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O Iuminismo Sombrio

Nick Land

https://xenosistemas.wordpress.com/o-iluminismo-sombrio/

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COLETIVO SABOTAGEM

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Indice

O Iuminismo Sombriu, Parte 1..... 03

O Iuminismo Sombriu, Parte 2.....16

O Iuminismo Sombriu, Parte 3.....33

O Iuminismo Sombriu, Parte 4.....49

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 a.....69

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 b.....87

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 c.....109

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 d.....125

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 e.....133

O Iuminismo Sombriu, Parte 4 f.....145


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O Iluminismo Sombrio, Parte 1
Parte 1: Neo-reacionários se dirigem para a
saída
O Iluminismo não é apenas um estado, mas um evento, e um
processo. Enquanto designação de um episódio histórico,
concentrado no norte da Europa durante o século XVIII, é um
dos principais candidatos ao ‘verdadeiro nome’ da modernidade,
capturando sua origem e essência (‘Renascença’ e ‘Revolução
Industrial’ são outros). Entre ‘iluminismo’ e ‘iluminismo
progressista’, há apenas uma diferença elusiva, porque a
iluminação leva tempo – e se alimenta de si mesma, porque o
iluminismo é auto-confirmador, suas revelações, ‘auto-
evidentes’, e porque um ‘iluminismo sombrio’ retrógrado, ou
reacionário, quase equivale a uma contradição intrínseca. Tornar-
se iluminado, nesse sentido histórico, é reconhecer e depois
perseguir uma luz guia.
Houve eras de escuridão e, então, o iluminismo veio.
Claramente, o avanço se demonstrou, oferecendo não
apenas melhoria, mas também um modelo. Além disso, ao
contrário de uma renascença, não há qualquer necessidade
de um iluminismo relembrar o que foi perdido ou de
enfatizar as atrações do retorno. O reconhecimento
elementar do iluminismo já é história Whig em miniatura.
Uma vez que certas verdades iluminadas tenham sido
descobertas auto-evidentes, não pode haver volta, e o

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conservadorismo é preventivamente condenado –
predestinado – ao paradoxo. F. A. Hayek, que se recusava a
se descrever como um conservador, celebremente resolveu,
em vez disso, pelo termo ‘Velho Whig’, que – como ‘liberal
clássico’ (ou o ainda mais melancólico ‘remanescente’) –
aceita que o progresso não é o que costumava ser. O que
poderia ser um Velho Whig, se não um progressista
reacionário? E o que diabos é isso?
Claro, muitas pessoas já pensam que sabem com o que o
modernismo reacionário se parece e, em meio ao atual
colapso de volta aos anos 1930, sua preocupações só
deverão crescer. Basicamente, é para isso que serve a
palavra com ‘F’, pelo menos no uso progressista. Uma fuga
da democracia, sob essas circunstâncias, se conforma tão
perfeitamente às expectativas que elude o reconhecimento
específico, aparecendo meramente como um atavismo ou
uma confirmação de uma terrível repetição.
Ainda assim, algo está acontecendo e é – pelo menos em
parte – alguma outra coisa. Um marco foi a discussão, em
abril de 2009, hospedada no Cato Unbound, entre
pensadores libertários (incluindo Patri Friedman e Peter
Thiel) na qual a desilusão com a direção e as possibilidades
da política democrática foi expressa com uma franqueza
incomum. Thiel resumiua tendência de maneira brusca: “Eu
não acredito mais que a liberdade e a democracia são
compatíveis”.

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Em agosto de 2011, Michael Lind postou uma
réplica democrática no Salon, desenterrando uma sujeira
impressionantemente fétida e concluindo:
O pavor da democracia por parte de libertários e
liberais clássicos é justificado. O libertarianismo
realmente é incompatível com a democracia. A
maioria dos libertários deixaram claro qual dos
dois eles preferem. A única questão que ainda
precisa ser resolvida é por que alguém deveria
dar atenção aos libertários.

Lind e os ‘neo-reacionários’ parecem estar em amplo acordo


de que a democracia não é apenas (ou sequer) um sistema,
mas sim um vetor, com uma direção inequívoca.
Democracia e ‘democracia progressista’ são sinônimos e
indistinguíveis da expansão do estado. Embora governos de
‘extrema direita’ tenham, em raras ocasiões,
momentaneamente detido esse processo, sua reversão está
para além dos limites da possibilidade democrática. Uma
vez que ganhar eleições é esmagadoramente uma questão de
comprar votos e que os órgãos informacionais da sociedade
(educação e mídia) não são mais resistentes ao suborno do
que o eleitorado, um político frugal é simplesmente um
político incompetente, e a variante democrática do
darwinismo rapidamente elimina esses desajustados do pool
genético. Esta é uma realidade que a esquerda aplaude, a
direita do establishment amuadamente aceita e contra a qual
a direita libertária tem ineficazmente se lamentado. Cada

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vez mais, contudo, os libertários deixaram de se importar se
alguém está lhes ‘da[ndo] atenção’ – eles têm procurado por
algo inteiramente diferente: uma saída.
É uma inevitabilidade estrutural que a voz libertária seja
abafada na democracia e, de acordo com Lind, ela deveria o
ser. Cada vez mais libertários estão propensos a concordar.
‘Voz’ é a democracia em si, em sua estirpe historicamente
dominante e rousseauísta. Ela modela o estado como uma
representação da vontade popular, e se fazer ouvir significa
mais política. Se votar enquanto auto-expressão massificada
de povos politicamente empoderados é um pesadelo que
engolfa o mundo, adicionar à confusão não ajuda. Ainda
mais do que Igualdade-vs-Liberdade, Voz-vs-Saída é a
crescente alternativa, e os libertários estão optando pela
fuga muda. Patri Friedman observa: “pensamos que a saída
livre é tão importante que a chamamos de o único Direito
Humano Universal”.
Para os neo-reacionários incondicionais, a democracia não
está meramente condenada, ela condena a si própria. Fugir
dela se aproxima de um imperativo absoluto. A corrente
subterrânea que propele essa antipolítica é
reconhecivelmente hobbesiana, um iluminismo sombrio
coerente, despojado desde seu princípio de qualquer
entusiasmo rousseauísta pela expressão popular.
Predisposto, em todo caso, a perceber as massas
politicamente despertas como uma turba irracional

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vociferante, ele concebe a dinâmica da democratização
como fundamentalmente degenerativa: sistematicamente
consolidando e exacerbando vícios, ressentimentos e
deficiências privadas até que atinjam o nível de
criminalidade coletiva e corrupção social abrangente. O
político democrático e o eleitor estão unidos por um circuito
de incitação recíproca, no qual cada lado leva o outro a
extremos cada vez mais desavergonhados de canibalismo
que vaia e se pavoneia, até que a única alternativa ao gritar
seja ser comido.
Onde o iluminismo progressista vê ideais políticos, o
iluminismo sombrio vê apetites. Ele aceita que os governos
são feitos de pessoas e que elas vão comer bem. Colocando
suas expectativas tão baixo quanto razoavelmente possível,
ele busca apenas poupar a civilização do deboche frenético,
ruinoso, guloso. De Thomas Hobbes a Hans-Herman Hoppe
e além, ele pergunta: Como o poder soberano pode ser
impedido – ou pelo menos dissuadido – de devorar a
sociedade? Ela consistentemente acha as ‘soluções’
democráticas para este problema risíveis, na melhor das
hipóteses.
Hoppe advoga uma ‘sociedade de lei privada’ anarco-
capitalista, mas, entre monarquia e democracia, ele não
hesita (e seu argumento é estritamente hobbesiano):
Como um monopolista hereditário, um rei
considera o território e o povo sob seu jugo

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como sua propriedade pessoal e se engaja na
exploração monopolista desta “propriedade”.
Sob a democracia, o monopólio e a exploração
monopolista não desaparecem. Antes, o que
acontece é isto: em vez de um rei e uma nobreza
que consideram o país como sua propriedade
privada, um zelador temporário e permutável é
colocado como encarregado monopolista do
país. O zelador não é dono do país, mas
enquanto ele estiver no cargo, permite-se que
ele o use para vantagem sua e de seus
protegidos. Ele é dono seu uso corrente –
usufruto – mas não seu capital social. Isso não
elimina a exploração. Pelo contrário, torna a
exploração menos calculista e a faz ser
executada com pouca ou nenhuma consideração
pelo capital social. A exploração se torna míope
e o consumo de capital será sistematicamente
promovido.

Agentes políticos investidos com autoridade transiente por


sistemas democráticos multipartidários têm um incentivo
esmagador (e demonstravelmente irresistível) de pilhar a
sociedade com as maiores rapidez e abrangência possíveis.
Qualquer coisa que eles negligenciem roubar – ou ‘deixem
na mesa’ – provavelmente será herdada por sucessores
políticos a quem não apenas não são conectados, mas, na
verdade, se opõem, e que podem, portanto, esperar que
utilizem todos os recursos disponíveis em detrimento de
seus adversários. O que quer que seja deixado para trás se

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torna uma arma na mão do seu inimigo. Melhor, então,
destruir tudo que não possa ser roubado. Da perspectiva de
um político democrático, qualquer tipo de bem social que
não seja nem diretamente apropriável, nem atribuível à (sua
própria) política partidária é puro desperdício e não conta de
nada, ao passo que o infortúnio social mais grave – contanto
que possa ser atribuído a uma administração anterior ou
adiado até uma subsequente – figura nos cálculos racionais
como uma óbvia bênção. As melhorias tecno-econômicas de
longo alcance e a acumulação associada de capital cultural
que constituíam o progresso social em seu sentido antigo
(Whig) não são o interesse político de ninguém. Uma vez
que a democracia floresça, eles enfrentam a ameaça
imediata de extinção.
A civilização, enquanto processo, é indistinguível da
preferência temporal decrescente (ou preocupação
declinante com o presente em comparação ao futuro). A
democracia, que tanto em teoria quanto no fato histórico
evidente acentua a preferência temporal ao ponto de um
frenesi alimentício convulsivo, está, assim, tão próxima de
uma negação precisa da civilização quanto qualquer coisa
poderia estar, aquém de um colapso social instantâneo em
barbarismo assassino ou apocalipse zumbi (ao qual ela
eventualmente leva). Conforme o vírus democrático queima
por entre a sociedade, hábitos e atitudes laboriosamente
acumulados de investimento prospectivo, prudente, humano
e industrial são substituídos por um consumismo estéril e

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orgiástico, incontinência financeira e um circo político de
‘reality show’. O amanhã poderia pertencer ao outro time,
então é melhor comer tudo agora.
Winston Churchill, que observou, em estilo neo-reacionário,
que “o melhor argumento contra a democracia é uma
conversa de cinco minutos com o eleitor médio”, é melhor
conhecido por sugerir “que a democracia é a pior forma de
governo exceto todas as outras que foram tentadas”. Embora
nunca exatamente conceda que “OK, a democracia é uma
merda (na verdade, ela realmente é uma merda), mas qual é
a alternativa?”, a implicação é óbvia. O teor geral desta
sensibilidade é atraente para os conservadores modernos,
porque ressoa com sua aceitação irônica e desiludida da
deterioração civilizacional implacável e com a apreensão
intelectual associada do capitalismo como um arranjo social
padrão pouco apetitoso, mas ineliminável, que permanece
após todas as alternativas catastróficas ou meramente
impraticáveis terem sido descartadas. A economia de
mercado, neste entendimento, não é mais do que uma
estratégia espontânea de sobrevivência que se costura em
meio às ruínas de um mundo politicamente devastado. As
coisas provavelmente só vão ficar piores para sempre. E
assim vai.
Então, qual é a alternativa? (Certamente não faz qualquer
sentido vasculhar a década de 1930 em busca de uma.)
“Você consegue imaginar uma sociedade pós-demotista do

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século XXI? Uma que se via como se recuperando da
democracia, da mesma forma em que o leste europeu se vê
como se recuperando do Comunismo?” pergunta o Lord
Sith supremo dos neo-reacionários, Mencius Moldbug.
“Bem, eu suponho que isso lhe torna um de nós.”
As influência formativas de Moldbug são austro-libertárias,
mas isto está acabado. Como ele explica:
…os libertários não conseguem apresentar uma
figura realista de um mundo no qual sua batalha
é vencida e permanece vencida. Ele acabam
procurando maneiras de empurrar um mundo,
no qual o caminho natural ladeira abaixo do
Estado é crescer, de volta ladeira acima. Este
prospecto é sisifista, e é compreensível porque
atrai tão poucos apoiadores.

Seu despertar para a neo-reação vem com o reconhecimento


(hobbesiano) de que soberania não pode ser eliminada,
enjaulada ou controlada. Utopias anarco-capitalistas não
podem nunca condensar a partir da ficção científica, poderes
divididos fluidamente se reúnem novamente como um
Exterminador despedaçado, e constituições têm exatamente
tanta autoridade real quanto um poder interpretativo
soberano as permite ter. O estado não vai a lugar nenhum
porque – para aqueles que o operam – ele vale demais para
se desistir e, enquanto instanciação concentrada da
soberania na sociedade, ninguém pode fazê-lo fazer nada.
Se o estado não pode ser eliminado, Moldbug argumenta,

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pelo menos ele pode ser curado da democracia (ou mau
governo sistemático e degenerativo), e a maneira de fazer
isso é formalizá-lo. Esta é uma abordagem que ele chama de
‘neo-cameralismo’.
Para um neocameralista, um estado é um
negócio que é dono de um país. Um estado
deveria ser gerido, como qualquer outro grande
negócio, dividindo-se a propriedade lógica em
ações negociáveis, cada uma das quais rende um
fração precisa do lucro do estado. (Um estado
bem administrado é muito lucrativo.) Cada ação
tem um voto, e os acionistas elegem um
conselho que contrata e demite gerentes.
Os clientes deste negócio são seus residentes.
Um estado neocameralista gerido
lucrativamente, como qualquer negócio, servirá
a seus clientes de maneira eficiente e efetiva.
Mau governo é igual a mau gerenciamento.

Primeiramente, é essencial esmagar o mito democrático de


que um estado ‘pertence’ aos cidadãos. O ponto do neo-
cameralismo é comprar as partes interessadas no poder
soberano, para não perpetuar mentiras sentimentais sobre o
direito das massas ao voto. A menos que a propriedade do
estado seja formalmente transferida para as mãos de seus
reais governantes, a transição neo-cameral simplesmente
não ocorrerá, o poder continuará nas sombras, e a farsa
democrática continuará.
Assim, em segundo lugar, a classe dominante deve ser

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plausivelmente identificada. Deveria ser imediatamente
notado, em contra-distinção aos princípios marxistas da
análise social, que essa não é a ‘burguesia capitalista’.
Logicamente, não pode ser. O poder da classe empresarial já
está sempre claramente formalizado, em termos monetários,
de modo que a identificação do capital com o poder político
é perfeitamente redundante. É necessário perguntar, em vez
disso, a quem os capitalistas pagam por favores políticos,
quanto estes favores potencialmente valem, e como a
autoridade de concedê-los está distribuída. Isto requer, com
um mínimo de irritação moral, que toda a paisagem social
do suborno político (‘lobby’) seja mapeada de maneira
exata e que os privilégios administrativos, legislativos,
judiciais, midiáticos e acadêmicos acessados por tais
subornos sejam convertidos em ações fungíveis. Na medida
em que vale a pena subornar os eleitores, não há qualquer
necessidade de excluí-los inteiramente deste cálculo,
embora sua porção de soberania seja estimada com o
escárnio apropriado. A conclusão deste exercício é o
mapeamento de uma entidade governante que é a instância
verdadeiramente dominante do regime democrático.
Moldbug a chama de a Catedral.
A formalização dos poderes políticos, em terceiro lugar,
permite a possibilidade do governo efetivo. Uma vez que o
universo da corrupção democrática seja convertido em uma
participação acionária (livremente transferível) na gov-corp,
os donos do estado podem iniciar a governança corporativa

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racional, começando com o apontamento de um CEO.
Como com qualquer negócio, os interesses do estado estão
agora formalizados de maneira precisa como maximização
do valor acionário de longo prazo. Não há mais qualquer
necessidade de que os residentes (clientes) tenham qualquer
interesse em qualquer política que seja. Na verdade, fazê-lo
seria exibir tendências semi-criminosas. Se a gov-corp não
entrega um valor aceitável por seus impostos (aluguel
soberano), eles podem notificar sua função de serviço ao
consumidor e, se necessário, levar sua clientela para outro
lugar. A gov-corp deveria se concentrar em operar um país
eficiente, atraente, vital, limpo e seguro, de um tipo que seja
capaz de atrair clientes. Nenhuma voz, saída livre.
…embora a abordagem neocameralista
completa nunca tenha sido tentada, seus
equivalentes históricos mais próximos desta
abordagem são a tradição do século XVIII de
absolutismo iluminado, como representado por
Frederico, o Grande, e a tradição não-
democrática do século XXI, como visto em
fragmentos perdidos do Império Britânico, tais
como Hong Kong, Singapura e Dubai. Estes
estados parecem fornecer uma qualidade
bastante alta de serviço a seus cidadãos, sem
qualquer democracia significativa que seja. Eles
têm níveis mínimos de crime e altos níveis de
liberdade pessoal e econômica. Eles tendem a
ser bastante prósperos. Eles são fracos apenas
em liberdade política, e liberdade política é

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desimportante por definição quando o governo é
estável e efetivo.

Na antiguidade europeia clássica, a democracia era


reconhecida como uma fase familiar de desenvolvimento
político cíclico, fundamentalmente decadente em natureza e
preliminar a uma descida à tirania. Hoje, este entendimento
clássico está completamente perdido e foi substituído por
uma ideologia democrática global, carecendo inteiramente
de auto-reflexão, que é afirmada, não como uma tese social-
científica crível ou sequer como uma aspiração popular
espontânea, mas sim como uma crença religiosa, de um tipo
específico e historicamente identificável:
…uma tradição recebida que eu chamo de
Universalismo, que é um secto cristão não-
teísta. Alguns outros rótulos atuais para esta
mesma tradição, mais ou menos sinônimos, são
progressismo, multiculturalismo, liberalismo,
humanismo, esquerdismo, politicamente correto
e similares. …o Universalismo é o ramo
moderno dominante do cristianismo na linha
calvinista, tendo evoluído a partir da tradição
inglesa dissidente ou puritana, através dos
movimentos Unitário, Transcendentalista e
Progressista. Seu espinhoso caminho ancestral
também inclui alguns raminhos laterais que são
importantes o suficientes para nomear, mas cuja
ancestralidade cristã é ligeiramente mais bem
dissimulada, tais como o laicismo
rousseauviano, o utilitarismo benthamita, o

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judaísmo reformado, o positivismo comteano, o
idealismo alemão, o socialismo científico
marxista, o existencialismo sartreano, o pós-
modernismo heideggeriano, etc, etc, etc. …o
Universalismo, em minha opinião, é melhor
descrito como um culto dos mistérios do poder.
…É tão difícil imaginar o Universalismo sem o
Estado quanto a malária sem o mosquito. …O
ponto é que esta coisa, como quer que você se
importe de chamá-la, tem pelo menos duzentos
anos de idade e provavelmente algo como
quinhentos. É basicamente a própria Reforma.
…E simplesmente despertar para ela e a
denunciar como má tem tanta probabilidade de
funcionar quanto processar Shub-Niggurath no
tribunal de pequenas causas.

Para compreender o aparecimento de nosso predicamento


contemporâneo, caracterizado pela expansão implacável e
totalizante do estado, pela proliferação de ‘direitos
humanos’ positivos espúrios (reivindicações sobre os
recursos de outros apoiados por burocracias coercitivas),
dinheiro politizado, temerárias ‘guerras pela
democracia’ evangélicas e controle abrangente do
pensamento, arranjado em defesa do dogma universalista
(acompanhado pela degradação da ciência em uma função
de relações públicas do governo), é necessário se perguntar
como Massachusetts veio a conquistar o mundo, como
Moldbug o faz. Com cada ano que passa, o ideal
internacional da boa governança se encontra aproximando-

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se mais intima e rigidamente dos padrões estabelecidos
pelos departamentos de Estudos das Reclamações das
universidades da Nova Inglaterra. Esta é a divina
providência dos ranters e dos levelers, elevada a uma
teleologia planetária e consolidada como o reino da
Catedral.
A Catedral substituiu com seu evangelho tudo que
conhecíamos. Considere apenas as preocupações expressas
pelos pais fundadores da América (compilado pelo
comentário #1 do ‘Liberty-clinger’ aqui):
Uma democracia não é nada mais do que o
domínio da turba, onde 51% das pessoas podem
retirar os direitos dos outros 49%. – Thomas
Jefferson

A democracia são dois lobos e um cordeiro


votando sobre o que comer no almoço. A
liberdade é um cordeiro bem armado
contestando o voto! – Benjamin Franklin

A democracia nunca dura muito. Ela logo


desperdiça, exaure e se assassina. Nunca houve
uma democracia, até hoje, que não tenha
cometido suicídio. – John Adams

As democracias sempre foram espetáculos de


turbulência e contenção; sempre foram
descobertas incompatíveis com a segurança
pessoal ou os direitos de propriedade; e, em

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geral, foram tão curtas em suas vidas quanto
foram violentas em sua morte. – James Madison

Somos um Governo Republicano, a Real


liberdade nunca é encontrada no despotismo ou
nos extremos da democracia… foi observado
que uma democracia pura, se fosse praticável,
seria o governo mais perfeito. A experiência
provou que nenhuma posição é mais falsa do
que esta. As antigas democracias, na quais as
próprias pessoas deliberavam, nunca possuíram
uma boa característica de governo. Seu próprio
caráter era a tirania… – Alexander Hamilton

Mais sobre votar com seus pés (e do gênio incandescente de


Moldbug), a seguir…
Nota adicionada (7 de Março):
Não confie na atribuição da citação de ‘Benjamin Franklin’
acima. De acordo com Barry Popik, o ditado provavelmente
foi inventado por James Bovard em 1992. (Bovard observa,
em outro lugar: “Há poucos erros mais perigosos no
pensamento político do que igualar a democracia à
liberdade”.)

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O Iluminismo Sombrio, Parte 2
Parte 2: O arco da história é longo, mas se curva
em direção a um apocalipse zumbi
David Graeber: Parece-me que se você for perseguir isto à
sua conclusão lógica, a única maneira de se ter uma
sociedade verdadeiramente democrática também seria
abolir o capitalismo neste estado.
Marina Sitrin: Não podemos ter democracia com
capitalismo… Democracia e capitalismo não funcionam
juntos.
(Aqui, via John J. Miller)
Esse é sempre o problema com a história. Sempre parece
que acabou. Mas nunca acaba.
(Mencius Moldbug)
Pesquisar ‘democracia’ e ‘liberdade’ junto no Google é
altamente iluminante, de uma maneira sombria. No
ciberespaço, pelo menos, está claro que apenas uma minoria
distinta pensa nestes termos como positivamente acoplados.
Se a opinião deve ser julgada em termos da aranha do
Google e de sua presa digital, de longe a associação mais
predominante é disjuntiva ou antagonista, embasada na
compreensão reacionária de que a democracia apresenta
uma ameaça letal à liberdade, quase garantindo sua eventual
erradicação. A democracia é para a liberdade o que

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Gargântua é para uma torta. (“Por certo você pode ver que
amamos a liberdade, ao ponto de roncos no estômago e
salivação…”).
Steve H. Hanke estabelece o caso com autoridade em seu
pequeno ensaio On Democracy Versus Liberty, focado na
experiência americana:
A maioria das pessoas, incluindo a maioria dos
americanos, ficaria surpresa em aprender que a
palavra “democracia” não aparece na
Declaração de Independência (1776) ou na
Constituição dos Estados Unidos da América
(1789). Elas também ficariam chocadas de
aprender a razão para a ausência da palavra
democracia nos documentos fundantes dos
E.U.A. Ao contrário do que a propaganda levou
o público a acreditar, os Pais Fundadores da
América estavam céticos e ansiosos quanto à
democracia. Eles estavam cientes dos males que
acompanham a tirania da maioria. Os Criadores
da Constituição fizeram um grande esforço para
garantir que o governo federal não fosse
embasado na vontade da maioria e não fosse,
portanto, democrático.
Se os Criadores da Constituição não abraçavam
a democracia, ao que eles aderiam? A um
homem, os Criadores concordaram que o
propósito do governo era asseguras aos cidadãos
a trilogia de John Locke de direitos à vida, à
liberdade e à propriedade.

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Ele elabora:
A Constituição é primariamente um documento
estrutural e procedural que especifica quem
deve exercer o poder e como eles devem exercê-
lo. Um bom tanto de ênfase é colocado na
separação de poderes e nos freios e contrapesos
do sistema. Estes não eram um constructo ou
fórmula cartesiano visando a engenharia social,
mas um escudo para proteger as pessoas do
governo. Em suma, a Constituição foi
desenhada para governar o governo, não as
pessoas.
A Bill of Rights estabelece os direitos do povo
contra violações pelo Estado. A única coisa que
os cidadãos podem exigir do Estado, sob a Bill
of Rights, é um julgamento por um júri. O resto
dos direitos dos cidadãos são proteções contra o
Estado. Por cerca de um século depois que a
Constituição foi ratificada, a propriedade
privada, os contratos e o livre comércio interno
dentro dos Estados Unidos eram sagrados. O
escopo e a escala do governo permaneceram
muito constritos. Tudo isso era muito
consistente com o que era entendido ser
liberdade.

Conforme o espírito da reação estende seus tentáculos-Sith


pelo cérebro, fica difícil lembrar como a narrativa
progressista clássica (ou não-comunista) pôde já ter feito
sentido. O que as pessoas estavam pensando? O que elas
estavam esperando do emergente estado super-empoderado,

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populista, canibal? A eventual calamidade não era
inteiramente previsível? Como já foi possível ser um Whig?
A credibilidade ideológica da democratização radical não
está, claro, em questão. Como pensadores que vão desde (o
cristão progressista) Walter Russell Mead até o (reacionário
ateu) Mencius Moldbug detalharam exaustivamente, ela se
conforma tão exatamente ao entusiamo religioso ultra-
protestante que seu poder de animar a alma revolucionária
não deveria surpreender a ninguém. Dentro de apenas
alguns anos desde o desafio de Martinho Lutero ao
establishment papal, insurrecionistas camponeses estavam
enforcando seus inimigos de classe por toda a Alemanha.
A credibilidade empírica do avanço democrático é bem
mais estarrecedora e também genuinamente complexa (o
que é dizer, controversa ou, mais precisamente, digna de
uma controvérsia embasada em dados e rigorosamente
argumentada). Em parte, isso é porque a configuração
moderna da democracia emerge dentro do alcance de uma
tendência modernista bem mais ampla, cujas linhas tecno-
científica, econômica, social e política estão obscuramente
inter-relacionadas, costuradas por correlações enganadoras
e pelas subsequentes falsas causalidades. Se, como
Schumpeter argumenta, o capitalismo industrial tende a
engendrar uma cultura democrática-burocrática que se
conclui em estagnação, poderia, ainda assim, parecer como
se a democracia estivesse ‘associada’ com o progresso

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material. É fácil interpretar erroneamente um indicador
atrasado como um fator causal positivo, especialmente
quando o zelo ideológico empresta seu viés à má apreensão.
Na mesma linha, uma vez que o câncer aflige apenas
pessoas vivas, ele poderia – com aparente razão – ser
associado à vitalidade.
Robin Hanson (gentilmente) observa:
Sim, muitas tendências foram positivas por um
século mais ou menos, e, sim, isto sugere que
elas continuarão a crescer por mais ou menos
um século. Mas, não, isto não significa que os
estudantes estão empírica ou moralmente
errados por pensarem ser uma “fantasia utópica”
que se pudesse “acabar com a pobreza, a
doença, a tirania e a guerra” ao se juntar à
empreitada política de um Kennedy moderno.
Por quê? Porque as tendências positivas
recentes nestas áreas não foram muito causadas
por tais movimentos políticos! Elas foram, em
sua maioria, causadas por nós termos ficado
ricos com a revolução industrial, um evento que
os movimentos políticos tenderam, se qualquer
coisa, a tentar retardar, na média.

A cronologia histórica simples sugere que a industrialização


apoia a democratização progresista, em vez de ser derivada
dela. Esta observação já até mesmo deu origem a uma
escola amplamente aceita da teorização pop em ciências
sociais, de acordo com a qual a ‘maturação’ das sociedades

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em uma direção democrática é determinada por limites de
afluência, ou formação de classe média. O correlativo
lógico estrito de tais ideias, de que a democracia é
fundamentalmente não-produtiva em relação ao progresso
material, é tipicamente sub-enfatizado. A democracia
consome o progresso. Quando percebida da perspectiva do
iluminismo sombrio, o modo apropriado de análise para
estudar o fenômeno democrático é a parasitologia geral.
Respostas semi-libertárias ao surto aceitam isto
implicitamente. Dada uma população profundamente
infectada pelo vírus zumbi, e que bamboleia para dentro do
colapso social, a opção preferida é a quarentena. Não é o
isolamento comunicativo que é essencial, mas uma
dessolidarização funcional da sociedade, que estreite os
loops de feedback e exponha as pessoas com intensidade
máxima às consequências de suas ações. A solidariedade
social, em contraste preciso, é a amiga do parasita. Ao
recortar todos os mecanismos de feedback de alta
frequência (tais como os sinais de mercado) e substituí-los
por loops lerdos em infravermelho que passam através de
um fórum centralizado de ‘vontade geral’, uma sociedade
radicalmente democratizada isola o parasitismo do que ele
faz, transformando padrões de comportamento locais,
dolorosamente disfuncionais, intoleráveis e, assim,
urgentemente corrigidos em patologias sócio-políticas
globais, anestesiadas e crônicas.

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Roa as partes do corpo de outras pessoas e pode ser difícil
conseguir um emprego – este é o tipo de lição que uma
ordem de feedback estreito, ciberneticamente intensa e
laissez faire permitiria que fosse aprendida. É também
exatamente o tipo de descriminação zumbifóbica insensível
que qualquer democracia compassiva denunciaria como
uma crimideia, ao passo que reforça o orçamento público
para os deficientes vitais, empreende campanhas de
conscientização em nome daqueles que sofrem da síndrome
de impulso canibal involuntário, afirma a dignidade do
estilo de vida zumbi nos currículos da educação superior e
regula rigorosamente os espaços de trabalho para garantir
que os mortos-vivos que se misturam não sejam vitimados
por empregadores obcecados com lucros,
desempenhocêntricos ou mesmo animacionistas não
reconstruídos.
Conforme uma iluminada tolerância-zumbi floresce ao
abrigo do mega-parasita democrático, um pequeno
remanescente dos reacionários, atentos aos efeitos de
incentivos reais, levantam a estereotipada questão : “Vocês
percebem que estas políticas inevitavelmente levam a uma
expansão massiva da população zumbi?” O vetor dominante
da história pressupõe que tais objeções incômodas sejam
marginalizadas, ignoradas e – sempre que possível –
silenciadas através do ostracismo social. O remanescente ou
fortifica o porão, enquanto estoca comida seca, munição e
moedas de prata, ou acelera o processo de pedido de um

23
segundo passaporte e começa a fazer suas malas.
Se tudo isso parece estar vindo sem rumo da concretude
histórica, há um remédio convenientemente atual: uma
pequena troca de canal para a Grécia. Enquanto modelo
microcósmico para a morte do Ocidente, que se desenrola
em tempo real, a estória grega é hipnótica. Ela descreve um
arco de 2500 anos que está longe de elegante, mas é
irresistivelmente dramático, de proto-democracia a
apocalipse zumbi realizado. Sua virtude preeminente é que
ela ilustra perfeitamente o mecanismo democrático in
extremis, que separa indivíduos e populações locais das
consequências de suas decisões, ao bagunçar seu
comportamento através de sistemas centralizados de
redistribuição em larga escala. Você decide o que você faz,
mas então vota nas consequências. Como alguém poderia
dizer ‘não’ para isso?
Não é surpresa que, ao longo de 30 anos de adesão à UE, os
gregos tenham avidamente cooperado com um megaprojeto
de engenharia social que retira todos os sinais sociais de
onde curta e re-roteia o feedback através do grandioso
circuito da solidariedade europeia, garantindo que toda
informação economicamente relevante seja desviada para o
vermelho através do cárter de morte por calor do Banco
Central Europeu. Mais especificamente, ele tem conspirado
com a ‘Europa’ para obliterar toda a informação que poderia
estar contida nas taxas de juros gregas, assim efetivamente

24
incapacitando todo feedback financeiro sobre escolhas de
política doméstica.
Isto é a democracia em uma forma consumada que desafia
qualquer aperfeiçoamento adicional, uma vez que nada se
conforma mais exatamente à ‘vontade geral’ do que a
abolição legislativa da realidade, e nada entrega a cicuta à
realidade mais definitivamente do que acoplar taxas de
juros teutônicas com decisões de gasto do leste do
Mediterrâneo. Viva como helenos e pague como
germânicos – qualquer partido político que falhasse em
subir ao poder sobre esta plataforma merece catar sucata
sendo picado por urubus no deserto. É o no-brainer final,
em praticamente todos os sentidos imagináveis da
expressão. O que poderia dar errado?
Mais ao ponto, o que deu errado? Mencius Moldbug
começa sua séria no Unqualified Reservations “How
Dawkins got pwned” (“Como Dawkins foi pwnado”, ou
tomado através de uma “vulnerabilidade explorável”) com o
delineamento das regras de design para um hipotético
“parasita memético ótimo” que seria “tão virulento quanto
possível. Ele será altamente contagioso, altamente mórbido
e altamente persistente. Um inseto realmente feio.” Em
comparação com esta super-praga ideológica, o monoteísmo
vestigial ridicularizado em Deus: Um Delírio figuraria
como nada pior do que um resfriado moderadamente
desagradável. O que começa como uma brincadeira abstrata

25
com um meme se conclui como uma grande varredura da
história, à moda do iluminismo sombrio:
Minha crença é que o Professor Dawkins não é
apenas um ateu cristão. Ele é um ateu
protestante. E ele não é apenas um ateu
protestante. Ele é um ateu calvinista. E ele não
é apenas um ateu calvinista. Ele é um ateu
anglo-calvinista. Em outras palavras, ele
também pode ser descrito como um ateu
puritano, um ateu dissidente, um ateu não
conformista, um ateu evangélico, etc, etc.

Esta taxonomia cladística remonta a


ancestralidade intelectual do Professor Dawkins
até cerca de 400 anos atrás, à era da Guerra
Civil Inglesa. Exceto, claro, pelo tema do
ateísmo, o cerne do Professor Dawkins é uma
combinação notável para as tradições Ranter,
Leveller, Digger, Quaker, Quintomonarquista ou
qualquer uma das mais extremas tradições
dissidentes inglesas que floresceram durante o
interregno cromwelliano.

Francamente, esses caras eram aberrações.


Maníacos fanáticos. Qualquer pensador inglês
mainstream dos séculos XVII, XVIII ou XIX,
informado de que esta tradição (ou sua
descendente moderna) é agora a denominação
cristã dominante do planeta, consideraria isto
como um sinal do apocalipse iminente. Se você
está seguro de que eles estão errados, você está

26
mais seguro do que eu.

Felizmente, o próprio Cromwell era


comparativamente moderado. Os sectos
ultrapuritanos extremos nunca conseguiram se
agarrar solidamente ao poder sob o Protetorado.
Ainda mais felizmente, Cromwell ficou velho e
morreu, e o cromwellismo morreu com ele. O
governo legítimo foi restaurado na Grã-
Bretanha, assim como a Igreja da Inglaterra, e
os dissidentes se tornaram uma franja marginal
novamente. E francamente, que alívio danado
que foi.

Contudo, você não consegue reprimir um bom


parasita. Uma comunidade de puritanos fugiu
para a América e fundou as colônias teocráticas
da Nova Inglaterra. Depois de suas vitórias
militares na Rebelião Americana e na Guerra de
Secessão, o puritanismo americano estava bem
no caminho para a dominação mundial. Sua
vitórias na Primeira Guerra Mundial, na
Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria
confirmaram sua hegemonia global. Todo
pensamento mainstream legítimo sobre a Terra
hoje é descendente dos puritanos americanos e,
através deles, dos dissidentes ingleses.

Dado a ascensão deste “inseto realmente feio” à dominação


mundial, poderia parecer estranho azucrinar figuras
tangenciais tais como Dawkins, mas Moldbug seleciona seu
alvo por razões estratégicas primorosamente julgadas.

27
Moldbug se identifica com o darwinismo de Dawkins, com
seu repúdio intelectual do teísmo abraâmico e com seu
amplo comprometimento para com a racionalidade
científica. Ainda assim, ele reconhece, de maneira crucial,
que as faculdades críticas de Dawkins se desligam – de
maneira abrupta e frequentemente cômica – no ponto em
que elas poderiam colocar em risco um comprometimento
ainda mais amplo para com o progressismo hegemônico.
Desta maneira, Dawkins é poderosamente indicativo. O
secularismo militante é, ele mesmo, uma variante
modernizada do meta-meme abraâmico, em seu ramo
taxonômico anglo-protestante e democrático radical cuja
tradição específica é o anti-tradicionalismo. O clamoroso
ateísmo de Deus: Um Delírio representa um estratagema
protetivo e uma atualização consistente da reforma
religiosa, guiada por um espírito de entusiasmo progressista
que supera o empirismo e a razão, ao passo que exemplifica
um dogmatismo irritável que rivaliza com qualquer coisa a
ser encontrada nas estirpes anteriores com temas divinos.
Dawkins não é meramente um progressista moderno
iluminado e um democrata radical implícito, ele é um
cientista impressionantemente credenciado, mais
especificamente um biólogo e (assim) um evolucionista
darwiniano. O ponto no qual ele toca o limite do
pensamento aceitável, como definido pelo super-inseto
memético é, portanto, bastante fácil de antecipar. Sua
tradição, herdada do ultra-protestantismo do baixo clero,

28
substituiu Deus pelo Homem como local de investimento
espiritual, e o ‘Homem’ tem estado no processo de
dissolução através da pesquisa darwiniana por mais de 150
anos. (Como a pessoa sã e decente que eu seu que você é,
tendo chegado até aqui com Moldbug, você provavelmente
já está murmurando sob a sua respiração, não mencione
raça, não mencione raça, não mencione raça, por favor, ó,
por favor, em nome do Zeitgeist e do querido e doce não-
deus do progresso, não mencione raça…) …mas Moldbug
já está citando Dawkins, que cita Thomas Huxley “…em
um contexto em que deve ser executado por pensamentos e
não por mordidas. Os lugares mais altos na hierarquia da
civilização certamente não estarão dentro do alcance de
nossos primos escuros”. Que Dawkins enquadra
observando: “Tivesse Huxley… sido nascido e educado em
nosso tempo, [ele] teria sido o primeiro a se encolher
conosco por seus sentimentos vitorianos e tom untuoso. Eu
lhes cito apenas para ilustrar como o Zeitgeist segue em
frente”.
Fica pior. Moldbug parece estar segurando a mão de Huxley
e… (ewww!) fazendo aquela coisa de acariciar as palmas
com seus dedos. Isto por certo não é mais a reação libertária
padrão – está ficando seriamente sombria e assustadora.
“Em toda seriedade, qual é a evidência para o fraternismo?
Por que, exatamente, o Professor Dawkins acredita que
todos os neohominídeos são nascidos com potencial
idêntico para o desenvolvimento neurológico? Ele não diz.

29
Talvez ele pense que é óbvio.”
Qualquer que seja sua opinião sobre os méritos científicos
respectivos da diversidade ou da uniformidade biológica
humana, está, certamente, para além de qualquer argumento
que a última hipótese, apenas, é tolerada. Mesmo se as
crenças progressistas-universalistas sobre a natureza
humana forem verdadeiras, elas não são mantidas porque
são verdadeiras ou porque se chegou a elas através de
qualquer processo que passe no teste de risada para a
racionalidade científica crítica. Elas são recebidas como
princípios religiosos, com toda a intensidade passional que
caracteriza itens essenciais da fé, e questioná-las não é uma
questão de inexatidão científica, mas do que agora
chamamos de politicamente incorreto, e já conhecemos
como heresia.
Sustentar esta postura moral transcendente em relação ao
racismo não é mais racional do que a subscrição à doutrina
do pecado original, da qual ela é, em todo caso, a
inequívoca substituta moderna. A diferença, claro, é que o
‘pecado original’ é uma doutrina tradicional, à qual se
subscreve um grupo social aguerrido, significantemente
sub-representado entre os intelectuais públicos e as figuras
da mídia, profundamente antiquada na cultura mundial
dominante e largamente criticada – se não ridicularizada –
sem qualquer suposição imediata de que o crítico está
defendendo assassinato, roubo ou adultério. Questionar o

30
status do racismo enquanto pecado social supremo e
definidor, por outro lado, é cortejar a condenação universal
das elites sociais e despertar suspeitas de crimideias que
vão desde a apologética pró-escravidão até fantasias
genocidas. O racismo é o mal puro ou absoluto, cuja esfera
apropriada é o infinito e o eterno, ou as profundezas
pecaminosas incendiárias da alma hiper-protestante, em vez
dos confins mundanos da interação civil, do realismo social
científico ou da legalidade eficiente e proporcional. A
dissimetria de afeto, sanção e poder social cru que
acompanha antigas heresias e suas substitutas, uma vez
notada, é um indicador enervante. Um novo secto reina, e
ele não está nem mesmo especialmente bem escondido.
Ainda assim, mesmo entre as circunscrições BDH mais
endurecidas, a santificação histérica da raça-ideia mais-que-
boa dificilmente é suficiente para emprestar à democracia
radical a aura de profunda morbidez que Moldbug detecta.
Isto requer um relação devocional com o Estado.

31
32
O Iluminismo Sombrio, Parte 3
Parte 3:
O fascículo anterior desta série acabou com nosso herói,
Mencius Moldbug, até a cintura (ou pior) no pântano
mefítico do politicamente incorreto, aproximando-se do
coração sombrio de sua meditação político-religiosa em
How Dawkins Got Pwned. Moldbug pegou Dawkins no
meio de uma denúncia sintomaticamente significante e
excruciantemente beata dos “sentimentos vitorianos”
racistas de Thomas Huxley – um sermão que conclui com a
estranha declaração de que ele está citando as palavras de
Huxley, apesar de sua pavorosidade auto-evidente e
totalmente intolerável, “apenas para ilustrar como o
Zeitgeist segue em frente”.
Moldbug dá o bote, perguntando mordazmente: “O que,
exatamente, é essa coisa do Zeitgeist?”. É,
indiscutivelmente, uma extraordinária captura. Eis aqui um
pensador (Dawkins), treinado como biólogo e
especialmente fascinado pelos tópicos (disjuntivamente)
geminados da evolução naturalista e da religião abraâmica,
tropeçando no que ele apreende como uma tendência
unidirecional de desenvolvimento espiritual histórico-
mundial, que ele então – enfaticamente, mas sem o menor
apelo à razão disciplinada ou à evidência – nega que tenha
qualquer conexão séria com o avanço da ciência, com a

33
biologia humana ou com a tradição religiosa. O disparate
balbuciante que daí se resulta é uma coisa de se admirar,
mas, para Moldbug, tudo faz sentido:
Na verdade, o Zeitgeist do Professor Dawkins
é… indistinguível do… antigo conceito anglo-
calvinista ou puritano de Providência. Talvez
esta seja uma falsa correspondência. Mas é uma
bem próxima.

Uma outra palavra para Zeitgeist é Progresso.


Não é de se surpreender que os Universalistas
tendam a acreditar no Progresso – na verdade,
em um contexto político, eles frequentemente se
denominam progressistas. O universalismo de
fato fez um bom bocado de progresso desde [a
época da embaraçosa observação de Huxley em]
1913. Mas isto dificilmente refuta a proposição
de que o Universalismo é uma tradição parasita.
Progresso para o carrapato não é progresso para
o cão.

O que, exatamente é essa coisa de Zeitgeist? Vale a pena


repetir a questão. Não é espantoso, para começar, que
quando um darwinista inglês busca uma arma para golpear
outro, o cacete mais conveniente à mão seja uma palavra
alemã – associada com uma linhagem abstrusa de filosofia
idealista adoradora do estado – fazendo referência explícita
a uma concepção de tempo histórico que não tem qualquer
conexão discernível com o processo de evolução
naturalista? É como se, de maneira dificilmente imaginável,

34
durante uma contenda comparável entre físicos (sobre o
tópico da indeterminação quântica), de repente se ouvisse
gritar que “Deus não joga dados com o universo”. Na
verdade, os dois exemplos estão intimamente emaranhados,
uma vez que a fé de Dawkins no Zeitgeist é combinada com
uma adesão ao progressismo dogmático da ‘Religião
Einsteiniana’ (meticulosamente dissecada, claro, por
Moldbug).
O despudor é notável, ou pelo menos seria, se
ingenuamente se acreditasse que os protocolos da
racionalidade científica ocupavam uma posição soberana
em tal disputa, mesmo que apenas em princípio. Na verdade
– e aqui a ironia é amplificada à própria beira da psicose
uivante – o Old One de Einstein ainda reina. Os critérios de
julgamento devem tudo à higiene espiritual neo-puritana e
nada que seja à realidade testável. A elocução científica é
filtrada para a conformidade com uma agenda social
progressista, cuja autoridade parece não ser afetada por sua
completa indiferença para com a integridade científica. O
que lembra Moldbug de Lysenko, por razões
compreensíveis.
“Se os fatos não concordam com a teoria, tanto pior para os
fatos” afirmou Hegel. É o Zeitgeist que é Deus,
historicamente encarnado no estado, espezinhando meros
dados de volta na poeira. A este altura, todo mundo sabe
onde isso acaba. Um ideal moral igualitário, endurecido em

35
um axioma universal ou dogma cada vez mais
incontestável, completa a ironia histórica suprema da
modernidade, ao tornar a ‘tolerância’ o critério de ferro para
os limites da tolerância (cultural). Uma vez que seja aceito
de maneira universal ou, falando de maneira mais prática,
por todas as forças sociais que empunham um poder
cultural significante, que a intolerância é intolerável, a
autoridade política legitimou toda e qualquer coisa que seja
conveniente para si mesma, sem restrição.
Essa é a mágica da dialética, ou da perversidade lógica.
Quando apenas a tolerância é tolerável, e todo mundo (que
importa) aceita esta fórmula manifestamente absurda como
não apenas racionalmente inteligível, mas como o princípio
universalmente afirmado da fé democrática moderna, nada
resta exceto a política. A tolerância perfeita e a intolerância
absoluta se tornaram logicamente indistinguíveis, com
qualquer uma sendo igualmente interpretável como a outra,
A = não-A, ou o inverso, e, no mundo abertamente
orwelliano que daí resulta, apenas o poder tem as chaves da
articulação. A tolerância progrediu em tal grau que tem se
tornado uma função de policiamento social, fornecendo o
pretexto existencial para novas instituições inquisitoriais.
(“Devemos lembrar que aqueles que toleram a intolerância
abusam da própria tolerância, e um inimigo da tolerância é
um inimigo da democracia”, ironiza Moldbug.)
A tolerância espontânea que caracterizava o liberalismo

36
clássico, enraizada em um conjunto modesto de direitos
estritamente negativos que restringiam o domínio da
política, ou intolerância governamental, se rende, durante a
maré democrática, a um direito positivo a ser tolerado,
definido de maneira cada vez mais expansiva como
intitulação substancial, envolvendo afirmações públicas de
dignidade, garantias impostas pelo estado de tratamento
igual por parte de todos os agentes (públicos e privados),
proteções governamentais contra desfeitas e humilhações
não-físicas, subsídios econômicos e – em última análise –
representação estatisticamente proporcional dentro de todos
os campos de emprego, realização e reconhecimento. Que a
culminação escatológica desta tendência seja simplesmente
impossível não importa de maneira alguma para a dialética.
Pelo contrário, isso energiza o processo político,
comburindo qualquer ameaça de
saciação política no combustível do agravo infinito. “I will
not cease from Mental Fight, Nor shall my Sword sleep in
my hand: Till we have built Jerusalem, In England’s green
and pleasant land.”[1] Em algum lugar antes de que
Jerusalém fosse alcançada, o pluralismo inarticulado de
uma sociedade livre foi transformado no multiculturalismo
assertivo de uma democracia totalitária suave.
Os judeus da Amsterdam do século XVII ou os huguenotes
da Londres do século XVIII gozaram do direito de serem
deixados em paz e enriqueceram suas sociedades anfitriãs
em troca. Os grupos de agravo democraticamente

37
empoderados dos tempos modernos posteriores são
incitados por líderes políticos a exigirem um
(fundamentalmente iliberal) direito de ser ouvido, com
consequências sociais que são predominantemente
malignas. Para os políticos, contudo, que se identificam e se
promovem como a voz dos não ouvidos ou dos ignorados, o
auto-interesse em jogo dificilmente poderia ser mais óbvio.
A tolerância, que já pressupôs a negligência, agora a
condena e, ao fazê-lo, se torna seu oposto. Fosse este um
desenvolvimento partidário, a política partidária de um tipo
democrático poderia sustentar a possibilidade de reversão,
mas ele não é nada do tipo. “Quando alguém está sofrendo,
o governo tem que se mover” declarou o Presidente
‘conservador compassivo’ dos EUA George W. Bush, em
um fútil esforço de canalizar a Catedral. Quando a ‘direita’
soa assim, ela não está apenas morta, mas inequivocamente
fedendo a decomposição avançada. O ‘Progresso’ venceu,
mas isso é ruim? Moldbug aborda a questão de maneira
rigorosa:
Se uma tradição faz com que seus hospedeiros
cometam erros de cálculo que comprometem
suas metas pessoais, ela exibe um morbidez
misesiana. Se ela faz com que seus hospedeiros
ajam de maneiras que comprometam os
interesses reprodutivos de seus genes, ela exibe
uma morbidez darwiniana. Se se subscrever à
tradição é individualmente vantajoso ou neutro
(desertores são recompensados ou pelo menos

38
não são punidos), mas coletivamente
prejudicial, a tradição é parasitária. Se se
subscrever é individualmente desvantajoso, mas
coletivamente benéfico, a tradição é altruísta. Se
é tanto individual quanto coletivamente
benigna, ela é simbiótica. Se é tanto individual
quanto coletivamente danosa, é maligna. Cada
um desses rótulos podem ser aplicados tanto à
morbidez misesiana quanto à darwiniana. Um
tema que seja arracional, mas não exiba nem
morbidez misesiana, nem darwiniana, é
trivialmente mórbido.

Considerados de maneira comportamental, os sistemas


misesiano e darwiniano são aglomerações de incentivos
‘egoístas’, orientados, respectivamente, à acumulação de
propriedade e à propagação de genes. Ao passo que os
darwinistas concebem a esfera ‘misesiana’ como um caso
especial da motivação geneticamente auto-interessada, a
tradição austríaca, enraizada em um anti-naturalismo
neokantiano altamente racionalizado, está predisposta a
resistir a tal reducionismo. Embora as consequências finais
desta disputa sejam consideráveis, sob as atuais condições
ela é uma querela de urgência menor, uma vez que ambas as
formações estão unidas no ‘ódio’, isto é, em sua tolerância
reacionária a estruturas de incentivos que punem os mal
adaptados.
‘Ódio’ é uma palavra sobre a qual se deter. Ela testemunha
com especial clareza a ortodoxia religiosa da Catedral, e

39
suas peculiaridades merecem uma observação cuidadosa.
Talvez sua característica mais notável seja sua perfeita
redundância, quando avaliada da perspectiva de qualquer
análise das normas legais e culturais que não esteja
inflamada pelo entusiamo evangélico neo-puritano. Um
‘crime de ódio’, se for qualquer coisa que seja, é apenas um
crime, mais ‘ódio’, e o que o ‘ódio’ adiciona é revelador.
Para nos restringirmos, momentaneamente, a exemplos de
criminalidade incontroversa, se poderia perguntar: o que é,
exatamente, que agrava um assassinato, ou uma agressão,
se a motivação for atribuída ao ‘ódio’? Dois fatores
parecem especialmente proeminentes, e nenhum tem
qualquer conexão óbvia com as normas legais comuns.
Primeiramente, o crime é aumentado por um elemento
puramente ideacional, ideológico ou mesmo ‘espiritual’,
que atesta não apenas uma violação da conduta civilizada,
mas também uma intenção herética. Isto facilita a abstração
completa do ódio em relação à criminalidade, após a qual
ele toma a forma de ‘discurso de ódio’ ou simplesmente
‘ódio’ (que deve sempre ser contrastado com a ‘paixão’,
‘injúria’ ou ‘ira’ justificada representada pela linguagem
crítica, controversa ou meramente abusiva que é dirigida
contra grupos, categorias sociais ou indivíduos não
protegidos). ‘Ódio’ é uma ofensa contra a própria Catedral,
uma recusa de sua orientação espiritual e um ato mental de
provocação contra o destino religioso manifesto do mundo.

40
Em segundo lugar, e de maneira relacionada, o ‘ódio’ é
deliberadamente e mesmo estrategicamente assimétrico em
relação à polaridade política de equilíbrio das sociedades
democráticas avançadas. Entre a implacável marcha do
progresso e o resmungo ineficaz do conservadorismo, ele
não vacila. Como vimos, apenas a direita pode ‘odiar’.
Conforme o sistema imunológico doxológico da supressão
de ‘ódio’ é consolidado dentro dos sistemas educacional da
elite e midiático, a distribuição altamente seletiva de
proteções garante que o ‘discurso’ – especialmente o
discurso empoderado – é consistentemente reajustado para a
esquerda, o que quer dizer, na direção de um Universalismo
cada vez mais abrangentemente radicalizado. A morbidez
desta tendência é extrema.
Uma vez que o status de agravo é concedido como
compensação política para a incompetência econômica, ele
constrói um mecanismo cultural automático que advoga a
disfunção. O credo Universalista, com sua identificação
reflexiva da igualdade com a injustiça, não consegue
conceber nenhuma alternativa à proposição de que, quanto
mais baixo a situação ou o status de alguém, mais
convincente é a sua revindicação sobre a sociedade, mais
pura e mais nobre é a sua causa. A falha temporal é a o sinal
da eleição espiritual (marxo-calvinismo) e disputar qualquer
parte disso é claramente ‘ódio’.
Isto não força nem mesmo o neo-reacionário de coração

41
mais duro a sugerir, em uma caricatura do estilo cultural
alto-vitoriano, que a desvantagem social, como manifesta
em violência política, criminalidade, falta de moradia,
insolvência e dependência do bem-estar social, é um índice
simples da culpabilidade moral. Em grande parte – talvez
uma parte esmagadoramente grande – ela reflete o puro
infortúnio. Pessoas obscuras, impulsivas, sem saúde e
pouco atraentes, criadas caoticamente em famílias abusivas
e encalhadas em comunicadas despedaçadas e assoladas
pelo crime, têm toda razão de amaldiçoaram os deuses antes
de si mesmas. Além disso, um desastre pode atingir
qualquer um.
Em relação a estruturas efetivas de incentivos, contudo,
nada disto é da menor importância. A realidade
comportamental conhece apenas uma lei de ferro: O que
quer que seja subsidiado é promovido. Com uma
necessidade não mais fraca do que aquela da própria
entropia, na medida em que a democracia social busca
suavizar as más consequências – para grandes corporações
não menos do que para individuos batalhadores e culturas
desafortunadas – as coisas ficam piores. Não há maneira de
contornar ou ir além desta fórmula, só pensamento positivo
e cumplicidade com a degeneração. Claro, esta
compreensão reacionária definidora está condenada à
inconsequência, uma vez que equivale à conclusão
supremamente impalatável de que toda tentativa de
melhoria ‘progressiva’ está fadada a se reverter,

42
‘perversamente’, em uma falha horrível. Nenhuma
democracia poderia aceitar isto, o que significa que toda
democracia falhará.
A excitada espiral da fuga degeneradora misesiana-
darwiniana é nitidamente capturada nas palavras da
libertária mais fofa do Beltway, Megan McArdle,
escrevendo na embocadura central da Catedral, The
Atlantic:
É um pouco irônico que as primeiras tensões
sérias causadas pelas mudanças demográficas
da Europa estejam aparecendo nos orçamentos
de bem-estar social do continente, porque os
próprios sistemas de pensão podem bem ter
moldado e limitado o crescimento da Europa. O
século XX viu a adoção internacional de
sistemas de seguridade social que prometiam
benefícios definidos, pagos a partir da receita
tributária futura – conhecidos pelos especialistas
em pensão como sistemas de “paygo” e pelos
críticos como esquemas de Ponzi. Estes
sistemas tem aliviado grandemente os medos de
uma velhice destituída, mas múltiplos estudos
mostram que conforme os sistemas seguridade
social se tornam mais generosos (e a velhice
mais segura), as pessoas têm menos filhos. De
acordo com uma estimativa, de 50 as 60 por
cento da diferença entre a taxa de natalidade
(acima da taxa de reposição) da América e da
Europa pode explicada pelos sistemas mais
generosos da última. Em outras palavras, o

43
sistema de pensão da Europa pode ter posto em
ação o próprio declínio demográfico que ajudou
a tornar esse sistema – e alguns governos
europeus – insolvente.

Apesar da ridícula sugestão de McArdle de que os Estados


Unidos da América, de alguma maneira, se isentaram do
caminho mortuário da Europa, o esboço geral do
diagnóstico é claro e cada vez mais aceito como senso
comum (embora melhor ignorado). De acordo com o credo
ascendente, o bem-estar social alcançado através da
progenitura e da poupança não é universal e, assim, é
moralmente ignorante. Ele deveria ser suplantado, tão
ampla e rapidamente quanto possível, por benefícios
universais ou ‘direitos positivos’, distribuídos
universalmente ao cidadão democrático e, assim,
inevitavelmente, roteado através do Estado altruísta. Se,
como resultado, devido à irremediável incorreção política
da realidade, economias e populações colapsarem em
concerto, pelo menos isso não danificará nossas almas. Ó,
democracia! Sua idiota moribunda doce como sacarina,
você acha que as hordas zumbis se preocuparão com a sua
alma?
Moldbug comenta:
O Universalismo, na minha opinião, é melhor
descrito como um culto dos mistérios do poder.
É um culto do poder porque um estágio crítico
em seu ciclo replicador de vida é uma

44
criaturazinha chamada Estado. Quando olhamos
para as proteínas de superfície dos grandes Us,
notamos que a maioria delas podem ser
explicadas por sua necessidade de capturar, reter
e manter o Estado e dirigir seus poderes à
criação de condições que favoreçam a
replicação continuada do Universalismo. É tão
difícil imaginar o Universalismo sem o Estado
quanto a malaria sem o mosquito.

É um culto dos mistérios porque ele desloca as


tradições teístas, substituindo as superstições
metafísicas por mistérios filosóficos, tais como
humanidade, progresso, igualdade, democracia,
justiça, meio ambiente, comunidade, paz, etc.

Nenhum destes conceitos, como definidos na


doutrina Universalista ortodoxa, é sequer
ligeiramente coerente. Todos podem absorver
uma energia mental arbitrária sem produzir
nenhum pensamento racional. Nisto, eles são
melhor comparados aos
absurdos plotinianos, talmúdicos ou
escolásticos.

Como bônus, eis aqui o guia do Urban Future para a


sequência principal dos regimes políticos modernos:
Regime(1): Tirania Comunista
Crescimento Típico: ~0%
Voz / Saída: Baixa / Baixa
Clima cultural: Utopismo psicótico

45
A vida é… dura, mas ‘justa’
Mecanismo de transição: Redescobre os mercados no grau
zero econômico
Regime(2): Capitalismo Autoritário
Crescimento Típico: 5-10%
Voz / Saída: Baixa / Alta
Clima cultural: Realismo insensível
A vida é… dura, mas produtiva
Mecanismo de transição: Pressurizado pela Catedral a se
democratizar
Regime(3): Social Democracia
Crescimento Típico: 0-3%
Voz / Saída: Alta / Alta
Clima cultural: Desonestidade beata
A vida é… suave e insustentável
Mecanismo de transição: Chutar latas sai da pista
Regime(4): Apocalipse Zumbi
Crescimento Típico: N/A
Voz / Saída: Alta (em sua maioria gritaria inútil) / Alta
(com combustível, munição, comida seca, moedas de metais
preciosos)
Clima cultural: Sobrevivencialismo
A vida é… de dura a impossível
Mecanismo de transição: Desconhecido
Para todos os regimes, as expectativas de crescimento

46
assumem uma população moderadamente competente, de
outra forma, vá direto para (4).
________________________
[1] Nota do Tradutor: Estrofe final do poema “And did
those feet in ancient time” de William Blake, na introdução
de seu épico Milton (1808). Tradução livre: “Eu não
deixarei de Lutar coma Mente, Tampouco minha Espada
dormirá em minha mão: Até que tenhamos construído
Jerusalém, Na terra ver e agradável da Inglaterra”.

47
48
O Iluminismo Sombrio, Parte 4
Parte 4: Recorrendo a raça à ruína.
Os liberais estão confusos e furiosos que os
brancos pobres votam em Republicanos,
embora votar com fundamentos tribais seja
uma característica de todas as democracias
multi-étnicas, seja [na] Irlanda do Norte, no
Líbano ou no Iraque. Quanto mais uma maioria
se torna uma minoria, mais tribal se torna sua
votação, de modo que cada vez mais os
Republicanos se tornaram o “partido branco”;
fazer este ponto de maneira indelicada mandou
Pat Buchanan para o saco, mas muitos outros o
fazem também.

O que vai acontecer aqui [no Reino Unido]? Os


padrões não são dissimilares. Na eleição de
2010, os Conservadores conseguiram apenas
16 por cento do voto étnico minoritário, ao
passo que o Labour conseguiu o apoio de 72
por cento dos bangladeshis, 78 por cento dos
afro-caribenhos e 87 por cento dos africanos.
Os Tories são ligeiramente mais fortes entre os
hindus e sikhs britânicos – espelhando o apoio
Republicano entre os ásio-americanos – que
têm maior probabilidade de serem profissionais
proprietários de imóveis e de se sentirem menos
alienados.

A The Economist recentemente perguntou se os

49
Tories tinham um “problema de raça”, mas
pode ser só que a democracia tenha um
problema de raça.
– Ed West (Aqui)

Sem um gosto pela ironia, Mencius Moldbug é


praticamente insuportável e certamente ininteligível. Vastas
estruturas de ironia histórica moldam seus escritos, às vezes
mesmo os engolfando. De que outra maneira poderia um
proponente de configurações tradicionais de ordem social –
um auto-proclamado jacobita – compor um corpo de
trabalho é que teimosamente dedicado à subversão?
A ironia é o método de Moldbug, assim como seu ambiente.
Isto pode ser visto, de forma mais reveladora, em seu nome
escolhido para o iluminismo usurpado, a fé dominante do
mundo moderno: Universalismo. Esta é uma palavra de que
ele se apropria (e que coloca em letra maiúscula) dentro de
um diagnóstico reacionário cuja força inteira jaz em sua
exposição de uma particularidade exorbitante.
Moldbug se volta continuamente para a história (ou, mais
rigorosamente, para a cladística) para especificar de
maneira acurada aquilo que afirma sua própria significância
universal enquanto ascende a um estado de dominância
geral que se aproxima do universal. Sob este exame, o que
conta como razão Universal, determinando a direção e o
significado da modernidade, é revelado como o ramo ou
subespécie minuciosamente determinado de uma tradição

50
cultual, descendente de ‘ranters’, ‘levelers’ e variantes
intimamente relacionadas de fanatismo dissidente ultra-
protestante e que deve infimamente pouco às conclusões
dos lógicos.
Ironicamente, então, a fé democrática-igualitária
Universalista reinante do mundo é um culto particular ou
peculiar que irrompeu, ao longo de caminhos históricos e
geográficos identificáveis, com uma virulência epidêmica
que é disfarçada como iluminação global progressiva. A
rota que ela tomou, através da Inglaterra e da Nova
Inglaterra, Reforma e Revolução, é registrada por um
acúmulo de traços que fornecem material abundante para a
ironia e para variedades mais baixas de comédia. O
desmascaramento do intelectual ‘liberal’ moderno ou do
‘contador de verdades’ ‘de mente aberta’ da mídia como um
puritano pálido, fervoroso e estritamente doutrinário,
reconhecivelmente descendente da espécie de zelotes
queimadores de bruxas, é confiantemente – e
irresistivelmente – divertido.
Ainda assim, conforme a Catedral se estende e intensifica
seu controle sobre tudo, em todo lugar, de acordo com seu
mandato divino, a resposta que ela desencadeia é apenas
atipicamente cômica. Mais comumente, quando incapaz de
extrair humilde complacência, ela encontra raiva
inarticulada ou, pelo menos, um ressentimento
incompreensível e fumegante, como convém à imposição de

51
dogmas culturais paroquiais ainda envoltos na pompa de
uma linhagem específica e alienígena, mesmo que
confessem seriamente uma racionalidade universal.
Considere, por exemplo, as palavras mais famosas da
Declaração de Independência da América: “Consideramos
estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens
são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos
direitos inalienáveis…”. Pode-se honestamente manter que
submeter-se, de maneira escrupulosa e sincera, a tais
verdades ‘auto-evidentes’ equivale a qualquer coisa além de
um ato de reconfirmação ou conversão religiosa? Ou ser
negado que, nestas palavras, razão e evidência são
explicitamente colocadas de lado, para criar espaço para
princípios de fé? Poderia qualquer coisa ser menos
científica do que tal declaração, ou mais indiferente aos
critérios do raciocínio genuinamente universal? Como
poderia se esperar que alguém que não fosse já um
crente consentisse com tais suposições?
Que a declaração fundante do credo democrático-
republicano seja formulada como uma declaração de pura (e
doutrinariamente reconhecível) fé é uma espécie de
informação, mas ainda não é ironia. A ironia começa com o
fato de que, entre as elites da Catedral de hoje, estas
palavras da Declaração de Independência (assim como
muitas outras) seriam consideradas – quase universalmente
– curiosamente sugestivas, na melhor das hipóteses, talvez

52
vagamente embaraçosas e, mais certamente, incapazes de
sustentar um assentimento literal. Mesmo em meio a
conservadores inclinados ao libertarianismo, é pouco
provável que um compromisso firme com os ‘direitos
naturais’ proceda confiante e enfaticamente para sua origem
divina. Para os ‘liberais’ modernos, crentes do Estado
concessor de direitos (ou intitulamentos), essas ideias
arcaicas não estão apenas absurdamente datadas, mas são
positivamente obstrutivas. Por esta razão, elas são
associadas menos com predecessores venerados do que com
o pensamento retardado e fundamentalista de inimigos
políticos. Sofisticados do núcleo da Catedral entendem,
como o fazia Hegel, que Deus não é mais do que o governo
profundo apreendido por infantes e, como tal, um
desperdício de fé (que os burocratas poderiam colocar em
melhores usos).
Uma vez que a Catedral já ascendeu à supremacia global,
ela não tem mais necessidade de Pais Fundadores, que
desajeitadamente relembram sua ancestralidade paroquial e
impedem suas relações públicas transnacionais. Em vez
disso, ela busca revigoramento perpétuo através da
difamação deles. O fenômeno do ‘Novo Ateísmo’, com suas
transparentes afiliações progressistas, atesta isso
abundantemente. O paleopuritanismo deve ser
ridicularizado, a fim de que o neopuritanismo floresça – o
meme está morto, vida longa ao meme!

53
No limite da auto-paródia, o parricídio neopuritano toma a
forma da ridícula ‘Guerra ao Natal’, na qual os aliados da
Catedral santificam a (radicalmente não ameaçada)
separação entre Igreja e Estado, através da incômoda
agitação contra expressões públicas da piedade cristã
tradicional, e seus patetas dos ‘Red States’ respondem com
dispéptica indignação em programas de TV à cabo. Como
toda outra guerra contra substantivos indefinidos (seja
‘pobreza’, ‘drogas’ ou ‘terror’), o resultado é
previsivelmente perverso. Se a resistência à Guerra ao Natal
ainda não está estabelecida como o centro sólido das
festividades natalinas, pode-se confiantemente esperar que
se tornem no futuro. Os propósitos da Catedral são servidos,
não obstante, através da promoção de um secularismo
sintético que separa a fé progressista de seus fundamentos
religiosos, ao passo que direciona a atenção para longe do
conteúdo etnicamente específico e dogmático do credo em
seu âmago.
Até onde vão os reacionários, os cristão tradicionais são
geralmente considerados como sendo até bem fofinhos.
Mesmo os fanáticos com os olhos mais arregalado da
ortodoxia neopuritana têm dificuldades em ficarem
genuinamente excitados com eles (embora ativistas do
aborto cheguem perto). Para um pouco de carne realmente
vermelha, com os nervos expostos e se contorcendo com os
choques de forte estimulação, faz bem mais sentido se
voltar para uma outra quadra descartada e cerimonialmente

54
abominada da linhagem progressista: a Política Identitária
Branca, ou (o termo pelo qual Moldbug opta) ‘nacionalismo
branco’.
Assim como a catraca do progresso da democracia social
neopuritana é radicalmente facilitada pela tortura
orquestrada de suas formas religiosas embriônicas no
pelourinho, assim também a sua tendência à economia
política neo-fascista é suavizada pelo repúdio concertado de
uma ameaça ‘neo-nazi’ (ou paleo-fascista). É extremamente
conveniente, quando se constrói estruturas cada vez mais
abertamente corporatista ou ‘de terceira posição’ de pseudo-
capitalismo dirigido pelo estado, ser capaz de desviar a
atenção para expressões irritadas de paranoia racial branca,
especialmente quando estas são ornamentadas por insígnias
nazistas desajeitadamente modificadas, capacetes com
chifres, estética de Leni Riefenstahl e slogans livremente
emprestados do Mein Kampf. Nos Estados Unidos (e, assim,
com um lapso de tempo que se encolhe,
internacionalmente) os ícones do Ku Klux Klan, de lençóis
brancos, títulos semi-maçônicos e cruzes em chamas até
cordas de linchamento, têm adquirido um valor teatral
comparável.
Moldbug oferece uma lista higienizada de leitura de blogs
nacionalistas brancos, que consiste de autores que – com
diferentes graus de sucesso – evitam uma reversão imediata
à auto-paródia paleo-fascista. O primeiro passo para além

55
da fronteira da opinião respeitável é representado por
Lawrence Auster, um cristão, anti-darwinista e
‘Conservador Tradicionalista’ que defende uma identidade
nacional ‘substancial’ (etno-racial) e se opõe ao princípio-
mestre liberal de não discriminação. No momento em que
chegamos a ‘Tanstaafl‘, na dilacerada borda exterior do
espectro cuidadosamente truncado de Moldbug, já entramos
em uma órbita decadente, que se espirala para dentro do
grande buraco negro que está escondido no centro morto da
possibilidade política moderna.
Antes de seguir os tipos de Tanstaafl para dentro do abismo
esmagador onde a luz morre, há alguma observações
preliminares a serem feitas sobre a perspectiva nacionalista
branca e sobre suas implicações. Ainda mais do que os
cristãos tradicionalistas (que, mesmo no meio de seu
inverno cultural, podem se aquecer no calor do endosso
sobrenatural), a política identitária branca se considera
sitiada. Uma preocupação moderada ou comedida não
oferece qualquer equilíbrio para aqueles que cruzam a linha
e começam a se auto-identificar nesses termos. Em vez
disso, o caminho de envolvimento demanda uma rápida
aceleração até um estado de alerta extremo, ou pânico
racial, que se conforma a uma análise focada na maliciosa
substituição populacional nas mãos de um governo que, nas
palavras frequentemente citadas de Bertold Brecht, “decidiu
dissolver o povo e apontar um outro”. A ‘branqueza’ (quer
seja concebida de maneira biológica, mística ou ambas) é

56
associada com vulnerabilidade, fragilidade e perseguição.
Este tema é tão básico, e tão multifário, que é difícil de
abordar de maneira sucinta. Ele engloba tudo, desde
predação criminosa (especialmente assassinatos, estupros e
espancamentos racialmente carregados), exações
econômicas e discriminação inversa, agressão cultural por
parte de sistemas acadêmicos e midiáticos hostis até, em
última análise, ‘genocídio’ – ou destruição racial definitiva.
Tipicamente, a aniquilação prospectiva da raça branca é
atribuída à sua própria vulnerabilidade sistemática, que seja
devido a traços culturais característicos (altruísmo
excessivo, susceptibilidade à manipulação moral,
hospitalidade excessiva, confiança, reciprocidade universal,
culpa ou desdém individualista pela identidade de grupo),
ou a fatores biológicos mais imediatos (genes recessivos
que suportam os frágeis fenótipos arianos). Embora seja
improvável que este senso de ameaça de extinção única seja
redutível à fórmula cromática ‘Branco + Cor = Cor’, a
estrutura fundamental é deste tipo. Em sua descrição
abstrata da vulnerabilidade não recíproca, ela reflete a
‘regra da uma gota’ (e a combinação genética mendeliana
recessivo / dominante). Ela descreve a mistura como
essencialmente anti-branca.
Uma vez que ‘branqueza’ é um limite (pura ausência de
cor), ela desliza suavemente da factualidade biológica da
subespécie caucasiana para ideias metafísicas e místicas.

57
Em vez de acumular variação genética, uma raça branca é
contaminada ou poluída por misturas que comprometem sua
negatividade definidora – escurecê-la é destruí-la. A
densidade mitológica destas associações –
predominantemente subliminares – investe a política
identitária branca de uma resiliência que frustra os esforços
iluminados de denúncia racionalista, ao passo que contradiz
sua própria auto-representação paranoica. Ela também
enfraquece as promoções nacionalistas brancas recentes de
uma ameaça racial que é estritamente comparável àquela
que enfrentam os povos indígenas, de maneira universal, e
descreve os brancos como ‘nativos’ cruelmente privados de
igual proteção contra a extinção. Não há nenhuma rota de
retorno para a inocência tribal ou para a diversidade
biológica rasa. A branqueza foi compactada
indissoluvelmente com a ideologia, seja qual for a estrada
tomada.
“Se os negros podem ter, e os hispânicos podem ter, e os
judeus podem ter, por que não podemos ter?” – Esse é o
alicerce final do agravo nacionalista branco, a maldição do
lobisomem que significa que ele só pode ser, para sempre,
um monstro. Há exatamente um único caminho de saída
para os caras pálidas perseguidos, e ele leva direitamente
para dentro de um buraco negro. Prometemos que
voltaríamos a Tanstaafl, e aqui estamos, no final do verão
de 2007, logo depois que pegou ‘a coisa judia‘. Não há nada
de muito original quanto à sua epifania, o que é exatamente

58
o ponto. Ele cita a si mesmo:
Não é absurdo que alguém sequer pensasse em
culpar o cristianismo ou os WASPs pelo
surgimento do politicamente correto e de suas
consequências catastróficas? Isto, na verdade,
não é uma inversão da verdade? O surgimento e
disseminação do PC não erodiu o poder do
cristianismo, dos WASPs e dos brancos em
geral? Culpá-los é, com efeito, culpar a vítima.
Sim, existem cristãos, WASPs e brancos que
caíram na lavagem cerebral do PC. Sim,
existem alguns que o levaram tão a fundo no
coração que trabalham para expandi-lo e
protege-lo. Esta é a natureza do PC. Este é seu
propósito. Controlar as mentes das pessoas que
ele busca destruir. A esquerda, em sua raiz, é
totalmente sobre destruição.
Você não tem que ser um anti-semita para notar
de onde essas ideias se originam e quem se
beneficia. Mas você têm que violar o PC para
dizer: Judeus.

Este é o labirinto, a armadilha, com seu circuito


lamentavelmente restrito e estereotipado. “Por que não
podemos ser preservacionistas raciais fofinhos, como os
índios amazônicos? Como é que sempre viramos os Neo-
Nazis? É algum tipo de conspiração, o que significa que
tem que ser os Judeus.” Desde o meio do século XX, a
intensidade política do mundo globalizado tem corrido,
quase exclusivamente, a partir da pilha de cinzas craterada

59
do Terceiro Reich. Até que você entenda o padrão, parece
misterioso que não haja maneira de fugir dele. Depois de
listar alguns blogs que caem sobre a categoria relativamente
distinta de ‘nacionalismo branco’, Moldbug adverte:
A Internet também é lar de muitos blogs
inquestionavelmente racistas. A maioria é
simplesmente ilegível. Mas alguns são mantidos
por escritores relativamente capazes. …Nestes
blogs racistas, você encontrará, epítetos raciais,
anti-semitismo (veja why I am not an anti-
Semite) e coisa do tipo. Obviamente, eu não
posse recomendar nenhum desse blogs e
tampouco eu os linkarei. Contudo, se você
estiver interessado na mente do racista
moderno, o Google lhe levará lá.

Google é um exagero. Um pouco de pesca de links lhe


levará lá. É um problema de ‘seis graus de separação’ (e
mais algo como dois, ou menos). Comece a cavar na
‘reactosfera’ realmente existente, e as coisas ficam bastante
assombrosamente feias muito rápido. Sim, realmente existe
‘ódio’, pânico e nojo, assim como uma abundância
morbidamente viciante de sagacidade sombria e mordaz e
um peso desconcertantemente impressionante de fatos
críveis (esses caras simplesmente amam estatísticas
de morrer). Acima de tudo, logo além do horizonte, há o
buraco negro. Se a reação jamais se tornasse um movimento
popular, suas poucas linhas esguias de civilidade burguesa
(ou talvez sonhadoramente ‘aristocrática’) não segurariam a

60
besta por muito tempo.
Conforme a decência liberal se separou da integridade
intelectual e exilou verdades duras, estas verdades
encontraram novos aliados e se tornaram consideravelmente
mais duras. O resultado é mecânica e monotonamente
previsível. Toda ‘guerra de causa’ liberal democrática
fortalece e torna mais selvagem aquilo contra o que luta. A
guerra à pobreza cria uma subclasse cronicamente
disfuncional. A guerra às drogas cria super-drogas
cristalizadas e mega-mafias. Adivinha? A guerra ao
politicamente incorreto cria lobisomens empoderados por
dados, coordenados via web, paranoicos e poli-
conspiratórios, soberbamente posicionados para tirar
vantagem do iminente encontro da democracia liberal com a
ruinosa realidade e, então, desempenhar sua parte na
deflagração de dissabores que mal são imagináveis (exceto
por uma analogia histórica perturbadora). Quando uma
negociação sã, pragmática e embasada em fatos das
diferenças humanas é proibida por decreto ideológico, a
alternativa não é um reino de paz perpétua, mas uma
putrefação de crimideias cada vez mais auto-conscientes e
militantemente desafiadoras, nutridas por realidades
publicamente inconfessáveis e energizada por mitologias
poderosas, atávicas e palpavelmente dissidentes. Isso é
óbvio na ‘Net.
Moldbug considera que o perigo do nacionalismo branco foi

61
tanto exagerado quando minimizado. Por um lado, a
‘ameaça’ é simplesmente ridícula e meramente reflete o
dogma espiritual neopuritano em sua forma mais
histericamente opressiva e teimosamente estúpida. “Deveria
ser óbvio que, embora eu não seja um nacionalista branco,
eu não sou exatamente alérgico à coisa”, Moldbug observa,
antes de descrevê-la como “o sistema de crença mais
marginalizado e socialmente excluído na história do mundo
…um irritante social obnóxio em qualquer círculo que não
inclua motoqueiros tatuados viciados em anfetamina”.
Ainda assim, o perigo permanece, ou melhor, está em
construção.
Eu consigo imaginar uma possibilidade que
poderia tornar o nacionalismo branco
genuinamente perigoso. O nacionalismo branco
seria perigoso se houvesse alguma questão
sobre a qual os nacionalistas brancos estivessem
certos, e todo o resto estivesse errado. A verdade
é sempre perigosa. Ao contrário da crença
popular, ela nem sempre prevalece. Mas é
sempre uma má ideia virar as costas para ela. …
Ao passo que a evidência para a biodiversidade
cognitiva humana é, de fato, discutível, o que
não é discutível é que ela é discutível …[muito
embora] todo mundo que não seja um
nacionalista branco tenha passado os últimos 50
anos nos informando que não é discutível…

Há bem mais no ensaio de Moldbug, como sempre há.

62
Eventualmente, ele explica porque ele rejeita o
nacionalismo branco, por razões que não devem nada aos
reflexos convencionais. Mas o coração sombrio do ensaio,
que o eleva, para além do brilhantismo, à beira da
genialidade, é encontrado logo no início, na borda de um
buraco negro:
Por que o nacionalismo branco nos parece mau?
Porque Hitler era um nacionalista branco, e
Hitler era mau. Nenhuma dessas afirmações é
remotamente controversa. Há exatamente um
grau de separação entre o nacionalismo branco e
o mal. E esse grau é Hitler. Deixe-me repetir:
Hitler.

O argumento parece à prova d’água. (À prova


de Hitler?) Mas ele não segura qualquer água
que seja.

Por que o socialismo nos parece mau? Porque


Stalin era um socialista, e Stalin era mau.
Qualquer um que queira seriamente argumentar
que Stalin era menos mau do que Hitler tem
trabalho horrivelmente grande pela frente. Não
apenas Stalin ordenou mais assassinatos, sua
máquina de assassinatos teve seu auge em
tempos de paz, ao passo que a de Hitler pode
pelo menos ser vista como um crime de guerra
contra civis inimigos. Se isso faz alguma
diferença pode ser debatido, mas se faz, coloca
Stalin no topo.

63
E, ainda assim, eu nunca tive, nem vi, nada
parecido com as respostas de “alerta vermelho”
ao socialismo [“o sentimento da presença do
mal”]. Se eu visse uma multidão de pessoas
jovens e elegantes fazendo fila na bilheteria de
uma cinebiografia hagiográfica de Reinhard
Heydrich, arrepios subiriam e desceriam pelo
meu pescoço. De Ernesto Guevara, eu não tenho
qualquer resposta emocional. Talvez eu achasse
que é estúpido e triste. De fato, eu acho que é
estúpido e triste. Mas não me assusta.

Qualquer tentativa de ser nuançado, equilibrado ou


proporcional no caso moral contra Hitler é interpretar
inteiramente mal a natureza do fenômeno. Isto pode ser
notado, com bastante regularidade, nas sociedades asiáticas,
por exemplo, porque o fantasma do Terceiro Reich não
ocupa uma posição central em sua história, ou melhor, em
sua religião, embora – enquanto sacrário interno da
Catadral – esteja determinado a fazê-lo (e mostra quase
todo sinal de estar sendo bem sucedido). Uma breve
digressão sobre o mal-entendido transcultural e a cegueira
recíproca poder ser merecida neste ponto. Quando os
ocidentais prestam atenção no estilo ‘Deus-Imperador’ de
devoção política que tem acompanhado o totalitarismo
moderno no Leste Asiático, a conclusão tipicamente tirada é
que este padrão de sentimento político é exoticamente
alienígena, morbidamente divertido e, em última análise, –
arrepiantemente – incompreensível. Comparações

64
contemporâneas com líderes democráticos ocidentais
risivelmente não-numinosos apenas aprofundam a confusão,
assim como o fazem referência semi-marxistas a
sensibilidades ‘feudais’ (como se a monarquia absolutista
não tivesse sido uma alternativa ao feudalismo, e como se
os monarcas absolutos tivessem sido adorados). Como uma
figura histórica e política jamais poderia ter sido investida
com a dignidade transcendente do significado religioso
absoluto? Parece absurdo…
“Olha, eu não estou dizendo que Hitler era um cara
particularmente legal…” – imaginar tais palavras já é ver
muitas coisas. Poderia até mesmo provocar a questão:
Alguém dentro do mundo globalizado (da Catedral) ainda
pensa que Adolf Hitler era menos mau do que o próprio
Príncipe da Escuridão? Talvez apenas alguns paleo-cristãos
espalhados (que teimosamente insistem que Satã é
realmente, realmente, mau) e um número ainda menor de
ultra-neo-nazis (que pensam que Hitler era meio legal). Para
basicamente todo o resto, Hitler personifica perfeitamente a
monstruosidade demoníaca, transcendendo a história e a
política para alcançar a estatura de um absoluto metafísico:
o mal encarnado. Para além de Hitler é impossível ir, ou
pensar. Isto certamente é interessante, uma vez que indica
uma erupção do infinito dentro da história – uma revelação
religiosa, de tipo abraâmico, invertida, mas ainda
estruturalmente familiar. (A ‘Teologia do Holocausto’ já
implica nisso.)

65
A este respeito, em vez de Satã, seria mais útil comparar
Hitler ao Anticristo, isto é: a um espelho do Messias, de
polaridade moral invertida. Houve até mesmo uma tumba
vazia. O Hitlerismo, concebido de forma neutra, portanto, é
menos uma ideologia pró-nazi do que uma fé universal,
especiada dentro da super-família abraâmica e unida no
reconhecimento da vinda do puro mal sobre a terra. Embora
não seja exatamente adorado (fora dos círculos
extraordinariamente vergonhosos em que já nos
aventuramos), Hitler é sacramentalmente abominado, de
uma maneira que toca em teológicas ‘coisas primeiras’. Se
abraçar Hitler como Deus é um sinal de uma confusão
político-espiritual altamente lamentável (na melhor das
hipóteses), reconhecer sua singularidade histórica e
significado sagrado é quase obrigatório, uma vez que ele é
afirmado por todos os homens de fé sólida como o exato
complemento do Deus encarnado (o anti-Messias revelado,
ou Adversário), e esta identificação tem a força de uma
‘verdade auto-evidente’. (Alguém já precisou perguntar por
que a reductio ad Hitlerum funciona?)
Convenientemente, assim como o neopuritanismo
secularizado que ele engole, o Hitlerismo (aversivo) pode
ser seguramente ensinado nas escolas americanas, com um
notável alto nível de intensidade religiosa. Na medida em
que a história progressiva ou programática continua, isto
sugere que a Igreja da Sagrada Abominação Hitlerista
eventualmente suplantará suas predecessoras abraâmicas,

66
para se tornar a fé ecumênica triunfante do mundo. Como
ela poderia não o fazer? Afinal, ao contrário do deísmo
padrão, esta é uma fé reconcilia completamente o
entusiasmo religioso com a opinião iluminada, igualmente
adaptada, com capacidade anfíbia consumada, aos êxtases
convulsivos do ritual popular e às páginas de cartas do New
York Times. “O mal absoluto já andou por entre nós, e vive
ainda…” Como esta já não é a principal mensagem
religiosa de nossos tempos? Tudo que permanece inacabado
é a consolidação mitológica e isso há muito tem estado a
caminho.
Há ainda algum catar de ossos fragmentados a ser feito
entre as cinzas e destroços [na Parte 5], antes de nos
voltarmos para coisas mais saudáveis…

67
68
O Iluminismo Sombrio, Parte 4a
Parte 4a: Uma sub-digressão multiparte ao
terror racial
Meu próprio sentimento da coisa é que, por
debaixo de toda a conversa feliz, debaixo da
adesão obstinada a ideias falhas e teorias
mortas, debaixo da gritaria e do anátema
contra pessoas como eu, há um desespero
profundo e frio. Em nossos mais íntimos
corações, não acreditamos que a harmonia
racial possa ser alcançada. Daí a tendência à
separação. Só queremos continuar com nossas
vidas longe um dos outros. Ainda assim, para
um povo moralista e otimista como os
americanos, esse desespero é insuportável. Ele
é empurrado para longe, para algum lugar em
que não tenhamos que pensar sobre ele.
Quando alguém nos força a pensar sobre ele,
reagimos com fúria. Aquele menininho na
estória de Andersen sobre as novas roupas do
Imperador? O fim seria mais verdadeiro para
com a vida se ele tivesse sido linchado por uma
multidão uivante de cidadãos ultrajados.
– John Derbyshire, entrevistado na Gawker

Acreditamos na igual dignidade e na presunção


de igual decência em relação a toda pessoa –
não importa qual raça, não importa o que a
ciência nos diga sobre inteligência comparativa
e não importa o que possa ser obtido das

69
estatísticas criminais. É importante que a
pesquisa seja feita, que as conclusões não
sejam fraudadas e que tenhamos liberdade de
falar francamente sobre o que ela nos diz. Mas
isto não é um argumento a favor de conclusões
a priori sobre como pessoas individuais devem
ser tradas em diversas situações – ou a favor
de calcular medo ou amizade com base apenas
na raça. Manter e ensinar de outra forma é
prescrever a desintegração de uma sociedade
pluralista, minar a aspiração de E Pluribus
Unum.
– Andrew McCarthy, defendendo a expulsão de
JD da National Review

“A Conversa”, da forma em que os americanos


negros e os liberais a apresentam (a saber:
necessitada pela malícia branca), é uma
afronta cômica – porque ninguém tem
permissão (vide Barro acima) de notar o
contexto no qual os americanos negros estão
tendo desentendimentos com a lei, uns com os
outros e com outros. O contexto apropriado
para entender isto, e a mania que é o
Travyonicus aliás, é o medo razoável de
violência. Este é o fato mais exigente aqui – e,
ainda assim, você decreta que ele não pode ser
falado.
– Dennis Dale, respondendo ao chamado de
Josh Barro pela demissão de JD.

Tremenda experiência viver com medo, não é?

70
É isso que é ser um escravo.
– Bladerunner

Não há nenhuma parte de Singapura, Hong Kong, Taipei,


Xangai ou muitas outras cidades no Leste asiático em que
seja impossível passear, com segurança, tarde da noite.
Mulheres, sejam jovens ou velhas, sozinhas ou com
crianças pequenas, podem ficar confortavelmente alheias
aos detalhes do espaço e do tempo, pelo menos no que diz
respeito à ameaça de agressão. Embora isto possa não ser
bem suficiente para definir uma sociedade civilizada, chega
extremamente próximo. É certamente necessário a qualquer
definição dessas. O caso contrário é o barbarismo.
Essas cidades afortunadas do oeste do Círculo do Pacífico
são tipificadas por localizações geográficas e perfis
demográficos que ecoam de maneira conspícua as
embaraçosamente bem-comportadas ‘minorias modelo’ dos
países ocidentais. Elas são dominadas (de maneira não
desagradável) por populações que – devido a herança
biológica, profundas tradições culturais ou algum
emaranhamento inextricável das duas – acham interações
sociais educadas, prudentes e pacíficas comparativamente
fáceis e dignas de reforço contínuo. Elas são também,
importantemente, sociedades abertas e cosmopolitas,
notavelmente desprovidas de arrogância chauvinista ou de
um sentimento etno-nacionalista paranoico. Seus cidadãos
não estão inclinados a enfatizar suas próprias virtudes. Pelo

71
contrário, eles serão tipicamente modestos quanto aos seus
atributos e realizações individuais e coletivas,
anormalmente sensíveis às suas falhas e deficiências e
estarão constantemente alertas para oportunidades de
melhoria. A complacência é quase tão rara quanto a
delinquência. Nessas cidades, toda uma dimensão – com
consequências massivas – de terror social está
simplesmente ausente.
Em muito do mundo ocidental, em um contraste gritante, o
barbarismo foi normalizado. É considerado simplesmente
óbvio que cidades tem ‘áreas ruins’ que não são meramente
pobres, mas letalmente ameaçadoras, para estranhos assim
como para residentes. Adverte-se os visitantes para que
fiquem longe, ao passo que os locais fazem o seu melhor
para transformar suas casas em fortalezas, evitam se
aventurar nas ruas depois do anoitecer e – especialmente se
forem homens jovens – voltam-se para gangues criminosas
em busca de proteção, o que degrada ainda mais a
segurança de todas as outras pessoas. Predadores controlam
o espaço público, parques são armadilhas mortais, a ameaça
agressiva é celebrada como ‘atitude’, a aquisição de
propriedade é para caretas (ou assaltantes), a aspiração
educacional é ridicularizada e a atividade empresarial não-
criminosa é desprezada como uma violação das normas
culturais. Todo mecanismo significativo de pressão sócio-
cultural, desde heranças interpretadas e influências dos
pares até a retórica política e incentivos econômicos, está

72
alinhado com o aprofundamento da depravação
complacente e da extirpação cruel de todo impulso de auto-
melhoria. Bastante claramente, esses são lugares em que a
civilização colapsou de maneira fundamental, e uma
sociedade que os inclua, em uma medida substancial,
falhou.
Dentro dos países mais influentes do mundo de língua
inglesa, a desintegração da civilização urbana moldou
profundamente a estrutura e o desenvolvimento das cidades.
Em muitos casos, o padrão ‘natural’ (agora se poderia dizer
‘asiático’), no qual a urbanização intensiva e os valores
imobiliários correspondentes são maiores no centro da
cidade, foi destruído ou, pelo menos, profundamente
deformado. A desintegração social do centro urbano levou a
um êxodo dos (sequer moderadamente) prósperos para
refúgios suburbanos e extra-urbanos, produzindo um padrão
grotesco e historicamente sem precedentes de
desenvolvimento estilo ‘rosquinha’, com cidades que
toleram – ou meramente se acomodam a – interiores
arruínados e podres, nos quais pessoas sãs temem pisar.
‘Centro da cidade’ veio a significar quase exatamente o
oposto do que um curso não distorcido de desenvolvimento
urbano produziria. Esta é a expressão geográfica de um
problema social ocidental – e especialmente americano –
que é, de uma só vez, basicamente imencionável e visível
do espaço sideral.

73
Surpreendentemente, a síndrome da rosquinha com núcleo
quebrado tem um nome notavelmente insensível e ainda
assim comumente aceito, que a captura em linhas gerais –
pelo menos de acordo com suas características secundárias
– e em um grau razoável de aproximação estatística: White
Flight (Fuga dos Brancos). Este é um termo que prende, por
uma variedade de razões. Ele é marcado, primeiro de tudo,
pela bipolaridade racial que – como um arcaísmo vital –
ressoa com a crise social crônica da América, em uma série
de níveis. Embora superficialmente datado, em uma era de
questões multiculturais e de imigração de muitos matizes,
ele reverte ao código morto-vivo herdado da escravidão e
da segregação, perpetuamente identificada com as palavras
de Faulkner: “O passado não está morto. Ele nem mesmo é
passado.” Ainda assim, mesmo neste atípico momento de
candura racial, a negritude é elidida e implicitamente
desconectada da agência. É denotada apenas por alusão,
como um resíduo, concentrado passiva e derivadamente
pela função peneiradora de um pânico branco altamente
adrenalinizado. O que não pode ser dito é indicado mesmo
enquanto não é mencionado. Um silêncio distintivo
acompanha a meia-expressão quebrantada de uma maré
muda de separatismo racial, guiado por terrores e
animosidades civilizacionalmente incapacitantes, cujas
profundidades e estruturas de reciprocidade permanecem
inconfessáveis.
O que o êxodo puritano do Antigo para o Novo Mundo foi

74
para a fundação da modernidade anglófona global, o white
flight é para o seu desgaste e dissolução. Assim como com a
migração pré-fundadora, o que da ao white flight relevância
inelutável aqui é seu caráter sub-político: tudo saída e
nenhuma voz. Ela é o ‘outro’ sutil, não-argumentativo e
não-exigente da democracia social e seus sonhos – o
impulso espontâneo do iluminismo sombrio, da maneira em
que é inicialmente vislumbrado, de uma só vez desilusivo e
implacável.
A rosquinha com o núcleo quebrado não é o único modelo
de síndrome da cidade doente (o fenômeno da favela
marginal enfatizado no Planet of Slums de Mike Davis é
muito diferente). Tampouco o urbanismo do desastre-
rosquinha é redutível à crise racial, pelo menos em suas
origens. Fatores tecnológicos desempenharam um papel
crucial (mais proeminentemente, a geografia do automóvel),
assim como o fizeram outras tradições culturais de longa
data (tais como a construção de subúrbios enquanto idílios
burguêses). Ainda assim, todas essas linhagens foram, em
muito grande medida, suplantadas ou, pelo menos,
subordinadas ao ‘problema racial’ herdado e que ainda
emerge.
Então, o que é este ‘problema’? Como ele está se
desenvolvendo? Por que alguém fora da América deveria
estar preocupado com ele? Por que levantar o tópico agora
(se jamais)? – Se o seu coração está afundando sob a

75
sombria suspeita de que isto vai ser enorme, sinuoso,
estressante e torturante, você está certo. Temos
semanas nesta câmara de horrores pelas quais esperar.
As duas respostas mais simples, bastante amplamente
mantidas e basicamente incompatíveis, para a primeira
questão merecem ser consideradas como partes importantes
do problema.
Questão: Qual é o problema racial americano?
Resposta-1: Pessoas negras.
Resposta-2: Pessoas brancas.
A popularidade combinada destas opções é
significantemente expandida, muito provavelmente para
englobar a grande maioria de todos os americanos, quando
se considera que ela inclui aqueles que assumem que uma
destas duas respostas domina o pensamento do outro lado.
Entre si, as proposições “O problema estaria acabado se
pudéssemos simplesmente nos livrar dos vadios negros /
racistas brancos” e / ou “Eles pensão que somos todos
vadios / racistas e querem se livrar de nós” consomem uma
proporção impressionante do espectro político,
estabelecendo uma fundação sólida de terror e aversão
recíprocos. Quando projeções defensivas são adicionadas
(“Não somos vadios, vocês são racistas” ou “Não somos
racistas, você são vadios”), o potencial para uma dialética
superaquecida e não-sintetizadora se aproxima do infinito.

76
Não que estes ‘lados’ sejam raciais (exceto na fantasia
tribal-nacionalista negra ou branca). Para estereótipos crus,
é bem mais útil se voltar para a dimensão política principal
e suas categorias de ‘liberal’ e ‘conservador’ no sentido
americano contemporâneo. Identificar o problema racial da
América com o racismo branco é a posição
liberal estereotípica, ao passo que identificá-lo com a
disfunção social negra é o exato complemento conservador.
Embora estas posições sejam formalmente simétricas, é sua
assimetria política real que investe o problema racial
americano com seu extraordinário dinamismo histórico e
significância universal.
Que os brancos e negros americanos – considerados
grosseiramente como agregados estatísticos – coexistem em
uma relação de medo recíproco e vitimização percebida é
atestado pelos padrões manifestos de desenvolvimento e
navegação urbana, escolha de escolas, propriedade de
armas, policiamento e encarceramento, e quase todas as
outras expressões de preferência revelada (ao contrário da
afirmada) que estejam relacionadas à distribuição social
voluntária e à segurança. Um equilíbrio objetivo de terror
reina, apagado da visibilidade por perspectivas
complementares, mas incompatíveis, de supremacismo e
negação vitimológicos. Ainda assim, entre as posições
liberal e conservadora sobre raça não há qualquer
equilíbrio que seja, mas algo próximo de uma derrota. Os
conservadores estão completamente aterrorizados com a

77
questão, ao passo que, para os liberais, ela é um jardim de
delícias terrenas, cujos prazeres transcendem os limites da
compreensão humana. Quando qualquer discussão política
chega firme e claramente ao tópico da raça, o liberalismo
vence. Esta é a lei fundamental da efetividade ideológica à
sombra fragante meia-luz da Catedral. Em certos aspectos,
este desequilíbrio político dinâmico é até mesmo o
fenômeno primário sob consideração (e muito mais precisa
ser dito sobre isso, mais á frente).
A humilhação regular, excruciante e esmagadora do
conservadorismo na questão da raça não deveria ser
nenhuma surpresa para ninguém. Afinal, o papel principal
do conservadorismo na política moderna é ser humilhado. É
para isto que uma perpétua e leal oposição, ou bobo da
corte, serve. O caráter essencial do liberalismo, enquanto
guardião e proponente da fé espiritual neo-puritana, o
investe com domínio supremo sobre a dialética, ou
invulnerabilidade à contradição. Aquilo que é impossível de
se pensar deve, necessariamente, ser adotado através da fé.
Considere apenas a doutrina fundamental ou primeiro artigo
do credo liberal, conforme promulgado através de toda
discussão pública, articulação acadêmica e iniciativa
legislativa relevante ao tópico: Raça não existe, exceto
enquanto construto social empregado por uma raça para
explorar e oprimir uma outra. Meramente entreter isso é
estremecer antes à incrível majestade do absoluto, onde
tudo é simultaneamente seu preciso oposto, e a razão

78
evapora extaticamente à beira do sublime.
Se o mundo fosse construído com ideologia, esta estória já
estaria acabada ou, pelo menos, previsivelmente
programada. Para além do aparente zigue-zague da
dialética, há uma tendência dominante, que leva em uma
direção única e inequívoca. Ainda assim, a solução liberal-
progressista para o problema da raça – um ‘anti-racismo’
abrangentemente sistemático e dinamicamente paradoxal
que se escala sem limites – confronta um obstáculo real que
é apenas muito parcialmente refletido nas atitudes, retórica
e ideologia conservadoras. O verdadeiro inimigo – glacial,
incipiente e não-argumentativo – é o ‘white flight’.
Neste ponto, uma referência explícita ao Caso Derbyshire
se torna irresistível. Há uma quantia muito considerável de
contexto histórico complexo e recente que clama por
introdução – a convulsão cultural que acompanhou ao
incidente Trayvon Martin em particular – mas haverá tempo
para isso mais tarde (ah sim, eu temo que sim). A
intervenção de Derbyshire e a explosão de palavras que ela
provocou, embora em alguma medida iluminada por tal
contexto, de longe o excede. Isso porque o termo crucial
não dito, tanto no agora notório artigo curto de Derbyshire,
quanto também – aparentemente – nas respostas que ele
gerou, é ‘white flight’. Ao publicar um conselho paternal
para seus filhos (eurasiáticos) que foi – não inteiramente
sem razão – resumido como ‘evite pessoas negras’, ele

79
converteu a fuga dos brancos, de um fato muito lamentado,
mas aparentemente inexorável, para um imperativo
explícito, até mesmo uma causa. Não discuta, fuja.
A palavra que Derbyshire enfatiza, em sua própria
penumbra de comentários e em escritos antecedentes, não é
‘fuga’ ou ‘pânico’, mas desespero. Quando perguntado pelo
blogueiro Vox Day se ele concordava que a ‘race card’
(‘carta da raça’) havia se tornado menos intimidadora ao
longo das últimas duas décadas, Derbyshire responde:
Um [fator], sobre o qual eu já escrevi mais de
uma vez, eu acho, nos Estados Unidos, é
simplesmente o desespero. Eu tenho uma certa
idade e eu estava por aí 50 anos atrás. Eu lia os
jornais e seguia o eventos mundiais e lembro do
movimento dos direitos civis. Eu estava na
Inglaterra, mas nós o acompanhávamos. Eu
lembro dele, lembro do que sentíamos sobre ele
e do que as pessoas estavam escrevendo sobre
ele. Tinha muita esperança. A ideia na mente de
todo mundo era que, se derrubássemos essas leis
injustas e baníssemos toda essa discriminação,
então seríamos curados. Então a América seria
restaurada. Depois de um período intermediário
de alguns anos, quem sabe, talvez 20 anos, com
uma mão de coisas como a ação afirmativa, a
América negra simplesmente se fundirá à
população geral e a coisa toda simplesmente irá
embora. Isso é o que todo mundo acreditava.
Todo mundo pensava isso. E não aconteceu.

80
Aqui estamos, 50 anos mais tarde, e ainda temos
essas tremendas disparidades de taxas de
crimes, realizações educacionais e assim por
diante. E eu acho que, embora eles ainda
estejam declamando as banalidades, os
americanos, em seus corações, sentem um tipo
de desespero frio sobre isso. Eles sentem que
Thomas Jefferson provavelmente estava certo e
que não podemos viver juntos em harmonia.
Acho que é por isso que você vê esse lento
desagregamento étnico. Temos um sistema
escolar muito segregado agora. Existem escolas
a 10 milhas de onde estou sentado que são 98
por cento minorias. Na habitação residencial
também é a mesma coisa. Então, eu acho que há
um desespero frio e sombrio, à espreita no
coração coletiva do América, sobre toda essa
coisa.

Esta é uma versão da realidade que poucos querem ouvir.


Como Derbyshire reconhece, os americanos são um povo
predominantemente cristão, otimista, ‘dá pra fazer’, cujo
‘coração coletivo’ é incomumente mal-adaptado a um
abandono da esperança. Esse é um país culturalmente
programado para interpretar o desespero não meramente
como erro ou fraqueza, mas como um pecado. Ninguém
que entenda isto poderia ficar remotamente surpreso de
encontrar o fatalismo hereditário desolador sendo rejeitado
– tipicamente com hostilidade veemente – não apenas por
progressistas, mas também pela esmagadora maioria dos

81
conservadores. Na NRO, Andrew C. McCarthy sem dúvida
falou por muitos ao observar:
Há um mundo de diferença, no entanto, entre a
necessidade de ser capaz de discutir fatos
desconfortáveis sobre QI e encarceramento, por
um lado, e, por outro, insistir na raça como um
fundamento para se abandonar a caridade cristã
básica.

Outros foram muito além. No Examiner, James Gibson


aproveitou “a torpe arenga racista de John Derbyshire”
como uma oportunidade para ensinar uma lição mais ampla
– “o perigo do conservadorismo divorciado do
cristianismo”:
…uma vez que Derbyshire não acredita “que
Jesus de Nazaré era divino …e que a
Ressurreição foi um evento real”, ele não pode
compreender o grande mistério da Encarnação,
através da qual o Divino verdadeiramente
assumiu carne humana na pessoa de Jesus de
Nazaré e sofreu a morte nas mãos de uma
humanidade caída, a fim de redimir essa
humanidade de seu estado de queda.

Nisto jaz o perigo de uma filosofia sociopolítica


conservadora divorciada de uma robusta fé
cristã. Ela se torna uma ideologia morta,
produzindo uma visão da humanidade que é
tóxica, fatalista e (como Derbyshire prova de
maneira abundante) pouco caridosa.

82
Foi, claro, na esquerda que os fogos de artifício realmente
acenderam. Elspeth Reeve, no Atlantic Wire afirmou que
Derbyshire se agarrara à sua relação com a National Review
porque estava oferecendo aos “leitores menos iluminados”
da revista o que eles queriam: “estereótipos raciais
datados”. Assim como Gibson na direita, ela estava
interessada em que as pessoas aprendessem uma lição mais
ampla: não pense, nem por um minuto, que isto acaba em
Derbyshire. (Vale a pena notar a seção de comentários
incrivelmente pouco cooperativa de seu artigo.)
Na Gawker, Louis Peitzman diminui a qualidade (na
direção aprovada) ao descrever a “horrível diatribe” de
Derbyshire como “o artigo mais racista possível”, um
julgamento que denuncia extrema ignorância histórica, uma
vida protegida, inocência incomum e uma falta de
imaginação, assim como faz o artigo soar bem mais
interessante do que realmente é. Os comentadores de
Peitzman são impecavelmente liberais e, claro, estão
uniformemente, completamente, chocantemente assustados
(ao ponto de um orgasmo). Para além do emocionar,
Peitzman não oferece muito conteúdo, com exceção apenas
de um pouco mais de emocionar – desta vez uma leve
satisfação misturada com uma raiva residual – com as
notícias de que a punição de Derbyshire havia pelo menos
começado (“um passo na direção certa”) com seu
“enxotamento” da National Review.

83
Joanna Schroeder (escrevendo em algo chamado Good Feel
Blog) buscou estender o expurgo para além de Derbyshire,
para incluir qualquer um que ainda não tenha irrompido em
paroxismos suficientemente melodramáticos de indignação,
a começar com David Weigel na Slate (que ela não conhece
“na vida real, mas, ao ler este artigo, parece que você bem
poderia ser um racista, cara”). “Há tantas… referências
racistas e desumanizantes a pessoas negras no artigo de
Derbyshire que eu tenho que me parar aqui, antes que
reconte a coisa toda, ponto a ponto, fumegante de raiva”,
ela compartilha. Ao contrário de Peitzman, contudo, pelo
menos Schroeder tem um ponto – a dialética do terror racial
– “…propagar a ideia de que deveríamos ter medo de
homens negros, de pessoas negras em geral, torna este
mundo perigoso para americanos inocentes”. Seu medo o
torna assustador (embora aparentemente não com
reciprocidade legítima).
Quanto a Weigel, ele entende o terror bem e arduamente.
Em poucas horas, ele está de volta ao teclado, se
desculpando por sua despreocupação anterior e pelo fato de
que ele “acabou nunca dizendo o óbvio: Povo, o ensaio era
repugnante”.
Então, o que Derbyshire realmente disse, de onde isso veio
e o que isso significa para a política americana (e além)?
Esta sub-série penteará por entre o espectro, da esquerda à
direita, em busca de sugestões, com o pânico / desespero

84
‘branco’ socio-geograficamente manifesto como uma linha
guia…
A seguir: O Ecstasy Liberal

85
86
O Iluminismo Sombrio, Parte 4b
Parte 4b: Observações Desagradáveis
Embora famílias negras e pais de garotos não
sejam os únicos que se preocupam com a
segurança dos adolescentes, Tillman, Brown e
outros pais dizem que criar garotos negros é
talvez o aspecto mais estressantes de ser pai,
porque estão lidando com uma sociedade é
temerosa e hostil em relação a eles,
simplesmente por causa da cor de sua pele.

“Não acredita? Fique um dia em meu lugar”,


disse Brown.

Brown disse que, aos 14, seu filho está naquela


idade crítica em que ele está sempre
preocupado com sua segurança por causa da
criação de perfis.

“Eu não quero assustá-lo ou fazê-lo


generalizar as pessoas, mas, historicamente,
nós homens negros temos sido estigmatizados
como os perpetradores de crimes e, onde quer
que estejamos, somos suspeitos”, disse Brown.

Pais negros que não deixam esse fato claro, ele


e outros disseram, o fazem arriscando seus
filhos.

“Qualquer pai afro-americano que não esteja

87
tendo essa conversa está sendo irresponsável”,
Brown disse. “Eu vejo toda esta coisa como
uma oportunidade para falarmos francamente,
abertamente e honestamente sobre relações
raciais.”
– Gracie Bonds Staples (Star-Telegram)

Quando as comunidades resistem a um influxo


de titulares de vales-habitação do Seção 8
vindos do centro da cidade, digamos, eles estão
reagindo esmagadoramente a comportamentos.
A cor da pele é um indicador desse
comportamento. Se os negros do centro da
cidade se comportassem como Asiáticos –
amontoando tanto conhecimento em seus filhos
quanto eles conseguem colocar em seus crânios
– a cautela persistente em relação aos negros
de renda mais baixa que muitos americanos
inquestionavelmente nutrem desapareceriam.
Existem racistas irremediáveis entre os
americanos? Por certo. Eles vêm em todas as
cores, e deveríamos deplorar todos eles. Mas a
questão da raça nos Estados Unidos é mais
complexa do que a companhia educada
geralmente tem permissão de expressar.
– Heather Mac Donald (City Journal)

“Vamos falar sobre o elefante na sala. Eu sou


negra, OK?” disse a mulher, recusando-se a se
identificar porque antecipou uma reação devido
à sua raça. Ela se inclinou para olhar para o
repórter direto nos olhos. “Haviam garotos

88
negros roubando casas nesta vizinhança”, ela
disse. “É por isto que George suspeitou de
Trayvon Martin.”
— Chris Francescani (Reuters)

“Em suma, a dialética pode ser definida como a doutrina da


unidade dos opostos. Isto incorpora a essência da dialética”,
Lenin observa, “mas isso requer explicações e
desenvolvimento”. Isto é: mais discussão.
A sublimação (Aufhebung) do Marxismo no Leninismo é
uma eventualidade que é melhor compreendida de maneira
crua. Ao forjar um política comunista revolucionária de
ampla aplicação, quase inteiramente divorciada das
condições materiais maduras ou das contradições sociais
avançadas que foram anteriormente antecipadas, Lenin
demonstrou que a tensão dialética coincidia,
exaustivamente, com sua politização (e que toda referência
a uma ‘dialética da natureza’ não é mais do que uma
subordinação retrospectiva do domínio científico a um
modelo político). Dialéticas são tão reais quanto são feitas
ser.
A dialética começa com uma agitação política e não se
estende para além de sua ‘lógica’ prática, antagonista,
faccional e de coalizão. Ela é a ‘superestrutura’ por si só, ou
contra a limitação natural, apropriando-se de maneira
prática da esfera política, em sua extensão inteligível mais
ampla, como uma plataforma para a dominação social.

89
Onde quer que haja discussão, há uma oportunidade não
resolvida para governar.
A Catedral encarna estas lições. Ela não tem qualquer
necessidade de esposar o Leninismo, ou dialética
operacional comunista, porque não reconhece nada mais.
Dificilmente há um fragmento da ‘superestrutura’ social que
tenha escapado da reconstrução dialética através de
antagonismo articulado, polarização, estruturação binária e
reversão. Dentro da academia, da mídia e mesmo das belas
artes, a super-saturação política prevaleceu, identificando
mesmo os elementos mais minúsculos da apreensão com
uma ‘crítica social’ conflituosa e com a teologia igualitária.
O comunismo é a implicação universal.
Mais dialética é mais política, e mais política significa
‘progresso’ – ou migração social para a esquerda. A
produção de concordância pública leva apenas em uma
direção e, dentro da discordância pública, tal ímpeto já
existe em embrião. É apenas na ausência de concordância
e de uma discordância publicamente articulada, ou seja, na
não-dialética, no não-argumento, na diversidade sub-
política ou iniciativa politicamente descoordenada que o
refúgio ‘direitista’ da ‘economia’ (e, de maneira mais
ampla, da sociedade civil) será encontrado.
Quando nenhuma concordância é necessária ou
coercitivamente exigida, a liberdade negativa (ou
‘libertária’) ainda é possível, e este ‘outro’ não

90
argumentativo da dialética é facilmente formulado (mesmo
que, em uma sociedade livre, ele não precise ser): Faça
suas próprias coisas. Bastante claramente, este imperativo
irresponsável e negligente é politicamente intolerável. Ele
coincide exatamente com a depressão esquerdista,
retrocesso ou despolitização. Nada clama mais
urgentemente por ser contra argumentado.
No extremo oposto está o êxtase dialético da justiça teatral,
na qual a estrutura argumentativa dos procedimentos legais
é associada à divulgação por meio da mídia. O entusiasmo
dialético encontra sua expressão definitiva em um drama de
tribunal que combina advogados, jornalistas, ativistas
comunitários e outros agentes da superestrutura
revolucionária na produção de um julgamento-show.
Contradições sociais são encenadas, casos antagonistas
articulados, e uma resolução, institucionalmente esperada.
Isto é Hegel para o horário nobre da televisão (e agora para
a Internet). É a maneira em que a Catedral compartilha sua
mensagem com as pessoas.
Às vezes, em suas paixão impaciente pelo progresso, essa
mensagem pode tropeçar em si mesma, porque, muito
embora os agentes da Catedral sejam
infinitamente razoáveis, eles são cada vez menos sensatos,
muitas vezes surpreendentemente incompetentes, e estão
propensos a cometer erros. Isto deve ser esperado com
bases teológicas. Conforme o estado se torna Deus, ele se

91
degenera em imbecilidade, no modelo do santo tolo. A
política midiática do espetáculo de Trayvon Martin fornece
um exemplo pertinente.
Nos Estados Unidos, como em qualquer outro país grande,
muitas coisas acontecem todos os dias, exibindo inúmeros
padrões de obscuridade variante. Por exemplo, em um dia
médio, há aproximadamente 3400 crimes violentos,
incluindo 40 assassinatos, 230 estupros, 1000 assaltos e
2100 agressões agravadas, ao lado de 25.000 crimes não
violentos de propriedade (roubos e furtos). Muito poucos
destes serão amplamente divulgados ou aproveitados como
educacionais, exemplares e representativos. Mesmo que a
mídia não estivesse inclinada a uma seleção baseada em
narrativa das ‘boas estórias’, o simples volume de
incidentes compeliria a algo do tipo. Dada esta situação, é
quase inevitável que as pessoas perguntem: Por que estão
nos contando isto?
Quase tudo sobre a morte de Trayvon Martin é controverso,
exceto pela motivação da mídia. Sobre este tópico, há quase
uma unanimidade. O significado ou mensagem pretendida
da estória do caso dificilmente poderia ter sido mais
transparente: A paranoia racista branca torna a América
perigosa para pessoas negras. Ele assim ensaiaria a
dialética do terror racial (seu medo é assustador), feita –
como sempre – para converter o pesadelo social recíproco
da América em uma peça de moralidade unilateral,

92
alocando o pavor legítimo exclusivamente a um lado da
divisão racial principal do país. Parecia perfeito. Um
vigilante branco malignamente enganado atira em uma
criança negra inocente, justificando o medo negro (‘a
conversa’) enquanto expõe o pânico branco como um
psicose assassina. Esta é uma estória de tamanho
significado arquetípico progressista que não pode ser
contada vezes demais. Na verdade, é boa demais para ser
verdadeira.
Logo se tornou evidente, contudo, que a seleção da mídia –
mesmo quando reforçada pela máquina de raiva de
celebridades / ‘ativistas comunitários’ – não fora suficiente
para manter a estória no script, e ambos os atores principais
estavam se distanciando de seus papeis atribuídos. Se os
estereótipos endossados pelos progressistas devessem ser
sequer remotamente preservados, uma vigorosa edição seria
exigida. Isso foi especialmente necessário porque certos
leitores maus, racistas e preconceituosos do Miami
Herald estavam começando a forjar uma conexão mental
destruidora de narrativas entre ‘Trayvon Martin’ e
‘ferramenta de assalto’.
Quanto ao assassino, George Zimmerman, o nome dizia
tudo. Ele claramente iria ser um cara pálida, desajeitado,
parecido com um storm-trooper, com esperança algum tipo
de cristão louco por armas e, talvez – se eles realmente
achassem ouro, – um tipo dos movimentos de milícia, com

93
um histórico de homofobia e ativismo anti-aborto. Ele
começou ‘branco’ – por nenhuma razão óbvia além da
incompetência midiática e da programação narrativa – e
depois se viu transformado em um ‘hispânico branco’ (uma
categoria que parece ter sido rapidamente inovada no
momento), antes de ser gradualmente deslocado ao longo de
uma série de complicações étnicas cada vez mais
compatíveis com a realidade, culminando na descoberta de
seu bisavô afro-peruano.
No coração da Catedral, estava bem na hora de coçar a
cabeça. Aqui estava o grande réu amerikkkano, sendo
preparado para seu julgamento-show, o Presidente havia
contribuído emocionalmente em nome da sagrada vítima, e
o jogo coordenado no solo havia sido avançado à beira
fervilhante de revoltas raciais, quando a mensagem
começou a cair aos pedaços, em tal medida que agora
ameaçava a se degenerar em um caso irritantemente
irrelevante de violência de negros contra negros. Não era
apenas que George Zimmerman tinha uma ancestralidade
negra – o que o tornava simplesmente ‘negro’ pelos padrões
construtivistas sociais da própria esquerda – ele também
havia crescido amigavelmente entre pessoas negras, com
duas garotas afro-americanas como “parte do lar por anos”,
havia entrado em um empreendimento em conjunto com um
parceiro negro, era um democrata registrado e até mesmo
algum tipo de ‘organizador comunitário’…

94
Então, por que Martin morreu? Foi por carregar chá gelado
e um pacote de Skittles sendo negro (a versão ‘poderia ter
sido o Obama filho’, aprovada pela mídia e por ativistas
comunitários), por ir verificar alvos de assaltos (a versão do
perfilamento racial kluxer) ou por quebrar o nariz de
Zimmerman, derruba-lo, sentar em cima dele e golpear sua
cabeça repetidamente contra o calçada (a ser decidido no
tribunal)? Ele era um mártir da injustiça racial, um predador
social de baixo nível ou um sintoma humano da crise
urbana americana? A única coisa que estava realmente clara
quando os procedimentos legais começaram, além da
tristeza esquálida do episódio, era que ele não estava
resolvendo nada.
Para uma sensação do quão desconcertantemente a lição
aprovada havia se desintegrado no momento em que
Zimmerman foi acusado de assassinato em segundo grau, só
é necessário ler este post do blogueiro BDH oneSTDV, que
descreve os distúrbios dialéticos da direita guerreira racial.
Apesar da natureza perturbadora das
“acusações” contra Zimmerman, muitos da alt-
right recusam conceder a Zimmerman qualquer
simpatia ou sequer ver isto como um momento
seminal no reino anarco-tirano do esquerdismo
moderno. De acordo com estes indivíduos, os
mestiço, falante de espanhol e democrata
registrado, recebeu o que estava em seu
caminho – a ira da multidão negra e da elite de
esquerda indiretamente apoiada pelo próprio

95
Zimmerman. Devido ao seu histórico de
votação, antecedentes multiculturais e tutelagem
de jovens de minorias, eles vêem Zimmerman
como emblemático do ataque da esquerda à
América branca, um tipo de soldado na
campanha contra a brancura americana.
[Negrito no original]

A política popular do politicamente correto estava pronta


para seguir adiante. Com o grande julgamento-show
colapsando em desordem narrativa, era hora de refocar na
Mensagem, que se danem os fatos (que se danem
duplamente). ‘Jezebel‘ melhor exemplifica o tom
ameaçador e vagamente histérico:
Você sabe como dizer se as pessoas negras
ainda são oprimidas? Porque as pessoas negras
ainda são oprimidas. Se você alega que você
não é uma pessoa racista (ou, pelo menos, que
você está comprometido em trabalhar para
caralho para não ser uma – o que, na verdade, é
o melhor que qualquer um nós pode prometer),
então você tem que acreditar que as pessoas são
fundamentalmente nascidas iguais. Logo, se
isso é verdade, então, em um vácuo, fatores
como cor da pele não deveriam ter nenhum
efeito sobre o sucesso de ninguém. Certo? E,
portanto, se você realmente acredita que todas
as pessoas são criadas iguais, então, quando
você vê que desigualdades raciais drásticas
existem no mundo real, a única coisa que você
poderia concluir é que alguma força externa

96
está segurando algumas pessoas. Como… o
racismo. Certo? Então, parabéns. Você acredita
em racismo! A menos que você não acredite
realmente que as pessoas nasçam iguais. E, se
você não acredita que as pessoas nascem iguais,
então você é a p**** de um racista.

Alguém “realmente acredita que as pessoas nascem iguais”,


da maneira que se entende isso aqui? Acredita, isto é, não
apenas que uma expectativa formal de tratamento igual é
um pré-requisito da interação civilizada, mas que qualquer
desvio revelado da igualdade substancial de resultado é uma
indicação óbvia e inequívoca de opressão? Que isso é “a
unica coisa que você poderia concluir”?
No mínimo, Jezebel poderia ser parabenizada por expressar
a fé progressista em sua forma mais pura, inteiramente
descontaminada de sensibilidade à evidência ou à incerteza
de qualquer tipo, casualmente desdenhosa de qualquer
pesquisa relevante – quer existente ou meramente
concebível – e supremamente confiante sobre sua própria
invencibilidade moral. Se os fatos estão moralmente
errados, tanto pior para os fatos – está é a única posição que
poderia ser adotada, mesmo se for embasada em uma
mistura de pensamento desejoso, ignorância deliberada e
mentiras insultantemente infantis.
Chamar a crença na igualdade substancial humana de
superstição é insultar a superstição. Pode ser injustificado

97
acreditar em leprechauns, mas pelo menos a pessoa que
mantém tal crença não está assistindo-os não existir, a cada
hora de vigília do dia. A desigualdade humana, em contraste
e em toda a sua multiplicidade abundante, está
constantemente em exposição, conforme as pessoas exibem
suas variações em gênero, etnia, atratividade física,
tamanho e forma, força, saúde, agilidade, charme, humor,
sagacidade, diligência e sociabilidade, ente outras inúmeras
características, traços, habilidades e aspectos de sua
personalidade, algumas de forma imediata e conspícua,
algumas apenas lentamente, ao longo do tempo. Absorver
mesmo a mais mínima fração disso tudo e concluir, da única
maneira possível, que ou não é nada em absoluto, ou que é
um ‘construto social’ e um índice de opressão, é puro
delírio Gnóstico: um comprometimento, para além de toda
evidência, com a existência de um mundo verdadeiro e
bom, velado pelas aparências. As pessoas não são iguais,
elas não se desenvolvem igualmente, suas metas e
realizações não são iguais, e nada pode torná-las iguais. A
igualdade substancial não tem qualquer relação com a
realidade, exceto enquanto sua negação sistemática.
Violência em uma escala genocida é necessária para sequer
se aproximar do programa igualitário prático e, se qualquer
coisa menos ambiciosa for tentada, as pessoas a contornam
(algumas de maneira mais competente que as outras).
Para tomar apenas o exemplo mais óbvio, qualquer um com
mais do que um filho sabe que ninguém nasce

98
igual (exceto, talvez, gêmeos monozigóticos e clones). Na
verdade, todo mundo nasce diferente, de inúmeras
maneiras. Mesmo quando, – como normalmente é o caso –
as implicações dessas diferenças para os resultados da vida
são difíceis de prever com confiança, sua existência é
inegável ou, pelo menos: sinceramente inegáveis. Claro,
sinceridade, ou mesmo uma coerência cognitiva mínima,
não é nem remotamente a questão aqui. A posição de
Jezebel, embora impecável em sua correção política, não é
apenas factualmente duvidosa, mas sim risivelmente
absurda e, na verdade – estritamente falando – insana. Ela
dogmatiza um negação da realidade tão extrema que
ninguém poderia genuinamente manter, ou sequer entretê-
la, muito menos plausivelmente explicá-la ou defendê-la.
Ela é um princípio de fé que não pode ser entendido, mas
apenas afirmado ou aceito, como loucura tornada lei, ou
religião autoritária.
O mandamento político desta religião é transparente: Aceite
a política social progressista como a única solução
possível para o pecado problema da desigualdade. Este
comando é um ‘imperativo categórico’ – nenhum fato
possível jamais poderia miná-lo, complicá-lo ou revisá-lo.
Se a política social progressista na verdade resultar em uma
exacerbação do problema, a realidade ‘caída’ deve ser
culpada, uma vez que o mal social é obviamente pior do que
se vislumbrara anteriormente e apenas esforços redobrados
na mesma direção podem esperar remediá-lo. Não pode

99
haver nada a se aprender em questão de fé. Eventualmente,
o colapso social sistemático ensina a lição que a falha
crônica e a deterioração incremental não puderam
comunicar. (Isso é o darwinismo social em escala macro
para principiantes, e é a maneira em que a civilização
acaba.)
Devido a sua excepcional correlação com uma variação
substancial nos resultados sociais nas sociedades modernas,
de longe a dimensão mais problemática da biodiversidade
humana é a inteligência ou capacidade geral de resolução de
problemas, quantificada como QI (que mede o ‘g’ de
Spearman). Quando o ‘senso comum estatístico’ ou
perfilamento é aplicado aos proponentes da Bio-
Diversidade Humana, contudo, um outro traço significativo
rapidamente é exposto: um déficit notavelmente consistente
de condescendência. De fato, é amplamente aceito dentro
da própria ‘comunidade’ amaldiçoada que a maior parte
daqueles teimosos e esquisitos o suficiente para se
educarem sobre o tópico da variação biológica humana são
significantemente ‘retardados socialmente‘, com baixa
inibição verbal, baixa empatia e baixa integração social, o
que resulta em má adaptação crônica às expectativas do
grupo. Os EQs típicos deste grupo podem ser extraídos
como a raiz quadrada aproximada de seus QIs. Um autismo
moderado é típico, suficiente para aproximar seus
companheiros em um espírito de curiosidade natural-
científica desprendida, mas não tão avançado ao ponto de

100
compelir um desengajamento cósmico total. Estes traços,
que eles próprios consideram – com base na copiosa
informação técnica – como sendo substancialmente
herdáveis, têm consequências sociais manifestas, que
reduzem oportunidades de emprego, rendas e mesmo
potencial reprodutivo. A despeito de todo o conselho
terapêutico gratuito disponível no ambiente progressista,
esta desagradabilidade não demonstra qualquer sinal de
estar diminuindo e pode mesmo estar se intensificando.
Como Jezebel mostra tão claramente, isto só pode ser um
signal de opressão estrutural. Por que as pessoas
desagradáveis não podem ter uma pausa?
A história é condenadora. Os ‘sociáveis’ sempre tiveram um
rancor pelos desagradáveis, frequentemente declinando se
casar ou fazer negócios com eles, os excluindo das
atividades do grupo e de cargos políticos, os rotulando com
insultos, os ostracizando e evitando. A ‘desagradabilidade’
foi estigmatizada e estereotipada em termos extremamente
negativos, em tal medida que muitos dos desagradáveis
buscaram rótulos mais sensíveis, tais como ‘deficientes
sociais’, ou ‘sócioatípicos’. Não raro, pessoas foram verbal
ou mesmo fisicamente agredidas por nenhuma outra razão
além de sua desagradabilidade radical. Mais trágico de tudo,
devido à sua completa incapacidade de se relacionarem uns
com os outros, os desagradáveis nunca foram capazes de se
mobilizar politicamente contra a opressão social estrutural
que enfrentam ou de entrar em coalizações com seus aliados

101
naturais, tais como cínicos, refutadores, contrarianistas e
aqueles que sofrem com síndrome de Tourette. A
desagradabilidade ainda tem que ser libertada, embora seja
provável que a Internet ‘ajude’…
Considere o ensaio em infâmia de John Derbyshire, The
Talk: Nonblack Version, que foca inicialmente em sua
implacável desagradabilidade e está atento à correlação
negativa entre sociabilidade e razão objetiva. Como
Derbyshire observa em outros lugares, as pessoas
geralmente são incapazes de se diferenciar de suas
identidade de grupo ou de aplicar apropriadamente
generalizações estatísticas sobre grupos a casos individuais,
incluindo os seus próprios. Um reificação racionalmente
indefensável, mas socialmente inevitável, dos perfis de
grupo é psicologicamente normal – até mesmo ‘humana’ –
com o resultado de que informação estatística ruidosa e não
específica é erroneamente aceita como uma contribuição
para o auto-entendimento, mesmo quando informações
específicas estão disponíveis.
Da perspectiva da análise racional socialmente autista e de
baixo QE, isto está simplesmente equivocado. Se um
indivíduo tem certas características, o fato de pertencer a
um grupo que tem características médias similares ou
dissimilares não tem qualquer relevância que seja.
Informações diretas e determinadas sobre o indivíduo não
são, em nenhum grau, enriquecidas por informações

102
indiretas e indeterminadas (probabilísticas) sobre os grupos
aos quais o indivíduo pertence. Se os resultados individuais
de um teste são conhecidos, por exemplo, nenhuma
compreensão adicional é fornecida por inferências
estatísticas sobre os resultados do teste que poderiam ter
sido esperados com base no perfilamento do grupo. Um
judeu asquenaze imbecil não é menos imbecil porque ele é
um judeu asquenaze. É pouco provável que freiras chinesas
idosas sejam assassinas, mas uma assassina que ocorra de
ser um freira chinesa idosa não é nem mais nem menos
assassina do que uma que não o seja. Isto é tudo
extremamente óbvio, para as pessoas desagradáveis.
Para as pessoas normais, contudo, não é óbvio de maneira
alguma. Em parte, isto é porque a inteligência racional é
escassa e anormal entre humanos e, em parte, porque a
‘inteligência’ social funciona com o que o resto das pessoas
está pensando, ou seja, com um sentimento irracional de
grupo, pouca informação, preconceitos, estereótipos e
heurística. Uma vez que (quase) todas as outras pessoas
estão tomando atalhos, ou ‘economizando’ razão, é apenas
racional reagir defensivamente a generalizações que
provavelmente serão reificadas ou inapropriadamente
aplicadas – superando ou substituindo percepções
específicas. Qualquer um que antecipe ser predefinido
através de um identidade de grupo tem um ego-
investimento expandido naquele grupo e na maneira em que
ele é percebido. Uma avaliação genérica, por mais

103
objetivamente que tenha sido alcançada, se tornará
imediatamente pessoal, sob condições (mesmo bastante
remotamente) normais.
A razão desagradável pode teimosamente insistir que
qualquer coisa na média não pode ser sobre você, mas a
mensagem não será, em geral, recebida. A ‘inteligência’
social humana não é construída dessa maneira. Mesmo
comentadores supostamente sofisticados tropeçam
repetidamente nas exibições mais chocantes de
incompreensão estatística, sem o menor embaraço, porque o
embaraço foi feito para alguma outra coisa (e quase
exatamente para o oposto). A falha em entender estereótipos
em sua aplicação científica ou probabilística é um pré-
requisito funcional da sociabilidade, uma vez que a única
alternativa à idiotice, neste aspecto, é a desagradabilidade.
O artigo de Derbyshire é digno de nota porque é bem
sucedido em ser definitivamente desagradável e tem sido
reconhecido como tal, apesar da incoerência espumante da
maioria das réplicas. Entre as coisas que ‘a conversa’ e ‘a
contra-conversa’ compartilham está uma estrutura teatral de
conversação pseudo-privada feita para ser ouvida. Em
ambos os casos, uma mensagem que pais são compelidos a
entregar a seus filhos é encenada como o veículo de uma
lição social mais ampla, visando aqueles que, por ação ou
inação, criaram um mundo que é intoleravelmente perigoso
para eles.

104
Esta forma é intrinsecamente manipuladora, o que torna
mesmo a conversa ‘original’ um alvo tentador de paródias.
No original, contudo, um tom de sinceridade angustiada é
projetado através de uma performance deliberada de
inocência (ou ignorância). Ouça filho, eu sei que isso vai ser
difícil de entender… (Ó, por quê, por que estão fazendo
isto conosco?). A contra-conversa, em forte contraste, funde
seu drama microssocial com o discuso clinicamente não-
sociável de “pesquisas metódicas nas ciências humanas” –
tratando populações como unidades biogeográficas vagas
com características quantificáveis, em vez de como sujeitos
jurídico-políticos em comunicação. Ela ridiculariza a
inocência e – por implicação – o critério da própria
sociabilidade. Concordância, condescendência, não contam
para nada. As estatísticas rigorosa e redundantemente
compiladas dizem o que dizem e, se não conseguimos viver
com isso, tanto pior para nós.
Ainda assim, mesmo para uma leitura razoavelmente
simpática, ou escrupulosamente desagradável, o artigo de
Derbyshire fornece bases para críticas. Por exemplo, e
desde o começo, é notável que o recíproco racial de
“americanos não-negros” é “americanos negros”, e não
“negros americanos” (o termos que Derbyshire seleciona).
Esta inversão da ordem das palavras, trocando substantivos
e adjetivos, rapidamente se assenta em um padrão. Tem
importância que Derbyshire exija a extensão da civilidade
para qualquer “negro individual” (em vez de aos

105
‘indivíduos negros’)? Certamente faz diferença. Dizer que
alguém é ‘negro’ é dizer algo sobre ela, mas dizer que
alguém é ‘um negro’ é dizer quem ela é. O efeito é
sutilmente, mas distintivamente, ameaçador, e Derbyshire é
bem treinado demais, algebraicamente, para ser desculpado
de observar isso. Afinal, ‘John Derbyshire é um branco’ soa
igualmente estranho, assim como o faz qualquer formulação
análoga, que submerge o indivíduo no gênero, a ser
recuperado como uma mera instância ou exemplo.
O aspecto mais intelectualmente substantivo deste logro de
incivilidade gratuita foi examinado por William Saletan e
Noah Millman, que fizeram pontos muito similares, dos
dois lados da divisa liberal/conservador. Ambos os autores
identificam um fissura ou incongruência metódica no artigo
de Derbyshire, decorrente de seu comprometimento com a
aplicação microssocial de generalizações estatísticas
macrossociais. Estereótipos, por mais rigorosamente
confirmados que sejam, são essencialmente inferiores ao
conhecimento específico em qualquer situação social
concreta, porque ninguém nunca encontra uma população.
Como um liberal de posições problemáticas, Saletan não
tem escolha alguma além de recuar melodramaticamente
das “conclusões de revirar o estômago” de Derbyshire, mas
suas razões para fazê-lo não são consumadas por suas crise
gastro-emocional. “Mas o quê, exatamente, é uma verdade
estatística?” ele pergunta. “É uma estimativa de

106
probabilidade a que você pode recorrer se você não souber
nada sobre [um indivíduo em particular]. É o substituto
fraco de uma pessoa ignorante para o conhecimento.”
Derbyshire, com sua atenção de Aspergers à ausência de
vencedores negros da Fields Medal, é “…um nerd
matemático que substitui a inteligência social pela
inteligência estatística. Ele recomenda cálculos de grupo em
vez de se dar ao trabalho de aprender sobre a pessoas que
está na sua frente”.
Millman enfatiza a inversão irônica que transforma o
(desagradável) conhecimento científico social em
ignorância imperativa:
Os “realistas raciais” gostam de dizer que eles
são os que estão curiosos quanto ao mundo e
que os tipos “politicamente corretos” são os que
preferem ignorar a feia realidade. Mas o
conselho que Derbyshire dá a seus filhos os
encoraja a não serem curiosos demais sobre o
mundo a seu redor, por medo de se
machucarem. E, como regra geral, esse é
conselho terrível para crianças – e não é o
conselho que Derbyshire tem seguido em sua
própria vida.

A conclusão de Millman também é instrutiva:


Então, por que eu sequer estou argumentando
com Derb? Bem, porque ele é um amigo. E
porque mesmo conversas preguiçosas e

107
socialmente irresponsáveis precisam ser
refutadas, não meramente denunciadas. O artigo
de Derbyshire é racista? Claro que é racista.
Todo o seu ponto é que é tanto racional quanto
moralmente correto que seus filhos tratem
pessoas negras de maneira significativamente
diferente das pessoas brancas e tenham medo
delas. Mas “racista” é um termo descritivo, não
moral. A turma “realista racial” está fortemente
convencida da precisão das principais premissas
de Derbyshire, e eles não vão ser convencidos a
abandonar essa convicção pela afirmação de que
tal convicção é “racista” – tampouco,
honestamente, eles deveriam ser. Por esta razão,
eu sinto que é importante argumentar que as
conclusões de Derbyshire não se seguem, de
maneira simples, daquelas premissas e estão, na
verdade, moralmente incorretas, mesmo que
aquelas premissas sejam concedidas por bem do
argumento.

[Breve intervalo…]

108
O Iluminismo Sombrio, Parte 4c
Parte 4c: A Fábrica de Crackers
Em um certo sentido, viemos à capital de nossa
nação para trocar um cheque. Quando os
arquitetos de nossa república escreveram as
magníficas palavras da Constituição e da
Declaração de Independência, eles estavam
assinando uma nota promissória da qual todo
americano seria herdeiro. Esta nota era uma
promessa de que todos os homens – sim,
homens negros tanto quanto homens brancos –
teriam garantidos os direitos inalienáveis da
vida, da liberdade e da busca pela felicidade. É
óbvio hoje que a América deu um calote nessa
nota promissória, naquilo que concerne seus
cidadãos de cor. Em vez de honrar essa
obrigação sagrada, a América deu às pessoas
Negras um cheque ruim, um cheque que voltou
marcado “fundos insuficientes”.
– Martin Luther King Jr.

O conservadorismo… é um movimento de
pessoas brancas, não obstante uma dispersão
de discrepantes. Sempre foi, sempre será. Eu já
participei de pelo menos uma centena de
encontros, conferências, cruzeiros e
comemorações conservadoras: deixe eu lhe
contar, não há muitas passas nesse pão. Eu
entrei e saí dos escritórios da National Review
por doze anos e a única pessoa negra que via

109
lá, além de quando Herman Cain vinha chamar,
era Alex, o cara que operava a sala de
correspondência. (Ei, Alex!)
Isso não é porque o conservadorismo é hostil a
negros e mestiços. Muito pelo contrário,
especialmente no caso do Conservadorismo
S/A. Eles bajulam o ocasional não-branco com
uma deferência de filhote que, honestamente,
enevoa o ar com embaraço. (P: Como você
chama o cara negro num encontro de 1000
Republicanos? R: “Sr. Presidente.”)
É só que os ideais conservadores como
autossuficiência e dependência mínima do
governo não têm qualquer apelo com as
minorias com baixo desempenho – grupos que,
na generalidade estatística, estão aquém dos
atributos que contribuem para o sucesso do
grupo em uma nação comercial moderna.
De que lhes serviria adotar tais ideais? Eles
acabariam ainda mais decisivamente reunidos
na parte de baixo da sociedade do que estão
atualmente.
Uma estratégia muito melhor para eles é se
aliar a tantos subgrupos descontentes de
brancos e asiáticos quanto conseguirem
(homossexuais, feministas, sindicatos de fim de
carreira), alcançar maiorias eleitorais e
instituir grandes governos redistributivistas
para lhes dar empregos de faz de conta e
transferir riqueza de grupos bem-sucedidos
para eles.
Que é o que, muito racional e sensatamente,

110
eles fazem.
– John Derbyshire

Neo-secessionistas estão em todo lugar ao


nosso redor… e a liberdade de expressão lhes
dá um cobertor confortável de proteção. Rick
Perry insinuando que o Texas poderia se
separar em vez de aderir à lei federal do
sistema de saúde, Todd Palin pertencendo a
uma associação política que advoga a secessão
do Alaska, e Sharron Angle falando sobre
‘remédio da segunda emenda’ para lidar com
disputas com autoridades federais são todos
exemplos de uma retórica secessionista
perigosa que permeia o discurso moderno. A
mídia foca nossa atenção em reencenadores da
Guerra Civil e picapes com bandeiras
confederadas esvoaçando sobre elas. Mas
figuras públicas são influenciadas também, por
acadêmicos que lutam para perpetuar um tipo
muito perigoso de revisionismo.
– Practically Historical

Afro-Americanos são a consciência do nosso


país.
– comentador ‘surfed’ no blog de Walter Russell
Mead (editado pela ortografia)

O ‘pecado original’ racial da América foi fundacional,


datando de antes do nascimento dos Estados Unidos, à
limpeza dos povos aborígenes pelos colonizadores europeus
e – de forma ainda mais saliente – à instituição da

111
escravidão. Esta é a história do Velho Testamento das
relações entre brancos e negros americanos, definida em
uma narrativa providencial de escapada do cativeiro, na
qual documentação factual e exortação moral estão
indissoluvelmente fundidas. A combinação de um abuso
social prolongado e intenso, em um padrão estabelecido
pela Torá, recapitulando o mito moral-político primordial da
tradição ocidental, instalou a estória de escravidão e
emancipação como o quadro insuperável da experiência
histórica americana: deixe meu povo ir.
‘Practically Historical’ (citado acima), cita Lincoln sobre a
Guerra Civil:
Ainda assim, se Deus quiser que continue até
que toda a riqueza pilhada pelos duzentos e
cinquenta anos de trabalho não recompensado
do escravo seja afundada e até que cada gota de
sangue extraída com o chicote seja pega por
uma outra extraída com a espada, como foi dito
três mil anos atrás, assim ainda deverá ser dito
“os julgamentos do Senhor são verdadeiros e
inteiramente justos”.

O Novo Testamento da raça na América foi escrito nos anos


1960, revisando e especificando o modelo. A combinação
do Movimento dos Direitos Civis, com a Lei de Imigração e
Nacionalidade de 1965 e a Estratégia Sulista Republicana
(apelar para brancos insatisfeitos nos estados da antiga
Confederação) forjou um identificação partidária entre

112
Negros e o Partido Democrata que equivalia a um
renascimento liberal-progressista, estabelecendo os termos
de uma polarização racial partidária que durou – e mesmo
se fortaleceu – ao longo das décadas subsequentes. Para um
movimento progressista comprometido por uma história de
racismo eugenista sistemático, e um Partido Democrata
tradicionalmente alinhado com obstinação sulista e com a
Ku Klux Klan, a era dos direitos civis apresentou uma
oportunidade de expiação, purificação ritual e redenção.
Reciprocamente, para o conservadorismo americano (e seu
veículo cada vez mais sem direção que era o Partido
Republicano), esta progressão significou uma morte
prolongada, por razões que continuam a eludi-lo. A Ideia da
América agora era inextricável de uma renúncia veemente
do passado e mesmo do presente, na medida em que o
passado ainda o moldava. Apenas uma ‘união cada vez mais
perfeita’ poderia se conformar a ela. No nível mais
superficial, as implicações partidárias mais amplas da nova
ordem eram inequívocas, em um país que estava se
tornando cada vez mais democrático e cada vez menos
republicano, com a soberania efetiva concentrada
nacionalmente no executivo, e a urgência moral de um
governo ativista instalada como um princípio de fé. Para o
que já havia se tornado a ‘Old Right’, não havia saída ou
retorno, porque o caminho para trás cruzava o horizonte de
eventos do movimento dos direitos civis, para dentro de
tratos de impossibilidade política cujo significado

113
derradeiro era escravidão.
A esquerda prospera na dialética, a direita perece através
dela. Na medida em que há uma lógica pura da política, ela
é essa. Uma consequência imediata (repetidamente
enfatizada por Mencius Moldbug) é que o progressismo não
tem inimigos à esquerda. Ele reconhece apenas idealistas,
cujo tempo ainda não chegou. Conflitos faccionais na
esquerda são politicamente dinâmicos, celebrados por seu
potencial motriz. O conservadorismo, em contraste, está
preso entre a cruz e a espada: espancado pela esquerda pelo
rolo compressor do estatismo pós-constitucional e agitado
pela ‘direita’ por tendências incoerentes que são tanto
inassimiláveis (ao mainstream) quanto muitas vezes
mutualmente incompatíveis, indo desde variedades
extremas (austro-libertárias) de defesas capitalistas laissez-
faire até estirpes de tradicionalismo social obstinado e
teologicamente fundamentado, ultra-nacionalismo ou
política identitária branca.
‘A direita’ não tem nenhuma unidade, real ou prospectiva e,
assim, não tem nenhuma definição simétrica àquela da
esquerda. É por esta razão que a dialética política (uma
tautologia) que gira em apenas uma direção,
previsivelmente, em direção à expansão do estado e a um
ideal igualitário substancial cada vez mais coercitivo. A
direita se move para o centro, e o centro se move para a
esquerda.

114
Independentemente das fantasias conservadoras
mainstream, o domínio liberal-progressista da providência
americana se tornou incontestável, dominado por uma
dialética racial que absorve contradições ilimitadas, ao
passo que posiciona a subclasse afro-americana como a
crítica encarnada da ordem social existente, o critério de
emancipação e o único caminho para a salvação coletiva.
Nenhuma estrutura alternativa de inteligibilidade histórica é
politicamente tolerável ou mesmo – estritamente falando –
imaginável, uma vez que a resistência à narrativa é anti-
americana, antissocial e (claro) racista, servindo apenas
para confirmar a existência de uma opressão racial
sistemática através da violência simbólica manifesta em sua
negação. Argumentar contra ela já é prová-la correta, ao
demonstrar concretamente as mesmas forças ignorantes de
atraso social que estão sendo verbalmente negadas. Ao
resistir à demanda por reeducação social orquestrada, os
boçais “amargurados” apenas demonstram o quando ainda
há a se fazer.
Em sua forma mais abstrata e abrangente, a dialética liberal-
progressista racial abole o seu exterior, junto com qualquer
possibilidade de uma consistência de princípios. Ela afirma
– a um e mesmo tempo – que a raça não existe e que sua
pseudo-existência socialmente construída é um instrumento
de violência interracial. O reconhecimento racial é tanto
obrigatório quanto proibido. Identidades raciais são
meticulosamente catalogadas para propósitos de remediação

115
social, detecção de crimes de ódio e estudos de impacto
desigual, que visam grupos para ‘discriminação positiva’,
‘ação afirmativa’ ou ‘promoção de diversidade’ (para listar
estes termos em sua ordem aproximada de substituição
histórica), mesmo enquanto são denunciadas como sem
sentido (pelas Nações Unidas, não menos) e descartadas
como estereótipos maliciosos, que não correspondem a nada
real. Sensibilidade racial extrema e dessensibilização racial
absoluta são exigidas simultaneamente. Raça é tudo e nada.
Não há saída.
O conservadorismo é dialeticamente incompetente por
definição e tão abjetamente sem noção que ele se imagina
sendo capaz de explorar essas contradições, ou – em sua
formulação iludida – dissonância cognitiva liberal. Os
conservadores que triunfantemente apontam tais
inconsistência parecem nunca ter passado os olhos na
produção de um programa contemporâneo de humanidades,
no qual grossas jangadas de vitimização internamente
conflitante são amavelmente tecidas a partir de queixas
incompatíveis, a fim de exultar na promessa progressista
radical de suas lamentações discordantes. A inconsistência é
combustível para a Catedral, exigindo argumentação ativista
e realizações cada vez mais elevadas de unidade. O debate
público integrador sempre movimenta as coisas para a
esquerda – isso poderia não parecer um ponto
especialmente difícil de se compreender, mas entendê-lo é
expor a futilidade fundamental do conservadorismo

116
mainstream, e isso não é do interesse de quase ninguém,
então não será entendido.
O conservadorismo é incapaz de uma dialética funcional, ou
contradição simultânea, mas isso não o impede de server ao
progresso (pelo contrário). Em vez de celebrar o poder da
inconsistência, ele tropeça por entre as contradições,
descomprimido, em sucessão, à maneira de uma exibição de
fósseis e de uma folha. Depois de “ficar na frente da
história, gritando ‘Pare!'” durante a Era dos Direitos Civis e,
assim, banindo-se eternamente à danação racial, o
mainstream conservador (e Republicano) reverteu o curso,
apoderando-se de Martin Luther King Jr como uma parte
integral de seu cânone e buscando se harmonizar com “um
sonho profundamente enraizado no senho americano”.
Eu tenho um sonho que um dia esta nação se
levantará e viverá o verdadeiro significado de
sua crença: “Consideramos estas verdades como
auto-evidentes, que todos os homens são criados
iguais”.

Eu tenho um sonho que um dia, nas colinas


vermelhas da Geórgia, os filhos dos
descendentes de escravos e os filhos dos
descendentes dos donos de escravos poderão se
sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no


estado de Mississippi, um estado que transpira
com o calor da injustiça, que transpira com o

117
calor de opressão, será transformado em um
oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas


crianças vão um dia viver em uma nação onde
elas não serão julgadas pela cor da pele, mas
pelo conteúdo de seu caráter.

Cativado pelo apelo de King ao tradicionalismo


constitucional e bíblico, por sua rejeição da violência
política e por seus hinos desinibidos à liberdade, o
conservadorismo americano gradualmente veio a se
identificar com seu sonho de reconciliação e cegueira racial
e a aceitá-lo como o significado verdadeiro e providencial
de seus próprios documentos mais sagrados. Pelo menos,
esta veio a ser a ortodoxia conservadora mainstream e
pública, muito embora ela tenha se consolidado tarde
demais para neutralizar suspeitas de insinceridade, falhado
quase inteiramente em convencer a própria demografia
negra e continuasse aberta a um escárnio escalante vindo da
esquerda por seu formalismo vazio.
Tão convincente foi a reafirmação de King do Credo
Americano que, em retrospectiva, seu triunfo sobre o
mainstream político parece simplesmente inevitável.
Quanto mais o conservadorismo americanos se afastou do
racionalismo maçônico dos fundadores, na direção da
religiosidade bíblica, tanto mais indistinguível sua fé se
tornou de uma experiência americana negra, miticamente

118
articulada através do Êxodo, no qual o quadro básico da
história era de uma escapada do cativeiro, levada em
direção a um futuro em que “todos os filhos de Deus –
homens negros e homens brancos, judeus e gentios,
protestantes e católicos – poderão juntar as mãos e cantar na
palavras do antigo hino negro: ‘Livre afinal! Livre afinal!
Graças ao Deus Todo-Poderoso, somos livres afinal!”
A genialidade da mensagem de King está em seu
extraordinário poder de integração. A fuga dos hebreus do
Egito, a Guerra de Independência Americana, a abolição da
escravidão na esteira da Guerra Civil Americana e as
aspirações da era dos direitos civis foram miticamente
comprimidas em um único episódio arquetípico,
perfeitamente consoante com o Credo Americano e levado
adiante não apenas por sua força moral irresistível, mas
mesmo por um decreto divino. A medida desta genialidade
integradora, contudo, é a complexidade que ela domina. Um
século após a “alegre alvorada” da emancipação da
escravidão, King declara, “o Negro ainda não é livre”.
Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é
tristemente paralisada pelas algemas da
segregação e pelas correntes da discriminação.
Cem anos mais tarde, o Negro vive em uma ilha
solitária de pobreza, no meio de um vasto
oceano de prosperidade material. Cem anos
mais tarde, o Negro ainda está lânguido nos
cantos da sociedade americana e se descobre um
exilado em sua própria terra.

119
A estória do Êxodo é saída, a Guerra de Independência é
saída e a emancipação da escravidão é saída, especialmente
quando isto exemplificado pelo Underground Railroad e
pelo modelo de auto-liberação, escapada, ou fuga. Ser
‘algemado’ pela segregação, ‘acorrentado’ pela
discriminação, estar preso em uma ‘ilha solitária de
pobreza’ ou ser ‘exilado’ em sua ‘própria terra’, em
contraste, não tem qualquer relação que seja com a saída,
além daquela que uma fascinante metáfora possa alcançar.
Não há nenhuma saída para a integração e aceitação social,
para a prosperidade igualmente distribuída, para a
participação pública ou para a assimilação, mas apenas uma
aspiração, ou um sonho, refém do fato e da fortuna. Como a
esquerda e a direita reacionária foram rápidas em notar, na
medida em que esse sonho se aventura significantemente
para além de um direito à igualdade formal e para dentro do
reino de um remédio político substancial, ele é um sonho a
que a direita não tem nenhum direito.
Na sequência imediata do caso John Derbyshire, Jessica
Valenti, no blog da The Nation faz o ponto de maneira clara:
… isso não é apenas sobre quem escreveu o que
– é sobre as políticas intensamente racista que
são típicas do conservadorismo. Algumas
pessoas gostariam de acreditar que o racismo é
apenas a discriminação explícita e dita em voz
alta e o ódio que é facilmente identificável. Não
é – é também empurrar políticas xenofóbicas e

120
apoiar a desigualdade sistêmica. Afinal, o que é
mais impactante – um racista singular como
Derbyshire ou a lei de imigração do Arizona?
Uma coluna ou a supressão de eleitores? Livrar-
se de um racista de uma publicação não muda o
fato de que a agenda conservadora é uma que
pune desproporcionalmente e discrimina as
pessoas de cor. Então, sinto muito, pessoal –
você não pode apoiar a desigualdade estrutural e
depois se dar um tapinha nas costas por não ser
abertamente racista.

A ‘agenda conservadora’ não pode jamais ser sonhadora


(esperançosa e inconsistente) o suficiente para escapar das
acusações de racismo – isso é intrínseco à maneira em que a
dialética racial funciona. Políticas amplamente compatíveis
com o desenvolvimento capitalista, orientadas à
recompensa da baixa preferência temporal e, assim, à
punição da impulsividade, confiantemente terão um pacto
desigual sobre os grupos sociais menos economicamente
funcionais. Claro, a dialética demanda que o aspecto racial
deste impacto desigual possa e deva ser fortemente
enfatizado (para o propósito de condenar incentivos à
formação de capital humano como racistas) e, ao mesmo
tempo, forçosamente negado (a fim de denunciar
exatamente a mesma observação como estereótipo racista).
Qualquer um que espere que os conservadores naveguem
este dilema com agilidade política e graça deve, de alguma
forma, ter perdido o final do século XX. Por exemplo, os

121
idiotas perdedores condenados conservadores do
Washington Examiner, notando alarmados que:
Os Democratas da Câmara receberam
treinamento esta semana sobre como abordar a
questão da raça para defender programas
governamentais… O conteúdo preparado de
uma apresentação na terça-feira para o Caucus
Democrata da Câmara e seu pessoal indica que
os Democratas buscarão retratar a retórica de
livre mercado aparentemente neutra como sendo
carregada de viés racial, consciente ou
inconsciente.

Não há versões alternativas a uma união cada vez mais


perfeita, porque uma união é a alternativa às alternativas.
Buscar onde as alternativas poderiam outrora terem sido
encontradas, onde a liberdade ainda significava saída e
onde a dialética era dissolvida no espaço, leva para dentro
de uma casa de horrores de palhaços, fabricada como a
sombra, ou cara-metade, da Catedral. Uma vez que a direita
nunca teve uma unidade própria, deu-se uma a ela. Chame-a
de Fábrica de Crackers.
Quando James C. Bennett, em The Anglosphere Challenge,
buscou identificar as principais características culturais do
mundo de língua inglesa, a lista resultante era geralmente
familiar. Ela incluída, além da própria língua, tradições do
direito comum, individualismo, níveis comparativamente
altos de abertura econômica e tecnológica e reservas

122
distintivamente enfáticas sobre o poder político
centralizado. Talvez a característica mais impressionante,
contudo, era uma tendência cultural marcante de se resolver
discordâncias no espaço, em vez de no tempo, optando por
cisma territorial, separatismo, independência e fuga, no
lugar de transformação revolucionária dentro de um
território integrado. Quando os anglófonos discordam, eles
frequentemente buscaram se dissociar no espaço. Em vez de
um resolução integral (mudança de regime), eles buscam
uma irresolução plural (através da divisão de regimes),
proliferando estados, localizando o poder e diversificando
sistemas de governo. Mesmo em sua forma presente e
altamente atenuada, esta predisposição anti-dialética e
dessintetizadora à desagregação social encontra expressão
em uma hostilidade teimosa e sussurrante aos projetos
políticos globalistas e em uma atração vestigial ao
federalismo (em seu sentido fissional).
Dividir-se, ou fugir, é tudo saída e anti-dialética (não
recuperável). É a fonte básica da liberdade dentro da
tradição anglófona. Se a função de uma Fábrica de Crackers
é bloquear todas as saídas, há um único lugar para construí-
la – bem aqui.
Como o Inferno, ou Auschwitz, a Fábrica de Crackers tem
um slogan simples inscrito em seu portão: Escapar é
racista. É por isto que a expressão ‘white flight’ – que diz
exatamente a mesma coisa – nunca foi denunciada por ser

123
politicamente incorreta, apesar do fato de que ela se baseia
numa generalização estatística étnica do tipo que, em
qualquer outro caso, provocaria paroxismos de indignação.
O ‘white flight’ não é mais ‘branco’ do que a baixa
preferência temporal, mas esta insensibilidade de pincel
largo é considerada aceitável, porque apoia estruturalmente
a Fábrica de Crackers e a indispensável confusão da antiga
liberdade (negativa) com o pecado original (racial).
Você absolutamente, definitivamente, não deve ir lá …
então, é claro, nós vamos … [a seguir].

124
O Iluminismo Sombrio, Parte 4d
Parte 4d: Casamentos Esquisitos
As origens da palavra ‘cracker’ enquanto termo de
ridicularização étnica são distantes e obscuras. Ela parece já
ter circulado, como um insulto contra brancos pobres
sulistas, de ascendência predominantemente celta, no meio
do século XVIII, derivada talvez de ‘corn-cracker’
(máquina de descascar milho) ou do escocês-irlandês
‘crack’ (gracejo). O rico aspecto semântico do termo,
inextricável da identificação de elaboradas características
raciais, culturais e de classe, é comparável àquela de sua
imencionável prima obscura – “the ‘N-‘word” – e extrai do
mesmo poço de verdades geralmente reconhecidas, mas
proibidas. Em particular, e enfaticamente, ela atesta o
truísmo ilícito de que as pessoas ficam mais excitadas e
animadas com suas diferenças do que com seus pontos em
comum, ‘apegando-se amargamente’ – ou pelo menos
tenazmente – à sua não-uniformidade e resistindo
obstinadamente às categorias universais da administração
populacional iluminada. Os crackers são areia na
engrenagem do progresso.
As características mais deleitáveis do insulto, contudo, são
inteiramente fortuitas (ou Qabalísticas). ‘Crackers’ quebram
códigos, cofres, compostos químicos orgânicos – sistemas
selados ou delimitados de todos os tipos – com eventuais

125
implicações geopolíticas. Eles antecipam um crack-up
(rachadura), cisma ou secessão, confirmando sua associação
com a corrente subterrânea desintegradora anatematizada da
história anglófona. Não é nenhum surpresa, então – a
despeito de saltos e falhas linguísticas – que a figura do
cracker recalcitrante evoque um Sul ainda não pacificado,
insubordinado ao destino manifesto da União. Isto o
retorna, por cirto-circuito, às profundezas mais
problemáticas de seu significado.
Contradições exigem resolução, mas cracks (rachaduras)
podem continuar a se alargar, se aprofundar e se espalhar.
De acordo com o ethos cracker, quando as coisas
desmoronam – está OK. Não há qualquer necessidade de se
chegar a um acordo, quando é possível se separar. Esta falta
de educação, perseguida até seu limite, tende ao estereótipo
do hill-billy firmado em uma choupana ou trailer
enferrujado, nos confins de uma passagem nas montanhas
Apalaches, onde todas as transações econômicas são
conduzidas ao longo do cano de uma espingarda carregada,
e a sabedoria antipolítica intemporal é resumida no reflexo
do não-pise-em-mim: “Sai do meu quintal”. Naturalmente,
este desdém pelo debate integrador (dialética) é codificado
dentro do mainstream da história global anglocêntrica – isto
é, do puritanismo evangélico ianque – como uma
deficiência não apenas de sofisticação cultural, mas também
de inteligência básica, e mesmo o mais escrupuloso adepto
da retidão construtivista social imediatamente reverte a uma

126
psicometria hereditária dura quando confrontado com a
obstinação do cracker. Para aqueles a quem uma ampla
tendência de progresso sociopolítico parece um fato simples
e incontestável, a recusa de se reconhecer qualquer coisa do
tipo é percebida como clara evidência de retardamento.
Uma vez que estereótipos geralmente têm um elevado valor
de verdade estatística, é mais do que possível que os
crackers estejam fortemente aglomerados à esquerda da
curva de sino de QI dos brancos, concentrados ali por
gerações de pressão disgênica. Se, como Charles Murray
argumenta, a eficiência da seleção meritocrática dentro da
sociedade americana tem crescido constantemente e
conspirado com o acasalamento preferencial para
transformar diferenças de classe em castas genéticas, seria
extraordinariamente estranho se o estrato cracker fosse
caracterizado por uma conspícua elevação cognitiva. Ainda
assim, alguma questões estranhamente intrigantes intervém
neste ponto, contanto que se persiga diligentemente o
estereótipo. Acasalamento preferencial? Como isso pode
funcionar quando os crackers se casam com seus primos?
Ah sim, tem isso. Baseando-se em grupos populacionais de
além do noroeste da Linha de Hajnal, os padrões de
parentesco tradicionais dos crackers são notavelmente
atípicos à norma exogâmica anglo-saxã (WASP).
A incansável ‘hbdchick‘ é o recurso crucial sobre este
tópico. Ao longo do curso de uma série verdadeiramente

127
monumental de posts no seu blog, ela emprega ferramentas
conceituais hamiltonianas para investigar a zona fronteiriça
onde natureza e cultura se interceptam, incluindo estruturas
de parentesco, as diferenciações que elas requerem no
cálculo da aptidão inclusiva e os perfis étnicos distintivos
na psicologia evolutiva do altruísmo que daí resultam. Em
particular, ela dirige atenção à anormalidade da história (do
Noroeste) da Europa, onde a exogamia obrigatória – através
de uma rigorosa proscrição do casamento entre primos –
prevaleceu por 1600 anos. Esta distintiva orientação à
exogamia, ela sugere, explica de forma plausível uma
variedade de peculiaridades bio-culturais, a mais
historicamente significativa das quais é uma singular
preeminência do altruísmo recíproco (sobre o familial),
como indicado pelo individualismo enfático, famílias
nucleares, uma afinidade com instituições ‘corporativas’
(livres de parentesco), relacionamentos contratuais
altamente desenvolvidos entre estranhos, níveis
relativamente baixos de nepotismo / corrupção e formas
robustas de coesão social independente de vínculos tribais.
A endogamia, em contraste, cria um ambiente selectivo que
favorece o coletivismo tribal, sistemas estendidos de
lealdade e honra familiar, desconfiança de não aparentados
e instituições impessoais e – em geral – aqueles traços
‘clânicos’ que se entrosam desconfortavelmente com os
principais valores da modernidade (eurocêntrica) e são,
assim, denunciados por sua ‘xenofobia’ e ‘corrupção’

128
primitivas. Valores clânicos, claro, são criados em clãs, tais
como aqueles que populam a franja celta da Grã-Bretanha e
suas terras fronteiriças, onde o casamento entre primos
persistiu, junto com suas formas sócio-econômicas e
culturais associadas, em especial o pastoreio (em vez da
agricultura) e uma disposição para a violência extrema e
vingativa.
Esta análise introduz o paradoxo central da ‘identidade
branca’, uma vez que os traços étnicos especificamente
europeus que estruturaram a ordem moral da modernidade,
inclinando-a para longe do tribalismo e em direção ao
altruísmo recíproco, são inseparáveis de uma herança
singular de exogamia que é intrinsecamente corrosiva para a
solidariedade etnocêntrica. Em outras palavras: é quase
exatamente o agrupamento étnico fraco que torna um grupo
etnicamente modernista, competente na construção de
instituições ‘corporativas’ (não familiais) e, assim,
objetivamente privilegiado / favorecido dentro da dinâmica
da modernidade.
Esse paradoxo é mais completamente expresso nas formas
radicais do renascimento etnocêntrico europeu
exemplificado pelo paleo- e neo-Nazismo, que confunde
igualmente seu proponentes e antagonistas. Quando uma
‘traição da raça’ excepcionalmente avançada é sua
característica racial quintessencial, a oportunidade para uma
política etno-supremacista viável desaparece em um abismo

129
lógico – mesmo que ocasiões para a criação de problemas
em larga escala sem dúvida continuem a existir.
Admitidamente, um Nazista, por definição, está disposto a
(e ansioso por) sacrificar a modernidade no altar da pureza
racial, mas isto é ou não entender ou tragicamente afirmar a
consequência inevitável – que é ser superado
na modernização (e, assim, derrotado). A política identitária
é para perdedores, inerente e inalteravelmente, devido a um
caráter essencialmente parasitário que só funciona vindo da
esquerda. É porque a endogamia sistematicamente contra-
indica o poder moderno que Übermenschen raciais não
fazem qualquer sentido real.
Em todo caso, não importa o quão infinitamente fascinantes
os nazistas possam ser, eles não são qualquer tipo de chave
confiável para a história ou direção da cultura cracker, para
além de estabelecer um limite lógico à construção e ao uso
pragmáticos da política identitária branca. Tatuar suásticas
em suas testas não faz nada para mudar isso. (Hetfields vs.
McCoys é mais Pushtu do que Teutônico.)
A conjunção que tem lugar na Fábrica de Crackers é
bastante diferente, e bem mais desconcertante, enredando os
defensores urbanos e cosmopolitas da mercantilização
hiper-contratariana com tradicionalistas românticos, etno-
particularistas e nostálgicos da ‘Causa Perdida’. É primeiro
necessário entender este enredamento em toda sua
esquisitice fundidora de mentes, antes de explorar suas

130
lições. Para isso, alguns dados pontuais simples e semi-
aleatórios podem ser úteis:
* O Mises Institute foi fundado em Auburn, Alabama.
* Os boletins informativos de Ron Paul na década de 1980
contêm observações de uma matiz decididamente
derbyshireana.
* Derbyshire ama Ron Paul.
* Murray Rothbard escreveu em defesa da BDH.
* Os contribuídores do lewrockwell.com incluem Thomas J.
DiLorenzo e Thomas Woods.
* Tom Palmer não ama Lew Rockwell ou Hans-Herman
Hoppe porque “Juntos Eles Abriram os Portões do Inferno e
Acolheram os Mais Extremos Racistas, Nacionalistas e
Charlatães Variados da Direita”
* Libertários / constitucionalistas representam 20% da
lista de observação ‘Direita Radical’ do SPLC (Chuck
Baldwin, Michael Boldin, Tom DeWeese, Alex Jones, Cliff
Kincaid e Elmer Stewart Rhodes)
…talvez isso seja o suficiente para se prosseguir (embora
haja bem mais de fácil alcance). Esses pontos foram
selecionados, questionavelmente, cruamente e
perniciosamente para emprestar um suporte impressionista a
uma única tese básica: forças sócio-históricas fundamentais
estão crackerizando o libertarianismo.

131
Se as conclusões preliminares da pesquisa tiradas pela
hbdchick forem aceitas como um frame, a estranheza desse
casamento entre temas libertários e neo-confederados é
imediatamente aparente. Quando posicionados sobre um
eixo bio-cultural, definido por graus de exogamia, a
ausência de sobreposição – ou sequer proximidade – é
dramaticamente exposta. Um polo é ocupado por uma
doutrina radicalmente individualista, focada quase
exclusivamente em redes mutáveis de intercâmbio
voluntário de um tipo econômico (e notoriamente insensível
à própria existência de vínculos sociais não negociáveis).
Próximo do outro polo está um rica cultura de apego local,
família estendida, honra, desprezo pelos valores comerciais
e desconfiança de estranhos. A racionalidade destilada do
capitalismo fluído é justaposta à hierarquia tradicional e ao
valor não alienável. A priorização absoluta da saída é
embaralhada em meio a comportamentos tradicionais dos
quais nenhuma saída é sequer imaginável.
Grampear os dois juntos, contudo, é uma conclusão simples
e cada vez mais irresistível: a liberdade não têm nenhum
futuro no mundo anglófono fora do prospecto da secessão.
A rachadura vindoura é o único caminho para fora.

132
O Iluminismo Sombrio, Parte 4e
Parte 4e: História transcodificada
Democracia é o oposto de liberdade, quase
inerente ao processo democrático é que ele
tende na direção de menos liberdade, em vez de
mais, e a democracia não é algo que pode ser
consertado. A democracia está inerentemente
quebrada, assim como o socialismo. A única
maneira de consertá-la é romper com ela.
– Frank Karsten

O historiador (principalmente da ciência) Doug


Fosnow pediu que os condados “vermelhos”
dos EUA se separassem dos “azuis”, formando
uma nova federação. Isso foi recebido com
muito ceticismo pela audiência, que notou que
a federação “vermelha” não ficaria com
praticamente nenhum litoral. Doug realmente
pensou que uma secessão dessas tinha alguma
probabilidade de ocorrer? Não, ele admitiu
alegremente, mas qualquer coisa seria melhor
do que a guerra racial que ele acha provável
que ocorra, e é dever dos intelectuais propor
possibilidade menos horríveis.
– John Derbyshire

Assim, em vez de por meio de uma reforma de


cima para baixo, sob as atuais condições, sua
estratégia deve ser a de uma revolução de baixo
para cima. A princípio, a compreensão dessa

133
visão pareceria tornar a tarefa de uma
revolução social liberal-libertária impossível,
pois isso não implica que ter-se-ia que
persuadir uma maioria do pública a votar pela
abolição da democracia e por um fim a todos
os impostos e legislação? E isso não é pura
fantasia, dado que as massas são sempre
estúpidas e indolentes, ainda mais dado que a
democracia, como explicado acima, promove a
degeneração moral e intelectual? Como alguém
pode esperar que uma maioria de pessoas cada
vez mais degeneradas, acostumadas com o
“direito” de votar, jamais renunciasse
voluntariamente à oportunidade de saquear a
propriedade alheia? Colocado desta maneira,
tem-se que admitir que o prospecto de uma
revolução social deve, de fato, ser considerado
como virtualmente nulo. Em vez disso, é apenas
com base em uma reconsideração, ao
considerar a secessão como uma parte integral
de qualquer estratégia de baixo para cima, que
a tarefa de uma revolução liberal-libertária
parece menos do que impossível, mesmo que
ainda continue sendo intimidadora.
– Hans-Herman Hoppe

Concebida de maneira genérica, a modernidade é uma


condição social definida por uma tendência integral,
resumida como taxas de crescimento econômico sustentadas
que excedem os aumentos de população e, assim, marcam
uma escapada da história normal, aprisionada dentro da

134
armadilha malthusiana. Quando, no interesse da apreciação
desapaixonada, a análise é restrita aos termos deste padrão
quantitativo básico, ela suporta uma sub-divisão nos
componentes positivo (crescimento) e negativo da
tendência: contribuições tecno-industriais (científicas e
comerciais) à aceleração do desenvolvimento, por um lado,
e as contra-tendências sócio-políticas à captura do produto
econômico por parte de interesses especiais de rent-
seeking democraticamente empoderados (demosclerose),
por outro. O que o liberalismo clássico dá (revolução
industrial), o liberalismo maduro leva embora (por meio do
cancerígeno estado de intitulações). Na geometria abstrata,
isso descreve uma curva em S de fuga auto-limitante. Assim
como um drama de liberação, é uma promessa quebrada.
Concebida de maneira particular, como uma singularidade
ou coisa real, a modernidade tem características etno-
geográficas que complicam e qualificam sua pureza
matemática. Ela veio de algum lugar, se impôs de maneira
mais ampla e levou os vários povos do mundo a uma
extraordinária gama de novas relações. Estas relações eram
caracteristicamente ‘modernas’ se envolviam um
transbordamento dos limites malthusianos anteriores,
permitiam a acumulação de capital e iniciavam novas
tendências demográficas, mas elas reuniam grupos
concretos em vez de funções econômicas abstratas. Pelo
menos em aparência, portanto, a modernidade foi algo feito
por pessoas de um certo tipo com – e não incomumente a

135
(ou mesmo contra) – outras pessoas, que eram
conspicuamente diferentes delas. No momento em que
hesitava no declive de desvanecimento da curva em S, no
começo do século XX, a resistência às suas características
genéricas (‘alienação capitalista’) havia se tornado quase
inteiramente indistinguível da oposição à sua
particularidade (‘imperialismo europeu’ e ‘supremacia
branca’). Como consequência inevitável, a auto-consciência
modernista do núcleo etno-geográfico do sistema deslizou
em direção ao pânico racial, em um processo que só foi
reprimido pelo surgimento e imolação do Terceiro Reich.
Dada a tendência inerente da modernidade à degeneração
ou auto-cancelamento, três prospectos amplos se abrem.
Estes não são estritamente exclusivos e não são, portanto,
verdadeiras alternativas, mas, para propósitos esquemáticos,
é útil apresentá-los como tal.
(1) Modernidade 2.0. A modernização global é revigorada a
partir de um novo núcleo etno-geográfico, liberado das
estruturas degeneradas de seu predecessor eurocêntrico,
mas sem dúvida confrontando tendências de longo prazo de
um caráter igualmente mortuário. Este é de longe o cenário
mais encorajante e plausível (de uma perspectiva pró-
modernista) e, se a China permanecer, mesmo que
aproximadamente, em seu curso atual, será certamente
realizado. (A Índia, infelizmente, parece ter ido muito longe
em sua versão nativa da demosclerose para competir à

136
sério.)
(2) Pós-Modernidade. Equivalendo essencialmente a uma
nova idade das trevas, na qual os limites malthusianos se
reimpõem brutalmente, este cenário assume que a
Modernidade 1.0 globalizou tão radicalmente sua própria
morbidez que todo o futuro do mundo colapsa ao seu redor.
Se a Catedral ‘vencer’, estas são as consequências.
(3) Renascença Ocidental. Para renascer é primeiro
necessário morrer, então, quanto mais forte a
‘reinicialização forçada’, tanto melhor. Crise abrangente e
desintegração oferecem as melhores chances (mais
realisticamente como um sub-tema da opção #1).
Visto que a concorrência é boa, uma pitada de Renascença
Ocidental apimentaria as coisas, mesmo que – como é
extremamente provável – a Modernidade 2.0 seja a
principal rodovia do mundo para o futuro. Isso depende do
Ocidente parar e reverter basicamente tudo que vem
fazendo há mais de um século, com exceção apenas de
inovações científicas, tecnológicas e empresariais. É
aconselhável manter a disciplina retórica dentro de um
modo estritamente hipotético, porque a possibilidade de
qualquer uma dessas coisas é profundamente colorida pela
incredulidade:
(1) Substituição da democracia representativa pelo
republicanismo constitucional (ou por mecanismos

137
governamentais anti-políticos ainda mais extremos).
(2) Redução massiva do governo e seu confinamento
rigoroso a funções centrais (no máximo).
(3) Restauração da moeda lastreada (moedas de metais
preciosos e notas de depósito desses metais) e abolição do
banco central.
(4) Desmantelamento da discrição monetária e fiscal do
estado, abolindo assim a macroeconomia prática e liberando
a economia autônoma (ou ‘catalática’). (Este ponto é
redundante, uma vez que ele se segue rigorosamente do 2 &
3 acima, mas é o verdadeiro prêmio e, logo, digno de
enfatização.)
Há mais – isto é, menos política – mas já está
absolutamente claro que nada disso vai acontecer aquém de
um cataclisma existencial da civilização. Pedir que os
políticos limitem seus próprios poderes é um não-começo,
mas nada a menos nem remotamente leva na direção certa.
Este, contudo, não é sequer o problema mais amplo ou
profundo.
A democracia poderia começar como um mecanismo
procedural defensável para se limitar o poder do governo,
mas ela rápida e inexoravelmente se desenvolve em algo
bastante diferente: uma cultura de roubo sistemático. Tão
logo os políticos tenham aprendido a comprar apoio político
com o ‘dinheiro público’ e tenham condicionado os

138
eleitorados a abraçar a pilhagem e o suborno, o processo
democrático se reduz à formação das ‘coalizões
distributivas’ (de Mancur Olson) – maiorias eleitorais
cimentadas juntas pelo interesse comum em um padrão
coletivamente vantajoso de roubo. Pior ainda, uma vez que
as pessoas não são, na média, muito brilhantes, a escala de
depredação disponível para o establishment político de
longe excede até mesmo o saqueamento insano que está
aberto ao escrutínio público. Pilhar o futuro, através de
degradação monetária, acúmulo de dívidas, destruição do
crescimento e retardamento tecno-industrial, é
especialmente fácil de ocultar e, assim, confiavelmente
popular. A democracia é essencialmente trágica porque
fornece à população uma arma para se destruir, uma que
sempre é avidamente aproveitada e usada. Ninguém jamais
diz ‘não’ para coisas de graça. Quase ninguém sequer vê
que não existem coisas de graça. A ruína cultural total é a
conclusão necessária.
Dentro da fase final da Modernidade 1.0, a história
americana se torna a narrativa mestra do mundo. É ali que o
grande transmissor cultural abraâmico culmina no neo-
puritanismo secularizado da Catedral, conforme estabelece
sua Nova Jerusalém em Washington DC. O aparato do
propósito messiânico-revolucionário é consolidado no
estado evangélico, que está autorizado, por quaisquer meios
necessários, a instalar uma nova ordem mundial de
fraternidade universal, em nome da igualdade, dos direitos

139
humanos, da justiça social e – sobretudo – da democracia. A
confiança moral absoluta da Catedral garante a busca
entusiasta de um poder centralizado irrestrito, otimamente
ilimitado em sua penetração intensiva e em seu escopo
extensivo.
Com uma ironia completamente escondida da própria prole
dos queimadores de bruxas, a ascensão dessa corte de
sombrios fanáticos morais a alturas previamente
inescaláveis de poder global coincide com a decadência da
democracia de massas a profundidades previamente
inimagináveis de corrupção gulosa. A cada cinco anos, a
América rouba-se de si mesma novamente e se revende em
troca de apoio político. Essa coisa de democracia é fácil –
você simplesmente vota no cara que lhe promete mais
coisas. Um idiota conseguiria fazê-lo. Na verdade, ela gosta
de idiotas, os trata com aparente gentileza e faz tudo o que
pode para fabricar mais deles.
A tendência implacável da democracia à degeneração
apresenta um caso implícito a favor da reação. Uma vez que
cada um dos principais limiares de ‘progresso’ sócio-
político levou a civilização ocidental em direção a uma
ruína abrangente, um retraçamento de seus passos sugere
uma reversão da sociedade de pilhagem a uma ordem mais
antiga de auto-suficiência, indústria e comércio honestos,
aprendizado pré-propagandístico e auto-organização cívica.
As atrações desta visão reacionária são evidenciadas pela

140
voga de vestuário, símbolos e documentos constitucionais
do século XVII entre a minoria substancial (Tea Party) que
claramente vê o curso desastroso da história política
americana.
O alarme de ‘raça’ já soou na sua cabeça? Seria
surpreendente se não tivesse. Cambaleie de volta, em
imaginação, até antes de 2008, e o sussurro tenso da
consciência já está questionando seus preconceitos contra
revolucionários quenianos e professores marxistas negros.
Continue em reverso até a era da Grande Sociedade /
Direitos Civis e os avisos alcançam um tom histérico. É
perfeitamente óbvio, neste ponto, que a história política
americana progrediu ao longo de trajetórias gêmeas e
entrelaçadas, que correspondem à capacidade e à
legitimação do estado. Lançar dúvidas sobre sua escala e
escopo é, simultaneamente, disputar a santidade de seu
propósito e a necessidade moral-espiritual de que ele
comande quaisquer recursos e imponha quaisquer restrições
legais que possam ser requeridas para cumpri-lo. Mais
especificamente, recuar da magnitude do Leviatã é
demonstrar insensibilidade à imensidão – de fato, quase
infinitude – de culpa racial herdada e ao único imperativo
categórico sobrevivente da modernidade senescente – o
governo precisa fazer mais. A possibilidade, de fato quase
certeza, de que as consequências patológicas do ativismo
governamental crônico tenham há muito suplantado os
problemas que ele originalmente visava é uma contenção

141
tão completamente mal-adaptada à época da religião
democrática que sua insignificância prática é garantida.
Mesmo na esquerda, seria extraordinário encontrar muitos
que genuinamente acreditam, após continuada reflexão, que
o moto primário da expansão e centralização do governo
tenha sido o desejo ardente de fazer o bem (não que
intenções importem). Ainda assim, conforme as trajetórias
gêmeas se cruzam, tamanho é o choque elétrico do drama
moral, saltando o fosso entre o Gólgota racial e o Leviatã
intrusivo, que o ceticismo é suspenso, e o grande mito
progressista, instalado. A alternativa a mais governo,
fazendo cada vez mais, era ficar lá, negligentemente,
enquanto eles linchavam outro negro. Esta proposição
contém todo o conteúdo essencial da educação progressista
americana.
As trajetórias históricas gêmeas de capacidade e propósito
estatal podem ser concebidas como um protocolo de
tradução, que permite que qualquer restrição recomendada
ao poder do governo seja ‘decodificada’ como obstrução
maligna da justiça racial. Este sistema de substituições
funciona tão suavemente que fornece todo um vocabulário
de ‘code-words‘ ou ‘dog-whistles‘ (bipartidários) –
‘welfare’, ‘liberdade de associação’, ‘direitos dos estados’ –
garantindo que qualquer elocução inteligível na Dimensão
Política Principal (esquerda-direita) ocupe um registro
duplo, semi-saturado de evocações raciais. A regressão

142
reacionária cheira a frutos estranhos.
…e isso é antes de se sair do calamitoso século XX. Não foi
a Era dos Direitos Civis, mas a ‘Guerra Civil Americana’
(nos termos dos vencedores) ou ‘Guerra entre os Estados’
(naqueles dos vencidos) que primeiro transcodificou
indissoluvelmente a questão prática do Leviatã com a
dialética racial (negro/branco), estabelecendo o centro de
junção do antagonismo político e retórico subsequente.
O passo primário indispensável em compreender esta
fatalidade serpenteia ao longo de uma estranha diagonal
entre os relatos estatista mainstream e revisionista, porque a
conflagração que consumou a nação americana no início
dos anos 1860 foi inteiramente, mas não exclusivamente,
sobre a emancipação da escravidão e sobre direitos dos
estados, sem nenhuma ‘causa’ sendo redutível a outra ou
suficiente para suprimir as duradouras ambiguidades da
guerra. Embora exista algum número de ‘liberais’ felizes em
celebrar a consolidação de um poder governamental
centralizado na triunfante União, e, simetricamente, um
número (bem menor) de neo-confederados apologistas da
instituição da escravidão nos estados do sul, nenhuma
dessas posições não conflituosas capturam o legado cultural
dinâmico de uma guerra através dos códigos.
A guerra é um nó. Ao dissociar, na prática, a liberdade em
emancipação e independência e então arremessar uma
contra a outra em meia década de carnificina, azul contra

143
cinza, estabeleceu-se que a liberdade seria quebrada no
campo de batalha, qualquer que fosse o resultado do
conflito. A vitória da União determinou que o sentido
emancipatório da liberdade prevaleceria, não apenas na
América, mas ao redor do mundo, e o eventual reino da
Catedral foi garantido. Não obstante, o esmagamento da
segunda guerra de secessão da América fez piada da
primeira. Se a instituição da escravidão deslegitimava uma
guerra de independência, o que sobrevivia de 1776? A
coerência moral da causa da União exigia que os
fundadores fossem reconcebidos como proprietários de
escravos brancos patriarcais politicamente ilegítimos e a
história americana comburida na educação progressista e
nas guerras culturais.
Se a independência é a ideologia dos donos de escravos, a
emancipação requer a destruição programática da
independência. Dentro de uma história transcodificada, a
efetuação da liberdade é indistinguível de sua abolição.

144
O Iluminismo Sombrio, Parte 4f(inal)
Parte 4f: Aproximando-se do Horizonte Biônico
É hora de dar a esta longa digressão uma conclusão,
esticando-se impacientemente em direção ao fim. O tema
básico tem sido controle mental, ou supressão de
pensamento, como demonstrado pelo complexo Midiático-
Acadêmico que domina as sociedades ocidentais
contemporâneas e ao qual Mencius Moldbug dá o nome de
Catedral. Quando as coisas são esmagadas, elas raramente
desaparecem. Pelo contrário, elas são deslocadas, fugindo
para dentro de sombras acolhedoras e, às vezes, virando
monstros. Hoje, conforme a ortodoxia supressora da
Catedral se desfaz, de várias maneiras e em numerosos
sentidos, um tempo de monstros está se aproximando.
O dogma central da Catedral tem sido formalizado como o
Modelo Padrão das Ciências Sociais (SSSM, na sigla em
inglês) ou ‘teoria da tábula rasa’. É a crença, completada em
sua essência pela antropologia de Franz Boas, de que toda
questão legítima sobre a humanidade está restrita à esfera
da cultura. A natureza permite que ‘o homem’ seja, mas
nunca determina o que o homem é. Questões direcionadas
às características e variações naturais entre humanos são,
elas mesmas, apropriadamente compreendidas como
peculiaridades, ou mesmo patologias, culturais. Falhas de
‘educação’ (nurture) são a única coisa que temos permissão

145
de ver.
Uma vez que a Catedral tem uma orientação ideológica
consistente e peneira seus inimigos de acordo, uma
avaliação científica comparativamente independente do
SSSM facilmente vira antagonismo bruto. Como Simon
Blackburn observa (em uma análise criteriosa do Tabula
Rasa de Steven Pinker), “A dicotomia entre natureza e
educação (nurture) rapidamente adquire implicações
políticas e emocionais. Para colocar de maneira crua, a
direita gosta de genes e a esquerda gosta de cultura…”.
No limite do ódio recíproco, o determinismo hereditário
confronta o construtivismo social, com cada um deles
comprometido com um modelo radicalmente reduzido de
causalidade. Ou a natureza se expressa como cultura, ou a
cultura se expressa em suas imagens (‘construções’) da
natureza. Ambas estas posições estão presas em lados
opostos de um circuito incompleto, estruturalmente cegas à
cultura de naturalismo prático, o que seria dizer: à
manipulação tecno-científica / industrial do mundo.
Adquirir conhecimento e usar ferramentas é um único
circuito dinâmico, que produz a tecno-ciência como um
sistema integral, sem divisibilidade real em aspectos
teóricos e práticos. A ciência se desenvolve em loops,
através da técnica experimental e da produção de uma
instrumentação cada vez mais sofisticada, ao passo em que
está incorporada dentro de um processo industrial mais

146
amplo. Seu avanço é o aperfeiçoamento de uma máquina.
Este caráter intrinsecamente tecnológico da ciência
(moderna) demonstra a eficiência da cultura enquanto força
natural complexa. Ela nem expressa uma circunstância
natural pré-existente, tampouco meramente constrói
representações sociais. Em vez disso, natureza e cultura
compõem um circuito dinâmico, à beira da natureza, onde o
destino é decidido.
De acordo com a pressuposição auto-reforçadora de
modernização, ser compreendido é ser modificável. É de se
esperar, portanto, que a biologia e a medicina evoluam em
conjunto. A mesma dinâmica histórica que subverte
abrangentemente o SSSM através de ondas inundantes de
descoberta científica simultaneamente volatiliza a
identidade biológica humana através da biotecnologia. Não
há qualquer diferença essencial entre aprender o que
realmente somos e nos redefinirmos como contingências
tecnológicas, ou seres tecnoplásticos, suscetíveis a
transformações precisas e cientificamente informadas. A
‘humanidade’ se torna inteligível conforme é subsumida na
tecnosfera, onde o processamento de informação do genoma
– por exemplo – coloca a leitura e a edição em perfeita
coincidência.
Descrever esse circuito, conforme ele consome a espécie
humana, é definir nosso horizonte biônico: o limiar de uma
fusão conclusiva entre natureza e cultura, no qual uma

147
população se torna indistinguível de sua tecnologia. Isto não
é nem determinismo hereditário, nem construtivismo social,
mas é ao que ambos teriam feito referência, tivessem eles
indicado qualquer coisa real. É uma síndrome vividamente
antecipada por Octavia Butler, cuja trilogia Xenogenesis é
devotada ao exame de uma população de além do horizonte
biônico. Seus ‘comerciantes de genes’ Oankali não têm
nenhuma identidade separável do programa biotecnológico
que eles perpetuamente implementam sobre si mesmos,
conforme adquirem comercialmente, produzem
industrialmente e reproduzem sexualmente sua população
dentro de um único processo integral. Entre o que os
Oankali são e a maneira em que eles vivem, ou se
comportam, não existe nenhuma diferença firme. Uma vez
que eles criam a si mesmos, sua natureza é sua cultura e
(claro) reciprocamente. O que eles são é exatamente o que
eles fazem.
Os tradicionalistas da Ortosfera Ocidental estão certos em
identificar o iminente horizonte biônico com um evento
teológico (negativo). A auto-produção tecno-científica
suplanta de maneira específica a essência fixa e sacralizada
do homem enquanto um ser criado, em meio à maior
reviravolta na ordem natural desde o surgimento da vida
eucarionte, há meio bilhão de anos. Não é meramente um
evento evolutivo, mas o limiar de uma nova fase evolutiva.
John H. Campbell anuncia a emergência do Homo
autocatalyticus, enquanto argumenta: ‘De fato, é difícil

148
imaginar como um sistema de herança poderia ser mais
ideal para a engenharia do que o nosso é’.
John H. Campbell? – um profeta da monstruosidade e a
desculpa perfeita para uma citação monstruosa:
Os biólogos suspeitam que novas formas
evoluem rapidamente a partir de exogrupos
bastante pequenos de indivíduos (talvez até
mesmo uma única fêmea fertilizada, Mayr,
1942) à margem de uma espécie existente. Ali, a
pressão de um ambiente praticamente
inabitável, a endogamia forçada entre membros
isolados da família, a “introgressão” de genes
estranhos de espécies vizinhas, a falta de outros
membros da espécie contra quem competir, ou o
que seja, promove uma grande reorganização do
programa genômico, possivelmente a partir de
uma mudança modesta na estrutura genética.
Quase todos esses fragmentos trasmutados de
espécies se extinguem, mas ocasionalmente um
deles é afortunado o suficiente para se encaixar
em um novo nicho viável. Ele prospera e se
expande até uma nova espécie. Sua conversão
em um pool genético estatisticamente constrito
então estabiliza a espécie contra maiores
mudanças evolutivas. Espécies estabelecidas
são bem mais notáveis por sua estase do que por
mudanças. Mesmo produzir uma nova espécie
filha não parece mudar uma espécie existente.
Ninguém nega que as espécies possam
gradualmente se transformar e o fazer em várias
medidas, mas essa chamada “anagênese” é

149
relativamente pouco importante, se comparada à
grande saltação geologicamente súbita na
geração de novidade.

Três implicações são importantes.

1. A maior parte das mudanças evolutivas estão


associadas com a origem de novas espécies.

2. Diversos modos de evolução podem operar


simultaneamente. Neste caso, o mais efetivo
domina o processo.

3. Pequenas minorias de indivíduos fazem a


maior parte da evolução, ao invés da espécie
como um todo.

Uma segunda característica importante da


evolução é a autorreferência (Campbell, 1982).
A caricatura cartesiana de um “ambiente”
externo autônomo que dita a forma de um
espécie, como um cortador de biscoitos corta
estêncis a partir de folhas de massa, está
completamente errada. A espécie molda seu
ambiente tão profundamente quanto o ambiente
“evolui” a espécie. Em particular, os organismos
causam as condições limitadoras do ambiente
sobre o qual eles competem. Portanto, os genes
desempenham dois papeis na evolução. Eles são
os alvos da seleção natural e são eles também
que, em última análise, induzem e determinam
as pressões seletivas que agem sobre si. Esta

150
causalidade circular submerge o caráter
mecânico da evolução. A evolução é dominada
pelo feedback das atividades evoluídas dos
organismos sobre sua evolução.

A terceira percepção seminal é de que a


evolução se estende para além da mudança nos
organismos enquanto produtos da evolução,
a uma mudança no próprio processo. A evolução
evolui (Jantsch, 1976; Balsh, 1989; Dawkins,
1989; Campbell, 1993). Os evolucionistas
sabem deste fato mas nunca concederam ao fato
a importância que ele merece, porque é
incomensurável com o darwinismo. Os
darwinistas, e especialmente os neodarwinistas
modernos, equacionam a evolução com a
operação de um princípio lógico simples, que é
anterior à biologia: A evolução é meramente o
princípio darwiniano da seleção natural em ação
e é disso que a ciência da evolução trata. Uma
vez que princípios não podem mudar com o
tempo ou as circunstâncias, a evolução tem que
ser fundamentalmente estática.

Claro, a evolução biológica não é assim de


forma alguma. Ela é um processo complexo
real, não um princípio. A maneira em que ela
ocorre pode mudar com o tempo e
indisputavelmente o faz. Isto é de máxima
importância, porque o processo de evolução
avança conforme procede (Campbell, 1986). A
matéria pré-viva na sopa primordial da terra era

151
capaz de evoluir apenas através de mecanismos
“químicos” sub-darwinianos. Uma vez que estes
processos insignificantes criaram moléculas
genéticas com informação para sua
autorreplicação, então a evolução foi capaz de
se engajar em seleção natural. A evolução então
embrulhou os genomas auto-replicantes dentro
de organismos auto-replicantes para controlar a
maneira em que a vida responderia aos ventos
da seleção vindos do ambiente.Mais tarde, ao
criar organismos multicelulares, a evolução
ganhou acesso à mudança morfológica enquanto
alternativa a uma evolução bioquímica mais
lenta e menos versátil. Mudanças nas instruções
em programas de desenvolvimento substituíram
mudanças nos catalisadores enzimáticos.
Sistemas nervosos abriram caminho para uma
evolução comportamental, social e cultural
ainda mais rápida e mais potente. Finalmente,
esses modos mais elevados produziram a
organização necessária para uma evolução
racional e propositada, guiada e propelida por
mentes orientadas a metas. Cada um desses
passos representou um novo nível emergente de
capacidade evolutiva.

Desta forma, existem dois processos evolutivos


distintos, mas entrelaçados. Eu os chamo de
“evolução adaptativa” e “evolução geradora”. A
primeira é a familiar modificação darwiniana de
organismos para aumentar sua sobrevivência e
sucesso reprodutivo. A evolução geradora é

152
inteiramente diferente. Ela é a mudança em um
processo, em vez de uma estrutura. Além disso,
esse processo é ontológico. Evolução
literalmente significa “se desdobrar” e o que
está se desdobrando é a capacidade de evoluir.
Animais superiores se tornaram cada vez mais
hábeis em evoluir. Em contraste, eles não são
nem um pouco mais aptos do que seus
ancestrais ou as formas mais baixas de
micróbios. Toda espécie hoje teve exatamente o
mesmo histórico de sobrevivência; na média,
todo organismo mais elevado vivo hoje ainda
deixará apenas duas proles, como era o caso
cem milhões de anos atrás, e as espécies
modernas têm tanta probabilidade de serem
extintas quanto aquelas do passado. As espécies
não podem se tornar cada vez mais aptas porque
o sucesso reprodutivo não é um parâmetro
cumulativo.

Para os nacionalistas raciais, preocupados com que seus


netos sejam parecidos consigo, Campbell é o abismo.
Miscigenação não chega nem perto da questão. Pense em
tentáculos faciais.
Campbell também é um secessionista, embora não tenha
quaisquer distrações com as preocupações da política de
identidade (pureza racial) ou do elitismo cognitivo
tradicional (eugenia). Ao se aproximar do horizonte
biônico, o secessionismo assume uma atitude
completamente mais selvagem e mais monstruosa – em

153
direção à especiação. O pessoal no euvolution captura bem
o cenário:
Raciocinando que a maior parte da humanidade
não vai voluntariamente aceitar políticas de
gerenciamento populacional qualitativo,
Campbell aponta que qualquer tentativa de
elevar o QI de toda a raça humana seria
tediosamente lento. Ele ainda ponta que o
ímpeto geral do eugenia primordial não era
tanto melhoria da espécie quanto prevenção do
declínio. A eugenia de Campbell, portanto,
advoga o abandono do Homo sapiens enquanto
‘relíquia’ ou ‘fóssil vivo’ e a aplicação de
tecnologia genéticas para se intrometer no
genoma, provavelmente escrevendo novos
genes a partir do zero usando um sintetizador de
DNA. Tal eugenia seria praticada por grupos da
elite, cujas realizações ultrapassariam tão rápida
e radicalmente o andamento comum da
evolução que, dentro de dez gerações, os novos
grupos terão avançado para além de nossa atual
forma, no mesmo grau em que nós
transcendemos os símios.

Quando visto do horizonte biônico, o que quer que venha a


emergir da dialética do terror racial permanece preso em
trivialidades. É hora de seguir em frente.

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