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Diálogos de Direito Animal - Gisele Kronhardt Scheffer - 2019 PDF
Diálogos de Direito Animal - Gisele Kronhardt Scheffer - 2019 PDF
KRONHARDT SCHEFFER
DIÁLOGOS DE DIREITO ANIMAL
SUMÁRIO
Prefácio
Capítulo 1 - Violência contra cadela: o caso Carrefour
Capítulo 2 - Maus-tratos aos animais: uma perspectiva criminológica
Capítulo 3 - Direito Animal e Ciências Criminais
Capítulo 4 - Criadouros fundo de quintal: uma das principais razões econômicas
de maus-tratos
Capítulo 5 - Tráfico de animais: uma atividade ilegal baseada no sofrimento
Capítulo 6 - Carroças: a crueldade que persiste nas ruas
Capítulo 7 - O caso do cavalo pintado por crianças: maus-tratos?
Capítulo 8 - Zooerastia: o repugnante ato para satisfação do ser humano
Capítulo 9 - Animais como entretenimento: o lado perverso do divertimento
humano
Capítulo 10 - Abandono de animais: um crime silencioso
Capítulo 11 - Extermínio de animais de rua: não acontece só na Rússia
Capítulo 12 - Maus-tratos a animais em filmes
Capítulo 13 - O sofrimento animal na paralisação dos caminhoneiros
Capítulo 14 - Animais em alguns rituais religiosos: direito ao culto ou
crueldade?
Capítulo 15 – Ainda sobre a utilização de animais em rituais religiosos
Capítulo 16 - A bandeira animal nas eleições de 2018
Capítulo 17 - Animais acorrentados e confinados: até quando?
Capítulo 18 - Confinamento dos animais de produção
Capítulo 19 - Animais em zoológicos
Capítulo 20 - Parques temáticos: diversão x exploração
Considerações finais
Referências
PREFÁCIO
Esta obra é uma coletânea de colunas quinzenais de minha autoria,
publicadas em 2018 no espaço denominado “Direito Animal” do Canal Ciências
Criminais. Sendo o Direito Animal um ramo que aborda e defende os interesses
dos animais não-humanos em questões éticas, filosóficas, políticas e
legislatórias, dentre outras, o Canal Ciências Criminais proporcionou esse
espaço de diálogo tão necessário e, infelizmente, ainda raro.
Muitas das colunas abordaram temas bastante pontuais, porém
extremamente relevantes no momento em que foram escritas. Por essa razão,
fez-se necessário um posicionamento firme na defesa do direito dos animais,
violados, por exemplo, na morte da cadela em um famoso hipermercado; na
paralisação dos caminhoneiros deflagrada em maio de 2018; no massacre de
cães de rua na Rússia, no período que antecedeu a Copa do Mundo de futebol;
ou na apreensão de um grande número de animais traficados numa rodovia do
Brasil.
Outras, porém, são atemporais e enfocam diferentes aspectos do Direito
Animal, muitas vezes perturbadores, pois revelam o sofrimento a que são
submetidos esses seres declarados sencientes desde 2012, porém ainda
considerados objetos pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Os capítulos não correspondem necessariamente à ordem cronológica de
publicação; foram dispostos e agrupados de acordo com os temas tratados, a fim
de facilitar a leitura e provocar a reflexão tão necessária para que ocorra a
mudança na atual situação dos animais não-humanos.
O que se almeja é que, com o crescente interesse pelo Direito Animal, os
animais não-humanos sejam respeitados e considerados como verdadeiros
sujeitos de direitos. Boa leitura!
CAPITULO 1
VIOLÊNCIA CONTRA CADELA: O CASO CARREFOUR
IV – prestação pecuniária;
V – recolhimento domiciliar.
Obs.: Publicada originalmente em 05 de dezembro de 2018.
CAPÍTULO 2
MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS: UMA PERSPECTIVA CRIMINOLÓGICA
O elo que une homens e animais é muito antigo. O animal doméstico – e
até mesmo o exótico – adquiriu, com o passar do tempo, o status de membro da
família. Entretanto, devido a essa proximidade, constata-se um grande número
de casos de maus-tratos: abandono, negligência, espancamentos, mutilações,
queimaduras, tráfico de animais silvestres, zoofilia, promoção de rinhas,
esgotamento de matrizes devido à exaustiva reprodução, caça ilegal e uso de
animais para fins recreativos, entre outros.
Apesar de uma grande parte da sociedade estar mais consciente em
relação ao status dos animais, o crime de maus-tratos ainda continua sendo
considerado de menor potencial ofensivo. Historicamente muitos estudos foram
desenvolvidos, não com a intenção de abordar os maus-tratos aos animais em si,
mas porque podem indicar uma predisposição de futuros crimes contra o ser
humano: é a chamada Teoria do Link, uma abordagem claramente
antropocêntrica.
Embora Agnew tenha elaborado uma definição que nos parece a mais
pertinente e esclarecedora até agora em relação ao conceito de maus-tratos, ainda
há dificuldade em se determinar claramente o que seria abuso contra os animais.
Segundo ele, abuso animal é “qualquer ato que contribui para a dor ou morte de
um animal ou que ameace o seu bem-estar”. Esta definição, segundo Agnew, tem
muitas vantagens, pois não limita os abusos somente a comportamentos ilegais
(AGNEW, 1998, p. 179).
Agnew (1998) argumenta que as causas que levam as pessoas a
maltratarem animais devem ser examinadas não somente porque o abuso está
correlacionado com a violência interpessoal de humanos, mas também porque
animais são dignos de consideração moral, independentemente da sua relação
com humanos. Sua teoria começa com três fatores individuais, diretamente
relacionados com o aumento da probabilidade de um indivíduo agredir um
animal. Segundo ele, o abuso animal é mais provável de ocorrer quando os
indivíduos são ignorantes das consequências abusivas de suas ações, acreditam
que seu tratamento abusivo é justificado e quando percebem que os benefícios de
suas ações são maiores que os malefícios.
No Brasil, a primeira proteção legal contra a violência aos animais surgiu
em 1924, quando por meio do art. 5º do Decreto nº 16.590 as corridas de touros,
brigas de galo e canários foram proibidas (BRASIL, 1924). Em 1934, o Decreto
24.645 (BRASIL, 1934) especificou os maus-tratos como um crime e ainda
serve como parâmetro para a caracterização de atos de abuso contra animais,
embora revogado. No entanto, atualmente, no Brasil, a lei que protege os
animais é a Lei nº 9605/98 (BRASIL, 1998), que equipara, em seu art. 32, os
animais domésticos aos silvestres, nativos ou exóticos para fins de aplicação de
penas relativas aos atos de maus-tratos: “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir
ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos
confere ao réu pena de detenção de três meses a um ano, e multa”. Percebe-se
que não há caracterização do que sejam maus-tratos e essa Lei, juntamente com
a Constituição Federal, representa o ordenamento jurídico que protege os
animais em âmbito federal. Apesar da referida legislação, o animal não é
considerado, no Brasil, um sujeito de direitos: conta apenas com proteção
jurídica.
Para Beirne (2013, p. 62), “na Criminologia [...] a agressão contra os
animais tem pouca ou nenhuma significância sui generis, presumidamente
porque não é vista como um crime real, mas, ao invés disso, como uma pequena
ofensa contra a propriedade”. Porém, alguns criminologistas (como Agnew,
Flynn, Arluke e Ascione), a partir do final do século XX, vêm liderando o
caminho no estudo do abuso animal a partir de uma perspectiva sociológica que
o reconceitualiza de forma menos antropocêntrica. Apesar disso, estudos
criminológicos no Brasil sobre maus-tratos aos animais per si são ainda raros.
Infelizmente percebe-se que, apesar de alguns casos de maus-tratos a
animais atingirem grande repercussão através das mídias, esses delitos (e,
consequentemente, seus agentes) ainda são mais brandamente tolerados pela
legislação e pela sociedade na comparação com outras transgressões, reforçando
claramente a perspectiva antropocêntrica.
No entanto, da área de contexto específico das relações homem-animal e
justiça de espécies, surge a Criminologia Verde (Green Criminology), que está
em posição privilegiada para promover novas maneiras de pensar sobre nossas
atitudes e exploração de animais como parte integrante da justiça criminal
dominante, embora digna de estudo dedicado como aspecto distinto da
criminalidade. Para Nurse (2006), dentro da Criminologia Verde há um conjunto
de teorias relacionadas às interações homem-animal que exploram diferentes
aspectos do dano aos animais e à justiça ecológica.
É possível, então, se começar a pensar também em criminologias
biocêntricas, onde todos os seres vivos devem ser considerados por terem valor
em si mesmos e não por sua utilidade ou capacidade de servir ao homem. O ser
humano precisa compreender que suas ações geram consequências não somente
sobre outros seres humanos, mas sobre todas as formas de vida. E que todas são
igualmente importantes e merecedoras do nosso respeito.
Obs.: Publicada originalmente em 05 de abril de 2018.
No próximo capítulo serão abordados diferentes estudos sobre os abusos a
que os animais não-humanos são submetidos. Os pesquisadores buscaram, entre
outros objetivos, verificar o perfil do agressor de animais, as causas dos maus-
tratos e uma provável ligação entre crueldade aos animais na infância e posterior
violência contra seres humanos. Como o leitor poderá perceber, infelizmente o
Brasil e os demais países da América Latina ainda carecem de pesquisas sobre
esses temas.
CAPÍTULO 3
DIREITO ANIMAL E CIÊNCIAS CRIMINAIS
Angus Nurse, em sua obra intitulada “Animal harm: perspectives on why
people kill and harm animals”, de 2016, enumerou, a exemplo de outros
pesquisadores, algumas causas que levam as pessoas a maltratarem os animais.
Identificou o lucro ou ganho comercial como uma das razões pelas quais os
animais são submetidos ao sofrimento. A seguir será enfocado um tema onde
predomina a ganância e a perspectiva da obtenção de altos lucros à custa de
matrizes exaustivamente exploradas e, após uma vida de tormentos, descartadas:
os criadouros clandestinos de animais, verdadeiras fábricas de filhotes.
CAPÍTULO 4
CRIADOUROS “FUNDO DE QUINTAL”: UMA DAS PRINCIPAIS RAZÕES
ECONÔMICAS DE MAUS-TRATOS
Dentre as causas que levam uma pessoa a maltratar animais, uma das
principais é a econômica. O animal não humano, desde os primórdios da
humanidade, é visto como uma fonte de lucro para o homem, reforçando a
perspectiva antropocêntrica. Como exemplo dessa exploração podemos citar o
criadouro clandestino, popularmente chamado de “fundo de quintal”.
Os criadouros clandestinos são um flagrante exemplo de crueldade contra
os animais. Cães são os maiores alvos – cadelas reprodutoras de raças populares,
chamadas de “matrizes”, são compradas para que se forme um plantel, dando
início ao canil. A partir de então, são forçadas a terem ninhadas a cada cio (em
média de seis em seis meses), o que pode resultar em perda de peso e
fragilização da imunidade, fazendo com que as cadelas fiquem mais suscetíveis a
doenças.
Sendo o lucro o objetivo principal, não é difícil imaginar como mães e
filhotes são tratados. Criados em um ambiente insalubre, muitas vezes
trancafiados em gaiolas minúsculas e com doenças infectocontagiosas e
parasitas, os animais são submetidos a péssimas condições de vida, como se
pode notar pela passagem e fotos abaixo:
As cadelas vivem em condições piores do que as galinhas abusadas em granjas e
dão à luz em condições insalubres, sendo que os filhotes são arrancados das
mães com apenas quatro semanas e muitas vezes morrem dentro de seis meses.
Animais são mantidos em um recinto pequeno, ela [cadela] será impregnada e
seus filhotes levados com quatro semanas. Ela pode receber injeções hormonais
para produzir mais filhotes [...]. Estes animais viverão três ou quatro anos e
então terão suas mortes induzidas devido à exaustão. [...] Encontramos filhotes
em baldes, incluindo alguns mortos. Era um negócio baseado na venda de cães
doentes, era crueldade em escala industrial. Havia milhares de cães passando por
sua casa e muitos ficam doentes e morrem. Eles não se importam, pois são uma
mercadoria. Eles os trazem e os vendem o mais rápido possível para obter lucro
(AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS ANIMAIS, 2016, não paginado).
Além de todo o impacto direto aos animais, há os danos secundários para
os compradores. Quem cria os animais nestas condições não zela pelas
características da raça, ou seja, o consumidor que pretende adquirir um filhote de
uma raça pode acabar pagando mais barato, mas recebendo “gato por lebre”.
Outros problemas muito comuns neste cenário são os comportamentais e de
saúde. No momento da compra o animal normalmente já está com alguma
doença infectocontagiosa, ainda sem manifestação clínica, o que pode levar o já
frágil filhote a óbito. Não obstante o sofrimento do animal, os donos podem
dispender somas consideráveis em tratamentos para o filhote e ainda sofrer
perturbações significativas ou riscos pessoais potenciais como, por exemplo,
contrair uma zoonose.
Um ponto importante a ser considerado é a venda destes animais, que
proporciona oportunidades adicionais para atividades criminosas, em particular
através de representações fraudulentas para os potenciais compradores.
Primeiramente, quanto mais novo o filhote fica disponível para venda, mais
interesse há por parte dos adquirentes. Isso faz com que os animais sejam
desmamados e retirados de suas mães muito cedo e, acrescentando nessa soma o
fator estressante que é o transporte, doenças muitas vezes fatais como a
parvovirose e a cinomose podem ocorrer. Além disso, vendedores podem tentar
lograr consumidores mais atentos. Parte da população tem sido encorajada a
comprar filhotes somente se puderem ver toda a ninhada com sua respectiva
mãe. Consequentemente, os criadores “fundo de quintal” podem transportar o
filhote para um local em boas condições e vender a ideia de que ali é que ele foi
criado. Em muitos casos o comprador é enganado, vindo a adquirir um animal
que teve uma qualidade de vida e bem-estar pobres.
Casos de desmantelamento de canis “fundo de quintal”, quando feitos
por ONGs, associações ou institutos com reconhecimento nacional, são
amplamente veiculados pela mídia. Em São Paulo não são raros os casos em que
o Instituto Luísa Mell resgata animais de criadouros clandestinos. No mês
passado, araras, papagaios e 113 cães de diferentes raças foram resgatados de um
imóvel na zona leste do município. Cachorros foram encontrados em caixas,
gaiolas e até dentro de armários. No momento do resgate, a pessoa que cuidava
do canil tentou ainda esconder dois filhotes dentro do sutiã e uma cadela grávida
debaixo de um travesseiro (INSTITUTO, [2018?]). O responsável poderá
responder pelo crime de maus-tratos (art. 32 da Lei 9.605/98), podendo a pena
ser aumentada de um sexto a um terço, conforme parágrafo 2º do citado artigo,
já que foram encontrados animais mortos no local (BRASIL, 1998). Além disso,
ainda poderá receber sanções previstas na legislação do município (Lei
14.483/07), que regra a criação e venda de animais (SÃO PAULO, 2007).
Apesar da cobertura da mídia nesses casos, percebe-se que o interesse
das pessoas por um animal de raça por um preço baixo ainda é grande.
Infelizmente não é fácil obter uma mudança desse panorama. Para haver uma
alteração significativa da realidade atual, o ser humano necessita deixar de lado a
visão antropocêntrica de que os animais não humanos podem ser explorados,
neste caso visando ao lucro. Além disso, quem compra de canis não registrados,
ou adquire um filhote com um custo abaixo do habitual para a raça, pode estar
fomentando esta prática cruel.
Como apenas a fiscalização não consegue coibir esses insalubres locais,
onde nascimentos se misturam com morte, é importante haver medidas de
conscientização para que as pessoas evitem comprar filhotes de procedência
duvidosa, além de estímulos à adoção de animais abandonados.
Obs.: Publicada originalmente em 19 de abril de 2018.
Seguindo na linha da obtenção de lucro por meio do sofrimento animal, o
capítulo que segue enfocará a terceira maior atividade lucrativa no mundo, na
qual animais são covardemente retirados da natureza e transportados de forma
cruel até os locais de destino. Entretanto, a maioria deles morre nesse processo.
Enquanto houver compradores que paguem altas somas por animais silvestres, o
tráfico de animais não terá fim.
CAPÍTULO 5
TRÁFICO DE ANIMAIS: UMA ATIVIDADE ILEGAL BASEADA NO
SOFRIMENTO
Graças a uma denúncia anônima, no dia 19 de abril de 2018 foram
apreendidos pela Polícia Ambiental de Guarulhos (SP) 562 animais vítimas do
tráfico de vida silvestre. Foram encontrados, esmagados dentro de caixas de
papelão e de sacos plásticos, 427 jabutis, 87 iguanas, 21 saguis, dois falcões,
duas corujas e 23 pássaros de várias espécies, sendo que 16 já chegaram mortos
ao Centro de Recuperação de Animais Silvestres (Cras), localizado no Parque
Ecológico do Tietê. Os animais vieram da Bahia e seriam vendidos em mercado
clandestino. Estavam no bagageiro de um ônibus de turismo e viajaram dois dias
até chegar a São Paulo. Três pessoas foram detidas por violarem os artigos 29 e
32 da Lei 9605/98, que se referem a manter em cativeiro animais silvestres e
maus-tratos, porém foram liberadas em seguida. A coordenadora do Cras
afirmou que muitos animais não suportarão os ferimentos e calcula que de 30 a
50% não sobreviverão. Alerta, ainda, que o mais importante é as pessoas
evitarem comprar animais sem a certificação d o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e que é preciso ter
consciência (DONATO, 2018).
A apreensão do dia 19 de abril conseguiu barrar a comercialização desses
562 animais, mas, muitas vezes, os traficantes obtêm sucesso em seu intento. O
comércio de vida silvestre, na qual se inclui a fauna, a flora e seus produtos e
subprodutos, é considerada a terceira maior atividade ilegal no mundo. Fica
atrás, apenas, do tráfico de armas e de drogas. Levando-se em consideração
somente o tráfico de animais silvestres no Brasil, é estimado que cerca de 38
milhões de exemplares sejam retirados anualmente da natureza. “O Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) calcula
que para cada animal silvestre que chega a um dono pelo mercado ilegal, nove
são mortos. As causas variam de ferimentos e sufocação até falta de comida e
água” (PRIES, [s.d.]).
A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de
Extinção (CITES) é um tratado para proteger e conservar a fauna e a flora
selvagens. Foi adotada em 1973 para garantir a sobrevivência em longo prazo de
qualquer espécie que esteja ou possa estar ameaçada pelo comércio. Seus mais
de 180 Estados-Membros, até o momento, regulam estritamente o comércio
internacional de fauna e flora silvestres cobertas pela CITES, por meio de um
sistema de permissões e certificados. Pode-se afirmar, portanto, que a CITES é
uma das ferramentas mais poderosas do mundo para a conservação da
biodiversidade por meio da regulamentação do comércio de vida selvagem. Ela
regula o comércio internacional em mais de 35.000 espécies de plantas e
animais, incluindo seus produtos e derivados, garantindo sua sobrevivência na
natureza com benefícios de subsistência para a população local e o meio
ambiente global. Seu sistema de licenças procura assegurar que o comércio
internacional de espécies listadas seja sustentável, legal e rastreável
(CONVENTION ON..., [s.d.]). O Brasil é membro da CITES por meio do
Decreto nº 3.607, de 21 de setembro de 2000.
Mas, apesar das medidas destinadas a combater o tráfico de espécies
ameaçadas, o tráfico de animais silvestres cresce em nível global. Isso acontece
porque o tráfico de animais selvagens é muito atraente para os criminosos, sendo
altamente lucrativo. Na maioria dos países há uma baixa prioridade na aplicação
da lei em comparação com outras formas de tráfico. Portanto, o risco de
detecção e a aplicação de penalidades são muito limitados. Há, também, ligação
entre o tráfico de animais e outras formas de crime organizado, e pode-se dizer
também que o tráfico local e o internacional de animais selvagens estão
interligados (EUROPEAN COMMISSION, [s.d.]). No Brasil, por exemplo, o
tráfico doméstico de animais é muito praticado por pessoas humildes que, devido
à sua condição social e econômica – e por não terem acesso à educação
ambiental –, consideram a venda ilegal de animais uma forma de sobrevivência.
O Brasil é um dos principais países do mundo que comercializa e exporta
ilegalmente fauna e flora. Sua condição de país periférico no cenário econômico
mundial, aliada à riqueza de sua biodiversidade, às dificuldades operacionais, à
ineficiência do governo e às más condições de vida prevalentes na maior parte
de sua população contribuem para perpetuar e reforçar essa situação (WORLD
WIDE..., 1995). A maioria dos animais e seus subprodutos originários do Brasil
e contrabandeados regularmente para a Europa, EUA e Japão são enviados
primeiramente para Bolívia, Paraguai, Colômbia, Argentina, Guiana, Venezuela,
Panamá e México, onde geralmente são legalizados com documentação falsa
(REDE NACIONAL..., [s.d.]).
Entre as principais cidades europeias importadoras e receptoras da vida
selvagem brasileira estão “Antuérpia, Bruxelas, Amsterdã, Roma, Milão,
Frankfurt, Stuttgart, Viena e Londres” (WORLD WIDE..., 1995, p. 11).
No Brasil, a ineficiência das agências encarregadas de aplicar a
legislação de controle e controle ambiental está diretamente associada à falta de
vontade política para implementar políticas públicas que conciliem o
crescimento econômico do país com programas de conservação de recursos
naturais. O controle do tráfico de animais silvestres no Brasil ocorre, em sua
maioria, por denúncias anônimas. Há vigilância nas rotas já conhecidas como
utilizadas pelo crime, com a ajuda da Polícia Federal, mas os animais são
transportados, muitas vezes, em veículos pequenos, para não atrair a atenção dos
agentes. Utilizam-se técnicas que levam muitas espécies à morte, como malas ou
fundos falsos de carros falsos, e os traficantes preferem filhotes porque dão
pouco trabalho e atraem menos a atenção.
A atual Constituição Brasileira, promulgada em 1988, inclui um
importante instrumento legal para a proteção das espécies que compõem a nossa
biodiversidade. Em seu Capítulo VI, art. 225, § 1º, inciso VII, determina como
responsabilidade do Poder Público "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a
extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade" (BRASIL, 1988). E
a Lei 9605/98, a chamada “Lei dos Crimes Ambientais”, que, em seu art. 29, tem
a seguinte redação: “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna
silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou
autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”
(BRASIL, 1998), sujeita o infrator à pena de detenção de seis meses a um ano e
multa.
Porém, a pena e a fiscalização não são suficientes para inibir o tráfico.
Percebe-se que o controle, tanto nos países de origem quanto nos países de
destino, não é efetivo, pois o tráfico de animais silvestres continua crescendo.
Mesmo que os países-membros da CITES não coloquem esse crime
ambiental no mesmo nível das outras formas de tráfico (ZIMMERMANN,
2012), pelo menos as sanções penais para o comércio ilegal da vida selvagem
precisam ser revistas, e as punições, aplicadas. O combate ao tráfico de animais
selvagens necessita de campanhas para mudar as atitudes sociais em relação ao
consumo de animais selvagens. Deve haver imposição e repressão, mas a
informação, a educação e a consciência ambiental são essenciais. Os cidadãos
devem conscientizar-se para fazer escolhas individuais que não ameacem as
espécies, como apoiar empresas ambientalmente responsáveis e não comprar
animais silvestres protegidos por lei. Somente com a participação de todos o
tráfico da vida selvagem será algo do passado.
Obs.: Publicada originalmente em 17 de maio de 2018.
Mas não são somente os animais silvestres que sofrem em mãos humanas.
Os animais domésticos e domesticados também são vitimizados. E, apesar das
diversas legislações que tentam proteger os animais de tração da crueldade a que
são submetidos, muitos ainda sucumbem devido à exaustão e aos maus-tratos.
As carroças, que ainda persistem nas ruas e estradas, serão o assunto do próximo
capítulo.
CAPÍTULO 6
CARROÇAS: A CRUELDADE QUE PERSISTE NAS RUAS
“NEGLIGÊNCIA, DESUMANIDADE, IRRESPONSABILIDADE,
BARBÁRIE”, esses são alguns dos termos que resumem o tratamento
dispensado aos nossos cavalos de rua” (INSTITUTO NINA ROSA, [s.d.]).
Recentemente foi notícia – e polêmica – em todo o Brasil o caso do
cavalo que foi pintado com tinta guache por crianças na Escola de Equitação da
Hípica no Distrito Federal. O caso teve muita repercussão na mídia em geral e
nas redes sociais, com pessoas defendendo e outras condenando a atividade, que
teria cunho pedagógico.
A polícia irá investigar se o animal sofreu maus-tratos, já que o caso
resultou em denúncia na Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (Dema) por
Ana Paula Vasconcelos, membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos
Animais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal
(OAB/DF): “Depois da denúncia, fomos até o local e vimos o quanto o cavalo
estava acuado e triste. Conversamos com os responsáveis da escola e disseram
que o animal havia sido resgatado porque sofria maus-tratos. Se fosse um animal
de sangue puro, com um valor econômico alto, fariam isso? Usaram o animal
como objeto” (NASCIMENTO, 2018).
A Escola de Equitação da Hípica, por sua vez, afirmou que repudia
qualquer ato de maus-tratos aos animais, além de dizer que tem experiência na
interpretação de sinais emitidos por cavalos e que no caso em questão não houve
indício de estresse. Ainda de acordo com a escola, a atividade foi realizada em
conjunto com a pedagoga parceira do estabelecimento e aprovada por um
médico veterinário.
Haveria muitos pontos para se discutir após o ocorrido, desde éticos,
como a objetificação de um animal senciente, até se esse seria um método
positivo do ponto de vista pedagógico. Porém, como sempre, vamos nos ater à
esfera jurídica criminal. Afinal, os responsáveis poderão responder por maus-
tratos, de acordo com o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais? Lembrando que
o legislador, ao redigir o tipo penal, feriu o princípio da taxatividade ao não ter
descrito quais atos se enquadrariam como sendo de abuso e maus-tratos. De uma
perspectiva doutrinária, de acordo com Luiz Regis Prado (2016): “As ações
típicas alternativamente previstas são: a) praticar ato de abuso (usar mal ou
inconvenientemente – v.g., exigir trabalho excessivo do animal -, extrapolar
limites, prevalecer-se); b) maus-tratos (dano, ultraje); c) ferir (ofender, cortar,
lesionar); d) mutilar (privar de algum membro ou parte do corpo); e) realizar
(pôr em prática, fazer) experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que
para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos –
elemento normativo do tipo (§ 1º)”.
Para podermos definir se o ato pode ser enquadrado como maus-tratos
devemos ouvir a pessoa habilitada para dar tal diagnóstico: o médico veterinário.
De acordo com o site Metrópoles, “os agentes dos Conselhos de Medicina
Veterinária (regional do DF e federal) não encontraram quaisquer irregularidades
ou indícios de maus-tratos durante vistoria das instalações ou nos espaços
reservados aos animais” (LORRUAMA, 2018). Segundo os Conselhos, tudo
estava de acordo com critérios de bem-estar animal estabelecidos.
Já conhecido o parecer dos Conselhos, alguns profissionais com
diferentes posições foram convidados por mim a exporem suas opiniões.
De acordo com o médico veterinário Henrique dos Reis Noronha, o
evento foi positivo. Segundo o profissional, a atividade aconteceu com a
supervisão de médico veterinário especialista em equinos, que conhece o animal
utilizado e seu comportamento natural, sendo a equipe da Hípica extremamente
qualificada e reconhecida nacionalmente por sua qualidade. “Os cavalos, como
outros herbívoros, possuem uma sensibilidade cutânea extremamente
desenvolvida. Em especial, os cavalos possuem muito mais mecano-receptores
(táteis) que a grande maioria das espécies. Do ponto de vista do comportamento,
diversos trabalhos ao longo dos anos ressaltam a importância do “toque”, do
grooming ou até mesmo do self-grooming como alguns chamam, afirmando que
o toque direto, ou (indireto) através de equipamentos (escovas, esponjas, pincéis)
são benéficos à relação homem x cavalo, baseando-se no seu comportamento
natural e suas interações, favorecendo uma relação prazerosa e de confiança para
ambos. Por outro lado, mesmo com toda inteligência que um cavalo comprova
facilmente ter, alguns sentimentos como ‘humilhação’, por exemplo, são
sentimentos exclusivamente humanos, por definição”.
Já a também médica veterinária Moira Civeira tem uma opinião diferente
sobre o assunto. Ela ressalta que todos os animais possuem sua zona de conforto
ou de fuga frente a um estranho e que, com o animal acorrentado, seria
impossível fugir caso não estivesse se sentindo confortável. Esta zona muitas
vezes é utilizada em manejo, no qual o animal se afasta para seguir em frente, ao
destino proposto pelo humano. Segundo ela, as muitas vozes das crianças (ou
mesmo gritos), o toque e a pressão ao desenhar podem ser fatores estressantes ao
animal, neste caso mais velho, magro e sem reação. Cada vez mais lutamos para
não haver estudos em animais vivos, e esta atividade contraria o quesito de
respeito aos animais. Animais não são brinquedos, são seres sencientes que
podem reagir frente a um estímulo desagradável e gerar reações que podem
colocar as crianças em risco. E conclui afirmando que a interação homem e
animal deve ser cada vez mais respeitosa e ética.
Adriana Pessôa, também médica veterinária e ativista pelos direitos dos
animais, por sua vez afirmou que “as pessoas estão começando a acordar para a
questão dos direitos animais. Temos o dever de não expor a dignidade dos
animais, além de garantir sua integridade, ajudá-los e protegê-los, preservando
sua identidade e liberdade. Ainda temos dificuldade de entender que o animal
deve existir por si só, livre de nossas amarras e subjugações”.
Para finalizar, ressalto que os principais doutrinadores não se referem a
maus-tratos como uma ação que possa infligir danos emocionais aos animais –
somente físicos. Já as definições de maus-tratos, de acordo com a Criminologia,
são diferentes. Agnew (1998, p. 179) define como “qualquer ato que contribui
para a dor ou morte de um animal ou que ameace o seu bem-estar”, enquanto
Ascione (1993) refere-se a maus-tratos como um “comportamento socialmente
inaceitável que intencionalmente provoca dor, sofrimento ou angústia
desnecessários e/ou morte de um animal”. Portanto, para a Criminologia, não
importa o tipo de sofrimento, podendo ser físico ou emocional: ambos são
considerados maus-tratos.
Ante o exposto convido você, caro leitor, a dar sua opinião. Afinal,
podemos dizer que houve maus-tratos ao equino?
Obs.: Publicada originalmente em 03 de agosto de 2018.
Os temas até agora tratados versaram sobre crueldade e maus-tratos
infligidos aos animais não-humanos. A seguir será enfocada outra forma de
abuso, onde, além do sofrimento, faz-se presente a incapacidade de dizer “não!”:
a zoofilia. É um crime que causa traumas físicos e psicológicos aos animais, e,
em muitos casos, os leva à morte, num ato que objetiva transformar o animal em
mero objeto de prazer.
CAPÍTULO 8
ZOOERASTIA: O REPUGNANTE ATO PARA SATISFAÇÃO DO SER
HUMANO
Entre os diversos crimes contra aos animais já abordados nessa coluna,
certamente um dos mais abjetos é a zooerastia. Zooerastia (também chamada de
zoofilia, bestialidade ou abuso sexual), consiste no ato sexual de humanos com
animais e é praticada desde tempos remotos, conforme achados em pinturas
rupestres.
A gama de animais usados em zooerastia é bastante diversificada. Inclui
vacas, éguas, mulas, porcas, cadelas, gatas, ovelhas, cabras, coelhas, patas e
galinhas. O ato sexual com animais traz, como consequências, graves lesões
psicológicas, emocionais e físicas ao animal, como hemorragias internas,
rupturas anais, ferimentos na vagina e cloaca. Muitas vezes, o agressor não se
contenta em estuprar, mas também tortura e mata a vítima. E, quando o animal
não morre no momento do abuso, pode vir a óbito posteriormente em
decorrência dos ferimentos, pois seu organismo não possui estrutura para
atividade sexual com humanos.
O discurso usado por aqueles que abusam sexualmente de animais é
idêntico ao utilizado para justificar outras formas de agressão sexual
intrafamiliar. Um estudo conduzido pela Universidade de Iowa (EUA)
comprovou que o sexo com animais pode ser um importante indicador de
potencial co-ocorrência de crimes sexuais contra seres humanos, indicando uma
possível ligação entre esses delitos (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS
ANIMAIS, 2014a). Alguns abusadores chegam ao ponto de afirmar que o
animal “queria e estava gostando”. Segundo a Agência de Notícias de Direitos
Animais (2014a), claramente não há benefício algum para os animais; eles
simplesmente não podem dizer “não” aos seus agressores.
Para Piers Beirne, professor de Sociologia e Estudos Jurídicos na
University of Southern Maine – um de seus cursos é sobre abuso de animais –,
estudos psiquiátricos recentes tendem a considerar a zooerastia como uma
perversão sexual praticada em grande parte por jovens do sexo masculino com
personalidades psicopatas e que, às vezes, também têm tendências agressivas e
sádicas. Um mínimo de 40% a 50% de todos os garotos norte-americanos que
moram na zona rural já experimentam alguma forma de contato sexual com
animais (BEIRNE, 2009).
No Brasil, uma pesquisa sobre zoofilia conduzida pelo médico urologista
Stênio de Cássio Zequi com 492 homens que vivem em zonas rurais identificou
que “quatro entre 10 homens de zonas rurais já fizeram sexo com animais;
80,1% dos entrevistados passaram de um a 26 anos na prática” (SEXO COM
ANIMAIS..., 2011). Mas engana-se quem pensa que a zooerastia ocorre apenas
no campo. Há notícias de festas universitárias e outras situações urbanas que
incluíram sexo com animais. E, para piorar a situação, há países onde “bordéis
de animais” são atividades legais.
Piers Beirne ainda afirma que a situação dos animais como vítimas que
são abusadas pode ser comparada à das mulheres e, em alguns casos, à das
crianças porque: as relações sexuais entre homens e animais envolvem coerção;
estas práticas normalmente causam dor e até morte; e os animais são incapazes
de consentir de uma maneira que os humanos possam compreender prontamente
ou falar sobre seu abuso (BEIRNE, 2009). A zooerastia também é similar ao
estupro de humanos, pois leva a uma erotização da violência, controle e
exploração.
Pode-se assegurar que, mais uma vez, encontra-se presente o
antropocentrismo. Os animais, apesar de sencientes, são vistos como objetos,
propriedades com status de patrimônio ambiental. Não são reconhecidos como
sujeitos de direitos. No Brasil o abuso é crime, conforme o artigo 32 da Lei
9.605/98 (BRASIL, 1998), a chamada Lei de Crimes Ambientais.
Esse crime praticamente não é punido porque não há testemunhas,
apenas o agressor – ou agressores, cúmplices – e a vítima, que não pode
expressar por meio de palavras o que ocorreu. Piers Beirne afirma ainda que
processos criminais de abuso sexual têm sido eventos muito raros. Se,
porventura, o ato for testemunhado por alguém (que não seja o ofensor), e
relatado às autoridades, a condução do caso dependerá de como é
problematizado pelas agências de controle social – como agressão sexual animal,
como um sério problema social, como brincadeira, como um assunto privado, e
assim por diante. O Direito tem, portanto, um papel importante na defesa dos
direitos dos animais (BEIRNE, 2009).
Nas últimas décadas, com o advento da internet, é fácil verificar que a
zooerastia transformou-se numa verdadeira indústria pornográfica, que lucra por
meio da exploração dos animais. A ganância do ser humano não tem limites, e a
tecnologia proporciona o acesso a fotos, vídeos, e, até mesmo, a cursos de
adestramento para fins sexuais. Há, inclusive, venda e aluguel de animais
“criados e treinados” com a finalidade de proporcionar prazer aos humanos.
Quando são analisadas imagens sexuais de animais online, pode-se observar
facilmente que a zooerastia é parte da mesma sociedade patriarcal que resulta em
estupros e abuso sexual de mulheres e crianças. Por outro lado, as redes sociais
servem, também, como meios de expressar indignação e promover mobilizações
contra essa abominável prática.
Para finalizar, cabe lembrar que, muitas vezes, os garotos são
incentivados a provar sua “masculinidade” iniciando a vida sexual com a
utilização de animais. Volto a afirmar, como sempre faço nessa coluna, que o
melhor meio de combater o abuso sempre será através da educação, com a
consequente conscientização sobre o respeito à vida, em todas as suas formas.
Obs.: Publicada originalmente em 14 de junho de 2018.
Com a proximidade da Copa do Mundo, notícias veiculadas pela mídia
envolvendo animais serviram de mote para que importantes assuntos fossem
desenvolvidos nos três capítulos a seguir. Primeiramente, a utilização de um urso
adestrado possibilitou o enfoque crítico da exploração de animais para o
divertimento humano em circos, rinhas, touradas e outros “espetáculos”. Após,
devido ao abandono, o extermínio dos animais de rua em algumas cidades russas
permitiu com que fosse feita uma triste conexão com outros casos idênticos
ocorridos no Brasil, onde é mais conveniente e simplista erradicar os animais do
que promover a implantação de efetivas políticas públicas que combatam o
abandono.
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 11
EXTERMÍNIO DE ANIMAIS DE RUA: NÃO ACONTECE SÓ NA RÚSSIA
Ativistas afirmam que o cão aparenta estar apavorado, mas mesmo assim
é forçado a entrar em um tanque com água em movimento. A Birds & Animals
Unlimited, empresa especializada em fornecer animais para gravações em
Hollywood, assegura que o vídeo foi editado para provocar a ira da opinião
pública (EMPRESA QUE..., 2017).
“No Animal Were Harmed®”, ou, em português, “Nenhum animal foi
ferido” é um certificado instituído por uma organização norte-americana
chamada American Humane Association (AHA), para garantir a segurança dos
animais utilizados em filmes. A certificação, que aparece ao final do filme de
cinema ou de televisão, é concedida apenas a produções que cumprem seu
rigoroso padrão de atendimento para os atores animais. A AHA foi criada em
1877 para assegurar o tratamento adequado aos animais em fazendas e afins
(AMERICAN HUMANE ASSOCIATION, [s.d.]). Mas foi somente em 1939
que passou a monitorar também o tratamento que Hollywood dispensava aos
animais. E isso só aconteceu por grande pressão pública depois que um cavalo
foi obrigado a pular de uma ribanceira durante as filmagens do western “Jesse
James”. O animal quebrou a coluna e morreu. O homem nada sofreu (CORRÊA,
2017).
Eis alguns outros, entre tantos filmes e séries nos quais houve mortes,
maus-tratos ou acidentes envolvendo animais:
No filme “Tarzan of the Apes”, 1918, um leão é esfaqueado até a morte
pelo protagonista (PIETRA, 2016).
Durante as filmagens de “Ben Hur”, 1925, muitos cavalos morreram. A
maioria das mortes ocorreu na filmagem da famosa cena da corrida de quadrigas
(PIETRA, 2016).
Numa cena do filme “The Silent Enemy”, 1930, um leão da montanha e
um urso lutam entre si. Para a produção desse confronto, os dois animais foram
mantidos em jaulas durante vários dias, sem comida, e então libertados para
disputar a carcaça de um veado (PIETRA, 2016).
Em “The Charge of the Light Brigade”, 1936, aproximadamente 25
cavalos morreram ou foram mutilados. Devido à brutalidade da cena de batalha,
o congresso norte-americano debateu pela primeira vez a crueldade contra os
animais em filmagens (PIETRA, 2016).
Durante as filmagens de “Heaven’s Gate”, 1980, quatro cavalos
morreram. Um deles morreu após ter sido detonado um explosivo entre suas
patas. Além disso, houve brigas de galos, decapitação de galinhas e sangria de
um boi (PIETRA, 2016).
Em “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, 2003, foram feitas
tantas explosões em Petit Tabac, São Vicente e Granadinas, que peixes marinhos
da região morreram (WINNER HORSE, 2015).
Nas filmagens de “As Crônicas de Nárnia”, 2005, cavalos também se
feriram. Em um só dia, quatorze animais precisaram ser substituídos (WINNER
HORSE, 2015).
Nas filmagens de “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (The Hobbit),
2012, 27 animais foram mortos. Cavalos usados nas filmagens caíram em
buracos, e galinhas, ovelhas e cabras que estavam na fazenda usada para as
filmagens vieram a óbito devido à má alimentação e falta de cuidados nos
abrigos (WINNER HORSE, 2015).
Na série “Luck”, produzida pela HBO, entre 2011 e 2012, o cavalo usado
nas filmagens sofreu ferimentos tão graves na cabeça que foi sacrificado. Depois
disso, a série foi cancelada (WINNER HORSE, 2015).
Segundo a Agência de Notícias de Direitos Animais,
CAPÍTULO 13
O SOFRIMENTO ANIMAL NA PARALISAÇÃO DOS CAMINHONEIROS
As manchetes acima foram colhidas durante a paralisação dos
caminhoneiros, que iniciou em todo o país no final do mês de maio. Mesmo que
na data da publicação dessa coluna a paralisação já tenha terminado ou, pelo
menos, os caminhões que transportam animais já transitem livremente pelas
estradas, as consequências já se fizeram sentir.
Não serão abordadas aqui as decisões políticas que há muito priorizaram
o transporte rodoviário, deixando o país dependente dos caminhões, nem
avaliados os motivos da paralisação dos caminhoneiros. O que será enfocado,
nesse momento, apesar de muitas outras implicações – como falta de alimentos,
remédios e combustíveis –, é o bem-estar e a vida de milhões de animais
atingidos diretamente pelo movimento.
O bem-estar dos animais de produção se tornou uma grande preocupação
científica e social devido à sua importância e abrangência no mundo todo. Um
marco foi a publicação na Inglaterra, em 1964, do livro Animal Machines, da
veterinária e jornalista Ruth Harrison (HARRISON, 1964). No livro, Harrison
mostrou as péssimas condições e os maus-tratos a que os animais de produção
eram submetidos. Os britânicos puderam encarar, pela primeira vez, como eram
criados os animais que davam origem ao alimento que chegava às suas mesas.
Essa obra chocou o público e provocou a criação de um comitê para investigar o
assunto, liderado pelo pesquisador Francis Brambell. Em 1965 foram divulgadas
as conclusões do relatório, que demonstrava a situação dos animais de criação na
Inglaterra: boa parte deles vivia em espaços insuficientes para que pudessem se
deitar, virar, esticar os membros ou cuidar de seu próprio corpo de acordo com
os hábitos que naturalmente apresentam na natureza.
Essas constatações levaram à criação do Farm Animal Welfare Council
(FAWC) (Conselho do Bem-estar dos Animais de Fazenda). Em 1979 esse
órgão publicou um documento com os princípios que hoje norteiam as boas
práticas de bem-estar animal e a legislação relativa ao assunto.
Bem-estar animal significa como um animal está lidando com as
condições em que vive. Um animal está em bom estado de bem-estar se é
saudável, está confortável, bem nutrido, seguro, capaz de expressar seu
comportamento inato e se não estiver sofrendo dor, medo e angústia. Um bom
bem-estar animal requer prevenção de doenças e tratamento, abrigo apropriado e
nutrição, além de manejo e abate sem sofrimentos evitáveis. O Farm Animal
Welfare Council instituiu as Cinco Liberdades (Five Freedoms), aceitas até hoje
como uma descrição geral de bem-estar animal. De acordo com as cinco
liberdades os animais devem estar:
1) Livres de fome, sede e desnutrição: os animais devem ter acesso à
água e a alimento adequados para manter sua saúde e vigor.
2) Livres de desconforto: o ambiente em que vivem deve ser apropriado
a cada espécie, com condições de abrigo e descanso.
3) Livres de dor, ferimentos e doenças: os responsáveis pela criação
devem garantir prevenção, rápido diagnóstico e tratamento aos animais.
4) Livres para expressar seu comportamento: os animais devem ter a
liberdade para se comportar naturalmente, o que exige espaço suficiente,
instalações adequadas e a companhia da sua própria espécie.
5) Livres de medo e estresse: o sofrimento psicológico também precisa
ser evitado. Os animais não devem ser submetidos a condições que os levem a
sentir medo ou estresse, por exemplo (INSTITUTO CERTIFIED HUMANE
BRASIL, [s.d.]).
Fica evidente, diante das condições às quais muitos animais estão
submetidos em decorrência da paralisação dos caminhoneiros, que não são
respeitadas as Cinco Liberdades citadas acima. Tanto aqueles trancados por dias
dentro das carrocerias, nas rodovias, como os que estão nas fazendas ou granjas
sofrem os efeitos da paralisação.
Segundo notícias, caminhões carregados com aves, bovinos e suínos
estão parados nos bloqueios dos caminhoneiros em todas as regiões do país, com
animais que ficaram sem alimentação por mais de 50 horas e que cerca de um
não são autorizados a transitar. A situação mais grave está no trânsito de ração,
que está sendo impedido” (GIRALDI, 2018). A ativista pela causa dos animais,
parados nas estradas alimentem os animais que estão presos nos caminhões de
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
AINDA SOBRE A UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM RITUAIS RELIGIOSOS
Vem sendo motivo de discussão nesse canal a questão do uso de animais
em cultos, mais especificamente em religiões africanas. No artigo do dia
26/07/18 o tema foi retratado, apresentando argumentos de estudiosos a favor e
contra a prática, bem como a opinião da pessoa que assina esta coluna.
Após os debates suscitados em comentários e artigos expondo outros
pontos de vista, vi a necessidade de abordar um pouco mais o tema. Afinal,
como havia escrito, é impossível esgotar o assunto em apenas um curto texto.
Além disso, no dia de hoje (09/08/2018), o STF irá julgar a proposta do
Ministério Público do Rio Grande do Sul que considera inconstitucional uma lei
do estado que autoriza o sacrifício de animais em rituais religiosos de crenças de
matriz africana. Segundo o MP, a lei seria inconstitucional por submeter os
animais à crueldade (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DE DIREITOS ANIMAIS,
2018), prática vedada pela Constituição no seu artigo 225, § 1º, VII (BRASIL,
1988).
Para começar, gostaria de conceituar Direito Animal, que é o nome da
coluna. Em linhas gerais, podemos dizer que o Direito Animal é um ramo que
aborda e defende os interesses dos animais não-humanos em questões éticas,
filosóficas, políticas, legislatórias, dentre outras. Ou seja, abrange animais
domésticos, domesticados, silvestres, exóticos, animais utilizados para
entretenimento, esporte e, obviamente, atividades culturais e religiosas.
Medeiros (2013, p. 119) defende que: “O direito dos animais envolve, a um só
tempo, as teorias da natureza e os mesmos princípios de Justiça que se aplicam
aos homens em sociedade, porque cada ser vivo possui singularidades que
deveriam ser respeitadas”.
Portanto, o que se prega nessa coluna sempre serão os direitos dos
animais não-humanos no nosso meio e o combate ao antropocentrismo, não
cabendo aqui qualquer outro argumento aos temas apresentados que não seja o
de salvaguardar os direitos que estes seres sencientes têm (ou deveriam ter).
Citando especificamente o tema proposto, o sacrifício de animais em
cultos (e deixo claro que isso se aplica a qualquer religião ou doutrina que utilize
animais), pode-se dizer que é mais uma forma de agir antropocêntrica. Afinal, se
a liberdade de crença e culto é um direito do homem e ele, portanto, poderia
fazer uso dos animais nesse contexto, onde ficam os direitos dos animais não-
humanos que são explorados para esse fim? Assim afirma o filósofo Carlos
Naconecy (2015):
A maioria das religiões têm três características: primeira, elas são
antropocêntricas, centradas no ser humano, e o animal fica à margem do
esquema; segunda, elas são hierárquicas, o homem está abaixo do próprio Deus,
da própria divindade, e o animal fica bem atrás; e terceira, elas são
instrumentalizantes, isto é, o animal foi criado para atender às necessidades
humanas.
Ainda nessa linha, Lourenço (2008) argumenta que a aceitação de que há
a dominação humana sobre toda a natureza e os animais deve ser rechaçada.
Além disso, o argumento de que se podem utilizar animais como coisas
baseando-se em escrituras bíblicas não prospera, afinal, por que outros tipos de
discriminação encontrados nos textos sagrados são rejeitados pela sociedade
contemporânea, como escravidão e patriarcalismo?
Falando em discriminação, os defensores das práticas de sacrifícios de
animais em rituais, principalmente de religiões africanas, mencionam muito esta
palavra. Segundo eles, a criminalização da prática seria uma forma de racismo
ou preconceito religioso. Sem entrar nesse mérito, afinal, como reafirmo, o que
se debate nessa coluna é puramente os direitos dos animais, gostaria de inverter a
situação: a não criminalização do sacrifício é uma discriminação com os animais
não-humanos, que continuam tendo um status jurídico e moral abaixo dos
humanos, não tendo sua senciência reconhecida. De acordo com a Declaração de
Cambridge sobre Consciência Animal:
A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente
estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não-humanos
têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de
estados de consciência juntamente com a capacidade de exibir comportamentos
intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos
não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência.
Animais não-humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras
criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos
(DECLARAÇÃO DE CAMBRIDGE..., 2012).
Sabendo então que os animais não-humanos possuem consciência,
emoções e vontades e que sentem dor assim como os seres humanos, por que o
sacrifício de animais não causa tanta repulsa na sociedade quanto causaria se
utilizássemos seres humanos para os mesmos fins? O motivo gira na crença de
que o ser humano é superior aos demais seres, ou seja, voltamos à explicação
para a maior parte dos atos cruéis cometidos contra animais não-humanos: o
antropocentrismo.
Uma outra questão apontada pelos defensores dos rituais com animais é a
dos abates. Por que não há protestos também contra o derramamento de sangue
nos matadouros? Citando novamente Naconecy (2015): “A situação nos
matadouros é pior do que nos terreiros? Muito provavelmente é. E a maioria das
pessoas não protesta contra comer carne? Não protesta, mas deveria protestar”.
Cabe dizer que um animal abatido dentro de um matadouro vale tanto
quanto uma vida dizimada em rituais religiosos. Ou seja, por mais que a
indústria da carne abata mais animais comparativamente aos sacrifícios
religiosos, de uma forma ou de outra vidas sencientes estão sendo ceifadas – e
isso deveria ser inadmissível.
Afinal, será que as tradições são imutáveis? Deve-se preservá-las a
qualquer custo ou elas também podem sofrer adequações de acordo com a
evolução da humanidade? Um ótimo exemplo de que pode haver mudanças nas
religiões vem da mãe-de-santo Iya Senzaruban. Vegetariana, nascida em uma
família de cultura tradicional do candomblé, no Sri Lanka ela entrou no culto à
Krishna e Shiva e acabou descobrindo uma forma para substituir, em sua
alimentação e nos rituais, os animais e ingredientes de origem animal. Segundo
ela:
A proposta do vegetarianismo no candomblé é fazer de uma outra forma, sem
prejudicar o tipo de energia que a gente trabalha, sem mudar muito. As
mudanças são muito poucas. Não são eliminados os elementos da natureza, que é
o que o candomblé trabalha, as forças da natureza. No livro que estou
escrevendo apresento as mudanças que vão desde a comida de santo, que não usa
nem camarão ou ovo, nada de origem animal (SENZARUBAN, 2010).
Portanto, a identidade de um povo não é imutável. É possível que, por
uma evolução qualquer, um comportamento não reflita mais os anseios de um
determinado grupo (MEDEIROS; HESS, 2017).
Para finalizar, afirmo que a liberdade de crença e culto deve ser sim
respeitada – até o limite do respeito pela vida. A partir do momento em que há
vítimas, o princípio do direito pela vida é o que deve prevalecer, vida esta em
todas as suas formas.
E como sabiamente diz Fernando Araújo, professor da Universidade de
Lisboa: “Os animais somente querem que os deixemos em paz” (ARAÚJO,
2018).
Obs.: Publicada originalmente em 09 de agosto de 2018.
Após muitos capítulos com enfoque em maus-tratos e exploração aos
animais não-humanos, o próximo abordará um assunto bem pontual: a bandeira
animal como estratégia de campanhas eleitorais.
Não somos tão ingênuos para crer que todos os candidatos que se
propõem a defender os direitos dos animais realmente o farão, caso sejam
eleitos. Porém já conhecemos a caminhada de alguns deles e constatamos o quão
difícil é modificar conceitos profundamente arraigados em nossa sociedade.
Entretanto, o simples reconhecimento da importância dos direitos dos
animais – a ponto de se fazer dessa pauta uma bandeira de campanha – já é um
bom indicativo de mudanças. Cabe a nós, eleitores, fazermos as melhores
escolhas.
CAPÍTULO 16
Infelizmente, quando um animal é confinado ou acorrentado, pelo menos
uma das Cinco Liberdades, proclamadas pela Farm Animal Welfare Committee
(FAWC) – e já abordadas nesta coluna – é violada: a liberdade para expressar o
comportamento natural da espécie (INSTITUTO CERTIFIED HUMANE
BRASIL, [s.d.]; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA,
[s.d.]).
O que se vê, entretanto, é a ocorrência de inúmeros casos em que o
animal, além de acorrentado, também passa fome e sede e fica ao relento, sujeito
às intempéries. São-lhe, portanto, negadas também outras Liberdades, e está
sendo infringido o art. 32 da Lei 9.605/98.
Por outro lado, foi publicada no Diário Oficial Eletrônico de
Florianópolis a Lei nº 10.422, de 26 de julho de 2018. De acordo com a nova
legislação, o art. 2º da Lei n. 9.643, de 2014, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 2º Define-se como maus-tratos e crueldade contra animais as ações diretas
ou indiretas, capazes de provocar privação das necessidades básicas, sofrimento
físico, medo, estresse, angústia, patologias ou morte.
§ 1º Entende-se por ações diretas [...]
IV - confinamento, acorrentamento ou alojamento inadequado.
§ 2º [...] entende-se como confinamento, acorrentamento ou alojamento
inadequado, qualquer meio de restrição à liberdade de locomoção dos animais.”
[...]
§ 4º Nos casos de impossibilidade temporária por falta de outro meio de
contenção, o animal será preso a uma corrente do tipo vai-vém, que proporcione
espaço suficiente para se movimentar, de acordo com as suas necessidades.
§ 5º A liberdade de locomoção do animal deve ser oferecida de modo a não
causar quaisquer ferimentos, dores ou angústias [...] (FLORIANÓPOLIS, 2018,
p. 1, grifo da autora).
Portanto, pela nova legislação, inclui-se nos maus-tratos também a
privação de movimentos físicos dos cães. A lei trata também das necessidades de
alojamento dos cães, que deve ter tamanho compatível com o porte dos pets,
espaço suficiente para ampla movimentação, incidência de sol, luz, sombra e
ventilação, fornecimento de alimento e água limpa, asseio, restrição de contato
com animais agressivos e atendimento veterinário (CÃES ONLINE, [s.d.]).
O Projeto Cãominhada (2015), em seu site, traz a seguinte colocação:
Em muitos casos, os pescoços dos cães acorrentados ficam em carne viva e
infectados devido a coleiras demasiado apertadas e aos puxões contínuos que
dão à corrente para tentarem se libertar. As correntes podem também facilmente
emaranhar-se em outros objetos, asfixiando ou estrangulando os cães até à
morte.
E prossegue:
Para se tornarem animais de companhia bem ajustados, os cães devem interagir
com pessoas diariamente e praticar exercício regular. [...] a crueldade de manter
animais acorrentados é quase sempre tolerada ou ignorada, e estes continuam a
sofrer sem esperança de uma vida melhor. Nenhum mal fizeram, mas vivem
acorrentados pelo pescoço uma vida inteira.
Quanto a animais domésticos, por enquanto há apenas a proibição do
confinamento de cães pela lei do município de Florianópolis, mencionada acima.
Infelizmente ainda se trata de caso isolado, pois a Lei 9.605/98 não penaliza
especificamente o acorrentamento. Fala em maus-tratos, porém sem nomeá-los.
Então, é necessário que seja constatado um dano ao animal como consequência
do acorrentamento para que a lei 9.605 seja aplicada.
Entretanto, vários Projetos de Lei visam à proibição do acorrentamento
de animais em diferentes cidades do país. Dois exemplos são o PL n° 66/2018L,
do município de São Roque (SP) e o projeto de Lei 15/2018, que determina a
proibição de animais em correntes no estado do Rio Grande do Sul.
Quanto ao confinamento de animais silvestres, nativos ou em rota
migratória, a Lei 9.605/98, em seu art. 29, assim prevê:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre,
nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
[...]
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro
ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre,
nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos,
provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença
ou autorização da autoridade competente (BRASIL, 1998, grifos da autora).
Pássaros nasceram para voar. Para a liberdade. Todos. Animais silvestres
também. Mas, limitando-me ao campo do Direito, somente se configura crime
ambiental os casos de confinamento de espécimes especificados pela lei acima,
apesar de que nenhum animal deveria ser confinado, quer sejam em gaiolas,
jaulas ou correntes.
O tráfico de animais só se sustenta porque há quem compre e consuma
tanto os espécimes quanto seus derivados (peles, penas, ossos, escamas). De
acordo com a Rede Nacional Contra o Tráfico de Animais Silvestres ([s.d.]), os
animais vítimas do tráfico são enviados principalmente para “colecionadores
particulares, indústrias químicas e farmacêuticas, artesãos e pet shops” (REDE
NACIONAL..., [s.d.]). Isso significa que muitos serão sacrificados para a
extração de subprodutos, mas muitos outros serão confinados por toda a vida.
Entretanto, sob a ótica do abolicionismo, nenhum animal, silvestre ou
não, deveria ser aprisionado. É tolher a liberdade, tão valorizada pelo ser
humano quando se trata da sua própria.
Tom Regan, autor do livro Empty Cages, ou “Jaulas Vazias” em
português, vai mais além: “Mas imagine o mesmo cão em um pequeno
apartamento. Que tipo de vida é essa? Minha resposta é: não é bem uma vida. Se
temos animais de estimação, temos uma pesada obrigação de assegurar que eles
tenham uma vida rica, cheia de exercício ao ar livre e diversão – horas de lazer
por dia. Estamos prontos para a tarefa? Apenas poucos de nós” (DEFENSORES
DOS ANIMAIS, [s.d.])
Publicado em 2005, o livro Empty Cages “foi dedicado pelo autor a
indivíduos de quaisquer partes do planeta que questionam a liberdade humana de
infligir dor e sofrimento aos animais e de privá-los de direitos fundamentais.
Esses direitos são os mesmos que os seres humanos não admitem perder: os
direitos relativos à integridade do corpo e à liberdade de mover-se para prover
seu próprio bem-estar. Empty Cages, conforme o anuncia o próprio título,
defende a abolição total do aprisionamento de animais.” (FELIPE, 2005).
Mais uma vez afirmo que, se não houver conscientização, as leis não
serão eficazes para evitar o confinamento de animais não-humanos. Somente
indivíduos conscientes extinguirão correntes, gaiolas e jaulas. Para sempre.
Obs.: Publicada originalmente em 27 de setembro de 2018.
CAPÍTULO 18
CONFINAMENTO DOS ANIMAIS DE PRODUÇÃO
Os animais de produção ou “de fazenda” são aqueles destinados ao
consumo do homem. Será abordada nesta coluna a criação intensiva, onde é
determinante que os animais dispendam o mínimo de esforço possível para que
ganhem peso em pouco tempo e gerem lucro. Isso significa confinamento. E
também maus-tratos, apesar de considerados legais do ponto de vista jurídico.
Para Becker (2008), “certos comportamentos são considerados incorretos, mas
nenhuma lei se aplica a eles e nem há qualquer sistema organizado para detectar
os que infringem a regra informal”. Ressalta-se, entretanto, que Becker não
abordou a questão dos maus-tratos, e que suas reflexões foram utilizadas nessa
coluna para ampliar o conceito de abusos para além da definição legal.
Agnew (1998) define abuso animal como “qualquer ato que contribui
para a dor ou morte de um animal ou que ameace o seu bem-estar”. Esta
definição, segundo o autor, tem várias vantagens, como não limitar o abuso
somente a comportamentos ilegais, contribuindo para reforçar a afirmação de
Becker.
Em criações intensivas de animais, as oportunidades para se engajar em
atividades biologicamente normativas para espécies (cuidar das crias, companhia
de adultos da mesma espécie, exercícios, brincadeiras, sexo e comportamento
natural) são negadas aos animais.
No mundo, mais de 43 bilhões de frangos de corte são abatidos por sua
carne todos os anos. Cerca de metade destes são criados em sistemas industriais,
onde dezenas de milhares são amontoados em enormes galpões, nos quais a
amônia excretada pode causar bolhas no peito, queimaduras de jarrete e pés
ulcerados; a superlotação leva a graves problemas de bem-estar, como resultado
do estresse térmico e da inatividade (PICKETT, 2003). As aves são engaioladas
firmemente, ficando incapazes de se mover. A frustração pode levar as galinhas a
bicar as gaiolas e, para evitar isso, muitas são debicadas sem o uso de anestesia
(CUDWORTH, 2017).
Em relação às galinhas poedeiras, existem mais de cinco bilhões delas no
mundo, produzindo mais de 50 milhões de toneladas de ovos por ano, com a
média anual de mais de 300 avos por galinha. A gaiola da galinha poedeira é tão
pequena que as aves não conseguem esticar as asas ou virar sem dificuldade. A
falta de oportunidade para o exercício, combinada com a constante demanda por
produção de ovos fazem com que as galinhas desenvolvam ossos quebradiços.
As galinhas também se tornam frustradas porque são impedidas de realizar seus
comportamentos naturais de nidificação, banhar-se na poeira e empoleirar-se
(PICKETT, 2003).
Os porcos, por sua vez, são rotineiramente sedados e mantidos na
penumbra para serem encorajados a comer e dormir. Suas curtas vidas em
criação intensiva são estressantes (CUDWORTH, 2017), porque não podem
explorar, exercitar-se ou socializar-se. Em grande parte do mundo é comum uma
porca prenhe ser mantida em uma 'caixa de gestação' durante toda a sua gravidez
de 16 semanas. Essa ‘caixa de gestação’ é uma gaiola de metal – geralmente com
um piso de concreto/ripas – tão estreita que a porca não pode se virar; a ela só
resta levantar e deitar com dificuldade (PICKETT, 2003). Além disso, as porcas
reprodutoras recebem quantidades insuficientes de alimento para satisfazer sua
fome (CIWF, [s.d.]).
Essas gaiolas são ilegais na Suécia e no Reino Unido. Estão sendo
eliminadas em alguns estados nos EUA e na Nova Zelândia, e há um acordo
voluntário do setor para interromper seu uso na Austrália. Na União Europeia, a
proibição parcial é aplicada desde 2013. No entanto, continua a ser permitido
que as porcas sejam mantidas em gaiolas desde o desmame da ninhada anterior
até ao final das primeiras quatro semanas de gravidez. Várias empresas
produtoras de alimentos estão começando a eliminá-las voluntariamente por
razões de bem-estar animal, devido à pressão do consumidor (PICKETT, 2003).
Assim como as gaiolas, as caixas de parto também restringem
severamente o movimento da porca e frustram sua motivação para construir um
ninho antes de dar à luz. É comum que os leitões tenham os dentes triturados ou
cortados, sem anestesia, para minimizar lesões por morder. Leitões são
desmamados e tirados de suas mães quando atingem três a quatro semanas de
idade, e ainda mais cedo em alguns países. Em estado selvagem, as porcas
continuariam a alimentar os seus leitões até as 13-17 semanas de idade
(PICKETT, 2003).
No confinamento de gado, lotes de animais são encerrados em piquetes
ou locais com área restrita, onde os alimentos (ração) e a água necessários são
fornecidos em cochos. Esse sistema de criação visa a acelerar a engorda,
otimizando o processo produtivo (FORMIGONI, 2017).
O gado criado no sistema intensivo também tem um estado de bem-estar
pobre. As vacas leiteiras são mantidas em um estado de constante sobreposição
de lactações e gestações. Cada vez que a vaca dá à luz ela será separada de sua
cria, geralmente dentro de 48 horas, causando extrema angústia a ambos
(PICKETT, 2003).
Aqueles bezerros destinados a fornecerem a carne chamada vitela, após
serem separados das mães são confinados em estábulos com dimensões
reduzidíssimas, onde permanecerão em sistema de ganho de peso, com
alimentação que consiste de substituto do leite materno. Um dos principais
métodos de obtenção da carne branca e macia, além da imobilização total do
animal para que não crie músculos, é a retirada do mineral ferro da sua
alimentação – tornando-o anêmico – e fornecendo o mineral somente na
quantidade necessária para que não morra até o abate (CHAVES, 2008).
Os animais podem crescer e parecer saudáveis, mas ainda assim ter um
bem-estar pobre se experimentarem o sofrimento de ter pouco espaço para se
movimentar (MENDL, 2001). Doenças, lesões, dificuldades de movimento e
anormalidade de crescimento indicam mal-estar (BROOM, 2008).
Percebe-se, portanto, que no sistema intensivo de criação de animais não
são consideradas as necessidades e os comportamentos naturais destes seres
sencientes. O que vale é o lucro.
Obs.: Publicada originalmente em 10 de outubro de 2018.
CAPÍTULO 19
ANIMAIS EM ZOOLÓGICOS
Os zoológicos são locais específicos onde animais são exibidos ao
público.
Na Idade Moderna, com as Grandes Navegações e a descoberta de novos
continentes, as ricas famílias europeias ficaram interessadas nas espécies
exóticas das terras distantes. Para completar suas coleções particulares,
"importavam" os animais, utilizados como demonstração de riqueza e poder
(DIREITOS DOS ANIMAIS, [s.d.]).
Atualmente existem zoológicos que tentam reproduzir o ambiente natural
dos animais. Um zoológico pode melhorar suas condições, substituindo as barras
das grades por fossos, aumentando os recintos, praticando o enriquecimento
ambiental, ou tomando outras medidas. Mas não é o suficiente. Isso causará uma
melhor impressão aos visitantes, mas para os animais o problema será mesmo,
pois continuarão expostos ao público, sem possibilidade de expressar grande
parte de seus comportamentos naturais (DIREITOS DOS ANIMAIS, [s.d.]).
Para Tom Regan, “temos de esvaziar as jaulas, não deixá-las maiores” (REGAN,
2006).
O comportamento repetitivo compulsivo – abnormal repetitive behavior,
ou ARB – é o termo científico para distúrbios comportamentais notados em
animais cativos. Isso abrange todos os tipos de desvios de comportamento
indicativos de estresse como o pacing (felinos andando de um lado a outro
repetidamente), ou os hábitos de sacudir a cabeça, balançar de um lado a outro,
bater-se em paredes, sentar-se imóvel e morder o próprio corpo. Esses
comportamentos, que são típicos de animais mantidos em cativeiro como os
zoológicos, são atribuídos à depressão, ao tédio e às psicoses (PROJETO GAP,
2014).
Aves arrancam suas penas e alguns animais apresentam úlceras, atrofia
de tecidos, aumento das adrenais e mais uma lista enorme de problemas
(DIREITOS DOS ANIMAIS, [s.d.]).
O contato constante com o público que visita o local também causa
estresse aos animais. Muitas pessoas, por pura diversão, incomodam os animais.
Além disso, há casos de adultos e crianças que atiram balas, chicletes, pipocas e
outras guloseimas aos animais, mesmo existindo placas que proíbem a
alimentação destes (ONCA DEFESA ANIMAL, [s.d.]).
Filhotes nascidos nos zoológicos que não são reintroduzidos à natureza
jamais conhecerão seu habitat natural nem desenvolverão os hábitos de sua
espécie. Serão para sempre dependentes dos cuidados e da atenção dos humanos,
muitas vezes, funcionários que sequer estão aptos ou se identificam com o trato
aos animais – são empregados assalariados que desempenham funções como
qualquer outra (ONCA DEFESA ANIMAL, [s.d.]).
Observar animais em zoológicos não auxilia no conhecimento sobre seu
comportamento, uma vez que tal confinamento altera totalmente (ou em grande
parte) seus hábitos naturais. Para conhecer o comportamento natural do animal
há uma variedade de estudos realizados e documentados de observação das
espécies em seus habitats naturais (ONCA DEFESA ANIMAL, [s.d.]).
Muitos estabelecimentos não oferecem condições adequadas para os
animais. Eles frequentemente são mantidos em espaços pequenos e sem a
climatização necessária. Há relatos de ursos polares que vivem sob um calor de
30 graus (CATRACA LIVRE, 2005). Em setembro de 2018, a ursa parda
siberiana Marsha deixou o Zoobotânico de Teresina – no qual sofria pelo intenso
calor da região – e foi conduzida ao santuário Rancho dos Gnomos, no
município de Joanópolis, em São Paulo.
Outras iniciativas já lograram êxito na transferência de animais de
zoológicos para santuários, através de habeas corpus. Em abril de 2017, Cecília,
uma chimpanzé argentina que vivia no zoológico de Mendoza, Argentina,
chegou ao Santuário dos Grandes Primatas, em Sorocaba (SP). A primata é o
primeiro animal não-humano a usufruir na prática o direito de viver num
santuário por meio de um habeas corpus. O pedido foi feito pela ONG argentina
Alfada – Associação de Funcionários e Advogados pelos Direitos dos Animais –
à justiça do país, sob os argumentos de que a chimpanzé é um sujeito de direito e
não um objeto, e de que se encontrava em condições muito ruins no zoológico
(WATANABE, 2017).
Mais um habeas corpus pretendia conseguir a transferência de outra
chimpanzé, chamada Suíça, para Sorocaba. Suíça e seu companheiro, Geron,
chegaram ao Jardim Zoológico de Salvador em 2001. Desde maio de 2005,
quando Geron morreu de câncer, a macaca de 23 anos passou se comportar de
forma estranha, até ser encontrada morta em sua jaula na manhã do dia 27 de
setembro. Heron Gordilho, Promotor de Justiça do Meio Ambiente do estado da
Bahia, acredita que a admissão da chimpanzé como sujeito jurídico, mesmo que
não a tempo de salvá-la das grades onde aparentava depressão, deve colocar a
Justiça baiana como referência mundial (BRIGHAM, 2005). Após a morte de
Suíça, o processo foi extinto sem julgamento de mérito (YNTERIAN, 2005).
Apesar de todos os problemas, alguns (e só alguns) zoológicos são
importantes na preservação e resgate de espécies. Eles abrigam animais em
extinção, realizando diversos programas de reprodução, que incluem
congelamento de células e inseminação artificial. Uma parcela também resgata
bichos que sofriam maus-tratos em circos e parques (DIREITOS DOS
ANIMAIS, [s.d.]).
A Lei 7.173/83 dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de
jardins zoológicos. A referida lei trata dos procedimentos a serem adotados para
o funcionamento de estabelecimentos que mantenham animais vivos em
cativeiro, ou semiliberdade, para a visitação pública, conforme definidos no art.
1º. Do ponto de vista dos direitos dos animais merece destaque principalmente o
art. 7º, in verbis:
Art. 7º - As dimensões dos jardins zoológicos e as respectivas instalações
deverão atender aos requisitos mínimos de habitabilidade, sanidade e segurança
de cada espécie, atendendo às necessidades ecológicas, ao mesmo tempo
garantindo a continuidade do manejo e do tratamento indispensáveis à proteção e
conforto do público visitante.
fazer malabarismos, dar beijinhos em shows… seu lugar é o oceano. Não curti
o show (só assisti o das orcas), pensei o tempo todo na vida totalmente fora de
contexto desses animais, fora de seu habitat e seus hábitos naturais…
(PEIXOTO, 2012).
Sabemos que orcas, golfinhos, focas, leões marinhos e outros animais
encontrados nesses parques temáticos deveriam estar nos oceanos. Segundo a
organização People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), no Brasil há
restrições e normas que tornam quase impossível que companhias mantenham
golfinhos e baleias, como orcas e belugas, em cativeiro.
Mas nos Estados Unidos a história é diferente. [Esses animais] sociáveis
e inteligentes são mantidos em tanques deploravelmente pequenos no SeaWorld.
No mar aberto as orcas podem nadar até 160 quilômetros por dia e os golfinhos
até 96 quilômetros, mas baleias e golfinhos cativos são confinados em tanques
tão pequenos que eles nada podem fazer a não ser nadar em círculos ou flutuar
inertemente. Os sons emitidos por seus sonares batem nas paredes dos tanques e
voltam, enlouquecendo-os (PETA, 2015).
Orcas e parques temáticos
A PETA ainda lista fatos que ocorrem com as orcas no SeaWorld, em
Orlando:
As orcas foram sequestradas de seu habitat e enviadas para
o SeaWorld;
Algumas das orcas que não foram capturadas foram mortas;
Os animais sofrem em lugares apertados, sob condições
anormais;
Orcas em liberdade não matam pessoas, mas no SeaWorld elas
matam;
Orcas não vivem muito tempo em cativeiro. Orcas
no SeaWorld estão morrendo muito aquém de sua expectativa
de vida natural. Quarenta e uma morreram com uma idade
média de apenas 14 anos. Nenhuma delas atingiu o tempo
máximo de vida de uma orca na natureza.
Em cativeiro, todas as orcas macho adultas sofrem de prolapso
das nadadeiras dorsais. O SeaWorld afirma que isto é comum e
natural. Entretanto, o prolapso das nadadeiras dorsais é causado
pelo ambiente anormal do cativeiro, e raramente é notado no
ambiente natural. Na natureza, apenas 1 a 5% das orcas macho
em algumas populações (e nenhuma em outras populações)
sofre de prolapso das nadadeiras dorsais, e nesses casos
costumam ser resultado de ferimentos.
As queimaduras solares são cobertas com óxido de
zinco preto. As orcas no SeaWorld passam a maior parte do
tempo na superfície da água, com pouca ou nenhuma sombra
para abrigarem-se do sol escaldante. Na natureza, as orcas
passam até 95% de seu tempo submersas e encontram sombras
nas profundezas do oceano, mas no SeaWorld os tanques são
rasos demais para mergulhar. O tanque mais fundo tem 12
metros de profundidade – nem perto do suficientemente
profundo para dar-lhes alívio das agressões do ambiente.
Antigos treinadores relatam que, devido a isto, as orcas sofrem
permanentemente de queimaduras de sol, as quais são
escondidas do público com a ajuda do óxido de zinco preto, que
é da mesma cor de suas peles.
As orcas não são mantidas em grupos compatíveis, e brigam
entre si. Orcas incompatíveis entre si são forçadas a conviver
em espaços ínfimos. A ansiedade e tensão resultantes podem
ocasionar brigas. Na natureza, quando ocorrem brigas, elas
podem simplesmente nadar para longe umas das outras. Em
cativeiro não há para onde escapar, o que leva a ferimentos
graves.
Famílias são desfeitas. Orcas são animais altamente sociáveis
que vivem em grupos estáveis, compostos de dois a quinze
indivíduos. O SeaWorld tem rotineiramente separado mães de
seus rebentos, enviando filhotes para vários parques temáticos
ao redor do mundo (PETA, 2015).
Como se pode perceber, “é um negócio construído sobre o sofrimento de
animais inteligentes e sociáveis, a quem é negado tudo o que é natural e
importante para eles” (PETA, [s.d.]).
O SeaWorld, que detém todas as orcas mantidas em cativeiro nos EUA –
exceto uma –, tem uma longa história de maltratar animais. Na natureza, as orcas
são predadores inteligentes que trabalham cooperativamente em busca de
comida. Elas compartilham relações complexas em uma sociedade matrilinear.
As orcas livres estão entre os animais mais velozes do mar, podem nadar
até 140 milhas por dia e mergulhar nas profundezas. Mas no SeaWorld elas
nadam em círculos sem fim em pequenos tanques de concreto (PETA, [s.d.]).
A partir da polêmica com o lançamento do documentário Blackfish, em
2013, que conta a história da baleia Tilikum e mostra ex-treinadores do
SeaWorld denunciando maus-tratos aos animais, a companhia anunciou que
transformaria os espetáculos em ações educativas. Ainda há acrobacias e
entretenimentos no show com golfinhos, mas agora os treinadores falam também
sobre os hábitos dos animais.
Quanto às orcas, o cenário passará por mudanças, ganhando quedas
d’água e pedras para deixá-lo mais “natural”. O número de orcas será reduzido
ao longo das próximas décadas. Em 2016 a empresa anunciou que não criaria
mais orcas em cativeiro. A última delas nasceu em 2017 (ZAREMBA, 2017).
Por mais que alguns considerem que os animais silvestres são bem
tratados nos habitats para os quais foram deslocados, devemos considerar que o
simples fato de os seres humanos os terem retirado ou privado de seu lugar de
origem já pode ser considerado maus-tratos.
Apesar disso, cada vez mais podemos dizer que, felizmente, muitas
pessoas estão se conscientizando de que não há diversão quando animais são
explorados. Afinal de contas, o lugar de animais silvestres e selvagens é a
natureza.
Obs.: Publicada originalmente em 27 de novembro de 2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezados leitores!
Os animais não-humanos já são reconhecidos como seres sencientes
desde 2012, o que não constitui novidade para todos aqueles que os amam e os
respeitam. E é grande a satisfação ao perceber que o movimento em prol dos
animais não-humanos se agiganta mundo afora. Quando iríamos imaginar, há 30
ou 40 anos, que centenas de pessoas das mais diferentes áreas do conhecimento
estariam reunidas em seminários, jornadas e congressos para debater o assunto e
buscar soluções?
Espero que os leitores tenham apreciado essa obra, cujo objetivo foi
fomentar a reflexão sobre a atual situação dos animais não-humanos.
Continuarei escrevendo e lutando por acreditar que a mudança, além de
necessária, é possível, e que algum dia os animais serão reconhecidos como
sujeitos de direitos, não só perante o ordenamento jurídico brasileiro, mas
também em nível mundial. É imprescindível, pois, conscientizar o maior número
de pessoas sobre o respeito e a consideração a eles devidos.
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