Você está na página 1de 83

Manual do Formador - Recursos

Higiene e Segurança Alimentar


Andreia Santos

Recurso desenvolvido no âmbito da medida 4.2.2.2 do POEFDS. Programa co-financiado por:


Manual do formador | Higiene e Segurança Alimentar

Manual do Formador
Higiene e Segurança Alimentar
Andreia Santos
HSA
Versão - 02
ISLA de Leiria
Gabinete de Formação

Depósito Legal 000 000/00

ISBN 000-00-0000-0

2
Manual do formador | Higiene e Segurança Alimentar

OBJECTIVOS DO CURSO ............................................................................................................... 5


1.1. Objectivos gerais do curso .............................................................................................. 5
1.2. Objectivos específicos de cada tema .............................................................................. 5
PRE-REQUISITOS DOS FORMANDOS .......................................................................................... 7
PERFIL DO FORMADOR ................................................................................................................. 7
DESENVOLVIMENTO TEMÁTICO................................................................................................... 7
4.1. FUNDAMENTAÇÃO PARA A EXISTÊNCIA DO CURSO .................................................. 7
PLANIFICAÇÃO DOS MÓDULOS.................................................................................................... 8
DIAPOSITIVOS ................................................................................................................................. 8
ANEXOS ASSOCIADOS AOS TEMAS ............................................................................................ 8
7.1. Anexos do tema 1................................................................................................................ 8
7.2. Anexos do Tema 2 .............................................................................................................. 9
7.3. Anexos do Tema 3 .............................................................................................................. 9
7.4. Anexos do Tema 4 .............................................................................................................. 9
EXERCICIOS DE A......................................................................................................................... 10
MATERIAL DE APOIO .................................................................................................................... 11
8.1. BACTÉRIAS ...................................................................................................................... 11
| SALMONELLA SP........................................................................................................................ 11
| SHIGELLA SP............................................................................................................................. 14
| ESCHERICHIA COLI .................................................................................................................... 16
| LISTERIA MONOCYTOGENES ....................................................................................................... 20
| CLOSTRIDIUM BOTULINUM .......................................................................................................... 23
| CLOSTRIDIUM PERFRINGENS ...................................................................................................... 26
| STAPHYLOCOCCUS AUREUS ....................................................................................................... 29
| YERSINIA ENTEROCOLITICA ........................................................................................................ 32
| CAMPYLOBACTER JEJUNI ........................................................................................................... 34
| BACILLUS CEREUS ..................................................................................................................... 36
| VIBRIO SP. ................................................................................................................................ 39
| BRUCELLA SP............................................................................................................................ 42
| STREPTOCOCCUS PYOGENES .................................................................................................... 45
8.2. VIRUS................................................................................................................................ 47
| HEPATITE A .............................................................................................................................. 47
| HEPATITE E .............................................................................................................................. 48
| VIRUS DA FAMÍLIA NORWALK ..................................................................................................... 50
| ROTAVIRUS ............................................................................................................................... 51
| ASTROVIRUS ............................................................................................................................. 52
| CALICIVIRUS ............................................................................................................................. 53
| ADENOVIRUS............................................................................................................................. 54
8.3. PARASITAS....................................................................................................................... 56
| TRICHINELLA SPIRALIS ............................................................................................................... 56
| TAENIA SAGINATA ...................................................................................................................... 57

3
Manual do formador | Higiene e Segurança Alimentar
| TAENIA SOLIUM.......................................................................................................................... 60
| TOXOPLASMA GONDII ................................................................................................................. 62
| ASCARIS LUMBRICOIDES ............................................................................................................ 65
| TRICHURIS TRICHIURA ................................................................................................................ 67
| DIPHYLLOBOTHRIUM LATUM........................................................................................................ 68
| FASCIOLA HEPATICA .................................................................................................................. 69
EXERCICIOS PROPOSTOS .......................................................................................................... 71
9.1. Exercício nº1 ...................................................................................................................... 72
9.2. Exercício nº2 ...................................................................................................................... 75
9.3. Exercício nº3 ...................................................................................................................... 77
9.4. Exercício nº4 ...................................................................................................................... 77
9.5. Exercício nº5 ...................................................................................................................... 77
9.6. Exercício nº6 ...................................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 82
LINKS DE INTERESSE................................................................................................................... 83

4
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

OBJECTIVOS DO CURSO

1.1. Objectivos gerais do curso

Os formandos no final do curso:


• Devem conhecer a importância da implementação de um sistema de segurança alimentar
• Devem conhecer a legislação relacionada com a higiene alimentar
• Devem conhecer os perigos alimentares
• Devem saber o que são boas práticas de higiene
• Devem saber definir circuitos nos estabelecimentos alimentares
• Devem saber como escolher mercadorias com qualidade
• Devem conhecer as regras de armazenamento
• Devem saber interpretar um plano de higienização e devem saber seguir as instruções de
trabalho dos mesmos
• Devem saber que tipos de empresa de controlo de pragas deverão contratar
• Devem identificar os 7 princípios do HACCP
• Devem saber desenvolver um plano de Autocontrolo
• Devem conhecer as vantagens da certificação da qualidade pela Norma ISO 22000:2005

1.2. Objectivos específicos de cada tema

Tema 1:
• Saber o que é a segurança alimentar e qual a sua importância
• Conhecer a origem do sistema HACCP e a sua evolução até aos dias de hoje
• Conhecer a legislação que regulamenta a segurança alimentar

Tema 2:
• Conhecer os principais perigos alimentares
• Saber as características de desenvolvimento dos microrganismos mais importantes para a
segurança alimentar de modo a evitar que constituam um perigo
• Conhecer os perigos químicos e como evitá-los
• Conhecer os perigos Físicos e como evitá-los

Tema 3:
• Aprender quais são os pré-requisitos do sistema HACCP/ Autocontrolo
• Saber os que são boas práticas de higiene
• Saber definir circuitos numa industria alimentar
• Saber escolher e controlar as matérias-primas recebidas numa indústria alimentar
• Saber organizar um armazém de produtos alimentares

5
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

• Conhecer os métodos de limpeza e desinfecção


• Saber desenvolver um plano de higienização
• Conhecer as necessidades do sector em termos de controlo de pragas

Tema 4:
• Aprender e saber aplicar os princípios do HACCP
• Aprender a identificar os produtos acabados e desenvolver as suas fichas técnicas
• Realizar os fluxogramas de produção
• Desenvolver um Plano de Autocontrolo/ HACCP, identificando os perigos associados a
cada etapa de produção, definindo medidas preventivas, limites críticos, medidas de
controlo e acções correctivas
• Saber criar um dossier Autocontrolo/ HACCP

Tema 5:
• Conhecer a existência de uma norma internacional de harmonização de regras
• Saber as suas vantagens e como está dividida

Módulo Tema do módulo Nº Subtemas Autoavaliação Avaliação


Aulas
1 Segurança Alimentar 2 Definições Resolução dos Resposta às
Evolução do Sistema exercícios propostos questões do
no manual do tema 1
HACCP
formando
Legislação e Normas
2 Perigos Alimentares 3 Perigos Biológicos Resolução dos Resposta às
Perigos Químicos exercícios propostos questões do
no manual do tema 2
Perigos Físicos
formando
3 Implementação de 6 Boas Práticas de Higiene Resolução dos Resposta às
um Sistema de Organização das instalações exercícios propostos questões do
no manual do tema 3
Segurança Alimentar Mercadorias
formando
Limpeza e desinfecção
Controlo de pragas
4 HACCP 6 Conceito e princípios Resolução dos Resposta às
Plano de autocontrolo exercícios propostos questões do
no manual do tema 4
Aplicação dos princípios
formando
Documentação
5 Gestão da 1 A Norma ISO 22000:2005 Resolução dos Resposta às
exercícios propostos questões do
Qualidade
no manual do tema 5
Alimentar formando

6
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

PRE-REQUISITOS DOS FORMANDOS

Este curso destina-se a trabalhadores, gestores, proprietários da indústria alimentar. Os


formandos poderão ir de um nível III a um nível V, uma vez que o curso tem uma linguagem simples e
acessível para os formandos de nível III e é completo o suficiente para servir como complemento de
formação e enriquecimento curricular para os formandos com níveis IV e V.

PERFIL DO FORMADOR

O formador deverá possuir licenciatura numa das seguintes áreas:


• Engenharia Alimentar
• Produção animal
• Produção de produtos agro-alimentares

Deverá ter formação complementar em Higiene e Segurança Alimentar e experiência comprovada


no sector pelo menos durante 1 ano na Implementação de Sistemas de Segurança Alimentar.

DESENVOLVIMENTO TEMÁTICO

4.1. FUNDAMENTAÇÃO PARA A EXISTÊNCIA DO CURSO

O HACCP/ Autocontrolo surgiu da necessidade de prevenir todas as crises alimentares dos


últimos anos, tais como a BSE, os Nitrofuranos, as Dioxinas, entre outras, pelo que a Autoridade
Europeia para a Segurança Alimentar elaborou um conjunto de normas a serem implementadas em
todas as indústrias alimentares.
Ao ser estudado o perfil dos trabalhadores destas indústrias verificou-se que:
• São trabalhadores desmotivados
• São trabalhadores sazonais
• Têm pouca formação académica
• Não têm formação técnica para desempenhar as suas funções
Tudo isto aliado ao facto das inspecções serem mais frequentes e cada vez mais exigentes,
aplicando por vezes coimas muito elevadas, os empresários encontram-se preocupados com a falta
de formação dos seus funcionários.

7
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

PLANIFICAÇÃO DOS MÓDULOS

O presente curso está estruturado em 5 módulos. Cada módulo é constituído pelos seguintes
elementos:
• Designação do tema do módulo
• Objectivos gerais e específicos do módulo
• Desenvolvimento do tema
• Propostas de textos e outros documentos associados
• Síntese do módulo
• Exercícios de autoavaliação

Nos quadros seguintes apresenta-se a planificação de cada módulo com inclusão de todos os
elementos considerados.

DIAPOSITIVOS

Como base de preparação do curso on-line foram realizados um conjunto de diapositivos, também
organizados por módulos. No formato digital encontram-se na pasta, Diapositivos:
• TEMA 1 – Segurança alimentar
• TEMA 2 – Perigos alimentares
• TEMA 3 – Pré-requisitos do sistema HACCP
• TEMA 4 – O Sistema HACCP
• TEMA 5 – Gestão da qualidade alimentar

ANEXOS ASSOCIADOS AOS TEMAS

Os documentos de cada módulo, em formato digital estão organizados em pastas com a


designação de Anexos do Módulo x

7.1. Anexos do tema 1

• Codex Alimentarius Higiene alimentar


• Codex Alimentarius Critérios microbiológicos
• Livro branco dos Alimentos
• Regulamento (CE) nº852/2004
• Regulamento (CE) nº853/2004
• Sanco 4198/2001
• Real decreto nº3484/200
• Decreto-lei nº113/2006
• Decreto-lei nº425/99
• Decreto-lei nº67/98

8
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

7.2. Anexos do Tema 2

• Factores de crescimento das bactérias


• Tabela de aw dos alimentos
• Tabela bactérias
• Tabela de pH dos alimentos
• Vírus

7.3. Anexos do Tema 3

• Lavagem das mãos


• Lay-out indústria
• Planta circuitos
• Características organolépticas
• Ficha de recepção de mercadorias
• Ficha de recepção de mercadorias2
• Ficha técnica de Hortofrutícolas
• Ficha de controlo de stocks
• Armazenamento
• Forma de transporte
• Propriedades desinfectantes
• Sistemas de desinfecção
• Periodicidade de limpeza
• Plano de higienização
• Instruções de trabalho
• Exemplo ficha técnica pragas
• Planta iscos
• Cores placas e facas

7.4. Anexos do Tema 4

• FT – picanha
• FT – Salada de alface
• FP – picanha
• FP – salada de alface
• Exemplo PAC
• PAC etapas
• Identificação dos perigos
• Medidas preventivas
• Identificação PC
• Identificação PCC

9
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

• PCC e PC
• PCC picanha
• PCC salada de alface
• Limites críticos alface
• Acções correctivas
• PAC picanha
• PAC salada de alface
• Árvore de decisão

FT – ficha técnica
FP – fluxograma de produção
PAC – Plano autocontrolo
PC – Ponto crítico
PCC – Ponto crítico de controlo

EXERCICIOS DE A

10
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

MATERIAL DE APOIO

De seguida apresentamos textos sobre o tema 2 – Perigos biológicos, para que o formador tenha
um conhecimento mais amplo sobre este tema e possa complementar a informação já disponível no
curso on-line.

8.1. BACTÉRIAS

| Salmonella sp.

A salmonelose é reconhecida como uma das principais infecções transmitidas pelo consumo de
alimentos. A maioria das espécies de Salmonella é patogénica para humanos, mas as características
e severidade das doenças que originam são variáveis.
Sendo uma infecção uma colonização de um organismo hospedeiro, os efeitos patogénicos da
Salmonella sp. só se observam quando são ingeridas bactérias viáveis (i.e., capazes de se
multiplicar).

Características gerais

Salmonella sp. é uma bactéria Gram-negativa que pertence à família Enterobacteriaceae. As


células têm a forma de bastonetes (bacilos) imóveis ou móveis por flagelos.
Conhecem-se mais de 2300 serótipos de Salmonella e esta diferenciação tem sido extremamente
importante no controlo dos surtos.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura - As salmonelas conseguem crescer em ambientes com temperaturas entre


7 e 48°C e têm uma temperatura óptima de cresciment o (temperatura à qual a taxa
específica de crescimento é máxima) entre 35 e 37°C .As salmonelas não se multiplicam à
temperatura de refrigeração mas são extremamente resistentes à congelação. As
salmonelas são destruídas por pasteurização, mas teores elevados de gordura e baixas
aW reduzem a eficácia dos tratamentos térmicos.

b) pH - As salmonelas conseguem crescer em ambientes com valores de pH entre 4,5 e 9,3


e apresentam uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de
pH entre 6,5 e 7,5 (pH óptimo). O valor do pH mínimo de crescimento (pH min) é variável,
dependendo da presença, ou não, de ácidos fracos, como os ácidos acético, benzóico ou
sórbico, no alimento (em presença de ácido acético, por exemplo, o valor do pH min é
aproximadamente 5). Estes ácidos possuem actividade anti-microbiana podendo,
inclusivamente, induzir uma perda de viabilidade (morte celular) para valores de pH
inferiores a 4,0.

11
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

c) Actividade de água (aw) - O limite mínimo de aw que permite crescimento é 0,93. O


crescimento de Salmonella é inibido em meios (ou alimentos) com concentrações de NaCl
entre 3 e 4% (com o aumento de temperatura - dentro da gama das temperaturas
toleradas - aumenta a tolerância ao NaCl).As salmonelas são extremamente resistentes à
secura.

d) Relações com o oxigénio - As salmonelas são anaeróbias facultativas.

e) Irradiação - A salmonela é destruída por irradiação. A presença de oxigénio aumenta o


efeito letal da irradiação, que é máximo a temperaturas entre os 45 e os 55ºC.

Principais fontes de contaminação

A salmonelose é considerada uma infecção zoonótica, uma vez que é uma doença de animais que
pode ser transmitida a humanos. Os animais para consumo são infectados através do contacto com
outros animais infectados, por exemplo aves e roedores, ou através do consumo de rações ou de
água contaminados.
Durante a sua produção, devido a práticas de higiene incorrectas, a carne dos animais para
consumo, os ovos e o leite são frequentemente contaminados com fezes de animais infectados. No
caso dos ovos, para além da casca também o seu interior pode estar contaminado se existir uma
infecção do oviduto das aves.
Os frutos, as ervas aromáticas e as especiarias são também possíveis fontes de Salmonella, dada
a possibilidade de terem estado em contacto com matéria fecal animal durante o seu cultivo.
Os equipamentos, superfícies ou outros materiais presentes nos ambientes de processamento de
alimentos, industriais ou domésticos, quando limpos e desinfectados de forma inadequada, podem
ser contaminados com Salmonella e funcionar como fonte da bactéria.
Também é possível a transmissão da bactéria por via fecal-oral, principalmente em hospitais, lares
de idosos e infantários, quando as regras de higiene pessoal não são cumpridas.
A contaminação de alimentos através de manipuladores portadores de Salmonella (com ou sem
sintomas de salmonelose) é pouco frequente.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Salmonella

A carne de animais de consumo, o leite e os ovos são os principais veículos de transmissão de


Salmonella. Estes alimentos, quando insuficientemente cozinhados, permitem a sobrevivência da
bactéria.
Os alimentos portadores da bactéria, ao entrarem em contacto físico (directo ou indirecto) com
outros alimentos, podem contaminá-los, tornando-os num novo veículo de infecção, caso não sejam
sujeitos a qualquer tratamento térmico antes de serem consumidos. Outros alimentos que têm sido
implicados em surtos e casos de salmonelose incluem enchidos fermentados, sumos de fruta, peixe,
chocolate, molhos, bolos com recheio, manteiga de amendoim e rebentos de alfafa.

12
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Principais sintomas de infecção por Salmonella

Dependendo da espécie envolvida, as infecções por Salmonella podem-se traduzir em diferentes


síndromas, que a seguir se referem:

1. Febre entérica (S. typhi, S. paratyphi A B C): A febre tifóide tem um período de incubação de
3 a 56 dias. Os sintomas mais comuns incluem perda de forças, dores de cabeça, febre alta
e persistente, dores abdominais, dores musculares e suores. A terapia com antibióticos é
necessária no tratamento da infecção. O período de convalescença é longo (1-8 semanas).
Após o desaparecimento dos sintomas, o estado de portador pode persistir por vários meses.
A taxa de mortalidade por febre tifóide é elevada, principalmente em países
subdesenvolvidos onde as salmonelas associadas a vários surtos de febres entéricas têm
apresentado com frequência resistência a vários antibióticos.

2. Enterocolite (S. enteritidis, S.typhimurium, S. virchow, entre outras): O aparecimento dos


sintomas surge entre 5h e 5 dias (a maioria entre 12 e 36h) após a ingestão do alimento
contaminado. Embora seja geralmente aceite que é necessária a ingestão de um elevado
número de células (superior a um milhão) para que ocorra a infecção, em determinadas
condições um número de células entre 10 e 100 pode causar doença. É o que acontece
quando o alimento contaminado apresenta elevados teores de gordura e baixa aw, (estes
factores protegem a bactéria da acidez do estômago).Os sintomas mais comuns incluem
vómitos, diarreia, febre, náuseas e dores abdominais. Os sintomas desaparecem
normalmente entre 2 e 5 dias após ingestão do alimento contaminado mas alguns indivíduos
continuam portadores assintomáticos da bactéria ao fim de 3 meses. A taxa de mortalidade
nos indivíduos infectados é de 1%.

3. Bacteriemia (Provocada por estirpes de S. typhimurium, S. choleraesuis, S. dublin): Em


algumas situações, as infecções causadas por Salmonella podem degenerar em infecções
sistémicas e precipitar várias condições crónicas como a artrite reactiva e a síndroma de
Reiter (inflamação das articulações e das uniões dos tendões às mesmas, frequentemente
acompanhada por uma inflamação da conjuntiva do olho e das membranas mucosas).

Grupos de risco

Os sintomas são mais severos em idosos, em crianças e em indivíduos imunodeprimidos.

Prevenção da contaminação

A prevenção da contaminação implica o controlo em todas as etapas da cadeia alimentar.


Assim, são de primordial importância:
1) A tomada de medidas específicas na produção primária, nomeadamente o controlo da
alimentação animal (Salmonella nas rações pode colonizar os animais) e o cumprimento das
boas práticas de higiene na produção e no processamento animal, de forma a evitar a
contaminação cruzada;

13
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

2) O controlo da temperatura de armazenamento, para que o crescimento seja prevenido;

3) A atenção particular aos produtos sujeitos a uma reformulação uma vez que, por exemplo, a
diminuição da concentração de NaCl, a diminuição da acidez ou a alteração dos ácidos podem
criar condições favoráveis ao crescimento de Salmonella e a diminuição da aw pode favorecer a
sua sobrevivência durante os processos térmicos.

| Shigella sp.

Características gerais

O género Shigella foi descoberto como sendo o responsável pela disenteria bacilar pelo
microbiólogo japonês Kiyoshi Shiga em 1898. Shigella é uma bactéria do tracto intestinal humano
cuja principal via de transmissão é a fecal-oral. A dose infecciosa é baixa (a ingestão de poucas
dezenas de células é suficiente para causar a infecção), pelo que o seu crescimento em alimentos é
pouco relevante. Assim, a incidência de shigelose é baixa quando comparada, por exemplo, com as
incidências de salmonelose ou de campilobacteriose. Sendo uma infecção uma colonização de um
organismo hospedeiro, os efeitos patogénicos de Shigella só se observam quando são ingeridas
bactérias viáveis (i.e., capazes de se multiplicar).

Características morfológicas e fisiológicas

Shigella é uma bactéria Gram-negativa que pertence à família Enterobacteriaceae. As células têm
a forma de bastonetes (bacilos) imóveis.

Condições que permitem o seu crescimento

Ao contrário do que tem acontecido com outras bactérias patogénicas, poucos investigadores se
têm concentrado no estudo das condições de crescimento de Shigella em alimentos.
Dos poucos trabalhos que se têm realizado, são aceites as seguintes condições para o seu
crescimento e a sua sobrevivência:
a) Temperatura - As shigelas conseguem crescer em ambientes com temperaturas entre 10 e
45°C e têm uma temperatura óptima de crescimento (t emperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) de 37°C. As shigelas não se m ultiplicam à temperatura de
refrigeração mas sobrevivem durante a refrigeração e a congelação. As shigelas são
destruídas por pasteurização.

b) pH - As shigelas conseguem crescer em ambientes com valores de pH entre 5 e 8 mas


sobrevivem por períodos de tempo curtos em alimentos com pH inferior a 4,5.

c) Actividade de água (aw): Vários estudos têm demonstrado que as shigelas sobrevivem por
longos períodos em alimentos com baixa actividade da água, como a farinha.

d) Relação com o oxigénio: As shigelas são anaeróbias facultativas.

14
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Espécies de Shigella

O género Shigella inclui as espécies Sh. dysenteriae, Sh. flexneri, Sh. boydii e Sh. sonnei. Todas
as espécies são consideradas patogénicas para o Homem apesar de diferirem na severidade da
infecção que causam. Embora Sh. dysenteriae seja a espécie responsável por surtos graves de
disenteria bacilar em países tropicais, raramente é encontrada na Europa e na América do Norte
onde Sh. sonnei é a espécie mais comum. Esta é a espécie que origina sintomas menos severos
enquanto a sintomatologia causada por Sh. flexneri e Sh. boydii pode ser considerada de severidade
intermédia.

Grupos de risco

Qualquer pessoa é susceptível de contrair shigelose. No entanto, os sintomas são mais severos
em idosos, em crianças e em indivíduos imunodeprimidos. Esta infecção é muito frequente nos
indivíduos portadores de HIV.

Principais fontes de contaminação

Na maioria dos surtos de shigelose conhecidos, a principal fonte do microrganismo foi o


manipulador. As águas contaminadas com fezes humanas e as moscas, em zonas em que os
esgotos não são convenientemente protegidos, têm também sido referidas.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Shigella

As saladas (batata, atum, camarão, e aves), os vegetais crus, o leite e derivados e as aves são os
alimentos referidos com maior frequência. A contaminação destes alimentos ocorre principalmente
através da via fecal-oral.

Principais sintomas de infecção por Shigella

O aparecimento dos sintomas surge entre 1 e 4 dias após a ingestão do alimento contaminado. A
dose infecciosa é baixa, provavelmente inferior a 100 microrganismos. Os sintomas mais comuns
incluem dores abdominais, vómitos, diarreia com muco e, por vezes, sangue nas fezes e febre. A
evolução clínica de shigelose é normalmente favorável desaparecendo os sintomas entre 3 e 14 dias
após ingestão do alimento contaminado. Alguns indivíduos continuam portadores assintomáticos da
bactéria durante vários meses.
As infecções causadas por Sh. dysenteriae são as mais severas e normalmente implicam o
recurso à antibioterapia.

Prevenção da contaminação

A higiene pessoal, em particular a lavagem de mãos efectuada de forma adequada, é a principal


estratégia de prevenção de shigelose. É de salientar a importância da educação das crianças para
que adquiram práticas e hábitos de higiene correctos.

15
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Escherichia coli

Bacterium coli foi isolada de fezes de crianças por Theodor Escherich em 1885. Em 1920 esta
bactéria passou a denominar-se Escherichia coli e as evidências de que poderia ocasionalmente
causar gastroenterites com uma taxa de mortalidade significativa em crianças foram aumentando.
Em 1940, foi estabelecido o papel de E. coli como bactéria patogénica entérica e foram definidas
medidas para o seu controlo pelos países desenvolvidos. A indústria alimentar também reconheceu a
importância desta bactéria pelo que desde o início do século XX é utilizada como organismo
indicador de contaminação fecal em água e em alimentos.
A maioria das estirpes de E. coli não representa qualquer perigo para o seu hospedeiro. No
entanto, algumas estirpes causam diarreia e são classificadas com base nos seus factores de
virulência, mecanismos de patogenicidade, sindromas clínicos e serologia. Actualmente, consideram-
se E. coli enteropatogénicas (EPEC), E. coli enterotoxigénicas (ETEC), E. coli enteroinvasivas (EIEC)
e E. coli enterohemorrágicas (EHEC), onde se inclui E. coli O157:H7, os principais grupos de E. coli
patogénica associada ao consumo de alimentos.

Características gerais

As bactérias do género E. coli é uma bactéria são Gram-negativas que pertence à família
Enterobacteriaceae, . As células têm a forma de bastonetes (bacilos) e podem ser imóveis ou móveis
por flagelos. As estirpes de E. coli podem ser diferenciadas com base nos antigénios somáticos (O),
flagelares (H) e capsulares (K). Adicionalmente, a presença de fímbrias e de outras estruturas
relacionadas desempenham um papel importante na virulência da bactéria.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: Algumas estirpes de E. coli conseguem crescer em ambientes com


temperaturas entre 7 e 46°C e têm uma temperatura ó ptima de crescimento (temperatura à
qual a taxa específica de crescimento é máxima) entre 35 e 40°C. Contudo, E. coli O157:H7
cresce em intervalos de temperatura mais apertados, com uma temperatura mínima de
crescimento de 8ºC e uma temperatura máxima de 44 a 45ºC, a temperatura óptima de
crescimento é de 37ºC.As estirpes patogénicas sobrevivem, geralmente, às temperaturas de
refrigeração, apesar de ocorrer uma ligeira redução após 1 a 5 semanas de armazenamento.
No caso da E. coli O157:H7 não ocorre qualquer redução mesmo quando os produtos são
armazenados a -20ºC.Os estudos realizados sobre a inactivação térmica de E. coli O157:H7
revelaram que esta é mais sensível do que Salmonella pelo que os tratamentos térmicos
utilizados para eliminar as salmonelas podem ser aplicados na destruição de E. coli
O157:H7.

b) pH: O efeito do pH no crescimento depende do tipo de ácido presente. E. coli O157:H7


consegue crescer a pH 4,5 ajustado com ácido clorídrico mas não consegue crescer a esse
mesmo pH quando ajustado com ácido láctico. Em queijo com valores de pH abaixo de 5,4
as estirpes patogénicas não conseguem crescer.

16
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

c) Actividade de água (aw): O limite mínimo de aw que permite o crescimento de E. coli é 0,95.
O crescimento pode ocorrer em meios (ou alimentos) com concentrações de NaCl de 6,5%.
Concentrações de 8,5% são consideradas inibitórias.

d) Relação com o oxigénio: E. coli é uma bactéria anaeróbia facultativa (cresce em presença ou
na ausência de oxigénio).

e) Radiação: Tal como Salmonella, E. coli é destruída por irradiação. A presença de oxigénio
aumenta o efeito letal da irradiação, que é máximo a temperaturas entre os 45 e os 55ºC.

Principais fontes de contaminação

O principal habitat de E. coli é o tracto intestinal dos humanos e de outros animais de sangue
quente. A maioria dos serogrupos de E. coli faz parte da flora comensal do intestino dos mamíferos.
No entanto, certos serótipos são patogénicos para o Homem e para outros animais e estes não são
considerados como fazendo parte da flora intestinal normal.
A transmissão das infecções causadas por E. coli segue principalmente três vias: o contacto
directo com animais, o contacto com humanos e o consumo de alimentos contaminados. As estirpes
patogénicas para o Homem que são transportadas por animais representam um risco potencial de
infecção por diversas vias:
• fecal-oral durante a criação de animais;
• contaminação das terras quando os excrementos dos animais são utilizados como
fertilizantes sem qualquer tratamento prévio;
• contaminação fecal das carcaças devido ao não cumprimento das boas práticas durante o
abate e a evisceração;
• consumo de leite cru com contaminantes fecais;
• consumo de leite proveniente de vacas com mastites causadas por E. coli
• consumo de água contaminada.

Por outro lado, a água de rega contaminada com esgotos humanos e os animais e os operadores
infectados podem também constituir vias de contaminação de alimentos com E. coli ETEC. Nos
países onde existe um elevado padrão de higiene a ETEC não é considerada um problema de saúde
pública.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por E. coli

Vários surtos e casos pontuais associados ao consumo de alimentos contaminados com E. coli
foram descritos nas últimas décadas. No entanto, os episódios atribuídos a E. coli O157:H7, pela sua
severidade e elevada taxa de mortalidade, alertaram o público, as entidades de saúde pública e a
indústria alimentar para o risco que esta bactéria representa.
A análise dos surtos causados por qualquer um dos tipos de E. coli revela que estes têm como
primeira causa a contaminação fecal de água ou de alimentos devido a saneamentos deficientes,
más práticas de fabrico e higiene pessoal desadequada. No que se refere aos problemas causados
por E. coli O157:H7 os principais alimentos descritos foram carnes mal cozinhadas, principalmente de

17
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

origem bovina (hambúrgueres), enchidos curados, sementes de alfalfa, alface, sumos de fruta não
pasteurizados, queijo curado e leite cru.

Principais sintomas de infecção por E. coli

Dependendo da estirpe envolvida, as infecções provocadas por E. coli podem-se traduzir em


diferentes síndromas, que a seguir se referem:

1. E. coli enteropatogénica (EPEC): EPEC tem a capacidade de colonizar o intestino onde


causa lesões nas microvilosidades, semelhantes às causadas por E. coli O157:H7, não
havendo evidência de uma invasão dos tecidos. Os sintomas surgem 17 a 72 horas após o
consumo do alimento contaminado e desaparecem, normalmente, ao fim de 3 dias. Os
sintomas mais comuns incluem diarreia aquosa com muco mas sem sangue, náuseas, dores
abdominais, vómitos, dores de cabeça, febre e arrepios.

2. E. coli enterotoxigénica (ETEC): ETEC é a maior responsável por diarreias em crianças nos
países desenvolvidos. É também a maior responsável pela diarreia do viajante. Em contraste
com a EPEC, a ETEC só coloniza o intestino próximo através das fímbrias, tendo capacidade
de produzir toxinas que se podem distinguir com base na resistência térmica, peso molecular
e modo de acção. Os sintomas surgem cerca de 8 a 44 horas após o consumo do alimento
contaminado e têm uma duração de 3 a 19 dias. Os sintomas mais comuns são diarreia
aquosa, febre baixa, cólicas abdominais, fadiga e náuseas. Os casos mais severos fazem
lembrar a cólera com diarreia tipo água de arroz que pode conduzir à desidratação.

3. E. coli enteroinvasiva (EIEC): EIEC é muito semelhante a Shigella na sua actividade


bioquímica, antigénica e patológica. A sua acção desenvolve-se na mucosa do cólon,
invadindo as células epiteliais, multiplicando-se e eventualmente causando uma úlcera no
intestino. Os sintomas surgem cerca de 8 a 24 horas após o consumo do alimento
contaminado, e podem durar alguns dias ou até semanas. Os sintomas mais comuns incluem
diarreia profusa ou disenteria (as fezes geralmente são mucóides e sanguinolentas),
arrepios, febre, dores de cabeça, mialgia e cólicas abdominais.

4. E. coli enterohemorrágica (E. coli O157:H7): E. coli O157:H7 foi identificada como bactéria
patogénica em 1982 quando foi associada com dois surtos de colite hemorrágica.
Subsequentes surtos foram relatados e posteriormente relacionados com carne picada mal
cozinhada.
O mecanismo de patogenicidade de EHEC não está ainda completamente elucidado, apesar
de se terem identificado importantes factores de virulência. Todos os isolados clínicos
produzem uma ou duas toxinas que são citotóxicas paras as células vero (rim do macaco
verde africano) – verotoxinas. Aparentemente, EHEC coloniza o tracto intestinal e produz a(s)
verotoxina(s) que são activas no cólon.
Os sintomas surgem cerca de 3 a 9 dias após a ingestão do alimento contaminado e podem
ter uma duração de até 9 dias. Os sintomas mais comuns são colite hemorrágica
caracterizada por uma diarreia sanguinolenta, fortes dores abdominais, vómitos e ausência
de febre. Em casos mais graves pode ocorrer síndroma hemolítico urémico (SHU) e Púrpura

18
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Trombótica Trombocitopénica (PTT) em crianças e idosos, respectivamente. Estas


síndromas caracterizam-se por anemia hemolítica microangiopática, trombocitopénia,
alterações da função renal, febre e anomalias do sistema nervoso central. A taxa de
mortalidade associada é muito elevada.
A utilização de antibioterapia não é recomendada. A hidratação deve ser mantida e, em
casos mais graves como SHU e PTT, pode ser necessário recorrer a tratamentos especiais
como a hemodiálise.
Cerca de 5 a 10% dos indivíduos infectados com E. coli O157:H7 desenvolvem HUS, sendo
este microrganismo o responsável por mais de 90% dos casos HUS em crianças. Dos
sobreviventes a HUS, cerca de 5% tem necessidade de tratamentos de diálise ou de
transplante renal e, dos restantes, 5 a 10% apresentam problemas neurológicos ou
pancreáticos que diminuem significativamente a sua qualidade de vida.

Grupos de risco

Para ETEC as crianças e os viajantes para países em vias de desenvolvimento são os principais
grupos de risco.
Os casos com EPEC afectam maioritariamente crianças, especialmente as que são alimentadas a
biberão, sugerindo a utilização de água contaminada na hidratação dos leites em países
subdesenvolvidos.
Para EIEC não há grupos considerados de risco. Qualquer pessoa é susceptível de contrair a
colite hemorrágica causada por E. coli O157:H7. No entanto, os sintomas são mais severos em
idosos, em crianças e em indivíduos imunodeprimidos.

Prevenção da contaminação

O estabelecimento de códigos de boas práticas e de acções correctivas com o objectivo de


reduzir a contaminação fecal ao longo de toda a cadeia alimentar poderá contribuir para a redução
dos perigos de saúde associados a E. coli.
O conhecimento actual do microrganismo indica que o controlo da contaminação deve ter como
principal objectivo a minimização da sua presença durante a criação e o abate de animais,
principalmente bovinos. A prevenção das infecções com E. coli passa ainda pelo cumprimento
rigoroso das temperaturas ao longo da cadeia de frio, e por evitar o consumo de carnes mal
cozinhadas, de bovino em particular, de leite não pasteurizado e de água não tratada.
A implementação de sistemas de auto-controlo, como por exemplo o HACCP (Hazard Analysis
and Critical Control Points), ao longo de toda a cadeia é considerada como uma estratégia importante
de prevenção.
É ainda importante referir, que vários surtos causados por E. coli têm sido associados a visitas de
crianças a quintas de criação de animais.

19
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Listeria monocytogenes

Listeria monocytogenes é uma bactéria patogénica de distribuição ubiquitária, responsável por


casos isolados e por surtos de listeriose em humanos eem animais. Foi identificada e reconhecida
como agente patogénico para animais em 1927. No entanto, só a partir dos anos 80, na sequência de
vários surtos graves atribuídos ao consumo de alimentos contaminados com L. monocytogenes, esta
bactéria passou a ser considerada uma ameaça para a saúde pública pela comunidade científica,
pela indústria alimentar e pelos consumidores.

Características gerais

Listeria monocytogenes é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Listeriaceae, que


cresce em presença ou na ausência de oxigénio (anaeróbia facultativa). As células têm a forma de
pequenos bastonetes e a sua mobilidade é conferida por flagelos (a 25°C apresenta uma mobilidade
do tipo “cambalhota”, e a 35°C é imóvel). Por obser vação directa ao microscópio podem parecer
cocos pelo que são muitas vezes confundidas com estreptococos. A sua actividade hemolítica em
agar de sangue é uma das características que, juntamente com outras características bioquímicas,
permite distinguir L. monocytogenes das outras espécies pertencentes ao género Listeria.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: L. monocytogenes consegue crescer em ambientes com temperaturas entre -


0,4 e 45°C e tem uma temperatura óptima de crescime nto (temperatura à qual a taxa
específica de crescimento é máxima) entre os 30 e os 37°C. Sobrevive por longos períodos
em alimentos congelados. A pasteurização convencional elimina níveis normais de L.
monocytogenes em leite.

b) pH: Esta bactéria consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 4,3 e 9,4 (mas
dependendo do ácido e da temperatura do alimento, a gama de pH de crescimento pode
variar) e apresenta taxa específica de crescimento máxima a valores de pH entre 6 e 8.

c) Actividade da água (aw): o limite mínimo de aw que permite crescimento é 0,92 (em condições
de temperatura e de pH favoráveis). Sobrevive na presença de concentrações de NaCl
superiores a 10%.

d) Relação com o oxigénio: L. monocytogenes é anaeróbia facultativa (cresce em presença ou


na ausência de oxigénio)

e) Atmosfera envolvente: O crescimento de L. monocytogenes é favorecido em condições de


anaerobiose. Concentrações de CO2 superiores a 80% são consideradas inibitórias.

20
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

f) Radiação: L. monocytogenes apresenta uma resistência à radiação similar à apresentada


pelas outras bactérias Gram-positivas não formadoras de esporos. Apesar da existência de
poucos dados, L. monocytogenes parece ser menos resistente à radiação ultravioleta do que
as outras bactérias Gram- positivas.

Outras espécies de Listeria

Para além de L. monocytogenes, o género Listeria inclui ainda as espécies L. innocua, L.


welshimeri, L. seeligeri, L. ivanovii e L. grayi. L. monocytogenes é considerada a única espécie
patogénica deste género apesar de serem reconhecidos alguns casos de listeriose, raros, causados
por L. welshimeri, L. seeligeri e L. ivanovii.
As estirpes de L. monocytogenes podem ser divididas em 13 grupos de acordo com as suas
características antigénicas. A maioria dos isolados de casos clínicos pertence aos grupos 1/2a e,
principalmente, 4b. Diferentes estirpes de L. monocytogenes podem apresentar diferentes níveis de
virulência.

Principais fontes de contaminação

A listeriose é essencialmente transmitida através do consumo de alimentos contaminados, da


contaminação do recém-nascido durante o parto, por infecção cruzada no ambiente hospitalar e pelo
contacto com animais.
L. monocytogenes é uma bactéria de distribuição ubiquitária. Pode ser encontrada no solo,
vegetais, carne e peixe. Adicionalmente, os animais e o Homem podem ser portadores
assintomáticos da bactéria. Assim, a contaminação de matérias-primas e de alimentos não
processados é frequente.
Alguns estudos que avaliaram a fonte de contaminação de vários alimentos com L.
monocytogenes sugerem que a contaminação pós-processo na fábrica é extremamente importante.
Neste contexto, é de realçar a capacidade de formação de biofilmes por L. monocytogenes nos
ambientes de processamento, quer em superfícies e quer nos equipamentos, o que dificulta a sua
eliminação durante os processos de limpeza e de desinfecção.
Os alimentos associados com a transmissão da doença são vários. No entanto, os alimentos
cujas características permitem o crescimento da bactéria e que apresentam um tempo de prateleira
longo, mesmo que a temperaturas de refrigeração, merecem particular atenção.
L. monocytogenes foi o agente de várias infecções nosocomiais mas apenas durante o período neo-
natal.
A maioria das listerioses adquiridas por contacto com animais infectados manifesta-se sob a
forma de infecções de pele e atinge principalmente veterinários e criadores de animais. A
possibilidade de contágio de indivíduos susceptíveis deve, no entanto, ser considerada.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por L. monocytogenes

Nos últimos vinte anos foram descritos vários surtos de listeriose associados ao consumo de
diversos alimentos como saladas, patés, queijos, leite pasteurizado, camarões e manteiga. No
entanto, os produtos que representam um maior risco são aqueles cujo processo de fabrico não inclui

21
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

qualquer etapa de redução/eliminação de L. monocytogenes e cujas matérias-primas apresentam


elevada incidência/concentrações da bactéria.
Factores de risco adicionais são a sua capacidade de crescimento da bactéria no produto e a
ausência de processamento do mesmo antes de consumido. Nesta categoria de produtos incluem-se
o leite cru, os lacticínios produzidos com leite cru, peixe fumado e alguns enchidos.

Principais sintomas de infecção por L. monocytogenes

Nos adultos e nos recém-nascidos, as manifestações clínicas de listeriose descritas com maior
frequência são septicémia e/ou infecções meníngeas.
Nas grávidas, a infecção ocorre geralmente no terceiro trimestre de gestação e os sintomas
confundem-se com os de uma síndroma gripal, estas infecções resultam frequentemente em aborto
ou parto prematuro.
Recentemente, foram descritos surtos de listeriose associados ao consumo de alimentos com
elevada concentração de L. monocytogenes, em que os sintomas se confundem com os de outras
gastroenterites de origem alimentar.
A listeriose é uma infecção rara entre a população geral com uma incidência na Europa que varia
entre os 0.3 casos por milhão de habitantes, na Grécia, e os 7.5 casos por milhão de habitantes, na
Suécia a taxa de mortalidade de mortalidade associada pode atingir os 40% em indivíduos
susceptíveis. O número de células necessário para causar infecção não é conhecido mas os dados
epidemiológicos existentes sugerem que seja elevado. Os alimentos implicados em alguns surtos
3
apresentaram concentrações superiores a 10 células por grama. O longo período de incubação, em
alguns casos superior a 70 dias, dificulta a determinação da dose infecciosa.
A antibioterapia é necessária no tratamento da infecção. A ampicilina em associação com a
gentamicina ou o sulfametoxazol-trimetoprim são os antibióticos mais utilizados.

Grupos de risco

Indivíduos imunodeprimidos devido a efeitos de determinada medicação ou devido a doença,


grávidas, recém-nascidos e idosos.

Prevenção da contaminação

É reconhecido que garantir a ausência de L. monocytogenes em todos os produtos é uma tarefa


impossível. Assume-se que a transmissão de informação aos consumidores, em particular aos
indivíduos de risco e aos que lhes prestam cuidados, constitui uma forma de prevenção de listeriose
com grande relevância.
A presença de Listeria spp. em alimentos, principalmente em alimentos sujeitos a tratamentos
térmicos, é um indicador de práticas de higiene deficientes. O cumprimento das boas práticas de
higiene e fabrico assume-se como essencial para o controlo da contaminação no ambiente de
processamento, em particular da contaminação cruzada entre matérias-primas/ superfícies/
equipamentos e alimentos prontos a consumir.
Vários produtos podem ser considerados como potenciais causadores de surtos de listeriose. No
entanto, a maioria dos surtos documentados resultaram de uma falha em algum sistema de controlo.

22
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A implementação de sistemas de auto-controlo, como por exemplo o HACCP (Hazard Analysis


and Critical Control Points ), ao longo de toda a cadeia assume-se como uma estratégia importante
de prevenção.

| Clostridium botulinum

O botulismo, nome atribuído às intoxicações causadas por Clostridium botulinum, resulta, na


maioria das situações, da ingestão de uma toxina pré-formada em alimentos contaminados com este
microrganismo.
A incidência desta doença é baixa mas requer uma atenção particular, pois caso não seja
prontamente diagnosticada e tratada, envolve um risco elevado de morte.
A associação entre a ocorrência de uma doença com sintomatologia típica de botulismo e a
ingestão de salsichas foi reconhecida pela primeira vez em 1820 por Justinus Kerner. O nome
Clostridium botulinum deriva precisamente da palavra latina botulus (salsicha), e foi atribuído após
várias investigações terem relacionado surtos de botulismo com a ingestão de enchidos e molhos
com carne.
Existem quatro tipos epidemiológicos de botulismo: o botulismo alimentar, causado pela ingestão
de alimentos contaminados com toxinas pré-formadas, o botulismo infantil, causado pela ingestão de
esporos que germinam e produzem a toxina no intestino, o botulismo dos ferimentos (o mais raro),
causado pela contaminação de uma ferida com esporos do microrganismo que germinam e
produzem a toxina, e o botulismo de classificação indeterminada, que é semelhante ao botulismo
infantil mas ocorre no adulto. Neste documento, far-se-á referência apenas ao botulismo alimentar e
ao botulismo infantil.

Características gerais

C. botulinum é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Bacillaceae. As células têm a


forma de bastonetes (bacilos), são móveis por flagelos peritricos, formam esporos e produzem
neurotoxinas. Com base nas suas características serológicas e culturais, as espécies de C. botulinum
são divididas em quatro subgrupos (Tabela I). Com base na sua especificidade serológica, são
considerados ainda sete tipos de toxinas, classificadas de A a G.
Em Portugal, a maioria dos casos descritos estão associados à ingestão de toxina de tipo B.
As espécies pertencentes ao subgrupo III nunca foram associadas a casos ou surtos de botulismo
em humanos, mas são com frequência associadas a casos de botulismo em animais.
Até à data, não foram identificadas quaisquer intoxicações causadas pela toxina de tipo G.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: As gamas de temperatura de crescimento são diferentes para os vários


subgrupos de C. botulinum . As estirpes pertencentes ao subgrupo I conseguem crescer em
ambientes com temperaturas entre os 10 e os 48ºC e têm uma temperatura óptima de
crescimento (temperatura à qual a taxa específica de crescimento é máxima) entre 35 e
40°C. As estirpes pertencentes ao subgrupo II conse guem crescer em ambientes com

23
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

temperaturas entre os 3,3 e os 45ºC e têm uma temperatura óptima de crescimento entre 28
e 30°C.As estirpes pertencentes ao subgrupo III con seguem crescer em ambientes com
temperaturas mínimas de 15ºC e têm uma temperatura óptima de crescimento de 40°C. As
células vegetativas de C. botulinum são destruídas durante a pasteurização, o que não
acontece com os seus esporos que são bastante mais resistentes. Para que esta destruição
ocorra, é necessário sujeitar os alimentos a um aquecimento a 121ºC durante 3 minutos,
que é considerado o tratamento térmico de referência para os produtos cujo pH é superior a
4,5 e aw superior a 0,93, característicos dos produtos onde os esporos de C. botulinum
podem germinar e a sua toxina ser produzida. Este tratamento permite eliminar as células
vegetativas e os esporos de C. botulinum do subgrupo I. Os esporos do subgrupo II são
menos resistentes do que os do subgrupo I. As toxinas produzidas por todos os subgrupos
são destruídas nas seguintes condições: 80ºC durante 20 a 30 minutos, 85ºC durante 5
minutos, ou 90ºC durante alguns segundos. As células vegetativas, os esporos e as toxinas
de C. botulinum não são destruídos pela congelação.

b) pH: Para C. botulinum do subtipo I o pH mínimo de crescimento é 4,6, enquanto que para o
subtipo II este valor de pH é 5,0. Não foram determinados os valores mínimos de pH para
que ocorra o crescimento dos subtipos III e IV.

c) Actividade da água (aw): É geralmente aceite que é necessária uma aw mínima de 0,935,
resultante de concentrações de NaCl, KCl, glucose ou sacarose de 10% para evitar o
crescimento das estirpes de tipo I, e uma aw de 0,970, resultante de concentrações de 5%
dos mesmos solutos para as estirpes do subgrupo II. No caso do soluto ser glicerol, a
inibição do crescimento destas estirpes só ocorre para valores de actividade da água
inferiores.

d) Relação com o oxigénio: C. botulinum é uma bactéria anaeróbia. No entanto, a embalagem


com oxigénio não é considerada suficiente para impedir o seu crescimento, pois poderão
existir no interior dos alimentos zonas de anaerobiose onde possa ocorrer o desenvolvimento
do organismo e a produção de toxina.

e) Radiações: Os esporos de todos os subtipos de C. botulinum são relativamente resistentes à


irradiação. A “pré-irradiação” dos esporos torna-os mais sensíveis a tratamentos térmicos
posteriores. As toxinas botulínicas são resistentes aos tratamentos por irradiação aplicáveis a
alimentos.

Outras espécies de Clostridium

Para além de C. botulinum, existem outras espécies pertencentes ao género Clostridium que
também são produtoras de toxinas. São de referir algumas estirpes de C. baratii e de C. butyricum
que produzem as toxinas tipo F e tipo E, respectivamente.

24
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Principais fontes de contaminação

O Homem não desempenha um papel importante na transmissão de C. botulinum . São fontes


importantes de transmissão os animais, o ambiente e os alimentos.
C. botulinum tem uma distribuição ubiquitária, encontrando-se largamente disseminado pelo solo
e nos sedimentos marinhos de todo o mundo. Encontra-se também nos intestinos de alguns animais,
nomeadamente dos peixes. Dado o carácter ubíquo do organismo, a sua presença em alimentos não
processados pode ocorrer ocasionalmente.

Alimentos mais frequentemente associados a intoxicações por C. botulinum

A maior parte dos casos de botulismo estão associados a produtos preparados no ambiente
doméstico, nomeadamente a conservas de vegetais, nos Estados Unidos, a carnes curadas, na
Europa Central, e a vários tipos de conservas de peixe, na Europa do Norte, no Alasca e no Japão.
Em Portugal, na maioria dos casos descritos os alimentos envolvidos foram o presunto e os enchidos
“caseiros”.
De uma forma geral, qualquer alimento com um pH superior a 4,6 que seja armazenado na
ausência de oxigénio, a temperaturas que permitam o desenvolvimento do microrganismo e
consequente produção da toxina, e que não tenha sido sujeito a um tratamento térmico antes de ser
consumido pode ser veículo de intoxicação por C. botulinum . Como exemplo de alimentos
comerciais associados a casos ou a surtos de botulismo podem referir-se, entre outros, o queijo
Mascarpone, o iogurte com puré de avelã, o azeite com alho, o queijo enlatado, e a conserva de
salmão. O mel tem estado associado a casos de botulismo infantil em crianças com idade inferior a 1
ano.

Principais sintomas da intoxicação por C. botulinum

A toxina botulínica atinge o sistema nervoso, interferindo na sinapse (comunicação) entre as


células nervosas. Assim, os sintomas de intoxicação por C. botulinum resultam da dificuldade na
transmissão de estímulos nervosos, o que resulta em paralisia.
O início dos sintomas acontece geralmente entre 18 a 36 horas após a ingestão do alimento
contaminado com a toxina. As toxinas botulínicas são as toxinas mais potentes que se conhecem (a
dose letal para um humano adulto é de cerca de 0,01 micrograma). A severidade dos sintomas está
relacionada com a quantidade e também com o tipo de toxina ingerida. A toxina do tipo A está
associada aos casos mais graves da intoxicação. Os sintomas do botulismo alimentar passam
geralmente por fraqueza, perturbações na visão (visão enevoada e ou dupla visão), secura na boca,
dificuldade em falar e em engolir. Os sinais de paralisia são progressivos, surgindo a morte por
paragem cardiorespiratória. Os vómitos e a diarreia ligeira podem verificar-se, em particular nos
casos de botulismo provocados pela toxina do tipo E, o que pode explicar a menor taxa de
mortalidade associada a esta toxina.
O botulismo é uma infecção com uma elevada taxa de mortalidade situada entre 20 e 50%. As
medidas de suporte ventilatório e a administração de antitoxina polivalente (A,B,E) são associadas a
uma diminuição da taxa de mortalidade. A terapêutica com antibióticos não é aconselhada em
quaisquer dos tipos de botulismo. A recuperação dos sobreviventes é extremamente morosa.

25
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

O botulismo infantil foi relatado pela primeira vez em 1976 e, desde então, foram registados mais
de 1000 casos. Julga-se que este tipo de botulismo afecta crianças até um ano de idade, que tenham
ingerido esporos de C. botulinum. Na ausência de uma flora normal intestinal competitiva, os esporos
ingeridos podem germinar no intestino das crianças, e formar a toxina in situ. O principal veículo de
transmissão é o mel (e possivelmente xarope de glucose) que pode ser contaminado pelas poeiras
ou pelo crescimento do C. botulinum em larvas mortas presentes nas colmeias.
Os sintomas são prisão de ventre, seguida de perda de apetite, letargia, fraqueza, secreções orais
e gemidos ou choro alterado. O tratamento recomendado passa por cuidados de suporte básicos,
como por exemplo a ventilação artificial.

Grupos de risco

Não estão definidos.

Prevenção da contaminação

Assumindo a possibilidade dos esporos de C. botulinum estarem presentes em alimentos não


processados, as condições de processamento ou de conservação devem assegurar a destruição dos
esporos ou prevenir a produção de toxinas. Para tal, será importante a correcta utilização das
temperaturas de processamento térmico e de refrigeração e a manutenção de valores de pH e de aw
adequados. Em alguns tipos de produtos a adição de nitritos ou de outros conservantes é uma
barreira adicional.
A implementação de sistemas de auto-controlo, como por exemplo o HACCP (Hazard Analysis
and Critical Control Points), ao longo de toda a cadeia assume-se como uma estratégia importante de
prevenção.

| Clostridium perfringens

As intoxicações causadas por Clostridium perfringens, anteriormente designado por C. welchii,


resultam da ingestão de alimentos contaminados com a enterotoxina produzida por um elevado
número de células vegetativas deste organismo. Na sequência de um grande número de casos e de
surtos entre 1940 e 1950, C. perfringens foi reconhecido como um importante agente de doenças de
origem alimentar. Nas últimas décadas vários surtos têm sido publicados implicando diversos
produtos alimentares como causadores de intoxicação alimentar por C. perfringens. Uma
característica peculiar destes surtos é o envolvimento de um número grande de indivíduos. O papel
do C. perfringens na gangrena gasosa foi reconhecido durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918).

Características gerais

C. perfringens é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Bacillaceae. As células têm a


forma de bastonetes (bacilos), formam esporos e são imóveis. De acordo com a toxina que produzem
estão definidos 5 tipos (A, B, C, D e E) de C. perfringens.

26
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Na origem da maioria dos problemas de segurança alimentar surge C. perfringens tipo A e, em


muito menor escala, do tipo C.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: C. perfringens pode crescer num intervalo de temperaturas que varia entre 12 e
50ºC e tem uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) entre 43 e 47°C. Este microrg anismo é um dos que apresenta uma
maior velocidade de multiplicação, correspondente a um tempo de duplicação inferior a 10
minutos para as temperaturas óptimas. A produção de enterotoxina ocorre a temperaturas
entre 30 e 40°C. As células vegetativas são facilme nte destruídas por cozedura, mas os
esporos são muito resistentes ao calor. Alguns esporos sobrevivem à ebulição durante 1
hora. As células vegetativas são muito sensíveis a temperaturas de refrigeração e de
congelação. Os esporos sobrevivem tanto a temperaturas de refrigeração como de
congelação. A enterotoxina de C. perfringens é inactivada por aquecimento a 60ºC durante
10 minutos.

b) pH: C. perfringens consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5,5 e 9,0 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
entre 6,0 e 7,0. A esporulação ocorre para valores de pH entre 6,0 e 8,0. As células
vegetativas morrem após alguns dias a pH inferior a 5,0 e superior a 8,3.

c) Actividade da água (aw): O crescimento das células vegetativas de C. perfringens e a


germinação dos seus esporos ocorrem para valores de aw mínimos compreendidos entre
0,93 e 0,97, dependendo do soluto. Os esporos são muito resistentes a baixas actividades da
água. Em ambientes com concentrações de NaCl de 6 a 8% o crescimento de C. perfringens
é inibido.

d) Relação com o oxigénio: C. perfringens é uma bactéria anaeróbia estrita???. No entanto, de


acordo com os resultados de alguns estudos, a embalagem em ambiente com oxigénio não é
suficiente para impedir o seu crescimento, pois poderá crescer no interior dos alimentos,
onde os níveis de oxigénio são baixos.

e) Radiação: A resistência dos esporos de C. perfringens à radiação varia entre 1,2 e 3,4 kGy,
dependendo da estirpe.

Outras espécies de Clostridium

C. botulinum (produtor das toxinas A, B, E e F) é outra espécie pertencente ao género Clostridium,


responsável por intoxicações alimentares muito graves.

Principais fontes de contaminação

C. perfringens encontra-se amplamente distribuído no ambiente, faz parte da flora normal do trato
intestinal do Homem (os níveis em indivíduos idosos saudáveis podem ser muito elevados) e de

27
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

muitos animais domésticos e selvagens. Os esporos do microrganismo persistem no solo,


sedimentos, vegetação e em áreas de poluição fecal humana e animal. Apesar de este
microrganismo fazer parte da flora fecal normal do Homem, pensa-se que o manipulador de
alimentos não constitui uma fonte de contaminação de alimentos significativa.
No solo podem ser encontrados níveis de 10 até 10000 cfu/g de C. perfringens.
Sendo um habitante normal do intestino dos animais, C. perfringens pode contaminar as carcaças
durante o abate. Os alimentos de origem animal são os reservatórios mais comuns da bactéria e,
eventualmente, da toxina.

Alimentos mais frequentemente associados a intoxicações por C. perfringens.

C. perfringens é encontrado numa grande variedade de alimentos crus, desidratados e


cozinhados, prospera nos alimentos ricos em proteína de origem animal tais como a carne e os
produtos derivados de carne, os cozidos de carne, as sopas espessas, os molhos, tartes e o leite.
Nas intoxicações por C. perfringens estão normalmente envolvidas grandes quantidades de
alimentos preparados com antecedência e arrefecidos lentamente e /ou inadequadamente
refrigerados.
Rolos de carne e aves recheadas são alimentos que apresentam condições favoráveis para a
proliferação de C. perfringens. Devido às suas dimensões dificultam a penetração de calor até ao seu
interior durante a cozedura. O arrefecimento lento e as condições de anaerobiose destas zonas
centrais proporcionam as condições ideais para a germinação dos esporos e o crescimento de
bactérias que podem atingir números preocupantes.
Vegetais crus, especiarias, massas, gelatina, farinha e proteína de soja apresentam níveis
aceitáveis de C. perfringens. Especial cuidado é necessário com alimentos preparados com estes
ingredientes especialmente pão, produtos de pastelaria, sopas, molhos, etc. Os esporos encontram
durante o arrefecimento as condições adequadas para a germinação.

Principais sintomas da intoxicação por C. perfringens

Como atrás referido, a maioria das intoxicações surge com C. perfringens produtor da
enterotoxina do tipo A. Esta enterotoxina é uma proteína formada durante o processo de esporulação
no interior do intestino, e interfere no transporte de água, sódio e cloretos através da mucosa
intestinal. Os sintomas clássicos desta intoxicação (gastroenterite) são dores abdominais agudas,
diarreias com náuseas, febre, e, em casos raros, vómitos.
Os sintomas surgem cerca de 6 a 24 horas (mais usualmente 8 a 12 horas) após a ingestão do
alimento contaminado com um número elevado de células vegetativas de C. perfringens (considera-
se que a dose infecciosa é superior 1000000 células vegetativas por g de alimento). Estes sintomas
persistem, geralmente, durante 24 horas, mas podem manter-se, de forma menos acentuada,
durante 1 a 2 semanas. Outros sintomas mais raros são a febre, os arrepios e as dores de cabeça.
Esta intoxicação não é de um modo geral grave, mas pode em situações raras, resultar na morte do
indivíduo por desidratação e outras complicações.
As intoxicações por C. perfringens do tipo C são raras, mas muito graves e são designadas
enterites necróticas. Estas enterites caracterizam-se por dores abdominais agudas muito intensas,
diarreia sanguinolenta, algumas vezes vómitos e inflamação necrótica do intestino delgado.

28
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Grupos de risco

Os sintomas são mais severos em crianças, em idosos e em indivíduos imunodeprimidos.

Prevenção da contaminação

A intoxicação por C. perfringens ocorre na maioria das situações quando não é controlada a
temperatura após a cozedura de alimentos. As células viáveis de C. perfringens são facilmente
destruídas pelo aquecimento a 60oC, mas os esporos podem sobreviver por bastante tempo a
temperaturas mais elevadas. Assim, para evitar a sua germinação e a possibilidade de produção de
toxina é necessário que os alimentos preparados, que não vão ser consumidos de imediato, sejam
mantidos a temperaturas superiores a 65ºC ou arrefecidos a temperaturas inferiores a 10ºC num
período de 2 a 3 horas. No caso de grandes peças de carne, recomenda-se que estas sejam partidas
para que o seu interior arrefeça rapidamente.
Antes de servidos, os pratos preparados com antecedência devem ser reaquecidos a pelo menos
75ºC para garantir a destruição de formas vegetativas eventualmente presentes.
Dado que este microrganismo tem uma distribuição ubiquitária, as boas práticas de manipulação e
higiene pessoal são requisitos fundamentais para prevenir a contaminação de alimentos.

| Staphylococcus aureus

As intoxicações causadas por Staphylococcus aureus resultam da ingestão de uma toxina pré-
formada em alimentos contaminados com este microrganismo. Apesar de estas intoxicações não
serem particularmente severas, são muito frequentes, podendo ocorrer isoladamente ou em surtos.
O primeiro relato de uma intoxicação alimentar causada por Staphylococcus foi provavelmente
apresentado por Vaughan e Sternberg em 1884. No entanto, só em 1914 Barber demonstrou de
forma clara a intoxicação estafilocócica resultante do consumo de leite cru proveniente de uma vaca
com mastite (Barber 1914). O significado deste trabalho não foi valorizado até que em 1930 Dack e
os seus colaboradores “redescobrem” a intoxicação por S. aureus (Dack et al. 1930) demonstrando
que o filtrado esterilizado de uma cultura de estafilococos isolado de um alimento teria causado o
aparecimento de sintomas típicos de intoxicação alimentar em voluntários humanos.

Características gerais

S. aureus é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Micrococcaceae. As células têm a


forma de cocos, apresentam-se frequentemente agrupados em cacho e são imóveis. Quando em
condições favoráveis, produz toxinas – enterotoxinas – que são o agente responsável pela
intoxicação alimentar. Estas toxinas são proteínas hidrosolúveis e termoresistentes, mantendo a sua
actividade mesmo após a pasteurização. A destruição da enterotoxina obtém-se pelo tratamento a
100ºC durante pelo menos 30 minutos.

29
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: S. aureus consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 7 e 46°C e


tem uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) entre 35 e 37°C. A produção d e enterotoxina ocorre a temperaturas
entre 10 e 45°C.
b) S. aureus é resistente a ciclos de congelação/descongelação e sobrevive durante períodos
alargados em alimentos armazenados a temperaturas inferiores a –20ºC. A bactéria em si é
destruída pela pasteurização, mas as enterotoxinas já formadas são resistentes aos
processos térmicos, incluindo os regimes utilizados para esterilizar enlatados de baixa-
acidez.

c) pH: S. aureus consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 4,5 e 9,3 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
entre 6,0 e 7,0. A produção de enterotoxina ocorre em ambientes com valores de pH entre
5,2 e 9,0.

d) Actividade da água (aw): S. aureus é uma bactéria reconhecida pela sua elevada
osmotolerância o que lhe permite crescer em ambientes com uma aw superior a 0,86 e com
uma concentração de NaCl entre 5 e 7% (algumas estirpes crescem a concentrações de
NaCl de 20%). A produção de enterotoxina ocorre em ambientes em que as concentrações
de NaCl se situam entre 0-20% e em que os valores de aw são superiores a 0,87.

e) Relação com o oxigénio: S. aureus é uma bactéria anaeróbia facultativa (cresce em presença
ou na ausência de oxigénio), mas a toxina não é produzida em condições de anaerobiose.

f) Radiação: As radiações ionizante e não ionizante (por exemplo UV) são eficazes na
destruição de S. aureus mas as enterotoxinas são resistentes aos tratamentos por irradiação
aplicáveis a alimentos.

Outras espécies de Staphylococcus

Para além de S. aureus, existem cerca de 30 outras espécies pertencentes ao género


Staphylococcus, algumas das quais também produtoras de enterotoxinas, como são os casos de S.
hyicus e S. intermedius.

Principais fontes de contaminação

Embora S. aureus esteja naturalmente presente nas membranas mucosas de todos os animais de
sangue quente, os humanos são a principal fonte de estirpes produtoras de enterotoxinas. Estima-se
que cerca de 40% dos indivíduos saudáveis sejam portadores assintomáticos da bactéria na
nasofaringe.
A transmissão a alimentos ocorre principalmente através da manipulação.
As feridas infectadas são também veículo de contaminação de alimentos.

30
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

As vacas leiteiras também podem ser uma fonte de S. aureus, nomeadamente através do leite
produzido por animais com mastite. Em certas situações a carne de vaca crua também pode
representar um perigo.
S. aureus pode ainda colonizar equipamentos de produção ou de confecção de alimentos em
zonas mais difíceis de limpar.

Alimentos mais frequentemente associados a intoxicações por S. aureus.

Dado que S. aureus não tem uma grande capacidade de competição com outros microrganismos,
os alimentos que geralmente estão associados a intoxicações causadas por esta bactéria são
aqueles que foram manipulados após o processamento e sujeitos a temperaturas de armazenamento
entre 10 e 45ºC antes do consumo. Como exemplo podem-se referir os alimentos com recheios de
carne, as saladas preparadas com ovo ou marisco, os bolos com recheio, o fiambre e os gelados.
Vários surtos foram ainda atribuídos ao consumo de queijo.

Principais sintomas da intoxicação por S. aureus

Os sintomas de intoxicação por S. aureus surgem, dependendo da quantidade de toxina ingerida,


entre 1 e 7 horas após o consumo do alimento contaminado. Considera-se que S. aureus tem que
estar presente numa concentração mínima de 105-106 por grama de alimento para que exista uma
quantidade de toxina suficiente para causar doença, i.e., entre 0,1 e 1 micrograma.
Os sintomas mais comuns são náuseas e vómitos, por vezes acompanhados por diarreia e dores
abdominais. A evolução clínica é, regra geral, favorável e os sintomas desaparecem normalmente ao
fim de 48h.

Grupos de risco

Os sintomas são mais severos em crianças, em idosos e em indivíduos imunodeprimidos.

Prevenção da contaminação

A prevenção das intoxicações alimentares por S. aureus deve ter por base o cumprimento de 3
requisitos:
1. Manutenção de elevados padrões de higiene;
2. A redução do manuseamento dos alimentos e
3. O controlo da temperatura.

Dado que este microrganismo tem uma distribuição ubiquitária e que uma grande percentagem
dos manipuladores pode ser potencialmente portadora, a higiene pessoal e o cumprimento das boas
práticas são requisitos fundamentais para prevenir a contaminação de alimentos. Em alimentos
manipulados, o controlo de temperatura pós-processo é essencial para assegurar que, quando está
presente em baixas concentrações, S. aureus não se multiplica nem produz toxinas.

31
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Yersinia enterocolitica

Em 1894, Alex Yersin identificou o agente responsável pela peste bubónica que, em sua
homenagem, foi denominado Yersinia pestis. No início dos anos 60, ao encontrar um grupo de
culturas bacterianas com características comuns provenientes da Escandinávia, de outros países
europeus e dos Estados Unidos, Frederiksen reconheceu uma outra espécie do género Yersinia que
classificou como Yersinia enterocolitica. Nessas culturas existiam isolados de suínos, de chinchilas e
de humanos, associados com infecções intestinais. Esta espécie foi confirmada como causadora de
infecções alimentares na sequência de um surto ocorrido nos Estados Unidos em 1976 que afectou
crianças que tinham consumido leite com chocolate.

Características gerais

Y. enterocolitica é uma bactéria Gram-negativa que pertence à família Enterobacteriaceae . As


células têm a forma de bastonetes (bacilos) e exibem mobilidade por flagelos quando crescem a
temperaturas inferiores a 30ºC.
Esta espécie é muito heterogénea, encontrando-se dividida em vários subgrupos estabelecidos de
acordo com as suas características bioquímicas e com os seus serotipos. Os serotipos O:3, O:9, O:8
e O:5,27 são os mais frequentemente associados a yersiniose, embora os três primeiros produzam
uma enterotoxina termostável que parece não ter grande importância no desenvolvimento da doença.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: Y. enterocolitica consegue crescer em ambientes com temperaturas entre -


1,3ºC e 44ºC e têm uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a taxa
específica de crescimento é máxima) entre 25 e 37ºC. Sobrevive por longos períodos em
alimentos congelados. Os tratamentos térmicos normalmente utilizados na preparação de
alimentos destroem o microrganismo.

b) pH:Y. enterocolitica consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 4,2 e 9,6 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
entre 7,0 e 8,0. Em presença de ácidos orgânicos, por exemplo ácido acético, a bactéria é
mais sensível.

c) Actividade da água (aw): O limite mínimo de aw que permite o crescimento de Y.


enterocolitica é 0,96, correspondente a cerca de 5% de NaCl. Concentrações de NaCl de 7%
são inibitórias.

d) Relação com o oxigénio: Y. enterocolitica é anaeróbia facultativa (cresce em presença ou na


ausência de oxigénio).

e) Atmosfera envolvente: O crescimento de Y. enterocolitica é dificultado pela presença de CO2.


Em embalagem em vácuo, o crescimento é mais lento mas não é inibido.

f) Radiação:Y. enterocolitica é sensível à radiação gama.

32
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Outras espécies de Yersinia

Para além de Y. enterocolitica, também Y. pestis e Y. pseudotuberculosis são patogénicas para


humanos e animais. Outras espécies pertencentes ao género Yersinia incluindo Y. frederksenii, Y.
intermedia, Y. kristenenii, Y. aldovae, Y. rodhei, Y. mollareti e Y. bercovieri encontram-se
disseminadas no ambiente sem que sejam associadas a quaisquer doenças. Y. ruckeri é uma
espécie patogénica para peixes.

Principais fontes de contaminação

Y. enterocolitica é um organismo de distribuição ubiquitária que tem sido isolado de vários animais
(humanos, cães, gatos, roedores, aves, répteis, etc.), de alimentos e de água. No entanto, deve
salientar-se que a maioria das estirpes isoladas do ambiente não é patogénica. Os porcos são
considerados o principal reservatório de estirpes patogénicas para o Homem.
A transmissão desta bactéria entre humanos via fecal-oral é possível embora pouco frequente.
Tem sido isolada de leite cru, produtos lácticos processados, carnes cruas ou pouco processadas,
vegetais frescos e água não clorada.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Y. enterocolitica

Os veículos de transmissão da maioria das infecções causadas por Y. enterocolitica têm sido a
água e os alimentos.
No entanto, o papel desempenhado pelos alimentos na infecção ainda não está completamente
estabelecido uma vez que Y. enterocolitica tem sido isolada de alimentos em análises de rotina ou
em trabalhos de investigação e não em resposta a surtos de infecção.
Em quase todos os países, o leite tem sido mais associado à transmissão da infecção do que
quaisquer outros alimentos. É considerada excepção ao leite, a carne de porco em países onde é
consumida crua.

Principais sintomas de infecção por Y. enterolitica

Dependendo da estirpe, Y. enterocolitica pode causar vários tipos de sintomas clínicos. As


gastroenterites agudas são as manifestações de yersiniose mais comuns. Os sintomas surgem cerca
de 1 a 11 dias após o consumo do alimento contaminado com o organismo e persistem,
normalmente, durante 5 a 14 dias. Em situações mais graves podem ter uma duração de vários
meses.
Os sintomas mais comuns são diarreia e dores abdominais fortes podendo estar associados a
febre, inflamação da garganta, fezes sanguinolentas, erupção cutânea, náuseas, cefaleias, fraqueza
generalizada, dores nas articulações e vómitos.
Em bebés, crianças e adolescentes, a inflamação dos gânglios linfáticos surge associada à
gastroenterite.

33
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Grupos de risco

Os bebés e crianças menores de 5 anos, os indivíduos debilitados e as pessoas muito idosas ou


com terapias imunodepressoras são mais sensíveis a esta bactéria.

Prevenção da contaminação

Dado que a refrigeração não é efectiva na prevenção do crescimento de Y. enterocolitica em


alimentos, é essencial que sejam tomadas todas as medidas que minimizem a contaminação, por
exemplo, aplicando tratamentos térmicos sempre que apropriados.
A carne de porco crua representa um perigo particular pelo que deve ser tratada como tal. Assim,
os animais seleccionados para criação não devem ser portadores da bactéria e devem ser cumpridas
as boas práticas durante o transporte e o abate. Foi demonstrado que a remoção da língua e das
amígdalas numa etapa separada da da remoção dos outros órgãos diminui a contaminação destes.
A educação das pessoas sobre a manipulação da carne de porco crua, quer ao nível doméstico
quer em estabelecimentos de alimentação colectiva poderá ser uma estratégia eficaz de prevenção
de yersiniose.

| Campylobacter jejuni

Campylobacter jejuni foi identificada como uma bactéria responsável por diarreia em humanos em
1973. Com o desenvolvimento de métodos que permitiram o seu isolamento em vários laboratórios, a
importância de Campylobacter como organismo responsável por gastroenterites em humanos foi
valorizada. Nos Estados Unidos, C. jejuni é considerada a espécie responsável pelo maior número de
gastroenterites de origem bacteriana.

Características gerais

C. jejuni é uma bactéria Gram-negativa pertencente à família Campylobacteriaceae. As células


têm a forma de bastonetes curvos, em espiral ou em S e crescem em microaerofilia. Em condições
de stresse ou em culturas envelhecidas podem apresentar morfologia cocóide. As células têm um ou
mais flagelos polares o que lhes confere uma mobilidade característica em ziguezague.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: C. jejuni consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 32 e 45°C e


têm uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) entre 42 e 43°C.

b) pH: C. jejuni consegue crescer ambientes com valores de pH entre 4,9 e 9,0 e apresenta uma
taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH entre 6,5 e 7,5 (pH
óptimo).

34
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

c) Actividade de água (aw): C. jejuni apresenta dificuldades de sobrevivência em ambientes


secos. Em ambientes com concentrações de NaCl superiores a 2%, mesmo que todas as
outras condições sejam favoráveis, ocorre inibição do crescimento.

d) Relação com o oxigénio: C. jejuni é uma bactéria microaerófila

e) Atmosfera envolvente (gases presentes): C. jejuni necessita de atmosferas contendo 5-10%


de oxigénio e 3-5% de dióxido de carbono para crescer. O crescimento é estimulado pela
presença de hidrogénio. Perde viabilidade rapidamente em contacto com o ar.

Outras espécies de Campylobacter

As gastroenterites podem ser causadas por várias espécies de Campylobacter. C. jejuni, C. coli,
C. lari, C. upsaliensis. C. jejuni e C. coli são as espécies mais frequentemente isoladas de humanos.

Principais fontes de contaminação

Dados os seus requisitos especiais de atmosfera e de temperatura, Campylobacter spp.


normalmente não cresce em alimentos. No entanto, em muitos países é o principal responsável por
gastroenterites bacterianas.
Campylobacter é um organismo zoonótico (provoca doenças em animais que podem ser
transmitidas a humanos) encontrado no tracto intestinal de vários animais. As aves são referidas de
forma particular como reservatório do organismo pelo que são consideradas uma das principais
causas de campilobacteriose quer pelo seu consumo (mal cozinhadas) ou como fonte de
contaminação cruzada de outros alimentos prontos a consumir como, por exemplo, as saladas.
A contaminação cruzada durante o processamento de aves resulta numa incidência de
Campylobacter em carcassas superior a 60%.
A contaminação do leite pode ocorrer por contaminação fecal durante a ordenha ou ainda por
recolha de leite de vacas mastíticas. Campylobacter não sobrevive à pasteurização, pelo que as
infecções atribuídas ao consumo de leite são resultantes do consumo de leite cru ou de leite
contaminado após a pasteurização.
A contaminação da água por Campylobacter, associada a falhas nos sistemas de desinfecção,
tem estado na origem de alguns surtos.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Campylobacter

A maioria dos casos de campilobacteriose é esporádica e não está associada a grandes surtos, o
que dificulta a identificação dos veículos de transmissão.
O leite cru ou inadequadamente pasteurizado, as aves mal cozinhadas e a água não tratada têm
sido os principais alimentos associados aos surtos documentados.

35
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Principais sintomas de infecção por Campylobacter

Os sintomas surgem normalmente 2 a 7 dias após a ingestão do alimento contaminado. A dose


infecciosa é baixa, provavelmente inferior a 500 microrganismos.
Os sintomas mais comuns são dores abdominais, febre, diarreia profusa com fezes aquosas ou
mucosas e sanguinolentas e, em alguns casos, vómitos. A diarreia persiste durante cerca de uma
semana, embora o organismo seja excretado nas fezes durante duas a três semanas.
A evolução clínica de campilobacteriose é normalmente favorável embora a associação com o
aparecimento de casos de artrite reactiva e de síndroma de Guillain-Barré (doença auto-imune que
se manifesta por uma polineuropatia inflamatória aguda progressiva caracterizada por debilidade
muscular que, por vezes, conduz à paralisia). seja conhecida.

Grupos de risco

As crianças com idade inferior a 5 anos e os jovens entre 15 e 29 anos são os grupos mais
atingidos.

Prevenção da contaminação

O conhecimento actual do microrganismo indica que o controlo da contaminação deve ter como
principal objectivo a sua minimização durante o processamento de aves.
Sendo a incidência da bactéria elevada em carcaças, um dado adquirido, a prevenção da
contaminação cruzada assume-se como uma estratégia adicional e de importância paralela.
A prevenção da campilobacteriose passa ainda por evitar o consumo de carnes mal cozinhadas,
aves em particular, de leite não pasteurizado e de água não tratada.

| Bacillus cereus

As intoxicações causadas por Bacillus cereus resultam da ingestão de alimentos contaminados


com o microrganismo e/ou com as enterotoxinas que foram produzidas durante o seu crescimento.
As intoxicações associadas a este microrganismo são normalmente de curta duração e pouco
severas. Têm no entanto sido relatados diversos surtos e casos esporádicos.
O B. cereus foi pela primeira vez isolado e descrito em 1887, no entanto, só foi reconhecido como
agente causador de intoxicação alimentar após as publicações de Hauge em 1950 e 1955, tendo sido
relacionado com 4 surtos, todos envolvendo molho de baunilha. Estes surtos, e outros descritos nos
20 anos seguintes, caracterizavam-se pelo aparecimento de diarreia aquosa 8 a 16 horas após a
ingestão do alimento contaminado.
Um surto associado a este microrganismo, caracterizado por náuseas e vómitos 1 a 5 horas após
a ingestão de arroz cozinhado, foi publicado pelo Public Health Laboratory Service (Reino Unido) em
1972. Apesar do cepticismo devotado a esta publicação, as investigações subsequentes mostraram
que certas estirpes de B. cereus são capazes de causar intoxicação do “tipo estafilicócica”
apresentando os pacientes vómitos e náuseas. Actualmente, é reconhecido que este tipo de
intoxicação por B. cereus é mais comum do que o inicialmente descrito por Hauge.

36
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Características gerais

B. cereus é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Bacillaceae. As células têm a forma
de bastonetes (bacilos) de grandes dimensões, geralmente móveis, e formam esporos. B. cereus
produz 2 tipos de enterotoxinas, diarreica e emética, que são os agentes responsáveis pela
intoxicação alimentar.
A toxina diarreica é uma proteína produzida durante o crescimento das células.
A toxina emética (induz o vómito) é um pequeno peptídeo sem propriedades antigénicas,
produzido durante a fase estacionária do crescimento e extraordinariamente resistente ao calor
(resiste a uma incubação a 126ºC durante 90 min), a pH extremos e à digestão enzimática.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: B. cereus tem uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a


taxa específica de crescimento é máxima) entre 30 e 40°C, embora nalgumas estirpes esta
seja de 50ºC, podendo a temperatura máxima de crescimento atingir os 55ºC. São, no
entanto, conhecidas estirpes psicotróficas que crescem a 4-5ºC sendo, neste caso, a
temperatura máxima de crescimento de 37ºC. A temperatura óptima de produção de
enterotoxina emética situa-se entre 25 e 30°C. As c élulas vegetativas são facilmente
destruídas por cozedura, mas os esporos são moderadamente resistentes ao calor (sendo
mais resistentes ao calor seco do que ao calor húmido). A resistência ao calor é superior em
alimentos com altos teores de gorduras ou óleos (no óleo de soja, o valor D* a 121ºC é 30
min.) com baixa actividade da água. A toxina diarreica é destruída por temperaturas inferiores
às de pasteurização (56ºC em 5 min.). A toxina emética é a 126ºC durante pelo menos 90
min. *Valor D: Tempo necessário para que ocorra uma redução de 90% do número de
indivíduos de uma população, a uma determinada temperatura constante.

b) pH: B. cereus consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5,0 e 9,3, embora
ambientes com pH 5,1, resultante da presença de 0,1% de ácido acético, possam inibir o
crescimento. A taxa específica de crescimento máxima atinge-se em ambientes com valores
de pH entre 6,0 e 7,0. A toxina emética é estável para valores de pH entre 2 e 11. A toxina
diarreica é instável para valores inferiores a 4 e superiores 11.

c) Actividade da água (aw): B. cereus cresce em ambientes com valores de aw mínimos


compreendidos entre 0,92 e 0,95. Os esporos resistem por longos períodos em alimentos
desidratados (com baixa aw). Para concentrações superiores a 7,5% de NaCl o crescimento
de B. cereus é inibido.

d) Relação com o oxigénio: B. cereus é uma bactéria anaeróbia facultativa (cresce em presença
ou na ausência de oxigénio), mas a produção de toxinas é muito baixa em condições de
anaerobiose.

e) Radiação: Os esporos de B. cereus são mais resistentes às radiações do que as células


vegetativas. A “pré-irradiação” dos esporos torna-os mais sensíveis a tratamentos térmicos
posteriores.

37
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Outras espécies de Bacillus

Para além de B. cereus, existem outras espécies pertencentes ao género Bacillus, algumas das
quais também produtoras de enterotoxinas, e implicadas em episódios de intoxicação alimentar. São
de referir B. subtilis e B. licheniformis que podem produzir uma toxina termoestável responsável por
sintomas idênticos aos causados pela toxina de tipo emético (que induz vómito) de B. cereus.

Principais fontes de contaminação

B. cereus encontra-se largamente distribuído na natureza, tendo já sido isolado do solo, pó,
colheitas de cereais, vegetação, pêlos de animais, água e matéria em decomposição.
Assim, o microrganismo é encontrado numa grande variedade de produtos agrícolas e de origem
animal.
O homem não contribui significativamente como veículo de contaminação dos alimentos por B.
cereus, embora este possa estar temporariamente presente no intestino de indivíduos saudáveis.
Os animais podem ser portadores de B. cereus no seu corpo. Ocasionalmente, B. cereus pode
causar mastites em vacas.

Alimentos mais frequentemente associados a intoxicações por B. cereus.

Os produtos alimentares frescos (hortícolas e derivados de animais) são a maior fonte de B.


cereus.
A ampla distribuição do microrganismo e a sua capacidade de produzir esporos resistentes a
condições de secura e a temperaturas elevadas significam que alimentos prontos a comer que
possam conter B. cereus requerem medidas de controlo que previnam o seu crescimento,
especialmente depois de cozinhados, quando toda a flora competitiva foi eliminada.
Alimentos como a carne, o leite, os vegetais e os produtos do mar têm sido implicados na
intoxicação do tipo diarreica, que resulta da ingestão do alimento contaminado com a toxina pré-
formada ou do alimento contaminado com a bactéria que depois de ingerida produz e liberta a toxina
no intestino.
À intoxicação emética, resultante da ingestão do alimento com a toxina pré-formada, têm sido
associados pratos de arroz, alimentos desidratados, massas e queijo. B. cereus tem sido detectado
em numerosas ervas desidratadas, especiarias, preparados para molhos, pudins, sopas, produtos de
pastelaria e saladas.

Principais sintomas da intoxicação por B. cereus

Considera-se que B. cereus tem que estar presente numa concentração mínima de 105-106
células por grama de alimento para que seja produzida uma quantidade de toxina suficiente para
causar doença. No entanto, alimentos contendo concentrações de B. cereus superiores a 10000
bactérias por grama de alimento não podem ser considerados seguros para consumo.
Os sintomas de intoxicação por B. cereus do tipo diarreico surgem, dependendo da quantidade de
toxina ingerida, entre 6 e 15 horas após o consumo do alimento contaminado. Os sintomas mais
comuns são diarreia aquosa e cólicas abdominais, mas, por vezes, também podem surgir náuseas.

38
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A intoxicação do tipo emético é caracterizada por vómitos e náuseas que surgem cerca de 1 a 6 h
depois da ingestão do alimento contaminado com a toxina. A evolução clínica é, regra geral,
favorável e os sintomas desaparecem normalmente ao fim de 24h.
Em indivíduos saudáveis, normalmente não é necessário qualquer tipo de tratamento. No entanto,
a administração de líquidos é aconselhável quando a diarreia e os vómitos são intensos.

Grupos de risco

Toda a população é susceptível de intoxicação por B. cereus, mas a intensidade de sintomas


variam de indivíduo para indivíduo. Os sintomas são mais severos em crianças, em idosos e em
indivíduos imunodeprimidos.

Prevenção da contaminação

As formas vegetativas de B. cereus são inactivadas durante a cozedura dos alimentos. A maioria
das intoxicações, no entanto, resulta da germinação dos esporos e posterior multiplicação celular
durante o armazenamento a temperaturas inadequadas de pratos cozinhados.
A inactivação de bactérias competitivas e a subsequente activação dos esporos por aumento de
temperatura faz com que grandes quantidades de alimentos cozinhados e armazenados entre 4 e
60ºC permitam a multiplicação da bactéria e eventual produção da toxina.
A prevenção das intoxicações alimentares por B. cereus deve ter por base o cumprimento dos
seguintes requisitos:
• Aquecer os alimentos a temperaturas suficientes para que sejam destruídas as formas
vegetativas;
• Manter os alimentos a temperaturas superiores a 65ºC depois de preparados e até que sejam
servidos;
• Promover o arrefecimento rápido dos alimentos que vão ser armazenados a temperaturas de
refrigeração, para que não ocorra germinação de esporos.
Dado que este microrganismo tem uma distribuição ubiquitária, devem-se evitar as contaminações
cruzadas entre alimentos crus e cozinhados e lavar muito bem frutas e hortícolas com água antes da
sua utilização.
A higiene pessoal cuidada e o cumprimento das boas práticas são requisitos fundamentais para
prevenir a contaminação de alimentos

| Vibrio sp.

Existem cerca de 35 espécies do género Vibrio, das quais doze são patogénicas para o Homem.
V. parahaemolyticus é a espécie mais importante em termos de segurança alimentar. No entanto,
neste documento serão referidas também com algum detalhe as espécies V. cholerae e V. vulnificus
uma vez têm causado alguns problemas nos últimos tempos.

39
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Características morfológicas e fisiológicas

Vibrio spp. são bactérias Gram-negativas pertencentes à família Vibrionaceae. As células têm a
forma de bastonetes (bacilos), frequentemente curvados, e são móveis por flagelos.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: V. parahaemolyticus consegue crescer em ambientes com temperaturas entre


5 e 43°C e tem uma temperatura óptima de cresciment o (temperatura à qual a taxa
específica de crescimento é máxima) de 37°C. Não é um organismo resistente a
temperaturas elevadas sendo destruído durante a exposição a temperaturas superiores a
63ºC. V. parahaemolyticus é destruído por desidratação, é sensível à refrigeração diminuindo
em número ao longo do tempo, mas não é muito sensível à congelação. V. cholerae
consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 10 e 43°C e tem uma temperatura
óptima de crescimento entre 30 e 37°C. Não é um or ganismo resistente a temperaturas
elevadas sendo destruído durante a pasteurização e a exposição a temperaturas superiores
a 70ºC. V. vulnificus consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 8 e 43°C e tem
uma temperatura óptima de crescimento de 37°C. Não é um organismo resistente a
temperaturas elevadas. Cook e Ruple (1992) demonstraram que este organismo é destruído
em ostras cozinhadas a 50ºC durante 10 minutos. V. vulnificus é sensível a baixas
temperaturas.

b) pH: V. parahaemolyticus consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5 e 11 e


apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
entre 7,5 e 8,5. V. cholerae consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5 e 9,6
e apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
7,6. V. vulnificus consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5 e 10 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH de
7,8.

c) Actividade da água (aw): Dependendo do soluto, V. parahaemolyticus pode crescer em


ambientes com uma aw mínima tão baixa como 0,94. V. parahaemolyticus é uma bactéria
halofílica (não cresce na ausência de sal) que cresce em ambientes com concentrações de
NaCl entre 0,5 e 8,0% e apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em
ambientes com concentrações de 3%. O limite mínimo de aw que permite o crescimento de
V. cholerae é 0,97 (o valor óptimo 0,98). Embora não seja um organismo halofílico, o seu
crescimento é estimulado pela presença de baixas concentrações de NaCl (concentração
máxima tolerada 4%). O limite mínimo de aw que permite crescimento de V. vulnificus é 0,96
(óptimo 0,98); é uma bactéria halofílica que cresce em ambientes com concentrações de
NaCl entre 0,5 e 5,0% e apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em
ambientes com concentrações de 2,5%.

d) Relação com o oxigénio: As espécies pertencentes ao género Vibrio são anaeróbias


facultativas

40
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

e) Radiação: V. cholerae e V. vulnificus são espécies muito sensíveis à radiação ionizante


sendo destruídos por doses da ordem dos 0.5 KGy.

Outras espécies de Vibrio

Para além de V. parahaemolyticus, V. cholerae e V. vulnificus, as espécies V. mimicus, V.


metschnikovii, V.cincinnatiensis, V.hollisae, V. damasela, V. fluvialis, V. furnissii, V. algynolyticus e
V.carchariae também são patogénicas para o Homem.

Principais fontes de contaminação

Os vibrios existem normalmente nas águas estuarinas, aumentando o seu número durante os
meses mais quentes do ano.
V. parahaemolyticus pode ser isolado de fezes de indivíduos em recuperação de uma
gastrenterite, durante algumas semanas após o desaparecimento dos sintomas pelo que durante
este período existe a possibilidade de manipuladores portadores assintomáticos contaminarem
alimentos. O seu isolamento de ambientes marinhos é raro quando a temperatura da água é inferior a
10-13ºC.
V. cholerae está geralmente associado a condições de higiene deficientes e a contaminação fecal.
A transmissão por contacto com indivíduos infectados ou via água contaminada são as principais
fontes de contaminação. Em algumas circunstâncias, a contaminação de alimentos pode ocorrer.
V. vulnificos tem sido isolado de água e de crustáceos em diferentes zonas da costa dos Estados
Unidos e de outros países. Encontra-se geralmente em baixo número nas águas podendo, no
entanto, atingir valores elevados em ostras quando a temperatura da água é superior a 21ºC. É
raramente isolado quando a temperatura da água é inferior a 10-15ºC.

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Vibrio spp.

A maioria dos casos e surtos causados por víbrios são causados pelo consumo de peixe, marisco
e moluscos crus ou cozinhados de forma insuficiente.
As ostras cruas constituem o principal veículo de transmissão da infecção por V. vulnificus nos
Estados Unidos.
Os frutos e os vegetais contaminados com a água de rega, com efluentes domésticos utilizados
como fertilizantes, por manipuladores e ainda por insectos, e os peixes e mariscos crus capturados
em zonas contaminadas são alguns dos alimentos que têm estado na origem de alguns surtos de
cólera (provocada por V. cholerae). Em 1974, ocorreu um surto de cólera que atingiu várias zonas de
Portugal. Uma das principais fontes de contaminação identificadas foi o consumo de água mineral
engarrafada, de uma marca específica (Blake et al. 1977)

Principais sintomas da intoxicação por Vibrio spp.

1. V. parahaemolyticus: Os sintomas surgem normalmente 4 a 96 horas após a ingestão do


alimento contaminado com um número elevado de microrganismos (100 000 a 10 000 000).
Os sintomas são os típicos de uma gastrenterite: diarreia, dores abdominais, náuseas,
vómitos, dores de cabeça, febre (raramente) e arrepios. Os sintomas duram cerca de três

41
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

dias e a evolução clínica da infecção é normalmente favorável. Em situações excepcionais,


foram descritas formas mais severas da infecção, nomeadamente disenteria fulminante e
uma sintomatologia que se assemelha à observada nos casos de cólera.

2. V. vulnificos: V. vulnificus é causa de septicémicas que surgem cerca de 16 a 38h após a


ingestão do alimento contaminado. Os principais sintomas incluem febre e arrepios. Com
menor frequência, podem ser observadas náuseas, dores abdominais, vómitos, diarreia e
hipotensão. Podem ainda surgir lesões na pele, especialmente nas extremidades e no tronco,
que podem requerer intervenções cirúrgicas. A taxa de mortalidade varia entre 40 e 60%
entre os indivíduos de risco.

3. Vibrio cholerae: Existem vários serótipos de V. cholerae embora os casos de infecção


severos sejam causados pelos serótipos O1 e O139. Os sintomas surgem cerca de 6h a 5
dias após a contaminação e caracterizam-se inicialmente por diarreia ligeira, dores
abdominais e anorexia que pode evoluir subitamente para diarreia profusa e aquosa com
fezes típicas designadas por “água de arroz”. Nos casos mais severos, a desidratação pode
levar à morte caso não sejam administrados fluidos e sais. Em indivíduos saudáveis, aos
quais sejam repostos os fluidos e os sais perdidos, a evolução da doença é favorável sendo
a recuperação de 1 a 6 dias.

Grupos de risco

Os sintomas são mais severos em indivíduos imunodeprimidos, diabéticos e com problemas


hepáticos.

Prevenção da contaminação

Os peixes e os mariscos capturados em águas com temperaturas superiores a 10ºC devem ser
considerados como potencialmente contaminados com víbrios. Assim, para impedir o seu
desenvolvimento é essencial garantir o armazenamento do pescado a temperaturas inferiores a 4ºC.
Temperaturas (internas) de preparação superiores a 70ºC são suficientes para destruir quaisquer
víbrios.
A prevenção da contaminação entre peixes ou mariscos crus e alimentos já cozinhados é de
grande importância.
Os alimentos provenientes de zonas onde a cólera é endémica devem estar isentos do organismo
ou ser tratados para que este seja destruído.

| Brucella sp.

O nome Brucella sp. foi atribuído ao agente da febre de Malta (brucelose, febre mediterrânea),
inicialmente designado Microccus melitensis, em homenagem ao médico inglês David Bruce que, em
1887, isolou a primeira bactéria pertencente a este género.

42
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A brucelose foi eficientemente erradicada nos Estados Unidos, Escandinávia e Reino Unido
através de campanhas constantes de abate de animais portadores da doença, além de outras
medidas. A doença ainda tem uma prevalência considerável em algumas zonas do sul da Europa.
Em Portugal existe um programa para a erradicação da doença, embora ainda se possa
considerar relativamente elevado o número de casos declarados anualmente.

Principais espécies de Brucella

São conhecidas seis espécies pertencentes ao género Brucella. No entanto, são quatro as
espécies patogénicas para o Homem. Cada uma destas é associada com um animal hospedeiro; B.
abortus ao gado bovino, B. melitensis ao gado ovino e caprino, B. suis aos suínos e B. canis aos
caninos. A maioria dos casos de brucelose está associada com B. melitensis.

Características morfológicas e fisiológicas

Brucella é uma bactéria Gram-negativa que pertence à família Brucellaceae. As células têm a
forma de bastonetes curtos e ovais (bacilos/cocobacilos) imóveis, aparecendo normalmente isoladas
ou, com menor frequência, aos pares ou em cadeias curtas.

Condições que permitem o seu crescimento

a) Temperatura: Brucella consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 20 e 40°C e


tem uma temperatura óptima de crescimento (temperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) de 37°C. É destruída a 63ºC d urante 7-10 min.

b) pH: Brucella spp. consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 5,8 e 8,7 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH
entre 6,6 e 7,4, a 37ºC. Alguns autores apresentam valores ligeiramente diferentes o que
poderá ser atribuído aos diferentes meios e acidulantes utilizados experimentalmente. Em
produtos lácteos, a gordura protege as células de brucela do efeito do pH, pelo que o seu
crescimento pode ocorrer a valores ligeiramente inferiores aos mencionados anteriormente.

c) Actividade de água (aw): B. suis e B. melitensis não crescem em meios sintéticos com
concentrações de cloreto de sódio superiores a 3 e 4%, respectivamente. Concentrações
superiores a 4% de cloreto de sódio são letais. A sobrevivência de Brucella foi observada
durante 45 dias numa salmoura (27% NaCl), utilizada na produção de leite de cabra (ICMSF,
1996).

d) Relação com o oxigénio: As espécies de Brucella têm metabolismo aeróbio estrito.

Principais fontes de contaminação

A brucelose é transmitida pelo contacto com animais doentes (pele, sangue, urina, fetos
abortados, placenta) e pela ingestão de leite cru e seus derivados provenientes de animais
contaminados. Raramente a doença se transmite de pessoa para pessoa. Curiosamente, as espécies
de Brucella são as bactérias que mais frequentemente causam infecções adquiridas em laboratórios.

43
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Alimentos mais frequentemente associados a infecções por Brucella

A brucelose tem sido associada ao consumo de carne de animais infectados mal cozinhada. O
leite cru e a manteiga e o queijo produzidos a partir de leite cru são os principais veículos da
infecção, quando transmitida pelo consumo de alimentos.

Principais sintomas de infecção por Brucella

O aparecimento dos sintomas surge entre cinco dias e vários meses (geralmente duas semanas)
após a infecção. Na fase inicial da doença, os sintomas são inespecíficos e muito variáveis, incluindo
o aparecimento súbito de arrepios e febre, fortes dores de cabeça, dores generalizadas, sensação de
mal-estar e, em certos casos, diarreia.
À medida que a doença progride, surgem febres ondulatórias (40ºC a 40,5ºC durante a noite e
abaixamento gradual, até chegar a valores normais de manhã - momento esse em que se verifica
uma grande sudação) frequentemente acompanhadas por uma obstipação intensa, perda de apetite,
perda de peso, dores abdominais, articulares, de cabeça e de costas, fraqueza, irritabilidade, insónia,
depressão e instabilidade emocional.
Em geral, este período de febre ondulatória tem a duração de uma a cinco semanas e continua
por um período de dois a catorze dias, durante os quais os sintomas diminuem consideravelmente ou
então desaparecem. Em seguida, regressa a febre.
Este padrão pode ser observado uma só vez; no entanto algumas pessoas desenvolvem uma
brucelose crónica e apresentam repetidos episódios de febre e remissão ao longo de meses ou anos.
A antibioterapia é necessária no tratamento da infecção, normalmente com a administração de
uma mistura de tetraciclina e estreptomicina. A evolução da brucelose é favorável na maioria das
situações, sendo o período de convalescença de duas a três semanas.

Prevenção da contaminação

A prevenção da contaminação implica não consumir os alimentos de risco e evitar o contacto com
animais infectados.
O controlo e a erradicação da brucelose têm sido colocados na lista de prioridades dos programas
de financiamento da OMS e da UE.

Medidas de controlo
• Abate dos animais seropositivos
• Vacinação dos animais jovens (profilaxia médica)
• Aplicação de medidas de profilaxia sanitária (por exemplo, desinfecção de estábulos e
estrumes, isolamento dos animais na altura do parto e destruição de placentas).

44
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Streptococcus pyogenes

Streptococcus pyogenes é uma bactéria patogénica altamente infecciosa e frequentemente


responsável por faringites. Esta espécie também pode provocar doenças mais graves como a
escarlatina e a febre reumática.
Embora não seja um problema usual para o sector alimentar, o seu reservatório natural é o
Homem e assim, a sua transmissão aos alimentos através de um hospedeiro infectado pode ocorrer.

Características gerais

Str. pyogenes é uma bactéria Gram-positiva pertencente à família Streptococcaceae. A maioria


das estirpes que pertencem ao género Streptococcus e que possuem o antigénio A de Lancefield são
Str. pyogenes (apesar das suas limitações, as reacções hemolíticas e a classificação serológica de
Lancefield são ainda muito utilizadas na classificação dos estreptococos).
As células têm a forma de cocos e apresentam-se frequentemente agrupadas em pares ou
cadeias. A actividade beta-hemolítica é uma das características utilizadas na sua classificação e é
um factor de virulência para o Homem.

Condições de crescimento

a) Temperatura: Str. pyogenes consegue crescer em ambientes com temperaturas entre 7 e


45°C e tem uma temperatura óptima de crescimento (t emperatura à qual a taxa específica de
crescimento é máxima) de 37°C.

b) pH: Str. pyogenes consegue crescer em ambientes com valores de pH entre 4,8 e 9,3 e
apresenta uma taxa específica de crescimento máxima em ambientes com valores de pH 7,0.

c) Actividade da água (aw): Não se conhece o efeito da aw sobre Str. pyogenes. Em meios com
uma concentração de NaCl de 4% o crescimento é lento e a 6,5% não se verifica.

d) Relação com o oxigénio: Os estreptococos são anaeróbios facultativos.

e) Radiação: Doses de radiação ultravioleta superiores a 2160 microW/s/cm2 são letais para
Str. pyogenes.

Outras espécies de Streptococcus

Str. agalactiae , um dos principais agentes de mastite bovina, pode ser transmitido pelo consumo
de leite cru. Str. zooepidemicus foi implicado em vários surtos infecciosos graves no Reino Unido,
atribuídos ao consumo de leite cru.

45
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Principais fontes de contaminação

A principal via de contaminação é o contacto com humanos ou animais infectados, dado que estes
são os principais habitats de Str. pyogenes.

Alimentos mais frequentemente associados infecções por Streptococcus pyogenes.

Leite cru ou incorrectamente pasteurizado, gelados, saladas, e marisco têm sido os principais
alimentos associados a infecções por Str. pyogenes. Na maioria dos casos documentados, os
alimentos permaneceram várias horas à temperatura entre a preparação e o consumo.

Principais sintomas da infecção por Streptococcus pyogenes

Os sintomas são os característicos das doenças que pode causar: faringite, impetigo (infecção
cutânea que se caracteriza pela formação de pequenas bolhas cheias de pus), escarlatina, febre
reumática, entre outras.
O recurso à antibioterapia é frequente. As complicações são raras e a taxa de mortalidade é baixa
embora as sequelas associadas à febre reumática possam diminuir a qualidade de vida dos
indivíduos afectados por períodos alongados.
Grupos de risco: Toda a população é susceptível.

Prevenção da contaminação

Dado que a contaminação de alimentos resulta principalmente de condições de higiene


deficientes, da preparação de alimentos por manipuladores doentes e da utilização de leite cru, o
controlo da infecção por Str. pyogenes é assegurado pela higiene dos manipuladores de alimentos
associada a tratamentos térmicos, se apropriado, e ao arrefecimento rápido dos alimentos a
temperaturas inferiores a 7ºC.

46
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

8.2. VIRUS

| Hepatite A

A Hepatite A, também conhecida como hepatite infecciosa é uma doença aguda do fígado,
causada pelo vírus da Hepatite A (HAV).

Epidemiologia

A transmissão é feita por alimentos mal-preparados e águas contaminadas por fezes contendo o
vírus (transmissão fecal-oral). Pode ser absorvido de marisco proveniente de águas contaminadas
com esgotos.
Pode ocorrer em surtos epidémicos (água contaminada), tendo relação com condições
socioeconómicas e educacionais baixas.
Geralmente a população infantil é a mais afectada. Não se torna numa doença crónica mas pode
apresentar casos alongados no tempo. A forma fulminante é muito rara (0,6% dos casos) e os seus
casos aumentam com o aumento da idade. Mais de 40% dos casos de hepatite são causados pelo
HAV.
Os anticorpos são protectores para toda vida e não há manifestações por imunocomplexos.

Progressão e sintomas

O vírus é ingerido com os alimentos ou água.


O período de incubação dura cerca de um mês.
No intestino infecta os enterócitos da mucosa onde se multiplica. Daí dissemina-se pelo sangue, e
depois infecta principalmente as células hepáticas (do fígado).
Mais de metade dos doentes poderão ser assintomáticos, particularmente as crianças. Os
sintomas surgem, geralmente, de forma abrupta com: febre, dor abdominal, náuseas, alguma diarreia
que se mantém durante cerca de um mês. Mais de metade dos doentes desenvolve então icterícia
(pele e olho amarelados) devido à disfunção do fígado. Em 99% dos casos segue-se a recuperação e
a cura sem problemas.

47
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Em 1% dos casos, os sintomas podem ser muito mais graves e rápidos, a denominada hepatite
fulminante. Ocorre icterícia mais intensa e encefalopatia (devido à não regulação pelo fígado da
amónia sanguínea neurotóxica), com distúrbios psiquiátricos e degradação das funções mentais
superiores, seguida de morte em 80% dos casos.
Na hepatite por HAV ao contrário da Hepatite B ou C, não há casos de doenças crónicas.
Quando infecta adultos, a doença é muito mais sintomática, prolongada e com muito mais risco de
agravar do que nas crianças.
Apresenta período de incubação curto: 2-6 semanas. O vírus pode ser isolado nas fezes 15 dias
antes dos sintomas e até 15 dias após sua resolução.

Diagnóstico e tratamento

Não existe tratamento especifico contra a hepatite A. Pessoas que vivam no mesmo domicílio que
o paciente infectado ou que estejam em más condições de saúde podem receber imunoglobulina
policlonal para protegê-los contra a infecção.
O consumo de álcool deve ser abolido até pelo menos três meses depois que as enzimas
hepáticas voltaram ao normal.
O diagnóstico é feito por detecção indirecta de anticorpos específicos anti-HAV do tipo IgM e IgG.

Profilaxia

• Respeito às medidas de higiene universais: hábito de higienização das mãos, alimentar-se


com alimentos de origem conhecida, ingerir água tratada (uso de cloro na desinfecção da
água).
• Cuidados de saneamento básico: (esgoto, fossas sépticas).

| Hepatite E

A hepatite E é uma doença infecciosa aguda, causada pelo vírus da hepatite E, que produz
inflamação e necrose do fígado.
A transmissão do vírus é fecal-oral, e ocorre através da ingestão de água (principalmente) e
alimentos contaminados. A transmissão directa de uma pessoa para outra é rara.
Uma pessoa infectada com o vírus pode ou não desenvolver a doença. A infecção confere
imunidade permanente contra a doença.
A hepatite E ocorre mais frequentemente em países onde a infra-estrutura de saneamento básico
é deficiente e ainda não existem vacinas disponíveis.

Transmissão

O ser humano parece ser o hospedeiro natural do vírus da hepatite E, embora haja possibilidade
de um reservatório animal (o vírus já foi isolado em porcos e ratos) e seja possível a infecção
experimental em macacos.

48
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A transmissão do vírus ocorre principalmente através da ingestão de água contaminada, o que


pode determinar a ocorrência de casos isolados e epidemias. As epidemias em geral afectam mais
adolescentes e adultos jovens (entre 15 e 40 anos). A transmissão entre as pessoas que residem no
mesmo domicílio é incomum.
O período de transmissibilidade ainda não está bem definido. Sabe-se que 30 dias após uma
pessoa ser infectada, desenvolvendo ou não as manifestações da doença, o vírus passa a ser
eliminado nas fezes durante cerca de duas semanas.

Riscos

A infecção pelo vírus da hepatite E é mais comum em países em desenvolvimento, onde a infra-
estrutura de saneamento básico é inadequada ou inexistente.
As epidemias estão relacionadas com a contaminação da água, e ocorrem frequentemente após
inundações.
A infecção por ingestão de alimentos contaminados, mesmo frutos do mar crus ou mal cozidos,
parece pouco comum. Existem registos de epidemias na Índia, Paquistão, Rússia, China, África
Central, Nordeste da África, Peru e México, áreas onde o vírus E chega a ser responsável por 20% a
30% das hepatites virais agudas. Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, menos de 2% da
população tem evidência serológica de infecção pelo vírus E. Nestes lugares, os casos de hepatite E
são esporádicos e, em geral, ocorrem em viajantes que retornam de áreas endémicas.

Medidas de protecção individual

A hepatite E pode ser evitada através das medidas de prevenção contra doenças transmitidas por
água e alimentos.
Estas medidas incluem a utilização de água clorada ou fervida e o consumo de alimentos cozidos,
preparados na hora do consumo. Deve-se lavar cuidadosamente as mãos com água e sabão antes
das refeições.
O consumo de bebidas e qualquer tipo de alimento adquiridos com vendedores ambulantes
devem ser evitados.
Ainda não existem vacinas contra a hepatite E, e nem estudos que comprovem a eficácia do uso
profilático de imunoglobulina.

Manifestações

A infecção pelo vírus da hepatite E pode ou não resultar em doença. As manifestações, quando
surgem, podem ocorrer de 15 a 60 dias (40, em média) após o contacto com o vírus da hepatite E
(período de incubação).
A evolução da doença em geral é benigna, com icterícia, mal-estar, perda do apetite, febre baixa,
dor abdominal, náuseas, vómitos e urina escura. Menos frequentemente podem surgir diarreia e dor
nas articulações.
As grávidas, principalmente no último trimestre de gestação, têm risco maior de evolução para
hepatite fulminante, com alto índice de mortalidade (20%).
A confirmação do diagnóstico de hepatite E não tem importância para o tratamento da pessoa
doente, porém, é fundamental para a diferenciação de outros tipos de hepatite. A confirmação é feita

49
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

através de exames serológicos. Os métodos mais utilizados são o ELISA, imunofluorescência e PCR
para detectar HEV RNA no soro e fezes.
A hepatite E não tem tratamento específico. As medidas terapêuticas visam reduzir a intensidade
dos sintomas. No período inicial da doença está indicado repouso relativo, e a volta às actividades
deve ser gradual. As bebidas alcoólicas devem ser abolidas. Os alimentos podem ser ingeridos de
acordo com o apetite e a aceitação da pessoa, não havendo necessidade de dietas.
A recuperação é completa, e o vírus é totalmente eliminado do organismo.
Não há desenvolvimento de doença hepática crónica ou estado de portador crónico do vírus.

| Virus da Família Norwalk

O Norovirus (Vírus do tipo Norwalk) é um vírus RNA da Família taxonómica Caliciviridae e causa
cerca de 90% dos surtos epidémicos não bacterianos de gastroenterite em todo o mundo.
O Norovirus afecta pessoas de todas as faixas etárias, mas existe uma predisposição hereditária
para a infecção de pessoas em que é possível detectar o grupo sanguíneo em amostras de saliva.
O vírus é transmitido por contaminação fecal dos alimentos e da água e por transmissão de
pessoa a pessoa.
Após a infecção, a imunidade ao Norovirus não é completa nem duradoura.
Os surtos de doença por Norovirus ocorrem mais frequentemente em comunidades fechadas ou
semi-fechadas, assim como em instalações de permanência longa, como os hospitais, prisões,
dormitórios e barcos de cruzeiro.
Após a introdução do vírus, a infecção espalha-se muito rapidamente através do contacto entre as
pessoas ou através de alimentos contaminados.
O Norovirus é rapidamente eliminado com desinfectantes clorados, mas como o vírus não tem
envelope lipídico é menos susceptível aos álcoois e detergentes.
Existem muitos genótipos de Norovirus e mas a maioria que afecta os humanos estão incluídos
nos Genótipos G1 e G2.

Sintomatologia

O Norovirus causa gastroenterite aguda que é desenvolvida cerca de 24 a 48 horas após a


exposição.
A doença é, normalmente, autolimitante, e é caracterizada por náuseas, vómitos, diarreias e dores
abdominais. Pode ocorrer letargia geral, fraqueza, dores musculares, dores de cabeça e febres
baixas.
Os sintomas podem persistir por vários dias e pode ser letal nas crianças, idoso e
imunodeprimidos se a desidratação for ignorada ou não tratada.

Diagnóstico

O diagnóstico do Norovirus é feito por análises realizadas pelo método de PCR. Este método é
muito sensível e detecta concentrações tão baixas como a presença de 10 células virais.

50
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Prevenção

As Boas Práticas de Higiene, como a lavagem frequente das mãos e a desinfecção das
superfícies de trabalho.

Transmissão

O Norovirus é transmitido directamente de pessoa para a pessoa ou indirectamente por água ou


alimentos contaminados.
As fontes de água contaminada podem ser poços, lagos recreativos, piscinas, máquinas de gelo e
até água da rede pública.
O marisco e os ingredientes e saladas são os alimentos mais comuns como fontes nos surtos de
gastroenterite por Norovirus.

| Rotavirus

A infecção pelo rotavirus varia desde um quadro leve, com diarreia aquosa e duração limitada a
quadros graves com desidratação, febre e vómitos, podendo levar à morte.
Praticamente todas as crianças têm contacto e infectam-se nos primeiros 3 a 5 anos de vida,
mesmo nos países em desenvolvimento, mas os casos graves ocorrem principalmente na faixa etária
dos 3 aos 35 meses.
Os serviços de vigilância epidemiológica dos Estados Unidos mostram que o Rotavirus é a
principal causa de diarreia grave. Estima-se que esta doença seja responsável por 5 a 10% de todos
os episódios diarreicos em crianças menores de 5 anos.
Também aparece como causa frequente de hospitalização, atendimentos de emergência e
consultas médicas, sendo responsável por consideráveis gastos médicos.
É importante frisar que em crianças prematuras, de baixo nível socioeconómico ou com
deficiências imunológicas, a infecção pelo rotavirus assume uma maior gravidade. O rotavirus
também tem grande participação nos surtos de gastroenterite hospitalar.

Descrição do vírus

É um Vírus RNA da família dos Reoviridae, do gênero Rotavírus. São classificados


serologicamente em grupos, subgrupos e serótipos.
Até ao momento foram identificados 7 grupos: A, B, C, D, E, F e G, ocorrendo em diversas
espécies animais, mas os grupos A, B, e C são os associados à doença no Homem.
O grupo A é o de melhor caracterização, predominando na natureza, associado à doença no
Homem e em diversas outras espécies animais.

Modo de transmissão

Os rotavirus são isolados em altas concentrações em fezes de crianças infectadas e são


transmitidos pela via fecal-oral, por contacto pessoa a pessoa e também através de fomites.

51
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

O período de maior excreção viral dá-se entre o 3º e 4º dia a partir dos primeiros sintomas, no
entanto, podem ser detectados nas fezes de pacientes mesmo após a completa resolução da
diarreia.

Período de incubação: Varia de 1 a 3 dias.

Tratamento

Por ser, em geral, doença auto limitada, com tendência a evoluir espontaneamente para a cura, o
fundamental do tratamento é prevenir a desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos.
Não se recomenda o uso de antimicrobianos.
Não há terapêutica específica para combater o rotavirus.
A orientação actual é a manutenção da dieta alimentar normal. Eventualmente pode ser
necessário recorrer à hidratação venal, se a oral não for suficiente para a reposição de fluidos e
electrólitos. Não se recomenda o uso de antidiarreicos.

Complicações

Existem vários relatos na literatura associando a infecção por rotavirus a encefalites, Síndrome de
Reye e à Doença de Kawasaki.
De todas as complicações as que não assumem carácter circunstancial são a diarreia prolongada
em imunodeprimidos e a enterocolite necrosante em recém-nascidos.

Distribuição e Frequência da doença

Diversos estudos efectuados em vários países evidenciam a distribuição universal da doença,


embora com características epidemiológicas distintas, dependendo do tipo de clima, se é temperado
ou tropical
Nas áreas de clima temperado, o rotavirus manifesta-se com uma distribuição tipicamente sazonal,
através de extensas epidemias nos meses frios.
Já nas regiões tropicais, a sazonalidade não é tão marcante, manifestando-se mais com um
carácter endémico.

| Astrovirus

O Astrovirus é um vírus que infecta mamíferos e aves. Pertence à família de vírus Astroviridae.
Foram descritos pela 1ª vez em 1975, durante um surto de diarreia utilizando a microscopia
electrónica.
A transmissão do Astrovirus ocorre por contactos pessoa a pessoa, por água e alimentos
contaminados ou por fômites consequentes de contaminação via oral-fecal.
No caso da transmissão por água e alimentos, devem ser consideradas várias fontes de infecção
possíveis: água da rede pública, piscinas e rios, águas de esgotos e alimentos marinhos (ex: ostras e
moluscos).
O período de incubação varia de 1 a 4 dias.

52
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Sintomas da doença

A doença causada pelo vírus tende a ser leve e autolimitante e geralmente não resulta num
quadro de desidratação significativo ou na necessidade de hospitalização.
A infecção produz um quadro de gastroenterite aguda, no qual o sintoma mais típico é a diarreia
aquosa e leve que persiste por 2 ou 3 dias. Associados, podem ocorrer, também, vómitos, febre,
anorexia e dores abdominais, que desaparecem, em média, num espaço de 4 dias.

Diagnóstico

O vírus pode ser detectado nas fezes por exames por PCR, pelo ELISA, por imunofluorescência e
por observação por microscopia electrónica.

Prevenção

Não existe, de momento, vacina ou tratamento anti-viral, mas a higiene pessoal pode reduzir a
incidência da infecção por Astrovirus.

| Calicivirus

São agentes patogénicos importantes das gastroenterites agudas em todo o mundo.


Pertencem à família Caliciviridae, que possui 4 géneros. Os vírus possuem um RNA de cadeia
simples.

Epidemiologia

O calicivirus infecta individuos de todas as faixas etárias, distinguindo-se por isso de outros
agentes virais que provocam gastroenterites.
A aquisição de anticorpos para o Calicivirus ocorre indiferentemente em casos de doença
sintomática ou assintomática. A infecção por Calicivirus tem sido observada durante todos os meses
do ano, apesar de se notar uma maior incidência no Inverno.

Transmissão

Os Calicivirus penetram no organismo humano predominantemente pela via oral. A ingestão de


água e alimentos contaminados é a fonte mais comum de contaminação por este vírus, mas também
pode ocorrer por contacto de pessoa a pessoa, ou por aerossóis produzidos durante os vómitos.

Sintomatologia

A doença é caracterizada por náuseas, vómitos, dores abdominais, diarreias e cefaleias.


A infecção é autolimitante e tem um período de duração médio de 24 a 48 horas. O período de
incubação é semelhante.

53
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Estes vírus são excretados nas fezes em baixas concentrações e inicia-se a excreção 15 horas
após a inoculação.

| Adenovirus

Os Adenovirus são um grupo de vírus muito frequentes de genoma de DNA duplo (dupla hélice).
Não possuem envelope bilipídico e são extremamente resistentes.
Há mais de 40 serótipos, e a infecção com um não dá imunidade contra os outros. São infecções
mais frequentes nas crianças, mas também afectam adultos, principalmente os pais e irmãos mais
velhos das crianças, os pediatras e enfermeiros. São também frequentes nos recrutas militares e nos
acampamentos e campos de férias.
A infecção é feita por contaminação com detritos fecais ou mais raramente secreções de outros
órgãos.

Causam várias doenças como:


• Gastroenterites, com vómitos, diarreia, dor abdominal e náuseas. Benigna: dar água
abundante com sal e açúcar.
• Conjutivite
• Faringite ou fangotraqueíte benigna
• Pneumonia e hepatite em imunodeprimidos (receptores de transplantes, doentes com
SIDA/AIDS)

Epidemiologia

A infecção pode ocorrer em crianças de qualquer idade. Os adenovírus que causam infecções
respiratórias são, em geral, transmitidos através de secreções das vias respiratórias pelo contacto
interpessoal, com objectos - são estáveis no meio ambiente - e aerossóis. A conjuntiva pode também
ser um local de contágio.
A água das piscinas ou objectos contaminados (como, por exemplo, toalhas) já foram associados
com surtos de febre faringoconjuntival causada por adenovírus. A queratoconjuntivite epidémica está
muitas vezes associada à transmissão nosocomial em consultórios de oftalmologistas.
Os tipos entéricos dos adenovírus transmitem-se pela via fecal-oral.
Pode também ocorrer a transmissão hospitalar de infecções adenovirais, quer respiratórias, quer
gastrointestinais. A exposição nosocomial resulta frequentemente da exposição às mãos
contaminadas de profissionais de saúde, bem como de equipamento contaminado, incluindo soluções
oftalmológicas.
A incidência da doença nas vias respiratórias é ligeiramente superior no fim do Inverno, Primavera
e início do Verão. A doença entérica ocorre durante quase todo o ano e afecta principalmente
crianças menores que 4 anos.
As infecções adenovirais são mais contagiosas nos primeiros dias da doença aguda, mas é
frequente a excreção persistente e intermitente do vírus por períodos mais longos, que podem chegar
a meses. As infecções assintomáticas são comuns. Podem ocorrer reinfecções.

54
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

O período de incubação da infecção das vias respiratórias varia entre 2 e 14 dias; o da


gastroenterite, entre 3 e 10 dias.

Sintomatologia

O quadro clínico inclui sintomas de uma constipação comum, faringite, febre faringoconjuntival,
amigdalite, otite média e queratoconjuntivite, frequentemente associadas a febre. Pode ocorrer uma
infecção disseminada, com risco para a vida do doente, em lactentes pequenos e
imunocomprometidos.
Raramente, os adenovírus podem causar conjuntivite hemorrágica aguda, síndrome semelhante à
tosse convulsa, bronquiolite, cistite hemorrágica e doença genito-urinária.
Alguns serótipos virais podem causar gastroenterite.

Diagnóstico

O método de diagnóstico preferível é a detecção da infecção adenoviral por cultura ou antigénio.


Os adenovírus associados à patologia respiratória podem ser isolados a partir das secreções
faríngeas, oculares e fezes, por inoculação das colheitas em diversas culturas celulares. Enquanto a
detecção faríngea é sugestiva de infecção recente, a detecção fecal tanto pode indicar infecção
recente como pode tratar-se de um portador crónico.
Os antigénios adenovirais são detectáveis por técnicas de ensaios imunológicos nos líquidos
corporais infectados, o que se revela particularmente útil no diagnóstico da doença diarreica, pois os
adenovírus dos tipos 40 e 41 não são geralmente detectados em culturas celulares comuns. Os
adenovírus entéricos também podem ser detectados por microscopia electrónica de amostras fecais.
Foram criados vários métodos para detectar os antigénios das hexonas em secreções corporais e
tecidos. Por outro lado, é possível identificar o ADN vírico com sondas genómicas, sondas de
oligonucleotídeos sintéticas ou pela amplificação genética por PCR (reacção em cadeia da
polimerase).
O serodiagnóstico baseia-se na detecção de uma quadriplicação ou elevação superior dos
anticorpos contra um antigénio comum dos adenovírus (como a hexona), sendo uma técnica utilizada
em estudos epidemiológicos.

Tratamento

O único tratamento realizado é o sintomático. Existe uma vacina viva atenuada (oral) para os
serótipos 4 e 7.
Para infecções das vias respiratórias, além das precauções básicas, estão indicadas precauções
de contacto e para gotículas.
Aos doentes com conjuntivite e para crianças incontinentes ou que usam fraldas com
gastroenterite por adenovírus, recomendam-se precauções de contacto, além das básicas.

55
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Medidas de controlo

As crianças que recebem cuidados infantis em grupo, especialmente com idades entre os 6 meses
e os 2 anos de idade, têm risco aumentado de infecções das vias respiratórias e gastroenterite por
adenovírus. É recomendada a lavagem frequente das mãos.
O teor adequado de cloro nas piscinas é recomendado, de modo a prevenir a febre
faringoconjuntival.
A queratoconjuntivite epidémica associada a consultórios oftalmológicos pode ser de difícil
controlo e requer a adopção de embalagens para medicamentos de dose única, bem como a lavagem
das mãos e procedimentos de esterilização de instrumentos. A desinfecção é eficaz com a imersão
do equipamento contaminado em solução de hipoclorito de sódio a 1% durante 10 minutos ou por
auto clave a vapor.
Os profissionais de saúde com conjuntivite adenoviral ou suspeita, devem evitar contacto directo
com os utentes durante 14 dias após o início da doença no segundo olho. Uma vez que os
adenovírus são difíceis de eliminar da pele, objectos e superfícies do ambiente, é recomendada a
lavagem frequente das mãos e o uso de luvas descartáveis ao se cuidar de doentes infectados.
A produção de vacinas anti-adenovirais para o uso das forças militares norte-americanas foi
suspensa.

8.3. PARASITAS

| Trichinella spiralis

As Trichinella são vermes nemátodes fusiformes com secção circular. Existem oito espécies
patogénicas para o homem, das quais a mais importante é a Triquina Spiralis. Os machos têm 2
milímetros e as fêmeas 4.

Ciclo de vida

Após ingestão de carne crua de porco ou mal-cozinhada ou frita, infectada, as larvas da Triquinela
são activadas após passagem pelo estômago e libertam-se no intestino. Aí penetram na mucosa, no
interior da qual maturam sexualmente e acasalam, morrendo os machos pouco depois. As fêmeas
grávidas produzem então durante cerca de um mês ovos que em seguida se chocam nascendo as
larvas que se disseminam pelo sangue e linfa, chegando às suas células alvo, as células musculares
estriadas (músculos voluntários esqueléticos). As minúsculas larvas penetram nas células (as células
musculares estriadas são das maiores células no corpo) sem as destruir e formam uma cápsula no
interior, onde se aninham adoptando uma forma de espiral. Assim permanecem quiescentes durante
décadas até outro animal as ingerir.

56
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Epidemiologia

A infecção é por ingestão de carne de porco, ou de javali ou cavalo, mal cozida ("mal-passada").
Nos países da Europa, as infecções por Trichinella spiralis são raras, embora haja por vezes
"epidemias" em que se registam simultaneamente algumas centenas de casos com a mesma fonte,
geralmente provenientes de pessoas que comeram diferentes porções do mesmo animal mal
cozinhado.
Há reservatórios em muitos animais que também são infectados, como no porco, javali, cavalo,
rato. Algumas espécies de Trichinella existem apenas em animais selvagens, mas podem ser
contraídas pelo Homem.

Progressão e sintomas

Os sintomas só surgem se as larvas enquistadas forem em número superior a algumas dezenas.


Contudo, é possível ingerir numa só refeição de carne mal passada um número suficiente.
A incubação é de alguns dias. Durante a fase de maturação das larvas no intestino e
acasalamento, os sintomas se existirem são náuseas, vómitos, diarreia e febre.
Depois de mais alguns dias, quando as larvas filhas começam a circular no sangue, surgem dor
muscular durante a contracção com dificuldades motoras, febre, edemas e exantemas cutâneos com
prurido. Complicações possíveis mas infrequentes são meningoencefalite e miocardite devido à
migração das larvas para estes órgãos acidentalmente. A mortalidade é muito baixa e os sintomas
desaparecem com o enquistamento e quiescência das larvas, em menos de dois meses.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico é feito pela observação de amostras de músculo extraídas por biopsia, identificando
o parasita enquistado.
O tratamento é com o mebendazole e substâncias análogas.

| Taenia saginata

Ténia é o nome comum dado aos vermes platelmintos das ordens Pseudophilidae e Ciclophylidae,
que pertencem à classe Cestoda, que inclui vermes parasitas de diversos animais, inclusive do
homem.
A T. saginata, cujo hospedeiro intermediário são os bovinos.
Esta espécie está disseminada mundialmente e o número de portadores humanos está estimado
entre 40 e 60 milhões.
T. saginata pode atingir até 12m de comprimento (o tamanho do intestino humano).
A Taenia saginata tem quatro ventosas mas não tem ganchos no escoléx, o que a diferencia da T.
solium.
A Taenia saginata asiática é uma subespécie que infecta também o porco, causando cistos
infecciosos no seu fígado.

57
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A cura e a prevenção para combater a Taenia saginata é: Saneamento básico e carne de bovinos
verificada por alguém para poder comê-la.

Ciclo de vida

As proglótides localizadas na extremidade da cadeia são as mais maduras e são mais compridas
que largas. Estas proglótides possuem no seu útero ramificado entre 80.000 e 100.000 ovos. Os ovos
são libertados quando a proglótide se destaca do animal no lúmen intestinal ou no exterior quando a
proglótide se desintegra. São excretadas com as fezes humanas.
Os animais que se alimentam com água, de detritos (porco) ou erva (vaca) contaminados são
infectados. Nestes animais ou acidentalmente no Homem os ovos eclodem no intestino, gerando
oncosferas, e penetram na mucosa intestinal, e disseminam-se pelo sangue até aos tecidos, onde se
enquistam principalmente no músculo, fígado e cérebro. Quando o Homem come esta carne mal
cozida infectada, a larva se aloja no seu intestino e aí se desenvolve, dando a origem a uma ténia
adulta, fechando o ciclo.

Neurocisticercose

A cisticercose humana é doença gravíssima, pois os cisticercos se localizam no sistema nervoso


central (neurocisticercose), nos olhos, músculos e nas vísceras. Nestes locais, podem permanecer
até 30 anos, determinando crises convulsivas, cefaleias, vómitos, alterações de visão, hidrocefalia e
até mesmo a morte.
Os ovos das ténias são muito resistentes à inactivação através de substâncias químicas, mas
podem ser destruídos pela cocção ou fervura acima de 90ºC. Desta forma, os cuidados higiénicos
são importantes para se evitar a transmissão desta doença. Há enfermidade contra as quais, até o
presente momento, nada se pode fazer para exterminá-las; outras, no entanto, como a cisticercose
devem e podem ser eliminadas de nossa população. Uma das doenças reconhecidamente causadas
pela neurocisticercose é a Epilepsia.

Diagnóstico Diferencial

Acima de tudo é preciso afirmar claramente que a NCC (neurocisticercose) poderá imitar qualquer
enfermidade neurológica que acometa o sistema nervoso central. É necessário ter isso em conta para
se evitar surpresas bem desagradáveis.
Assim, a NCC possui um amplo diagnóstico diferencial que deveria ser sempre considerado.
Diagnóstico Diferencial de NCC:
1. Neuroinfecções: tuberculose, toxoplasmose, criptococose, hidatidose;
2. Colagenoses, particularmente lupus eritematoso sistêmico;
3. Neoplasias primitivas ou metastáticas do SNC;
4. Abscesso Cerebral;
5. Esclerose Múltipla;
6. Anomalias vasculares cerebrais - mal formação A-V, cavernomas;
7. Cisto aracnóide.

58
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Epidemiologia

As ténias existem em todo o mundo e são os parasitas mais comuns, sendo um dos poucos que
continuam a ser frequentes nos países da Europa.
A infecção por T. saginata ocorre em todo o mundo, sempre que há vacas e estas são
consumidas. Na Índia onde o consumo de vaca é evitado pelos hindus, os casos são em menor
número. Haverá 60 milhões de pessoas infectadas. Até cerca de 5% das vacas da Europa poderá
conter cisticercos infecciosos, e nos países menos desenvolvidos pode chegar a 50%. É transmitida
pela carne de vaca, excepto a subespécie T.saginata asiatica que também surge no porco.
O ser humano é infectado pela forma adulta quando consome carne crua ou mal-cozida (vermelha,
mesmo que não tenha sangue) de porco, vaca ou peixe da água doce. O porco é mais perigoso
porque este animal consome detritos.
A Cisticercose ocorre quando seres humanos ingerem água, terra ou alimentos contaminados com
fezes humanas. Em alguns países o hábito de fertilizar os solos com as fezes humanas aumenta
muito o risco. Também pode ocorrer por infecção fecal oral como em determinadas praticas sexuais,
ou até por auto infecção do mesmo indivíduo.

Progressão e Sintomas

A teníase intestinal (Ser humano como hospedeiro definitivo) é frequentemente assintomática, mas
em algumas pessoas pode causar sintomas de reacção imunológica como eosinofilia, náuseas,
vómitos, diarreia ou obstipação, dor abdominal e alterações do apetite. Em indivíduos já subnutridos
podem agravar a subnutrição.
A infecção não dá imunidade.
A Cisticercose é devida à ingestão acidental de ovos de ténia em água ou comida contaminadas: o
ser humano é acidentalmente tomado como hospedeiro intermediário pelo parasita. Os ovos eclodem
no lúmen intestinal e as oncosferas invadem a mucosa intestinal. A maioria migra para os músculos,
onde se enquista, mas algumas podem enquistar-se em órgãos delicados como o olho e o cérebro,
causando sintomas como alterações visuais, convulsões, epilépticas, e outros distúrbios neurológicos.
No coração podem agravar insuficiência cardíaca.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico da teníase intestinal é feito pela observação dos ovos ou proglótes nas amostras
fecais, observadas ao microscópio óptico. Um único exame cropoparasitológico não exclui a teníase e
deverá ser repetido utilizando-se técnicas de concentração de ovos como a de Ritchie ou de
Albicrotchi que apresenta 90% de eficiência na visualização de ovos e confirmação da teníase. Os
testes de hemaglutinação e imunofluorescência indireta auxiliam no diagnóstico da teníase quando os
métodos parasitológicos mostram-se insuficientes.
O diagnóstico da cisticercose é por imagiologia (TAC) com confirmação pela análise de biopsia de
tecidos afectados. A distinção entre as duas espécies quase nunca é necessária mas pode ser feita
pela técnica de reconhecimento de ADN, a PCR.
O tratamento da teníase intestinal é feito com fármacos antiparasitários como a nitazoxanida, o
praziquantel ou mebendazole ou albendazol. Na cisticercose são usados praziquantel e corticóides.

59
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Prevenção

A prevenção é feita ao nível da saúde pública pela melhoria da higiene e controlo da alimentação
dos porcos e vacas, e análise de animais avulsos. A prevenção pessoal passa pelo consumo de
carne de porco exclusivamente bem cozida ("bem passada"). A carne de vaca é geralmente mais
segura porque a vaca não se alimenta de fezes como o porco, contudo também é aconselhado o seu
consumo apenas se bem cozido (ou seja sem ficar nenhuma porção vermelha).

| Taenia solium

Descrição da doença

A cisticercose suína é uma doença parasitária originada a partir da ingestão de ovos de Taenia
solium, cujas formas adultas têm o homem como hospedeiro final; normalmente, os suínos
apresentam apenas a forma larval (Cysticercus cellulosae). O quadro clínico da teníase no homem
pode acarretar dor abdominal, anorexia e outras manifestações gastrointestinais, sem provocar
conseqüências mais sérias.
A teníase, no entanto, pode conduzir à cisticercose humana, cuja localização cerebral é a sua
manifestação mais grave, podendo levar o indivíduo à morte.
A infecção pode permanecer assintomática durante muitos anos e nunca vir a se manifestar. Nas
formas cerebrais a sintomatologia pode iniciar-se por crises convulsivas, o quadro clínico tende a
agravar-se à medida que aumente a hipertensão intra craniana, ou na dependência das estruturas
acometidas, evoluindo para meningoencefalite e distúrbios de comportamento.

Agente etiológico

A Taenia solium, o verme do porco causa infecção intestinal com a forma adulta e somática com a
larva (cisticercos). O homem adquire teníase quando ingere carne suína, crua ou parcialmente
cozida, contendo cisticercos. Os suínos, por outro lado, adquirem cisticercose quando ingerem ovos
de T. solium, presentes no ambiente contaminado por matéria fecal de seres humanos contaminados.
Do mesmo modo que o suíno, o homem pode adquirir cisticercose a partir da ingestão de ovos de T.
solium, presentes em alimentos contaminados com matéria fecal de origem humana, sobretudo
verduras cruas, ou por auto-infecção, através das mãos e roupas contaminadas com as próprias
fezes.

Ocorrência

A cisticercose humana é frequente na América Latina, na Europa Oriental, na África e no sudeste


da Ásia, e, consequentemente, em imigrantes destas regiões. Existem muitos casos no México,
Guatemala, El Salvador, Peru, Chile e Brasil. O ciclo da infecção-transmissão ocorre,
preferencialmente, em comunidades onde o saneamento é deficiente e onde os homens vivem em
contacto próximo com os porcos e comem carne mal passada; é muito rara em países muçulmanos.
Constitui uma enfermidade rara nos Estados Unidos e Canadá.

60
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Reservatório

Os humanos são o hospedeiro definitivo e o porco é o hospedeiro intermediário.

Modo de transmissão

1. Transferência directa dos ovos da T. solium das fezes de um indivíduo com teníase para a
sua própria boca ou a de outras pessoas;
2. Por movimentos retroperistálticos do intestino, onde os proglotes de uma ténia poderão
alcançar o estômago para em seguida retornar ao intestino delgado liberando as oncosferas
(auto infecção); ou,
3. Indirectamente, através da ingestão de alimentos (geralmente verduras) ou água
contaminada com os ovos de Taenia solium.

Período de incubação

O período de incubação da cisticercose pode variar de 1 a 35 dias, mas geralmente, o quadro


clínico manifesta-se entre 2 a 5 anos pós-infecção.

Diagnóstico e conduta médica

De entre os exames laboratoriais que permitem diagnosticar a cisticercose no homem destacam-


se:
- Exame do líquido cefalorraquidiano, o qual fornece elementos consistentes para o diagnóstico,
pois o parasita determina alterações compatíveis com o processo inflamatório crónico.
- Provas serológicas, com resultados limitados, pois não permitem localizar os parasitas ou estimar
a carga parasitária, além de que, a simples presença de anticorpos não significa que a infecção seja
actual. As provas mais utilizadas são:
- ELISA, com sensibilidade aproximada de 80%;
- Imunoeletroforese, que embora não forneça resultados falsos positivos, revela apenas 54% a
87% dos pacientes com cisticercose; e,
- Imunofluorescência indirecta, altamente específica, mas pouco sensível.
- Exame radiológico, realizado mediante imagens dos cistos calcificados, cujo aspecto é
relativamente característico - a calcificação só ocorre após a morte do parasita.
- Tomografia computadorizada, que auxilia na localização das lesões, notadamente ao nível do
sistema nervoso central, tanto para os cistos viáveis, como para os calcificados.
- Exame anatomopatológico, realizado ante-mortem, quando eventuais nódulos subcutâneos,
permitem biopsia e a análise histopatológica, ou post-mortem, quando da realização de autópsia ou
de necropsia.

Tratamento

O tratamento é realizado com niclosamida ou praziquantel. Intervir cirurgicamente para aliviar o


desconforto do paciente; hospitalizar e tratar com praziquantel ou albendazol os paciente com

61
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

cisticercose activa no sistema nervoso central, controlando o edema cerebral pela morte do cisticerco,
com uma série curta de corticóides.

Medidas preventivas e de controlo

A ocorrência da cisticercose suína e/ou bovina, é um forte indicador das más condições sanitárias.
Com base nos conhecimentos actuais, a erradicação das ténias, T. solium e T. saginata, é
perfeitamente possível pelas seguintes razões:
• Os ciclos de vida necessitam do homem como hospedeiro definitivo;
• A única fonte de infecção para os hospedeiros intermediários, pode ser controlada; não
existe nenhum reservatório selvagem significativo; e,
• Existem drogas seguras e eficazes para combater a teníase.
É importante:
1. Informar as pessoas para evitar a contaminação fecal do solo, da água e dos alimentos
destinados ao consumo humano e animal; não utilizar águas servidas para a irrigação das
pastagens; e, cozer totalmente as carnes de suínos e bovinos.
2. Identificar e tratar, imediatamente, os indivíduos infectados com a T. solium para evitar a
cisticercose, tomando precaução para proteger os pacientes da auto-contaminação, bem
como seus contactos.
3. Congelar a carne suína e bovina a temperatura abaixo de –5° C, por no mínimo 4 dias; ou
irradiar a 1 Kgy, a fim de que os cisticercos sejam destruídos eficazmente.
4. Submeter no matadouros as carcaças a uma inspecção e conforme os níveis de
contaminação destiná-las a: condenação total, parcial, congelamento, irradiação ou envio
para as indústria de reprocessamento.
5. Impedir o acesso de suínos às fezes humanas, latrinas e esgotos.

Controlo do paciente, contacto e meio ambiente:


1. Informar a autoridade sanitária local.
2. Colaborar na desinfecção; dispor as fezes de maneira higiénica; enfatizar a necessidade de
saneamento rigoroso e higienização das instalações; investir em educação em saúde
promovendo mudanças de hábitos, como a lavagem das mãos após defecar e antes de
comer.
3. Investigar os contactos e as fontes de infecção; avaliar os contactos com sintomas.

| Toxoplasma gondii

A toxoplasmose é uma zoonose de distribuição mundial.


É uma doença infecciosa, congénita ou adquirida, causada pelo protozoário Toxoplasma gondii.
Ocorre em animais de estimação e produção incluindo suínos, caprinos, aves, animais silvestres,
cães, gatos e a maioria dos vertebrados terrestres homeotérmicos. ( bovinos, suínos, caprinos, etc.).
Acarreta abortos e nascimento de fetos mal formados.
O Toxoplasma gondii possui três formas infectantes no seu ciclo de vida: oocisto, bradizoítos
contidos em cistos e taquizoítos.

62
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

O gato e outros felídeos, que são os hospedeiros definitivos, estão relacionados com a produção e
eliminação dos oocistos (ovos) e perpetuação da doença, uma vez que somente neles ocorre a
reprodução sexuada dos parasitas. Eles ingerem os cistos que estão nos tecidos dos animais
homeotérmicos, principalmente dos ratos e pássaros. Após a ingestão passam a eliminar nas fezes
os oocistos não esporulados. No ambiente, através de condições ideais de temperatura, pressão,
oxigénio e humidade, os oocistos levam de 1 a 5 dias para esporular e a tornarem-se infectantes.

Transmissão

A toxoplasmose pode ser adquirida pela ingestão de água e/ou alimentos contaminados com
oocistos esporulados, presentes nas fezes de gatos e outros felídeos, por carnes cruas ou mal
passadas, principalmente de porco e de carneiro, que abriguem os cistos do Toxoplasma e pela
ingestão de leite cru, principalmente de cabra, contendo os taquizoítos do parasito.
A toxoplasmose pode ser transmitida congenitamente, ou seja, da mãe para o feto, mas não se
transmite de uma pessoa para outra. Seu diagnóstico é feito levando em conta exames clínicos e
exames laboratoriais de sangue, onde serão pesquisadas imunoglobulinas como a IgM e IgG. E
causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. A pessoa contrai a doença ingerindo carne (crua ou mal
cozida) contaminada com o parasita.

Ciclo de Vida

O T.gondii assume diferentes formas em diferentes estágios do seu ciclo.


O ciclo inicia-se pela ingestão de cistos presentes em carne (por exemplo de porco, rato ou
coelho), pelos felídeos.
A parede do cisto é dissolvida por enzimas proteolíticas do estômago e intestino delgado, e o
parasita libertado do cisto, penetra nos enterócitos (células da mucosa intestinal) do animal e replica-
se assexualmente dando origem a várias gerações de Toxoplasma gondii.
Após cinco dias da infecção, inicia-se o processo de reprodução sexuada, em que os merozoítos
formados na reprodução assexuada dão origem aos gâmetas. Os gâmetas masculino (microgameta)
e feminino (macrogameta), descendentes do mesmo parasita ou de dois diferentes, fundem-se dando
origem ao ovo ou zigoto, que após segregar a parede cística dá origem ao oocisto. Este é expulso
com as fezes dos animais após nove dias (cada gato expulsa mais de 500 milhões de oocistos em
cada defecação).
Já no exterior, sofre divisão meiótica (esporulação) novamente após alguns dias, formando-se dois
esporocistos cada um com quatro esporozoitos. Estes são activados em taquizoitos se forem
ingeridos por outro animal, chamado hospedeiro intermédio: por exemplo, um rato ou coelho que
coma erva em que algum gato ou outro felídeo tenha defecado ou uma criança ou adulto que mexa
com os dedos em material contaminado com fezes e depois leve-os à boca. Os taquizoitos
multiplicam-se nas células do hospedeiro intermédio, onde algumas formas formam cistos nos
tecidos. As formas activas são destruídas pelo sistema imunitário, mas os cistos permanecem. Se o
animal for caçado e devorado por um felídeo, os cistos libertam os parasitas dentro do seu intestino,
infectando o novo hóspede definitivo.

63
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Epidemiologia

Existe em todo o mundo. Mais de metade da população, mesmo em países desenvolvidos, tem
anticorpos específicos contra o parasita, o que significa que está ou já esteve infectada (o que não
significa que tenha tido a sintomatologia da doença, pode ter tido a infecção assintomática).
É importante que as mulheres grávidas façam o exame que detecta se elas são imunes a
toxoplasmose.

Progressão e Sintomas

O Taquizóito é a forma activa no Homem e nos hospedeiros intermediários, com 5 micrómetros.


Invade as células humanas e lá reproduz-se por mitose, principalmente nos macrófagos, células
musculares e cerebrais. Após a ruptura da célula, os parasitas descendentes saem para o exterior e
invadem novas células. Na maioria dos casos o sistema imunitário entra em acção e destrói todos os
parasitas livres, contudo não detecta os que enquistaram.
Os indivíduos com sistemas imunitários saudáveis são geralmente assintomáticos. Em indivíduos
com SIDA/AIDS, "stress", cancro ou com qualquer outra doença que afecte a imunidade, a infecção é
grave, pois o sistema imunitário não consegue combater a doença. Se a infecção se der durante a
gravidez (o que ocorre em 0,5% das gestações), os parasitas podem atravessar a placenta e infectar
o feto, o que pode levar a abortos e a malformações em um terço dos casos, malformações como
hidrocefalia podendo também ocorrer neuropatias e oftalmopatias na criança como défices
neurológicos e cegueira, mas se a infecção tiver sido antes do inicio da gravidez não há qualquer
perigo, mesmo que existam cistos.
Os quistos contém uma forma infectante do parasita, que é o bradizoito, e em vez de se reproduzir
rapidamente, formam estruturas derivadas da célula que infectou, fortes e resistentes, cheias de
liquido e onde o parasita se reproduz lentamente. Os quistos crescem e podem afectar negativamente
as estruturas em que se situam, mais frequentemente músculos, o cérebro, no coração ou na retina,
podendo levar a alterações neurológicas, problemas cardíacos ou cegueira, mas geralmente sem
efeitos nefastos. Os quistos permanecem viáveis por muitos anos, mas não se disseminam devido à
imunidade eficaz ganha pelo portador, inclusive contra mais oocitos que possam ser ingeridos. Se o
indivíduo desenvolver ou for medicado para imunodeficiência, como após transplantes de órgãos,
doenças auto-imunes ou na SIDA/AIDS, as formas activas podem ser reactivadas a partir dos quistos,
dando origem a problemas sérios, com sintomas como exantemas (pele vermelha), pneumonia,
meningoencefalite com danos no cérebro e miocardite, com mortalidade alta.

Diagnóstico e Profilaxias

O diagnóstico é pelo método serológico, ou seja, detecção dos anticorpos específicos contra o
parasita, como as imunoglobulinas IgM, que só existem nas fases agudas, e as IgG que estão
aumentadas na fase crónica da doença.
Na maioria dos casos não é necessário tratamento já que o sistema imunitário geralmente resolve
o problema.
Na gravidez ou em imunodeprimidos usa-se espiramicina, pirimetamina e sulfadiazina, para
controlar a multiplicação do Toxoplasma gondii, mas também deve ser fornecido ao paciente ácido
fólico ou levedura de cerveja, para regularizar o sistema imunológico.

64
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Prevenção

As mulheres grávidas devem evitar o contacto com fezes de gatos, pois estas podem conter
oocistos, não ingerir água de origem desconhecida e sem estar fervida, nem carne crua ou mal cozida
durante a gravidez.
No caso dos gatos, lavar as caixas com água, ferver frequentemente e nunca toca-las por mãos
sem luvas. Alimentar os gatos com comida enlatada, ração, água fervida ou filtrada, não lhes permitir
caçar animais também reduz o risco e nunca alimentá-los com carne crua ou mal passada.

| Ascaris lumbricoides

A ascaridíase ou ascaríase é uma parasitose geralmente benigna causada pelo verme nemátode
Ascaris lumbricoides, também conhecido popularmente como lombriga.
São vermes nemátodes, ou seja fusiformes sem segmentação, e com tubo digestivo completo. A
reprodução é sexuada, sendo a fêmea (com até 40cm de comprimento) bastante maior que o macho,
e com o diâmetro de um lápis. Os ovos têm 50 micrómetros e são absolutamente invisíveis a olho nu.

Ciclo de vida

O ser humano infectado liberta junto com as fezes os ovos do parasita. Assim a larva desenvolve-
se em ambientes quentes e húmidos (por exemplo, o solo nos países tropicais) no qual permanece
dentro do ovo. A infecção ocorre por meio da ingestão dos ovos infectantes em água ou alimentos,
principalmente verduras.
As larvas são libertadas no intestino delgado e alcançam a corrente sanguínea através da parede
do intestino.
Infectam o fígado, onde crescem durante menos de uma semana e entram nos vasos sanguíneos
novamente, passando pelo coração e seguem para os pulmões.
Nos pulmões invadem os alvéolos, e crescem mais com os nutrientes e oxigénio abundantes
nesse órgão bem irrigado. Quando crescem demasiados para os alvéolos, as larvas saem dos
pulmões e sobem pelos brônquios chegando à faringe onde são maioritariamente deglutidas pelo
tubo digestivo, passando pelo estômago, atingem o intestino delgado onde completam o
desenvolvimento, tornando-se adultos.
A forma adulta vive aproximadamente dois anos. Durante esse período, ocorre a cópula e a
libertação de ovos que são excretados com as fezes.

Epidemiologia

Existem em todo o mundo sendo maior a prevalência em países tropicais, sendo muito frequente
no Brasil. Há no mundo 1,38 biliões de pessoas infectadas pela parasitose segundo a OMS, ou seja,
um quinto da humanidade. O ser humano é seu único hospedeiro. A transmissão dá-se pela ingestão
de água ou alimentos contaminados com ovos infectantes.

65
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Progressão e Sintomas

A grande maioria dos infectados tem apenas um número pequeno de lombrigas que não causam
nenhum sintoma.
O período de incubação entre a ingestão do ovo e a chegada do parasito adulto ao lúmen
intestinal dura cerca de dois meses. Nesse período as larvas passam por vários órgãos, como fígado
e pulmões. Normalmente não causam problemas na sua migração mas, particularmente se existirem
em grandes números, podem causar irritação pulmonar com hemorragias e hemoptise (tosse com
sangue). Outros sintomas nesta fase além da tosse são, falta de ar (dispneia) e febre baixa.
Após chegada ao intestino e maturação nas formas adultas, os parasitas nutrem-se com o bolo
alimentar e não são invasivos. Sintomas possíveis numa maioria incluem náuseas, vómitos, diarreia e
dor abdominal, particularmente se a carga de parasitas é alta.
As complicações graves da ascaridíase são raras e predominantemente em crianças que têm
grande número de parasitas (devido muitas vezes às crianças comerem terra ou lamberem objectos
sujos de terra). Assim, um grande número de adultos no intestino pode formar uma bola de parasitas,
que obstrui a passagem dos alimentos pelo intestino (íleo mecânico); grande número de parasitas na
passagem pelos pulmões e faringe podem provocar crises de asfixia; e a migração de parasitas para
os ductos biliares, pancreáticos ou apêndice resultar em colecistite, pancreatite ou apendicite. Pode
também existir a forma errática da infecção (altas cargas parasitárias), onde os parasitas albergam
órgãos não naturais da infecção podendo provocar hemorragias internas.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico é feito pela observação microscópica de ovos nas fezes, através do Exame
Parasitológico de Fezes, pelo método do HPJ (Método de Sedimentação Espontânea.
O diagnóstico também pode ser feito por testes imunológicos ou exames de imagem, como
endoscopias, ultrassonografias e raio-x, sendo esses últimos acidentais.
Os fármacos utilizados no tratamento de ascaridíase são os azólicos como o mebendazole e o
albendazol, em casos de obstrução intestinal, o indicado é que antes da administração desses
medicamentos seja utilizado praziquantel e óleo mineral.
O tratamento deve ser repetido após algumas semanas para matar larvas que possam estar
migrando e portanto inacessíveis aos fármacos administrados por via oral no intestino.

Prevenção:
• Educação sanitária;
• Saneamento básico, com ênfase para o destino adequado das fezes humanas;
• Tratamento da água usada para consumo humano;
• Cuidados higiénicos no preparo dos alimentos (particularmente de verduras);
• Higiene pessoal;
• Combate aos insectos domésticos, pois moscas e baratas podem veicular os ovos;
• Tratamento das pessoas parasitadas;
• Remédios indicados pelos médicos.

66
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Trichuris trichiura

A Tricuríase ou Tricuriose é uma parasitose intestinal causada pelo nemátode Trichuris trichiura.
O T. trichiura é um verme fusiforme nemátode, e como todos, tem sistema digestivo completo.
Boca na extremidade anterior, abertura simples - sem lábios, seguido do esófago bastante longo e
delgado - 2/3 do comprimento. Na parte posterior, que é alargada, está o sistema reprodutor simples
e o intestino. Os vermes adultos são dióicos, com dimorfismo sexual. Os machos tem em torno de 2,5
a 4 cm, as fêmeas são maiores que os machos, em torno de 4 a 5 cm. Os ovos têm o aspecto típico
de barril ou bola de futebol americano ou a forma de limões, com cerca de 45 a 65 micrómetros de
comprimento por 20 a 25 micrómetros de largura, e massa mucóide transparente nas duas
extremidades (opérculos polares).

Ciclo de Vida

Os ovos são expelidos com as fezes e permanecem viáveis durante vários meses ou anos em solo
húmido e quente, e são infecciosos assim que se desenvolve a larva no seu interior, o que demora
algumas semanas. Se ingeridas, as larvas saem dos ovos no lúmen do intestino, migram para o ceco
e penetram na mucosa intestinal. Aí desenvolvem-se, maturando-se em formas adultas depois de
alguns meses, que permanecem com a cauda no lúmen do intestino e a cabeça penetrando a
mucosa. Se houver um macho e uma fêmea, pelo menos, no mesmo indivíduo, acasalam e a fêmea
põe mais de 3000 ovos por dia, excretados nas fezes.
As formas adultas podem sobreviver durante vários anos. Alimentam-se do bolo intestinal mas
também de sangue. São semelhantes ao Ascaris lumbricóides.

Epidemiologia

Haverá segundo a OMS milhões de pessoas infectadas em todo o mundo (um quinto da
humanidade), principalmente em países tropicais em locais com condições pouco higiénicas. Esta
infecção é cosmopolita, quase sempre sua prevalência segue paralelamente a do Ascaris
lumbricoides, devido ser idêntico o modo de transmissão, devido a grande fertilidade das duas
espécies de nematelmintos, bem como a resistência dos ovos às condições de meio externo e
demais características epidemiológicas. Este parasita só afecta primatas.

Progressão e Sintomas

Se a carga de parasitas é baixa, a doença é assintomática, porém se for elevada pode ocorrer
extensa necrose da mucosa intestinal com hemorragias e diarreia sanguinolenta, podendo progredir
para anemia por deficit de ferro. Outros sintomas são a dor abdominal, perda de peso em indivíduos
já subnutridos, flatulência e fadiga. Em casos incomuns pode ocorrer apendicite (se o verme entrar no
apêndice e não conseguir sair) e prolapso rectal com hemorróidas.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico é feito pela observação ao microscópio dos ovos do parasita em amostras fecais.
Fármacos como mebendazole e oxantel matam as formas adultas.

67
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

| Diphyllobothrium latum

Diphyllobothrium latum é um Platelminta (verme de corpo achatado) do grupo dos Céstodos (corpo
multi-segmentado), genericamente designados Ténias. São hermafroditas que possuem uma cabeça
arredondada (escólex) que permite ao verme a sua fixação à mucosa intestinal dos animais
parasitados por meio de ganchos e/ou ventosas altamente musculadas. Todos os estádios do ciclo de
vida do parasita são parasitários, encontrando-se as formas adultas no intestino enquanto as formas
larvares se desenvolvem nos tecidos de vários hospedeiros intermediários.
A parasitose causada por D. latum é encontrada principalmente em regiões onde o consumo de
peixes de água doce, cru ou mal cozinhado, é elevado. Por exemplo, no Norte da América onde
existem focos endémicos em populações de esquimós provenientes do Alasca e do Canadá, no
Japão, na Rússia e na Escandinávia.

Características do Diphhylobothrium latum

D. latum, a ténia dos peixes apresenta-se como o maior verme adulto de todas as ténias podendo
atingir mais de 10 m de comprimento com mais de 4000 segmentos (proglótides). Estes possuem
sistema reprodutor masculino e feminino, um sistema nervoso e um canal excretor. Não existe tubo
digestivo, sendo os nutrientes absorvidos através da superfície do corpo do parasita. O escoléx mede
1 a 5 mm e tem a forma de uma moca com duas fendas alongadas que funcionam como ventosas.
Têm um pescoço delgado e no corpo (estróbilo) encontram-se os proglótides, mais largos do que
altos. O seu ciclo de vida é complexo.

Transmissão de Diphhylobothrium latum

A transmissão directa pessoa a pessoa não se verifica. O principal reservatório do parasita são os
seres humanos infectados, que libertam ovos nas fezes, bem como os cães, os ursos e outros
mamíferos piscívoros.
A libertação de ovos ocorre enquanto a ténia estiver presente no intestino dos hospedeiros. A
proglótide madura contendo o útero em forma de espiral onde se encontram vários ovos do parasita
desintegra-se no intestino sendo libertados nas fezes ovos com cerca de 56 a 76 micrómetro por 40 a
56 micrómetro de dimensão. No ambiente aquático, o ovo segmenta-se e evolui, embrionando-se em
10 a 14 dias. Quando o desenvolvimento se completa, liberta-se um embrião rodeado de cílios
vibráteis que lhe permite nadar na água (coracídeo). Na água, o coracídeo é ingerido por um
hospedeiro intermediário, normalmente um crustáceo, e transforma-se em larva procercóide que pode
ser ingerida por peixes de água doce (segundo hospedeiro), transformando-se em larva plerocercóide
que pode ser encontrada nos músculos e vísceras do peixe para consumo humano.

Alimentos em que a presença de Diphyllobothrium latum é mais frequente

A infecção em humanos ocorre quando é consumido peixe cru ou mal cozinhado contaminado
com a larva infectante que, uma vez no intestino, vai atingir o estado adulto. O consumo de peixe
fumado a frio e de pratos como sushi, shashimi e ceviche têm estado na origem de alguns casos.

68
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Principais sintomas de infecção por Diphyllobothrium latum

As larvas ingeridas pelo consumo de peixe contaminado fixam-se às paredes do intestino delgado
onde maturam. Os ovos começam a ser excretados nas fezes 5 a 6 semanas após a ingestão das
larvas.
A maioria das infecções é assintomática. As infecções sintomáticas caracterizam-se por
desconforto abdominal, flatulência, diarreia, vómitos e perda de peso.
O consumo de vitamina B12 pelo verme deixa-a indisponível para o hospedeiro que pode,
eventualmente, apresentar anemia megaloblástica. Em casos severos, pode ocorrer obstrução
intestinal.
O paraziquantel é a droga de eleição no tratamento da infecção. A administração de vitamina
B12 pode ser necessária para o tratamento da anemia.

Prevenção da contaminação

A instalação de redes de saneamento que previnam a contaminação dos cursos de água doce
com esgotos contaminados e a ingestão de peixe cozinhado por tempo/temperaturas suficientes são
formas importantes de prevenção da infecção. O peixe fumado a baixa temperatura deve ser
considerado um alimento de risco. A congelação do peixe durante 24 horas a –18ºC e a irradiação
inactivam o parasita.

| Fasciola hepatica

A Fasciolíase é uma doença causada pelo parasita platelminte Fasciola hepatica e por vezes
também pelo Fasciola gigantica. Este parasita aloja-se nos canais biliares e no fígado.
As fasciolas são vermes platelmintes e como todos estes com corpo chato e sistema digestivo
incompleto.
Forma adulta: A F.hepatica tem cerca de 3-4 centímetros de comprimento, enquanto a F.gigantica
pode chegar aos oito centímetros. Ambos têm corpo com forma de folha e parte anterior do corpo
mais alargada com um órgão de fixação semelhante a uma ventosa.
Ovos: são amarelados com opérculo e cerca de um milímetro de diâmetro.
Miracídio: é uma forma ciliada e portanto móvel.
Cercária: forma larvar com cauda capaz de nadar.
Esporocitos - são formas semelhantes a um saco contendo células germinativas;
rédias - são formas que já possuem boca, esboço de tubo digestivo, células germinativas e
cercárias

Ciclo de Vida

Os adultos presentes no canais biliares do homem e animais herbívoros põem ovos que são
eliminados com as fezes.
Em ambiente aquático os ovos libertam o miracídio entre 9 a 25 dias. Este nada livre na água
procurando um caracol ou caramujo de água doce, do género Lymnaea, no qual penetra, alojando-se

69
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

nos seus tecidos e transformando-se em esporocistos, no interior dos quais são formadas às rédias,
que realizam um processo de multiplicação assexuada neste hospedeiro intermediário.
No interior das rédias são formadas as larvas cercárias que abandonam o hospedeiro
intermediário e, na água, vão enquistar-se sobre a superfície de plantas aquáticas, sendo então
conhecidas como metacercárias. Essas metacercárias são ingeridas pelos animais herbívoros junto
com as plantas. No caso do homem, o vegetal ingerido é o agrião. No tubo digestivo as metacercárias
desenquistam-se e perfuram a mucosa do intestino e migram pelo líquido peritoneal para o fígado,
perfuram a cápsula hepática, migram através do parênquima hepático onde permanecem por cerca
de dois meses, crescendo. Após esse período alojam-se nos canais biliares, onde atingem a
maturidade sexual, tornando-se adultos. Como são hermafroditas, podem fazer auto-fecundação,
iniciando-se novo ciclo, com a postura de ovos, que são eliminados com as fezes.

Epidemiologia

Haverá, segundo a OMS, mais de dois milhões de indivíduos infectados em todo o mundo.
A F. hepatica existe em todo o mundo.
Na Europa, incluindo Portugal, o caracol transmissor é o Lymnaea truncatula e é transmitido para
os humanos pelo consumo de agriões, infectando-se o gado pelo consumo de outras plantas
aquáticas. No Brasil, as espécies que servem como hospedeiros intermediários da F. hepatica são a
Lymnaea columela e L. viatrix.
O F.gigantica existe apenas na África e na Ásia tropical.

Progressão e Sintomas

Em grande parte dos infectados a doença é assintomática.


Noutros, produz sintomas e sinais como febre, tremores, dor na zona do fígado (quadrante
superior direito, junto às costelas), vómitos, hepatomegália, e eosinofilia (aumento nos leucócitos que
combatem os parasitas: eosinófilos). Se existirem muitos ou por períodos prolongados pode surgir
sintomas de obstrução dos canais biliares e de hepatite como icterícia (pele e conjunctiva do olho
amarelas), diarreia ou anemia. Os parasitas podem também por vezes produzir áreas de necrose no
fígado.
A fasciolose consiste numa infecção inicial do fígado, com formação de lesões necróticas e
fibrosas; posteriormente ocorre hipertrofia dos canais biliares, com necrose de lóbulos hepáticos,
distensão da cápsula hepática, colecistite, litíase e cirrose biliares. Na fase aguda, manifesta-se com
febre, eosinofilia, aumento doloroso do fígado, leucocitose e diarreia; cronicamente ocorrem dor
abdominal, diarreia, hepatomegalia, eosinofilia, anemia, perda de peso e complicações da cirrose.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico é possível cerca de três meses após a infecção inicial, quando os ovos começam a
ser excretados nas fezes e são visíveis em amostras fecais, com a ajuda de microscópio óptico. Esse
diagnóstico laboratorial feito pela visualização dos ovos nas fezes pode não ser conclusivo, pois pode
aparecer ovos de Fasciola nas fezes de indivíduos que tenham ingerido fígado contaminado.
Recomenda-se então, a serológia através das técnicas de imunofluorescência, reacção de fixação de
complemento e ELISA.

70
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

O tratamento é realizado com triclabendazole.

Prevenção

A prevenção da doença é feita evitando-se o consumo de agriões crus, principalmente se


cultivados em terra irrigada por rios ou adubada com estrume.
Também se recomenda o controlo das populações do caramujo Lymnaea, através do uso de
molusquicidas, como sulfato de cobre, Frescon ou Bayluscide; a drenagem de pastagens alagadas e
a variação periódica do nível da água dosaçudes.
Existe ainda, a possibilidade de realizar-se o controlo biológico através da criação do molusco
Solicitoides sp que é predador das formas jovens do Lymnaea. Tem-se usado experimentalmente o
látex de coroa-de-cristo, Euphorbia splendens, na proporção de 12mg/l, em valas de irrigação,
alcançando 95% de eliminação dos moluscos Lymnaea, sem matar peixes.

EXERCICIOS PROPOSTOS

Planta para utilizar nos exercícios seguintes:

Explicações relativas ao restaurante:


• Tem uma Cozinha aberta – a zona de empratamento e a zona de serviço e parte da zona
de bar estão separados não por uma parede mas sim por um vidro, deixando à vista do
consumidor a cozinha (filosofia de “ganhar a confiança do consumidor”)
• Tem serviço de Take-away

71
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

A Ementa é:

Entradas Saladas
Azeitonas Salada tomate
Queijo fresco Salada de alface
Pão
Sobremesas
Pratos Doce da casa
Frango assado com batatas fritas Baba de camelo
Picanha com feijão preto, arroz e farofa Mousse de chocolate
Entrecosto Grelhado Sericaia
Bitoque Pudim de ovos

9.1. Exercício nº1

Defina os diferentes circuitos e faça uma análise dos mesmos:


• Pessoal
• Consumidores
• Mercadorias
• Pratos acabadas
• Louça suja
• Louça Limpa
• Lixo

Resolução

72
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

73
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

74
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Pela análise dos circuitos podemos verificar que poderá ocorrer contaminação cruzada se todas as
operações forem realizadas em simultâneo. Para evitar a contaminação cruzada deveremos definir
horários para as determinadas tarefas, por exemplo: os fornecedores deverão entregar as
mercadorias entre as 9 e as 11h da manhã, os lixos devem ser despejados após o almoço e após o
jantar, a louça limpa só deverá ser arrumada depois de toda a louça suja ter entrado na copa.

9.2. Exercício nº2

a) Elabore uma Ficha de Recepção de Mercadorias, tendo em atenção o tipo de mercadoria que
vos é fornecida.
b) Elabore uma Ficha de Controlo de Stocks, tendo em atenção que o estabelecimento apenas
tem capacidade para armazenamento de produtos frescos para dois a três dias.

Mercadorias:
Batata frita pré-congelada Azeitonas
Cebolas Queijos frescos
Alhos Sobremesas pré-feitas
Picanha congelada Azeite
Febras de porco Óleo
Entrecosto Margarina
Frangos Embalagens take-away
Tomate Material subsidiário
Alface Detergentes
Arroz

75
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Resolução

76
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

9.3. Exercício nº3

a) Complete a seguinte frase:


Nas operações de higienização não se deve _____________ dois detergentes distintos,
uma vez que estes são produtos químicos e em caso de ____________ poder-se-ão dar
reacções violentas com projecção de líquidos de gases tóxicos.
b) Assinale com um X a opção correcta:
Os processos de limpeza e desinfecção apesar de absolutamente distintos têm uma acção
complementar:

□ Verdadeiro □ Falso

Resolução
a) Misturar, mistura
b) Verdadeiro

9.4. Exercício nº4

a) Indique algumas vias por onde as pragas podem entrar nas instalações.
b) Enumere algumas das medidas preventivas a implementar para evitar a infestação por
pragas nas instalações.

Resolução
a) As pragas podem entrar pelas portas, pelas janelas, por buracos de esgotos destapados,
por tubos de exaustão não protegidos.
b) Nas entradas devem ser colocados insectocaçadores, as janelas devem ser protegidas
com redes mosquiteiras, laváveis e amovíveis, tapar qualquer ponto de possível entrada,
proteger os tubos de exaustão com rede.

9.5. Exercício nº5

Atendendo à receita fornecida elabore a respectiva ficha técnica e fluxograma de produção.

Receita do Feijão Preto

2 kg feijão preto
1 Cebola média
100g bacon
100g chouriço de colorau
Azeite
Sal q.b

77
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Num tacho coloca-se um fio de azeite de modo a que o fundo fique coberto. Colocar ao lume.
Juntar a cebola picada finamente e deixar alourar.
Cortar o bacon e o chouriço em cubos pequeninos e juntar à cebola e deixar refogar.
Juntar água q.b e adicionar o feijão preto, que deverá ter sido previamente demolhado. Temperar
com sal e deixar cozer.

Resolução

CHURRASQUEIRA MANUAL AUTOCONTROLO Revisão n.º 00/2008

CHU - 001 FICHAS TÉCNICAS Data:05-08-2008


Doc. nº FT - 001 FEIJÃO PRETO Página 78 de 83

1. INGREDIENTES:

2 Kg. De Feijão Preto (demolhado)


1 Cebola média picada
Azeite
Água q.b.
Sal q.b.
100g Bacon
100g Chouriço de colorau

2. UTENSÍLIOS NECESSÁRIOS:

1 Tacho
1 Placa Vermelha
1 Faca Vermelha

3. MODO DE PREPARAÇÃO:

Cobrir o fundo do tacho com azeite


Picar finamente a cebola
Deixar alourar a cebola
Juntar o bacon e o chouriço picados
Deixar refogar
Juntar água q.b.
Adicionar o feijão ao refogado
Deitar o sal
Deixar apurar

Elaborado por: Andreia Santos Aprovado por: CHURRASQUEIRA

78
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

CHURRASQUEIRA
MANUAL AUTOCONTROLO Revisão n.º 00/2008

CHU - 001 FLUXOGRAMA DE PRODUÇÃO Data 17-07-2008


Doc. nº FP - 001 FEIJÃO PRETO Página 79 de 83

Elaborado por: Andreia Santos Aprovado por: CHURRASQUEIRA

79
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

9.6. Exercício nº6

Após a elaboração do fluxograma de produção, elabore o plano de autocontrolo, seguindo o


exemplo em anexo.

ETAPA PERIGO MEDIDA PCC LIMITE MEDIDAS DE ACÇÕES RESP. DOC. VAL.
PREVENTIVA CRITICO CONTROLO CORRECTIVAS

80
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

Resolução

ETAPA PERIGO MEDIDA PCC LIMITE MEDIDAS DE ACÇÕES RESP.


PREVENTIVA CRITICO CONTROLO CORRECTIVAS
Recepção F Presença de corpos Controlo da Recepção PC Ausência Inspecção visual Rejeição do produto Chefe de turno
estranhos de Mercadorias
Q NI Chefe de turno
M Proliferação microbiana Controlo da PC 2ºC a 6ºC Registo da Rejeição do produto
por temperaturas temperatura do carro temperatura do
inadequadas de transporte carro de transporte
Armazenamento F NI
Q NI
M Proliferação microbiana Controlo da PC 2ºC a 6ºC Registo da Rejeição do produto Chefe de turno
por temperatura temperatura das temperatura das
inadequada câmaras frigoríficas câmaras frigoríficas
Demolhar feijão F Presença de corpos Eliminar terras e pós
estranhos
Q NI
M Proliferação microbiana Controlo da PC 2ºC a 6ºC Registo da Rejeição do produto Manipulador
por temperaturas temperatura da câmara temperatura das
inadequadas frigorífica câmaras frigorificas
Picar Cebola F Presença de corpos Eliminação de folhas e PC
estranhos terra
Q NI Controlo diário da Rejeição do produto Manipulador
M Contaminação por Correcta higiene do PC higienização
manipuladores, manipulador,
utensílios, equipamentos utensílios,
e superfícies equipamentos e
superfícies
Picar Chouriço e F Presença de corpos Eliminação de folhas e PC
bacon estranhos terra
Q NI
M Proliferação microbiana Controlo do tempo de PC Máx 10 Controlo do tempo Rejeição do produto Manipulador
por tempo / temperaturas exposição à minutos à de exposição à
inadequadas temperatura ambiente temperatura temperatura
ambiente ambiente
Contaminação por Correcta higiene do PC Controlo diário da Rejeição do produto Manipulador
manipuladores, manipulador, higienização
utensílios, equipamentos utensílios,
e superfícies equipamentos e
superfícies
Refogar F Recontaminação por Boas Práticas de PC Ausência Controlo diário da Rejeição do produto Manipulador
corpos estranhos Higiene higienização
Q NI
M NI
Cozimento F Recontaminação por Boas Práticas de PC Ausência Controlo diário da Rejeição do produto Manipulador
corpos estranhos Higiene higienização
Q NI Repetir etapa
M Contaminação por Controlo do Tempo / PCC 15 minutos/ Controlo do Tempo / Manipulador
tempo/ temperatura temperatura de 1 65ºC temperatura
inadequados cozimento
Empratamento F Recontaminação por Controlo das Boas PC Ausência Controlo diário da Rejeição do produto Manipulador
corpos estranhos Práticas de Higiene higienização
Q NI
M Proliferação por Tempo/ Controlo do tempo de PCC Máx 5 Controlo do tempo Rejeição do produto Manipulador
temperatura inadequados exposição à 2 minutos à de exposição à
temperatura ambiente temperatura temperatura
ambiente ambiente
Recontaminação por Controlo dos PC Controlo diário da Rejeição do produto
manipulador, utensílios, procedimentos de higienização Manipulador
equipamentos e higienização
superfícies

Perigo: F – Físico; Q – Químico; M – Microbiológico; NI – Não Identificado


PC – Ponto de Controlo; PCC – Ponto Critico de Controlo

81
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 Codex Alimentarius – Critérios Microbiológicos – CAC/GL 21 – 1997

 Codex Alimentarius – Higiene Alimentar – CAC/RCP 1 -1969, Rev. 3 - 1997

 Código de Boas Práticas, Higiene e Segurnça Alimentar, ARESP

 Decreto-Lei nº113/2006 de 12 de Junho

 Decreto-Lei nº425/99

 Decreto-Lei nº67/98 de 8 de Junho

 ISO 22000:2005

 DS 3027E:2002

 Guia de Aplicação das Regras Gerais de Higiene dos Géneros Alimentícios, FIPA

 Guia Geral de Aplicação do Sistema HACCP – FIPA

 Livro Branco sobre a Segurança dos Alimentos, 12 de Janeiro de 2000

 Rastreabilidade e Gestão de Incidentes na Indústria Agro-Alimentar, FIPA

 Regulamento (CE) nº2073/2005 de 15 de Novembro

 Regulamento (CE) nº852/2004 de 29 de Abril

 Regulamento (CE) nº853/2004 de 29 de Abril

 Regulamento (CE) nº854/2004 de 29 de Abril

 Real Decreto nº3484/2000 de 12 de Janeiro

 Sanco 4198/2001, Rev. 5 de 12 de Janeiro

 Araújo, Manuel; Segurança Alimentar – Os perigos para a saúde através dos Alimentos; Meribérica/Liber
– Editores, Lda, Lisboa, 1997.

82
Manual do Formador | Higiene e Segurança Alimentar

LINKS DE INTERESSE

Tema 1:
Legislação comunitária: http://europa.eu/index_pt.htm
Codex alimentarius: http://www.codexalimentarius.net/web/index_en.jsp
Legislação nacional do sector alimentar: www.asae.pt > legislação > saúde pública e Segurança
Alimentar
Normas: www.ipq.pt

Tema 2:
Perigos Alimentares: www.asae.pt >Segurança alimentar > Avaliação de risco
Livro sobre perigos biológicos: http://vm.cfsan.fda.gov/~mow/intro.html

Tema 3:
Códigos de Boas Práticas: www.aresp.pt

Tema 4:
International HACCP alliance: http://haccpalliance.org/
Portal de Informação Governamental da Segurança Alimentar: www.foodsafety.gov
Guias informativos: http://www.fsai.ie/publications/
FDA – Food and drugs Administration: http://www.fda.gov/
Ministério Agricultura, do desenvolvimento rural e pescas: http://www.min-agricultura.pt

Tema 5:
ISO 22000:
www.ipq.pt
http://www.saferpak.com/iso22000.htm

83

Você também pode gostar