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PRÁTICAS DISCURSIVAS SOBRE IGUALDADE/EQUIDADE DE GÊNERO E

DIVERSIDADE SEXUAL EM EDUCAÇÃO DESDE A PERSPECTIVA DA


PSICANÁLISE

Autora: Dra. Delia Maria Carmen De Césaris

RESUMO

As relações de poder e de saber escolares participam ativamente na consolidação das normas


culturais que governam a materialidade dos corpos. Perguntamo-nos, como isto se compatibiliza com
um conceito de educação amplo e atravessado pela psicanálise, segundo o qual a educação transmite
marcas simbólicas que possibilitariam ao sujeito usufruir de um lugar onde seu desejo seja possível.
Daí as questões que guiam nossa pesquisa em educação, psicanálise e gênero. 
Palavras chaves: Psicanálise –Gênero - Sexualidade - Educação

1. PROBLEMA
Imaginemos uma cena habitual em uma escola de Ensino Fundamental II.
Milena, uma adolescente de 15 anos, ao terminar as aulas do dia, se dirige a
sua colega e lhe dá um beijo para se despedir até o dia seguinte. Quando está
prestes a ultrapassar a porta da sala a professora a chama e lhe diz que ela não
está disposta a tolerar esse comportamento porque não aceita as relações
amorosas entre pessoas do mesmo sexo. Milena se surpreende muito com essa
observação e tenta explicar à professora que ela deu um beijo na bochecha a
sua amiga e que não se trata do que ela suspeita. Isto é escutado por outros
alunos e se forma um rebuliço em torno de Milena. A professora re-afirma sua
apreciação, pelo que a aluna sai chorando da sala. Recorre ao diretor quem
tenta tranquilizá-la. A menina afirma que tem namorado, que nada do que a
professora diz ter visto aconteceu e que não voltará mais para a escola. O
diretor fala com a professora quem lhe diz que seus princípios morais e
religiosos lhe impedem aceitar esse tipo de coisas. Perante toda essa
desastrada situação felizmente o diretor, com bom senso, consegue depois de
falar com os pais da aluna, com a professora e com Milena, que as coisas
sejam esclarecidas de maneira que a menina continue seus estudos. Mas foi
também necessário conversar com a turma sobre o acontecido, pois tinha
ficado um clima de agitação e desconforto entre os colegas de Milena.

Esta vinheta nos faz pensar sobre como se manejam no campo da educação formal as
diferenças de gênero e a diversidade sexual. O presente trabalho propõe uma reflexão sobre as
práticas discursivas sobre igualdade/equidade de gênero e diversidade sexual em educação desde a
perspectiva da psicanálise. O ponto de ancoragem clínico refere-se a experiências educativas que
abordam os modelos do masculino e do feminino e a diversidade sexual no âmbito educacional. Para
pensar as práticas discursivas sobre gênero articuladas em educação trata-se de perguntar como a
norma é construída nesses discursos e como ela requer uma base de normatividade social, mas
também como a polarização normal/patológico atua nesse âmbito.
O conceito de gênero traz conflito e hesitação nas formas de compreender as diferenças
homem/mulher, as polaridades do sexo feminino / masculino, a dualidade dos sexos, as
hierarquizações sociais, as identidades, os fatos "naturais", ou ainda nos usos de normas de
abordagens disciplinares.
Este trabalho forma parte da pesquisa de pós-doutoramento na que propomos a realização de
entrevistas semi-estruturadas com agentes educativos, analisadas segundo o marco teórico-clínico
proposto por Marlene Guirado para a Análise Institucional do Discurso. Nesse contexto, a hipótese
de trabalho que norteia essa pesquisa é que, tanto no Brasil, como em outros países, o apego social
majoritário às normas de gênero, apesar de sua lenta reconfiguração, produz sofrimento psíquico e
social. A pesquisa que proponho almeja contribuir, ao contrario de estudos preexistentes, com uma
abordagem orientada à escuta da posição subjetiva dos agentes da educação em relação à
igualdade/equidade de gênero e diversidade sexual.
Desde esse ponto de vista postulo a comparação dos discursos institucionais educativos sobre
as normas de gênero e a diversidade sexual, mas também os pontos de tensão e de oposição próprios
a todo discurso. Estes discursos serão confrontados aos saberes oriundos de experiências educativas,
tais como aparecem nos discursos normativos em seus agentes e nas políticas públicas desse âmbito.
Este estudo se constitui em uma pesquisa de inspiração psicanalítica tal como a defende Claudine
Blanchard-Laville1. Esta autora advoga por uma pesquisa sustentada em uma atitude e escuta
psicanalítica, posição que, para ela, implica no abandono de generalizações baseadas em
regularidades de um grande número de situações, para procurar o que há de mais singular na situação
estudada. Dessa perspectiva, a especificidade desse procedimento clínico consiste no fato de
permanecer junto ao singular, reconhecendo-o em sua espessura própria.
O marco teórico a partir do qual situamos nossa escuta clínica é a psicanálise com seus conceitos de
sexualidade, sexuação e o sexual-infantil.

1.1 JUSTIFICATIVA
Desde a perspectiva acima assinalada é importante situar o conceito de gênero em sua
produção e seu uso no campo psicanalítico e educacional. Conceito que já foi pesquisado em
inúmeros trabalhos sobre educação, mas que nós nos propomos sua operacionalização na interface de
educação e psicanálise a través das falas dos agentes educativos.
O termo gênero foi introduzido pelo psiquiatra e psicanalista Robert Stoller em 1968,
surgindo assim a distinção entre o sexo que se refere à anatomia, e o gênero que teria um sentido
social ou psicológico da identidade de gênero2. Contrariamente a essa dicotomia, Judith Butler
teórica contemporânea do feminismo, se opõe a que os termos sexo e gênero aludam a uma diferença
radical entre natureza e cultura. Neste sentido, para esta autora, o sexo é também uma construção
social (performatividade), pois, a diferença entre os sexos considerada natural está sempre alicerçada
em uma concepção cultural e historicamente construída 3. Dessa maneira, a ideia de um modelo
original da mulher ou do homem não existiriam na natureza fora dessa performance. Para Judith
Butler4 esta “performatividade”, como norma cultural, governa a materialidade dos corpos.
Nessa direção Joan Scott afirma que por “gênero”, se entende o discurso sobre a diferença
dos sexos. Esse discurso, por um lado, não remete somente a ideias, mas também a instituições, a
estruturas, a práticas cotidianas e a rituais, ou seja, a tudo aquilo que constitui as relações sociais e
por outro, não reflete a realidade biológica primária, mas ele constrói o sentido desta realidade. “A
diferença sexual não é a causa originária a partir da qual a organização social poderia ter derivado;

1
Blanchard-Laville, C. Em defesa de uma clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação. Revista Estilos da Clínica, v.. XII, n. 22, p. 208
-223,2007.
2
Stoller, R. J. (1968). Sex and Gender: The Development of Masculinity and Femininity. New York: Karnac Book.
3
Butler, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. Pág 26-32.
4
Butler, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo" . In: O corpo educado: pedagogias da sexualidade - Guacira Lopes
Louro(organizadora). Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
ela é mais uma estrutura social movediça que deve ser ela mesma analisada em seus diferentes
contextos históricos” (SCOTT, 1998: 15. Apud: Pillar Grossi).5

1.2. GÊNERO E PSICANÁLISE


O conceito de gênero pode ser extremamente operante, pois o identificamos por seus efeitos
psíquicos e pelas construções sociais, clínicas e teóricas que ele torna possíveis. A relação entre
psicanálise e o conceito de gênero, implica refazer o percurso histórico do feminino e do masculino
desde Freud até os desenvolvimentos de psicanalistas contemporâneos, especificamente as
abordagens sobre o sexual-infantil, a sexuação e a sexualidade, e o confronto destas três categorias
com a de gênero. Se a extensão do assunto parece muito ampla, sua compreensão também o é. No
campo interdisciplinar no que estaremos trabalhando, recuperamos o conceito de subjetividade tal
como o define a psicanálise, fazendo referência ao sujeito do inconsciente. O inconsciente está ligado
a uma rede de normas que prescrevem as maneiras adequadas de existir dentro de um contexto
determinado (posições sociais, familiares, profissionais, figuras da sexuação ou da sexualidade).
Estas normas de existência, tal como as denomina Butler, designam os dispositivos
reguladores do modo de ser uma pessoa entre outras pessoas. Se, de um lado, essas normas fornecem
uma necessária "gramática de subjetivação", mas, por outro lado, a influência delas pode provocar
sofrimentos subjetivos quando elas se tornam valores absolutos. A dor subjetiva alude muitas vezes
de uma percepção da relatividade destas normas, de sua contingência e de sua fragilidade, o que pode
ser percebido também no âmbito psicossocial educativo. Na psicanálise, a operacionalidade da
categoria de gênero, toca além da sexuação, também a sexualidade, assim como uma terceira
categoria especificamente psicanalítica: o sexual-infantil. A sexuação, isto é, a identificação do
gênero, é distinta da sexualidade, que diz respeito, ao posicionamento do desejo, e não há um
caminho lógico e obrigatório de um para outro.
Freud abordou desde o começo de sua extensa obra à sexualidade da mulher e do homem.
Lembraremos especificamente que no ensaio ‘Sobre a sexualidade feminina’ (Freud, 1931)6, afirma
que as mulheres podem ter três diferentes destinos perante a descoberta da castração: a neurose e a
inibição sexual; a virilidade feminina e a maternidade. Freud manteve intacto o estatuto das mulheres
estabelecido no século XIX, segundo o qual elas seriam mães por natureza, sendo a maternidade, a
fragilidade e a dependência de uma figura masculina traços de sua essência. A única possibilidade
efetiva para tornar-se mulher seria a maternidade e, por consequência, deveriam funcionar no espaço
familiar, e não no espaço público (Birman, 2001)7. Já em 1924, Freud8 tinha teorizado sobre o
masoquismo feminino opondo as categorias passividade/atividade, feminino/masculino, embora as
repensou posteriormente relativizando sua correspondência com o sexo biológico, como pode se
constatar na Conferência XXXIII sobre ‘A feminilidade’9, na que a relação entre desamparo,
masoquismo e feminilidade passa a ser concebida como condição originária dos sujeitos,
representando a experiência do desamparo, na medida em que indica a perda dos emblemas fálicos
para ambos os sexos.
A esse respeito, Bertin (1990) ressalva que a inscrição da mulher na posição passiva e
masoquista seria uma saída para o desamparo e para a angústia gerados por uma organização social
que lhes circunscrevia o lugar de esposa e mãe, dependentes da figura masculina, provedora e
protetora. Isso era especialmente acentuado na Viena vitoriana de Freud, filho do patriarcado judeu
5
Pillar Grossi, Miriam: Identidade de gênero e sexualidade.
http://bibliobase.sermais.pt:8008/BiblioNET/upload/PDF3/01935_identidade_genero_revisado.pdf
6
Freud, S. Sobre la sexualidad femenina. Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1967 [1931], v. 3, p. 518-533.
7
Birman, J. Gramáticas do erotismo: A feminilidade e as suas formas de subjetivação em psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
Apud: Giudice Narvaz, Martha: Psicanálise e Gênero: Deslocamentos Discursivos sobre os Processos de Subjetivação e sua Relação com o
Masoquismo Feminino - Fazendo Gênero 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos 23 a 26 de agosto de 2010-
http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277817730_arquivo_PsicanaliseeGenero-artigocompletonarvazfg9.pdf
8
Freud, S. El problema económico del masoquismo. Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1967 [1924], v.1, p. 1023-1030.
9
Freud, S. Lección XXXIII: La feminidad. Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1967 [1933], v. 2, p. 931-942.
vienense de fim de século XIX10. No final desse século a mulher se encontrava em condição de
desamparo perante o poder masculino, por tanto, o masoquismo possibilitava uma inscrição do
sujeito feminino na ordem social, pois devia aceitar o jogo mortífero da sujeição. Dessa maneira,
surgiu um modelo de mulher sacrificada e que abre mão de sua condição de sujeito para bem do
homem. Isto se apresentava como uma possibilidade de identificação para a mulher, sintonizada com
o desejo masculino, destino que a cultura lhe reservava. Esta operação ressegurava ao parceiro sua
potência, encobrindo a condição de desamparo que também o ameaçava, tornando-se imprescindível
a seus olhos e ganhando valor positivo e erótico para sua vida masculina, tal como afirma Assoun
(1993)11.
No segundo capítulo de seu livro é que Butler 12 faz uma referência explícita à psicanálise e
apresenta sua posição crítica. A argumentação a autora parte quase exclusivamente do texto
lacaniano de 1958, A Significação do Falo, no qual reconhece um avanço em relação à divisão
binária dos gêneros, pois Lacan sustenta a primazia de uma ordem simbólica quando fala das
posições de “ter” ou “ser” o falo no discurso; mas para ela essas posições discursivas aludem ao
binarismo de gênero masculino/feminino, que ficam subsumidos por um ordenador: o significante
fálico. Nesse sentido a ordem simbólica criaria uma inteligibilidade cultural mediante as posições
mutuamente excludentes de ter o falo (posição dos homens) e ser o falo (posição paradoxal nas
mulheres). O questionamento maior aparece quando Butler afirma que a ordem simbólica é solidária
do discurso heterossexual compulsório. Mas, tendo em conta os ensinamentos posteriores de Lacan,
podemos dizer que aquela posição de 1958 corresponde ao começo de seu ensino, no qual ainda não
estava elaborada uma concepção acabada sobre a teoria da sexuação. Poder-se-ia dizer que “a
significação do falo” responde a uma concepção que pressupõe que “há relação sexual”, suposição
que permitiria um velamento da castração do Outro. Mas Lacan, avançou em sua teorização e, nos
anos de 1970, introduzirá, graças ao objeto a, o teorema de “a não relação sexual”.
Aqui estamos em um momento em que Lacan propõe um gozo do corpo “além do falo”.
Assim, no Seminário Mais Ainda13 elaborará as fórmulas da sexuação, onde se situam os seres que
falam, isto é, para Lacan, “homem” e “mulher” (o binarismo dos gêneros masculino/feminino),
adquire sentido enquanto significantes. Homens e mulheres seriam identificações precárias e
instáveis com traços significantes que se colocam em jogo em cada encontro sexual, é nesse ponto
que cada um se autoriza de acordo a seu modo de gozar. Assim, segundo as estruturas da sexuação
que permitiriam articular o gozo próprio de cada sexo, a heterossexualidade não seria a norma. Ao
contrário, os diferentes modos de gozar, incluso, o gozo infinito do místico põem em jogo a perda e
não a norma. O objeto a vem a demonstrar que o que organiza a comédia dos sexos é justamente o
desfalecimento do falo (Alemán, 2002)14. 
A escola como instituição educadora de crianças, adolescentes e jovens não permanece neutra
frente ao debate que envolve os problemas de gênero, pois a emergência de novos atores sociais
provoca questões para as instituições educativas. As dimensões de gênero e sexualidade adquiriram
uma grande importância na teorização social, cultural e política contemporânea e isto tem se refletido
na esfera educacional.

1.3. GÊNERO E EDUCAÇÃO


Durante o século XX, precisamente desde os anos de 1950/60 aconteceu uma reviravolta em
que a noção de diversidade passou a ser entendida como o reconhecimento das múltiplas formas de
manifestar os gêneros, a sexualidade, a etnia, a condição física e mental, entre outras. Nesse contexto

10
Bertin, C. A mulher em Viena nos tempos de Freud. Campinas: Papirus, 1990. Apud: Giudice Narvaz, Martha. Op. Cit.
11
Assoun, P. Freud e a mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
12
Butler, Judith. Problemas de gênero. Op. Cit.(pp. 61-118)
13
Lacan, Jacques. Seminário XX. Buenos Aires, Paidós, 1991.
14
Alemán, Fátima. Estudios de género y psicoanálisis ¿Disolución de los binarios de género? Revista Conceptual nº 3- Buenos Aires, Ano 2002.
apareceram novas identidades que passaram a configurar-se na ordem social vigente. Esses sujeitos
exigiram o direito de manifestar sua subjetividade e identidade cultural marcadamente singular e não
fixa, porque inserida em um contexto social, portanto, política e estrategicamente assumida, podendo
ser até, tal vez, descartadas ou abandonadas 15. É no âmbito da cultura e da história que se definem as
identidades sociais (todas elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também as
identidades de raça, de nacionalidade, de classe etc.), como afirma Louro (1999). As múltiplas
identidades constituem os sujeitos, na medida em que esses são interpelados a partir de diferentes
situações, instituições ou agrupamentos sociais. Reconhecer-se numa identidade supõe, pois,
responder afirmativamente a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo
social de referência16.
Desde essa perspectiva, a escola exerce um importante papel na construção das
representações sobre os corpos, tanto na abordagem dos conteúdos relativos às suas configurações,
suas partes e funções, assim como nas permissões e interdições relativas ao uso dos mesmos, isto
gera estereótipos de lugares e papéis sociais.
Em relação aos estereótipos de gênero, como opinião pronta, representação fixa, ou
caricatura, Nicole Mosconi17 afirma que essas crenças sobre grupos femininos e masculinos,
contribuem para desvalorizar o feminino e valorizar o masculino, de acordo com a uma ordem social
desigual. Ressalva que esses processos passam despercebidos na maioria das vezes, sendo que esses
estereótipos foram inculcados desde a infância, afetando e determinando as nossas expectativas,
nossos julgamentos e comportamentos. Acrescenta que isto é particularmente verdadeiro em relação
às crianças e aos estudantes. Assim, é nas rotinas e hábitos escolares que o dito e o não dito sobre os
corpos feminino e masculino vão produzindo o que as crianças e adolescentes podem e devem pensar
e dizer sobre eles, assim como o que fazer.
As relações de poder e de saber escolares participam ativamente também da consolidação das
normas culturais que governam a materialidade dos corpos. Escolas, currículos, educadoras e
educadores se sentem desafiado, perplexos frente a questões das que até faz pouco tempo tinham
certezas e respostas seguras (Louro, 2001). Agora as certezas escapam, os modelos mostram-se
inúteis, as fórmulas são inoperantes. Mas é impossível estancar as questões. Não há como ignorar as
‘novas’ práticas, os ‘novos’ sujeitos, suas contestações ao estabelecido. A vocação normalizadora da
Educação vê-se ameaçada. O anseio pelo cânone e pelas metas confiáveis é abalado. A tradição
pragmática leva a perguntar: que fazer?18
Nesse campo existem, a nível brasileiro e internacional, múltiplas iniciativas para trabalhar em
educação na perspectiva do respeito à igualdade/equidade de gênero e à diversidade sexual. A seguir
abordaremos algumas dessas iniciativas a partir de um conjunto de documentos que fundamentam
essa realidade.

a) Brasil
No Brasil existem propostas a nível governamental que aludem à diversidade de gênero,
como as que se apresentam no Caderno N 4 (SECAD/MEC) de 200719. Nessa publicação se alude
crescente mobilização de diversos setores sociais em favor do reconhecimento da legitimidade de
suas diferenças como fator essencial para garantir inclusão, promover igualdade de oportunidades e

15
Diniz, Margareth, Nogueira, P. H. e Miranda, S. A. Gênero e sexualidade na formação docente para a diversidade: possíveis deslocamentos. Artigo
- Fazendo Gênero 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos - 23 a 26 de agosto de 2010
16
Louro, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.
17
Mosconi, Nicole. Genre et pratiques scolaires : comment éduquer à l'égalité ? http://eduscol.education.fr/cid47785/genre-et-pratiques-scolaires
%C2%A0-comment-eduquer-a-l-egalite%C2%A0.html
18
Louro, Guacira Lopes. Teoria Queer - Uma Política Pós-Identitária para a Educação – Revista Estudos Feministas 2/2001.
19
Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos - CADERNO SECAD 4 – Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade – Ministério de Educação – Brasília 2007.
enfrentar toda sorte de preconceito, discriminação e violência, especialmente no que se refere a
questões de gênero e sexualidade.

Essas questões envolvem conceitos fortemente relacionados, tais como gênero, identidade de gênero, sexualidade e
orientação sexual, que requerem a adoção de políticas públicas educacionais que, a um só tempo, contemplem suas
articulações sem negligenciar suas especificidades (pag. 11).

O documento afirma que é preciso considerar a experiência escolar como fundamental para
que tais conceitos se articulem, ao longo de processos em que noções de corpo, gênero e sexualidade,
entre outras, são socialmente construídas e introjetadas. É muito recente a inclusão das questões de
gênero, identidade de gênero e orientação sexual na educação brasileira a partir de uma perspectiva
de valorização da igualdade de gênero e de promoção de uma cultura de respeito e reconhecimento
da diversidade sexual.
Até 2007 a única referência oficial de tratamento das temáticas relativas a gênero no campo
educacional eram os cadernos de Temas Transversais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
para o Ensino Fundamental, publicados pelo MEC em 1998. A menção ao conceito foi inovadora,
entretanto não parece ter sido suficiente para dar conta das múltiplas dimensões envolvidas. O
documento aludido apresenta um exaustivo diagnóstico sobre Gênero e diversidade sexual, assim
como programas, projetos e atividades para executar políticas públicas que propiciem, tanto a
inclusão dos problemas ligados a gênero, como o respeito pela diversidade sexual, no âmbito da
educação escolar no Brasil.
Por outro lado, em um material publicado para um seminário da SECAD, se apresentam os
resultados da pesquisa Projeto de Estudo sobre Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar 20,
publicada em maio de 2009. O público dessa pesquisa foram alunos do Ensino Fundamental e Médio
e de EJA; professores (as) do Ensino Fundamental e Médio que lecionam português e matemática;
diretores(as); profissionais de educação que atuam nas escolas, e pais, mães e responsáveis pelos
alunos que sejam membros do Conselho Escolar ou da Associação de Pais e Mestres.
A análise dos resultados da pesquisa revelou que os diversos públicos-alvo (diretores,
professores, funcionários, alunos e pais / mães) apresentam atitudes, crenças e valores percebidos
que indicam que o preconceito é uma realidade nas escolas públicas brasileiras nas sete áreas
temáticas de discriminação pesquisadas (étnico-racial, de deficiência, de gênero e orientação sexual,
geracional, socioeconômica e territorial). A área temática que apresentou os maiores valores para o
índice ponderado percentual de concordância com as atitudes discriminatórias foi a que exprime a
discriminação em relação a gênero (38,2%) e à identidade de gênero (26,1%), entre outras.
A pesquisa conclui que as escolas são ambientes onde o preconceito é disseminado
entre todos os atores. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de preconceito. Os
resultados obtidos indicam que, de maneira geral, o preconceito, é um elemento efetivamente
presente no ambiente das escolas públicas do país. É importante notar que entre os públicos
pesquisados, funcionários, pais e mães e, principalmente, os alunos, são os que apresentam os
maiores níveis de preconceito, expressos por meio de suas atitudes e verbalizações.
Estudos sobre o comportamento de professores21 comprovou que os agentes da educação
reproduzem as diversas formas de preconceito e discriminação existentes na sociedade e contribuem
para a rejeição ao estudo ou à escola e para o mau desempenho escolar, e que percepções e
expectativas sobre o “outro” interferem negativamente no processo educativo.

b) União Européia

20
Ministério da Educação – MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP - Projeto de estudo sobre ações discriminatórias
no âmbito escolar, organizadas de acordo com áreas temáticas, a saber, étnico-racial, gênero, geracional, territorial, necessidades especiais, socio-
econômica e orientação sexual - Produto 7 - Relatório analítico final- 2009.
21
Canen Anna. Universos Culturais e Representações Docentes: Subsídios para a Formação de Professores para a Diversidade Cultural. Educação &
Sociedade, ano XXII, nº. 77, Dezembro, 2001.
Para ter uma visão global da situação na União Européia consultamos um trabalho elaborado
por duas professoras da Universidade Autônoma de México sobre as políticas de equidade de gênero
naquele âmbito22. Essas autoras afirmam que a igualdade de trato entre homens e mulheres é um
princípio fundamental da União Européia, e um princípio essencial da democracia. Esta é a premissa
básica desde o Tratado de Roma assinado em março de 1957 (pág. 271). A Comunidade Européia
desde seus inícios contemplou importância do respeito à igualdade de oportunidades para homens e
mulheres. Lentamente se foi avançando neste esforço ao longo dos anos, até alcançar legislações
importantes na matéria aplicáveis para todos seus Estados membros.
Em 1997, com a assinatura do Tratado de Amsterdam se deu uma nova base normativa,
concretamente no referente às oportunidades no mercado de trabalho. Com isso, se reforçou
significativamente o direito e a capacidade da União para tomar medidas a favor da igualdade de
tratamento entre os gêneros, outorgando ao legislador os fundamentos jurídicos para eliminar
desigualdades em todos os âmbitos da vida comunitária. Deste modo, as diretivas, que pareciam
isoladas desde o Tratado de Roma, foram se concretizando até alcançar o Tratado Constitutivo da
União Européia (pág. 274). Deste modo se desenvolveu o Plano de Trabalho para a Igualdade entre
os Homens e as Mulheres 2006-2010, que destaca as ações prioritárias para o desempenho a favor da
igualdade entre os gêneros. Esse Plano de Trabalho 2006-2010 estabeleceu os indicadores para
monitorar o progresso dessas propostas.
O Índice de Igualdade de Gênero foi incluído no plano de ação da Estratégia para a Igualdade
entre Mulheres e Homens 2010-2015. Ao Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero foi atribuída
a tarefa de construção de um indicador composto sobre a igualdade de gênero, que refletisse a
realidade multifacetada da igualdade de gênero e que fosse concebido especificamente para o quadro
da política da União Européia e dos Estados-Membros. O trabalho sobre o desenvolvimento do
Índice de Igualdade de Gênero para a Europa começou em 2010 e os resultados foram lançados
oficialmente numa conferência da União Européia, em Bruxelas, no dia 13 de junho de 2013.
O Índice de Igualdade de Gênero se baseia numa metodologia estatística confiável que,
apesar da escassez de dados, conseguiu isolar variáveis rigorosas e comparáveis em todos os Estados
Membros, por tanto, evitou decisões subjetivas através da seleção de um método de atribuição de
peso e  agregação23. O processo se baseou num cálculo de mais de 3.000 alternativas com o objetivo
de escolher o melhor e mais robusto Índice24. Refere-se de forma objetiva às diferenças entre os
gêneros nos domínios de trabalho, dinheiro, conhecimento, tempo, poder, saúde e violência com o
objetivo de proporcionar orientação para elaborar políticas públicas e privadas que reduzam as
diferenças atuais entre os gêneros.
Desde a década de 2000, uma nova geração de pesquisadores interessou-se pelo conceito de
gênero e renovou o conhecimento e as práticas científicas, em uma multidisciplinariedade exemplar.
Estas disposições gerais da União Européia gerou em seus países membros múltiplas políticas
públicas orientadas à Igualdade e Diversidade de Gêneros, por exemplo, esse desenvolvimento
incentivou o Ministério Francês de Ensino Superior e Pesquisas a adotar as proposições apresentadas
no relatório de novembro de 2012, intitulado "Orientações estratégicas para pesquisas sobre o
gênero"25. O compromisso é alcançar metas positivas em relação à diversidade e igualdade no
período de 2013-2018. Conjuntamente com isso o Ministério Francês de Educação Primária
Secundária anunciou que “Depois do pioneiro primeiro ano com "ABCD Equal" e com base na
avaliação apresentada pela Inspecção-Geral da Educação, o governo decidiu iniciar um plano de ação
ambicioso para a igualdade entre meninos e meninas na escola”26.

22
Arroyo, Alejandra e Correa, Eugenia. Políticas de equidad de género: Unión Europea. Revista Género y Globalización.
http.//biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/grupos/giron/13arro.pdf. Acesso: marco 2014.
23
Destacado pela autora do presente trabalho.
24
Gender Equality Index – Report - European Institute for Gender Equality, 2013.
25
http://www.enseignementsup-recherche.gouv.fr/pid29676/parite-femmes-hommes.html
26
http://www.education.gouv.fr/cid80888/plan-d-action-pour-l-egalite-entre-les-filles-et-les-garcons-a-l-ecole.html
Outro país que programou políticas públicas em educação sobre igualdade de gênero é a
Espanha. Em 1990 o Ministério de Educação e Ciência y o Ministério de Trabalho (a través do
Instituto da Mulher) subscreveram um Acordo Marco para promover o princípio de igualdade entre
mulheres e homens na educação, o que permitiu o surgimento de pesquisas, publicações e outras
iniciativas vinculadas o estúdio das mulheres na educação27. A partir desse marco surgiu o projeto
“Intercambia. Educar em feminino e em masculino” 28. Estes são só alguns exemplos, mas existem
em vários países diferentes iniciativas, por exemplo, na Suécia com pré-escolas nas que, de maneira
explícita, se utilizam práticas discursivas neutras para se referir a meninas e meninos.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fazer um percurso pelos documentos que embasam as políticas educativas públicas sobre
igualdade/equidade de gênero e diversidade sexual, tanto no Brasil, como na União Européia, pode
se constatar que os resultados das pesquisas aparecem como dados estatísticos. Especificamente o
Índice sobre Igualdade de Gênero da União Européia, como foi destacado, deixa fora qualquer
consideração subjetiva dos envolvidos nas pesquisas.
Outro aspecto a sublinhar é que nos documentos brasileiros estudados pode se apreciar que
também se inclui a diversidade sexual, não sendo assim nos da União Européia que enfatizam quase
exclusivamente a igualdade de gênero na co-educação.
Perguntamo-nos: como estão implicados subjetivamente os agentes que aplicam as disposições dos
documentos das políticas públicas sobre gênero e diversidade sexual?
Dessas considerações surge a necessidade, por um lado, de fazer estudos que envolvam a
escuta de como os agentes educativos se posicionam subjetivamente perante a igualdade/equidade de
gênero e a diversidade sexual; e por outro lado, fazer uma pesquisa comparativa dos documentos que
fundamentam as políticas sobre igualdade/equidade de gênero e a diversidade sexual.

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