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Atividade 1

O João – Operário da indústria metalomecânica

O João, 38 anos, casado e pai de dois filhos, trabalha numa empresa da indústria
transformadora, que se dedica à montagem de carroçarias para veículos automóveis, na
região do Ribatejo.
À luz da legislação e regulamentação em vigor no domínio da Segurança e Saúde
no Trabalho, este é “um bom local de trabalho”. O ruído foi reduzido para um nível
aceitável e a iluminação é boa. O João não se queixa de desconforto térmico, quer no
Verão quer no Inverno.
Embora o João trabalhe numa linha de montagem flexível, com alguma rotação
de tarefas, houve a “preocupação ergonómica”, por parte da empresa, em ajustar a sua
posição de trabalho de modo a evitar “cargas e movimentos desnecessários”.
Do ponto de vista da segurança, a empresa é considerada modelar, diz o técnico
superior de segurança e higiene no trabalho, o Eng.º Amílcar, tendo já sido galardoada
duas vezes (pela companhia de seguros e pelo ex-IDICT), pelas suas “boas práticas” no
domínio da SHST.
O Dr. Carlos Xavier, que é médico do trabalho recém-admitido na empresa de
serviços externos de SHST, que trabalha para a empresa do João, comentou, com alguma
ironia ou até humor negro, para atécnica superior de serviço social, a Dra. Joana, que
esta fábrica até podia muito bem ser “um exemplo de estábulo-modelo adaptado a local
de trabalho”.
É que, apesar de tudo isto, o João sente-se triste, ansioso, e até doente. Fuma,
bebe e come demasiado. À noite tem dificuldade em adormecer e acorda cedo,
sentindo-se cansado e frustrado. Maria, a sua mulher, que é assistente administrativa
nos serviços municipalizados de água e saneamento locais, está preocupada com as
dores de cabeça persistentes do João, a sai má digestão crónica, e a sua tensão alta. Ela
insiste com ele para irem, juntos, ao médico de família, mas ele resiste, alegando que
“não ia adiantar nada” e que, além disso, “não podia faltar ao trabalho”.
As coisas lá em casa também correm mal, depois de “um casamento feliz de 14
anos”: o relacionamento do João já não é o mesmo em termos afetivos, sexuais,
conjugais e parentais. Os dois filhos do casal já deram conta que “o pau não anda bem”.
Tiago, o mais velho (12 anos), queixa-se que o pau nunca mais jogou à bola com ele.
Filipa, a mais nova (8anos), voltou a fazer chichi na cama depois de ouvir o pai dizer
“coisas horríveis” à mãe (teve um “ataque de nervos” e partiu os pratos todos que
estavam em cima da mesa, posta para jantar…).
No último inverno (2015), o João acabou por faltar ao trabalho, tendo estado
acamado durante cinco dias uteis, por imposição do médico de família, apresentando os
clássicos sintomas da gripe sazonal (arrepios, febre, tossem dores de garganta, mal-
estar, falta de forças), O João, que não tinha quaisquer faltas até então, acabou por
perder o prémio de produção desse ano. “O prémio é para quem está, não falta,
produz”, diz o novo diretor.

Vejamos como tudo isto aconteceu. A empresa onde o João trabalha,


praticamente desde que abandonou a escola sem ter chegado a completar o 9º ano de
escolaridade, enfrentou o ano passado uma série de problemas (económicos,
financeiros, comerciais, técnicos e organizacionais) devido à alteração da sua estratégia
de negócio, ao seu reposicionamento no mercado e à reestruturação do seu sistema de
produção e de vendas.
A empresa, fundada nos anos 30, sempre teve sucesso no mercado interno
enquanto foi uma PME de controlo acionista familiar, mas a sua situação financeira
degradou-se ao longo da década de 1990. Hoje, a maioria do capital já está nas mãos do
grupo financeiro e económico a quem pertence o seu principal credor (um conhecido
banco comercial).
A mudança de administração (e de estilo de gestão) foi dolorosa para muita
gente. O seguro de saúde/doença e outras regalias sociais foram cortadas, E até o
refeitório da empresa foi fechado.
A aposta dos “novos patrões sem rosto” (como alguém lhes chamou) é a
internacionalização, com a construção de uma fábrica em Espanha.
Entretanto, iniciou-se um processo de downsizing (um palavrão que o João nunca
tinha ouvido falar antes) e foi desenhado um novo layout de produção (outra expressão
desconhecida).
A empresa despediu cerca de 30% do pessoal mais antigo e menos qualificado,
incluindo um tio materno do João. O despedimento de quarente pessoas, quase todas
da terra, teve um impacto muito grande no concelho da região.
O novo diretor fabril, que vem todos os dias de Lisboa, incita o pessoal a
“trabalhar mais e melhor”. Tem havido um maior recurso – conforme as encomendas –
ao trabalho suplementar, que por vezes nem sequer é pago. Já houve queixas do
Sindicato à Inspeção-Geral do Trabalho.
Os novos gestores tratam os trabalhadores como “colaboradores” e gostam de
usar palavras, complicadas para o João, como “responsabilidade social”, “flexibilidade”,
“empoderamento”, etc..
Quanto ao trabalho que o João executa, passou a ser mais monótono, com um
pequeno número de tarefas simples e repetitivas e um ciclo operatório curto. O controlo
de qualidade passou a ser uma função especializada. Há alguma rotação de tarefas nos
postos de trabalho vizinhos.
Em 2015, foi instituído um prémio de produtividade, que penaliza as faltas de
assiduidade e os atrasos. O João, que era um bom operário, sente-se agora
desmotivado. E está a ter alguma dificuldade para lidar com as novas máquinas
computorizadas, que exigem conhecimentos que ele não possuía.
Por outro lado, as mais recentes rescisões de contrato causaram uma natural
inquietação entre os trabalhadores, habituados que estavam a um “emprego estável e
seguro” numa empresa que “era uma família”.
Em contrapartida, foram recrutados alguns trabalhadores do leste europeu
(sobretudo ucranianos). São acusados de “trabalharem como uns malucos”. O ambiente
de trabalho tornou-se mais crispado, havendo inclusive alguns indícios de xenofobia.
O pessoal tende a ajudar-se menos uns aos outros. Todos receiam ser abrangidos
pelos próximos despedimentos e ninguém quer ver o ser ordenado diminuído ao fim do
mês. O clima organizacional degradou-se. O novo diretor já ameaçou coma
deslocalização da fábrica para Espanha.
O João, que “paga as quotas ao sindicato, mas não se interessa por política”,
sente que precisa de ajuda e de desabafar com alguém. Há dias esteve tentado a falar
com o novo médico do trabalho, mas ainda não tem confiança com ele. Mas falou com
a enfermeira Isabel, que é da terra e é sua conhecida e que continuou a trabalhar no
“posto clínico” da empresa. Foi ela que o apresentou à técnica superior de serviço social
a Dra. Joana.
Acrescente-se que a empresa pretende obter a certificação do seu sistema de
gestão da qualidade, mas está com dificuldades em envolver os colaboradores nesse
processo. “Não há tradição na empresa”, dizem.
O próprio clube de pessoal está com dificuldades de funcionamento – o clube
desportivo, recreativo e cultural que era o orgulho do fundador da empresa e que era
(e ainda é) financiado pela empresa (não se sabe até quando).
Entretanto, o João vai fazer um curso de formação profissional (“reciclagem”,
disseram-lhe) e isso também não o ajuda muito porque é uma situação nova para ele. É
como “voltar aos bancos da escola”, vinte e tal anos depois.
O Eng.º Amílcar, o responsável pela área de segurança, está preocupado com o
aumento dos acidentes sem baixa (menos de um dia), resultantes de pequenos
ferimentos e lesões, incluindo os incidentes. Ele reconhece que os trabalhadores andam
“tensos”. Também tem aumentado a conflitualidade entre eles (discussões verbais,
ameaças, etc.).
Devido à cultura autiritário-paternalista herdada do seu passado de empresa
familiar, não há de facto uma tradição de participação dos colaboradores na gestão do
sistema técnico e organizacional do trabalho. Mesmo a comissão (partidária) de higiene
e segurança que chegou a funcionar bem, está hoje parada, comenta o Eng.º Amílcar
com preocupação.

A direção da empresa também não está satisfeita com a inversão de alguns


indicadores do tableau de bord, a começar pelo absentismo por doença e acidente.

Com base no que foi abordado na sessão síncrona, na sua opinião, como pode a
equipa de segurança e saúde do trabalho, com o contributo qualificado da Dra. Joana,
do Dr. Carlos, da enfermeira Ana e do Eng.º Amílcar, ajudar o João, os demais
trabalhadores e a empresa onde trabalham?

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