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Mestrado em Cidadania Ambiental e Participação

Consumo Alimentar e Promoção da Saúde

Impacte das preferências alimentares no ambiente

Mestrandos: Arsénio Banze, Ana Conceição, Maria Pestana


Docente: Doutora Ana Pinto de Moura

Novembro de 2017

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O impacto das preferências alimentares no ambiente
Como seres vivos heterotróficos que somos a alimentação é um tema que toca a todos e a cada um de nós.
Todos comemos e estamos, portanto, dependentes do acesso a alimentos saudáveis e nutritivos. O acesso
aos alimentos e a sua qualidade são, por isso, questões-chave do desenvolvimento humano. Uma sociedade
naõ pode ser considerada desenvolvida se estas questões não estiverem resolvidas. O acesso aos alimentos
e a qualidade da alimentação (ou a sua falta) têm, por outro lado, profundas implicações ao niv́ el da saúde
pública, do bem-estar e do capital humano, afetando, portanto, a própria capacidade de uma sociedade para
se desenvolver” (Santos, et al., 2012). Mas, raramente nos lembramos de relacionar uma de nossas
atividades mais básicas – o ato de nos alimentarmos, com impactos negativos no meio ambiente.
Nos primórdios da humanidade, a alimentação era baseada em frutas, raízes, carnes de animais caçados e
outras fontes que não modificavam significativamente a natureza Há cerca de 12 mil anos, deu-se início à
produção de alimentos com o advento da agricultura e da domesticação de animais. Com o passar dos
séculos, o homem foi criando novas formas de manejo do solo e as populações concentradas nas cidades
cresceram em ritmo progressivo, aumentando a demanda por alimentos. Até que a chegada da Era
Industrial, no final do século XVIII, intensificou a aglomeração de pessoas no ambiente urbano, colocando
fim na ligação direta que o ser humano tinha com a natureza para a obtenção de alimentos. O resultado
disso tudo é uma agricultura transformada em indústria que passou a utilizar métodos artificiais, como
fertilizantes e pesticidas químicos, irrigação, manipulação genética e uso de hormonas, visando sempre o
aumento da produção (e o lucro). Sem contar a dependência por combustíveis fósseis, inclusive no
transporte, por longas distâncias, dos alimentos a intensificação da agricultura é uma das principais causas
da emissão de gases com efeito de estufa - 30% do total. Metade dessa percentagem provém diretamente
da atividade agrić ola – e.g. dos métodos de criação de gado e do cultivo do arroz, ou do modo como
lidamos com o estrume. Mas a outra metade é um resultado indireto da conversão das terras,
particularmente da desflorestação com vista à expansaõ dos terrenos agrić olas. A agricultura é també m
uma importante fonte de nitratos e de outros poluentes que podem se acumular no solo e contaminar a água
dos lençóis subterrâneos.
Na tentativa de remediar o desequilíbrio ecológico e visando, sempre, produtos finais comercialmente mais
lucrativos surgiram os alimentos transgénicos, i.e., organismos geneticamente modificados (OGMs)
desenvolvidos em laboratório. Entre os objetivos da manipulação genética está o de criar plantas mais
resistentes a pragas ou até mais resistentes a determinados pesticidas.
Atualmente, a agricultura é responsável por 40% da área de terra na União Europeia. A UE é o maior
produtor mundial de vinho, azeitona, óleo e tomate. É também um grande produtor de produtos lácteos e
de cereais. A UE é um importante produtor de gado e, desde a década de 1980, houve uma aumento de,
explorações de gado especializadas, com aumento da produção de aves de capoeira, carne de vitela e porco
e diminuição da carne de ovelha e de cabra. Mas, enquanto que no geral a produção agrícola aumentou, o
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número de agricultores e quintas diminuiu havendo uma maior concentração e intensificação da agricultura
(Eurostat, 2016) com os consequentes prejuizos que daí adveem
Relativamente à pesca e à aquicultura, em 2014, a produção total foi estimado em 6,7 milhões de toneladas
(peso vivo). Houve um declínio constante na produção desde 2000, quer na aquicultura (em 16%), quer na
pesca de captura (em 17%) (Eurostat, 2016). A pesca europeia foi administrada sob a política comum da
pesca (PCP) desde 1983. A última reforma da PCP, que visa responder a sobrepesca e garantir que a pesca
e a aquicultura é ambiental, economica, e socialmente sustentável, introduziu um obrigação de gerenciar a
pesca para alcançar o rendimento máximo sustentável até. Contudo, em 2014, nos mares da Europa, os
níveis de sobrepesca permanecem elevados em geral. Para atingir os objetivos proposto será necessário
gerir o excesso da capacidade de frota da UE, disponibilizar aconselhamento científico, adoptar medidas
de gestão adequadas, reduzir os efeitos adversos nos ecossistemas, particularmente os danos ao fundo do
mar e adaptar-se aos efeitos das mudanças climáticas nos stock de peixes (EEA, 2017)
Após a produção, as atividades de compra/consumo também influenciam diretamente o ambiente,
nomeadamente em 3 áreas, o consumo de energia (tarefas de compra, armazenamento,
preparação/confeção e limpeza dos alimentos), o impacte das deslocações ao ponto de venda no ambiente e
a produção de resíduos (produção de matéria orgânica e os resíduos resultantes do uso das embalagens que
compõem/protegem/transportam os alimentos) e indiretamente, considerando as preferências/escolhas
alimentares dos consumidores por produtos processados/transformados, por produtos frescos provenientes
de outras regiões do globo, e por produtos que se encontram numa posição mais cimeira dentro cadeia
alimentar (Moura, 2009). Apesar de haver cada vez mais um maior conhecimento e estudo sobre a
produção e consumo alimentares, os comportamentos alimentares, a nível global, têm-se alterado para pior.
Enquanto que em alguns países há fome noutros (11% da população mundial não tem alimentos
disponíveis), nos paiś es menos desenvolvidos, uma boa parte dos alimentos, não chegam a ser consumidos
perdendo-se nos centros de produçaõ ou durante o transporte. Nos paiś es ricos, desperdiçam-se alimentos
em casa, nos restaurantes e no setor dos serviços alimentares. A questaõ do desperdić io tem de ser
discutida de modo a melhorar a gestaõ e a eficiência do sistema alimentar (Oliveira et al., 2016). A
alteração do consumo alimentar torna-se uma questão cada vez mais pertinente.
Mudando as preferências alimentares
Uma alimentação com futuro requer o acesso, por todos, a uma alimentação saudável e ecológicamente
sustentável. Tendo o consumidor o poder de mudar as formas de produção alimentar e, assim, alterar todas
as consequências, através das suas escolhas, a opção pelo consumo alimentar sustentável será um caminho
a seguir. A intervenção dos consumidores na promoção do consumo mais sustentável poderá ser feita na
política e no mercado. Na política, os consumidores actuam através do seu papel de cidadãos, podendo
influenciar a importância do consumo sustentável na agenda pública e mediática. No mercado, os
consumidores intervêm com as suas compras nomeadamente através das suas escolhas, podendo optar por

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consumos responsáveis (Moura, 2010). Deste modo, o consumo alimentar sustentável tem por base o facto
de no processo de decisão, a responsabilidade social (preocupação para com o bem-estar animal, para com
o ambiente, para com o comércio justo) intervir como critério de escolha a par dos demais critérios
(caracteriś ticas sensoriais do alimento, preço, conveniência, etc.) (Moura, 2009). Há que investir na
educação alimentar das pessoas, de modo a que estas possam agir e decidir a melhor maneira de produzir e
escolher os alimentos. Em paralelo com o espiŕ ito consumista, existe um crescente número de pessoas com
maior consciência sobre a necessidade de alterar hábitos de consumo, de ser crit́ ico e responsável no acto
de consumo, questionando-se, no momento das opções de compra/consumo, sobre o processo de fabrico, o
impacto das escolhas nas condições de vida de terceiros, no ambiente e na saúde. Importa, pois, considerar
o consumo como um poder à mercê das pessoas e que pode mudar o estado actual das coisas (Moura,
2010). As opções responsáveis estão dependentes da informação que os consumidores têm dos produtos
logo é importante que a informação sobre os diferentes produtos seja credível, fácil de analisar, exacta e
que estejam explicítos os efeitos de determinados alimentos, ou substâncias neles existentes, têm na saúde.
A maior implicação nas escolhas alimentares por produtos alimentares sustentáveis está frequentemente
associada às preocupações do consumidor para com a saúde (tendo em conta que os consumidores
consideram os produtos sustentáveis mais seguros e nutricionalmente mais ricos), podendo esta prática
funcionar igualmente como uma referência de identidade, de estratificação social, um importante veić ulo
de expressão do modo alternativo de vida das atuais sociedades ocidentais (Boulstridge, 2000). Importa
ainda, informar os consumidores sobre os benefić ios ambientais que a compra de determinados produtos
alimentares trazem ao ambiente (menor uso de pesticidas, menor administração de hormonas de
crescimento), alertando-os ainda para os rótulos reveladores desses modos de produçaõ .
Outro factor que que influencia o consumo é o preço. Se há quem defenda que o desperdício alimentar está
relacionado com o baixo preço dos alimentos, do mesmo modo a escolha e preferência pelos alimentos
sustentáveis encontra a barreira no preço praticado. Por exemplo os produtos biológicos os produtos
alimentares de origem biológica saõ cerca de 40 a 175 % mais caros que os produtos convencionais, muito
embora os consumidores estejam dispostos a pagar 5 % a 25 % a mais por estes produtos (de acordo com
Thompson, 1998 em Moura, 2010). Os produtos alimentares sustentáveis devem ser disponibilizados a
preços que os consumidores possam e estejam dispostos a pagar.
Actualmente, cada vez mais, as pessoas procuram o conforto/ bem estar e o menor tempo disponível para a
escolha, compra e confeção dos alimentos tem levado a opção pela escolha de alimentos que satisfaçam
essas necessidades. A escolha por refeições já preparadas diminui o tempo gasto na confeção de uma
refeição, no entanto, a sua produção e armazenamento contraria o princípio da sustentabilidade, quer no
gastos de energia na sua produção e transporte, como também no aumento de resíduos. Apesar das pessoas
mostrarem uma atitude positiva face às práticas pelo consumo de alimentar sustentável, no entanto, esta
atitude não se reflete no seu comportamento de compra, ou seja, bem-estar animal e as práticas de cultivo,

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ou com o comércio justo, as suas escolhas alimentares não se inclinam para os alimentos que preenchem
essas preocupações (Moura, 2010).
́ ulos que conduzem as pessoas a optar pela prát ica de uma alimentaçaõ sustentável saõ
Os principais estim
moderados pela motivaçaõ que as mesmas têm em seguir essa tal orientaçaõ . Se no momento das escolhas,
tendo em conta o diferentes factores referidos-energia; transporte e produção de resíduos, as nossas
preferências alimentares assentarem em princípios de universalismo, honestidade, idealismo, benevolência
e responsabilidade contribuiremos para uma aumento da produção de alimentos de forma sustentável.
Consideremos no momento das nossas escolhas alimentares-produtos produzidos localmente ou no país;
produtos da época-frutos e produtos hortícolas e vegetais; produtos frescos e de consumo rápido. Estas
escolhas farão diminuir o consumo de energia, quer seja no transporte, quer seja no armazenamento. A
opção pela compra em mercados locais e/ou feiras onde a venda do produto, algumas vezes, é feito pelo
próprios produtores, aquisição dos produtos nos locais de produção, evitando o gasto de energia com o
transporte destes mesmo produtos e tenham preços mais acessíveis. A escolha por produtos produzidos
localmente, a obrigatoriedade das vendas dos produtos em feiras e mercados da fruta e legumes a
identificação do local de produção-já hoje visível em alguns postos de venda; certificação dos produtos
alimentares de modo a que não haja a incorrecta utilização de produtos químicos-pesticidas e /ou
fertilizantes. A utilização de produtos frescos tem outra vantagem a nível de segurança e valor alimentar,
pois os alimentos, embora conservados nos equipamentos de refrigeração - além do despendio de energia,
com o tempo perdem valor nutricional (vitaminas e minerais) relativamente aos alimentos frescos. A
escolhas de alimentos tendo em conta a quantidade de resíduos produzidos pela sua escolha- a utilização
de sacos reutilizáveis; a escolha de alimentos que se encontram em embalagens de papel em detrimento
aos embalados em plástico; a compra de alimentos a granel em detrimento de alimentos embalados,
sobretudo em embalagens de plástico. Relativamente aos alimentos transgénicos estes já são
comercializados, em vários países, e ainda há muitas controvérsias em relação aos prós e contras da
manipulação genética para a saúde das pessoas e os impactos no meio ambiente. Enquanto os debates e as
pesquisas avançam, o importante é o consumidor se informar e exigir a rotulagem dos alimentos
transgénicos, de forma a ter condições de decidir consumir ou não um OGM.
Concluindo, a produção e consumo alimentares constituem factores de elevada importância na resolução
de problemas ambientais e portanto o principal objetivo é ter uma dieta sustentável e simultaneamente
tornar o processo de produção sustentável, deste modo o consumidor pode:
- Informar-se sobre a importância da agricultura sustentável e seus benefícios para a produção de
alimentos, inclusive em relação à saúde dos indivíduos e ambientes;
- Apoiar propostas de produção regional, especialmente a familiar e a associada, com o objetivo de
fortalecer a segurança alimentar local e reduzir o desperdício de energia no transporte.;

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- Exigir que os produtores respeitem as leis ambientais, assim como a legislação trabalhista, e que utilizem
métodos menos impactantes ao meio ambiente, adquirindo produtos elaborados com este diferencial;
- Demandar que os vendedores de alimentos estimulem a produção ecológica, inclusive solicitando a
certificação dos produtores por um organismo independente, para que possa ter certeza de que os mesmos
cumprem todas as exigências ambientais;
- Organizar-se em cooperativas de consumo que estimulem a produção sustentável local e regional.
A indústria alimentar está a passar pela maior transformação de toda a história pois o ambiente alimentar
começou a mudar há dez anos com o aparecimento das redes sociais, que passaram a criar redes de
consumidores ávidos por informação e comprometidos com a ideia de uma vida mais saudável. Daqui em
diante mais e mais pessoas vão querer ter controle sobre a forma com que os alimentos são produzidos e
consumidos.

Bibliografia
- Boulstridge, E., Carrigan, M. (2000). Do consumers really care about corporate responsibility:
highlighting the attitude-behaviour gap. Journal of Communication Management, Vol. 4 Issue: 4, pp.355-
368. Acedido em 10/11/2017 em http://oro.open.ac.uk/15171/2/Boulstridge_and_Carrigan_Jnl_of_Communication_2000.pdf .
- European Environment Agency - EEA. (2017). Food in a green light - A systems approach to sustainable
food, Report Nº 16/2017. Acedido em 10/11/2017 em https://www.eea.europa.eu/publications/food-in-a-green-light.
- Eurostat, 2016, Agriculture, forestry and fishery statistics, 2015 edition, Publications Office of the
European Union, Luxembourg.
- Moura, A. P., Consumo alimentar sustentável, Texto de Apoio, Universidade Aberta
- Agência Portuguesa do Ambiente, Relatório do Estado do Ambiente,
http://www.apambiente.pt/index.php?ref=19&subref=139&sub2ref=460)
- Moura, A. P. (2009), Contribuição da alimentação saudável para o consumo alimentar sustentável,
Workshop : Recursos Naturais e Educação para a Sustentabilidade: problemáticas e desafios, Dias do
Desenvolvimento, 28 de Abril, Centro de Congressos de Lisboa, Lisboa
- Moura, A. P. e Cunha, L. M. (2010), Dinâmicas de Consumo e desenvolvimento sustentável: reflexões
para Portugal, Pliegos de Yuste, 11-12
- Oliveira, B., de Moura, A.P., Cunha, L.M. (2016), Reducing Food Waste in the Food Service Sector as a
Way to Promote Public Health and Environmental Sustainability _In Filho, W.L., Azeiteiro, U.M., Alves,
F.A. (2016), Climate Change and Health Improving Resilience and Reducing Risks, Springer
- Santos, J., Carmo, I., Graça, P., Ribeiro, I. (2012). Introdução: uma alimentação com futuro, saudável,
sustentável e acessível para todos, O Futuro da Alimentação: Ambiente, Saúde e Economia. Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa. Acedido em 10/11/2017 em:
http://mediterradiet.org/uploads/attachment/attachment/000/000/047/47/pgDH_FuturoAlimentacao_PT.pdf

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