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RESGATAR O ESPÍRITO DE MILITÂNCIA porque vingança iguala a vítima com o bandido. A verdadeira re-
(Roteiro para Debate) beldia desperta a auto-estima que não deixa a pessoa se coisifi-
“Acreditar é viver, agora, a esperança; é tornar presente o car, nem coisificar outras pessoas. É o embrião da consciência
sonho que ainda não é realidade; é firmar os olhos em uma
crítica necessária para desmontar a injustiça e contribuir na cons-
certeza; é encarar o desafio da vida até à vitória, sempre”
trução de uma sociedade sem dominação.
Abertura
3. Sem medo de ser socialista
O que vence o medo não é a valentia, é a convicção. A
A militância não pode ter, como centro da luta, o inimigo ou
convicção é uma porta que só se abre por dentro. É a certeza
a opressão. O que deve mover a militância é a certeza de estar
numa coisa que não se vê ainda. É apaixonar-se por uma cau-
construindo uma pátria onde não se chore mais, a não ser de
sa e ser capaz de doar a vida por ela. Enquanto a pessoa não
contentamento. É o compromisso com a transformação da socie-
abre seu coração, não entende a causa, nem abre suas mãos
dade para que a produção, distribuição e consumo das riquesas
para realizá-la. A justeza da luta contra toda forma de opressão
se façam de forma partilhada. No capitalismo, baseado na explo-
é uma convicção que produz posturas, atitudes, comportamen-
ração e na competição entre os indivíduos, não há lugar para os
tos e valores. Quando essas convicções são saboreadas e par-
pobres, como protagonistas. Já no socialismo que coloca o ser
tilhadas alimentam a mística da militância, mesmo quando ex-
humano como centro, é possível uma relação entre os humanos,
perimentadas, no meio da tensão e da imperfeição.
sem exploração e, com a natureza, sem destruição. Por isso, os
1. O espírito militante
erros e limites das experiências socialistas não negam o sonho,
Um tarefeiro cumpre ordens, um funcionário traba-
nem invalidam os esforços de tanta gente que entregou sua vida
lha pelo salário, um mercenário age para satisfazer seu interes-
por um mundo de novos homens e novas mulheres.
se individual. Já a militância se move por uma indignação e por
4. Prosperidade
uma entrega apaixonada para que a classe oprimida se realize,
É legitimo o desejo de possuir os bens produzidos pela
como gente e como povo. Como toda luta, também a luta popu-
criatividade humana quando são frutos de seu trabalho. Quem
lar é uma questão passional; ora, ao amante não se ensina o
não trabalha não deve comer. Só quem perde a dignidade, perde
que deve fazer para agradar a pessoa amada. Com entusiasmo
também a vontade de crescer, de ter mais, ser mais, saber mais
e ousadia quem ama faz do longe perto e inventa caminhos pa-
e deixar sua marca no mundo. No capitalismo, a busca da pros-
ra alcançar seu objetivo. É essa paixão que une a ação, a razão
peridade vira consumismo, enquanto vontade incontrolável de
e o sentimento e invade o espaço pessoal, a convivência famili-
acumular bens condição para a dominação. Todo bem material e
ar, a vida de trabalho da militância, contínua busca de sua coe-
espiritual tem função social, pertence a todos. Mas, a prosperi-
rência entre o dito e o feito.
dade só pode existir com trabalho, domínio da técnica, cresci-
2. Indignação e rebeldia
mento da consciência e austeridade de vida (não ter carência,
Uma qualidade da esquerda é sua capacidade de indig-
mas não ter mais que o necessário) com o básico para todos,
nar-se contra qualquer injustiça, cometida contra qualquer pes-
pensando nos recursos do planeta e nas gerações futuras.
soa, em qualquer parte do mundo. Achar natural a submissão,
5. Espírito de superação
a dependência ou acostumar-se com a situação dos pobres é
A militância, dentro de orientações construídas coletiva-
identificar-se com a direita, é ficar do lado da opressão. Porém,
mente, deve tomar iniciativas, criar caminhos, ir além de metas
rebeldia não se confunde com amargura, nem com a revolta
planejadas, manter a busca constantes de soluções, sem seguir
que nada faz para mudar. Nem, tampouco, é uma vingança;
receitas, nem pedir licença ou esperar ordens. O espírito de su-
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peração é um ato da vontade que, ao entender o que é neces- zão. Por isso, prefere o risco de ficar sempre com os pobres do
sário fazer, a pessoa se dispõe a fazer o que entendeu, de que achar que vai acertar sem eles. Como todo artista, a militãn-
maneira cada vez mais profissional, para realizar a missão do cia se mete, lá onde o povo vive, luta, sofre, se alegra e celebra
movimento popular. É preciso fazer bem, melhor, ótimo, perfei- suas crenças. Afastar-se do povo é uma forma de ficar contra o
to... por acreditar que, se alguém merece alguma coisa perfeita povo. Como não tem sentido fermento fora da massa, não pode
é a classe trabalhadora. existir militante sem ligação com uma base. Militante que se afas-
5. Espírito de sacrifício ta do povo passa a pensar por onde os pés pisam, entra num
Quem diz luta, diz sacrifício e quem diz sacrifico, diz processo de corrupção, moral, política e ideológica.
também morte. É fácil ver que se o grão de trigo não morrer, 7. O exercício do poder
não dá fruto. Além disso, acabar com a exploração não se faz Na sociedade dividida em classes, os líderes pisam sobre
sem conflito e sem rompimento, embora seja necessário evitar o povo, usam o poder para submeter e explorar a classe traba-
os sacrifícios inúteis. O sacrifício nasce do enfrentamento da lhadora. Certas lideranças, reproduzindo a prática da elite, tam-
opressão. Não pode ser martírio onde as pessoas se preparam bém concentram o poder, usam métodos dos grandes e contrari-
mais para sofrer e morrer do que para derrotar o inimigo. am os pequenos para não ficar de mal com os ricos e autorida-
As transformações na natureza, nas pessoas e na socie- des. Elas fizeram do seu cargo seu meio de vida. Ficar à frente,
dade não nascem de um acordo. O novo que se constrói dentro nunca poderia criar na militância a postura de chefe. Mas, os
do velho, mas aparece quando o velho é destruído. Ninguém abusos no uso do poder nunca deveriam ser razão para se ter
luta porque gosta; toda conquista envolve risco. Nada é conce- medo de querer o poder. O poder é um instrumento indispensável
dido à classe oprimida, por dever de justiça. O direito humano para organizar a luta, conquistar benefícios e multiplicar militan-
nasce na rua, no confronto - é a luta que faz a lei. Por isso, os tes. O desafio permanente é coordenar sem autoritarismo, con-
subversivos precisam conhecer as manhas e preparar a hora duzir sem manipulação, comandar repartindo o poder e cumprir
de encarar a fera. A mudança é uma luta de conspiração e, por os acertos coletivos, acima das vaidades e caprichos individuais.
isso, na vida individual ou coletiva, é inevitável a ruptura. As 8. Combater a alienação
tensões, como dores de parto, antecedem a vitória da vida so- A pessoa que não entende a raiz da injustiça se torna alie-
bre a morte, sempre. O espírito de sacrifício não impõe pré- nada. O processo de tomada de consciência quebra toda forma
condições de conforto, facilidade ou mordomias individuais. de alienação e permite a descoberta do real. A superação da ali-
6. O amor pelo povo enação é básica na estratégia para construir o novo, o futuro, a
A militância, mesmo sob o risco de parecer ridículo, sabe vida. A participação em processos de luta, a reflexão, o estudo,
que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimen- as leituras... são caminhos para alimentar a fidelidade à causa
tos de amor. A classe trabalhadora carrega muitas contradições popular na busca das transformações. Pensar é um exercício que
e reproduz boa parte da mentalidade dominante. Porém, mais subverte a existência da militância para que ela jamais se acos-
que vítima, a classe oprimida é um potencial inesgotável de tume com a injustiça ou desanime na luta pela emancipação da
formas de luta e sementeira permanente de novos militantes, humanidade. Estudar funciona como um mecanismo que avalia e
pois, só a classe oprimida pode ter interesse na libertação e, ao desafia a militância de escritório e ajuda na superação da mesmi-
libertar-se, liberta também seus opressores. ce, da repetição, da manipulação, dos desvios e dos vícios.
Para a militância, o povo que é o sentido e a razão de 9. A solidariedade universal
sua existência, mesmo que aparentemente ele não tenha ra-
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Ninguém é uma ilha – toda pessoa se realiza quando se claro que se a luta não vai sem os filhos, a família e a comunida-
relaciona com as outras. A doutrina capitalista de cada um con- de, não vai só com os filhos, a família e a comunidade!
forme sua ganância gera dominação e exclusão. Contra a lei do 11. O companheirismo
mais forte, a militância socialista pratica a solidariedade, reco- Companheirismo é a forma superior de relacionamento,
nhece o valor da soma das riquezas individuais, mas reage mais forte que os laços de sangue. É o gesto humano, fraterno e
contra a divisão entre superiores e inferiores. Por isso, luta con- político de quem crê na capacidade das pessoas e da classe
tra a dominação de classe, a discriminação de gênero, o pre- oprimida. Companheirismo significa compartilhar o pão e o poder,
conceito étnico e geracional e todas as formas de intolerância em todos os espaços da vida, com quem se dispõe à mesma
cultural e religiosa. caminhada. É não ter vergonha de falar de seus sonhos e de
A solidariedade se manifesta na compaixão como capa- seus limites pela ter a certeza de ser acolhido, escutado, enten-
cidade de colocar-se no lugar da outra pessoa, na afetividade, dido, mesmo quando erra ou quando cobra.
na parceria e no amor incondicional para que a classe oprimida As relações humanas e a caridade tradicional negam o
se realize. Mas, ela se expressa melhor na entrega gratuita, do companheirismo porque são mecanismos para manter a depen-
que se tem de melhor, inclusive a própria vida, para que pesso- dência entre quem manda e quem obedece, entre quem doa e o
as e povos realizem o eterno sonho da fraternidade universal. coitado que recebe, para aumentar nos pobres o sentimento de
“Se sentires a dor dos outros como a tua dor, se a injustiça inferioridade. O companheirismo se revela especialmente na
no corpo do oprimido for a injustiça que fere a tua própria pele, se a atenção a quem trabalha, mesmo que ainda não entenda a razão
lágrima que cair do rosto desesperado for a lágrima que você tam- de lutar; mas também, no tempo dedicado a juventude e às cri-
bém derrama, se o sonho dos deserdados desta sociedade cruel e
sem piedade for o teu sonho de uma terra prometida, então, serás
anças, no carinho às pessoas excluídas, na oferta de ombro soli-
um revolucionário, terás vivido a solidariedade essencial” (L. Boff) dário a quem está desanimando e no respeito ao parceiro(a) de
10. O espírito Multiplicador vida e de caminhada para que se levantem e andem.
Um dizia que um guerreiro a gente planta para dê novas Na rotina da vida, na insegurança frente aos desafios e na
sementes. Quem tomba na batalha a gente não deveria chorar, hora do sentimento de impotência, infelizmente a corda arrebenta
mas festejar. Afinal, sangue de mártir é semente de militantes. no seu lado mais fraco - a relação com colegas de vida e equipe.
É preciso ter orgulho de pessoas que oferecem sua vida para Exercitar a fé na vida, a fé na gente e a fé no que virá é capaz de
que o povo viva com dignidade. Com o mesmo ardor, é neces- superar a tentação do desânimo, da esperteza, do ciúme, do fu-
sário recordar a memória de tanta gente anônima que sustenta xico, da intriga, do personalismo e afirmar com a vida que nós
o cotidiano da luta e garante o enraizamento do trabalho. podemos tudo, nós podemos mais, vamos lá fazer o que será!
Cada militante, no seu território, deve comprometer-se 12. A pedagogia do exemplo
em mobilizar um time de trabalhadores. Estes, por sua vez, de- Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessá-
vem repartir os esclarecimentos com outras pessoas, em seus rio que a pureza e a justiça existam dentro de nós. É comum es-
espaços de luta, de vida e de trabalho. Sua missão é despertar cutar que, na prática a teoria é outra, porque as palavras expli-
a autoestima silenciada, estimular o protagonismo e convocar cam, mas são os exemplos que mobilizam. É, na prática, que a
para a tarefa de ser capaz e ser feliz, coletivamente. Assim, militância revela suas convicções. É, no dia a dia, que o discurso
tece uma rede de resistência, pois, a importância da árvore se se torna força material capaz de alimentar a luta pela vida. É na
mede pelo número de folhas que renova e a importância da vida pessoal, no estudo, nas atitudes de dedicação, no entusias-
pessoa pelo número de gente que reúne. Porém, é preciso ter mo, na ousadia, no respeito ao povo, na fidelidade aos acertos
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coletivos, no trabalho produtivo, na participação em um posto
concreto da luta, na simplicidade de vida, no uso correto dos
recursos coletivos... que se concretizam as convicções.
A pedagogia do exemplo se revela no espírito de humil-
dade, contrário a toda arrogância, autossuficiência, submissão
ou ingenuidade. Humildade é a simplicidade de alguém que
afirma sua dignidade reconhecendo seus valores e limites. Por
isso, respeita e acolhe outras singularidades que contribuem
com verdades, valores e conhecimentos.
13. A mística Popular
A mística da causa popular é o segredo plantado na al-
ma das pessoas, é a força interior que impulsiona a militância,
nos momentos de dor, de dúvida e de derrotas. Sabemos que
militante triste é um triste militante. Sua mística está presente
na alegria de viver, na disposição para a luta, na esperança
sem ilusões, no canto, nos símbolos, na beleza do ambiente,
nas celebrações. Essa energia vital se expressa em gestos e
atitudes, individuais e coletivas que revelam, desde já, o sabor
da convivência sonhada para todo o povo.
A celebração da mística, às vezes, aparece como indig-
nação e conflito; outras vezes, tem a cara do prazer e da festa.
Mas, deve ser sempre uma experiência marcante que traduza
uma convicção profunda, para reforçar a luta e atrair novos
combatentes. Esse ânimo interior, alimento da esperança, em
qualquer conjuntura, torna as pessoas combativas e carinho-
sas, abertas e perseverantes, mas, sobretudo, companheiras.
“Você pode até dizer que eu sou um sonhador. Mas não sou o
único. Espero que um dia você se junte a nós. Aí, o mundo será
como se fosse um.” J. Lenon.
Cepis, SP
NOTA: Muitas ideias foram recolhidas de vários militantes
que refletiram sobre esse tema.

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