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Criança
PRESENÇA-CAMINHO volume 1
Conversa
DANIELLA FREIXO DE FARIA
Criança
com
PRESENÇA-CAMINHO volume 1
CONVERSA COM CRIANÇA – volume 1
Presença-Caminho
Daniella Freixo de Faria
Bibliografia
O PROBLEMA, O SOFRIMENTO
E A CULPA
Assumirmos a responsabilidade por nossas vidas é realmente um
grande desafio. Outro dia ouvi a frase: “A maior parte do nosso so-
frimento é autocriado” (Amma & Baghavan). Frase forte e difícil de
digerir já que normalmente vemos o nosso sofrimento como culpa de
alguém, ou mesmo nossa culpa. Alguém, alguma coisa está me fazendo
sofrer. Pensar em sofrimento autocriado é desafiador, mas muito in-
teressante. Para isso é necessário entendermos a noção de problema e
também de sofrimento. Temos sempre na vida dois lados, o externo e
o interno. Nesse sentido, o componente externo seria o problema, e o
componente interno, o sofrimento.
Quando percebemos nossa própria vida, é possível observar vários
eventos e situações que acontecem fora de nós. O sofrimento nunca está lá
fora, está sempre aqui dentro. O sofrimento é criado pela mente perante uma
situação e, portanto, não existe fora dela. Os sofrimentos que experimenta-
mos são muito maiores que os problemas que temos quando confrontados
com eles. Isso acontece por ansiedade, medo e preocupação.
Os problemas existem, mas são em menor número do que pensa-
mos. Eles parecem bem grandes devido às atividades que criamos ao seu
redor. Imagens horríveis, cenas trágicas. Darei um exemplo rotineiro na
vida de pais e mães. O telefone toca, você atende, é da escola do seu filho.
Pronto, temos um acontecimento, algum problema, mas logo entramos
na onda de um filme trágico e entramos em sofrimento. As escolas, já tão
habituadas, correm em dizer : “Fique tranquila, não é nada grave”. Quase
que na intenção de parar a mente com seus palpites e nosso sofrimento.
Não é assim mesmo?
Sendo assim, fica claro o quanto temos escolha: sofrer ou não sofrer.
Lidarmos com o problema e a direção que ele nos traz ou sofrermos o proble-
ma e ficarmos estagnados, inundados nas projeções da mente e de toda dor
que caminha com ela. Está nas nossas mãos; afinal, quanto maior consciência,
menor o sofrimento.
Daniella Freixo de Faria
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CULPA
Costumamos ter uma resposta perante um problema. A nossa tão co-
nhecida culpa. Ou culpamos os outros, ou uma situação, ou a nós mesmos.
Quando culpamos os outros, estamos presos aumentando a história e o sofri-
mento, estagnados, empacados. Como que presos numa tempestade de areia
sem enxergar nada, o que nos impede de caminhar e seguir em frente.
Quando nos culpamos como pais e como educadores, acontece algo
ainda mais interessante. Essa culpa é um dos fatores que mais nos atrapalha.
Em vez de nos manter no momento presente, mantendo a responsabilidade
pelo encontro ativada, joga-nos para o grande ciclo vicioso preso ao passado e
nos “des-potencializa” como pais. Afinal, não estamos mais presentes.
Sair do movimento da culpa é extremamente difícil, pois já é uma crença
enraizada. Mais do que isso, temos sempre um juízo de valor, e o que era apenas
experiência, passa a ser uma experiência certa ou errada. Quando certa, senti-
mo-nos maravilhados com a capacidade de sermos ótimos, mas quando consi-
deramos a experiência errada, socorro. Pegamos as chibatas com pontas de ferro
e começamos a nos maltratar, sem dó. Somos pessoas horríveis, feias, erradas.
É importantíssimo percebermos que tanto no julgamento do certo como no
do errado, estamos aprisionados, com uma nuvem de fumaça imensa na frente
dos olhos que nos impede de sermos quem somos, seres humanos aprendizes.
Por isso, quero fazer um convite: vamos nos reconhecer como aprendi-
zes, vamos nos responsabilizar para estarmos sempre disponíveis para apren-
der. Qualquer experiência será o próximo passo ao aprendizado; o que está
numa ótima direção e o que precisa ter seu rumo revisto. Passamos a receber
constantes ajudas na construção dessa jornada única que é a vida, que é estar
aqui e agora.
Em vez de nos culparmos, vamos nos dar amor, colo, aconchego e
calor humano para que possamos investir nossa energia no aprendizado, na
CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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JULGAMENTO
A compaixão por nós mesmos e pelos outros faz perder a importância de
algo muito comum, o julgamento. Quando sentimos culpa, julgamos os outros
e nos julgamos, saímos do lugar do aprendizado, saímos do SER e ficamos
aprisionados ao ego, ao controle, ao medo, ao dedo que aponta os erros e acer-
tos. É o funcionamento natural da mente que nunca desliga, acontece o tempo
todo, a todo momento. Esse lugar, num primeiro momento, parece bastante
confortável, quando pensamos encontrar o que deve ser concertado, no sentido
de que há algo errado. Porém, é nesse mesmo lugar que nos perdemos de nós
mesmos, lugar onde nos colocamos e colocamos os outros como bom ou ruim,
como bem ou mal, certo ou errado. Viver com isso depois é viver a distância,
a solidão, o isolamento do que é mais precioso no processo de aprendizado, a
relação viva com cada pessoa que temos o presente de conviver.
Com a compaixão e o amor que acolhe, podemos perceber que o mo-
mento difícil traz o movimento necessário carregado de novos aprendizados.
Os julgamentos, funcionamento tão comum em nossa forma de viver, pare-
cem claros e límpidos, mas são pura fumaça. Aprisionam e nos deixam sem
novas possibilidades, afinal já está marcado, carimbado, selado. O que se há
de fazer?
O convite que faço a mim e a você é percebermos que somente jun-
tos, presentes, inteiros, com os olhos nos olhos, conseguiremos auxiliar uma
criança, e nós mesmos, no caminho tão importante da vida, poder Ser quem
é, revelar o Ser-essencial. Sair das análises, que no fim são apenas expressões
de nossos próprios valores e necessidades. Colocadas na forma de julgamento,
apenas deixam o outro na defensiva e resistente. Esse mesmo outro que tanto
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A MENTE
E SEU FUNCIONAMENTO
Capítulo 2
O COMEÇO
DO CAMINHO
ESPELHOS
INFALÍVEIS
PRESENÇA
IRMANDADE
CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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O COMEÇO
DO CAMINHO
“O indivíduo não pode ser separado do meio ambiente em que aparece
e vive. Cuidar de um é cuidar do outro. É apenas um aparecendo como dois.
Educar é cuidar da totalidade formada pelo meio e pelo indivíduo. O meio
é o campo que condiciona e imprime suas características no indivíduo, e o
indivíduo imprime suas características e modifica o campo” (Theda Basso e
Moacir Amaral).
No encontro, que começa na gestação, já iniciamos o processo de edu-
cação ao cuidarmos de nós, mulheres, na gravidez. O corpo do bebê, depois
de inúmeras transformações, nasce para, aqui fora, continuar o desenvolvi-
mento. Necessita de todo o carinho, acolhimento e alimento. A criança irá
aprender, com nossa ajuda, a usar um instrumento básico, seu corpo. Aprende
a andar, correr, falar ,pensar, comer, sentir.
A criança passará por todas as fases do desenvolvimento, por todos os
sentimentos, emoções. Está inserida em uma cultura, em um mundo repleto
de crenças, valores, pensamentos, ideias e ideais. Sofrerá todas as influências,
receberá todas as marcas.
Nossa oportunidade, nosso presente, nossa missão como educadores,
a cada encontro, a cada gesto de carinho, a cada não, a cada sim, é estarmos
a serviço de algo maior acontecendo. Um indivíduo descobrindo quem real-
mente é, descobrindo seu dom. Alguém que sentirá vibrar dentro de si a vida
viva, podendo e querendo a cada etapa da vida encontrar seu lugar, encarar
com inteireza os fatos, sentir e viver o verdadeiro e perceber o que não é.
Fazer escolhas com consciência, agir em vez de reagir. Uma vida em que o
aprender, o amar, o despertar, faça sentido.
Nós, educadores, somos seus acompanhantes, seus parceiros. E passa-
remos por todos os momentos, podendo conscientemente ajudá-los a realizar
quem são ou aprisioná-los no que nós, a família, a sociedade, a religião, a políti-
ca, as crenças, a mente, a história, queremos, com nossa ignorância, que sejam.
Mesmo vivendo com a criança cada etapa de seu desenvolvimento, vamos estar
conscientes do que também está acontecendo. Assim, o real ato de educar pode-
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tos de nós ainda não sintamos esse calor, que acalenta, acalma. Talvez muitos
de nós tenhamos tido uma viagem difícil até aqui. Talvez muitos de nós ainda
vivamos nas armadilhas da mente com sua tagarelice, suas análises, julgamen-
tos e culpas.
Pensando nisso, acredito demais no poder de cura dessa relação; afi-
nal, ao estarmos com nossos filhos, temos a oportunidade única de estarmos
também com a própria criança existente em nós. Dar o que gostaríamos de
ter recebido, percebermos a dificuldade, a facilidade, a vontade, a resistência,
a necessidade. Tudo nos informa, conta-nos a respeito da nossa jornada, que
deve ser aplaudida de pé, respeitada, acolhida. É por meio do amor, primeiro
por nós mesmos, pela nossa criança, que conseguiremos abrir os corações
para amarmos o outro, os filhos, os parceiros de viagem. Oportunidade para
todos. Somos todos aprendizes, não podemos esquecer. Afinal, é nessa relação
que a criança vai descobrir quem é, seu valor, sua luz, seu amor e sua alegria e
que passará a compartilhar. Nós, pais, inseridos no processo de aprendizado,
podemos ter consciência viva do nosso papel nessa formação. Que se dá nessa
constante interação. E mais, conscientes da nossa caminhada rumo ao nosso
próprio dom, podemos, ainda mais conectados, encontrarmo-nos de um ou-
tro lugar com a criança. De Ser pra Ser, de Aprendiz pra Aprendiz. Juntos na
jornada da vida, com o amor, com total consciência dos passos do caminho.
Vamos?
A confiança que a criança tem nos pais, gerada com essa certeza do
amor, faz com que a escuta de ambos aconteça com mais qualidade. Desde
a primeira infância, podemos construir com nossos filhos a confiança de que
sempre podem contar conosco e com nossa escuta amorosa. É maravilhoso
perceber quando um filho tem a certeza de que sempre seus pais buscarão en-
tendê-lo, ajudá-lo e auxiliá-lo. Isso já vem pronto? Não, nunca estará objetiva-
mente pronto e conquistado. Muito pelo contrário, é uma longa jornada sem
mapas claros, mas com a certeza do mais importante: o processo, a caminhada
em si, o que construímos juntos. Pura vida viva.
A comunicação ou a linguagem, aqui entendida como toda a forma que
comunica, leva até a criança uma informação a seu respeito. Como a criança
ainda não tem sua identidade formada, é nessa relação, por meio dos nossos
“olhares”, que ela irá se formar. Temos uma responsabilidade enorme como
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pais, como educadores, mas digo que temos uma oportunidade maior ainda,
de juntos aprendermos, crescermos e vivermos nesse mundo da melhor forma
possível, com amor, respeito e reconhecimento do outro.
ESPELHOS
INFALÍVEIS
No cuidado amoroso rumo ao Ser-essencial que se apresenta, algo me
chama a atenção. Para ilustrar melhor, contarei uma história minha. Lembro-
-me das brigas que eu tinha com minha irmã, dois anos mais velha do que eu.
Brigávamos por motivos variados, mas quase sempre por coisas bobas. Nessas
brigas ela sempre me xingava de “gooooooooorda”. Eu sempre tive um corpo
com estrutura, mas nunca, nunca fui gorda. Ela, como era muito magrinha,
xingava-me com propriedade. Resultado: passei a vida toda, até meus 17 anos,
achando-me gorda, fazendo dietas mirabolantes, sempre aflita, com medo de
que aquela gorda pudesse voltar. Para minha surpresa, depois de algum tempo
em terapia, fui atrás de fotos da minha infância. E, acredite, pude perceber o
óbvio, que antes não era claro: eu nunca fui gorda, muito menos a gorda que
imaginava. Ouvi tanto aquilo que acreditei, e mais: vivi essa realidade.
Vamos imaginar agora o quão fundo penetra a frase de um adulto do
círculo de confiança da criança. Eu costumo dizer que entra direto, carimba
imediatamente. Isso acontece porque a criança está desenvolvendo a identi-
dade nessa fase, ainda não tem condição como nós adultos de responder ou
jogar fora o que o outro disse sobre ela. Se bem que pra muitos de nós, já
crescidos, isso ainda é bem difícil, não é mesmo?
Nós, pais e mães, muitas vezes, na ânsia de querermos ajudar em algu-
ma situação, saímos dando nome e sobrenome aos funcionamentos que perce-
bemos deles. Com toda a boa intenção, pensamos estar na direção certa para
conhecê-los ainda mais. Precisamos saber que esse falatório da nossa parte só
prejudica os filhos e todo o processo de autoconhecimento.
Pensamos estar mais próximos e sabidos, mas estamos mais distantes, e
a criança, ao receber toda essa informação, também estará mais distante de si
mesma. Lá vamos nós levados por mais um funcionamento da mente, anali-
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sar, nomear e buscar entender. Coisa que nos coloca longe de nossos corações
e de nossos filhos também.
Essa imagem que a criança começa a ter de si mesma acontece na rela-
ção com as pessoas, em como percebe seu próprio corpo físico, como funcio-
na com as coisas de seu interesse, com o ambiente, o que gosta, as habilidades,
dificuldades, dentre outros. É um processo vivo, que não para, mas que, mo-
mento a momento, traz novas informações a respeito da pergunta que todos
nós conhecemos: “quem sou EU?”. Essas informações vão sendo armazena-
das e fazem parte da resposta nada objetiva que se movimenta conforme as
relações com o todo e sofre transformações.
Hoje, talvez o nosso desafio como educadores seja não mais rotular,
carimbar, enquadrar a criança em nenhuma característica. Essa atitude deixa
a criança absolutamente presa e sem saída. Nosso maior desafio é enxergá-la
sem o conforto de encaixar, coisa que nos parece tão segura, mas é muito mais
frágil do que somos capazes de imaginar.
As palavras que usamos normalmente vêm carregadas de julgamentos
que reverberam nas crianças. As crianças que, na construção da autoimagem,
veem-se de modo negativo, costumam agir de algumas formas: criam defesas
e camuflam o sentimento de inadequação, confirmam a inadequação, aceitam
e levam uma vida meio apagada, agindo de acordo com essa característica, ou
se refugiam em fantasias em busca de alguma compensação pelo que sentem
na realidade. Normalmente, não percebemos isso acontecer. E sabe por quê?
Porque nós fomos educados dessa maneira. Sempre ouvimos comparações e
sempre fomos caracterizados, seja como tímidos, agitados, diferentes, agressi-
vos, molengas, terríveis e assim por diante. E provavelmente com nossos pais,
avós, aconteceu da mesma forma.
Vamos em busca da segurança racional, mental, saber o que está acon-
tecendo, qual é o problema, não é assim que fazemos? Esse enquadramento
traz o falso alívio, a falsa segurança de que conhecemos os filhos, mas estamos
enganados, estamos muito longe disso. Como se pudéssemos escolher: viver
a vida numa fotografia, parada, que em si contém toda informação, finita e
sem perspectivas, ou viver a vida num filme 4D, vivo, repleto de histórias e
novas possibilidades, cheiros, cores, caminhos, aventuras, alegrias. Filme da
vida viva, construído a cada passo do caminho.
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adulto que fornece a referência tão importante. Precisa existir para ela mesma,
é o começo da jornada rumo ao despertar.
As crianças são tão inteligentes e precisam tanto de reconhecimento
que, mesmo que existam negativamente, ainda assim existem, melhor do que
não existir. É mais uma vez a mente garantindo sua fictícia tranquilidade e
segurança. Todo reconhecimento é forte e necessário, acredito eu, para conti-
nuar em frente, crescendo.
Acontece geralmente aos cinco anos; a criança já reuniu reflexos sufi-
cientes a seu respeito para poder formar sua primeira autoimagem. Pode não
se sentir bem consigo mesma em todos os momentos, mas, se de modo geral
se sentir amada e reconhecida, sentirá alegria ao perceber quem é. Então toda
vez que usamos a frase “Você é” ou “Nossa, como ele…”, precisamos estar
conscientes de que nossas crianças confiam em nós, acreditam em nós e nunca
questionarão o que estamos contando a elas sobre elas. E nós podemos man-
ter viva nossa missão, a educação, auxiliar a criança a desvelar seu Ser-essencial
e não encaixá-la em rótulos. Podemos, sim, com nosso exemplo e amor, estar
com elas para viver cada situação como aprendizado conjunto. E a partir daí,
encontrarmos novos caminhos, novas possibilidades para lidarmos com dife-
rentes situações.
A vivência profissional nos últimos anos me mostrou o quão forte e
direta é essa influência. As crianças apenas respondem. Nos encontros com
crianças, pude experimentar algo incrível. A prova de que cada relação é única
e de que com crianças somos todos espelhos referenciais. Por isso, quando
nós, adultos, quebramos esse ciclo, os comportamentos também se alteram,
pois a criança se percebe reconhecida de outras formas e está livre, apoiada
para também agir de outras formas. Está feliz, leve, aliviada. Ter um outro
olhar referencial faz com que ela enxergue a si mesma com outras possibilida-
des, outras cores, outros encantos. Esse novo olhar é fruto de coração aberto,
aberto para simplesmente estar presente. Recebendo as informações que ali
estão. Aberto ao novo, ao “não sei” que tanto traz oportunidade da constru-
ção de novos saberes.
O mais importante: ao usar o “Como você é…”, seguimos com as
crianças direto para o comportamento que precisa ser transformado ou que
tanto queremos evitar. Nesse ciclo improdutivo, a criança passa a ter um au-
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Com isso, o reflexo do espelho que cria e que colabora na formação da autoi-
magem dos filhos se torna positivo. Pois o amor, a presença nesse encontro,
está garantida. A criança percebe e consegue aprender novas atitudes de forma
natural e fluida.
Os rótulos, diagnósticos precoces, são preocupantes, podem funcio-
nar como reflexo sobre uma vida inteira. Acredito que todo diagnóstico
deve ser feito com extrema cautela, depois de cuidar de todos os processos
familiares do qual estamos falando até o momento. Nunca me esquecerei
de um menino de sete anos prestes a repetir de ano na escola. Nos encon-
tros com ele e seus pais, pudemos perceber que havia um ciclo instalado.
Nascido numa família em que a mãe tinha um funcionamento ágil e rá-
pido, ouviu desde pequeno que era mais molenga, ou então para tudo
havia um chamado de “Vamos logo, vamos!”. Na escola, nunca conseguia
terminar as tarefas no tempo proposto, além do fato de que não conse-
guir acompanhar a classe. Depois de alguns encontros e muito trabalho,
conseguimos rever os olhares, as falas, a qualidade de presença, escuta e
disponibilidade. Os pais, com toda a clareza e consciência, perceberam a
referência que estavam oferecendo a ele. Com a presença, disponibilidade
para conhecer, encontrar e construir junto a esse menino, o novo caminho
foi surgindo e suas atitudes começaram a mudar. Voltou a aprender, a
prestar atenção; o que era lentidão foi se transformando em ritmo, mais
confiante, e ele desabrochou na escola, em casa, na vida. Foi de fato respei-
tado e visto como único. Passou de ano tranquilo e um dia me disse com
todas as letras: “Hoje eu sou mais feliz”.
Talvez hoje você possa ser você mesmo, em sua jornada de aprendiz,
tendo seus pais também mais felizes, como grandes agentes do importante
passo em estradas tomadas pela confiança, amor, escuta e alegria.
Exemplos de vida e de retomada como esses são muitos, mas o pro-
pósito aqui é cuidarmos antes e não nos afastarmos da missão de educa-
dores aprendizes. Cuidando do profundo e do superficial, cuidando de
como estar nesse mundo e como ajudar um ser humano a desvelar o Ser
que aí está. Ajudar a pessoa a se abrir para o Ser, para o dom e ao mesmo
tempo ensinar e continuar aprendendo na convivência que é tão intensa,
tão presente.
Daniella Freixo de Faria
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PRESENÇA
Quando acompanho uma família retomar o fluxo da vida, confirmo
o quanto podemos aprender com nossos filhos. O quanto somos aprendi-
zes sempre. A experiência de olhar novamente, respirar, transformar desde a
criança traz para nós a oportunidade de renascer. A oportunidade de revermos
as histórias, nossa criança e despertar como Ser, como pessoa, como vida que
se apresenta, como Presença.
Presença, palavra forte que talvez conheçamos apenas como estar ali, aqui,
será que veio, não veio, está, não está. Ou na chamada da escola: “Daniella?”.
“PRESENTE!”. Presença, fluxo vivo, capacidade de acalmar os pensamentos e ir
ao encontro do silêncio, que, ainda repleto de barulho, encontra uma harmonia,
uma paz gostosa. Presença que somos capazes de sentir, perceber o sutil, o denso,
a essência, a vida pulsando, a alegria, o amor, a ligação do micro e do macro, do
um e de tudo, da unidade e totalidade. Que nos coloca a serviço desse dom, desse
Ser que entregue, caminha pela vida com os outros e consigo mesmo, com a hu-
mildade de aprendiz, vontade de criança e o coração aberto.
Como a música que adoro – Serra do Luar, da Leila Pinheiro –: “A
mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”. Às vezes caminhando
mais firmes, fortes, outras vezes com mais suavidade, sutileza, mas sempre
inteiros, despertos, prontos para essa dança que é estar aqui vivo, fluindo,
dando e recebendo o que há de mais sagrado: o amor. E com nossos pe-
quenos, temos a oportunidade de entrar na escola repleta de oportunidades
de aprendizados, de encontros, reencontros. Temos a real oportunidade de
aprender a amar. Para depois expandir essa possibilidade para todos os nossos
companheiros de viagem.
Nessa relação de abertura, a criança com o Ser acolhido, com o reflexo
positivo, com os comportamentos e atitudes corrigidos, está livre para apren-
der, pois errar passa a fazer parte do grande aprendizado que nunca termina.
Saímos então do julgamento e abrimos o mundo de possibilidades, saímos da
crítica à criança e ensinamos/aprendemos sobre seus comportamentos, novas
possibilidades de comunicar as mesmas coisas, saímos da prisão e chegamos
à liberdade, saímos da dor e chegamos à alegria, saímos do peso e chegamos
à leveza, mas, principalmente, saímos da distância e chegamos ao encontro.
CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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A IRMANDADE
Como é maravilhoso ter irmão, irmã, ou os dois. Crescer com alguém
ao lado é tão especial que talvez só tenhamos consciência quando grandes,
adultos já formados. É importante saber que nosso olhar interferirá direta-
mente na relação entre irmãos, por isso vamos falar disso aqui. Nas obser-
vações de uma palestra que fiz na escola Lourenço Castanho, li: “Não vejo
a hora de ir para casa abraçar e beijar cada um dos meus filhos únicos”. Que
presente sentir quão livre, leve e feliz é essa colocação. Isso mesmo, mesmo
tendo dez filhos, temos dez filhos únicos. Únicos em suas necessidades, em
seu jeito, seu olhar, seu ritmo, seu gosto, suas gracinhas, sua própria vibração,
único em quem é. Sem a comparação como uma forma de resolvermos algo
que não estamos conseguindo lidar.
Lembro-me do quanto eu tinha o olhar da certinha em casa: estudiosa,
tímida; minha irmã ocupava o olhar da preguiçosa, com mais dificuldade nos
estudos, mais “desencanada”. Nós duas nos fixamos, hoje somos grandes ami-
gas e parceiras, mas, para tal, precisamos sair desse lugar. Lugar que, nem de
longe, nossos pais quiseram nos colocar. Esse efeito comparação é bombásti-
co, sempre bombástico. Não vale a pena, nunca. Encaixa, enquadra e distancia
os dois irmãos. É importante que toda a correção aconteça separadamente.
O olhar dos pais para os dois seres que juntos crescerão com desafios
Daniella Freixo de Faria
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direito de Ser quem somos sempre, despertos aos inúmeros chamados para
qual é o próximo passo do caminho. Vamos?
Conviver com um irmão ou irmã é o que há de mais especial e sagrado
para uma criança. E o mais lindo é ver quando eles percebem isso. É quando
chega o momento e a criança simplesmente pede mais irmãozinhos. Delícia!
Daniella Freixo de Faria
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CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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PRESENTE
DE NATAL
No último Natal, as crianças resolveram fazer um presente para o bom
velhinho. Escolheram cantar e dançar. Na escolha da música, uma deliciosa
surpresa. Nunca havia realmente “escutado” a música até a noite de Natal.
Obrigada amados Duda, Malu, Bebel, Gabi, Dudu, Nando, Nina, Carol e
novo amor da família, Gabriel. Que música? Acho que você conhece. Minha
eterna criança agradece imensamente.
Aquarela
(Toquinho/Vinicius de Moraes)
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…
Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar…
Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar…
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida…
De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo…
Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está…
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
CONVERSA COM CRIANÇA – Presença-Caminho
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E depois convida
A rir ou chorar…
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá…
Acredito que não descolorirá. E você? Vida viva colorida, pulsando em to-
dos nós. O futuro sendo construído como direta consequência do aqui e agora, de
nossas escolhas conscientes, de nosso Coração. Encontrando o que já “É”, já está.
Sabedoria, contato, encontros, liberdade e muitos convites para vivermos no amor.
Fé no movimento vivo de entrega, confiança, aceitação e imensa grati-
dão. Vida que nos marca e nos traz a imensa possibilidade de crescer, apren-
der, Ser. Despertar! Vida que nos traz o Presente de sermos Pais e Mães eter-
nos Aprendizes!
Sigo como aprendiz, caminhando junto com você. Numa troca viva,
somos pura sabedoria e aprendizado. Talvez por isso, sem ao menos perceber,
toda essa caminhada tenha acontecido no “NÓS”, primeira pessoa do plural.
Sinto, percebo e aceito esse movimento como um grande abraço, um grande
acolhimento seguindo no amor e na certeza de que nunca estivemos nem es-
taremos separados. Receba meu amor e gratidão pela oportunidade e imenso
presente de compartilharmos nossa Luz. Estou e sempre estarei disponível
para aprender com você. Muito obrigada.
GRATIDÃO
Sou agradecida, encantada por cada passo do caminho, que nada seria
sem as pessoas que nele encontrei. Gratidão por cada inspiração e expiração.
Cada olhar, cada palavra, cada encontro repleto de amor e entrega. É mara-
vilhoso sentir o amor por cada risada, cada brincadeira inventada, cada olhar
Daniella Freixo de Faria
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único, cada história contada por cada criança, Ser ÚNICO de Luz que ao
olhar pra mim também me convida ao encontro comigo mesma.
Vocês, crianças, presentes únicos na minha vida, são e serão meus ver-
dadeiros mestres, com que tive e terei meus mais ricos e profundos aprendi-
zados. Pude reencontrar a minha criança e viver a tal liberdade, o profundo
amor, vida viva, desperta, na Luz, ser APRENDIZ!
Obrigada, amados pais e mães, por tamanha confiança, uma honra,
um presente para mim. Recebam meu carinho e enorme gratidão minha tão
amada família Freixo de Faria Bonfim, vocês são a minha vida. Gratidão aos
amigos queridos que sempre me apoiaram e me fizeram acreditar. Gratidão
a Dina que cuida tão bem de nossa família e casa. Agradecimento especial
aos meus professores que me fizeram apaixonar por esse caminho (Escola
Lourenço Castanho, Pueri Domus, Psicologia da PUC-SP, Cogeae Puc, DEP
– Dinâmica Energética do Psiquismo). Em especial Noeli, Durval e todos os
professores da Psicologia Analítica. Obrigada Lucia Azevedo e Laura Villares
pelos primeiros anos de terapia e supervisão. Eternos agradecimentos à mi-
nha psicóloga, supervisora Kitty Haasz, grande parceira nesta caminhada com
sua escuta tão amorosa. Gratidão eterna à minha madrinha de profissão, que
sempre me apoiou em minha trajetória, Silvana Pepe e a escola Horizontes
Uirapuru que me acolheu no início deste trabalho. E à equipe do Núcleo Ser,
que, com seu incrível trabalho, tanto me ensinou sobre crianças. Gratidão
pela parceria com escolas incríveis e pelas trocas preciosas com orientadoras,
professoras(es) e psicopedagogas que sempre tive o privilégio de encontrar.
Sem vocês, nada disso seria possível!
Daniella
São Paulo, outono de 2013
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