (1531) e a fundação de São começaram os grandes roteiros de apresamento de
Vicente, baseada na cultura do açúcar. Deste ciclo índios que alcançaram as regiões do Itatim, do Guai-
participaram franciscanos e jesuítas (1553). Os leigos rá e do Tape. As expedições bandeirantes, como a do
fundaram aí a primeira Casa de Misericórdia do famoso Antônio Raposo Tavares, contavam com a
Brasil, que terá numerosas expansões por todo o presença de capelães em suas bandas formadas de
país. A partir de janeiro de 1554 iniciou-se um ciclo índios mansos e mamelucos. Formava-se umâ socie-
planaltino jesuítico com a fundação do colégio de São dade mameluca.
Paulo às margens do rio Anhembi, afastado e isolado Tudo se alterou com a descoberta do ouro pelos
do litoral onde o índio era escravizado nas plantações paulistas nos últimos anos do século XVII. .Estes
de cana-de-açúcar. Em torno da vila de São Paulo sur- deixaram de cuidar dos negócios de índios para se
giam numerosos aldeamentos indígenas. Tratava-se dedicarem inteiramente à mineração, que necessi-
de fazer algo no estilo do que se estava tentando duran- tava do trabalho de escravos negros especializados
te o mesmo perído no Paraguai. Contudo, o perigo re- em mineração. O catolicismo mineiro, goiano e cuia-
sidia na vila de São Bernardo da Borda do Campo bano é de origem paulista. Neste perído os paulistas
(1553), onde residia o português João Ramalho, ca- abriam os caminhos para o Sul a fim de buscar gado
—; imn r n ^ P W
como alimento das tropas encarregadas do abaste- rosos escritos sua visão acerca da colonização do
cimento de Minas Gerais e do sertão goiano. Eles Brasil, segundo a qual esta colonização está inserida
numa ordem global emanada de Deus no sentido de
levavam suas devoções ao Sul do Brasil. Sorocaba era
permitir a evangelização do mundo inteiro. Sem co-
o centro desta nova atividade, com sua feira de gado
lonização torna-se impossível a evangelização uni-
e suas forjas para ferrar mulas e preparar os ferros.
versal, assevera Vieira. Desta forma a descoberta e
Neste episódio sulista os paulistas enfrentaram as
conquista das Índias foi julgada entrar nos planos de
reduções jesuíticas do Paraguai, o que é do conhe- Deus, e foi mesmo considerada o maior aconteci-
cimento geral. mento da história da salvação após a criação do
mundo e a encarnação de Jesus Cristo (Hoornaert,
1977, 24).
Neste contexto as religiões dos indígenas e dos
Concluindo africanos eram consideradas aberrações satânicas.
Os missionários procuravam extirpar com zelo quase
Os diversos ciclos missionários no Brasil coin-
fanático os menores vestígios do que era interpretado
cidem com as etapas da sucessiva integração de áreas como idolatria, ignorância, superstição e aberração
brasileiras dentro de um sistema mundial emanado da "santa fé católica". Com impressionante abne-
da Europa e baseado numa divisão "geográfica" do gação e coragem eles entraram em contato com os
trabalho. Os que vieram em nome dos Estados fortes indígenas para convencê-los a deixar a religião "er-
do centro do sistema exigiam dos habitantes das rada". No mesmo contexto a escravidão era tolerada
áreas periféricas um trabalho forçado extremamente como um "mal necessário". Alguns, como os já cita-
penoso, possibilitado pelo mecanismo jurídico da es- dos Gonçalo Leite e Miguel Garcia, chegaram a con-
cravidão. A missão legitimou a escravidão, em grande testar o regime de trabalho implantado aqui, mas a
parte. No primeiro tratado teológico escrito a par- voz deles foi prontamente abafada. Eles pareciam
tir da experiência missionária brasileira, o Diálo- antes desertores desta guerra santa e nobre que foi a
go sobre a Conversão do Gentio (1556) (MB, II, conquista do Brasil para a "verdadeira religião".
317-344), o jesuíta Manuel da Nóbrega (1517-1570)
defendeu a tese segundo a qual a conversão do
indígena só se torna possível após a sujeição de-
le. Desta forma a colaboração entre militares e
missionários foi legitimada. Mais tarde o famoso
jesuíta Antônio Vieira (1608-1697) expôs em nume-
dos europeus concorreram com Portugal para a hege-
monia do Atlântico Sul, sobretudo a França, a Ho-
landa e a Inglaterra. Nesta longa concorrência o
catolicismo funcionava como definidor dos projetos
portugueses considerados ortodoxos e mesmo apos-
tólicos, e os dos Estados concorrentes, que foram
qualificados de heréticos, depravados e heterodoxos,
por serem todos considerados protestantes. O Brasil
chegou a ser um país pronunciadamente católico, e o
COMO FUNCIONOU passaporte para nele entrar era de ordem religiosa.
Ó CATOLICISMO Só mesmo católicos eram permitidos no país. Neste
NO BRASIL COLONIAL? contexto houve um controle rigoroso sobre o próprio
clero que pretendia trabalhar aqui: nenhum clérigo
QUAIS OS MECANISMOS partia de Portugal sem a autorização explícita do rei
DESTE FUNCIONAMENTO? que exigia audiência particular com juramento de
fidelidade. Os missionários tinham que se agrupar
em Lisboa e usar exclusivamente comboios portu-
gueses para a travessia. As mesmas formalidades
Para entendermos como funcionou o catolicismo estavam em vigor em relação aos missionários estran-
no Brasil colonial, temos que partir dos problemas geiros. Os bispos residentes no Brasil não podiam
que o Estado português enfrentou ao realizar seu corresponder-se diretamente com Roma e na prática
projeto colonial na América. Estes problemas provi- nunca viajavam para lá a fim de realizar a tradicional
nham de inimigos de fora e de dentro de Portugal e visita ad limina, por causa das distâncias e dos cus-
do Brasil. tos. Praticamente não houve comunicação entre Ro-
ma e a Igreja no Brasil, tudo passava por Lisboa a
fim de preservar a hegemonia comercial do Estado
A exclusividade comercial português. Um sem-número de questões concretas,
que não podemos abordar aqui, decorre desta lei
O primeiro inimigo veio de fora ameaçar a ex- fundamental do colonialismo português (Novais,
clusividade comercial que Portugal quis estabelecer 1979).
entre o Reino e sua colônia americana. Outros Esta- O direito que a Europa pretendia ter diante da
América no sentido de poder explorar suas riquezas e formar paraíso terreno segundo opinião mais co-
exportar suas matérias-primas era ideologicamente mum, autorizá-la com patriarcas, cabeças dos viven-
baseado e ao mesmo tempo justificado pela ideologia tes racionais, e o que mais é, com sua presença divina
da superioridade européia com supostos fundamen- feita humana, luz verdadeira de nossa bem-aventu-
tos bíblicos, conforme reza o seguinte texto do cro- rança. Porém a outra parte da Terra, outro mundo
nista jesuíta Simão de Vasconcelos (1596-1671). Vas- igual não menos aprazível, da qual dissera o mesmo
concelos não pode ser acusado de querer denegrir o Criador que era muito boa, deixou-a ficar em esque-
Brasil: ele foi autor de um texto, O Paraíso na Amé- cimento, sem paraíso, sem patriarcas, sem sua divina
rica (1660), cuja publicação foi proibida em Lisboa presença, sem luz da fé e salvação até que depois de
porque era julgado capaz de excitar a cobiça de corridos os séculos de 6691 anos deu ordem como
potências estrangeiras em relação ao Brasil. O texto aparecesse este novo e encoberto mundo que foi a
que reproduzimos aqui (livro 1, parágrafo 1 das "No- seguinte" (o autor passa a descrever a história dos
tícias Antecedentes das Coisas do Brasil", que prece- descobrimentos).
dem a primeira edição da Crônica da Companhia de O texto insinua que, depois da criação do mun-
Jesus no Estado do Brasil — Lisboa, 1663) é interes- do e da encarnação de Jesus Cristo, o maior aconte-
sante historicamente, pois representa a idéia comum cimento foi o descobrimento das índias. Portugal
que se tinha na Europa da época em relação à entrou de maneira decisiva nos planos de Deus, que,
América: depois de diversas tentativas mal-sucedidas no sen-
"São incompreensíveis os juízos de Deus. 6691 tido de estabelecer seu Reino aqui na Terra, apelou
anos havia que aquela sua imensa bondade e onipo- para a pequenina terra portuguesa. A idéia do "reino
tência infinita tirara do nada ao ser esta máquina de Deus por Portugal" é comum entre jesuítas e
terrena de que vemos igualmente umas partes e ou- outros missionários dos primeiros séculos da coloni-
tras: as do Norte, as do Sul, as do levante, as do zação e combina muito bem com a outra, mais prag-
poente igualmente formadas em um globo e assen- mática, do direito exclusivo que Portugal teria de
tadas em um mesmo centro com a mesma formosura explorar a sua colônia na América. Estamos aqui
de montes, campos, rios, plantas e animais pera diante de um caso típico em que o pragmatismo
perfeita habitação dos homens. E contudo não sei econômico e a ideologia religiosa vivem perfeita-
com que destino lhe caiu mais em graça ao Criador mente integrados e inter-relacionados.
uma parte desta mesma Terra que outra, porque
aquela que de três partes: Europa, Africa e Ásia,
compõe uma só escolheu Deus pera criar o homem,
sil, inclusive com devoções obrigatórias. As institui-
A acumulação independente de capital ções que mais serviam para este fim eram as confra-
rias — especialmente a Santa Casa de Misericórdia
Um segundo inimigo veio de dentro do Império — de um lado e os conventos de franciscanos, carme-
português e se concretizava nas tentativas de acumu- litas e beneditinos, assim como os conventos femi-
lação independente de capital na colônia. A luta ninos, do outro lado. As confrarias conseguiram ma-
contra estes capitalistas exprimia-se na repressão dos nipular as finanças da classe comercial e proprie-
cristãos-novos ou judeus forçadamente convertidos tária, canalizando-as para as despesas do culto. Uma
ao cristianismo e fugidos para a América onde che- verdadeira paixão pelo culto animava todo o Império
garam a controlar grande parte da economia do açú- português, sobretudo na primeira parte do século
car (Novinsky, 1972). O Estado português represen- XVIII, a começar pelo próprio monarca Dom João V
tava a classe senhorial dos proprietários de terra e (1706-1750), que era acometido por verdadeira "ma-
defendia as virtudes que deviam salvaguardar o do- nia religiosa", gastando grande parte do ouro brasi-
mínio senhorial, como sejam o paternalismo, assis- leiro em construções luxuosas como a do palácio-
tencialismo, cordialidade, hospitalidade, generosi- mosteiro de Mafra (1717-1735), ou em festas esplên-
dade e amizade. Não podia tolerar a acumulação de didas como a do Corpo de Deus, em 1719, em Lisboa.
bens fora de seu controle, e neste combate usava Segundo um autor do século XIX, "o descobrimento
tanto os meios repressivos como os da manipulação. de diamante no Brasil (1727) acrescentou o júbilo na
A repressão foi exercida por visitas esporádicas de corte de Dom João V e deu motivo a festas esplên-
deputados do Santo Ofício da Inquisição para as didas que em Lisboa e no reino todo se celebraram, e
cidades onde havia perigo: Salvador, Olinda, Rio de a Te Deum e procissões inumeráveis que extasiaram
Janeiro, Belém. O Brasil pão tinha um tribunal pró- o püvo português. Para Roma remeteu o governo as
prio do Santo Ofício, os suspeitos-eram levados para primeiras amostras que lhe foram enviadas. Ações de
o Reino. A perseguição não só se dirigia aos cristãos- graças se deram ao Todo-Poderóso na capital do
novos, mas a todos quantos prosperavam na colônia mundo católico. O santo papa e os cardeais felici-
fora do controle do sistema (Saraiva, 1969). O Es- taram ao rei de Portugal. Cumprimentaram-no todos
tado português, todavia, preferia os meios de mani- os monarcas da Europa" (cit. Hoornaert, 1974, 51).
pulação aos de repressão direta, e para esta finali- A mesa diretora das numerosas confrarias nas vilas
dade apelou para as instituições eclesiásticas que brasileiras tornou-se um corpo burocrático que cana-
representavam as virtudes senhoriais e estavam orga- lizava as finanças para a religião. Exemplo típico foi
nizadas ao modo feudal. Assim não se hesitou em o famoso Triunfo Eucarístico celebrado em Ouro
tornar a religião católica obrigatória dentro do Bra-
Preto no ano 1733 (Hoornaert, 1974, 49): o Santís- dedicavam na sua maioria aos negócios do dinheiro,
simo Sacramento representava na realidade a Majes- comprando e vendendo com os juros dos emprés-
tade do rei de Lisboa. Uma confraria especializada timos. Nestas compras e vendas incluíam-se os escra-
em controlar as finanças coloniais era a de Santa vos que, comprados por religiosos, eram conside-
Casa de Misericórdia, existente nas principais vilas. rados "bens eclesiásticos" e por isso inalienáveis:
A Santa Casa de Salvador era ao mesmo tempo hos- eram os escravos "dos santos". Os espaçosos corre-
pital, orfanato, recolhimento para moças casamen- dores dos conventos funcionavam como escritórios de
teiras, escola de medicina, farmácia, mecenato de financiamentos e depósitos. Uma minoria de frades
artistas, proprietária de prédios urbanos, fazendas e dedicava-se às missões. Os carmelitas da Amazônia,
engenho, empresa funerária, capelania. Ela era de por exemplo, contavam em 1765 com 89 religiosos
modo especial um banco, o primeiro banco da cidade em cinco conventos. Destes apenas oito viviam "como
que emitia juros a seis por cento (Russell-Wood, vigários do rio Negro e Solimões ocupados no serviço
1968). Ao lado das confrarias funcionavam os con- da Igreja e de Sua Majestade" (Prat, 1940, 139).
ventos, cujo patrimônio era parcialmente constituído Quando o número de religiosos fohcaindo, o patri-
por bens emanados do Padroado pelos dízimos mônio deles ficou intacto e assim chegou a ser o
(Prien, 1978, 135-138), parcialmente por doações El-Dorado do governo brasileiro no século XIX, por
não controladas pelos dízimos, em heranças, funda- ser a instituição financeira mais estável da sociedade:
ções, promessas, esmolas, atos de piedade mais ou num relatório de 1870 constava que os beneditinos,
menos forçados. A artificialidade de tudo isso já foi com 41 religiosos em 11 mosteiros, possuíam 7 enge-
percebida por Antônio Vieira no século XVII: "Não nhos, mais de 40 fazendas, 230 casas e 1265 escra-
guarda proporção com a população o número de vos. Os carmelitas, com 49 religiosos em 14 conven-
frades. O Pará com oitocentos moradores tem quatro tos, tinham mais de 40 fazendas, 136 prédios, 1050
conventos e sai dos moradores a paga de missas, escravos, enquanto os franciscanos, com 85 religiosos
ofícios e enterros... Não basta o que granjeiam num em 25 conventos, tinham só uns 40o escravos (Fra-
ano para satisfazer aos empenhos desta forçada de- goso, 1980, 201). Contudo, já na época pombalina
voção" (cit. Hoornaert, 1974, 90). Esta "forçada de- (1755-1777) os conventos tinham perdido sua funcio-
voção" era útil ao Estado português, pois evitava a nalidade financeira, pois o controle efetivo do pacto
capitalização das finanças coloniais nas mãos da bur- colonial não estava mais com o Estado português,
guesia local, canalizando os dinheiros para inofen- mas sim com o Estado inglês. Os novos conquista-
sivos brilhos religiosos. Os religiosos gostavam do dores não se apoiavam mais na força ideológica do
papel de burocratas que a sociedade lhes atribuía e se feudalismo, mas apelavam para as novas idéias do
74 Eduardo

Iluminismo, civilização e progresso, marginalizando


os religiosos.
Igual função reguladora da sociedade exerceram
os conventos femininos no Brasil. Muitos senhores
proprietários conseguiram "guardar" suas filhas nos
conventos, já que o casamento delas ameaçava reta-
lhar as propriedades. Duma pesquisa realizada por
Soeiro no arquivo do Convento do Desterro em Sal-
vador consta que 77% das filhas de 53 famílias baia-
nas, do período 1680-1797, entraram no convento,
8% ficaram celibatárias em casa e sô 14% casaram.
Conta-se o caso do "fidalgo" José Pires de Carvalho
que conseguiu colocar suas seis filhas no convento a
tomar "o véu preto" (Soeiro, 1974). No já citado rela-
tório de 1870 as religiosas no Brasil eram 94, com 405
escravas e servas, 121 casas (Fragoso, 1980, 201).

O escravo negro
Contudo? o pior inimigo do projeto colonial era
o escravo negro, que era a vítima dele. O sistema
dispensou enormes esforços em reduzir o negro im-
portado à condição de pura mão-de-obra. Para tanto
eram necessários os meios brutais de repressão, que
cabiam ao Estado, e outros mais sutis de criação de
um consenso geral em torno da escravidão, que ca-
biam à Igreja. A Igreja colocou à disposição desta
obra seus instrumentos tradicionais: foi elaborada
uma teologia justificativa da escravidão, por exemplo O céu: a única saída para o escravo.
por Antônio Vieira, SJ, que comparava a Africa ao mares recebam os sacramentos, pois eles vivem lá
inferno, onde o negro era escravo de corpo e de alma, o em estado de pecado mortal e devem voltar aos enge-
Brasil ao purgatório, onde o negro era liberto na nhos de açúcar para aí receberem os sacramentos:
alma pelo batismo, e a morte à entrada no céu. os sacramentos só são válidos nos engenhos de açú-
A "teologia da transmigração", bastante típica car, não nos quilombos.
da mentalidade entre os missionários da época no Como entender este tipo de leitura da men-
trato com os negros africanos, pode ser exemplifi- sagem cristã? Só se pode resolver esta questão ana-
cada por uns textos particularmente eloqüentes de lisando os lugares sociais a partir dos quais são ela-
Antônio Vieira: trata-se de uma estranha teologia da borados discursos, sermões, teologias. Só existem fi-
libertação, conforme reza o texto seguinte, tirado de nalmente duas leituras da mensagem cristã no Bra-
um sermão de Vieira pregado para os "irmãos" de sil: uma parte dos portugueses e de seus projetos;
uma Irmandade do Rosário dos Pretos no Recôncavo outra das vítimas das relações de trabalho introdu-
Baiano, em 1633: "Quando servis aos vossos senho- zidas aqui pelos portugueses. O lugar português no
res, não os sirvais como quem serve a homens, senão Brasil é definitivamente fruto da violência, por mais
como quem serve a Deus; porque então não servis que corram os anos, e por isso todo discurso "por-
como cativos senão como livres, nem obedeceis como tuguês" (que não problematiza o lugar português)
escravos senão como filhos" (Hoornaert, 1974, 86). é aberta ou veladamente violento, mesmo se aparen-
O Brasil é uma espécie de transição entre a terra temente religioso e pacifista. Eu diria mais: sobre-
da escravidão (do pecado, é claro), que é a África, e o tudo quando aparentemente religioso e pacifista.
céu, que é lugar de definitiva libertação: "Já me per- O discurso de Vieira acerca do negro pressupõe
suado sem dúvida que o cativeiro da primeira trans- uma distinção preliminar entre negro pagão (bár-
migração (da Africa para o Brasil) é ordenado por baro, ainda não convertido) e negro cristão ou con-
Sua Misericórdia para a liberdade da segunda (do vertido. Qual a base desta distinção? Claro que é a
Brasil para o... céu)." O mestre pregador não via conformidade com os projetos coloniais. O negro
outra "saída" para o escravo senão a saída para ó cristão é semelhante ao português e por conseguinte
céu, já que ele interpretava a escravidão de maneira bom; o negro pagão é diferente do português e por
pedagógica: ela era uma pedagogia, criada pela Di- conseguinte mau. A alteridade do outro é encarada
vina Providência, para tirar os negros do pecado e os como uma negatividade. No que o africano é dife-
introduzir na Igreja, e neste sentido ela era um meio rente do português, ele é errado. O erro está em não
de salvação. Baseado neste estranho raciocínio, Viei- ser identificado, em não obedecer aos mesmos modos
ra não permite que os negros aquilombados em Pal- de comportamento e pensamento. E o pensamento
do negro de que ele tinha sua liberdade e não devia tica da traição. Muitas vezes a traição era qualificada
trabalhar a serviço do branco era um pensamento de conversão, quando, por exemplo, o negro já privi-
"diferente", por conseguinte errado, pagão, inspi- legiado pelo senhor de engenho delatava seus irmãos
rado pelo demônio. "fujões", revelava os esconderijos e quilombos, trans-
Insistimos neste ponto porque uma certa histo- mitia os planos de sublevação. Este negro no caso era
riografia, demasiadamente confiante nas "idéias" chamado de cristão convertido, fiel ao seu mestre
como condutoras dos destinos humanos, julga que a igualmente cristão. Neste caso também, conceitos
partir do Iluminismo a mentalidade européia acerca como "conversão" ou "traição" são relativos ao
de africanos e indígenas mudou e que Antônio Vieira ponto de vista a partir do qual o "fato objetivo" é
seria exemplo típico de mentalidade pré-iluminista, observado. Os negros escravos só podiam considerar
atrasada, medieval-escolástica. O problema estaria como traidor aquele que tinha a confiança dos bran-
no pensamento não moderno. Concordamos que, no cos senhores, a não ser que já tivessem perdido o
nível dos discursos, o Iluminismo criou uma valori- senso de sua identidade.
zação e sobretudo curiosidade "enciclopédica" acer- Esta possibilidade de duas leituras do mesmo
ca das culturas chamadas "exóticas", mas a nível da fato considerado objetivo faz com que certos autores
prática pouco ou nada mudou, até os nossos dias. O considerem a evangelização do Brasil um sucesso,
século XIX, período eminentemente iluminista da um triunfo da expansão do catolicismo e da fé, en-
História do Brasil, assistiu a uma recrudescência do quanto outros a consideram um fracasso e insistem
tráfico negreiro, a uma discriminação acentuada, a na afirmação de que não houve verdadeira evangeli-
uma marginalização do negro apôs a abolição da zação. Na realidade instala-se aqui a problemática,
escravatura em 1888. não tanto do objeto a ser estudado, mas do sujeito
O discurso de Antônio Vieira e dos missionários que estuda. Em relação ao sujeito que estuda o pas-
em geral é apenas uma modalidade do discurso capi- sado coloca-se a questão do "lugar" a partir do qual
talista em geral, um discurso adaptado à época do ele enxerga os fatos passados e por conseguinte'revela
século XVII. Hoje se pratica a mesma exploração do a experiência que ele tem do presente. O passado fica
trabalho dos descendentes dos mesmos africanos, entregue a diversas interpretações segundo a posição
mediante outro tipo de discurso que também seduz a que o próprio estudante assume diante das situações
maioria das pessoas, como foi o caso do discurso que ele vive presentemente. Neste sentido a história
missionário e religioso do século XVII. nos revela a nós mesmos.
Mais grave ainda foi a perversão da mensagem Os próprios jesuítas praticavam a "transmigra-
cristã ao aproximar o conceito "conversão" da prâ- ção", mantendo um tráfico negreiro próprio (Hoor-

SEMINARIO CONCORDIA
naert, 1977,262). Além da teologia, também a moral
servia aos intentos colonizadores: propagou-se uma O movimento jesuítico
moral de resignação nos escravos, de privilégios e
paternalismo nos senhores (Hoornaert, 1977, 365). Na cristandade colonial apenas dois movimentos
O sistema sacramental funcionava também como conseguiram articular-se em contestação ao sistema
regulador e legitimador da situação de escravidão: implantado no Brasil. Um deles era o movimento
antes de embarcar para o Brasil os negros comprados jesuítico, que conseguiu duas importantes realiza-
tinham que ser batizados logo depois do pagamento ções: a primeira no campo da educação, a segunda
do quinto real. Obatismo fazia parte das formali- no da criação de um modelo eclesial alternativo.
dades do tráfico negreiro. Quanto ao casamento, não Numa sociedade na qual a formação intelectual não
se hesitou em desfazer os laços conjugais contraídos era de maneira alguma estimulada pelo Estado, na
na Africa e de condenar os escravos a uma vida de qual, pelo contrário, funcionava a tática: muito culto
solteiro no Brasil. O papa Gregório XIII decretou, e pouca formação, e na qual não existia nem im-
em 1585, que os casamentos africanos podiam ser prensa, nem universidade, nem circulação livre de
desfeitos (Código de Direito Canónico de 1917, câ- impressos, os jesuítas conseguiram articular uma
none 1125 e documento VI do Apêndice), legiti- importante rede de ensino, através de colégios, semi-
mando desta forma o tráfico negreiro. Temos que ser nários e missões ou aldeamentos. Os colégios forne-
bem claros neste ponto: o escravo não encontrou na ciam formação aos candidatos para a Companhia de
Igreja nem apoio nem defesa. Ele teve que lutar só. Jesus, para o clero secular e inclusive para leigos. No
Houve casos isolados de tomadas de posição, mas o século XVI criaram-se cinco colégios: Salvador, Rio
sistema todo estava baseado na escravidão e não de Janeiro, Olinda, São Paulo e Vitória. No século
podia solapar os fundamentos de seu próprio estabe- XVIII acrescentaram-se mais três: Recife, São Luís
lecimento. Quando o sistema encontrou a solução, do Maranhão e Belém do Pará. Uma segunda inicia-
eminentemente política, da miscigenação para pro- tiva consistia na criação de seminários menores em
blemas difíceis ligados à constante aquisição de escra- Belém da Cachoeira (1686), Aquiraz (1727) e Para-
vos, ele não encontrou resistência por parte da Igreja. naguá (1729). Finalmente os jesuítas animaram a
criação de seis seminários tridentinos (ou dioce-
sanos): São Paulo (1746), Salvador (1747), Paraíba e
Mariana (1748), Belém do Pará (1749) e São Luís do
Maranhão (1752). Dois outros seminários diocesanos
se formaram, parece que sem influência jesuítica:
Rio de Janeiro (1740) e Olinda (1800) (Azzi, 1977,
82 Eduardo

193-198). Além disso, os jesuítas desenvolveram no-


tável atividade na catequese dos indígenas, com a
elaboração de catecismos, vocabulários e gramáticas
na "língua geral". Para os africanos o jesuíta Pedro
Dias publicou em 1697 uma "Arte da Língua de
Angola" (Hoornaert, 1977, 120). Tudo isso foi abrup-
tamente interrompido com a expulsão de todos os
jesuítas db Brasil em 1759.
Uma segunda forma de independência esboçada
pelos jesuítas foi de ordem financeira. Vilhena, cro-
nista baiano do século XVIII, relata como a Coroa
gastava vinte e seis vezes mais com a catedral de
Salvador do que com as missões no interior, vinte
vezes mais com vigários e coadjutores da "assistência
religiosa" aos moradores do que com as missões
(Hoornaert, 1977, 36). O Padroado não estava inte-
ressado em favorecer as missões, pois quis manter a
Igreja em dependência financeira (Prien, 1978, 135-
138). Diante desta situação os jesuítas conseguiram,
sobretudo na Amazônia entre 1652 e 1759, um uso
estruturalmente diverso de seus recursos financeiros
próprios, como sejam fazendas com escravos, mais
tarde os aldeamentos com indígenas: eles montaram
um esquema financeiro largamente independente do
Estado, criando a problemática do "poder temporal"
das missões que agitou o Maranhão e também, em-
bora em grau menor, o Brasil durante o referido
período. Ao mesmo tempo os jesuítas discutiam o
tema da "liberdade dos índios", o que nos leva a
considerar que o tema da independência financeira
jesuítica só pode ser corretamente interpretado em Padre Antonio Vieira.
relação com o da "liberdade dos índios", e da para- romarias ou peregrinações. A dinâmica destas mani-
guaização das missões, ou seja, o distanciamento festações de organização religiosa-popular era mar-
entre missões e centros colonizadores. Longe das cada pela tática do esconderijo, do desvio, do "jeito"
vilas, fazendas e engenhos, a experiência missionária (como se diz no Brasil). Nunca houve manifestações
recolocava uma série de problemas relacionados com abertamente subversivas, pelo menos no nível reli-
o colonialismo e desta forma tornou-se subversiva, gioso. Estas práticas religiosas significavam uma
culminando na tão conhecida expulsão de 1759. Para redefinição do catolicismo imposto pelos coloniza-
esta expulsão concorreram decerto outros elementos: dores a partir de uma resistência tenaz, persistente e
o iluminismo e absolutismo da Coroa de Lisboa profundamente radicada no mais íntimo da alma
(Prien, 1978, 350), certos abusos financeiros atribuí- brasileira. Não chegaram a pré-formar um modelo al-
dos às missões. Contudo, não se pode negar que um ternativo de Igreja, pois nunca foram corretamente
certo modelo de Igreja, em aliança com o Estado, foi interpretadas pela hierarquia.
questionado e até superado pela experiência jesuítica
daquela época.

Organizações religiosas populares


Ao lado desta experiência abortiva articulou-se
uma resistência menos espetacular, contudo a longo
prazo mais eficiente, por parte de organizações reli-
giosas populares. Aqui também as experiências fo-
ram as mais diversas: os quilombos ou redutos de
negros fugitivos que cumpriam importante papel reli-
gioso e até missionário no Brasil (Hoornaert, 1974,
132); os cultos clandestinos dé origem africana ou
ameríndia, aqui já mencionados; as confrarias de ne-
gros, sobretudo nas vilas; as festas, desde o "en-
trudo" (hoje carnaval) até as do padroeiro, que exi-
giam um relativo grau de organização popular; as
CONCLUSÃO: AFINAL,
QUE TIPO DE IGREJA HERDAMOS
DO PASSADO?

A cristianização do Brasil entende-se dentro do


conjunto dos movimentos expansionistas globais da
época, não como fruto de um movimento missio-
nário independente. A missão no Brasil sempre es-
teve condicionada pela expansão religiosa, e desde
cedo verificou-se o conflito entre ambas: expansão
religiosa e missão. Os que optaram pela missão logo
perceberam que não tinham apoio institucional, já
que o modelo eclesial vigente era o da "cristandade",
baseado na aliança com o Estado colonizador expan-
sionista. Alguns movimentos, exemplificados pelo
jesuítico, que contudo não era o único, conseguiram
esboçar um modelo eclesial alternativo, pela aliança
com forças nascidas entre os oprimidos, especial-
mente os indígenas (aldeamentos, sobretudo os ama-
zônicos). Uma das razões do fracasso destas ex-
periências está no fato de terem sido elas demais
orientadas para a formação de uma espécie de socie-
dade paralela, decerto com o triunfalismo próprio
dos movimentos missionários da época. Outros movi-
mentos apoiavam-se nas reservas de resistência con-
tra o escravismo colonial existentes entre os pobres,
mas não conseguiram a suficiente articulação polí-
tica.
Estes condicionamentos explicam a aparente INDICAÇÕES PARA LEITURA
contradição existente a cada página da história da
Igreja no Brasil, entre testemunhos de abnegação,
dedicação, coragem e generosidade, e a relativa ine-
ficácia destes admiráveis reforços. No tratamento da história da Igreja no Brasil-
Herdamos, pois, do passado uma Igreja ideolo- Colônia parece primordial colocar a questão meto-
gicamente marcada por uma imagem errada da evan- dológica. Esforços neste sentido estão sendo feitos na
gelização: ela aparece como obra de gente branca, História da Igreja no Brasil, organizada pela Comis-
bém-educada e formada, de classe privilegiada, sobre são de Estudos de História da Igreja na América La-
! gente negra, morena e mestiça, pobre, ignorante e tina (CEHILA) e atualmente em via de publicação
atrasada. Séculos de colonialismo formaram esta pela Vozes, Petrópolis. Já foram publicados dois vo-
imagem que não corresponde de maneira nenhuma lumes com os seguintes estudos: Hoornaert, E., "A
ao que nos ensinam os primeiros documentos da Evangelização e Cristandade Durante o Primeiro Pe-
história cristã. ríodo Colonial" (1977); Azzi, R., "A Instituição
Eclesiástica Durante o Primeiro Período Colonial"
Acreditamos que estes condicionamentos ideo-
(1977); Hauck, J. F., "A Igreja na Emancipação:
lógicos só serão superados com o tempo, pela vivên-
1808-1840" (1980); Fragoso, H., "A Igreja na For-
cia de um modelo eclesial de aliança com os pobres,
mação do Estado Liberal: 1840-1875" (1980); Beoz-
pois esta é a verdade: o evangelho só é "boa-nova"
zo, J. O., "A Igreja na Crise Final do Império:
para os pobres e humilhados, não para os satisfeitos
1875-1888" (1980). Igualmente importante é o volu-
e prepotentes (Lc. 6, 20).
moso e bem documentado estudo de Prien, H. J.,
Die Geschichte des Christentums in Lateinamerika,

— : Jt : —
1939-1950, em dez volumes, e também: Monumento
Vanderhoeck, Gõttingen, 1978. Brasiliae (abr. MB), Roma, 1956-1960, em 4 volu-
Estudos que me ajudaram a colocar a história mes. As missões das outras ordens religiosas só nos
da Igreja no conjunto mais amplo do mundo dos sé- são conhecidas por estudos parciais. Para os francis-
culos XVI-XVIII: Wallerstein, I., The Modem canos existe Willeke, V., Missões Africanas no Bra-
World System, Académie Press, Nova Iorque, 1976 sil, Petrópolis, 1974; para os carmelitas: Prat, A.,
sqq; Braudel, F., Civilisation Matérielle, Économie Notas Históricas Sobre as Missões Carmelitas, Re-
et Capitalisme XVe-XVIIIe siècle, Armand Colin, cife, 1940, e também Wermers, M. M., O Estabe-
Paris, 1979(3 vol.). Outros livros que podem ajudar, lecimento das Missões Carmelitas no Rio Negro e no
especificamente acerca do Brasil: Gorender, J., O Solimões 1695-1711, Coimbra, 1965; para os capu-
Escravismo Colonial, Ática, São Paulo, 1978; No- chinhos: Nembro, M., Storia delVAttivita Missio-
vais, F. A., Portugal e Brasil na Crise do Antigo naria dei Minori Cappuccini nel Brasile 1538-1889,
Sistema Colonial 1777-1808, São Paulo, 1979; Rodri- Roma, 1958; para os beneditinos: Luna, J. G. de, Os
gues, J. H., História da História do Brasil, Compa- Monges Beneditinos no Brasil, Rio, 1974; para os
nhia Editora Nacional, São Paulo, 1979. oratorianos: Rubert, A., A Ação Missionária do Ora-
Algumas fontes parecem-me particularmente tório no Brasil e a Propaganda, Roma, 1972. Sobre
importantes para a compreensão do,s mecanismos os mercedários temos informações esparsas em obras
inerentes à história da Igreja:'d*Abbeville, Claude, de cunho geral.
Histoire de la Mission des Pères Capucins de l'Ile de
Acerca da questão dos cristâos-novos em Por-
Maragnon et Terres circonvoisines, Paris, 1614 (Ed.
tugal é bom consultar Saraiva, A. J., Inquisição e
1975); Daniel, J., Tesouro Descoberto do Máximo
Cristãos-novos, Porto, 1969. No Brasil: Novinsky,
Rio Amazonas, Lisboa, 1757-1776 (Ed. 1976); Nan-
A., Cristãos-novos na Bahia, São Paulo, 1972. Um
tes, Martin de, Relation succinte de la mission du
estudo já antigo mostra como funcionava a repres-
Père Martin de Nantes, prédicateur capucin, mission-
são, inclusive para missionários: Studart, Barão de,
naire apostolique dans le Brésil parmi les indiens
"O Padre Martinho de Nantes e o Coronel Dias
appelles Cariris, Quimper, ^706 (Ed. 1979); Nó-
d'Ávila", Revista da Academia Cearense, 1 (1902),
brega, M., Diálogo Sobre a Conversão do Gentio,
41-55.
1556-1557 (Monumento Brasiliae, II, 317-344).
Existem algumas boas monografias acerca das
Quanto à evangelização, o movimento missioná-
irmandades, como a de Scarano, L, Devoção e Es-
rio jesuítico (o mais importahte) nos é conhecido
cravidão, Companhia JEditora Nacional, São Paulo,
através dos estudos de Serafim Leite: História da
1976. Acerca da Santa Casa de Misericórdia existe o
Companhia de Jesus no Brasil (abr. HCJB), Rio,
estudo de Russell-Wood, A. J. H., Fidalgos and Phi-
lanthropists, Los Angeles, 1968. A função financeira
dos conventos femininos foi estudada por Soeiro, S.,
"The Social and Economic Role of the Convent",
Hispanic American Historical Review, 54 (1974),
209-232.
Acerca da dimensão religiosa e mesmo missio- Sobre o Autor
nária dos movimentos populares como quilombos e
outros, escreveu Hoornaert, E., Formação do Cato- Nasci em Bruges, Bélgica, em 1930. Na infância gostava de folhe-
tear os livros espalhados pela casa paterna e peguei o gosto pela história an-
licismo Brasileiro 1550-1800, Petrópolis, 1978. Um dando pelas ruas da histórica cidade natal. Após alguns anos de estudo na
bom exemplo da importância da religião popular Universidade de Lovaina entrei no seminário e me ordenei sacerdote em
encontra-se em Couto, M. T. G., Missão Abreviada, 1955. No mesmo ano parti para o Congo (atual Zaire), onde comecei a per-
ceber ps horrores do colonialismo, e optei finalmente pelo Brasil, em 1958.
Porto, 1867. Este país mexeu muito comigo e me fez rever os esquemas de minha vida e
Para entender melhor a questão da religião, com os da interpretação da história do cristianismo. Desde 1958 ensino história
a qual a Igreja se depara a cada momento, posso da igrej a em diversos institutos de teologia (Paraíba e Pernambuco) e desde
1973 participo ativamente da Comissão de Estudos da História da Igreja
aconselhar a leitura do livrinho O que é Religião, da na América Latina (CEHILA) que se dispõe a tentar ler a história da Amé-
autoria de Rubem A. Alves, Brasiliense, São Paulo, rica Latina a partir do negro, do indígena, do marginalizado.
1981 (Col. Primeiros Passos, 31). Desde 1963 publico regularmente na Revista Eclesiástica Brasileira
A questão da teologia d e Antônio Vieira e outros de Petrópolis. Em 1974 tentei um primeiro ensaio acerca á&Formaçãq do
catolicismo brasileiro, 1550-1800 (Vozes, Petrópolis) e em 1977 coordenei
missionários é tratada em: História da Teologia na a publicação dp primeiro volume da História da Igreja no Brasil (Vozes,
América Latina, E d . Paulinas, São Paulo, 1981. Petrópolis) que faz parte de uma história da igreja na América Latina
(CEHILA). Em 1981 editei a Crónica das Casas de Caridade do Padre Ibia-
pina (Loyola, São Paulo).

C a r o leitor:
Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para
as nossas coleções, por favor nos envie. NovaS Idéias,
novos títulos ou mesmo uma "segunda vlsâo" de um
já publicado serão sempre bem recebidos.

— M —
Y
COLEÇÃO T U D O É HISTÓRIA Q u e pode haver d e m a i o r o u m e n o r que u m toque?
1 • A t Independencia! na Amé- Benevides 31 - Revolução a
guerra civil espanhola Angela M.
república da Weimar e a ascen-
são do nazismo Angela M. Al-
W. Whitman
rica Latina Leon Pomar 2 • A
crise do ascravlamo a a grands Almeida 32 • Á legislação tra- meida 50 - A reforma agrária na
Imigração P. Belguelman 3 - A balhista no Brasil Kazuml Muna- Nicarágua Cláudio T. Bornsteln
luta contra a metrópole (Aala a kata 33- - Os crlmaa da paixão 60 - Teatro Oficina Fernando Pei-
xoto 61 • Ruaala (1917-1921)
V O C Ê C O N H E C E O P R I M E I R O T O Q U E ?
Africa) M. Yedda Unhares 4 • O Marlza Corrêa 34 * A s cruzadas
populismo na América Latina M. Hilário Franco Jr. 35 • A forma- anoa vermelhos Daniel A. R. Fl-
Líala Prado 5 - A revolução chi- ção do 3.* mundo Ladislau Dow- lho 62 • Revolução mexicana
nata D. Aarao Reis Fl lho 6 • O bor 36 • O Egito antigo Ciro F, (1910-1817) Anna M. M. Corrêa
cangaço Carlos A. Doria 7 - Mar- Cardoso 37 • Revolução cubana 63 - América central Hector Pe-
cantllltmo a transição Francisco Abelardo Blanco/CarloB A. Dória rez Brignoll 64 - A guerra fria
Falcon 8 • Aa revoluções hurgue- 38 - O Imigrante • a pequena pro- Déa Fenelon 68 - O feudalismo
aaa M. Fiorenzano 9 - Parla 1968: priedade M. Thereza Sohorer Po- Hilário Franco Jr. 66 - UR88: o
aa barricadai do daaajo Olgárla trone 39 - O mundo antlgüi eco- socialismo real (1821-1964) Da-
C.F, Matos 10 • Nordaate Lnsur- nomia a sociedade M. Beatriz B. niel A. R. Fllho 67 - Os libareis e
Fiorenzano 40 - Querra civil ame- a crise da Republica Velha Paulo
S anta (1050-1860) Hamilton M.
lontelro 11 - A revolução Indus-
trial Francisco Iglíslea 12 • O t
ricana Peter L. Eísenbarg 41 -
Cultura a participação noa anos
Q. F. Vlzsntlnl 68 - A rademoora-
tizaoão eapanhole Reginaldo C.
quilombo* a a rsballlo negra 60 Heloísa B. de Hollanda 42 • Moraes 80 • A etiquete no antigo
Clóvis Moura 13 • O coronellsmo Revolução da 1930: a dominação regime Renato Janine Ribeiro
M, da Lourdes Janottl 14 • O oculta Italo Tronoa 43 • Contra a 70 • Contestado) • guerra do
governo J . Kubltooheok Ricardo chibatai marinheiros brasileiros novo mundo Antonio P. Tota
Maranhão 15 - O movimento da •m 1810 M. A. Silva 44 • Afro. 71 . A femflle brasileira Eni de
1932 Maria H. Capalato 16 - A América: a aaorevldlo do novo Meaqults Samara 72 - A econo-
América pré-oolombiene C. Fla- mundo Ciro F. Cerdoso 46 « A mia oafaelra José Roberto do
marlon Cardoso 17 • A «bollólo Igreja no Breell-ColOnla Eduardo Amaral lapa 73 . Argéllet e
da escravidão Susly R. R. da Hoornaert 46 - Militarismo na guerra a a Independência Musta-
Queiroz 1B - A proclamação da América Latina Clóvis Rossi 47 • fa Yazbek 74 - Reforma agrária
república J , Enlo Casslecohl 18 - Bsndslrantlemoi verso a revereo no Braell-Cotonla Leopoldo Jo-
A revolta de Princesa Inês C. Carlos Henrique Devldoff 48 - bl.m 75 . Oe caipiras da 81o
Rodrigues 20 - Historia politice O governo Qoulert s o golpe Paulo Carlos R, Brandão 76 • A
do futebol brasileiro J . Rufino de 64 Calo N. de Tolado 48 - A ohanohsda no cinema brasileiro
dos Santos 21 • A Nicaragua aan* Inquisição Anita Novlnaky 60 • A Afrânio M. Catanl/JoBÓ Inácio
dlnlsta Marisa Marean M • O Ilu- poeela Árabe moderna • o Brasil M. Sousa 77 • A Gulné-Blssau
minismo e oe relé fllóeofoe L, R. Sllminl Zeghldour 81 - O nasal* Ladislau Dowbor 78 • A eldade
Sallnae Fortes 23 • Movimento mento dea fébrloes Edgar S- de
Decoa 62 • Londres a Parle no
de B i o Paulo Ceio Prado Jr. 79 P R I M E I R O T O Q U E é u m a publicação c o m crônicas,
estudantil no Brasil Antonio Men- • A Revolução Federalista San-
aéoulo XIX Maria Stella Martins
dee Jr. 24 • A comuna de Parla
H. González 26 • A rebelião Breaolenl 63 • Oriente Médio • o
dra Jatahy Peeavento 80 -
Música popular braallelra Valter
resenhas, comentários, charges, dicas,
prelelra Izabal Manon 26 • A pri- mundo doe árabes Msrle Yedda Krausohs 81 • A emoção Corln*
mavera de Praga Sonia Goldfeder Unhsres 64 • A autogestão thlsns Juca Kfourl 82 • A revo- mil atrações s o b r e as c o l e ç õ e s d e b o l s o d a Editora
Iugoslava Bertino Nóbrega de lução Inglesa José Jobson da
27 - A construção do socialismo
na China D. Aarlo Reis Fllho
Queiroz 68 • O golpe de 1864i
a burgueele contra o populismo
Andrade Arruda 88 • Rebelião Brasiliense. Sai d e três e m três meses.
28 • Opulência e miséria nas osmponesa na Bolívia - Marcelo
Armando Bolto Jr. 86 • Rleloooo e
Mines Oerels Laura Vergueiro fraudee eleltorale ne flepúblloa
Qrondln 84 • Bairro do Beidget -
Célia Tolado Luoane 66 • U m
Por q u e n ã o recebê-lo e m casa? A l é m d o mais,
29 • A burguesia brasileira Jacob Velha Jtodolpho Telerolll 87 • O s
Qorander 30 • O go
M. Victoria Meaqults
jesuítas Jose Carlos Sebe 88 • A
K loo brasllelroi o Arena de B i o
ulo Sábato Megaldl.
não custa nada. S ó o trabalho
d e p r e e n c h e r o s d a d o s aí d e b a i x o ,
A SAIR: recortar, selar e p ô r n o correio.

A balalada M. da Lourdes Jenottl Harol- Ellzebste Felipe/Marls Cristina


A olvlllieolo do acooar Vere Far- do Camargo A segurança n a d o Tejeda O estedo absolutista
llnl A erlae do petrdleo Bernar- nal Roberto R. Msrtlns A s In- Fernando Novaee O Império Bi- N O M E :
do Kuclnakl A orlstandsda latl- ternacionais operárias M. Trag- sontine Hlllárlo Franco Jr./Rul
na medieval Prenoleoo Joed 811- tenberg Ae ligas campo nasas s Andrade de Olivaire Fllho O mo-
ve Domes A guerre doe f e r r r o movimento campante no nor- dernlemo Alexandre Eulálio O E N D . :
pee Antonio Mendss Jr, A his* deste Aepásls Csmargo Capitel movimento operarlo e a géne-
Monopolista no B r u l l Merls de ee do peronlemo Joeé L B, Bel-
tdrta do Carlbs Elisabeth Aze-
vedo/Lulce V. Sauela/Hlldagerd Lourdes Manzlni Covre Pomo e red/Letfola V. 8. Reis O popu- B A I R R O : F O N E :
Herbold A hletdrle do P.C.B. Sil- lismo russo Luiz Eduerdo Prado
de Oliveira Oe movimentos de
via Msgnanl A Independence
doe EUA Suzan Anna flemler A
Maris O. Leite Querrá do Viet-
cultura popular; n a Braall C. R. C E P : C I D A D E : E S T . :
nã Paulo Checon Histeria con-
inaurrelolo psrnsmbuosna da temporánea ibérica Francisco Brandão Peru 1968i golpe ou
revolução? Adrleni Ambeck/An*
161T Olaoyra Lszzsrl Leite Ame-
rican way of life) ohaga en Bra-
Paloon Hlstärls da eduesglo
gela M, de Costa/Caroline Ha- P R O F I S S Ã O : I D A D E : .
breellelra Mirlan Jorgs Werde
all Oerson Moure A redemoera- Ideologie polltloa na Amarlos
t i n g l e braallelrai 1948-1948 Csr-
los Henrique Devldoff A revolte
do Conetadt Hictor Allmonde A
Latins Maria Ligia Prado Ma-
deira Memoré — A ferrovia fen-
Amélls Cohn Revolução cienti-
fica Joaé Aluyslo Rele de An- editora brasiliense s.a.
taime Francisco Foot Hardmen drade Salazar e o «atado novo
revoluolo de 19U P. Serqlo PI-
nhelro A revolueio mooemblea-
Múalsa a soolidtde no Brasil
Maria Elizabeth Luces O Chile
portugués Merle Lulze Paiohkei. 01223 - r. general jardim, 160 - são paulo
ne Daniel A. Rels Fllho Arte a Alberto Agglo/Lells

SEMINARIO C0NC0RDI*
N u m a c o l e ç ã o séria, a história d o B r a s i l e m
q u a d r i n h o s ( p a r a rir e a p r e n d e r ) .

D á C o l ô n i a a o I m p é r i o — U m Brasil p r a i n g l ê s v e r e
latifundiário n e n h u m b o t a r defeito.
Ulla M o r i t z S c h w a r c z / M i g u e l P a i v a
C o m o era o Brasil-colonia e u m a v i s ã o crftica d a
Independência.

1 mAü,ap&)Roi\

República vou ver


Lilia M o r i t z S c h w a r c z / A n g e l i
U m a v i s ã o d i f e r e n t e d e n o s s a história, d o g o l p e d a
m a i o r i d a d e d e D. P e d r o II a q u e d a d o I m p é r i o .

REDESCOBRINDO
O BRASIL

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