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A I-irrutrísti('il t('lll rcl:tr,:<)cs b;rstlrrtc cstrl.rt,rs (.()ln ()strirs


ciôrrcius,
(ltl('tlll)[() lllc rottt;tttt clllprcst;l(los cor]lo Ihc
fi>rrrcccur cllrrJos. ()s li,rites
(ll-lc ll scp:lrltttt cllts otltl:es ciôrtcias
não aparecenr sc[rpre niticÍanrelte. por:
cxc,)plo, a Li,gr-rística deve ser cuidadosamente disting,ida
cla Etno_
srrfir c cla Pré-História, nas quais a rí,gua não intervém senão a
título
rlc' clocu,rento; distingue-se tembérn da Antroporogia,
que estuda o ho-
l,c1ll solnente do porto de vista da espécie, enquanto
a linguagem é um
Írt. social- Dever-se-ia, então, incorporá-la à §ociorogia? "eue rerações
cxister, entre a Lingr-rística e a psicorogia social?
Na realidade, tudo é
psicológico na língua, inclusive suas manifestações
materiais e mecânicas,
co'1o a troca de sons; e já que a Linguística fornece psicorogia CAPITULO III
à social
tiio preciosos dados, não faria um todo com e1a? São
rrrencionamos aqui para retomá_las mais adiante.
questões que apenas OBJETO DA LINGUISTICA
As relacões da Lingr-rística com a Fisiologia não são
tão dificeis cie
rliscernir: a relação é unilaterar, no sentido cle que
o estudo das rínguas
pccie esclarecimentos à Fisiologia dos sons,
mas não 1he fornece nenhum.
Er, todo caso' a confusão entre as duas disciprinas se
torna impossíver: § 1.4 rÍNCUa:SUA DEFINIÇÀO
<r essencial da língua, como veremos, é estranho ao carátér Íônico
do
signo linguístico.
Qual é o objeto, ao úresmo tempo integral e concreto, da Linguís-
Quanto à Filologia,já nos definimos:era se distingue nitidamente da tica? A questão é particularmente dificil: verenlos mais tarde por quê.
Liuguística, malgrado os pontos de contato das
duas ciências e os servicos Limitemo-nos, aqui, a esclarecer a dificuldade.
rnírtuos qlte se prestam.
Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que
Qual é, enfirn, a utilidade da Linguística? Bem poucas pessoas têm a
se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nos-
rcspeito ideias claras: não cabe fixá-ras aqui.
Mas é evidente, por exemplo, so carlpo, nada de semelhante ocorfe. Alguém pronuncia a palavra nu:
crue as questões linguísticas interessam a todos *
historiadores, firórogos um observador superficial será tentâdo a ver nela um objeto linguístico
ctc. - que tenharn de manejar textos. Mais evidente
ainda é a sua im_ Concretg; um exame maiS atento, poróm, nos levará a encontral no CaSo,
por:tância paÍa a cultura geral: na vida dos indivíduos
e das sociedades, uma após outra, três ou quatro coisas perêitamente diferentes, conforme
. linguagem constitui fator mais importante que qualquer o,tro.
Seria a maneira pela qual consideramos a palavra: como so111, como expressão
inrcünissível que seu estudo se tornasse .r.l.rsirro
de alguns especialistas;
dc fato, toda a gente dela se ocupa pouco ou muito; duma ideia, como correspondente ao latirn nudum etc. Bem lolge de
mas - consequên-
cil paradoxal do interesse que suscita não há domínio em dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto cle
- que tenha
vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma dessas ma-
ge.ninado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens,
ficções. ôo porr,o
rlc vista psicológico, esses erros não são desprezíveis neiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às outras.
; a tarefado linguista,
pr>r:ém, é, antes de tudo, denunciá-ros Alértr disso. se.1a qual for a que se aclote. o fenomeno linguísrico apre-
e crissipá-ros tão completamente
(lueltto possível. senta perpetuamente duas faces que se correspondem e das quais uma
não vale senão pela outra. Por exemplo:
( ttlr',1, l,t l tt.tr,trl,|( \ (;ttt,\t lNlllr)l)t (.4()

l" As síllrtr,rs (lr.r(' sr' rrrti(ulrlr)) sio irrrlrlcssõcs :rt'úrstit'us [)(.f('('[)i(l'l\ Ilrr, scgurrcl() r)()s pru-ccc, r"rnra solução parâ toclas essas ciifrctrlcll-
l,t'lo tltrvtrlr,. nt:t\ ()\ \()l)\ n:l() ('\i\tu i:uil \('nt ()\ ,it'g;ios v()(;ti\.ir\sini. Luil rlt's: [' rrcccssário coloc:rr-se printeiralncnte no terreno da língua e tomá-
// ('xistc sorlt:r)tc: pr)le correspolrdôncil clcsscs cklis rspectos. Não se pode lrr corno r)()nrll cle todas as outras maniGstações da linguagem. De fato,
n'tluzir crrtio a lírrgua ao solr-r, neru separar o sor11 da articulação vocal; r'l)trc trlntas cl-raliclades, somente a língua parece suscetível duma defini-
n't'iprocrrrnc:rrtc, uão sc podem definir os movimentos dos órgãos vocais ç'iio uutônorna e fornece um ponto de apoio satisfatório para o espírito.
sc sc fizcr abstração da impressão acírstica (ver p.75 s-s.). Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a lingua-
2" Mas admitamos que o som seja uma coisa simples: é ele quem faz gern; ó somente uma parte determi,hada, essencial dela, indubitavelmente.
r lirrgtragc'rn? Não, não passa de instrumento do pensamento e não existe É, ,r.rrrro tempo, um produto social da faculdade de linguagem e un1
^o
por- si nresmo. Surge daí uma nova e temível correspondência: o som, conjLlnto de corrvenções necessárias, adotadas pelo corpo social para per-
rrrriclacle complexa acústico-vocal, forma por sua vez, colrl a ideia, uma nútir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.Tomada em seu todo, a
rrrricl:rdc complexa, fisiológica e mental. E ainda mais: linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios,
3" 4linguagem tem um lado individual e um lado social, senclo im- ao mesmo tempo fisica, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao
pr>ssível conceber L1m sem o outro. Finalmente: domínio individual e ao domínio social;não se deixa classificar em nenhu-
,1" A cada instante, a linguagenr implica âo tnesfllo tenlpo unr sisteura rna categoria de fatos humanos, pois não se sâbe cotno inferir sua unidade.
cstrrbelecido e L1mâ evolução: a cada instante, ela é tura instituição atual A língua, ao contrário, é um todo por si e um princípio de classifica-
t' unr produto do passado. Parece ficil, à primeira vista, distinguir cntre ção. l)esde que the demos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem,
('sscs sistemas e sua história, entre aquilo que ele é e o que foi; na realida- introduzimos uma ordem natural num conjunto que não se presta a ne-
tlc, l rerlação que une ambas as coisas ó tão íntima que é clificil separá-las. nhuma outra classificação.
Scria a questão mais sinrples se se considerasse o lenômeno linguístico  esse princípio de classificação poder-se-ia objetar que o exercício
('ll) suAS origens; se, por exemplo, começássenlos por estudar a lirrguagem da linguagem repousa numa faculdade que nos é dada pela Natureza, ao
tlrrs crianças? Não, pois é uma ideia bastante Íàlsa crer qr-le em matéria de passo que a língua constitui algo adquirido e convencional, que deveria
lirrguagenr o problenra das origens difira do clas condições permanentes; suborclinar-se ao instinto natural em vez de adiantar-se a ele.
nr.io se sairá nrais do círculo vicioso, então. Eis o que pode se responder.
l)essarte, qualquer que seja o lado por qlle se irborda a questão, ern Inicialmenre, não está provado que a função da linguagem, tal como
rrcrrhuma parte se nos oGrece integr:rl o objeto da Linguística. Sempre ela se manifesta quando falamos, seja inteiramente natural, isto é: que
('ncontranros o dilenra: ou llos aplicarnos a um lado âpenas de cacla pro- nosso aparelho vocal tenha sido feito para Íãar, assim como nossas pernas
lrlcrrrrr c nos arriscanlos .i não perceber as dualidades assinaladâs, ou, se para andar. Os linguistas estão longe de concordar nesse ponto. Àssim,
t'sttrclarnros a lin.guageru sob vllrios âspectos ào lrresnto tempo, o ob.leto para Whitney, que considera a língua uma instituição social da mesma
tl:r Lingr-rístic-a nos aparecerá como unr aglomerado conÍuso de cois:rs espécie clue todas as outras, é por acaso e por simples razões de comodi-
lrr'tcr(rclitas, scm liame entre si. Quando se procede assim, abre-se â porta dade que nos servimos do aparelho vocal como instrllmento da língua;
:r v;irils ciências - Psicologia, Antropologia, Grarnática normativa, Filo- os homens poderiam também ter escolhido o gesto e empregar imagens
I.girr ctc. - c1rre sepâranlos claramente da Linguísticà, tltas que, por cr-r1pa visuais em lugar de imagens acústicas. Sem dúvida, essa tese é demasiado
tlr' trrrr nrétodo incorreto, pocleriarn reivinclicar a linguagem corno urlr absoluta, a língua não é uma instituição social semelhante às outras em
..lt' sr'us objetos. todos os pontos (ver pp. 114 e 116);além disso,Whitney vai longe demais
()trtrso Dti l,tNriuls'r'rr:n (]titr,Rt. lN't'trtltrLt«.;Ãtl

cluanclo cliz que nossa escolha recaiu por acâso nos órgãos vocais; de certo § 2. LUGAI{ DA rÍNCUa NOS FÂTOS DA LINGUAGEM
nroclo, já nos haviam sido impostas pela Natureza. No ponto essencial,
pcrrónr, o linguista norte-americano nos parece ter razão:aling.ua é uma Para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que corresponde à

convenção e a narureza do signo convencional é indiferente. Â questão língua, é necessário colocarmo-nos diante do ato individual que permite
clo aparelho vocal se revela, pois, secundâria no problema da linguagem. reconstituir o circuito da fala. Esse ato supõe pelo menos dois indivíduos;
Certa definição do que se chama de lingwagem articulada poderia con- ó o mínimo exigível para que o circuito seja completo. Suponhamos,
firnrar essa ideia. Em latim, articulws signiÍica "membro, parte, subdivisão então, duas pessoas, A e B, que conversam.
nr-rma série de coisas"; em matéria de linguagem, a articulação pode de-
signar não só a divisão da cadeia falada em sílabas, como a subdivisão da
cadeia de significações em unidades significativas; é nesse sentido que se
cliz em alemão gegliederte Sprache.Apegando-se a essâ segunda definição,
poder-se-ia dizer que não ê a linguagem que é natural ao homem, mas
a faculdade de constituir uma lingua, vale dizer: um sistema de signos
clistintos correspondentes a ideias distintas.
O ponto de partida do circuito se situa no cérebro de uma delas, por
Broca descobriu que a faculdade de falar se localiza na terceira cir-
exemplo A, ern que os fatos de consciência, a que chamaremos conceitos,
cunvolução frontal esquerda; também nisso se apoiaram alguns para atri-
se acham associados às representações dos signos linguísticos ou imagens
buir à linguagem um caráter natural. Mas sabe-se que essa localização foi
acústicas que servem para exprimi-los. Suponhamos que um dado con-
comprovada por tudo quanto se relaciona com a linguagem, inclusive a
ceito suscite no cérebro uma imagem acústica correspondente: é um G-
escritâ, e essas verificações, unidas às observações feitas sobre as diversas
nômeno inteirament e psíquico,seguido, por sua vez, de um processofsio-
Íi:rmas de afasia por lesão desses centros de localização, parecem indicar:
lógico: o cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo
1" - que as perturbações diversas da linguagem oral estão encadeadas de
da imagem; depois, as ondas sonoras se propagam da boca de,4 até o ou-
modos às da linguagem escrita;2 - que, em todos os casos de
r-r-ruitos
vido de B: processo puramente yísíco.Em seguida, o circuito se prolonga
afasia ou de agrafia, é atingida menos a faculdade de proferir estes ou
em B numa ordem inversa: do ouvido ao cérebro, transmissão fisiológica
aqueles sons ou de traçar estes ou aqueles signos que a de evocar por um
da imagem acústica; no cérebro, associação psíquica dessa imagem com o
instrumento, seja qual for, os signos duma linguagem regular. Tudo isso
conceito correspondente. Se B, por sua vez, fala, esse novo ato seguirá -
nos leva a crer que, acima desses diversos órgãos, existe uma faculdade
de seu cêrebro ao de A - exatarnente o mesmo curso do primeiro e
rnais geral, a que comanda os signos e que seria a faculdade linguística
passará pelas mesmas fases sucessivas, que representaremos como segue:
por excelência. E somos assim conduzidos à mesma conclusão de antes.
Para atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da linguagem, Audição Fonação
pode-se, enfim,fazervaler o ârgumento de que a faculdade - natural ou não -
c{e articular palavras não se exerce senão com a ajuda de instrumento
C = Conceito
criado e fornecido pela coletividade; não é, então, ilusório dizer que é a D = lmagem acústicâ

lírrgua qtte faz a unidade da linguagem.

Fonação Audiçáo

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( rrlr',r r trl I |.tr I t:, |( A ( ;t ll \t I f'l I Pr rl rt lr '\r r

llss;t :trt:ilist' ttio lrtttt'trtlr'scr t-ornplctlr; lrotler-st'-irtrrr tlistirrgurr' :rirr A 1xr.tc'lisicit p(xlc scr-l)()stil rlc lrrrlo rlcstlc (]tt:trltlo ottvitll,tr
l«rg.r.
tl,t: rt st'tts;tq'ritt rtcítstir'rt Iruril, ir itlcrrtificlrçio tlcss;r scrrs;rç-io ('()r)) :l irnrrscru llrllrl rrrrr;r lírrgrlr rltrc dcscclnhccclllos, perrce[lctrt«ts bcttt tls s()l)s. Il);ls ('lll
;tt'risticrt Iatcrrtc, a itttugcttt trtrscrrlirr cla hrnaç:ão etc. Não levanros cllt colrt:l virttrrlc tllt ttosstt ittcottrprcettsão, ficarllos llheios rlcl fitr> socill.
st'ttrio os clcrrrcrttos jr-rlgaclos cssenciâis;1]llls ltossa figura perntite distinguir A pllrtc psíquica não entra tantpotlco totainrentc enl -itlgo: tl l:ttlrl
st'rrr tlificultlrde as partes fisicas (ondas sonoras) clas fisiológicas (fonação e
cxccutivct fica clc ltora, pois a slta execução j:rnlais ó feita pcle rtrlss:r; i'
;rtrrliçio) c psíqliicas (imagens verbais e conceitos). De Íàto, é fundamen- scptpre individual e dela o indivíduo é sempre senhor; ní>s a ch:ttltrtrcll)os
trrl otrser:v:rr que a imagem verbal não se confunde com o próprio sonl e
làla @arole).
t;rrc é psíc1r"rica, do mesnro modo que o conceito que the está associ:rdo.
Pelo funciollamento das faculdades Ieceptivâ e coordenativ.t, tltlr
() circuito, tal como o representamos, pode dividir-se ainda:
indivíduos falantes, é que se formam as narcas que chegarn a ser setrsi-
velmente aS nlesmas em tOdos. De que maneira Se deve replesentar eSSC
a) nurna pârte exterior (vibração dos sons inclo da boca ao ouvido)
produto social para que a língua apareÇa perfeitamente desembaraçada do
e nLlma parte interior, que cotnpreende todo o resto;
restante? Se pudéssemos abarcâr a totalidade das imagens verbais arllaze-
á) numa parte psíquica e enr outra não psíqr.rica, incluindo a seÉlun-
nadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a
da também os fatos fisiológicos, dos quais os órgãos são a sede, e
língua. Trata-se de um tesolrro depositado pela prática da fala por todos
os fatos fisicos exteriores ao indivíduo;
os indivíduos pcrtencentes à mesrna comunidade, um sistema gramatical
r) numa parte ativa e em outra passiva; é ativo tudo o que vai do
que existe virtualmente em Cada cérebro ou, mais exatarnente, nos cé-
centro de associação de uma das pessoas ao ouvido da outra, e pas-
rebros dum conjunto de indivíduos, pois a 1íngua não está completa em
sivo tudo o que vai do ouvido desta ao seu centro cle associação.
nenhum, e só n:r massa ela existe de modo completo.
Finalmente, na parte psíquica localizada no cérebro, pode-se charnar
Com o separar a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: 1" - o
executivo tudo o que é ativo (c -+ i) e receptivo tudo o que é passivo que é social do que é individual;2n - o que é essencial do que é acessório
(i -+ c). e mais olr menos acidental.

Cumpre acrescentar uma faculdade de associação e de coordenação A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que
rluc se manifesta desde que não se trate mais de signos isolados, é essa o indivíduo registra passivamente; 1ão supõe jarnais premeditação, e a
tàculdade que desempenha o principal papel na organização da língua reflexão nela intervén1 sollletlte parà a atividade de classificação, da qual
cncluanto sistema (ver p. 171 s-s.). tratarernos na p. 171 s-§.

Para bem compreender tal papei, no entanto, impõe-se sair do ato in- A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência, no
diviclual, que não ó senão o embrião da linguagern, e abordar o fato social. qual convém distinguir: 1" - as combinações pelas quais o falante realiza o
Entre todos os indivíduos assirn unidos pela linguagem, estabelecer- código da língu:r no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2" -
sc-á nma espécie de rneio-termo; todos reproduzirão não exatamente, o nleCanismo psicofisico que the permite exteriorizar essas col1lbinaÇões.
-
scrrr dírvida, uras aproxinradamente - os rnes[ros signos unidos aos mes- Cumpre notar que defininos as coisas, e não os termos; as distinções
rrr<ls conceitos. estabelecidas nada têtrr a recear, portanto, de certos termos irmbígl1os, qut:
Qual a origern dessa cristalizaçio social? Qual das partes do circuito rrão têm correspondência entre duas línguas.Assim, em alell:rão, Spraclrc
[)o(lc estar em causa? Pois é bem provável que todos não tomenl parte quer dizer "língua" e "linguagenl"; Rede corresponde aproxim:rdatllentc
re ll cle igual rnodo. a "palavra", nlas acrescentando-lhe o sentido especial de "discurso". Ettt
( ltlt',o l,l I lt..l(;{ll',lt( A (;tl{At INlll{r)l)ll(,4()

l;rtittt, slrultrr sit]rrifir'il lrttcs "littgrrrlg('nl" r"'f;rll", ('ll(luilut() /irrqlr,r si$rifi- r116 t'xistc scnão rr irrlrgcrrr:rcristir::r, c cste;lodc trltcluzir-sc nttttt:r itlt.t-
t.rr ;r lítrgrr;r, c rlssinr por iliantc. Ncrrhunr tcrnr() cr>lrcs1.,onc1c cxiltiu))cntc gcrrr vistttl ctoltsttnte. Pois se se taz abstração clessa infiniclade dc rnovi-
ir unlr tllrs rroçircs fixaclas; eis por: cpe tocla clefinição a propósito cle unr nlcl)tos neccssários para realizá-la na fala, cada imagem acústica não passa,
l('r'nl() ó vi; ó Lun l)rAll nrétodo partir dos termos para defiuir as coises. confitr:rne logo veremos, da soma de um nírmero limitado de elementos
l{ct'rpitulcnros os caracteres da língua: otr fonemas, suscetíveis, por sua vez, de serem evocâdos por um número
l" - Ela ó urr-r ot-rjeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos correspondente de signos na escrita. É .tt, possibilidade de fixar as coisas
tlrt lirrgurtgcnr. Pocle-se localizá-la na porção determinada do circuito em relativas à língua que faz com que um clicionário e uma gramática pos-
(luc ulnâ imagenr auditiva vem associar-se a un1 conceito. Ela é a parte sam representá-la fielmente, sendo ela o depósito das imagens acírsticas e
soci:rl tla lirrguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem a escrita a forma tangível dessas imagens.

clií-h nem modificá-la;ela não existe senão enr virtucle de uma espécie de
('()r)tmto estabelecido entre os membros da cornunidade. Por outro lado,
o irrdivíciuo tem necessidade de uma aprendizageur para conhecer-lhe o § 3. LUGAR DA LÍNGUA NOS FArOS HUMANOS.
lirrtcionamento; somente pouco a pouco a criança a assirnila.A língua é A SEMIOLOGIA
urrur coisa de tal modo distinta que um homem privado do uso da fala
('()l)scfva a língua, contanto que compreenda os signos vocais qlre ollve. Essas características nos levam a descobriroutra mais importante. A
2" - A língua, distinta da fa1a, é um objeto que se pode estudar sepa- língua, assim delimitada no conjunto dos fatos de linguagem, é classificá-
rrrlrrnrente. Não falamos mais as línguas mortas, mas podemos múito bem vel entre os fatos huntanos, enqltanto a linguagem não o é.
:rssinrilar-lhes o organismo linguístico. Não só pode a ciência cla língua Acabamos de ver que a língua constitui uma instituição social, mas
prcsr:irrclir de outros elementos da linguagem como só se torna possível ela se distingue por vários traÇos das outras instituições políticas, jurídicas
rltr:rrrclo tais elementos não estão misturados. etc. Para compreender sua natLlreza peculiar, clllr-tpre fazer intervir uma
3" * Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim delimitada nova ordem de fatos.
[' «lc natureza homogênea: constitui-se num sistena de signos em que, de A língua ó r,rn sistema de signos que exprimem ideiirs, e é compará-
t'sscrrcial, só existe a união do sentido e da imagem acírstica, e em que as ve1, por isso, à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos,
tltns partes do signo são igualmente psíquicas. às formas de polidez, aos sinais militares etc. Ela é apenas o principal
4" - A língua, não menos que a fala, é um objeto de natureza con- desses sistetn;ts.
('rctu, o clue oGrece grande vantagem para o seu estudo. Os signos lin- Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a uída dos sign'os no
quísticos, embora sendo essencialntente psíquicos, não são abstrações; seioda yida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por
;rs :rssociações, ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo conjunto conseguinte, cla Psicologia geral; chamá-la-emos de Seplologia2 (do gre-
t'onstitui a líugua, são realidades que têm sua sede no córebro.Além disso, go sémeion, "signo"). Ela nos ensinará em qlle consistem os signos, que
os signos cla língua são, por assim dizer, tangíveis, a escrita pode fixá-los leis os regem. Corno tal ciência não existe ainda, não se pode dizer o
crrr irrrrrgcns corrvencionris, ao passo qlre seria impossível fotografar em
totlrrs os sclrs pormenores os atos da fala; a fonação duma palavra, por
pt'tltrcrr:r rlrrc seja, representa uma infinidade de movimentos musculares 2 Deve-se cuidar de não confunclir x §3aLlp/og1a cort a Semântird,que cstnda as altemções de significado
edaqualF.deS.nãofezumrexposiçàonetódica;achar-se á,porénr,oprincípiofitndarnetrtallorlntt
('\tr'('llliln)('lrtc clificeis de distinguir e representar. Na língua, ao contrário,
Iado na p. 1 15 (org.).

-_rl- .,
CAPÍTULO I

NATUREZA DO SIGNO LINGUISTICO

§ 1. SIGNO, SIGNIFICADO, SIGNIFICANTE

Para certas pessoâs, alingoa,rcdtzida a seu princípio essencial, ó uma


nomenclatuta,vaTe dizeqtmalista de termos que correspondem â outrâs
tantas coisas. Por exemplo:

ffi ARBOR

_ffi etc.
EQUOS

Tâ1 concepção ê criticáve1 em numerosos âspectos. Supõe ideias com-


p.letamente feitas, preexistentes às palavras (ver, sobre isso, mais adiante
( trlr.;tr lit I ll..l(;lrt{,ll( A ( 't trAl
l'lUNr ll'lt)s (;lruAts

(1r. l5l'l);clrt tt;ltl rttls tliz st'u pltluvrrr ó tlc nrrttrrczu voc:rl <ltr 1rsít1urr';r,116is
ílr/,()r 1)()(lc scr t:<lttsitltrt-ltclu sob unl ()u ()utro espccto; p()r fint, trlu fuz sg,
[)()r qtlc o víttcttlo (ltte lllte [lltt nonrc.l Lurltr coisa c:orrstitui utrrlr opcreÇão
rurrito sinrples, o qLre está bem longe da verdade. Entretanto, essl visã<-r
sinrplista pode aproxinlar-nos da verdade, mostranclo-nos qlle a uniclacle
lirgLrística ó uma coisa dupla, constituída da união de dois termos.
Vimos na p. 43 -s., a propósito do circuito da fala, que os termos Esses dois elernentos estão intimamente uniclos e um reclama o ou-
i,rplicados no signo linguístico são psíquicos e estão unidos, em nosso trrr. Quer btisquemos o sentido da palavra latina arbor, quer a palavra
córebro, por um vínculo de associação. Insistamos ncsse ponto. ('()m a qual o latim designa o conceito "árvore", está claro que somente
O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um con_ ;rs vinculações consagradas pela língua nos parecem conformes com a

ccito e uma imagen acústical . Esta não é o som material, coisa puramente lc;rlidrde. e abandonarrros toda e qualquer outru que se possa inraginar.
fisica, nras a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que
clele nos dá o testemunho de nossos sentidos; ta1 imagern é sensorial e, se
chegamos a chamá-la "material", é somente nesse sentido, e por oposição
ao olrtro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato.
o
caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece clararnente
quando observamos nossa própria linguagem. sem movermos os lábios
II
ou a língua, podemos falar conosco ou recitar rnentalmente um poema. E
Essa definição suscita uma importante questão de terminologia.
porque as palavras da língua são para nós imagens acírsticas, cumpre evitar,
Chamamos si.gno a combinação do conceito e da imagem acústica: mas,
fãar dos "fonemas" de que se compõem. Esse termo, que implica uma
no uso corrente, esse termo designa geralmente a imagem acústica ape-
ideia de ação vocal, não pode convir senão à palavra falada, à realização
nas, por exemplo uma palavra (arbor etc.). Esquece-se de que, se chama-
cla imagem interior no discurso. com falar de sons e de sílabas c1e uma
mos a arbor sigtto, é sornente porque exprime o conceito "árvore", cle tal
palavra, evita-se o mal-entendido, desde que nos recordemos tratar-se cle
maneira que a ideia da parte sensorial implica a do total.
irrragem ecústica.
A ambiguidade desapareceria se designássemos as três noções aqui
O signo lingr.rístico é, pois,
uma entidade psíquica de duas faces, que
presentes por nomes que se relacionem entre si, ao nlesmo tempo que
pode ser representada pela figura:
se opõem. Propomo-nos a conservar o termo signo pa;rla designar o total,
e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significado e
signíficante; esses dois termos têm a vantagem de assinalar a oposição, que
os separa, quer entre si, quer do total de que fazent parte. Quanto a signo,
se nos contentâmos com ele, ó porque não sabemos por que substitui-lo,
O termo de inugem acúrstica parecer'á, talvez, muito cstreito, pois, ao lecio da representação clos sons
cle ttnla p:rlavra, exjstc tambéur a de sua articulação, a inaqem nuscular clo ato Íirnatório. Para
visto não nos sugerir a língua usual nenhum outro.
E de
Srussure, porém, a línqua ó essencialrnente urn depósito, uma coisa recebida de tõra (ver p. 45). Â ima- O sígno linguístico assim definido eribe duas características pritnor-
gcnr acítstica é, por ercelência, a representação natural da palavra enquanto fato dc língua virtlal, fora
dc toda realização pela lala. O aspecto rnotor pode, então, ficar subentendido ou, em toilo o caso, nào diais.Ao enunciá-las, vanlos propor os princípios mesmos de todo estudo
ocup:rL nrais que um lugar subordinado cm relação à irnagem acústica (org.). dessa ordem.

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( lr rlr so trt, I tNr;l rt t t( ( ;l,t{ Al lrlr. lNr tl'tr):i (;lll(Al:\
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§ 2. ITRIMEII\O t)tuNCÍt,tCt: A Al( tJt"l't(AI{ I Et )At )Li I )( ) st( ;N() Utilizou-se a palavrr sítuhLtltt parl clcsign;rr o signo lingtrístit'o otr,
rrruis cxatanrente, o que chamamos de significante. Há iucottvcrtricltcs crtl
O laço que
o significarrte ao significado é arbitrário ou cntão,
Lrne rrrLniti-lo,justalxente por causa do nosso primeiro princípio. () sírrrlrolo
visto que entendemos por signo o total resultante cla associação de unr tcnl crono característica não ser jamais completanlente arüitrário;elc rio
significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o está vazio, existe um n-rdimento de vínculo natural entre o siguificatttc c
linguktíco é arbitrário.
sign.o o significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substittríclo
Assim, a ideia de "mar" não está ligada por relação alguma interior à por um objeto qualquer, um carro, por exemplo.
sequência de sons m-d-r que lhe serve de significante;poderia ser represen- A palavra aúitrário requer também uma observação. Não devc clar u
tada igualmente bem por outra sequência, nâo importa qual; como prova, icleia de que o significado dependa da livre escolha do que fala (ver:-se*ír,
temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas dife- " mais adiante, que não está ao alcance do indivíduo trocar coisa aigun.ra
("bol") tem por significante
rentes; o significado da palavra francesa boeuf num signo, urrra vez que esteja ele estabelecido num grupo linguístico);
b-|-f de um lado da fronteira fi-anco-germânica, e o-k-s (Ochs) do outro. queremos dizer qr,re o significante é imotiuado, isto é, arbitrário em rela-
O princípio da arbitrariedade do signo não é contestado por ninguém; ção ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realiclade.
às vezes, porém, é mais fácil descobrir uma verdade do que lhe assinalar o Assinalemos, pârâ terminar, duas objeções que poderiam ser feitas a
lugar que the cabe. O princípio enunciado domina roda a linguística da esse prirrreiro princípio:
língua; suas consequências são inúmeras. É verdade que nem todas apare- 1" - O contraditor se poderia apoiar nas lnomatopeias para dizer quc
cem, à primeira vista, com igual evidência; somente ao cabo de várias voltas a escolha do significante nem sempre ê arbitrfuia.Mas elas não são jamais
é que as descobrimos e, com elas, a importância primordial do princípio. elementos orgânicos de um sistema linguístico. Seu número, além disso,
lJma observação de passagem: quando a Semiologia estiver orga- é bem menor do que se crê. Palavras francesas con:ro fouet ("chicote") or-r
nrzada, deverá averiguar se os modos de expressão que se baseiam em glas ("clobre de sinos") podem impressionar certos ouvidos por sua so-
signos inteiramente natnrais - como a pantomima - lhe pertencem de noridade sugestiva; mas, para ver que não têm tal caráter desde a origent,
direito. Supondo que a Semiologia os acolha, seu principal objetivo não basta remontar às suas formas latinas (fouet derivado defagus,"faia", glas
deixará de ser o conjunto de sistemas baseados na arbitrariedade do sig- : classicum):a qualidade de seus sons atuâis, ou melhor, aquela que se lhes
no. Com efeito, todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa atribui, é um resultado fortuito da evolução fonética.
em princípio num hábito coletivo ou, o que vetlr a dar na mesma, na Quanto às onomatopeias autênticas (aquelas do tipo glu-glu, tic-tac
convenção. Os signos de cortesia, por exemplo, dotados frequentemen- etc.), não apenas são pouco numerosas, mas sua escolha é já, em certa me-
te de certa expressividade natural (lembremos os chineses, que saúdam dida, arbitrária, pois que não passam de imitação aproximativa e já meio
seu imperador prosternando-se nove vezes até o chão) não estão menos convencional de certos ruídos (compare-se o francês ouaoua e o alemão
fixados por uma regra; é essa regra que obriga a empregá-los, não seu va- wauwau). Além disso, uma vez introduzidas na língua, elas se engrenarn
lor intrínseco. Pode-se, pois, dizer que os signos inteirarnente arbitrários mais ou trrenos na evolução fonótica, morfológica etc. que sofrem as
realizam melhor que os olltros o ideal do procedimento semiológico; eis outras palavras (cf. pigeon, do latim vulgar p7pio, derivado também de
por que a língua, o mais completo e o mais difundido sistema de expres- uma onomatopeia): prova evidente de que perderam algo de seu caráter
são, é também o mais característico de todos; nesse sentido, a Linguística primeiro para adquirir o do signo linguístico em geral, que é imotivado.
pode erigir-se em paclrão de toda Semiologia, se bem a língua não se 2' - As exclamações, bastante próximas das onomatopeias, dão lugar
configurar senão como um sistema particular. a observações análogas e não constituem maior ameaçr para a nossa tese.

.... .,.,,. l, .i
.i ,i. _, i.'i lr
(lttttt,ir t)ti llN(;tttc't l( A ('ÚtAl

É*sc tclttrtclt) rt vcr rrclxs cxpressiics csp()ntârrcls cl:r rcalir{lrdc', ('()nl() clLrc
rlitudas pclil nuturczl. Mas, prrâ a maior parte delas, pocle-sc llcÉIrrr cllrc
Itaja urn vínculo necessário entre o significado e o significante. Basta
conrparar duas línguas, sob esse aspecto, para ver o quanto tais expressões
variam cle uma para outra língua (por exemplo, ao francês aie! corres-
ponde em alemão au! e en't português ail). Sabe-se também que muitas
exclamações comeÇaram por ser palavras com sentido determinado (cf.
diabo !; ou em francês, mordieu : morte Díeu etc.).
Em resumo, as onomatopeias e as exclamações são de importância
secundária, e sua origem simbólica é em parte contestável.
CAPÍTULO II

IMUTABILIDADE
SEGUNDO PRTNCTPTO:
§ 3.
CARÂTER LINEAR DO SIGNIFICANTE
E MUTABILIDADE DO SIGNO

O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo,


unicamente, e tem as características que toma do tempo: a) represgnta uma § 1. IMUTABILIDADE
exten,sã0,eb) essa extensão é mensuráuel numa só dimensão: é uma linha.
Esse princípio é evidente, mas parece que sempre se negligencior_r Se, com relação à ideia que representa, o significante aparece como
enunciá-lo, sem dúvida porque foi considerado demasiadamenre sim- escolhido livremente, em compensâÇão, com relação à comunidade lin-
ples; todavia, ele é fundamental e suas consequências são incalculáveiÀ; guística que o emprega, não é livre: é imposto. Nunca se consulta a massa
sua importância é igual à da primeira lei. Todo o mecanismo da língua social nem o significante escolhido pela língua poderia ser substituído
depende dele (ver p.171). Por oposição aos significanres visuais (sinais por outro. Esse fato, que parece encerrâr uma contradição, poderia ser
marítimos etc.), que podem oferecer complicações simultâneas em várias chamado familiarmente de "a carta forçada". Diz-se à língua: "Escolhe!";
dimensões, os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; mas acrescenta-se:"O signo será este, não outro." Um indivíduo não so-
seus elernentos se apresentam um após outro; formam uma cadeia. Esse mente seria incapaz, se quisesse, de modificâr em qualquer ponto a esco-
carâter aparece imediatamente quando os representamos pela escrita e
lha feita, como também a própria mâssa não pode exercer sua soberania
substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos.
sobre uma única palavra: está atacla à língua tal qual é.
Em certos casos, isso não aparece com destaque. Se, por exemplo,
A língua não pode, pois, equiparâr-se a um contrato puro e simples,
acentuo uma sílaba, parece que acumulo num só ponto elementos sig-
e é justâmente por esse lado que o estudo do signo linguístico se faz
nificativos diferentes. Mas trata-se de uma ilusão: a sílaba e seu acento
interessantei pois, se se quiser demonstrar que a lei adrnitida numa cole-
constituem âpenas um ato fonatório; não existe dualidade no interior
tividade é algo que se suporta, e não uma regra livremente consentida, a
desse ato, mas somente oposições diGrentes com o que se acha a seu lado
língua é a que oferece a prova mais concludente disso.
(ver, sobre isso, a p. 1,79 s.).
Vejamos então como o signo linguístico escapa à nossa vontade, e tiremos
em seguida as consequências importantes que decorram desse Gnôrneno.

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( ll[t.,o trt I lr-.tr:ltrtlt n (it ttAt l)tt tNt tl'lr )s ( ilrlt Al:,

A rlrrllrlttcr r'por'rt tltlc rclt)()lltcll)()s, 1)()t' lll;li\ :ltttigll (ltl(' s('iil,:l líll- csÍirrços qtte exige o aprendizaclo cla língua lllâterlla para cont:luir: e im-
gr.lir ill)llrcccr scruprc co1l1o ulllll hcrauça cla ópoca prc'ccclclltc. () at<l pclcl pt>ssibilicllde de uma transformação geral. Cumprirá acrescentar, ainda,
([uâ1, cln clado n'tonte:llto, os rlolrrcs terirur sido distribuíclos às coisas, pelc> rlrre a reflexão não intervém na prática de um idioma; que os indivíduos,
tlrr,rl urrr ('ontr;lto rcrir sido estabe[ecido entre os conccitos e as inlagells c,nr larga medida, não têm consciência das leis da língua; e, se não as perce-

rrcústicrs - esse ato podenlos irnaginá-lo, mas ele jamais foi comprovado. bem, como poderiam modificá-las? Ainda que delas tivessem consciência,
A icleia de clue âs coisas poderiam ter ocorrido assim nos é sugerida por ó preciso lernbrar que os fatos linguísticos não provocam a critica,no sen-
n<'rsso sentimento bastante vivo do arbitrário do signo. tido de que cada povo geralmente está satisfeito com a língua que recebeu.
L)e fato, nenhuma sociedade conhece nem conheceu jamais a língua Essas considerações são importantes, mas não são específicas; preferimos
clc outro rnodo clue não fosse como um produto herdado de gerações ante- as seguintes, mais essenciais, mais diretas, das quais dependem todas as outras:

riores e que cumpre receber como tal. Eis por que a questão da origem da 1, O caráter arbitrárío do signo.Yit:r:os que o caráter arbitrário do sig-
-
lingr,ragem não tem a importância que geralmente se lhe atribui.Tâmpou- no nos fazia admitir a possibilidade teórica da mudança; aprofundando
co se trata de uma questão a ser proposta; o único objeto real da Linguística a qlrestão, vemos que, de fato, a própria arbitrariedade do signo põe a
é a vida normal e regular de um idioma já constituído. Um dado estado de língua ao abrigo de toda tentativa que vise a modificá-la. À massa, ainda
língua é sempre o produto de fatores históricos, e são esses fatores que expli- que fosse mais consciente do que é, não poderia discuti-la. Pois, para que
callr por que o signo é imutável,vale dizer,por que resiste a toda substituição. uma coisa seja posta em questão, é necessário qlre se baseie numa norma
Mas dizer que a língua é uma herança não explica nada, se não se for razoável. Pode-se, por exemplo, discutir se a forma monogâmrca do ca-
nrais longe. Não se podem modificar, cle um rnomento para o outro, leis samento é mais razoâvel do que a forma poligâmica e {azet valer razões
c'xistentes e herdadas? para uma e outra. Poder-se-ia, também, discutir um sistema de símbolos,
língua em seu quadro social e formu-
Essa objeção nos leva a situar a pois o símbolo tem Llma relação racional com o signiÍicado (ver p. 109);
lar a questão como o farianros para as ouffas instituições sociais. Como, mas para a língua, sistema de signos arbitrários, falta essa base' e com ela
se transmitem as instituições? Eis a questão mais geral, que engloba a da desaparece todo terreno sólido de discussão; não existe motivo algum
imutabilidade. Cumpre, prineiramente, avaliar a maior ou menor liber- para preferir soeur a sister ou a irmã, ochs t boewf ou a boi.
dade de que desfrutam as outras instituições; ver-se-á que para cada uma 2 - A muhidão de signos necessários para constituir qualquer língua. A lnr-
clelas existe um equilíbrio diferente entre a tradição imposta e a ação livre portância desse fato é considerirvel. lJm sistema de escrita composto de
da sociedade. A seguir, investigar-se-á por çlue, em uma categoria dada, vinte a quarenta letras pode, a rigor, ser substituído por outro. O mesmo
os fatores de primeira ordem são mais ou menos poderosos do que os de poderia suceder à língua se ela encerrasse um número limitado de ele-
outra. Por fim, voltando à língua, perguntar-se-á por que o fator histórico mentos; mas os signos linguísticos são inumeráveis.
c1a transmissão a donrina totalmente e exclui toda transformação linguís- 3 - O caráter demasiado complexo do sistema.lJma língua constitui um
rica geral e repentina. sistema. Se, como veremos adiante, este é o lado pelo qual a língua não é
Para responder a tal pergunta, pode-se atribuir validade a vários ar- completamente arbitrária e no qual impera uma razão relativa, é também
rrtullentos e dizer, por exemplo, que as modificações da língua não estão o ponto em que avulta a incompetência da massa para transformá-la. Pois
ligadas à sucessão de gerações que, longe de se sobrepor umâs às outras, tal sistema é um mecanisrno complexo; só se pode compreendê-lo pela
como as gavetas de um móvel, se mesclam e interpenetram e contêm cada reflexão; mesmo aqueles que dele fazern uso cotidiano, ignoram-no pro-
urna indivíduos de todas as idades. Será mister lembrar também a soma de fundamente. Não se poderia conceber uma transformação como tal sem a
(.Utr.,o trt I IN(i!1",tt{ A (it trAl
l'l{ lN( tl,t( iS (ll1l{ Al5

itr tcIvcrr ç'li t I tlt' cspct'irt lisÍus, gnrr ir'os, lílgicos ctrc., ;r cxpcl ii.r r t irr,
r rl'r f
cltt certo sentido, pode-se falar,
rrtls nrpirlrtrtcutc ()s sistttls littgrrísticos (',
116rí.rr r,
ll)()sl.rll cltrc lttó rlÍior:l il\ irttcrvcttq'ôr\ ncssc scntido rrã9 tivcrlpr ôxito ulgtrgr. ro nrcsuto tcr])po, cla inrutabilidade e mutabilidade do signo2.
4 - Á rcsistôru'it dt inlrcia colctírn a toda rt,rtttuttçiio língr.rística.A língua
- ELn írltima análise, os dois fatos são solidários: o signo está em condi-
c csta c.rsicleração sobreleva toclas as deruais
- é, a cacla nlol,rfento, tarefa
çõcs de alterar-se porque se continua. O que domina, em toda alteração, é
dc t.da a gentc]; difunclida por Llma massa e manejacla por era, é algo cle
I persistência da matéria velha; a infidelidade ao passado é apenas relativa.
cltre toclos os ir-rdivíduos se servem o dia inteiro. Nesse particular, não
se Eis por que o princípio de alteração se baseia no princípio de continuidade.
pode estabelecer comparação alguma entre ela e as outras instituições.As
A alteração no tempo âssume diversas formas, cada uma das quais
prescrições de um código, os ritos de una religião, os sinais marítimos forneceria matéria pâra urn importante capítulo de Linguística. Sem en-
ctc.,ão ocupâm mais que certo número de indivíduos por vez e durante
trar em pormenores, eis o que é mais importante destacar.
tclnpo limitado;da língua, ao contrário, cada quar participa a todo instante,
Em primeiro lugar, não nos equivoquemos sobre o sentido clado
c é por isso que ela sofre sem cessar a influência de todos. Esse fato capital
aqui ao terno alteraçã0. Poder-se-ia fazer acredrtar que se tratasse espe-
tr.sta para demonstrar a impossibilidade de uma revolução. A língua, de
cialmente de transformações fonéticas sofridas pelo significante ou então
rodas as instituições sociais, é a que oGrece menos oportunidades às ini-
transformações do sentido que aGtam o conceito significado. Semelhan-
ci:rtivas.A língua forma um todo corn a vida da massa social e esta, sendo
te perspectiva seria insuficiente. Sejam quais forem os fatores de altera-
naturalmente inerte, aparece antes de tudo corl1o um fator de conservação.
ção, quer funcionem isolaclamente ou combinados, levam sempre a um
Não basta, todavia, dizer que a língua ê um produto de forcas sociais
deslocamento da relação entre o significado e o significante.
para qlle se veja claramente que não é livre; a par de lembrar que'consti-
Eis alguns exemplos: o latim necãre,"trtatar", deu em fratcês noyer,
lui sempre herança de uma época precedente, deve-se acrescentar que es- "afogar".Tânto a imagem acústica como o conceito mudaram; é inútil,
sasforças sociais atLlam em função do tempo. se a ríngua tem um caráter
porém, distinguir as duas partes do fenômeno;basta verificar in globo qlue
de fixidez, não é somente porque está ligada ao peso da coletividacle, mas
o vínculo entre ideia e signo se afrouxou e que houve um deslocamento
também porque está situada no tempo.Âmbos os fatos são inseparáveis.A
em sua relação. Se, em vez de comparar necare do latim clássico com o
t.do instante, a solidariedade com o passado põe em xeque a liberdade de
francês noyer, o contrapusermos ao necare do latim vulgar do século IV
escolher. Dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem
e ou do! já com o significado de "afogar", o caso é um pouco diGrente;
cachorro- Isso não impede que exista no Gnômeno total um vínculo
entre mas aqui também, embora não tenha ocorrido alteração apreciável do
esses dois fatores antinômicos: a convencão arbitrária, em virtude da qual
significante, houve um deslocamento da relação entre a ideia e o signo.
a escolha se faz livre, e o tempo, graças ao qual a escolha se acha fixada.
O antigo alemão dritteil, "o terceiro", tornou-se, no alemão moder-
-Jrstamente porque o signo é arbitrário, não conhece outra lei senão a da no, Drittel. Nesse caso, conquanto o conceito tenha permanecido o mes-
tradição, e é por basear-se na tradição que pode ser arbitrário.
mo, a relação se alterou de dois modos: o significante foi modificado não
só no aspecto material, como também na forma grarnatical; não implica

§ 2. MUTABILIDADE
r Seria injusto censurar a E de Saussure o ser ilógico ou paracloxal por atribuir à língua duas qtraiiclades
O tempo, que assegura a continuidade da língua, tem um outro efei_
contraditórias. Pela oposição de dois termos rnârcantes, elc quis somente clestacar uma verdatle: que
to, eln aparência contraditório com o primeiro: o de alterar mais ou me- a língua se transfoma sem que os inclivíduos possârn transfôrrrá-la. Pode-se dizer tâmLrénr quc e1a I
intangível, nas não inalterável (org.).
(lttltr,rt t)1, I tN(;trt:,iltr,l (ittrAr
lrtr tNt ll,tt)s (;lil(Ats

lllllis rt itlcilr tlc'/ci/, "partc"; ú'tttrtl [)rlirvrlr sirrplcs. l)c trrrr rrrotlo ()r.r (lc ctltrit cllt cirrtrllq'io; ttlts clcsdc () lllonlcr)to c1n qlrc ela crtrrrprc surrr ruis-
()utr(), trâtr-sc sclnpre clc r,rnr de:sl<tclntcnto clc relação.
sirl c sc torl)a possc cle todos, Íirge-lhe ao controle. O esperanto ó unr
Errr rrrglo-srxão, â forma pré:-literária -fot, "o pé", permaneceu cnsaio clessc gênero; se triunfar, escapará à lei fatal? Passado o prinreiro
-fol
(irrglôs rrroclerno.fiol), enquanto seu plural *Jõti,"os pés", se transformou
lllolr1erlto, a língua entrará muito provavelmente em sua vida semroló-
cn -fêt (inglês rnoderno -feer). Sejam quais forem as alterações supostas, gica; transnitir-se-á segundo leis que nada têm de comum com as de
turrra coisa é certa: ocorreu deslocamento da relação; outras correspon- sn:r criação reflexiva, e não se poderá mais retroceder. O homem que
clôncias strrgiram entre a natéria Íônica e a ideia. pretendesse criar uma língua imutável, que a posteridade deveria aceitar
Unra língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores que
tal clual a recebesse, se assemelharia à galinha que chocou um ovo de
deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o significado e o signifi-
pata: a língua criada por ele seria arrastada, quer ele quisesse ou não, pela
.r,rt.. É uma das consequências da arbitrariedade do signo.
corrente que abarca todas as línguas.
As outras instituições - os costumes, as leis etc. - estão todas baseadas,
A continuidade do signo no tempo, ligada à alteração no tempo, é
crr graus diGrentes, na relação natural entre as coisas; nelas há uma aco-
um princípio de Semiologia geral; sua confirmação se encontra nos sis-
nroclação necessária entre os meios empregados e os fins visados. Mesmo
ternas de escrita, na linguagem dos surdos-mudos etc.
r.r moda, que fixa nosso modo de vestir, não é inteiramente arbitrária: não
Mas ern que se baseia a necessidade de mudança? Talvez nos repro-
se pode ir além de certos limites das condições ditadas pelo corpo huma-
vem por não termos sido tão explícitos nesse ponto quanto no princípio
no.A língua, ao contrário, não está limitada por nada na escolha de seus
da imutabilidade: é que não distinguimos os diferentes fatores de altera-
nreios, pois não se concebe o que nos impediria de associar urna ideia
clualquer com uma sequência qualquer de sons. ção; seria preciso encará-los em sua variedade para saber até que ponto
Para mostrar bem que a língua é uma instituição pura,'W'hitney in- são necessários.

sistiu, com razã.o, no caráter arbitrário dos signos; com isso, colocou a As causas da continuidade estão a priorí ao alcance do observador;
Linguística em seu verdadeiro eixo. Mas ele não foi até o fim e não viu não ocorre o mesmo com as causas de alteração através do tempo. Me-
que tal caráter arbitrário separa radicalmente a língua de todas as outras lhor renunciar, provisoriamente, a dar conta exata delas, e limitar-se a fa-
instituições. Isso se vê bem pela maneira por que a língua evolui, nada lar, em geral, do deslocamento das relações; o tempo altera todas as coisas;
mais complexo: situada, simultaneamente, na massa social e no tempo, não existe razão para que a língua escape a essa lei universal.
ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbitrariedade de seus Recapitulemos as etapas de nossa demonstração, reportando-nos aos
signos implica, teoricarnente, a liberdade de estabelecer não importa que princípios estabelecidos na introdução.
relação entre a matéria fônica e as ideias. Disso resulta que esses dois 1" - Evitando estéreis definições de termos, distinguimos prirneira-
elementos unidos nos signos guardam sua própria vida, numa propor- mente,no seio do fenômeno total que representaalinguagem,dois fatores:
ção desconhecida em qualquer outra parte, e que a língua se altera ou, a língua e afala.A língua é para nós a linguagem menos afala.É o con-
tlelhor, evolui, sob a influência de todos os agentes que possam atingir junto dos hábitos hnguísticos que permitenl a uma pessoa compreender
quer os sons, quer os significados. Essa evolução ê fata.l; não há exemplo e fazer-se compreender.
cle uma língua que the resista.Ao fim de certo tempo, podem-se sempre 2" - Mas essa definição cleixa ainda a língua fora cle sua realidade so-
comprovar deslocamentos sensíveis. cial;faz dela uma coisa irreal, pois não abrange mais que um dos aspectos
Isso é tão verdadeiro que até nas línguas artificiais talprincípio tem da realidade: o individual; é mister urLa massafalante para que exista urna
cle vigorar. Quem cria uma língua, a tern sob domínio enquanto ela não língua. Em nenhum momento, e contrariamente à aparência, a língua
(lr-lr.so urr I.,rNr;uls't'tr:n (irLtrnt. l)ttnr :it,tos (;lil(Ats

existe fcrra clo fato social, visto ser um fenômeno semiológico. Sua natu- Tempo
reza social é um clos seus caracteres internos; sua definição completa nos
coloca diante de duas coisas inseparáveis, como o demonstra o esquema:

 língua jâ não ê agoru livre, porque o tempo permitirá às forças


sociais que atuam sobre ela desenvolver seus efeitos, e chega-se assim ao
princípio de continuidade, que anula a liberdade.A continuidade, porém,
implica necessariamente a alteraçio,o deslocamento mais ou rnenos con-
Mas, nessas condições, a língua é viável, não vivente; levamos em
. siderável das relações.
conta apenas a realidade social, não o fato histórico.
3o - Como o signo linguístico é arbitrário, pareceria que a língua,
um sistema livre, organízível à vontade, dependendo
assim definida, é
unicamente de um princípio racional. Seu caráter social, considerado em
si mesmo, não se opõe precisamente a esse ponto de vista. Sem dúvida, a
psicologia colefiva não opera sobre uma rnatêria puramente 1ógica; cum-
priria levar em conta tudo quanto faz ceder a razáo nas relações práticas
de indivíduo para indivíduo. E, todavia, não é isso que nos impede de
ver a língua como uma simples convenção modiÍicável conforme o arbi-
trio dos interessados, ê a ação do tempo que se combina com a da força
social;fora do tempo, a realidade linguística não ê completa e nenhuma
conclusão se faz possível.
Se se tomasse a língua no tempo, sem a massa falante - suponha-se o
indivíduo isolado que vivesse durante vários sêculos - não se registraria
talvez nenhurna alteração; o tempo não agiria sobre ela. Inversamente, se se
considerasse a massa falante sem o tempo, não se veria o efeito das sociais
agindo sobre a língua.Paru estar na realidade, é necessário, então, acrescen-
tar ao nosso primeiro esquema um signo que indique amarcha do tempo:

IIõr} §§s
Lttrt«;trÍs't'tr :n strui:rrrlNt< ;A

() pcusÉlmerlto tenl rreccssiclacle. Podenros, então, representar o fato lirr-


guístico em sell conjunto, isto é, a língua, como unra série de subdivisões
r'ontíguas marcadas simultaneamente sobre o plano inclefinido das icleias
co,fusas (.'4) e sobre o plano não menos indeterminado dos sons (B); ó o
(llle se pode representar aproximadamente pelo esquema:

CAPÍTULO TV

ovALoR LrNcUÍsrrco
o papel característico da língua diante do pensamento não ê criar
urn meio Íônico material para à expressão das ideias, mas servir de in-
termediário entre o pensamento e o som, em condiçôes tais que uma
união conduza necessariamente a delimitações recíprocas de unidades.
§ 1.A LTNGUA COMO PENSAMENTO o pensamento, caótico por natureza, é forçado a precisar-se ao se de-
oRGANTzADo Na l,tarÉ2a rômca compor. Não há, pois, nem rnateríalização de pensamento, nem espiritu-
alizaçã,o de sons; trata-se, antes, do fato, de certo modo misterioso, de o
Para compreender por que a língua não pode ser senão um sistema "pensamento-som" implicar divisões e de a língua elaborar suas unidades
de valores puros, basta considerar os dois elementos que entram em jogo
constituindo-se entre duas massas amorfas. Imaginemos o âr em contato
no seu funcionamento: as ideias e os sons.
com umâ capa de água: se muda a pressão atmosÍérica, a superficie da
Psicologicamente, abstração feita de sua expressão por meio das pa-
ígaa se decompõe numa série de divisões, vale dizer, de vagas; são essas
lavras, nosso pensamento não passa de uma massa amorfa e indistinta.
ondulações que darão uma ideia da união e, por assim dizer, do acopla-
Filósofos e linguistas sempre concordaram em reconhecer que, sem o
mento do pensamento com amaLtéria Íônica.
recurso dos signos, seríamos incapazes de distinguir duas ideias de modo
Poder-se-ia chamar à língua o domínio das articulações, tomando
claro e constante.Tomado em si, o pensamento é como uma nebulosa em
no sentido definido na p. 42: cada rermo linguístico é um
essa palavra
que nada está necessariamente delimitado. Não existem ideias preestabe-
pequeno membro, .urn articulus, em que uma ideia se fixa num som e em
lecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua.
que um som se torna o signo de uma ideia.
Perante esse reino flutuante, ofereceriam os sons, por si sós, entidades
 língua é também comparável a .oÍ.,a folha de papel: o pensamento
circunscritas de antemão? Tampouco. A substância fônica não é mais Íixa,
é o anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mes-
nem mais úgida; não é um molde a cujas formas o pensamento deve mo tempo, o outro; assim tampouco, nâ lingta, se poderia isolar o som
necessariamente acomodar-se, mas uma matéria plástica que se divide,
do pensamento, ou o pensamento do som; só se chegaria a isso por uma
por sua vez, eÍÍ], partes distintas, para fornecer os significantes dos quais abstração cujo resultado seria fazer Psicologia pura ou Fonologia pura.

§§g
(lutrso nn LtNt;uÍs't tt:n (ititr,tt l,rNr;Ltls't'tr :R stttctrôNl<:Á

 Linguística trabalha, pois, no terreno limítrofe erlr que os elemen- corn efeito, um dos àspectos do valor linguístico. Mas se assim é, el11 qut:
tos das duas ordens se combinam; essa cornbinação produz umaforma, não tlifere o valor do que se chama significação? Essas duas palavras serão si-
uma swbstância. ruônimas? Não o acreditamos, se bem que a confusão seja Íãcil, visto ser

Estas considerações fazem compreender melhor o que foi dito na p. 108 provocada menos pela analogia dos termos do que pela delicacleza da

s. sobre o arbitrário do signo.Não só os dois domínios ligados pelo fato lin- distinção que eles assinalam.
guístico são confusos e amorfos, como a escolha que se decide por tal porção O valoq tomado em seu aspecto conceitual, constitui, sem dúvida,
acústica pârâ essa ideia é perfeitamente arbitrâria. Se esse não fosse o câso, um elemento da signifi caçào, e é dificilimo sâber como esta se distingue
a noção de valor perderia algo de seu caráter, pois conteria um elemento dele, apesar de estar sob sua dependência. É necessário, contudo, esclâre-
imposto de fora. Mas, de fato, os valores continuam a ser inteiramente rela- cer essa questão, sob pena de reduzir alingta a umâ simples nomencla-
'
tivos, e eis por que o vínculo entre a ideia e o som é radicalmente arbitrário. tura (ver pp. 105-106).
Por sua vez, a arbitrariedade do signo nos{az compreender melhor por
que o fato social pode,por si só, criar um sistema linguístico.A coletividade
é necessária para estabelecel os valores cuja única razio de ser está no uso
e no consenso geral: o indivíduo, por si sô,ê incapaz de fixar um que seja.
Alêm disso, a ideia de valor, assim determinada, nos mostra que é uma
grande ilusão considerar um termo simplesrnente como a união'decerro
som com um.certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do siste.r'na do
qail"faz parte;seria acreditar que é possível começarpelos termos e construir Tomemos, inicialmente, a signiÍicação tal como se costuma rtpre-
o sistenra fazendo a soma deles, quando, pelo contrár'io, curnpre par,tir da sentá-la e tal como nós a representamos na p.707 s. Ela não é, como o
totalidade solidária para obter, por análise, os elernentos que encertr-Pa;:a indicam as flechas da frgwa,mais que a contraparte da imagem auditiva.
desenvolver eSSa tese, colocar-nos-emos sucessivamente no ponto de vista Tudo se passa entre a imagem auditiva e o conceito, nos limites da palavra
do significado ou conceito (§ 2), do significante (§ 3) . do signo total (§ 4). considerada um domínio Gchado existente por si próprio.
Não podendo captar diretamente as entidades concretâs ou unidades Mas eis o aspecto paradoxal da questão: de um lado, o conceito nos
da língua, trabalharemos sobre as palavras. Estas, sem recobrir exatamente
aparece como a contraparte da imagem auditiva no interior do signo, e,
a deÍinição da unidade linguística (ver p. 150), dão dela uma ideia pelo
de outro, esse mesmo signo, isto ê, a relaçáo que une seus dois elementos,
menos aproximada, çlue tem a vantâgem de ser concreta; tomá-las-emos,
é também, e de igual modo, a contrâparte dos outros signos da Iíngua.
pois, como espêcimes equivalentes aos termos reais de um sistema sincrô-
Visto ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários
nico, e os princípios obtidos a propósito das palavras serão válidos parâ as
e o valor de um resulta somente da presença simultânea de outros, se-
entidades em geral.
gundo o esquema:

§ 2. OVALOR LINGUÍSTICO CONSIDERÂDO


EM SEU ASPECTO CONCEITUAL

Quando se fala do valor de uma palavra,pensa-se geralmente, e ântes


de tudo, na propriedade que tem de representar uma ideia, e nisso está,

nbü x6r
(ltttrsrI trti l..ttrtr;uls t'rr;n ()lnnr.
LrN«ruls t tt:A stttt:tr(rNtt :n

como âcontece de o va-lor, assim definido, se confunda com a significa-


e nío shetp. A diferença de valor entre sheep e mouton, ou carneiro
1111111:t)tt,

ção, vale dizeq com a contrâparte da imagem auditiva? parece impossí* sc deve a que o primeiro tem â seu lado um segundo termo, o que não
vel assimilar as relações aqui representadas pelas flechas horizontais com
ocorre com â palavra francesa ou portuguesa.
aquelas representadas mais anteriormente por flechas verticais. Dito de No interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem
outro modo - para retomar a comparação da folha de papel que se cortâ
ideias vizinhas se limitam reciprocamente: sinônimos como recedr, temer,
(p' 159) - não vemos por que arclação observada enrre diversas porções
tt:r medo só têm valor próprio pela oposição; se recear não existisse, todo
A, B, c, D etc- há de ser distinta da que existe entre o aÍrverso e o verso
seu conteúdo iria para os seus concorrentes. Inversamente, existem ter-
cle uma mesma porção, seja A/A', B,/B' etc.
mos que se enriquecem pelo contato com outros; por exemplo, o ele-
Para responder a essa perguntâ, verifiquemos inicialmente que, mes-
mento novo introduzido em déuépit ("un vieillard décrépit", vet p. 124
mo fora dalingta, todos os valores parecem estar regidos por esse prin-
s.) resulta da coexistência de décrépi ("un mur décrépf'). Assim, o valor
cípio paradoxal. Eles são sempre constituídos:
de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia;
1" - por uma coisa dessemelhanle, suscetível de ser trocada por outrâ
nem sequer da palavra que significa "sol" se pode Íixar imediatamente o
cujo valor resta determinar;
valor sem levar em conta o que lhe existe em redor; há línguas em que é
2- por coisas semelhantes que se podem comparar com aquela cujo impossível dizer "sentar-se âo .çol".
valor está em causâ.
O que se disse das palavras aplica-se a qualquer termo da língua, por
Esses dois fatores são necessários para a existência de
um valor. Des- exemplo às entidades gramaticais.Assim o valor de um plural português
sarte, para determinar o que vale a moeda de cinco francos, cumpre sa- ou francês não corresponde ao de um plural sânscrito, mesmo que a sig-
ber: 1" - que se pode trocâ-La por uma quantidade determinada de uma
niÍicação seja muitas vezes idêntica: é que o sânscrito possui três números
coisa diferente, por exemplo, pão;2'- que se pode compará-la cotn :uÍ/y-
em lugar de dois (mews olhos, minhas orelhas, mews braços, minhas pernas
valor semelhante do mesmo sistema, por exemplo uma moeda de
{r" etc. estariam no dual);seria inexato atribuir o mesmo valor ao plural em
franco ou uma moeda de algum outro sistema (um dólar etc.). Do riles-
sânscrito e em português ou francês, pois o sânscrito não pode empregar ,

mo modo, uma palavra pode ser trocada por algo dessemelhante: uma
o plural em todos os casos em que seria uma regra em português ou fran- ,

ideia; além disso, pode ser comparâda com algo da mesma nzt,uteza: ovtÍa
cês; seu valor, pois, depende do que está fora e ao redor dele.
palavra. Seu valor não estará então fixado, enquanto nos limitarmos a
Se as palavras estivessem encxregadas de representar os conceitos
comprovar que pode ser "trocada" por este ou aquele conceito, isto é, que
dados de antemão, cada rrna delas teria, de uma língua pàra a outra,
tem esta ou aquela significação; farta ainda compará-la com os valores
correspondentes exatos para o sentido; mas não ocorre assim. O francês
semelhantes, com âs palavras que se lhe podem opor. Seu conteúdo só
diz indiferentemente louer (une maison) e o português alugar para signi-
é verdadeiramente determinado pelo concurso do que existe fora dela.
fi.car dar ou tomâr em aluguel, enquanto o alemão emprega dois termos,
Fazendo parte de um sistema, está revesti da não só de uma significação,
mieten e uermieten; nào hâ, pois, correspondência exata de valores. Os
como também, e sobretudo, de um valor, e isso é coisa muito diferente.
verbos schàtzen e urteilen apresentam um conjunto de significações que
Alguns exemplos mostrarão que é de fato assim. o portuguê s carneiro
correspondetrr, grosso modo, às palavras francesas estimer e juger ("avaliar"
ou o francês n'touton podem ter â mesma significação que o inglês sheep,
e'julgar"); portânto, sob vários aspectos, essa correspondência falha.
mas não o mesmo valor, isso por várias razóes, em particular porque, ao
 flexão oferece exemplos particularmente notáveis.A distinção dos
falar de uma porção de carne preparada e servida à mesa, o inglês diz
tempos, que nos é tão familiar, ê estranha a certas línguas; o hebraico não

r b2. x63
Ounso rrri l.tNr;Lrls,r rr:l (lritrar [,tNt;tlis't'tt :a stN«:ttt)rvtt:n

conhece sequer a distinção, tão fundamentâl, entre o passaclo, o presente e


§ 3. OVALOT\ LTNCIUÍSTICO
o futuro. o protogermânico não tem forma própria para o futuro; quan-
CONSIDERADO EM SEU ASPECTO MATERIAL
do se diz que o exprime pelo presente, fala-se impropriamente, pois o va*
lor de um presente não é o mesmo em germânico e nas línguas que têm por relações
Se a parte conceitual do valor é constituída unicamente
um futuro a par do presente. As línguas eslavas distinguem regularmente
c cliferenças com os outros termos da língua, pode-se dizer o mesmo cle
dois aspectos do verbo: o perfectivo representâ a açào na sua totalidade,
suâ parte material. O que importa na palavra não ó o som em si, mas as
como um ponto, fora de todo devir; o imperGctivo mostrâ a ação no seu
diferenças Íônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras,
desenvolvimento e na ünha do tempo. Essas categorias apresentam difi-
pois são elas que levam à significação.
culdade para um francês ou para um brasileiro, pois suas línguas as ignq-
Isso surpree nderâ,talvez;mas onde estariâ, em verdade, a possibilida-
ram; se elas estivessem predeterminadas, não seria assim. Em todos esses
de do contrário? Já que não existe imagem vocal que responda melhor
casos, pois, surpreendemos, em lugar de ideias dadas de antemão uarores
, que outra àquilo que está incumbida de transmitir, ó evidente, mesmo 4
que emanam do sistema. Quando se diz que os valores correspondem a
priori, que jamais um fragmento de língua poderá basear-se, em última
conceitos, subentende-se que são puramente diferenciais, definidos não
análise, em outra coisa que não seja sua não coincidênciâ com o resto.
positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações
Arbitrário e diferencial são duas qualidades correlativas.
com os outros termos do sistema. Sua caracteústica mais exata é ser o
A alteração dos signos linguísticos mostra bem essa correlação; é pre-
que os outros não são.
cisamente porque os termos a e b são radicalmente incapazes de chegar,
Vê-se agora a interpretação real do esquema do signo.Assim:
como tais, até as regiões da consciência - a qual não percebe perpetua-
mente mais que a diferença a/b - que cada um dos termos fica livre de se
modificar conforme leis estranhas à sua função significativa. O genitivo
plural tcheco áen náo ê caracterizado por nenhum signo positivo (ver p.
128); todaviâ, o grupo de formas éena : áen fiinciona do mesmo modo
qre áena : áen't qre a precedeu; é que somente a diferença dos signos está
em jogo; áenavale unicamente porque é diferente.
Eis um outro exemplo que fazver melhor ainda o que há de sistemá-
quer dizer que em português um conceito'Julgar" está unido à imagem tico nesse jogo de diferenças íônicas: em grego, éphVm é um impefeito
acústicajulgar; em poucas palavras, simboliza a significação; mas, bem e ésten um aoristo, embora estejam formados de modo idêntico; ó qtre
entendido, esse conceito nada tem de inicial, não é senão um valor de- o primeiro pertence ao sistema do indicativo presente phemi, "eu digo",
terrninado por suas relações com outros valores semelhantes, e sem eles a enquanto nã.ohípresente *stVmi; ora, é justamente a relação phêmi-éphen
significação não existiria. Quando afirmo simplesmente que uma palavra que corresponde à relação entre o presente e o imperGito (cf. deíknumi-
significa alguma coisa, quando me atenho à associação da imagem acús- -edeíknun) etc. Esses signos atuam, pois, não por seu valor intrínseco, mas
tica com o conceito, faço uma operação que pode, em certa medida, ser por suâ posição relativa.
exata e dar uma ideia da realidade; mas em nenhum caso exprime o fato Ademais, é impossível que o som, elemento material, pertençâ por
linguístico nâ sua essência e na sua amplitude. si à língua. Ele não ê,para ela, mais que umâ coisa secundâria,matêria
que põe em jogo.Todos os valores convencionais apresentam esse carâter

Tfu 4" ú\
OtIrs() trt. [.ttrt<;trÍs t,lr:A (it,trAl LrtrtrlUls't trl^ slNt:llt)NttlA

de não se confundir com o elemento tangíver qtre '1., rrenhtrlu relação existe entre
rhes serve cre suporte. - os signos c{a escrita são arbitrírrios;
Assim, não é o metal da moeda que rhe fixa o valor;
um escudo, que vare rr lctra Í e o som que ela designa;
nominalmente cinco francos, contém âpenas a metade
dessa importância 2" - o valor das letras ê puramente negativo e diferencial; assim, a
em prata; vaTerâ mais ou menos com esta ou aquera

t4r
efigie, mais ou menos rlresfiIa pessoâ pode escrever Í com variantes como:
aquém ou além de uma fronteira política. Isso é ainda
mais verdadeiro
no que diz respeito ao significante Iinguístico; em sua essência,
este não
é de modo algum Íônico;é incorpóreo, constituído
não por,sua substân*
cia material, mas unicar'ente pelas diferenças que separa,,i.süa
imagern
acústica de todas as outras.
Esse princípio é tão essencial que se ap)i.ca a todos os elementos
materiais da língua, inclusive aos fonemas. cada idioma A única coisa essencial é que esse signo não se confunda em sua escrita
compõe suas
palavras com base num sistema de elementos
sonoros, cada um dos quais com o do l, do d etc.;
forma uma unidade claramente delimitada e cujo número 3" - os valores da escrita só funcionam pela sua oposição recíproca
está perfeita-
mente determinado. Mas o que os caracteri za não dentro de um sistema definido, composto de um número determinaclo
é, como se poderia
crer, sua qualidade própria e positiva, mas simplesmente de letras. Esse caráter, sem ser idêntico ao segundo, está estreitamente
o fato de não se
confundirem entre si' os fonemas são, antes de tudo, entidades ligado a ele, pois ambos dependem do primeiro. como o signo gráfico
opositivas,
relativas e negativas. ê arbitrário, sua forma importa pouco, ou melhor, só tem importância
Prova-o a margem de ação de que gozamos falantes dentro dos limites impostos pelo sistema;
para apronunT
ciação, contanto que os sons continuem sendo distintos 4" - o meio de produção do signo é totalmente indiferente, pois não
,rr^ do, outroJ.
Assim, em francês, o uso geral do r uvular (grasseyé) importa ao sistema (isso se deduz também da primeira característica).
não impede quJ\
muitas pessoas usem o r ápico-alve orar (roulQ; aringuanão
Quer eu escreva as letras em branco ou preto, em baixo ou
fica por isso alto relevo,
prejudicada; ela não pede mais que a diGrença e com uma pena ou com um cinze\,isso não tem importância para a sig-
só exige, ao contrário
do que se poderia imaginar, que o som renha uma qualidade nificação.
invariável.
Posso até mesmo pronunciar o r francês como
o ch a'emão de Bach,
doch etc., enquanto em alemão não poderia empregar
o ch como r, pois
essa língua reconhece os dois erementos
e deve distingui-los. Do mesmo § 4.O SIGNO CONSIDERADO NA SUATOTALIDADE
modo, em russo, não haveria margem paru t ao rado
de t' (t molhado),
pois o resultado seria confundir dois sons diGrenciados
pela língua (cf. Tüdo o que precede equivale a dizer qlre nd língua só existem dferen'
gouorit' , "falar", e gouorit,,,e1e falâ,,), mas em em geral termos positivos entre
troca haverá uma liberdade ças. E mais ainda: uma diferença supõe
maior do th (t aspirado), pois esse som não está previsto
no sistema de á, qrrrir ela se estabelece; mas na língua há apenas diferenças sem termos
fonemas do russo.
ptositiuos. Quer se considere o significado, quer o significante, a língua
como se comprova existir idêntico estado de coisas nesse não comporm ideias nem sons preexistentes ao sistema tinguístico, mas
outro sis_
tema de signos que é a escrita, nós o tomaremos
como termo de compa- somente diferenças conceituais e diferenças Íônicas resultantes desse siste-
ração para esclarecer toda a questão. De fato:
ma. O que haja de idoia ou de matéria Íônica num signo,imparlAÍnÊnos

r b(: t67
Ounso trri [,rN<luls'r t(:^ (;tit{Al. l.ttrttlt;Ís t tt:A stwt ;ltilNtt:^

do que o que existe ao redor dele nos outros signos.A prova disso é que
tlife rcntes' são sonrente distintos' Entre eles existe apeuas optt5içfiç' Tlrcl' o
o valor de um termo pode modificar-se sem que se lhe toque quer no rrrccanisrno da linguagem, que será tratado mais adiante, se fun.dir ern opo-
sentido quer nos sons, unicamente pelo fato de um termo vizinho ter siq:ões desse gênero e nas diGrenças íônicas e conceituais que implicarn.
sofrido uma modificação (ver p. 163 s.).
Mas dizer que na ling', tudo é negativo só é verdade em reração ao O que ó verdadeiro do valor o é também da unidade (ver p. 156). E
significante e ao signiÍicado tomados separadamente: desde que conside- rrrrr fragmento da cadeia falada correspondente a certo conceito; um e
remos o signo em sua totalidade, achamo-nos perante uma coisa positiva outro são de natureza puramente diferencial'
em sua ordem^ lJm sistema linguístico é uma série de diGrenças de sons Aplicado à unidade, o princípio de diferenciação pode ser assim for-
combinadas com uma série de diferenças de ideias; mas essa confrontação
_
rnulado: os caracteres da unidade se confundem com a própria unidade. Na
de um certo número de signos acústicos com outrâs tantas divisões feitas língua, como em todo sistema semiológico, o que distingue um signo é
na massa do pensamento engendra um sistema de valores; e é tal sistema tudo o que o constitui.A diferença é o que faz a característica, como faz
que constitui o vínculo eGtivo entre os elementos Íônicos e psíquicos no ôvaloreaunidade.
interior de cada signo. conquanro o significado e o significanre sejam Outra consequência, bastante paradoxal, desse mesmo princípio: o
considerados, cada qual à parte, puramente diferenciais e negativos, suâ clue se chama comumente de um "fato de grarnâtica" responde, em írl-
combinação é um fato positivo; é mesmo a itnica espécie de fatos que a tima anfise, à definição de unidade, pois exprime sempre uma oposição
língua comporra, pois o próprio da instituição linguística é justamente de termos; só que tal oposição resulta particularmente signiÍicativa; por
manter o paralelismo entre essas duas ordens de diferenças. exemplo, a formação do plural alemão do tipo IJacht : Nàchte. Cada um
certos fatos diacrônicos são bastante característicos nesse aspecto:/ dos dois termos confrontados no fato gramatical (o singular sem meta-
são inúmeros os casos em que a alteraçã.o do significante provoca , ,lr.-1, fonia e sem e final, oposto ao plural com metafonia e -e) está constituído
ração da ideia e nos quais se vê que, em princípio, a soma das ideias dis- \ por todo um jogo de oposições dentro do sistema; tomados isoladamente,
tinguidas corresponde à soma dos signos distintivos. nern Nacht nen Niichte são nada; logo, tudo é oposição' Dito de outro
euando dois termos
se confundem por alteração fonética (por exemplo décrépit = decre?:itus e modo, pode-se expressâr a rclaçáo Nacht : Niichte por uma Íórmula al-
déuépi de crispus), as ideias tenderão a confundir-se também, por pouco gébrica a/b ern que d e b não são termos simples, mas resultam cada um
que se prestem a isso. Diferencia-se um termo (por exemplo, em francês de um conjunto de relações. A língua ê, por assim dizer, uma álgebra
chaise e chaire)? Infalivelmente, a diferença resultante tenderá a se fazer que teria somente termos complexos. Entre as oposições que abarca, há
algumas mais significativas que outras; mas unidade e "fato de grxnâtica"
significativa, sem nem sempre consegui-lo na primeira tentativa. Inver-
são apenas nomes diferentes para designar aspectos diversos de um mes-
samente, toda diferença ideal percebida pelo espírito busca exprimir-se
por significantes distintos, e duas ideias que o espírito não mais distingue
mo fato geral: o jogo das oposições linguísticas. Isso é tão certo que se
poderia muito bem abordar o problema das unidades começando pelos
tendem a se confundir no mesmo significante.
fatos de grarnâtica.Apresentando-se umâ oposição corno Nacht : Niichte,
Quando se comparam os signos entre si - termos positivos - não se
perguntaúamos quais são as unidades postas em jogo nessa oposição. São
pode mais falar de diGrença; a expressão seria imprópria, pois só se aplica
unicamente essas duas palavras ou toda a série de palavras análogas? Ou,
bem à comparação de duas imagens acústicas, por exempl o pai e mãe, ou
então, ae ii? Os todos os singulares e todos os plurais etc.?
de duas ideias, por exemplo a ideia de "pai" e a ideia de,,,,,ãe,,; dois sig_
Unidade e fato de grarnítíca não se confundiriam se os signos lin-
nos que comportam cada qual um significado e um significante não são
guísticos fossem constituídos por algo mais que diferenças. Mas sendo a

trtu§ r6g
(lunso un LrN«iuls'n(r (;ril\Ar.

língua o que é, de qualquer lado que a abordemos não the encontrare-


mos nada de simples; em toda parte e sempre, esse mesmo equilíbrio de
termos complexos que se condicionam reciprocamente. Dito de outro
modo, a língua é umaforma, e não uma substância (ver p. 160). Nunca nos
compenetrâremos o bâstante dessa verdade, pois todos os erros de nossa
terminologia, todas as maneiras incorretas de designar as coisas da língua
provêm da suposição involuntária de que haveria uma substância no fe-
nômeno linguístico.

cePÍruro v
RELAÇÕES SINTAGnnÁrrces
E RELAçÕ.ES ASSOCIATIVAS

§ 1. DEFINIÇOES

t Àssim, pois, num estado de úngua, tudo se baseia em relações; como


funcionam elas?
As reiações e as diferenças entre termos linguísticos se desenvolvem
em duas esferas distintas, cadaurn:- das quais ê geradoru de certa ordem
de valores; a oposição entre essas duas ordens faz cornpreender melhor a
natúteza de cada uma. Correspondem a duas formas de nossa atividade
mental, ambas indispensáveis para a vida da língua'
De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude
de seu encadeamento, relações baseadas no catâtu linear da língua, que
exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo temPo
(ver p. 110). Estes se alinham um após o outro na cadeia da fala'Tais com-
binações, que se apoiam na extensão, podem ser chamadas de sintagmasz,
O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutiva§
(por exemplo'. re-ler, contra todos; a vida humana; Deus é bom; sefizer bom

2 É quase inútil observar que o estudo dos slnúa3mas não se confunàe coma síntaxe; como
se verá atlinnte,

p. 183 ss., não é mais que uma parte desse estudo (org).

§7m

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