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N.

11 MAI 2018

o que dizem as estatísticas

ODS 10: o desafio de


vencer as desigualdades

O desalento de quem não


encontrou trabalho

Café: aqui se faz,


aqui se bebe
editorial
As metas do ODS 10 (Objetivo de Desenvol- O mercado de trabalho é outro campo no
vimento Sustentável) apontam para políticas de qual se percebem as consequências da desi-
distribuição de renda, leis adequadas e não dis- gualdade, ao ponto de parcelas da população
criminatórias e proteção salarial. Por isso, além desistirem de buscar emprego após inúme-
de ser tema da entrevista da série sobre os ODS, ras tentativas fracassadas de conseguir uma

COLORFUL
a questão da desigualdade é o pano de fundo de ocupação. É a chamada população desalentada
outras reportagens desta edição. que, no 4º trimestre de 2017, chegava a 4,3
Falar de cor ou raça, por exemplo, leva a milhões de pessoas no país.
B A C K G R O U N D pensar no quanto o Brasil é um país desigual,
onde as relações sociais ainda são marcadas
Além de problemas a serem resolvidos,
o país também tem suas riquezas. Um brasi-
por diversos preconceitos. Mostra disso são liense contou para a Retratos suas aventuras
as estatísticas de cor ou raça produzidas pelo ao atravessar o território nacional, tendo os
IBGE, as quais revelam que os brancos, em quatro pontos extremos do Brasil como locais
relação aos pretos e pardos, têm os maiores de partida ou de chegada.
salários, sofrem menos com o desemprego Para terminar, que tal um cafezinho? A
e são maioria entre os que frequentam o matéria sobre essa bebida tão apreciada pelos
ensino superior. Assim, apesar de nem brasileiros traz informações sobre sua produ-
sempre ser fácil responder à pergunta “qual ção e consumo, além de curiosidades sobre seu
é sua cor ou raça?”, é fundamental entender preparo. Boa leitura!
a importância da questão para a elaboração
de políticas públicas. Equipe da redação

expediente Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística


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2595-0800 Críticas e sugestões:
Marcelo Benedicto
Maysa Sacramento Helena Pontes
Marília Loschi revistaretratos@ibge.gov.br
de Magalhães

mai 2018 retratos a revista do ibge 3


#ibge
5
26
#ibge  

O IBGE de Charita Castro e agenciadenoticias.ibge.gov.br  @ibgecomunica  /ibgeoficial

333
  @ibgeoficial 

11
referência: março

/ibgeoficial

i g
curtidas comentários

Mulher estuda mais, trabalha mais e ganha


menos do que o homem
As mulheres trabalham, em média, três horas por
semana a mais do que os homens, combinando
trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados
de pessoas. Mesmo assim, e ainda contando com um

b
nível educacional mais alto, elas ganham, em média,
76,5% do rendimento dos homens. Essas e outras
informações estão no estudo de Estatísticas de Gênero,
14 As cores da
desigualdade divulgado hoje [07/03] pelo IBGE.
Estatísticas de cor Veja mais: bit.ly/2Ia6FD8
ou raça mostram as
marcas do preconceito

279.370
O clima é de reta final
no #censoagro2017!
seguidores no Facebook E, para ilustrar o nosso
6 Desigualdade, um 12 Os extremos
do Brasil #IBGEemCampo de hoje,
desafio histórico
Metas do ODS 10
buscam acabar com
A aventura do
brasiliense que cruzou
o país de Norte a Sul e
20.673 escolhemos essa foto do
@arthurfil7 junto com a

682
exclusão social e reações no Facebook galera durante o trabalho
política de Oeste a Leste
de campo.
curtidas Veja mais: bit.ly/2HrxsuB
Notícia mais lida
8 Que tal um 20 Os números
do desalento Desemprego volta a crescer com 13,1 milhões
cafezinho? de pessoas em busca de ocupação
Histórias de pessoas
Curiosidades sobre a
que desistiram de A taxa de desocupação voltou a crescer, no trimestre
bebida apreciada em
procurar trabalho
todo o país de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, atingindo
12,6%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (PNAD-C), divulgada hoje [29/03]
pelo IBGE.

PNAD Contínua
2.744
acessos
bit.ly/
2v2ZIkN

4 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 5
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 10:
Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

mos aquela fração da população, você pode notar que é um ODS dade, que nem sempre recebe
os 10% que detêm os maiores que aborda a desigualdade em bem a ideia de tratar de forma
rendimentos, com os 40% que diferentes temas. diferente pessoas que teorica-
têm os menores rendimentos. mente seriam iguais.
A desigualdade de apropriação de Retratos  Que temas seriam André  Então, teoricamente
renda é muito grande no Brasil. esses? somos todos iguais. Na prática
E isso implica no campo das polí- André  Um ponto que nós deveríamos ser todos iguais, mas

Pedro Vidal
ticas públicas, na vulnerabilidade tratamos bastante é a questão não somos. As políticas vêm no
de populações específicas. Olhan- da renda. Tem um indicador sentindo de tentar promover
do os indicadores educacionais, importante também, que é a essa igualdade. Existe esse dis- André Simões,
de rendimento e de inserção participação das remunerações curso de que não se pode fazer doutor em Economia
no mercado de trabalho, são as do trabalho no Produto Interno políticas para beneficiar grupos pela UFRJ, é o
pesquisador do IBGE
mulheres, os pretos e pardos e os Bruto, e aí você vê quanto do PIB mais vulneráveis, porque “somos
responsável por
jovens os grupos vulneráveis que é composto pelas remunerações todos iguais”. Na verdade, isso articular o ODS 10.
apresentam situação de maior do trabalho. Se você pega uma deveria ter sido feito antes para

Desigualdade, um desafio histórico desigualdade quando compara-


dos aos demais.
série histórica você pode ver a
evolução: na medida em que você
tem uma maior participação do
garantir que todos pudessem
partir do mesmo ponto de parti-
da, digamos assim. Só que temos
Enfrentar a desigualdade no Revista Retratos  Como a gente pode entender esse Retratos  Qual a importân- trabalho, uma massa de rendi- um passivo muito grande hoje
Objetivo 10, sobre reduzir a desigualdade, cia do ODS 10 diante desse mento aumentando, então você que deve ser equalizado. E como
Brasil requer, primeiramente, quadro? tem uma apropriação maior de você equaliza isso? É fazendo
no contexto brasileiro?
olhar para nossa história a fim de André Simões  Primeiro é importante mencionar que, no André  Então, o ODS 10 rendimento pela população. Se políticas voltadas para esses
compreender os processos que Brasil, a desigualdade é muito mais que um tema: é uma vem para o Brasil como uma você tem um país que tem uma grupos. No mundo ideal todos
característica que transcende praticamente todos os nossos oportunidade de o país fazer grande proporção do seu PIB são iguais, todos têm as mesmas
resultaram na exclusão social um acompanhamento desses apropriado pelo capital ou por oportunidades. Mas isso não
modos de vida, nossas formas de enxergar o país. A desi-
texto e política de grandes parcelas gualdade se manifesta em diferentes níveis. Pode ser uma indicadores e avaliar, em com- aqueles que vivem de lucro e existe no mundo real, as pessoas
  Marília Loschi da população. As metas do desigualdade de oportunidades, de renda, de mercado de paração com outros países, o dividendos, então você retira do partem de pontos diferentes e,
arte e design trabalho, pode ser uma desigualdade num nível simbólico, que nós precisamos fazer para trabalho, das remunerações e da- mesmo com políticas que equa-
  Licia Rubinstein
ODS 10 apontam para políticas reduzir os níveis de desigual- quilo que vai gerar condições de lizem essas oportunidades, ainda
no caso na sensação de pertencimento ao local, de se sentir
de distribuição de renda, leis bem no local, de se sentir como igual no país que você está. dade. Porque olhar somente a população se manter e produzir assim vão atuar os fatores mais
adequadas e não discriminatórias o indicador, sem pensar em suas condições de vida. São in- simbólicos, culturais, patrimo-

i
Retratos  Como podemos observar as desigualdades política, é insuficiente. Esse é dicadores que, em conjunto, vão niais. Em um país como o nosso,
e proteção salarial. O pesquisador
através de estatísticas? um panorama mais geral desse dando um panorama da condi- não ter políticas é desconhecer
André Simões explica o papel das André  No campo da renda, indicadores como o Índice ODS e da importância dele, ção de desigualdade no país. nossa realidade histórica, de
políticas públicas como forma de de Gini, que mede a desigualdade, são bem consolidados. especificamente, para o nosso onde nós vimos, nossa herança
reduzir as desigualdades, tendo em O Brasil tem um índice bastante elevado em comparação país. Em relação ao ODS em Retratos  Quando a gente escravocrata, patrimonialista, e
com países vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile e si, pelo fato de a desigualdade fala de como a desigualdade é também não está de acordo com
vista o desenvolvimento econômico em comparação com países desenvolvidos. E também em ser um tema bastante amplo e tratada através de políticas pú- a necessidade de o país se desen-
e a universalização da cidadania. relação à apropriação de rendimentos, quando compara- estar em diferentes domínios, blicas, há polêmica na socie- volver, enquanto nação.

6 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 7
que tal um
cafezinho? tos Familiares (POF), que está
em campo para coletar dados
tão bem quanto o café. Pela
cultura do café, passam o forta-
de dois em dois anos. “Essa
característica é do café plantado
Campeão nacional
De acordo com a

n
atualizados sobre o consumo lecimento da aristocracia principalmente em Minas Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF), em
das famílias. brasileira, os sofrimentos Gerais. Esse ano, a bienalidade 2008, Rondônia e Minas
Já o Observatório do Café, advindos da escravidão, o do café é positiva”, explica Gerais ocupavam a
texto  Adriana Saraiva, Marcelo Benedicto e Marília Loschi coordenado pela Empresa crescimento do comércio Carlos Antonio Barradas, liderança no ranking de
fotos e design  Pedro Vidal   colaboração  Curto Café Brasileira de Pesquisa Agro- exterior e a própria indus- analista da coordenação de consumo de café em
casa, com 3,2 kg e 3,1 kg
pecuária (Embrapa), mostra trialização do país. Agricultura do IBGE. por pessoa/ano, respec-
um dos restaurantes mais anti- de café espresso pago à parte. “Procuro ter entendimento de que o consumo interno de café Confirmando a força do Com a produção nacional tivamente. Além disso,
Rondônia é o quinto
gos do centro do Rio de Janeiro, “É verdade, o café espresso tudo que envolve café, desde no Brasil, em 2017, foi de 21,5 café na agricultura, o Levanta- do grão garantida, o prazer de
maior produtor de café
os garçons – alguns com mais tomou um grande espaço no o momento em que é cultiva- milhões de sacas de 60 kg. Com mento Sistemático da Produção saborear aquele cafezinho pode do país. Segundo Calixto
de 20 anos de casa e conhecidos mercado brasileiro”, explica Sil- do até o momento em que é esse volume, o país atingiu Agrícola (LSPA) estimou, em continuar sendo um hábito Rosa Neto, analista da
pelo nome – retiram os pratos e via Oigman, pesquisadora com consumido. Esse know-how me a segunda colocação no fevereiro, um crescimento de saudável na vida dos brasilei- Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária
talheres após o almoço. Lá, ain- pós-doutorado em neurociência ajuda no meu dia-a-dia como ranking do consumo mundial 14,6% em sua produção para ros. Estudos de neurociência (Embrapa), o café é uma
da é possível pedir como manda do café. “Mas a tendência é cientista”, conta. da bebida, perdendo apenas 2018, chegando a 3,2 milhões mostram que o aroma do café das principais culturas
a tradição: “um cafezinho e a que os cafés coados voltem A paixão de Silvia pelo café para os Estados Unidos, que de toneladas ou 53,0 milhões ativa o sistema de recompensa agrícolas geradoras de
ICMS para o estado, e é
conta, por favor” e receber à com uma cara nova, através de parece ser um sentimento com- consomem 25,8 milhões de de sacas de 60 kg. O aumento no cérebro. “Ele ativa regiões de cultivado basicamente
mesa as xícaras aquecidas, um monodoses (coados individu- partilhado pelos brasileiros em sacas de café ao ano. é explicado por uma caracte- prazer no cérebro, da mesma por agricultores
bule de inox repleto de um bom almente)”. Além de objeto de geral. Em 2008, por exemplo, rística do café arábica (espécie forma que o amor, as drogas familiares.
café coado e, para arrematar, estudo, o café também é um cada residência do país com- Aroma da felicidade cultivada em altitudes acima de e músicas agradáveis. Apenas
um potinho de creme batido. hobby na vida de Silvia, que prou, em média, 2,6 kg de café Talvez nenhum outro produto 700 metros) chamada bienali- sentir o cheiro do café já é su-
A cortesia é uma verdadeira se tornou barista (especialista por morador. A informação faz seja capaz de contar a história dade, em que a planta atinge a ficiente para nos trazer muitos
relíquia, em tempos modernos em preparar e servir cafés). parte da Pesquisa de Orçamen- econômica e social do Brasil melhor produtividade apenas benefícios”, explica Silvia.

8
b
retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 9
Produção mundial
números Consumo mensal de café

espressos
de café por família no brasil
2017/2018
Organização Internacional do Café (OIC) safra

POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares - 2008

#1 rondônia 3,217kg
Brasil 32,4%
#2 minas gerais 3,099kg

Vietnà 17,9% #3 santa catarina 3,084kg


33,5%
Colômbia 8,8% #4 paraná 3,031kg
Indonésia 6,8% Minas gerais
1.834.171 ha #5 distrito federal 2,966kg
51 outros países
#28 roraima 1,494kg
produtores 34,1% área plantada
de café por estado média nacional 2,446kg
PAM - Produção Agrícola Municipal

outros
109.925 ha

Rondônia
canéfora
90.331 ha

Bahia
129.143 ha

Diferentes grãos
O Brasil produz cafés do tipo arábica (Coffea arábica
arabica) e canéfora (Coffea canephora). O arábica
fornece grãos de ampla variedade de acidez, aroma,
Tipos de preparo corpo e sabor; está mais sujeito ao clima e solo da região
onde é cultivado, dando origem aos cafés gourmet. O canéfora, que O café da redação
No Brasil, o café “pingado” é bastante São Paulo
pode ser da variedade robusta ou conilon, mais barato e amargo, é A equipe de Comunicação
popular na padaria: adiciona-se leite 340.114 ha usado principalmente para cafés solúveis. O pó de café do mercado Social do IBGE mostra
ao café coado e serve-se, geralmente,
geralmente é uma mistura de arábica com canéfora. que também produz
no copo americano. O café em Minas
Gerais é conhecido por ser suave estatísticas: o consumo
e já vai para o bule com açúcar, mensal de café na reda-
principalmente no interior. O “carioca” ção é de 60 litros, uma
se refere ao café espresso ao qual média diária de 2,2
se adiciona uma porção de água. copinhos por pessoa.

área plantada Espírito Santo

de café no brasil 515.367 ha Exóticos


PAM - Produção Agrícola Municipal Pode parecer estranho, mas quem
provou garante que são especiais:
cafés selecionados a partir de grãos
digeridos por animais. Produzido na
Indonésia, o Kopi Luwak é o mais
caro do mundo, obtido a partir dos
grãos expelidos pelo civeta ou gato
de Sumatra. O Brasil copiou a ideia
e usa o jacu, uma ave que adora
2012 2013 2014 2015 2016 comer os melhores frutos do café.
3.037.534 ha 2.964.538 ha 2.804.070 ha 2.647.504 ha 3.019.051 ha

10 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 11
os extremos
do Brasil
u
texto  Marcelo Benedicto
arte e design  Pedro Vidal
colaboração  Marcelo dos Santos Barreto

m turista que caminha na comida e equipamentos. Ao conhecia desde 1933: o ponto O que é um marco
praia da Ponta do Seixas, em todo foram necessários cem dias extremo do Norte do país não geodésico?
João Pessoa, Paraíba, está no na travessia Oeste-Leste e 120 na fica no Oiapoque (Amapá), mas São estruturas que
ponto mais oriental (ao Leste) travessia Norte-Sul, incluindo as no Monte Caburaí, no municí- determinam as
coordenadas (latitude,
do território brasileiro. Outro paradas para descanso. pio Uiramutã, em Roraima. longitude e altitude)
que tira fotos do arroio Chuí, Segundo ele, o maior desafio “Desde o Império já se para o sistema GPS
pequeno rio localizado na foi alcançar o ponto extremo sabia que o ponto extremo e fazem parte do
Sistema Geodésico
fronteira entre o Rio Grande do localizado no Acre, pois o era em Caburaí. As missões Brasileiro, administrado
Sul e o Uruguai, pode postar caminho até a nascente do rio do Brasil e de Portugal não pelo IBGE. Em 1998,
nas redes sociais a prova de que Moa, na serra Contamana, conseguiram chegar lá, mas a missão que reconhe-
ceu o Monte Caburaí
visitou o ponto mais meridional é cheio de abismos, cânions, no Oiapoque conseguiram
como o ponto extremo
(ao Sul) do Brasil. Porém, animais selvagens e vegetação chegar. Então, foi feita uma do norte do país não
encontrar turistas fazendo uma densa. Para conseguir chegar convenção dos extremos da faixa encontrou o marco que
havia sido implantado
selfie no ponto mais ocidental até lá, estudou as rotas a litorânea (Oiapoque e Chuí)”,
no local em 1933.
(a Oeste, próximo à nascente do serem seguidas, traçou as explica Carlos Alberto Castro Então, foram realizados
rio Moa, no Acre) ou no mais coordenadas e contratou Junior, gerente de Geodésia e estudos para atualizar
setentrional (ao Norte, no Monte pessoas para ajudá-lo a carregar Cartografia do IBGE, em Goiás. as coordenadas
para fixação de um
Caburaí, em Roraima) é algo comida e equipamentos. No Para documentar sua aven- novo marco. Porém,
pouco provável, pois não é nada Monte Caburaí, em Roraima, tura, Leonardo acoplou uma Leonardo Meirelles,
fácil chegar a esses locais. É o a realidade não foi diferente. máquina fotográfica no peito em uma de suas idas
ao Caburaí, conta que
que conta o brasiliense Leonardo Passou por várias comunidades que tirava uma foto a cada mi-
encontrou o marco
César Osório Meirelles, 52 anos, indígenas e seguiu a pé pela nuto. O resultado foi um acer- antigo.
administrador de imóveis que mata até a divisa do Brasil com a vo de 60 mil fotos e 60 horas
realizou a proeza de visitar os Guiana, onde está implantado o de vídeo de todo o percurso,
quatro pontos extremos do país. marco que determina o extremo tudo sincronizado por GPS,
Em 2014, Leonardo partiu Norte do Brasil – que assim foi com data e horário.
do Monte Caburaí, percorreu reconhecido em 1998. “Vi muita coisa nesses mi-

g
cerca de 6.200 km e chegou ao Foi nesse ano que uma mis- lhares de quilômetros. Achei o
arroio Chuí. Em 2016, saiu da são oficial formada pela Comis- Cerrado lindo e o encontro das
nascente do rio Moa e seguiu são Brasileira Demarcadora de águas do Rio Negro com o So-
até a Ponta do Seixas, vencendo Limites, órgão do Ministério das limões. Fiquei muito chateado
um percurso de 5.800 km. Em Relações Exteriores, juntamente com o desmatamento, com a
ambos os trajetos, se deslocou com o Exército, o IBGE e repre- grande quantidade de animais
a pé, de bicicleta ou de caiaque, sentantes do governo da Guiana, atropelados ao longo do cami-
contando com o apoio de um foi ao Monte Caburaí confirmar nho e com o abandono de mui-
carro para transportar barraca, uma informação que o Brasil tas estradas”, lamenta.

12 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 13
Quando criança, o ator Milton
Gonçalves tinha o sonho de ser
jogador de futebol, mas o clube de
que queria fazer parte não contratava
pretos. “Era muito difícil, em qualquer
lugar do país, ser negro”, comenta e
completa: “Ainda hoje o negro não
é tratado com respeito no Brasil.
Quando penso nisso, volto para
minha infância. Essas coisas não me
machucam como antigamente, mas
me incomodam intelectualmente.

texto  Irene Gomes e Mônica Marli


A professora Michele Cassiano
foi a primeira da sua família a arte e design  Simone Mello
cursar o ensino superior.
Ela entrou para a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) em 2003, um ano antes Essas três histórias retratam um pouco dos
da implementação do sistema preconceitos e das desigualdades do país.
de cotas. Na época, era uma
das poucas alunas pretas do E não são exemplos isolados. As estatísticas de cor
Campus. “Depois das cotas ou raça produzidas pelo IBGE mostram que o Brasil
mudou um pouco, mas não
expressivamente”, lembra. ainda está muito longe de se tornar uma democracia
racial. Em média, os brancos têm os maiores
salários, sofrem menos com o desemprego e são
maioria entre os que frequentam o ensino superior,
por exemplo. Já os indicadores socioeconômicos
da população preta e parda, assim como os dos
indígenas, costumam ser bem mais desvantajosos.

Para o professor Otair Fernan- tinham nem a condição de daqueles que foram marginali- Basta! ao lápis
des, doutor em Ciências Sociais humanidade. E, pós-abolição, zados e excluídos”, diz. “cor de pele”
De mãe preta e pai branco,
Danielle Cavadas se considera parda.
e coordenador do Laboratório não houve nenhum projeto de Para a promotora de Jus- Os gizes que coloriram
esta matéria foram
Quando sai com sua filha, de pele de Estudos Afro-Brasileiros inserção do negro na sociedade tiça do Ministério Público do
criados pelo Curso
bem branca e cabelos claros, muitas e Indígenas da Universidade brasileira. Mesmo depois de Estado da Bahia, Lívia Santana de Aperfeiçoamento
vezes é tratada por estranhos como a Federal Rural do Rio de Janeiro libertos, os negros ficaram à Vaz, reconhecer que o problema Uniafro, da Univer-
babá da criança. Certo dia, estava no
mercado e reprimiu a filha por uma (Leafro/UFRRJ), a realidade própria sorte. Então, o Brasil vai existe é o primeiro passo para sidade Federal do
Rio Grande do Sul.
pirraça. Foi, então, abordada por uma do Brasil ainda é herança do se estruturar sobre aquilo que tentar resolver essa dívida histó- Os 12 bastões do
senhora, que disse: “A mãe da menina longo período de colonização chamamos de racismo institu- rica. Por isso, a consideração estojo mostram que
sabe que você fala com ela assim?”.

e
europeia e do fato de ter sido cional”, lembra. de cor ou raça nas pesquisas não existe uma só
cor de pele, dando
o último país a acabar com a Fernandes afirma que oficiais produzidas pelo IBGE é representatividade
escravidão. O professor ressalta atitudes individuais não são fundamental. e protagonismo à
que, mesmo após 130 anos de suficientes para romper essa “Há países - a exemplo de identidade negra. “Ter
um artefato com o qual
abolição, ainda é muito difícil questão socialmente e historica- Portugal - que, a pretexto de
a criança possa fazer
para a população negra ascen- mente, e ressalta a importância não violarem o princípio da seu autorretrato com
der economicamente no Brasil. de políticas públicas de ações igualdade, proíbem a coleta a cor que se identifica
“A questão da escravidão é afirmativas. “É preciso pensar de dados com base na raça e permite que ela se
reconheça”, ressalta a
uma marca histórica. Durante em políticas de afirmação do na cor das pessoas, o que tem coordenadora do curso,
esse período, os negros não negro. Políticas de valorização impedido que se conheça o Gládis Kaercher.

14 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 15
contexto de desigualdades O que te define? Atualmente, nas pesquisas etc.) e esclarecer que a catego- socialmente do que com a dos para pensar a descendência
raciais e a criação de políticas A sua cor ou raça é: branca, do Instituto, o quesito é fe- ria indígena se aplica tanto aos maneira como este se autode- indígena. É uma categoria
públicas”, ressalta a jurista, que preta, amarela, parda ou indí- chado, ou seja, o entrevistado indígenas que vivem em terras clara. As políticas públicas de residual, mas que é a maioria”,
atua em grupos de proteção de gena? Nessa ordem, o agente responde a partir de opções já indígenas como fora delas”, ação afirmativa têm o objetivo explica Marta Antunes.
direitos humanos e combate a de pesquisa do IBGE oferece as estabelecidas. Marta Antunes explica Marta Antunes. principal de garantir igualdade De qualquer maneira, essas
discriminações. opções, e o entrevistado escolhe e Gustavo Junger, da Gerência Ou seja, o quesito de cor de oportunidades e devem ser categorias têm conseguido
A promotora comenta, como se classifica. O que ele Técnica do Censo Demográfi- ou raça é baseado na autode- destinadas às pessoas que são, evidenciar a desigualdade
Taxa de ainda, que o Direito, amparado considera para responder de- co, contam que, quando se fez claração. Leonardo explica que no contexto brasileiro, poten- racial nos indicadores sociais
analfabetismo pela classificação adotada pelos pende de cada um. um teste com o quesito aberto, este é um preceito de direitos cialmente vítimas de discrimi- do país. “Toda classificação é
em 2016 órgãos de estatística, reconhece “No Brasil, o critério é mais de 300 opções diferentes humanos: “a identificação é da nação racial ”, declara. uma simplificação da realida-
Pnad Contínua 2016
a raça como sendo um fator multidimensional”, explica surgiram. “No Rio de Janei- pessoa, é ela que sabe como se de. Muitas vezes o objetivo de
Brancos
relevante na promoção de direi- Leonardo Athias, pesquisador ro, tivemos definições como entende, porque é uma intera- As categorias do IBGE classificar, para [atender] os
tos. E que esse fato não significa da Coordenação de População branca, clara, morena, escura, ção social, uma percepção de si O sistema de classificação ado- objetivos estatais de proteger
Pretos ou pardos a confirmação de uma hierar- e Indicadores Sociais do IBGE, misturada... muitas!”, exempli- mesma e do outro. Eu não vou tado pelo Instituto se apoia em minorias, mostrar desigual- Rendimento
quização racial da sociedade responsável pelo tema. “Pelos fica Marta. “Já no Maranhão, classificar o outro, até porque cinco categorias, consolidadas dades e balizar políticas, pode médio de todos
e, sim, uma necessidade de se dados da Pcerp, vários fatores usaram-se termos como açaí e muitas vezes isso foi feito para em uma longa tradição de pes- não coincidir com o objetivo os trabalhos
Pnad Contínua 2017
promover a igualdade de todos. influenciam a autoclassificação. jambo”, complementa Gustavo. segregar, para perseguir”. quisas domiciliares, mas não de identificar, ou seja, mostrar
Brancos
Em 2016, “Se os dados estatísticos Cor da pele, ancestralidade, Seja como for, uma instru- Para a promotora Lívia deixa de ser passível de críticas. como as pessoas se enxergam
1.835 crianças seguem demonstrando que a origem e até a classe social”, ção básica consta no Manual Vaz, a autodeclaração é um Uma delas lembra que o em sua diversidade”, avalia
Pardos
de 5 a 7 anos raça figura como fator que con- complementa. do Recenseador: “Em nenhum instrumento de fundamental sistema é utilizado desde 1872, Leonardo.
trabalhavam diciona o acesso das pessoas aos A Pcerp (Pesquisa das momento, você deve influen- importância para o sentimento passando por pequenas modifi- Para Marta, as categorias
Pnad Contínua 2016 Pretos
direitos fundamentais, o Direito Características Étnico-Raciais ciar a resposta do entrevistado”. de pertencimento do indivíduo, cações ao longo do tempo, mas podem ser repensadas, mas ain-
Brancas
deve continuar pautando a da População) foi uma pesqui- O IBGE também não espe- mas não deve ser considerada desde sempre utilizando catego- da não há entre os estudiosos
questão racial como mecanis- sa-estudo realizada em 2008, cifica uma definição para as um critério absoluto no âmbito rias formuladas por uma peque- um consenso para substituí-las:
Pretas ou pardas mos de reconhecimento das com objetivo de compreender categorias de cor ou raça: “se o das ações afirmativas raciais. na elite dominante e desconsi- “como trocar essas categorias Taxa de
desigualdades e de proteção melhor e contribuir para o entrevistado pergunta, o pes- Para evitar a chamada “afrocon- derado a realidade das regiões sem perder a série histórica e desocupação
e promoção dos direitos dos aprimoramento do sistema de quisador pode dar a definição veniência”, ou seja, quando uma fora dos eixos Sul e Sudeste. Isto sem atrapalhar a política públi- Pnad Contínua - 4º tri 2017

grupos racialmente vulnerabili- classificação de cor ou raça de amarelo (pessoa de origem pessoa se declara preta ou parda criou dificuldades com o termo ca que já está calcada em cima Brancos
zados”, afirma. utilizado pelo IBGE. japonesa, chinesa, coreana, somente para conseguir algum pardo, por exemplo. desses termos?”, questiona.
benefício social, a promoto- “O termo pardo remete a E Leonardo arremata Pardos
ra defende que as comissões uma miscigenação de origem lembrando uma frase famosa
Como funciona a Lei de Cotas? de verificação são uma etapa preta ou indígena com qual- entre os estudiosos de cor ou Pretos
A lei 12.711, conhecida como Lei de Cotas, foi promulgada em igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita e metade para necessária na consolidação da quer outra cor ou raça. Alguns raça do IBGE: “o ponto posi-
2012 e estabelece que as instituições federais de educação estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a política de cotas raciais. movimentos negros utilizam tivo da classificação no Brasil
superior e ensino técnico de nível médio reservarão, no mínimo, 1,5 salário mínimo. Em ambas as subdivisões, serão reservadas
50% de suas vagas para estudantes provenientes de escolas vagas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência,
“O racismo no Brasil conec- preto e pardo para substituir o é que ela vem desde 1872. E o
públicas. Essas vagas reservadas devem ser subdivididas: conforme a proporção observada no último Censo Demográfico ta-se muito mais com a forma negro e alguns movimentos in- ponto negativo é que ela vem
metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar do IBGE em cada Unidade da Federação. como o indivíduo é percebido dígenas usam indígenas e par- desde 1872”.

16 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 17
0,7 cm
equivale a
10 milhões 2010
de pessoas
O quesito “cor ou Branca 47,7%
raça” voltou para o Preta 7,6%
questionário básico.
As pessoas que
Parda 43,1%
se declararam Amarela 1,1%
indígenas respondiam Indígena 0,4%
também sobre etnia e
língua falada.

O quesito hoje conhecido como “cor ou raça” começou


a ser investigado no Brasil no primeiro recenseamento
Livre
(que definia sua própria cor)
Escrava
(era classificada pelo seu dono)
2000
do país, que aconteceu em 1872, período pré-abolição da
escravatura. No Censo de 1872, a população era dividida
de acordo com sua “raça” e “condição” e os termos usados
Branca 38,1%
Parda 33,5%
Preta 10,4%
Parda 4,8% 1872 O Censo 2000 seguiu
o mesmo modelo do
nas categorias eram comuns à época. Preta 9,3% Censo de 1991.
Cabocla 3,9%
(em referência ao indígena) 1880 Branca 53,4%
Não houve Censo no Brasil Preta 6,1%
Parda 38,9%
Amarela 0,5%
A categoria “parda” foi substituída pela “mestiça” no
quesito “raça”. A mestiçagem como categoria estava
relacionada à “tese do branqueamento”, presente nas
Branca
Preta
44,0%
14,6% 1890 Indígena 0,4%
décadas iniciais da República. Essa ideologia era baseada Mestiça 32,4% 1900
na presunção da superioridade branca e na crença de que, Cabocla 9,0% Não houve investigação de cor ou raça
com a imigração europeia, haveria uma miscigenação,
produzindo uma população mais clara e um gradual 1910
desaparecimento da população negra. Não houve Censo no Brasil
1991
1920
Não houve investigação de cor ou raça
No primeiro Censo Demográfico feito pelo IBGE, o Branca 63,5% 1930 A categoria “indígena”
quesito, que passou a ser denominado de “cor”, voltou Preta 14,6% foi incluída no quesito
Não houve Censo no Brasil
a ser investigado. As categorias eram branca, preta e
1940
que passou a se chamar
amarela, que foi incluída para dar conta da imigração Amarela 0,6% “cor ou raça”.
japonesa (ocorrida entre 1908 e 1930). Outras respostas Outras respostas 21,2%
diferentes dessas eram marcadas com um traço e (codificadas como pardas) Branca 51,6%
posteriormente foram codificadas como parda. A língua Preta 5,0%
falada foi investigada para identificar a existência de
outras origens, como os povos indígenas.
Parda 42,4%
Amarela 0,4%
Indígena 0,2%
A categoria parda foi novamente incluída no questionário. Branca 61,7%
Nesse ano, também houve investigação da língua falada. Preta
Parda
11,0%
26,5%
1950
Amarela 0,6%
1980
Os Censos passam a ter dois questionários: o básico (com poucas Branca 61,0%
perguntas e respondido por todos os domicílios) e o da amostra Preta 8,7% O quesito “cor” Branca 54,2%
voltou a ser investi- 5,9%
1960
(mais completo e respondido só por cerca de 10% dos domicílios). Preta
O quesito “cor” era do questionário básico. Quem vivia em
Parda 29,5% gado, passando a fazer
Amarela 0,7% parte do questionário Parda 38,8%
aldeamentos ou postos indígenas era classificado na categoria
“índia” (que não fazia parte do quesito “cor”). Quem se declarava da amostra. Amarela 0,6%
“índio”, mas não vivia nesses lugares, era classificado como pardo. 1970
Não houve investigação de cor ou raça

18 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 19
os números
do desalento texto  Alana Lima, Helena Tallmann,
Marília Loschi e Rita de Cássia
fotos  Rita de Cássia
design  Simone Mello

Alane é uma das


663 mil pessoas
desalentadas da Bahia.

Alane Nascimento e Andressa Estrela têm em comum,


além da idade (23 anos), o mesmo sentimento

e
em relação ao mercado de trabalho: o desânimo.
As estudantes, que moram em Salvador, desistiram
de procurar emprego depois de se candidatarem a
diversas vagas e não serem chamadas sequer para a
entrevista, mas não hesitariam em aceitar uma vaga,
caso aparecesse a possibilidade de voltar a trabalhar.

20 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 21
“c olocava currículo para traba-
lhar em lojas, shopping, em
vagas de caixa, telemarketing,
e não era chamada. Acredito
que tenha sido pela falta de
experiência, já que eu traba-
lhei apenas em uma empresa,
lho, estariam disponíveis para
assumir a vaga. É a chamada
população desalentada.
No Brasil, no 4º trimes-
tre de 2017, os desalentados
chegaram a 4,3 milhões de
pessoas, o maior contingente
está desalentada, ou seja, por
algum motivo ela não se esti-
mula a procurar um trabalho.
Isto pode estar relacionado
principalmente à crise econô-
mica, com a desocupação alta,
então as pessoas acreditam que
caso surja uma oportunidade.
“Se aparecer, claro que vou
procurar saber, mas não quero
mais o desgaste, a neurose de
acordar e ficar olhando gru-
pos e mais grupos de empre-
gos”, argumenta.
que falta trabalho para 26,4
milhões de brasileiros.
“Essa desagregação mos-
tra que, não só gerar posto
de trabalho, mas a gente tem
que se preocupar também
com as mulheres que não
força de
trabalho
força de trabalho ampliada 
PNAD CONTÍNUA TRIMESTRAL - 4º tri/2017

como jovem aprendiz”, supõe desde o início da série histórica não conseguem trabalho e se Com ensino médio com- têm com quem deixar o filho,
Andressa, que procurou novas da Pnad Contínua, iniciada no afastam da força de trabalho”, pleto, ela avalia que a pouca a dificuldade que os jovens
oportunidades, sem êxito, 1º trimestre de 2012, quando explica Cimar Azeredo, pes- bagagem profissional atrapa- têm de se inserir no merca-
durante três anos e desistiu da os desalentados somavam 1,9 quisador na área de Trabalho e lha, já que os concorrentes do de trabalho. O desalento
busca há dez meses. milhão. Já em 2017, a Bahia era Rendimento do IBGE. podem estar mais preparados. mostra muito isso, com parte
Já Alane tentou uma vaga o estado com o maior núme- Em Minas Gerais, Indira de “Acho que me falta qualifica- expressiva apontando para os
de emprego formal durante ro de pessoas nessa situação, Oliveira, 24 anos, desistiu de ção, talvez um curso ou uma jovens, as mulheres, a popu-
quatro anos, desde que seu seguido pelo Maranhão, com procurar emprego e, por conta faculdade”, reflete Indira. A lação de cor preta ou parda
contrato como jovem apren- 410 mil. Estes estados contri- disso, também teve que desistir mineira deseja migrar para e principalmente pessoas
diz foi encerrado, em 2014. A buíram para a Região Nordeste de casar e construir seu pró- a área administrativa e até de escolaridade mais baixa”,
desistência de bater à porta apresentar 59,7% (2,6 milhões prio lar. Desde que a pequena planeja fazer um curso na explica Cimar.
das empresas aconteceu há de pessoas) do total da popula- empresa de telemarketing em área, mas não tem uma fonte
cerca de oito meses. “Durante ção desalentada no Brasil. que trabalhava fechou, no final de renda para arcar com os Dificuldades para
todo esse tempo coloquei uns de 2015, Indira não consegue custos. recomeçar
60 currículos. Quando eu via Jovens, pouco experientes uma recolocação formal no Somando as pessoas que Outra faixa da população
que ninguém me chamava e desalentadas mercado de trabalho. E não não desistiram de procurar atingida pelo desalento
para entrevista eu desanimava No caso de Alane e Andressa, foi por falta de tentativa: entre emprego – os 12,3 milhões são as pessoas mais velhas.
e desistia, depois tentava de apesar da pouca idade, as jovens outubro de 2015 e novembro de desocupados, e os 6,5 Com 54 anos e mais de duas
novo. Mas em agosto de 2017 já sentem o peso de estarem de 2017 a jovem contabilizou milhões de subocupados por décadas depois de parar de
eu decidi parar de procurar”, fora do mercado de trabalho. o envio de 358 currículos para insuficiência de horas – e as trabalhar, a pernambucana
conta Alane. Não poder contribuir nas a Região Metropolitana de 7,6 milhões de pessoas que Jô Fontes tentou se inserir
92,1mi

subutilização da força de trabalho


PESSOAS OCUPADAS
As duas jovens estão entre finanças domésticas é um peso Belo Horizonte. “Desse total, estão fora da força de traba- novamente no mercado de
as 663 mil pessoas que estavam ainda maior, como atesta Alane: no máximo umas 15 empresas lho, a subutilização mostrou trabalho em 2015. Desde
fora da força de trabalho na “Eu me senti inútil, como se eu marcaram entrevistas. Poucas 6,5mi PESSOAS OCUPADAS SUBOCUPADAS POR HORAS
Bahia por uma das seguintes não servisse para nada, incapaz. retornaram o contato”, lamenta. Subutilização da força de trabalho
razões: não conseguiam traba- Quando você vê as situações Cansada de sofrer com a Os desalentados e as pessoas indisponíveis gostariam de estar
lho, ou não tinham experiên- ao seu redor acontecendo e expectativa de conseguir o
cia, ou eram muito jovens ou não tem como ajudar, não tem emprego, ela decidiu dar uma
trabalhando. Juntamente com as pessoas desocupadas (que estão
procurando emprego) e as subocupadas (que estão trabalhando, mas 12,3mi PESSOAS DESOCUPADAS
gostariam de trabalhar mais horas semanais), formam um grupo que
idosas, ou não encontraram como não se sentir assim”. pausa nas buscas no final do força de
mostra a subutilização da força do trabalho, ou seja: o país poderia estar
trabalho na localidade – e que,
se tivessem conseguido traba-
“Parte da população que
está fora da força de trabalho
ano passado. Ainda assim, tem
disponibilidade para trabalhar
produzindo muito mais se incluísse essas pessoas em postos de trabalho. trabalho
potencial 3,3mi INDISPONÍVEIS 4,3mi DESALENTADOS

22 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 23
perfil dos desalentados 
PNAD CONTÍNUA TRIMESTRAL - 4º tri/2017

55,7%
mulheres

22%
18 a 24 anos

42,1%
fundamental
incompleto ou
equivalente

 brancos  pardos  pretos  outros  cada círculo representa 4.300 pessoas

os 18, ela foi funcionária de confirmar se ela, de fato, já pas- procurou emprego. “Eu sentia
grandes lojas do Recife e só sava dos 50 anos. “Ligaram para uma angústia porque era o
parou de trabalhar aos 30, de- mim e perguntaram se eu tinha meu trabalho, sempre gostei de
pois que uma das filhas nasceu. aquela idade mesmo, porque vendas, sempre. De repente sou
“Tive bebê, ela teve coquelu- na foto eu aparentava ser mais eliminada pela idade, mesmo
che, aquela coisa... realmente jovem. Acharam que eu tinha sendo capaz, mesmo com expe-
tive que sair para tomar conta errado na hora de preencher a riência na carteira de trabalho”,
dela”, lembra, apontando que o data de nascimento”, conta. Ao lembra a vendedora que, em
ex-marido influenciou bastante confirmar a idade, nunca mais outros tempos, foi premiada
na decisão sobre a saída teve retorno da empresa. como a melhor funcionária da
do emprego. Em outra situação, uma loja. “Fica chato você procurar
Jô ficou fora da força de funcionária confessou que o uma coisa, procurar, procurar...
trabalho até se divorciar, problema era a idade dela. “Ela aí alguém vê uma foto e acha
quando começou a procurar disse que os empregadores que você não tem possibilidade
Andressa decidiu
emprego. Atualizou o currícu- acham que gente da minha de ter aquele emprego”, lamenta.
parar de enviar lo e entregou em várias lojas, idade vai dar muito problema, Hoje, ela eventualmente
currículos há mais tentou aproveitar a experiência vai ficar doente sempre, essas ajuda a complementar a renda
de dez meses.
que já tinha no ramo, com uma coisas”. Jô enviou currículos por da casa em que vive com duas
atividade que ela, comunicativa, mais ou menos um ano até que filhas fazendo trabalhos manu-
adora: lidar com o público. desistiu. “Vi que não tinha mais ais e aulas. E se alguém disses-
Foi aí que veio a decepção: chances e parei. O problema se: “olha, eu tenho uma vaga
silêncio, preconceito, nãos. A era a idade e, a cada dia, eu vou aqui...”?, indaga a repórter na
maior desilusão foi quando envelhecendo, o que eu poderia entrevista. Sem pensar duas ve-
recebeu a ligação do setor de fazer?”, questiona. zes e com riso largo, ela respon-
recursos humanos de uma rede Até hoje, Jô se emociona de: “Ave Maria, eu ia correndo,
de lojas, mas eles só queriam ao lembrar da época em que ia mesmo... correndo”.

24 retratos a revista do ibge mai 2018 mai 2018 retratos a revista do ibge 25
oIBGE de
Charita Castro
A pesquisadora Charita Castro é a
chefe da divisão de pesquisa e política
do Departamento de Trabalho dos
Estados Unidos, da seção de trabalho
infantil, trabalho forçado e tráfico
humano. E o IBGE teve um papel
importante nessa carreira.
“Minha história com o IBGE começou
há, mais ou menos, uns 20 anos.
Nessa época, eu queria estudar o
trabalho infantil e, então, comecei a
procurar dissertações que tratassem
do tema. Eu queria saber o que as
pessoas estavam fazendo. Foi quando
Foi inaugurada
a ma
descobri que a doutora Deborah rádiodifusora do ior estação
país, a Rádio
Levison, da Universidade do Minesota Nacional.

(EUA), estava estudando o trabalho


infantil no Brasil, usando os dados
da PNAD. E, quando vi aquilo, pensei:
‘nunca soube que governos poderiam
coletar dados’. O Brasil foi um dos
primeiros países a coletar esses
dados através de uma instituição
governamental. A PNAD foi uma
inspiração para eu seguir minha
carreira nessa área!”

texto  Mônica Marli 


foto  Pedro Vidal

www.ibge.gov.br 0800 721 8181

26 retratos a revista do ibge mai 2018

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