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CAMPINAS
2018
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CAMPINAS
2018
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Banca examinadora:
&
AGRADECIMENTOS
Nessa arte de viver a vida dia-após-dia, muitas relações são criadas, muitas situações
são vividas conjuntamente. A grande lição deste doutoramento para mim foi entender na
prática que ninguém vive ou sobrevive sozinho. Lá se foram 04 anos de minha vida, o
tempo passou rápido, resta-me agradecer por estes anos que considero bem vividos.
Em primeiro lugar, o meu muito obrigado aos Deuses, aos orixás e aos grandes e
fortes antepassados meus, afinal, no momento dos apuros foi a vós que recorri em oração,
implorando por inspiração e milagres. Muito Obrigado.
Agradeço a estimada Professora Doutora Leila da Costa Ferreira por ter acreditado
em mim e aceitado este desafio de me acompanhar na via cruxis do vir a ser Doutor.
Chegamos a bom termo neste sonho. Obrigado pela paciência e solicitude na orientação,
obrigado pela compreensão em todos os momentos, obrigado pela excelência humana
demonstrada ao longo de todo este processo de formação, procurando sempre o meu
melhor. Muito obrigado.
Muito obrigado aos alunos que, de modo geral, lutam por maiores oportunidades na
Unicamp, particularmente os negros, temos de nos fortalecer todos os dias, o dia todo.
Como não cabem todos aqui nominalmente, sintam-se representados: na pessoa do meu
amigo-irmão forrozeiro Eugênio O´Rosa, que sempre me acolheu em sua casa quando
me faltaram teto e afeto por terras baronesas;.
Um obrigado muito a Eva-Maria Roessler pelo apoio, pelas conversas e pelo livro
original do A. Schütz (raridade na lusofonia). Ao Leonardo Viera pelas enumeras
viagens de avião pagas por teu suor, a Kuka (Mãe do Leo) e a toda sua família, pelas
acolhidas incondicionais e festivas, sempre fizeram de vossa casa o meu porto seguro em
São Paulo. Obrigado as minhas fies amigas: Natália S. Marpica, Rebeca Morais; Inácia
Rita Santana, pelas incríveis e indispensáveis ajudas; E aos meus brilhantes irmãos
Karamazov: Luiz Sousa e Estevão Bosco.
Creio ter chegado a hora de pular para o lado do mundo, ao oceano Índico, a
começar pelo continente asiático para dizer um forte e caloroso obrigado aos gloriosos
estudantes de Timor Leste. Vocês sempre foram a minha família no Rio de Janeiro:
Gringo, Carvarino e Hórcia, Amau, Jonas, Letícia, Marques, Octávio, Avelino, Relíquia
e todos outros que tive oportunidade de conhecer. Convosco aprendi o desapego e a
8
partilha, dar sem esperar receber, o que vocês fizeram por mim não tem preço. Seguirei
muito grato a vocês pelo vosso sacrifício.
Já nas minhas origens afro-centradas, começo por agradecer ao pelo Sr. Joaquim e
sua família (principalmente a menina Cleidy, minha pequena professora da língua Ndau:
Mamuka!), que me acolheram em sua casa, Sem vocês o trabalho de campo em
Machanga teria sido muito mais doloroso. Então, este trabalho é muito nosso.
Agradeço aos meus irmãos pela paciência. Espero que vosso sacrifício em aguardar
pela minha formação seja recompensado. Obrigado exclusivíssimo às mães de meus
pupilos. Tenho certeza que este trabalho de pesquisa jamais chegaria a bom porto sem o
vosso sacrifício diário na gestão da ausência paterna. Muito obrigado.
Assim convicto de ter cantado o máximo de hozanas possíveis para todos aqueles
que de forma direta ou indireta contribuíram para este trabalho, quero, por fim, dizer um
obrigado especial e muito particular à Ivone Luis Moiana, minha mãe, por me teres feito
sonhar o teu sonho de ter um filho Doutor.
Eis-me aqui.
9
Nessas visitas que faço à savana, vou aprendendo sensibilidades que me ajudam a sair de
mim e a afastar-me das minhas certezas.
Eu sou sonhável. ´´
RESUMO
ABSTRACT
Environmental changes, risk perceptions and adaptation strategies to extreme
events in Mozambique: Case study in Machanga
This research sought to understand the relationship between perceptions of
environmental risk and strategies for adaptation to extreme events in Mozambique,
having the district of Machanga as unit of analysis. The relevance of the case study
resides in the fact that Mozambique is one of the most vulnerable countries to extreme
events at a global level, with almost half of its territory below sea level, due to its
geographic location. Essentially, this research points to the relevance of environmental
phenomena significance by the awareness of individuals, who experience concrete
situations of extreme events on a daily basis, in the construction of adaptation strategies
to extreme events. We argue that by assessing the cognitive, affective and practical
intentions related to environmental changes in Mozambican daily life and applying them
to environmental management, it will be possible to achieve efficiency and effectiveness
in implementing strategies at the national level. To reach the objectives outlined, this
research involved multilevel actors, and made use of the qualitative method assisted with
qualitative and quantitative techniques. As a theoretical reference, this research employs
the phenomenology of Alfred Schütz, as it offers theoretical and methodological
elements which are fundamental for the achievement of the objectives outlined here, and
especially for valuing the subjectivity of individuals as a scientific object. As results it
presents the perceptions of risk to the extreme events that the different actors exposed.
Data shows that the implementation of adaptation strategies has encountered great
difficulties, because they seek to solve strictly environmental problems while neglecting
issues related to the social vulnerability of affected populations, despite mentioning them.
In addition, Mozambique has weak institutions in the pursuit of environmental
sustainability, due to the inability to apply the available laws and in the collection of
revenues from environmental services. This research exercise allowed us to reflect on
the relevance of risk perceptions to elaborate adaptation strategies to extreme events,
both locally and globally.
Keywords: 1. Environmental changes; 2. Adaptation; 3. Environmental policy; 4.
Vulnerability; 5. Mozambique - Politics and Government.
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KU BUYA PADOCO
Passo kucesa ndaipsvaka kuzwa um cibatno pacari po kuzwizwisisa mu mutaro
kupsanguisisano kuva maitiro lzono pa kudira pa uxoni no kuitika ku mphiri ko
Moçambique, kuzova ingá ciro cimwe kusotesesa ikona pamuithundu vo Machanga
Passa bzikuru vo ujijo cütiko mu Moçambique ugari no maitiro wo munhiwo
muinhika kuita divi ingá mumwe djo madjinyka kupindirija jimwene ngo matiko iyo
bzüto bzo kupejisira mucitongobwe mburumbwa yo nyika, kuwa pedo pa hafu yu nyika
lmutunthu pasi yo bzütiyo jombe, mawanmikiro ayo. Zvikuru ku kamre kucesa uwa
kutatija um kuru kuti masaramuso vo kuputira magariro cibhora hwirul magarangariro jo
chiwona wo maponero pa mphenelkadi vo maitikiro robesalnoxanda kuxirovejo mu
pokuvaka lmavakwa yo zano yo pokundira pa uxoni yo maitiro nobesa. Kujijirana co
kuezanisa jo muemuro vo uzivi jo rudo no maitiro já kabatanija jo kucicacica magariro
cokurovejisa jo vana vo Moçambique, kupangana pokufambisa komagariro ndinozova
nayo mukuru nofanera kuwana simba no kuianga kuti bzutive zano vabarwi vonyika.
Mu kuwana mapepero kutura yo kucesa yakakuputira vese vavatari kuserengenda, vaita
masimiro vo maereramo. Maitiro mufumbo kubesa no uzivi mufumbo no mutengo. Ingá
xitatijo kurangarija kadi no masaramuso jo Alfred Schütz, gwindi cutiko ibzo kupekeja
masoko vo maererano civangiso pa jo kubata guno kutara, no zvikuru-kuru ngokutajal
kukuja veya apo ciro uzinci. Ingá kubva kutatija kuzwisisa jo mureswa cisungo bzüto
magumo wo masiyanisso gumo kutara kudira pambhene. Pa kujijira kuvonesa bziti bzo
zano yo chilovedjo xo magariro cino kusongana bzinji mupingaijo no cütiko
nazvakadano kupereka zano po kuvakazano wiro kuezana no mutheto yo magariro no
kutama kuvanguisa no sako njio kubatanijana no kukhuvaza po mbungano yo vanthu yo
vanthu vo nyika mutengo jo mabassa magarirano cithombe sikagondeki muwendo
keuigira kucijikira zvino ponesa jo magarirano mo bzakaitiwa , mu basa jo singa
kwanisigui po kwakuenda jo mupango kusujunurwa no jo kukoka mutengo kuengejera
mabasa jo magariro mo bzkaitiwa. Maitiro von dolo kucesa akutendera kubudisa ngo
kurungamisa ko kuzwi isa ko mutaro museswa já pa mphene po kupejisa voz ano jo
kugara uxoni po maitikiro vo magumo pomubengo kurira ndau mbuto ingá mburumbwa
yo nyika.
Soko khia: Macinjikiro vo magariro vo bzakaitiwa; kuzwisisa ko mutaro; kuitika
magumo; zano yo kugara uxoni.
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ME – Ministério da Energia
UA – União Africana
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Grupo Alvo da pesquisa………………………………………………...…..40
Tabela 2 – Marcos da Institucionalização Ambiental em Moçambique…………..……73
Tabela 3- Percentagem de ocorrência de eventos extremos por região de
Moçambique………………….......................................................................................112
Tabela 4- Total de entrevistados por posto administrativo…………………………….148
Tabela 5 – Total de Entrevistados por profissão e pertença ao CGC………………….149
Tabela 6 - Técnicas de pesquisa por categoria e gênero……………………………….150
Tabela 7 – Frequência escolar por percentagem e gênero…………………………….151
Tabela 8 – Nível de escolaridade por faixa etária……………………………………..151
Tabela 9 – Classificação dos eventos extremos………………………………………..172
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 - Localização do distrito de Machanga………………………………………..27
Figura 2- Aumento demográfico da população de Moçambique………………………75
Figura 3- Percentagem de Agregados familiares que possuem energia elétrica em
Moçambique por província e área de residência (2003-2011)……………………..…107
Figura 4- Conselho Técnico Distrital de Gestão de Calamidades…………………….124
Figura 5- Distrito de Machanga………………………………………………………..136
Figura 6 – Culturas alagadas em tempo de cheias em Machanga……………………..139
Figura 7 – Deformação do relevo dada a extração de areia……………………………144
Figura 8 - Poço desprotegido no tempo de seca em Machanga………………………..158
Figura 9 - Água imprópria para o consumo humano…………………………………..159
Figura 10- Transmissor usado para leitura diária e para comunicação de risco……….162
Figura 11 - Estação climatológica de Machanga………………………………………163
Figura 12 - Referência aos eventos extremos pelos grupos focais…………………….170
Figura 13 - Referencia as fontes de informação sobre eventos extremos……………..176
18
SUMÁRIO
PREFÁCIO…………………………………………………………………………..21
INTRODUÇÃO...............................................................................................................31
METODOLOGIA…........................................................................................................34
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ocupar o solo preservando o caminho da água …………………………………….....194
Desafios metodológicos.…...………..............................................................................200
APÊNDICE………………………………………………………………………..….214
Apêndice 01 - Lista dos principais jornais em Moçambique…………………………214
Apêndice 02: Guião para recolha de dados em EIA…………………………………..215
Apêndice 03: Guião para realização de grupos focais…………………………………221
Apêndice 04: Plano inicial de atividades………………………………………………222
21
PREFÁCIO
A ideia de prefaciar a tese foi um desafio enorme para mim, aliás, como o foi todo
este trabalho de pesquisa que hoje apresento ao leitor. No entanto, aceitar desafios tem
sido a forma pela qual adquiro experiência na vida acadêmica.
Sou graduado em Sociologia (2011) pela Universidade Eduardo Mondlane, a
maior e mais antiga de Moçambique. Durante a graduação meu interesse voltou-se para
questões de cidadania, e possibilidades de maior participação nos processos decisórios.
Assim, dediquei-me a analisar a influência dos programas televisivos no exercício da
cidadania em Moçambique. Como se pode notar, o sentido da valorização da agência, da
capacidade de ação pelos sujeitos me é muito caro. Dai que abordagens construtivistas,
interacionistas e fenomenológicas ficaram marcadas no meu horizonte epistemológico,
com destaque para 03 autores: Max Weber, John A. Hannigan e Alfred Schütz.
Em 2010 iniciei o curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de
Relações Internacionais e Diplomacia (ISRI). Neste curso, procurava contacto com a
literatura ligada à Sociologia das relações internacionais, a Geopolítica, particularmente
as abordagens do sistema de ação a nível internacional e como se dá a influência dos
elementos da natureza sobre a hegemonia e o lugar que um país pode ocupar no cenário
internacional. Estava assim completo o meu quadro de curiosidades, influenciado por
vários encantamentos. E foram estas influências que me levaram a delimitar meu
interesse acadêmico na triangulação entre Sociologia, Ambiente e Relações
Internacionais, mas por onde começar?
Em 2012 a minha proposta para cursar o mestrado no Programa de pós-
graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS) no Rio de Janeiro,
é acolhida. O projeto inicial da dissertação propunha analisar as percepções de risco e as
estratégias de gestão das calamidades naturais em Moçambique.
Contudo, entendeu-se logo que não conseguiria chegar a bom porto, pois
questões de fundo, ligadas a institucionalização ambiental, precisavam ser respondidas.
Precisava de bases para poder afirmar com cientificidade que em Moçambique existe
consciência ambiental e que se manifesta em diferentes níveis. Assim, indagações como,
por exemplo, as motivações, em nível do governo moçambicano, pelas questões
ambientais globais? Quais os fatores exógenos ou endógenos? Qual a lógica da adesão,
dado ao contexto que se vivia, entre outras, precisavam ser respondidas a prior.
22
PREMISSAS
Esta investigação parte de algumas considerações que são fundamentais, para um
entendimento comum. Primeiramente, parti-se da consideração que a questão das
mudanças climáticas é um assunto global. Com efeito, diversos países são apontados
como demasiadamente vulneráveis as mudanças ambientais. Sem dúvidas, a
vulnerabilidade às mudanças ambientais constitui uma questão de peso internacional,
por necessitar soluções eficazes e eficientes no combate às causas do problema e
equitativas na distribuição das responsabilidades que surgem para mitigá-lo em nível
global (vide Protocolo de Quioto).
Esta vulnerabilidade global às mudanças ambientais manifesta-se em diversos países
africanos em função de várias pressões, associadas a diferentes fatores, tais como: baixa
capacidade de adaptação e resposta, a localização geográfica, a existência de climas mais
quentes, uma maior exposição às adversidades climáticas, a variabilidade da
precipitação, a existência de solos pobres e planícies inundadas (UN-HABITAT, 2007).
Dentre os países africanos, Moçambique é apontado como sendo um dos mais
vulneráveis às mudanças ambientais, devido: a sua localização geográfica na zona
intertropical, ao fato de possuir uma longa costa e grandes bacias hidrográficas, sendo
assolado particularmente por eventos extremos que se transformam em verdadeiras
catástrofes naturais, especificamente: inundações, secas, ciclones, deslizamentos,
epidemias, e ondas de frio e calor extremos 1.
Moçambique apresenta um quadro preocupante de frequentes desastres associados
aos eventos extremos. Sobretudo porque as regiões que apresentam significativa
importância econômica tem sido as mais afetadas, registrando-se a ocorrência de
inúmeras mortes, feridos e desabrigados, e uma persistente falta de estrutura para lidar
com essas situações. A grande cheia no ano 2000, por exemplo, colocou à prova as ações
prevenção levadas a cabo por organizações, nacionais e internacionais, no sentido de
terem marcado negativamente a história do país em termos de gestão de desastres. Estas
cheias foram responsáveis pela morte de cerca de mais de 800 pessoas, tendo resultado
em prejuízos avaliados em cerca de 400 milhões de dólares americanos.
Mais recentemente nos primeiros meses do ano 2012, o país foi assolado pelos
1
Segundo a Maplecroft, Consultoria britânica cujo objetivo foi demonstrar o impacto econômico de desastres ocorridos entre 1980 a
2010. Fonte: Jornal o pais, Quinta-feira, redação de 15 Julho 2010, 09:08.
24
Figura 01. Localização do distrito de Machanga. Fonte: Dados Cartográficos, AfriGIS, 2014. A =
Machanga
28
INTRODUÇÃO
Durante a década 1980, o continente africano foi apontado como tendo sido o mais atingido
por eventos ambientais extremos se comparado com as diferentes regiões do mundo4. Foram 243
eventos extremos registrados e que perpetraram um saldo total de 417 mil de mortos e uma
população atingida na casa dos 137,8 milhões de pessoas. Na década 1990 registrou-se um aumento
na ocorrência dos eventos extremos no continente. Nesse período foram registrados 247 eventos
extremos, 10 mil mortos e uma população afetada de 104.3 milhões de pessoas. Contudo, apesar
deste aumento na quantidade de ocorrências de eventos extremos, registrou-se uma melhoria em
termos de números de vitimas mortais, fruto de investimentos em estratégias de prevenção,
adaptação e mitigação dos eventos extremos pelo continente (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2003).
Dentre os países africanos, Moçambique figura como um dos primeiros países afetados por
eventos extremos (UNEP, 1989; ENAMMC 2013-2025), devido ao aumento do nível do mar, pois,
45% do território Moçambicano estão abaixo dos 100 metros de altitude. Este relatório conclui que a
gestão ambiental em Moçambique necessita de ações bem planificadas de comunicação e uma
estreita colaboração interinstitucional para a gestão (prevenção, adaptação e mitigação) do impacto
dos desastres naturais no país.
A informação documentada sobre a abordagem dos eventos extremos e mudanças climáticas em
Moçambique, revela que os principais eventos extremos que afetam o país são de origem hidro
meteorológica, tais como cheias, secas e ciclones tropicais associados à eclosão de epidemias, tais
como a cólera e diarreias. Só no período que cobre desde 1956 até 2008 foram registrados dez (10)
eventos de Seca, vinte (20) eventos de cheia, treze (13) Ciclones tropicais, dezoito (18) Epidemias e
um (01) Sismo, onde se destaca a cheia como o mais frequente evento extremo e as epidemias como
consequência contígua (QUEFACE, 2009).
Segundo o INGC (2008/2009), dois são os principais fatores que contribuem para a
vulnerabilidade do país aos eventos extremos: o primeiro é a localização geográfica, pois a faixa
costeira de Moçambique está localizada na via preferencial dos ciclones tropicais mais destrutivos
da região, e por outro lado, o país situa-se a jusante dos principais rios cujas nascentes estão nos
países vizinhos, com o destaque para o rio Zambeze que representa 50% do escoamento superficial
de Moçambique. O segundo fator é a fraca habilidade de prever os eventos extremos, a deficiente
4
Segundo a ONU as grandes regiões do mundo são: África, Europa do leste, Europa mediterrânea, América Latina e
caribe, Sudeste da Ásia, Oeste do Pacífico, Regiões desenvolvidas (WHO, 2003)
32
5
Para aprofundar este assunto ler: Moçambique: Democracia e Participação Política, relatório publicado pelo AfriMAP
e pela Open Society Initiative for Southern África, 2009
33
Contudo, os fenômenos ambientais vêm surgindo cada vez mais como objeto de estudo nas
ciências humanas em Moçambique, pelo que ainda se apresenta como um campo pouco explorado,
isto se comparado às ciências naturais, que granjearam protagonismo singular ainda na gênese da
problemática ambiental em Moçambique, particularmente a Biologia, Física e Geografia
(AMARAL, 2014). Este cenário pode inviabilizar o desenho de estratégias eficazes em diferentes
níveis e que valorizem as percepções e práticas sociais locais relacionadas aos eventos extremos.
Em nível internacional, a questão ambiental já constitui campo de estudo consistente nas
ciências humanas e que vem se consolidando cada vez mais através da criação de diversas revistas
especializadas, publicação e realização de congressos e conferências nacionais e internacionais, e
pela criação de centros de pesquisa ambientais de excelência, à medida que o debate sobre os
problemas ambientais vem sendo reinterpretado em termos de riscos e vulnerabilidades sociais
(FERREIRA, 2012).
Depreende-se daqui a existência de lacunas nas estratégias de adaptação aos riscos e aos
impactos das mudanças ambientais em Moçambique, fruto da falta de conhecimento sobre as
percepções sociais do risco relativas aos eventos extremos ambientais e, sobretudo, quanto às
estratégias, comportamentos e atitudes que os indivíduos adotam informalmente face a ocorrência de
eventos extremos. Acreditamos as estratégias e decisões institucionais adotadas constituir-se-iam em
melhores táticas se estivessem associadas a este conhecimento local.
Assim a questão que suleia esta pesquisa é: Em que medida as percepções sociais do risco
relativos às mudanças ambientais podem contribuir para definição de estratégias eficazes de
adaptação aos eventos ambientais extremos em Moçambique?
Com este exercício procurou-se compreender a relevância que os gestores moçambicanos dão às
percepções sociais do risco relativos às mudanças ambientais, e que lugar estas ocupam no processo
de elaboração de estratégias eficazes de adaptação aos eventos extremos a todos os níveis: distrital,
provincial e nacional.
Uma pesquisa desta envergadura demanda uma explicação da relação entre uma dada sociedade
e o ambiente em que esta vive, valorizando os seus sistemas de crenças e modelos comportamentais.
Assim sendo, para se chegar a bom termo e atingir o objetivo proposto realizou-se um estudo de
caso no distrito de Machanga. O porquê da escolha do distrito de Machanga, explicou-se na
apresentação desta tese, todavia à medida que o leitor for avançando na leitura, vai ficar cada vez
mais esclarecido sobre a pertinência do estudo de caso que apresentaremos no capítulo IV desta tese.
34
METODOLOGIA6
Para melhor alcançar os objetivos aqui pretendidos, adotamos uma perspectiva de análise
multinível, coadjuvada por técnicas participativas de pesquisa, com vista a explorar melhor as
dimensões da realidade que pretendemos abarcar. Este exercício de pesquisa serviu-se de métodos
qualitativos e quantitativos, de modo a possibilitar a incorporação de dados quantificáveis
juntamente com elementos subjetivos: crenças e percepções das populações locais. Contudo, o
método qualitativo é mais fortemente presente, pois traz o reconhecimento do fato de que os sujeitos
possuem um conhecimento inestimável e indispensável à elaboração/execução de ações em nível
local. Estes conhecimentos são passíveis de serem acessados por meio científico.
Neste estudo os métodos e técnicas usadas foram: a revisão documental e de literatura e um
estudo de caso, que envolveu a necessidade de observação direta, realização de entrevistas
aprofundadas e grupos focais de discussão. Cabe referir que o processo de recolha de dados,
primários e secundários, foi elaborado de modo que os instrumentos e os resultados da pesquisa
refletissem de forma harmoniosa a complementaridade das questões de pesquisa levantadas e dos
objetivos do estudo. O trabalho no campo teve a duração de 01 ano (recolha de dados). O
desenvolvimento dos instrumentos de recolha de dados e protocolos de pesquisa decorreu
paralelamente ao processo de revisão bibliográfica.
Para concretizar os objetivos da pesquisa observamos dois momentos metodológicos. O
primeiro dedicado ao nível institucional, em que nossa atenção voltou-se para os documentos
oficiais do governo e a relação entre a temática ambiental e as instituições do Estado. Este processo
iniciou com a pesquisa do mestrado, onde trouxemos dados até o ano 2000. Nesta tese
complementamos esses dados até o ano de 2015, uma atualização necessária para enquadrar o leitor
na mesma caravana de entendimento, tanto do espaço de pesquisa como quanto ao objeto de análise
e o estado da arte. É uma análise não exaustiva, visto que não é o prato principal, mas quem não
gosta de uma boa entrada não é verdade?
O segundo momento dedica-se ao estudo de caso, quer dizer, dado o quadro geral
apresentado no primeiro momento, focou-se aqui numa realidade objetiva, com o propósito é de lá
testar as hipóteses levantadas, recolher dados primários, experimentar o cotidiano até então
desconhecido, quer dizer, fazer o trabalho de campo propriamente dito.
6
Para aprofundar sobre as técnicas de pesquisa referenciadas nesta tese, recomendo a leitura da obra: CRESWELL, J. W.
Research design: qualitative, quantitative, and mixed methods approches (2nd Ed.), Thousand Oaks, CA: SAGE.
2003.
35
ETAPA I
Nesta etapa procurei aprofundar no conhecimento sobre o tema de pesquisa proposto, a
teoria, os diferentes achados de outras pesquisas. Para tal, usei de dois procedimentos metodológicos
que passo a descrever:
Revisão da literatura:
Este exercício cobriu a primeira fase da realização deste trabalho de pesquisa, e permitiu
dispor de achados e conclusões alcançadas por outros pesquisadores, de modo a refinar as
questões a serem abordadas e evitar duplicação e redundância.
Com a revisão da literatura tornou-se possível verificar se os tópicos aqui abordados já foram
ou não estudados, e caso tivessem sido, possibilitou a identificação e análise dos resultados
obtidos nesses outros estudos, quer dizer, nos permitiu dispor de dados secundários relevantes.
Nesta fase fez-se uma revisão da documentação oficial do governo, desde a Constituição da
República (1990), convenções, protocolos e leis sobre o ambiente, planos estratégicos de
adaptação aos eventos extremos ambientais: Seca, cheias e ciclones.
Fez-se uma revisão de estudos e pesquisas feitas por programas transnacionais e projetos de
organizações não governamentais, por exemplo, os estudos do Instituto de Estudos Sociais e
Econômicos (IESE), o IPCC, NU-habitat, PNUD, e outras fontes indicadas na bibliografia
referentes à problemática dos riscos ambientais e do desenvolvimento institucional ambiental em
Moçambique. Esta técnica de revisão documental permitiu maximizar a construção e a
compreensão da problemática aqui levantada, forneceu linhas de orientação para o
desenvolvimento dos instrumentos de análise, auxiliou na identificação de tópicos e assuntos que
de fato mereceram atenção durante a fase de recolha de dados.
36
Discussão do projeto: Esta foi sem dúvida uma ferramenta importantíssima na fase de
preparação do campo. O NEPAM ofereceu uma imersão excelente, o que possibilitou recolher
impressões de pesquisadores e dos colegas, meus pares de outras áreas de conhecimento. A
imersão mostrou-se um procedimento fundamental para a prática interdisciplinar.
ETAPA II
Nesta etapa realizamos o estudo de caso na província de Sofala, distrito de Machanga, nos postos
administrativos de Machanga-sede, Chiloane e Divinhe-sede. Para realização deste estudo de caso
em Machanga, observamos diferentes procedimentos de recolha de dados primários, definidos em
função do grupo alvo a ser inquirido. Assim, foram conduzidas entrevistas individuais aprofundadas
(EIA) e grupos focais (GF) de discussão, ambos com perguntas semiestruturadas.
relevantes para o objeto de estudo. Procuramos entender como as relações entre a componente
social e o risco ambiental se dá em Machanga. Por exemplo, as implicações da ocorrência de
eventos extremos e o abandono escolar numa perspectiva de gênero.
Para recolha dos dados usamos o celular (para gravar áudio e fotografar), gravador de voz e
câmera fotográfica e de filmar. Esta tática de usar todos estes instrumentos foi extremamente salutar.
Alguns pontos do distrito de Machanga não têm corrente elétrica, (por exemplo, em Chiloane) por
isso, em vários momentos não tinha como recarregar a bateria da máquina de filmar. Nesses casos a
informação era guardada no celular e no gravador de modo a não perdemos nenhum áudio. Em
vários momentos a gravação de vídeo falhou, mas documentamos em fotografia.
7
Em Moçambique se considera lideres comunitários ou tradicionais são pessoas que têm legitimidade reconhecida pelas comunidades, sem que seja
necessária uma legitimação administrativa do Estado. Fazem parte deste escalão os régulos, os líderes de congregações religiosas locais e líderes das
associações de medicina não convencional.
41
CAPITULO I
FENOMENOLOGIA E AMBIENTE:
TEORIA E CONCEITOS
e de sua experiência, o que faz com que gere impressões estereotipadas, sem contar que para Hume
as conexões de ideias, surgidas na memória com regularidade, são influenciadas e variam de acordo
com o ambiente de origem, determinando assim a diversidade de ideias acerca de determinado
objeto ou situação e justificando as diferentes visões sobre uma mesma realidade empírica.
Outra contribuição importante deste autor deve-se ao fato de defender que ao confrontar as
ideias, a mente adquire novas ideias das coisas em si mesmas, gerando as tipificações ou
generalizações e posteriormente reduzindo a princípios, buscando causas gerais para diversos efeitos
particulares mediante: Raciocínio de analogia, experiência e observação (Hume, 1985:35). Em suma
para este autor o conhecimento é fruto da crença (instinto e habitus) somada às tipificações. A
percepção é antes de tudo a aquisição, a interpretação, a seleção e a organização das informações
obtidas pelos sentidos (LURIA, 1979b).
Fundamentado nos princípios destes autores em termos de produção de conhecimento é que
surge a fenomenologia como corrente de pensamento no final do séc. XIX como fruto das produções
acadêmicas e principalmente do desenvolvimento do pensamento filosófico de Edmund Husserl
(1859-1938). Basicamente, as ideias de Husserl eram contrárias ao naturalismo e ao psicologismo.
Este autor rejeitava a fixação científica da época por um objeto eminentemente físico, para ele as
ciências humanas deveriam alcançar um rigor intelectual que passasse pela rejeição à adoção de
métodos das ciências naturais, que permitissem analisar o senso comum, voltando às origens dos
fenômenos e se preocupando com a realidade em si, presente na experiência comum, no mundo da
vida. Husserl propõe uma terceira via entre a especulação metafísica e o raciocínio positivista a que
podemos chamar plano da realidade (SOUZA, 2012), ou como ele mesmo denominou de “a intuição
originária”.
Por esta terceira via deve-se entender que a essência do fenômeno se encontra na consciência e,
portanto, o foco da fenomenologia se encontra no que o autor logrou designar de intencionalidade,
querendo com isto referir que todo fenômeno mental, diferentemente do fenômeno físico, carrega
um objeto em si, porém este existe em função do sujeito que o significa. O objeto é definido na sua
relação com a consciência (sujeito). Assim, a intencionalidade é o direcionamento da consciência a
um objeto, por onde se entende que o modo como um objeto existe, depende do modo sob o qual ele
é visado pela consciência ou sujeito.
O papel primordial da fenomenologia é o de elucidar a essência da relação entre o sujeito e o
objeto. Este processo elucidativo demanda uma redução fenomenológica que é um exercício de
suspensão da realidade, tal qual o senso comum a concebe, um exercício de aproximação da
44
relações sociais objetivas (HERITAGE, 1999:329). Esta ideia ou perspectiva vai contra o
determinismo das análises estruturalistas, que reduzem o agente a um mero “portador” da estrutura
social, para fenomenologia de Schütz, o mundo é interpretado à luz de categorias e constructos do
senso comum que são largamente sociais na sua origem (AMARAL, 2011).
Em Schütz a ideia da hereditariedade cultural ganha importância única, na medida em que
permite entender que o indivíduo orienta-se em função de preposições adquiridas no convívio com
os seus antecessores, e, portanto os significados dos fenômenos são dotados de externalidade, pois
estas disposições adquiridas e interiorizadas pelos indivíduos, (habitus ou cultura) antecedem e
precedem o indivíduo, que as tenta reproduzir consciente ou inconscientemente, adaptando-as aos
contextos em que estão inseridas.
O que permite este acúmulo ou união de saberes, informações e operações cotidianas de que o
indivíduo dispõe para interagir com o mundo, interpretá-lo e habituar-se a ele, designado pelo autor
como sendo estoque de conhecimento à mão, é a memória, que é definida como a capacidade de
retenção, lembrança e reconhecimento de algo (SCHÜTZ, 1979).
É esta memória que permite aos indivíduos dispor de “fórmulas prontas” quando se vêm
envolvidos em situações de risco, por exemplo, ligado aos eventos extremos, de maneira a lidar com
a situação e obter os melhores resultados possíveis, com a realização do mínimo esforço e evitando
ao máximo as consequências indesejáveis. A capacidade adaptativa ou resiliente de determinada
comunidade é garantida pela eficiência destas “fórmulas prontas”, pois o padrão Ready-made
substitui a “verdade” científica de difícil alcance, oferecendo truísmos ou verdades confortáveis e
autoexplicações (SCHÜTZ, 1979:81).
Assim, estes elementos cognitivos são recursos que os indivíduos utilizam para compreenderem
e serem compreendidos nas suas ações do quotidiano, se o mundo social é algo inteligível para todos
os atores sociais, implica que eles entendam de maneira una e semelhante e assim possam criar
relações sociais. Esta perspectiva torna-se fundamental para esta pesquisa, por dar ênfase às
experiências dos indivíduos no seu dia-a-dia, favorecendo o entendimento sobre como os indivíduos
constroem o seu discernimento da situação de risco ambiental, através do seu estoque de
conhecimento sociocultural, no convívio com os outros atores sociais.
Teoricamente, Schütz descreveu cinco propriedades importantes do conhecimento e da cognição,
que fazem desta teoria adequada para nossa pesquisa, pelos objetivos que apresentamos, segundo a
fenomenologia de Schütz: (HERITAGE, 1999: 329).
1. O mundo da vida quotidiana é um mundo permeado de naturalidades, pois os atores interagem e
46
Podemos assim afirmar que esses elementos cognitivos são os recursos que os indivíduos
utilizam para compreender e serem compreendidos nas suas ações do quotidiano, cada ato tem um
único conteúdo, o que provém do ator, e se o mundo social é algo inteligível para todos os atores
sociais, implica que eles o entendam de maneira una e semelhante e assim criem relações sociais.
É a luz destes conceitos, que analisamos as diferentes percepções de risco ligadas aos eventos
extremos e a sua gestão em Moçambique, particularmente em Machanga, estando assim
fundamentada a ideia de a priori atribuir aos atores a capacidade de produção e uso de diferentes
tipos de saber e conhecimento para redução das incertezas em relação ao riscos ambientais.
Esta perspectiva teórica torna-se fundamental para esta pesquisa, pois dá ênfase as experiências
dos indivíduos no seu dia-a-dia, favorecendo o entendimento sobre como os indivíduos constroem o
seu discernimento da situação de risco ambiental, através do seu estoque de conhecimento
sociocultural, e no convívio com os outros atores sociais.
O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
A fenomenologia esteve na base dos estudos sobre percepção ambiental, contudo ganhou
diversas ramificações e assim, os estudos sobre percepção ambiental foram adotando outras
referencias dentro da filosofia e da psicologia, o que contribuiu para que os estudos sobre percepção
ambiental apresentassem o espírito fenomenológico, mas sem aplicação efetiva do método
fenomenológico (HOLZER, 1998), a redução fenomenológica.
Analiticamente, segundo Husserl (2006, p.143), a redução fenomenológica é composta por dois
processos, o primeiro designado por redução eidética (essência do conhecimento intuitivo) que
consiste num esforço por detectar e ressaltar os significados dos fenômenos para os sujeitos. Quer
dizer, acessar as experiências vividas, lembranças bem detalhadas dos fenômenos, o conhecimento
das coisas em si. E o segundo momento, designado por redução transcendental (ir além da
consciência do sujeito) consiste em procurar a essência da consciência dos sujeitos pesquisados,
quer dizer, ignora-se a existência real dos fenômenos em si, para evidenciar como esses fenômenos
se manifestam para os sujeitos. É a procura do conhecimento da percepção do sujeito sobre os
fenômenos a que está exposto.
A redução fenomenológica permite ao pesquisador apreciar os elementos da subjetividade do
sujeito, por meio do acesso as suas vivências, seu pensamento, as suas lembranças, a sua percepção,
e a imaginação, procurando os significados que o sujeito lhes atribui (BELLO, 2004, p. 90), sem
deixar de considerar que este sujeito pode ser influenciado pela mídia e seus valores, assim como
48
COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM
A comunicação é um dos elementos basilares na fenomenologia de Schütz. É graças à
comunicação que se pode olhar para o mundo exterior da maneira como ele se apresenta, como dado
adquirido (SCHÜTZ, 1967: 36). É a comunicação que garante a existência de uma estrutura e de um
sistema de relevância, que permite observar o que é importante para esse grupo dentro de sua
concepção formada a partir de experiência, hábitos e costumes.
A fenomenologia como pensada por Schütz defende que a constituição de relações sociais exige
a transformação da experiência individual através da linguagem e a construção de uma realidade
objetivada que é qualitativamente diferente da experiência subjetiva, o mundo da vida, das
experiências comuns, originados no universo profundo da corrente de consciência. O mundo da vida
é um mundo de evidências e de significados comuns intersubjetivamente partilhados, sendo a
comunicação que assegura a estruturação de contextos de significado objetivos que são tomados por
independentes da experiência subjetiva dos agentes sociais (CORREIA, 2004). Assim se estabelece
a relação entre a memória e o processo de simbolização, pois para o autor só aquilo que já
transcorreu é que pode ser simbolizado (SCHÜTZ, 1982: 67).
Segundo Correia (2004) apesar desta centralidade da linguagem e da comunicação na teoria
fenomenológica de Schütz não se pode deixar de considerar que há sempre uma parte da vida
particular do outro que não fica à disposição, o acesso à experiência do outro é dada pelo uso de
signos partilhados, este acesso não é integral, contudo permite a vivência intersubjetiva no mundo da
vida. É através da comunicação na vida quotidiana que os indivíduos superam a experiência da
transcendência dos outros, as suas próprias experiências do mundo. Assim sendo, a comunicação na
vida quotidiana é essencial para compreensão dos diferentes âmbitos de significado finito em que
esse mundo se estratifica.
Na fenomenologia de Schütz a linguagem torna as experiências comunicáveis, e a comunicação
permite a partilha das experiências individuais e a criação de uma realidade comum aos membros da
comunidade, sendo que a partilha dos significados só se pode realizar através da comunicação, o que
não quer significar que toda a ação carregada de significado seja ação comunicativa, pois, somente
devem-se considerar ações comunicativas aquelas nas quais está presente a clara intenção de
transmitir o significado atribuído às essas ações, assim, só é comunicação o tipo de ação que se
dirige a outro com a intenção de dar a conhecer um significado.
A comunicação é uma ação social, pois é carregada de subjetividade dirigida a outros e para
além do significado que a mensagem explícita transporta, existe um motivo para se comunicar que
50
8
1- O Modelo Behaviorista de análise, baseado na aplicação de questionários e inquéritos em pessoas situadas em áreas de risco, visando a fazer
comparações entre os diversos tipos de comportamento.
2 - O Modelo de Preferência que procura entender o comportamento individual através das preferências “reveladas” e “expressas”, procurando
determinar o papel da experiência na gestão da situação de desastre natural.
3 - O Modelo Utilitarista, que modifica a visão convencional de racionalidade, fundamentada na consideração de que os indivíduos são racionais ao
ligarem uma intenção subjetiva a possíveis retornos.
4 - Modelo Marxista que sustenta que as pessoas vivem em área de risco porque a sociedade não fornece outras alternativas, ou seja, que os desastres
naturais não afetam as pessoas da mesma maneira, pois são os grupos vulneráveis que são os mais atingidos. Este último modelo ressalta os fatores
situacionais, focalizando questões sobre a perceção da vulnerabilidade, o processo de vitimização e os mecanismos de ajuda (TOBIN & MONTZ,
1997).
52
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
A vulnerabilidade é o grau pelo qual um sistema é suscetível ou incapaz de enfrentar efeitos
adversos da mudança, incluindo a variabilidade e os extremos do clima; É função do caráter,
magnitude, rapidez da mudança ambiental e da variação a que um sistema está exposto, sua
sensibilidade e sua capacidade de adaptação (IPCC, 2001).
Assim, a vulnerabilidade também pode ser entendida como um conjunto de situações
problemáticas, que posicionam o indivíduo em uma condição de carente, necessitado e
impossibilitado de responder com seus próprios recursos a dado litígio que ele vive e que o afeta.
O conceito de vulnerabilidade tem suas raízes no estudo do risco de eventos naturais, podendo se
definir ainda como as características de uma pessoa ou grupo em relação a sua capacidade de
antecipar, de fazer frente a, de resistir e de se recuperar de um impacto e risco natural ou social.
Implica uma combinação de fatores que determinam o grau no qual a vida e a forma de vida de
alguém, são colocadas em risco por um evento discreto e identificável na natureza e na sociedade
(BLAIKIE et al., 1994). Literalmente uma relação existente entre a possível intensidade do dano e a
magnitude da ameaça, caso ela se concretize como evento adverso.
O estudo sobre vulnerabilidade de populações às mudanças climáticas e sua variabilidade , bem
como a capacidade adaptativa, é um campo relativamente novo se considerarmos a
interdisciplinaridade em voga. Todavia, vários são os pesquisadores que se têm dedicado ao estudo
da relação entre os conceitos de vulnerabilidade e adaptação9.
Segundo Martins & Ferreira (2012) existem perspectivas diferentes quando se aborda sobre
vulnerabilidade nas ciências sociais e nas ciências naturais. Defendem que as ciências naturais no
geral entendem a vulnerabilidade a partir da possibilidade de ocorrência de danos ou perdas, que
tragam impactos advindos de eventos hidrometeorológico num determinado espaço. Enquanto que
as ciências sociais vêm vulnerabilidade como a representação de um contexto socio-histórico,
influenciado por fatores socioeconômicos e culturais que em si representam uma capacidade de
9
Para aprofundar este tema ler: CUTTER S. L. 1996. Vulnerability to environmental hazards. Progress in human
Geography, V.20, n. 4, p. 529-539.
PELLING, M. 2010 Adaptation to Climate Change:From resilience to transformation. New York: Routledge.
ADGER, W.N.; HUQ, S.; BRON, K.; CONWAY, D.; HULME, M. Adaptation to climate change: Setting the agenda for
development policy and research. Tyndall Center for climate change research working paper 16.
HOGAN D. J.; MARANDOLA Jr. E.; 2005; Towards na interdisciplinary conceptualisation of vulnerability. Population,
Space and Place. V.11, n. 6, p. 455-471.
54
resposta. Para análise da vulnerabilidade e das potencias perdas e danos decorrentes dos perigos
ambientais são necessárias condições gerais como uma unidade de análise (comunidade, país,
localidades) e pela quantidade de recursos existentes para se responder a estes apelos.
Os estudos sobre vulnerabilidade socioambiental concentram-se em duas categorias. A que vê a
vulnerabilidade em termos de extensão ou potencial dano, e a segunda visão que analisa a
vulnerabilidade como um estado dinâmico de uma determinada comunidade. Como bem disse
Marandola (2014), não existem comunidades 100% vulneráveis e nem 100% invulneráveis.
De acordo com Martins & Ferreira (2012), a primeira visão sobre vulnerabilidades surge a partir
das avaliações de risco e impactos na década de 1980, onde se atribuía menor importância às
atividades humanas na mediação das consequências dos eventos de origem hidrometeorológica, quer
dizer, concentravam esforços em determinar a exposição humana aos perigos, dando pouca
importância para consideração da capacidade adaptativa da sociedade e dos indivíduos, sua a
capacidade de responder a estes perigos ambientais de forma antecipada e reativa.
É a clássica forma de ver a vulnerabilidade como fruto da combinação de 03 elementos: perigo,
exposição e sensibilidade. A este tipo de análise pode se chamar avaliação de vulnerabilidade
natural. A vulnerabilidade natural depende da frequência e da probabilidade ocorrência de um
determinado tipo de perigo. A segunda visão vê na vulnerabilidade uma condição de vida de uma
determinada comunidade, e surge a partir dos estudos que buscavam investigar os aspectos
estruturantes que tornava o grupo susceptível aos eventos climáticos.
Nesta perspectiva a vulnerabilidade é vista como algo inerente ao sistema. É fruto das
características históricas e que ficou conhecido. A vulnerabilidade social é determinada por
diferentes formas de privação que envolve fatores como a pobreza, desigualdade e exclusão,
Insegurança Alimentar, e falta de moradia adequada. A vulnerabilidade social não segue a mesma
lógica, ela depende do nível de preparo para suportar e responder aos impactos advindos dos eventos
extremos numa determinada população. Muitos fatores determinam o resultado de um perigo sobre
uma comunidade, independentemente das características geofísicas da ameaça, segundo os autores
isto inclui as variáveis ambientais e as diversas formas de exposição socialmente determinadas,
como, por exemplo, a proximidade do rio e do mar, ou a disposição do relevo.
Quanto maior exposição e sensibilidade, maior será a vulnerabilidade e por outro lado, quanto
maior a capacidade de adaptação de um sistema, menor a sua vulnerabilidade. Vale ressaltar que ter
capacidade de adaptação nem sempre significa a utilização efetiva desta capacidade, influenciando
55
assim a determinação da vulnerabilidade (IPCC, 2001), quer dizer, existem outros fatores
determinantes.
“Vulnerabilidade tem se apresentado como um conceito promissor neste sentido, por
incorporar, para além das áreas e populações em risco, também suas capacidades e estratégias
de enfrentamento de situações adversas, incorporando outros elementos além das condições
materiais para a compreensão das situações das famílias e domicílios em risco. Mais do que
isso, vulnerabilidade tem se mostrado um conceito heurístico para adensar o sentido de
segurança e proteção na sociedade contemporânea, funcionando como seu reverso,
permitindo assim que seu enfrentamento signifique a promoção de segurança e de
sustentabilidade, no seu sentido virtuoso” (MARTINS E FERREIRA 2012).
Carvalho, Souza e Santos (2003) e Li, Wang, Liang e Zhou (2006), relacionaram
vulnerabilidade a características do meio físico e biótico (declividade, altitude, temperatura, aridez,
vegetação, solo), à exposição a fontes de pressão ambiental (densidade populacional, uso da terra,
ocupação irregular) e à ocorrência de impactos ambientais (erosão).
56
10
Para aprofundar este tema ler: HOGAN D. J.; MARANDOLA Jr. E.; 2005; Towards na interdisciplinary
conceptualisation of vulnerability. Population, Space and Place. V.11, n. 6, p. 455-471.
ADGER, W. N. 1999. Social vulneraility to climate cange and extremes in coastal Vietnam. World Development, v. 27,
n.2, p 249-269.
WISNER, B.; BLAIKIE, P. M.; CANNON, T.; DAVIS, I.; 2004. At Risk: Natural hazards, People´s vulnerability and
Disaster. 2nd ed. London: Routledge.
VEYRET, Y. 2007. Os Riscos: O homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Ed. Contexto.
MOSER, C. 1998, The asset vulnerability Framework: Reassessing Urban Poverty Reduction Strategies. World
Development, v.26, n.1, p. 1-19.
57
vulnerabilidade climática como sendo o grau de reação dos sistemas humano e ambiental ao
experimentarem uma perturbação ou stress. Normalmente é descrita como sendo função de três
características principais: grau de exposição a fenômenos climatérios, sensibilidade ao clima e
capacidade adaptativa.
Por fim, as ações de adaptação consistem em pôr em prática acordos gestão que respondam
às oportunidades ou ameaças impostas pelas Mudanças Climáticas (MC), como: reassentamento de
pessoas e bens em lugares seguros, relocalização de uma instalação para evitar o risco de cheia ou
alteração das espécies de cultivo para outras que se adéquam melhor ao clima. Compete às
associações de empresas e aos corpos profissionais, bem como aos departamentos governamentais
centrais e locais, auxiliar nesta tarefa.
pensamento acima exposto poderia levar consideração da existência não objetiva do risco, passando
a considerá-lo como acontecendo somente na percepção de cada um, como experiência particular, o
que não corresponde à realidade, pois estes conhecimentos são partilhados e, por tal, sociais na sua
essência.
ESTRATÉGIA
O conceito de estratégia é frequentemente utilizado no sentido militar, porém, este conceito
compreende basicamente a escolha dos meios e a articulação de recursos para atingir objetivos
(HOFER & SCHENDEL, 1978; THIETART, 1984), e que podem por isso tomar a forma de um
plano unificado, compreensivo e integrado, relacionando as vantagens e os desafios do meio
envolvente (JAUCH & GLUECK, 1980).
Na análise sobre a construção de estratégias, Nicolau (2001) vê a formação de estratégia como
um processo que se desenvolve através de uma série de etapas sequenciais, racionais e analíticas,
envolvendo um conjunto de critérios objetivos que são baseados na racionalidade, para auxiliar os
indivíduos na análise das possíveis alternativas e na tomada de decisão.
O termo estratégia pode ser definido das mais diferentes formas técnicas e práticas, e conectadas
com o caráter das diferentes instituições. Pode-se definir estratégia como sendo a determinação de
metas básicas em longo prazo e dos objetivos, e a adoção de linhas de ação para aplicação de
recursos necessários de modo a alcançar certos objetivos (CHANDLER, 1962; ANSOFF, 1990).
Um ponto de vista mais alargado do conceito é partilhado por outros autores11, que consideram a
estratégia como sendo a determinação em longo prazo, das políticas e ações adequadas para atingir
objetivos e a correspondente afetação de recursos, isto é, a estratégia compreende a definição dos
objetivos e a escolha dos meios adequados para se alcançar os fins desejados.
Para a presente pesquisa nos limitamos a considerar estratégias de adaptação aos eventos
extremos. A adaptação pode ocorrer no nível institucional/formal, caracterizada pela existência de
normas e planos de ação aprovadas pelo Governo; Presença de organizações governamentais e não
governamentais a trabalharem em projetos ambientais; Leis aprovadas e aplicadas; Orçamento
direcionado aos problemas ambiental; Programa de adaptação aos riscos ambientais. Estes
elementos demandam estratégia formal, de modo a serem implementados pelo governo, pelas
instituições da sociedade civil, ou por organizações ambientalistas em prol da adaptação aos eventos
11
Tais como: Chandler (1962); Learned, Christensen, Andrews e Guth (1965); Ansoff (1965); Katz (1970); Andrews
(1971); Steiner e Miner (1977), Hax e jutamente com Majluf (1988); Quinn (1980).
61
extremos.
Pode ainda ocorrer no âmbito comunitário caracterizando-se pela existência de ações de livre
iniciativa em prol do bem-estar coletivo e da resolução de problemas ambientais de forma
consolidada, em função de valores tradicionais adquiridos;
As estratégias informais são todas as ações coletivas ou individuais levadas a cabo
sistematicamente pelas comunidades afetadas pela necessidade de maior adaptação aos eventos
ambientais extremos em nível local (residência). Acreditamos que estas ações são determinadas em
função da cultura, da tradição, do conhecimento comunitariamente partilhado pelos indivíduos
vivendo em comunidade.
Nesta tese adotamos a designação de estratégia informal para indicar todas as ações em prol da
adaptação aos eventos ambientais extremos que não estejam necessariamente nos documentos
orientadores do governo (planos, estratégias, diretivas) e nem da comunidade internacional (embora
possam coincidir), mas que sejam praticadas localmente por iniciativa comunitária em função de sua
crença e não por orientação governamental ou científica (ver capítulo IV: O estudo de caso).
RISCO AMBIENTAL
O conceito de risco é complexo, contudo, os estudos deste conceito nas mais variadas áreas
de saber aumentaram o seu entendimento, assim o conceito de risco é comumente definido como a
probabilidade de ocorrência de um evento adverso, relacionado com a intensidade dos danos ou
perdas. Este conceito ganhou relevância na teoria social a partir das contribuições de Beck (Obra:
Sociedade de risco, 1986) e Giddens, Beck & Lash (Obra: Modernização reflexiva, 1997).
Segundo Giddens e Beck é necessário elaborar novos conceitos teóricos para entender as
sociedades contemporâneas. Deste pensamento surge a ideia dos riscos como linha central de suas
análises. Para estes teóricos, os riscos ambientais apesar das graves consequências são conceitos
fundamentais para abarcarmos os processos sociais em curso na sociedade contemporânea, trata-se
de riscos globais, invisíveis e, às vezes, irreversíveis.
Existe um entendimento geral tanto nas ciências sociais e naturais de que risco é a
possibilidade de perigo acontecer. Sem dúvidas o conceito de risco é polissêmico, podendo variar
entre as diferentes áreas de saber, saúde, economia, segurança de trabalho, Sociologia, etc. Risco é a
probabilidade de ocorrer consequências danosas ou perdas esperadas, como resultado de interações
entre um perigo natural e as condições de vulnerabilidade local (UNDP, 2004).
62
12
http://www.ibama.gov.br/qualidade-ambiental/avaliacao-de-risco-ambiental-de-agrotoxicos-no-ibama/pagina-6
13
Existe uma preocupação ligada à ideia de que a dinâmica de dominação da técnica venha a colocar em risco a
perpetuação da espécie humana no planeta, uma vez que conduz a depauperamento dos recursos naturais e da capacidade
regenerativa dos ecossistemas naturais, a este conjunto de características U. Beck chamou de Sociedade de risco.
63
química, do nuclear e da engenharia genética se diferencia por seu caráter global, assim para o autor,
a característica fundamental dos riscos ambientais é sua extensão catastrófica global, o que significa
que os riscos ecológicos de grandes consequências podem provocar situações em que não há
regulamentação que possa restringi-los a grupos sociais específicos. Por esta razão a sociedade de
risco transcenderia as fronteiras políticas, geográficas e sociais (BECK, 1986).
Neste sentido, o U. Beck considera que a sociedade de risco institui uma democratização dos
riscos ecológicos de graves implicações e, assim o denominador comum que separa o local do
global, não serão mais as fronteiras culturais peculiares, mas sim a simples condição de todos serem
expostos aos mesmos riscos e perigos.
Luhmann (1993), diferencia risco de perigo referindo que o perigo que tendia a ser
assinalado nas sociedades anteriores à modernidade, diferentemente das sociedades modernas onde
o risco tende a ser assinalado, isto por causa da grande preocupação com a otimização das
oportunidades e as alternativas razoáveis. É dentro desse entendimento da distinção entre risco e
perigo, que se estabelece o conceito de risco na área ambiental, uma vez que se considera que a
sociedade enquanto alheia aos processos decisórios enfrenta perigos, mas ao tomar parte no processo
decisório torna-se influente e converte suas improbabilidades em risco14.
A esse respeito, Giddens (1995) afirma que a oportunidade e a possibilidade de inovação são
o lado positivo do risco, e defende uma diferenciação básica entre a experiência passiva de risco e a
exploração ativa de ambientes de risco.
Hannigan (1995), na sua busca por uma formulação de uma perspectiva social dos problemas
ambientais, afirma que a vontade da sociedade em reconhecer e resolver os problemas ambientais
depende mais da forma como estas exigências são apresentadas por algum grupo de interesse do que
especificamente pela gravidade do perigo que representam. Neste âmbito, o conhecimento científico
adquire um papel central, pois as comunidades passam a depender cada vez mais da ciência e de
seus emissários para entenderem o que está a acontecer na relação entre eles e a natureza.
A ciência passa a ser um elemento de mediação através do qual os riscos ambientais passam
a ser percebidos, quer dizer, o conhecimento científico passa a ser essencial para a classificação de
14
A sociedade de risco surge no momento em que os riscos se desconectam desses fundamentos do seguro e da
capacidade de calcular, esta é a característica das sociedades industriais do século XIX. Decorrem disto duas grandes
implicações analíticas da teoria da Sociedade de Risco: Primeiro é que o destino da sociedade coloca-se nas mãos dos
“experts” técnico-científicos, e a segunda é que a ciência e a tecnologia não apresentam as soluções para a crise
ambiental, mas constituem a instância de poder sobre a informação e sobre a avaliação do risco, configurando a
reprodução do poder dos técnicos. A sociedade de risco surgiria no momento em que os riscos se desconectam desses
fundamentos do seguro e da capacidade de calcular, esta é a característica das sociedades industriais do século XIX.
(BECK, 1992; 1994; 1995).
64
quem está ou não em situação de risco ambiental. Por isso, Hannigan (1995) defende que os
problemas e as soluções em relação aos riscos ambientais, são resultado de um processo social de
definição, negociação e legitimação tanto na esfera pública quanto na privada, e não apenas concebe
a construção e popularização da problemática ambiental a partir da perspectiva dos peritos que
fazem com que interesses de pequenos grupos prevaleçam em detrimento da sociedade como um
todo, tal qual afirmou Giddens (1995).
A partir daqui surge a forte questão da incompletude do conhecimento, por envolver seres
que são ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais. Enfim, quero
com isto dizer que o risco ambiental só pode ser entendido através da articulação de vários tipos de
conhecimentos. Isto implica reconhecer que os riscos ambientais devem também ser analisados em
termos de valores sociais e ecológicos, valorizando abordagens ligadas aos impactos socioculturais e
ambientais das atividades humanas, tendo como objetivo a proteção do indivíduo na sociedade e da
sociedade na natureza, e, por conseguinte, do ambiente como um todo.
Nesta pesquisa assumo que a definição do risco ambiental abrange os riscos ecológicos,
químicos, nucleares e genéticos, produzidos industrialmente, externados economicamente,
individualizados juridicamente, legitimados cientificamente e politicamente minimizados (BECK,
1986). Os riscos ambientais podem trazer efeitos incontroláveis, sem limites espaciais, temporais ou
sociais, e apresentam sérios desafios às instituições sociais dedicadas à sua gestão, bem como para
as comunidades que os enfrentam cotidianamente.
MUDANÇAS AMBIENTAIS15
A questão da mudança ambiental é reconhecida internacionalmente como prioridade para os
tempos atuais. Desde a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças no Clima (Conferência
Rio-1992), que a concepção das condições ambientais não é mais as mesmas, pois se passou a
considerar que os danos causados ao ambiente são na sua maioria de origem nas ações do homem e
que era necessário mudar esse cenário.
A ação humana surge como principal causador da degradação do ambiente, em função da
lógica de vida atual, o sistema capitalista, que na sua essência não concorre para dar resposta
satisfatória às necessidades básicas e reais da sociedade, mas aumenta a desigualdade social e a
acelerada mudança ambiental.
15
WORLD HEALTH ORGANIZATION CLIMATE: Change and human health: risks and responses. Summary. World Health Organization, 2003.
65
Estas mudanças ambientais interferem diretamente na vida do homem, com efeito, a grande
questão não está nas mudanças em si, mas na velocidade com que elas se processam e na cada vez
menor capacidade de resposta e adaptação. As mudanças ambientais processam-se em diferentes
dimensões das quais destacamos:
1) A dimensão social, que se manifesta através da redefinição de espaços de sociabilidade e
das redes de interação em função das alterações na variação dos componentes ambientais (exemplo:
na precipitação, na temperatura, no aquecimento); sem contar uma crescente escassez de produtos
advindos dos serviços ecossistêmicos (Alimentos, energia, abrigo, remédios).
2) A dimensão pedogenética relativa as alterações dos processos nos quais determinados
solos são formados (remoção, adição, transporte); Nas características do solo; Na morfologia
(Textura, cor, estrutura, consistência, porosidade); Na evolução da paisagem e na saúde do solo
(fertilidade, erosão);
3) A dimensão atmosférica (mudanças climáticas), referente às alterações nas variações
meteorológicas (temperatura, pluviosidade, vento, umidade e pressão do ar); alterações na qualidade
do ar (qualidade dos Gases de efeito estufa); No clima (correntes marítimas e continentais).
4) A dimensão hídrica, diz respeito às alterações no comportamento das marés, ondas,
tsunamis e na composição das águas; Aumento da temperatura e das correntes marítimas;
5) a dimensão vegetal que tem a ver com as alterações na formação vegetal endêmica:
Floresta, Savana, estepe, etc.; Nas condições de desenvolvimento de plantas nativas (luz, calor,
umidade) e nas funções e características vegetais do espaço.
Nesta pesquisa não pretendo levantar um debate focado na existência ou não de mudanças
ambientais, é minha convicção que essas mudanças estão em curso e têm afetado a vida dos
indivíduos de modo geral. Portanto não me vou ater a este ponto, caso o leitor tenha interesse em
aprofundar este debate poderá fazê-lo consultando os relatórios do IPCC e diferentes trabalhos
acadêmicos e de instituições ligadas à temática pelo mundo inteiro.
66
CAPÍTULO
II
INTRODUÇÃO
Moçambique, oficialmente República de Moçambique, é um país situado na costa oriental da
África Austral, limitado a norte pela Tanzânia, a noroeste pela Zâmbia e Malawi, a oeste pela
Suazilândia e pelo Zimbabwe, a sul e a oeste pela África do Sul e a leste pelo Canal de Moçambique
onde faz fronteiras marítimas com as ilhas Comores (Arquipélago), Madagáscar, a coletividade
departamental francesa de Mayotte, as ilhas Juan de Nova, Bassas da Índia, a Ilha Europa,
pertencentes às Ilhas Esparsas das Terras Austrais e as Antárticas Francesas (TAAF) 16.
Segundo René Pélissier (1988), o nome Moçambique, primeiramente foi utilizado para a “ilha de
Moçambique”, que foi a primeira capital da ex-colónia portuguesa e teria derivado do nome de um
comerciante árabe que ali vivera, Mossa Al Bique ou Ben Mussa Mbiki. Entre os séculos X e XIX
existiram no território vários estados Bantus, o mais conhecido foi o império dos Mwenemutapas
(ou Monomotapa).
A história de Moçambique encontra-se documentada pelo menos a partir do século X, quando
um estudioso viajante árabe, Al-Masudi, descreveu uma importante atividade comercial entre as
nações da região do Golfo Pérsico e os "Zanj" da "Bilad as Sofala", que incluía grande parte da costa
norte e centro do atual Moçambique, no entanto, vários achados arqueológicos permitem
caracterizar a pré-história (antes da descoberta da escrita) do país. Provavelmente o evento mais
importante desse período tenha sido a fixação nesta região dos povos bantus que não só eram
agricultores, mas também introduziram a metalurgia do ferro entre os séculos I e IV.
De acordo com Eric Axelson (1973), a penetração portuguesa em Moçambique, iniciada no
início do século XVI, só se efetivou em 1885, com a partilha de África pelas potências europeias,
durante a conferência de Berlim que se transformou numa ocupação militar, com a submissão total
dos estados Bantus ali existentes, levando, no início do século XX, a uma verdadeira administração
colonial.
Depois de uma guerra de libertação colonial que durou cerca de 10 anos (1964-1974),
Moçambique ficou independente na sequência da revolução dos cravos (um golpe de Estado militar,
a 25 de abril de 1974, depondo o regime ora vigente desde 1933, e implantando o regime
democrático), a seguir à qual, o governo colonial assinou com a Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO) os Acordos de Lusaka (07 de Setembro de 1974), na Zâmbia, marcando
entre outros assuntos a data da independência de Moçambique para 25 de Junho de 1975.
16
Fonte: Ministério da Administração Estatal, Perfis Distritais, Direcção nacional de Administração local, edição de
2005, disponível em: http://www.govnet.gov.mz/
68
17
Este capítulo da tese é em parte baseado na dissertação de mestrado intitulada: “O PROCESSO DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL EM MOÇAMBIQUE, 1980 – 2000”, defendida na
Universidade Federal Fluminense (PPGS) no ano de 2014. Nela destacamos o fato de na década 80 em Moçambique,
ter-se iniciado uma transição de um sistema econômico centralmente planificado para uma economia de mercado, e o
fato de este processo ter sido marcado por uma gradual descentralização da administração pública e pela consideração
transversal das questões ambientais. Fundamentados no fato de hodiernamente, as pesquisas e estudos ambientais
apresentarem-se globalmente como primordiais para a multiplicidade de campos do saber, procuramos com esse estudo,
refletir sobre o processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique, tendo como principal objetivo,
entender os contornos políticos e econômicos, do que consideramos como tendo sido o início do processo de
institucionalização da questão ambiental (de 1980 a 2000). Apresentamos aqui os resultados nela obtidos, por se
mostrarem pertinentes e ricos em dados e fatos que nos auxiliarão a melhor explorar o objeto da tese pretendemos aqui
defender.
69
constituíam uma crescente preocupação global, concretamente por causar danos ao ambiente e ao
sistema climático, perigando a vida dos seres vivos na Terra, (AMARAL, 2014).
Com vista a reverter esta situação, o governo moçambicano aderiu às várias iniciativas
mundiais, por forma a permitir que o planeta continue habitável para a presente e as futuras gerações,
destacando-se como exemplos, as convenções do Rio-92 que contempla a Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (em inglês UNFCCC), Combate à Seca e Desertificação
(em inglês CCD) e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (em inglês CBD), os princípios
ratificados formalmente na CQNUMC (Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças
Climáticas) e o Protocolo de Quioto.
Nisto, fica claro que o fenômeno ambiental em Moçambique é sem dúvida resultado da
interação entre dois grandes atores: por um lado o Estado e o Governo Moçambicano (de 1975 em
diante) e por outro, as instituições transnacionais como a ONU, o Banco Mundial, o FMI.
De acordo com Amaral (2014), a história de Moçambique nesse período iniciado na década
1980, foi marcada por redefinições aos mais diversos níveis das esferas sociais, evidenciadas por
uma série de movimentos (econômicos, políticos), com o intuito de modificar as políticas públicas,
os processos produtivos e o estilo de vida da sociedade, em favor de um modelo de desenvolvimento
que se pretende sustentável em todos os níveis das esferas sociais, com o objetivo de incorporar
práticas ambientalmente sustentáveis em todas as componentes da vida humana moçambicana. Estas
transformações sofridas no quadro político-econômico moçambicano enquadram-se no nível global
num contexto histórico marcado por controvérsias ambientais no nível político e econômico.
Moçambique viveu as consequências da mudança de paradigmas de desenvolvimento no
nível global, onde se passou de uma visão do mundo que pregava a ideia de um desenvolvimento
baseado no crescimento econômico contínuo, na conquista e transformação da natureza, na
utilização excessiva dos recursos, na produção industrial em massa, para uma nova visão marcada
pelo paradigma da sustentabilidade.
De fato a política pública ambiental de Moçambique sofreu influência direta das
consequências globais da conferência de Estocolmo (1972) e da abordagem do Eco-
desenvolvimento (SACHS, 1976). Onde o ambiente passou a ser entendido como aspecto transversal
de um modelo de desenvolvimento que somente se tornava possível pelo equacionamento do
trinômio: equilíbrio ecológico, eficiência econômica e equidade social (CARVALHO, 1987).
Esta proposta reformou a trajetória socioeconômica global, fazendo com que medidas a todos
os níveis fossem acionadas para substituir o modelo de produção crescente pelo do equilíbrio global,
70
lançando mão desta via intermediária surgida em junho de 1973, acrescentando para além das
questões ambientais, as sociais, as de gestão participativa, ética e a cultural, (GONÇALVES, 2005;
ONU, UICN, WWF: Relatório Brundtland).
De acordo com Amaral (2014) as convenções uma vez ratificadas abriram portas para o
alcance de vários benefícios, sobretudo econômicos e políticos, que devido ao contexto
moçambicano se tornaram verdadeiras boias de salvação, na medida em que se apresentavam como
pacotes completos não só instruindo sobre como implementar as convenções, mas também
acompanhados de programas de financiamento, educação, treinamento, informação e formação
pública, participação do público, acesso do público à informação e cooperação internacional,
justamente para incentivar ações que facilitariam a implementação das convenções ambientais, de
modo a favorecer o desenvolvimento e a transferência de tecnologias para os países menos
desenvolvidos, através de fundos das convenções, fundos dos protocolos, entre outros (CQNUMC,
art.º 4 e 6, Cop7, 8).
Num compito geral as instituições ambientais moçambicanas apresentam hoje uma estrutura,
regulada por normas, regras e códigos de conduta sancionados pelo Estado, e que demandam uma
organização hierárquica (autoridade e subordinação). Este quadro institucional ambiental
moçambicano cristalizou-se consideravelmente na década 1990, anos nos quais a questão ambiental
foi alargada a quase todos os sectores do Estado moçambicano, por um lado como forma de realizar
várias das recomendações surgidas na conferência de Estocolmo e por outro, como forma de
apetrechar e modernizar o quadro político ambiental nacional (AMARAL, 2014).
Com este estudo foi possível observar uma crescente institucionalização ambiental em
Moçambique, contudo, apesar de estar estabelecido um quadro burocrático eficiente, em termos de
possibilidade de associativismo em prol do ambiente, consideramos uma forte necessidade de
articulação de meios a todos os níveis, desde o governamental, movimentos sociais, parceiros
nacionais e internacionais, e outros envolvidos, de modo que a demanda ambiental se torne
institucionalizada ao nível da consciência do cidadão moçambicano, garantido assim maior êxito na
implementação das políticas públicas ambientais e, funcionando como verdadeiros meios através
dos quais o cidadão moçambicano pode ajustar-se ao ambiente natural, social e/ou sobrenatural18.
As instituições moçambicanas voltadas para o ambiente desempenham um papel
fundamental no processo de socialização enquanto instituições culturais, na medida em que definem
18
Na medida em que muitas das áreas conservadas ou de conservação ambiental em Moçambique, são também
determinadas em função de práticas mágico-religiosas ligadas ao território, são espaços sagrados.
71
racionalidade ambiental, visando como resultado o justo reconhecimento dos interesses de todas
racionalidades e esferas da ação social de acordo com critérios e fins peculiares.
O nosso recorte temporal permitiu identificar a primeira ação governamental em prol da
questão ambiental nos anos 80, o que não quer indicar que de 1975 a 1980, não tenha existido
nenhuma ação em prol do ambiente, como por exemplo, o regulamento para proteção das florestas e
a necessidade da dinamização da agricultura, estas e outras ações eram favoráveis ao ambiente, mas
não tomadas e realizadas com a visão sobre a problemática ambiental, introduzida a partir de 1980
sobre a questão ambiental global e seus imperativos a escala global e local, contudo observamos que
o grau de institucionalização ambiental em Moçambique no período de 1980 a 2000 foi insipiente e
marcado pela grande necessidade do aprimoramento dos recursos humanos e da capacidade de autos
sustento em termos de recursos financeiros.
Apesar de toda influência externa que possa ter existido neste processo de institucionalização
ambiental, é importante não colocar em causa a soberania do Estado moçambicano nestas
negociações com as instituições multinacionais, na medida em que a adesão do governo
Moçambicano à agenda ambiental global foi uma ação racional e hegemônica, visando a
incorporação da componente ambiental global, para análise e resolução de problemas no nível local.
Além disto, independentemente do modo como surgiu à questão ambiental em Moçambique,
esta representou um ganho e um avanço na medida em que permitiu uma maior tomada de
consciência em relação a necessidade de uso sustentável do ambiente ainda que no nível
institucional, conquanto o fato dos fatores exógenos terem influenciado o processo de surgimento da
questão ambiental em Moçambique, não significa que tenha sido por imposição, mas sim através de
um processo negociado.
19
Este trabalho se limita à análise e consideração destes 3 períodos, visto que atualmente, a gestão do Presidente Felipe
Jacinto Nhusy reestruturou as responsabilidades, a nomenclatura dos ministérios, marcando assim, o fim do que
consideramos como sendo o segundo período do processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique.
73
De todo eles, o que mais tempo ficou no poder foi Joaquim Alberto Chissano (de 1986 a
2004). Nestes 18 anos de governo, foi responsável pelos maiores avanços, em termos quantitativos e
qualitativos, dados na área do ambiente em Moçambique, principalmente no que se refere ao âmbito
institucional e das políticas públicas, bem como teve um direcionamento claro rumo ao alinhamento
com as práticas internacionais ligadas ao ambiente e ao respeito pela adequação econômica a uma
condicionante ambiental.
Ao longo dos 10 anos de governo de Armando Emilio Guebuza (2004 a 2014), tivemos um
recrudescimento do debate ambiental, o que foi benéfico para criar a ponte entre as políticas
públicas aprovadas e a quase que inexistente implementação das mesmas e a necessidade da
auscultação as populações.
Este cenário foi devido à descoberta de diversos recursos naturais, especificamente carvão
mineral e gás natural, e a necessidade de sua exploração e consequente imperativo de
reassentamento das populações, bem como a necessidade de compensações ambientais às
comunidades envolvidas. Sem dúvidas, nesta gestão o grande desafio foi a questão do uso da terra.
No período (1980-2015) vários acontecimentos ditaram a consolidação do quadro
institucional interno, passamos a apresentar alguns acontecimentos (Tabela 02), de modo a ilustrar
este avanço em termos de qualidade do quadro institucional ambiental Moçambicano.
Segundo nossa perspectiva de análise, a institucionalização deu-se em dois períodos: o primeiro que vai de 1980 – 2000
e o segundo que vai de 2000 a 2015, portanto 35 anos de história ambiental.
74
majoritariamente jovem, cerca de 45 % do total da população tem idade igual ou inferior a 15 anos,
e ao fato de a taxa de natalidade ter-se mantido estável e se ter reduzido as taxas de mortalidade. Em
termos gráficos este processo de aumento demográfico foi assim esquematizado pelo INE:
milhões/hab.
UNIDADE
ANO
Este crescimento populacional acelerado impactou o ambiente de diferentes formas, pois que a
reprodução e sobrevivência dos membros de uma dada comunidade, bem como a sobrevivência da
flora e da fauna locais, dependem da diversidade do ecossistema e das várias formas de uso e
adaptação ao meio (MENESES, 2001: 4).
Com efeito, segundo o censo de 2007, a população urbana, totalizava 6.282.632, equivalendo a
30% do total da população do país, a taxa de masculinidade urbana era de 48,7% como resultado de
um total de 9.897.116 homens urbanos e 10.682.149 mulheres urbanas, os restantes 70% da
população se encontrava vivendo fora da cidade e nos campos.
A considerar esta relação entre diversidade linguística e diversidade biológica, cabe dizer que no
contexto moçambicano são valorizadas todas as línguas nacionais como patrimônio cultural e
educacional e se promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da
identidade moçambicana (Artigo 09 da Constituição da República de Moçambique de 2004).
Nesse âmbito foram identificadas em Moçambique diversas línguas nacionais, num total de 43,
todas da grande família das línguas bantu, sendo as principais, partindo do sul para norte do país:
XiTsonga, XiChope, BiTonga, XiSena, XiShona, ciNyungwe, eChuwabo, eMacua, eKoti, eLomwe,
ciNyanja, ciYao, XiMaconde e kiMwani. Contudo, a língua portuguesa é a língua oficial (artigo 10
da nova Constituição da República de Moçambique, 2004), não obstante ser a língua materna de
apenas 6% do total da população (INE 1997).
Considerando, pois que a cultura e o ambiente não existem de modo separado, mas coexistem
como realidade una e indivisível, se entende que não é adequado abordar um ou de outro como
elementos separados, querendo assim assinalar que a comunidade se insere no meio onde vive e dela
depende para sobreviver, tendo, portanto um total interesse em assegurar a preservação desse meio
enquanto patrimônio biológico, surgindo daí uma relação de interdependência, e a pertinência da
consideração da diversidade enquanto unidade biocultural (REIS, 2006; ZENT, 2003), o que implica
afirmar que qualquer variação em termos de diversidade cultural, origina necessariamente uma
variação em termos de biodiversidade e vice-versa (UNESCO, 2002).
Assim, quanto maior for a dificuldade em se preservar o ambiente, maior será a perda em termos
culturais, quer dizer, a extinção da diversidade cultural favorece a extinção da diversidade biológica.
Esta relação vem somente assinalar que nenhuma estratégia de preservação ambiental pode ser
levada a cabo de modo desconecto com a preservação das culturas locais. Assim, qualquer tentativa
de homogeneização cultural, em Moçambique ou em qualquer parte do mundo, seria um atentado ao
ambiente, por não reconhecer ou por desconsiderar a existência desta complementaridade entre
cultura e ambiente. Queremos com estas considerações assinalar o quanto a diversidade cultural
Moçambicana é um elemento a ser considerado em todas as ações em prol do ambiente, por ser
revelador da diversidade ambiental do território moçambicano.
Seria primordial o envolvimento real das comunidades de modo efetivo, visto a diversidade
cultural e os diferentes modos de envolvimento com o ambiente pelas diferentes comunidades em
Moçambique, assim, para a institucionalização da questão ambiental no nível de base e da
consciência moral dos cidadãos acreditamos fortemente que o ideal seria uma maior interação com
78
as comunidades locais a todos os níveis do contexto social moçambicano, o que introduziria novos
vetores ao processo de institucionalização da questão ambiental em Moçambique.
20
Para mais detalhes, consultar: http://www.italcoopmoz.com/docs/nostre_pubblicazioni/quaderno_1.pdf
79
desigualdades socioeconômicas, pois que esta situação criou vários problemas na vida da população
moçambicana acostumada a um estado paternalista e providente21.
O que fica claro é que a abertura do regime político foi ditada, entre outros fatores, pela crise
econômica em que o país se encontrava e pelas consequências das guerras. A abertura político-
econômica teve o mérito de trazer juntamente com o pacote das reformas, a novidade da questão
ambiental como um tema transversal, pois definia como prioridades para o desenvolvimento do país
o restabelecimento da agropecuária, o abastecimento de água potável e o restabelecimento dos
serviços básicos de saúde e saneamento do meio (PNGA, 1996).
No entanto em Moçambique, este quadro se afigurou deveras interessante na medida em que
53% da população, no período de 1980 a 2000, viviam na pobreza absoluta, quer dizer, com menos
de um dólar por dia, e enfrentava a falta de acesso à educação, bem como acesso as condições
básicas de vida, como por exemplo, o abastecimento de água e saneamento básico, o que conduzia a
que a maioria da população vivesse dependendo diretamente dos ecossistemas naturais.
Assim, a ideia central da economia do ambiente em Moçambique passou pela união entre a luta
contra a pobreza e a luta pela conservação ambiental, conforme está plasmado nas ideias surgidas
em Estocolmo e refletidas no 7º objetivo do Milênio, que aborda as questões de integração dos
princípios de desenvolvimento sustentáveis nas políticas e programas dos países no nível global,
com vista a reverter a degradação e a perda dos recursos naturais (AMARAL, 2014).
Neste Contexto, os financiamentos canalizados através do MDL, ao abrigo da CQNUMC, foram
bem-vindos para o alcance de alguns dos objetivos no quadro do desenvolvimento, designadamente,
o alívio a pobreza a partir da geração de emprego e de rendimentos; Impulsão ao desenvolvimento
rural; Racionalização no uso de energia através do aumento na eficiência e conservação de energia;
Promoção do uso de energias renováveis, reduzindo a dependência na importação dos combustíveis
fósseis, aproveitamento do lixo para a geração de energia, transferência de tecnologias modernas e
de recursos financeiros para o país; Melhoramento no uso da terra, promoção de projetos de
florestamento e reflorestamento e melhoramento do ambiente, com maior ênfase dada a gestão do
risco e calamidades naturais, nos programas e estratégias ambientais do governo para as queimadas e
saneamento do meio e que conduziram a profundas reformas na política pública ambiental em
Moçambique (PNGA, 1996).
Neves, A. Carvalho “Alocação do crédito como factor de desenvolvimento das PME’s em Moçambique”, Fevereiro de
21
2003.
80
Outro aspecto a considerar nesta relação entre economia e ambiente em Moçambique é que este
país desde a independência dependeu de ajuda externa para implementação de grande parte das suas
iniciativas de desenvolvimento, inclusive para a área ambiental, atualmente a economia do país
tende a tornar-se mais forte, considerando que 55% do orçamento do estado provem de fontes
internas e os restantes 45% provem de fontes externas. Considerando, por exemplo, que em 1998 a
dívida externa de Moçambique atingiu cerca de 06 (seis) mil milhões de dólares (PLANO
ECONÔMICO E SOCIAL, 2010).
O Governo moçambicano investe 60% do bolo orçamental destinadas ao ambiente em atividades
de saneamento básico, 29% em atividades ambientais ligadas ao turismo, 2% para Agricultura e 6%
é destinado ao MICOA. Apesar da política da descentralização econômica adotada desde os anos
1980, o Ministério para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) desde a sua criação em 1994,
continuou dependente dos fundos do Orçamento do Estado, que servem essencialmente para cobrir
custos administrativos e para implementar suas atividades, sendo que a maioria dos recursos para a
preservação do ambiente e combate aos impactos ambientais negativos, provém de parceiros
estrangeiros de cooperação, pois que as instituições estatais moçambicanas ainda continuam sem
capacidade de recolher receitas suficientes. Trata-se de dependência econômica de um país
politicamente independente, mas que tem condicionadas suas decisões às economias desenvolvidas,
das quais depende22.
O setor do ambiente em Moçambique e as questões ambientais seguem sendo temas transversais
e não prioritários apenas USD10 milhões correspondem ao financiamento direto ao MICOA e seus
órgãos tutelados e subordinados, o que não ultrapassa 1,2% (USD 71 milhões) da despesa global do
Estado, cifra que é inferior a recomendada pelo banco mundial para despesas com o ambiente (1,4%
e 2,5% do PIB), a visão transversal sobre as questões ambientais visa garantir que todos os atores
envolvidos no processo de desenvolvimento realizem devidamente o seu papel na preservação do
ambiente rural e urbano (REAM, 2011; CABRAL E FRANCISCO, 2008).
Contudo, o governo reconhece que esta situação de dependência da maioria da população aos
recursos naturais impõe a necessidade do reconhecimento de que qualquer programa de combate à
pobreza passará por um aprofundamento cada vez maior do modo como os recursos naturais são
conservados e explorados, em quantidade e qualidade de maneira que contribuam para geração de
renda nacional.
22
UN-HABITAT: Perfil do sector urbano em Moçambique, 2007, Págs. 4, 20 e 21
82
O grande calcanhar de Aquiles está na ocupação desordenada do espaço físico, que no entender
do governo contribui para uma maior degradação ambiental, para exacerbar problemas de saúde,
intensificando a existência de doenças endêmicas como a cólera e a malária. Assim, o problema
central é o êxodo rural e o aumento do número de habitantes urbanos e o incremento dos problemas
ambientais, pela dependência direta do ecossistema para a sobrevivência (REAM, 2011).
Desde o início do processo ambiental, as instituições governamentais moçambicanas contaram
com o apoio de diferentes organizações internacionais, este financiamento em prol do ambiente
passou por uma lógica dualista, por onde, os critérios para financiar as atividades ambientais
necessariamente tinham de espelhar os interesses do governo, ou seja, tinham de ser prioridade para
o governo, e por outro lado tinha de ser definido em comum acordo com as políticas das
organizações financiadoras.
Esta situação foi sem dúvida um terreno fértil para a proliferação de uma prática mercadológica
na operacionalização da questão ambiental, pois que pela ausência da descentralização, as
instituições ambientais Moçambicanas não conseguem recolher receitas, e as poucas que são
arrecadadas, pelos órgãos municipais e distritais, são canalizadas ao FUNUAB (Fundo Nacional do
Ambiente que em 2016 passou a designar-se Fundo Nacional de desenvolvimento sustentável,
FNDS), para posterior distribuição.
Esta situação coloca as instituições ambientais dependentes do orçamento do estado e aquém do
cumprimento de suas responsabilidades, e neste sentido, certo número específico de deveres,
comprometimentos e incentivos para a reestruturação ambiental em Moçambique, se deslocam da
esfera do Estado, financeiramente dependente, para o âmbito do mercado, quer dizer, as políticas
públicas ambientais necessariamente passariam a ser influenciadas, ainda que parcialmente, pela
lógica do mercado, funcionando como instrumentos beneplácitos das vontades do capital financeiro.
Nesta lógica incide o desconforto, por parte dos órgãos estatais, face ao financiamento direto
conseguido pelas organizações não governamentais ligadas a problemática ambiental, pois a atuação
dessas organizações tem sido mais incisiva, pois que com o surgimento das ONGs ambientais, o
papel do Estado e das políticas públicas ambientais, deslocou-se de uma ação ambiental proativa
para uma preventiva; de uma ação política centralizada e burocrática para uma mais participativa, e
de uma direção governamental nacional para uma mais contextual.
Neste âmbito, o papel do governo moçambicano se transformou lentamente numa necessidade
funcional fortalecida e reinventada, sempre que a proteção ambiental e a competição mercantil
estivessem em jogo. Vários fatores dificultam ainda a autonomia das instituições ambientais
83
23
Vide: Lourenço, Vítor Alexandre, Estado, Autoridades Tradicionais e "Transição Democrática" em Moçambique,
Cadernos de Estudos Africanos (Lisboa), 16/17, 2008/2009, pp.115-137.
84
inserção de Moçambique nos diversos órgãos político-econômicos no nível global, com efeito,
Moçambique passou a tomar parte como membro da ONU, da União Africana (UA), da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da Commonwealth, da comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral (SADC) desde 1996, e também da OCI - Organização da
Conferência Islâmica (PNGA, 1996).
Em Moçambique, as leis e políticas relativas ao ambiente enquadram-se nos princípios fixados
pela primeira constituição da República de 1990, bem como na atual de 2004, pela Lei nº 20/97 de
01 de Outubro, mas conhecida por Lei do Ambiente, e pela regulamentação aprovada pelo Conselho
de Ministros, e tem como objetivo promover a utilização sustentável dos recursos naturais,
pugnando pela inclusão dos princípios e práticas ambientais no esforço nacional de reconstrução e
desenvolvimento do País, estabelecendo as políticas e a legislação apropriadas para esse efeito.
A Constituição da República de Moçambique (CRM, 2004) reza que: “O Estado deve promover
iniciativas para a garantia do equilíbrio ecológico, e para a conservação e preservação do ambiente,
tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos moçambicanos”.
Tendo como propósito garantir o direito ao ambiente no quadro de um desenvolvimento
sustentável, o Estado moçambicano adotou várias políticas visando à integração dos objetivos
ambientais nas políticas setoriais, tais como prevenir a poluição e a erosão, promover a integração
dos valores do ambiente nas políticas e programas de educação, garantir o aproveitamento racional
dos recursos naturais com salvaguarda da sua capacidade de renovação, bem como promover o
ordenamento do território com vista a uma eficaz alocação das atividades num plano de
desenvolvimento socioeconômico equilibrado.
A Constituição da República de Moçambique (2004), no seu artigo 90.º, consagra como direito
fundamental o direito de o cidadão moçambicano viver num ambiente equilibrado e o dever de
defendê-lo, e o Estado tem as suas responsabilidades acrescidas pelo fato de ele próprio ser o
proprietário dos recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar
territorial na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, conforme discorre o artigo 98.º
da CRM (2004), e é este aspeto que justifica a criação e/ou adoção de medidas concretas e
coordenadas no nível interno, da região e do mundo em geral, com vista a uma expansão de ações
que confluam para o uso racional de recursos naturais, bem como a manutenção do equilíbrio
ambiental.
Foi compreendendo estas responsabilidades, que na década 1990 ao nível interno, foram criadas
políticas e estratégias setoriais com uma variedade de aspetos fundamentais que observam os
85
princípios para o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação do ambiente, em prol de um
desenvolvimento sustentável.
Nessa perspectiva Moçambique apresenta uma política Nacional do Ambiente, aprovada pela
Resolução n.º 5/95, de 03 de Agosto, que representa a base para o desenvolvimento sustentável no
país, visando o desarraigamento progressivo da pobreza e a melhoria da qualidade de vida, bem
como a redução dos danos sobre o meio-ambiente, cujo objetivo principal é assegurar um
desenvolvimento sustentável, ponderando as suas condições específicas através de um compromisso
aceitável e realístico entre o progresso socioeconômico e a proteção do ambiente.
Como política setorial o quadro legal moçambicano apresenta, por exemplo: a) A Política e
Estratégia Industrial; b) A Política Nacional de Terras e as Respectivas Estratégias de execução; c)
A política Energética; d) A Política e Estratégia de Desenvolvimento de Florestas e Fauna Bravia.
Conforme frisamos anteriormente o princípio de gestão integrada dos recursos naturais foi uma
novidade que surgiu como resultado da mudança de uma visão conservacionista da natureza e dos
seus recursos, principalmente da flora e fauna selvagem no nível do globo e particularmente do
governo moçambicano, para a adopção do paradigma da sustentabilidade.
A ideia da proteção da natureza exprimia-se pela adopção de medidas destinadas à proteção de
determinadas espécies animais e vegetais, com fracos resultados por não focarem no todo dos
ecossistemas da qual essas espécies fazem parte, e foi com a conferência de Estocolmo (1972, 4º
principio) que se procedeu a ligação da conservação das espécies de flora e fauna a proteção do seu
ecossistema, abandonando-se a perspectiva de proteção insulada de determinadas espécies ditas em
extinção. Justamente 20 anos mais tarde, em 1992, avançou-se um passo fundamental na percepção
do conceito de gestão integrada e sua operacionalização com a elaboração da Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas a qual Moçambique ratificou.
É neste contexto que se inicia um conjunto de ações com vista a organizar uma proposta de lei
ambiental para o Estado Moçambicano, e assim, seguindo as orientações e o entusiasmo do
movimento ambientalista pós Rio-92, o quadro legal moçambicano foi apetrechado na segunda
metade da década de 90, passando a ser composto por diversos instrumentos legais, nomeadamente:
a Lei n. º 20/97, promulgada a 01 de Outubro de 1997, informalmente conhecida por Lei do
ambiente - que surge com o objetivo de constituir-se num quadro legal básico para a gestão correta
do ambiente e seus recursos de modo a assegurar esse desenvolvimento sustentável, tão almejado no
nível nacional e internacional.
86
de 01 de Outubro; A Lei de Florestas e Fauna Bravia, Lei n.º 10/99, de 07 de Julho. Existem outros
instrumentos que compõem o quadro da política ambiental moçambicana, tais como: A Lei dos
Petróleos, Lei n.º 03/2001, de 03 de Outubro, Lei de Minas, Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho, Lei do
Turismo, Lei n.º 04/2004, de 17 de Junho.
demonstrar sua convicção de que os problemas ambientais de origem humana podiam ter solução
através da educação cívica e a participação pública no processo de gestão ambiental.
Analisando o discurso governamental neste período, conclui-se facilmente que a problemática
ambiental estava associada também a difícil gestão do ambiente em Moçambique, em virtude da
existência de dois sistemas socioeconômicos em permanente competição e por vezes com interesses
conflituosos, designadamente, o sector tradicional dito informal e rural por um lado, que se utiliza
do ambiente para sua sobrevivência e o sector moderno, dito formal e urbano, que explora o
ambiente para obtenção de lucro.
Neste período, as dificuldades de gestão ambiental tornaram-se mais graves, devido a fraca
capacidade humana, material e financeira por parte do órgão de tutela ambiental e de outras
instituições governamentais envolvidas. Por onde se conclui que a questão ambiental em
Moçambique foi construída ao nível do governo tendo como contexto, acentuada dependência
financeira, a ilegalidade e a necessidade de incremento da capacidade dos recursos humanos. É
assim, por exemplo, que o governo Moçambicano vai se associar a diferentes instituições
internacionais, capazes de financiar formações em ambiente, capacitações institucionais e a
resolução dos problemas ambientais ou dos objetos de risco, segundo ilação do pensamento de
Becker (1992) e Best (1989).
Segundo documentos oficiais do MICOA, as ações políticas na área do ambiente começaram
após a independência em 1975, com aprovação da política de combate as queimadas e com as
campanhas de saneamento do meio em diferentes sectores, contudo foi a partir dos anos 80 que a
noção ambiental começou a ser sistematizada e a merecer uma atenção especial, o que culminou no
estabelecimento, em 1982, da Unidade de Gestão Ambiental, como sede no Instituto Nacional de
Planejamento Físico (INPF), cujo objetivo fundamental era arquitetar um aparelho institucional
capaz de integrar os princípios ambientais no processo de desenvolvimento do país. Nos termos do
Artigo 06 da Lei do Ambiente, foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável
(CONDES) que é um Órgão Consultivo do Conselho de Ministros e Fórum de auscultação da
opinião pública sobre as questões ambientais e que legisla sobre as medidas de proteção do ambiente,
a prevenção dos danos ambientais, os direitos e deveres dos cidadãos, as responsabilidades,
infrações e sanções na fiscalização ambiental, contando com a participação das comunidades
(RELATÓRIO NACIONAL DA CONSULTORIA DE MOÇAMBIQUE, 2009).
A partir de 1985, com a assistência do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA,
ou UNEP sigla em Inglês) e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), foi
89
A natureza das exigências e suas afirmações retóricas da sociedade civil em relação à questão
ambiental passavam consequentemente pela necessidade de proteção do ambiente; Assim a
sociedade civil moçambicana passou a defender que a educação ambiental é uma das medidas
urgentes, pois esta permitia uma interação entre os vários parceiros na resolução dos problemas,
tornando-os mais conscientes e preocupados em reagir para reduzir o impacto no ambiente,
proporcionando um plano preciso e bastante definido, que consolidasse cada um dos núcleos de
população existentes, com isto exigindo do governo políticas realísticas cuja execução fosse notável.
A sociedade civil baseava as suas afirmações retóricas, na consideração dos cidadãos, como
vítimas da indolência do governo em oferecer uma educação ambiental de qualidade a população.
Deste modo as suas conclusões vão apoiar as inquietações do Governo moçambicano, que como
apontamos acima, incide sobre o problema da escassez de recursos financeiros e humanos para
cuidar do ambiente, baseando suas atuações na sugestão de um conjunto de ações necessárias e que
devidamente implementadas evitariam gastos econômicos (AMARAL, 2014a).
Contudo, foi neste segundo período, de 1992 a 2000, que a responsabilidade global pela gestão
ambiental no âmbito político, econômico e social passou a ser do Ministério para Coordenação da
Acção Ambiental (MICOA), que é o órgão central do aparelho de Estado que dirige a execução da
política do ambiente, coordena e assessora, controla e incentiva uma correta planificação e utilização
dos recursos naturais do país, de acordo com os princípios, objetivos e tarefas definidas pelo
Conselho de Ministros.
É importante entender aqui, que ao adotar as ideias e exigências sobre o ambiente, Moçambique
entrou no grande dilema da abordagem econômica neoclássica que pode resumir-se no fato de se
desejar um crescimento econômico para se eliminar a pobreza, sendo que os moldes de crescimento
econômicos anteriormente estabelecidos sobrecarregavam o ambiente (ROMEIRO n. 102, Set. 2001;
CAVALCANTI, 1996, Pág. 322-323), nascendo deste fato a necessidade governamental de
regulamentação jurídica e uma constante procura de justiça ambiental efetiva, despontando daí a
necessidade da reforma no quadro legal moçambicano.
Foi assim que a 03 de Junho de 1992 foi criada a Comissão Nacional do Ambiente (CNA), por
Decreto do Presidente Joaquim Alberto Chissano, com a missão de coordenar no nível nacional as
atividades do domínio do ambiente, promovendo a gestão, preservação e utilização racionais da base
dos recursos naturais do país, impulsionar e apoiar a educação dos moçambicanos em matéria de
ambiente e fomentar a interdisciplinaridade nas estruturas executoras das ações de aproveitamento
dos recursos naturais.
91
Esta comissão surge como necessidade de se criar um órgão que coordenasse e tratasse dos
assuntos referentes ao ambiente, dado a fato de o governo Moçambicano ter ratificado a convenção
Africana sobre a conservação da natureza e dos recursos naturais, a convenção sobre o comércio
internacional das espécies da fauna e flora silvestres, declaradas como ameaçadas de extinção, e
ainda pelo fato de Moçambique ter-se inscrito na União Internacional para Conservação da Natureza
e dos recursos naturais (UICN), instituição que financiou atividades visando à institucionalização da
questão ambiental em Moçambique.
De um modo geral, a situação ambiental em Moçambique avançou bastante. Esse avanço
refletiu-se na promulgação e divulgação de várias políticas nacionais ligadas a área ambiental,
refletida na interiorização de responsabilidades pelo governo, sobre a gestão e conservação do
ambiente em todas suas estratégias, políticas e sectores institucionais. Assim, no quadro institucional
moçambicano ligado ao ambiente, notamos a existência de uma questão profunda que podemos
resumir como sendo a existência de instituições ambientais econômica e politicamente dependentes
de financiamento externo e na ausência de uma solução economicamente sustentável a escala
nacional.
Apesar da descentralização política, o Ministério para Coordenação da Ação Ambiental ainda
depende dos fundos do Orçamento do Estado ao nível central, fundo este que é usado
essencialmente para cobrir custos administrativos e para implementar suas atividades ambientais,
sendo que a maioria dos recursos para a preservação do ambiente e combate aos impactos
ambientais negativos provém de parceiros de cooperação, pois as instituições estatais ainda
continuam “incapazes” de colher receitas satisfatórias provenientes por exemplo das avaliações de
impacto ambiental.
Nesta análise do processo da institucionalização ambiental em Moçambique, pôde-se notar a
existência de instituições ambientais subordinadas econômica e politicamente ao financiamento
externo das organizações internacionais ligadas ao desenvolvimento e sua sustentabilidade, devido a
ausência de soluções política e economicamente viáveis a escala nacional.
Claramente que a emancipação em relação ao financiamento externo internacional para a
tomada de decisões que resultem na durabilidade das ações ambientais, tem como uma das
condições a gerência sustentável dos recursos ambientais à escala local, o que demanda uma
independência, não somente política, mas também econômica e implica um processo participativo e
democrático, permitindo o exercício de uma cidadania ambiental ativa (UN-Habitat, 2007), por onde
92
24
Surgido em 1997, criado pelo General Armando Bruno João Sapembe, antigo combatente da Frelimo, influenciado por
um grupo de amigos empresários portugueses, que financiaram as ações para consolidação do movimento enquanto
partido politico, a ideia inicial era constituir um grupo de pressão política para os assuntos ecológicos, ligados ao
aquecimento global, a proteção da fauna e da flora.
25
Liderado por Alberto Ismael, dissidente, do PVM.
26
Liderado por João Massango, dissidente do PVM.
94
eleitoral, reaparecendo nas vésperas dos pleitos eleitorais, impulsionados, dentre vários motivos,
pelos recursos que lhes têm sido facultados pela comunidade internacional via Comissão Nacional
de Eleições (CNE), e isto é de tal importância que nas eleições de 2004, este valor de “ajuda” já
equivalia a aproximadamente 2 milhões de dólares americanos (AFRIMAP, 2009).
Apesar de parecer uma irregularidade em outros meios, no contexto político moçambicano, o
financiamento dos partidos políticos é regulado pelo disposto no Acordo Geral de Paz e na Lei dos
Partidos Políticos (Lei no. 7/91) bem como na legislação eleitoral em vigor, a qual também
comporta disposições sobre o financiamento político dirigido especialmente ao exercício da
campanha eleitoral 27 . Ironicamente, estes movimentos ecológicos conseguiam também arrecadar
dinheiro, advindo dos apoios que tem dado as campanhas políticas de outros partidos políticos,
através da disponibilização do seu eleitorado, contudo, o desempenho do estado moçambicano em
“ajudar” estas organizações expõe o interesse, por parte do governo, de que estas questões
ambientais estejam na pauta da agenda política do país, todavia, o manifesto dos verdes
representados pelo PVM, alcançou somente 0.40% do total dos votos nas eleições de 2004, ou seja,
nunca alcançaram assentos no parlamento, o que não lhes daria direito por lei eleitoral a nenhum
financiamento (EUROPA WORLD YEAR BOOK 02).
No concernente a prestação de contas desse financiamento político em Moçambique, que, aliás,
é uma obrigação legal, observa-se que este aspeto não é respeitado pelos partidos ecológicos, a não
ser no que toca às primeiras trans, atribuídas pela Comissão Nacional de Eleições, pois essa é a
condição para se ter acesso às trans subsequentes, sem contar que nenhum destes partidos respeita a
obrigação de publicação das suas contas anuais (AMARAL, 2014).
Estes movimentos não possuem nem estrutura, e nem capacidade de influenciar o governo, em
suas decisões, tornando-se assim partidos inexistentes na cena política nacional, exceto em período
eleitoral e que nada fazem para poder aparecer na arena dos debates sobre os assuntos do dia no país,
deixando esse critério ao léu da boa vontade das mídias e participando somente dos eventos em que
são convidados pelo partido no poder, evitando o máximo possível toda dissonância com outros
partidos, colocando-se o máximo possível em posição neutral, o que demonstra uma dose de
submissão ao partido no poder e são estes aspetos que enfraquecem a rede de relações sociais dos
27
Em princípio, a legislação estabelece que os partidos políticos podem angariar fundos de fontes privadas, assim como
podem ser concedidos recursos do Estado no caso de obterem assento parlamentar, e de acordo com o Orçamento de
Estado de 2009, as verbas constantes da rubrica “Partidos Políticos” somavam mais de 200 milhões de meticais,
aproximadamente 8 milhões de dólares (AFRIMAP, 2009).
95
partidos ecologistas, bem como não esclarece a sociedade moçambicana quais os fundamentos da
existência de partidos ecologistas em Moçambique.
Na ótica destes movimentos políticos, a sua ausência e ineficiência no contexto político
ambiental moçambicano deve-se a inoperância das leis e normas ambientais, a inexistência de
fiscalização ambiental que garanta o seu pleno funcionamento, o que os leva a declarar que não
existe multipartidarismo em Moçambique, pois ainda existe muita repressão em relação a liberdade
de expressão e à ação partidária, o sentimento que existe até nestes movimentos ecologistas, é de
que a questão ambiental em Moçambique é fruto de interesses governamentais, alinhado às
obrigações junto ao FMI e Banco Mundial.
Os partidos ecologistas apresentam as características legais exigidas para a consideração do
que seja partido político no contexto moçambicano, pois são de caráter duradoiro, participam no
funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído, possuem uma representação
política, ainda que extraparlamentar e fraca, todavia, podemos considerar que estaríamos ainda
diante de grupos de pressão ineficientes e não necessariamente diante de partidos políticos, pois
estes, para além de declaradamente não se proporem a conquistar e exercer o poder político são
marcados por deficiências na efetivação de sua ideologia partidária.
Podemos assim conjeturar que em Moçambique, um dos grandes entraves ao processo da
institucionalização ambiental no nível político, pode ser encontrado na promiscuidade de atuação
dos movimentos políticos ecológicos e na excessiva partidarização do estado e do governo, e ao que
pudemos observar os grupos ecologistas que inicialmente surgiram para canalização das demandas
específicas dos defensores da ecologização do processo desenvolvimento econômico e social,
rapidamente transformaram-se em partidos políticos eleitorais oficialmente registrados, com a
função de canalizar as preocupações de um eleitorado mais amplo e diversificado, porém,
despreparados e incapacitados, não encontram espaço para o eficiente desempenho do seu novo
papel, por falta de meios financeiros e humanos.
O certo é que para eles sobrou somente a função de participar ainda que ficticiamente dos
pleitos eleitorais, mas com um objetivo velado: o de ser mais um dentre vários outros partidos e de
assim perpetuar a capa politicamente correta da democracia multipartidária em Moçambique. Estas
transformações, sofridas pelos partidos ecológicos moçambicanos no seu percurso histórico,
cristalizam uma separação clara entre a cidadania e os representantes partidários, o que se torna
visível na redução da participação eleitoral, como aconteceu nos pleitos presidenciais de 2014.
96
Os partidos políticos ecológicos moçambicanos são hoje, mais distantes do seu eleitorado;
tendo menos poder e legitimidade, porém gozando de privilégios sociais, pois surgem como
representantes da sociedade junto ao Estado, mas exercem papel inverso, pois estes não são
intermediários entre o governo e a sociedade moçambicana, mas sim, o governo se transformou na
conexão entre a sociedade moçambicana e os partidos políticos ecológicos.
Amaral (2014) defende que seria de suprema relevância a fiscalização das atividades
extraeleitorais dos partidos políticos ditos ecológicos, bem como a fiscalização das finanças dos
partidos políticos no geral, de modo a que se evitem gastos públicos avultados com organizações
partidárias politicamente inexistentes na vida do país, assim, por exemplo, a Comissão Nacional de
Eleições (CNE), poderia assegurar que todos os partidos políticos informassem e justificassem o uso
das verbas públicas que lhes são atribuídas durante a campanha eleitoral e não só.
Com efeito, a sua existência no cenário político partidário moçambicano somente favorecia a
mera manutenção do multipartidarismo, ainda que fictício o que veio a ficar evidente pela sua
promiscua atuação em face de outros partidos na arena política e pela fraca adesão do eleitorado
moçambicano.
97
CAPÍTULO
III
INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa consideramos que a comunicação é um elemento fundamental para a gestão dos
riscos ambientais. Assim dedicamos este capítulo para apresentar os aspectos ligados à comunicação
de risco ambiental e o papel das diferentes mídias em Moçambique. Esta abordagem nos ajudou a
perceber a pertinência da utilização de diferentes mídias para o sucesso das estratégias de adaptação
aos eventos extremos. Neste capítulo abordamos sobre o papel da mídia no processo de
comunicação de risco ambiental em Moçambique.
Abordar sobre as mídias significa pensar os sistemas através dos quais a informação é
disseminada em determinada sociedade e é também analisar a informação em si em termos de
qualidade, quantidade e conteúdo, bem como, monitorar os impactos que a informação difundida
pode causar no comportamento social.
Com efeito, através das diferentes mídias os indivíduos são estimulados, direta ou indiretamente,
a participar no processo de tomada de decisões no meio onde vivem e até fora dele. De um modo
geral, pode-se então afirmar que as mídias exercem papel fundamental para a formação cívica dos
indivíduos e esta importância surge do fato delas possibilitarem a criação de espaços de reflexão e
participação social. Seu dever é de valorizar as relações que se estabelecem entre todas as esferas
sociais, de modo a garantir a existência e manutenção de sociedades democráticas, plurais e
participativas, onde a presença de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres (econômicos,
políticos, sócias, culturais, e ambientais) deixem de ser utopia.
Dentre as diferentes perspectivas teóricas sobre o fenômeno da comunicação destacam-se: a
teoria da dependência e a teoria crítica. A ideia fundamental da teoria da dependência é que o
sistema de comunicação proporciona uma dependência estrutural dos indivíduos à mídia e uma
dependência das mídias em relação a outras esferas sociais (política, econômica e cultural). Segundo
esta perspectiva teórica quanto mais o indivíduo for dependente de informação para suprir as suas
necessidades no dia-a-dia, maior será a importância das mídias e o papel que estas exercerão na vida
desse indivíduo, elevando constantemente o poder de influência das mídias sobre o indivíduo
(RAPOSO, 2013).
Por seu turno, a teoria crítica vê na transmissão de informação um recurso fundamental para a
existência humana que por diversos fatores sociais se encontra condicionada quanto ao acesso, quer
dizer, o acesso é desigualmente distribuído pela sociedade. Esta perspectiva chama a atenção ao fato
da informação ser uma construção social, fruto de uma contextualização do conhecimento em ação
(CAPURRO; 2003), passível de diversas interpretações em função da experiência histórica e cultural
99
do sujeito. Nesta perspectiva a importância dos meios de comunicação reside na sua função de
vigilância midiatizada do contexto socioambiental, a integração entre os diferentes componentes da
sociedade e a transmissão da herança cultural (MAMBO, 2008) exercendo um papel fundamental
para a sustentabilidade ambiental, através da disponibilização de informação ambiental aos
indivíduos. Assim, torna-se primordial que toda análise do fenômeno comunicacional seja ajustada
às características sociais dos indivíduos (FROHMANN, 2008).
Na perspectiva apresentada por Capuro e Frohmann, a teoria crítica sobre a comunicação
aproxima-se mais da abordagem fenomenológica evocada nesta pesquisa. A análise dos meios de
comunicação é considerada primordial para a fenomenologia na medida em que considera que as
mídias podem contribuir para a democratização do processo comunicativo, possibilitando a geração
de conhecimentos e atitudes pertinentes, e facilitando a tomada de decisões em diferentes instâncias
da sociedade e sobre diferentes assuntos.
Conforme afirma Di Giulio (2012. pág. 17), a mídia pode causar a estigmatização de regiões, em
função do modo como são comunicados os assuntos relacionados ao risco ambiental, quer dizer,
dependendo do modo como for feita a comunicação, pode resultar que os atingidos sofram maior
exclusão social, o que pode acarretar também em problemas de ordem econômica. Segundo a autora
supracitada, o sensacionalismo e a espetacularização são fatores que contribuem negativamente no
processo de comunicação de risco, porém a ação da mídia pode contribuir para o crescimento da
consciência a respeito dos problemas ambientais, chamado mais atenção, promovendo mais
discussões, instigando ao comprometimento e a ação.
29
Fonte: www.guiademidia.com.br/jornais/africa/mocambique.htm
103
comportamento das comunidades. Contudo, algumas comunidades questionam o fato de terem que
ser eles a adequar-se para redução dos danos à natureza, sendo que os grandes poluidores pouco
fazem para reduzir sua ação maléfica sobre o ambiente.
O INAM considera a existência de injustiça social, na medida em que observa que os países
que mais poluem o ambiente injetam dinheiro nos países que menos poluem para que estes
desenvolvam atividades de prevenção e mitigação ambiental.
Nesta consideração, o INAM procura sensibilizar as comunidades em relação aos possíveis
ganhos deste processo, explicando que apesar da injustiça, ao aderirem às atividades em prol do
ambiente receberão sementes e outros benefícios, e isto colocado, a população tende a ter outro tipo
atitude e encontram uma motivação.
A educação ambiental consiste em ensinar às comunidades a interpretar os sinais da natureza
de acordo com os pareceres científicos. O INAM ensina as comunidades sobre como são feitas as
previsões, principalmente nas comunidades de pescadores, por estas estarem localizadas ao longo da
costa e desenvolvem intensa atividade de pesca.
Os comitês locais de gestão de riscos de desastres são apoiados por várias organizações no
sentido de aliarem as atividades de sensibilização aos projetos de rendimento nas regiões
impactadas. É exemplo disto o projeto de troca de comida pelo trabalho, levado a cabo pelo
Programa Mundial de Alimentação (PMA), cujo objetivo é evitar a ociosidade comunitária, e
permitir que haja produção de alimentos e prestação de serviços de modo regular. Por outro lado,
incentiva-se para que as pessoas a possuam duas casas, uma na zona alta e outra na zona baixa, para
ir alternando de acordo com o comportamento climático previsto.
Atualmente o INAM dispõe de capacidade de aviso somente para 72 horas antes, sendo que
um intervalo ideal seria de 7 a 8 dias antes. Isto se deve ao uso de uma modelagem global, quer
dizer, importam dados dos centros globais por ainda não terem um modelo local que funcione com
os dados colhidos no nível nacional. Assim, trabalham com dados importados e que tem de ser
adequados a uma escala apropriada para Moçambique.
Isto revela a existência de problemas de fiabilidade dos dados para o funcionamento do
sistema de previsão, corolário da existência de poucas estações principais de recolha de dados
atmosféricos, da descontinuidade dos dados recolhidos e da inexistência de pontos focais técnicos a
tempo inteiro, o que aumenta ainda mais a relevância dos sistemas de conhecimento local.
Contudo, o INAM considera que o sistema de aviso prévio moçambicano é um dos melhores
da região Austral de África, e as razões cingem-se ao fato dos alertas feitos chegarem aos
104
destinatários em menos de uma hora, possuir uma forma de difusão em escadaria, quer dizer, cada
um a seu nível vai fazendo a transmissão da informação, o que torna o sistema eficiente.
Contudo, apesar de ser considerado um dos melhores da região, apresenta fraquezas que
podem resumir-se em 06 (Seis) aspectos:
Primeiro, a baixa capacidade de previsão com um intervalo maior desde o aviso à ocorrência
do evento climatério extremo ou não.
Segundo, a extenuação das instituições responsáveis em termos de equipamentos de
modelagem, e existência de poucas estações meteorológicas e hidrológicas.
Terceiro, no fato do sistema de aviso prévio não ser integrado, cada bacia tem seu sistema de
aviso e suas especificidades.
Quarto é a questão do mapeamento. Não existe ainda um mapeamento completo de todo
país com relação às zonas de risco de ocorrência de qualquer tipo de eventos extremos. O país
dispõe de mapeamentos parciais sobre ocorrência dos ciclones e cheias somente para região sul,
onde é possível monitorar a variação atmosférica e as regiões a serem afetadas, tornando difícil a
modelagem e o controle das bacias a escala nacional.
Quinto aspecto é o fato dos comitês locais de gestão de risco de desastres trabalharem como
voluntários. Os comitês são formados por pessoas treinadas para atuar com prontidão em caso de
ocorrência de eventos extremos, mas que não recebem um salário para o desempenho dessas
atividades, aspecto que facilita a dissolução destes comitês e que faz da ocorrência dos eventos
extremos uma oportunidade de ganho, gerando oportunismos.
Sexto e último aspecto são as rádios comunitárias que apesar da larga abrangência na
comunidade e das parcerias lhes coferem conhecimentos sobre o sistema de aviso prévio, como o
sistema de bandeiras e sirenes para o caso de ocorrência de cheias, por exemplo, não conseguem
estar ativas, pois segundo o INAM, as rádios comunitárias param de funcionar com muita facilidade,
por não terem um financiamento garantido constantemente e assim acabam por ficar sem funcionar
por muito tempo, até que desaparecem. Há falta de cometimento por parte das autoridades locais. É
preciso maior envolvimento das autoridades locais no trabalho de sensibilização comunitária.
“Geralmente, colocamos um camponês para fazer a leitura dos dados e ele pode
enviar dados inventados, não fiáveis. Então preferimos trabalhar com dados do Satélite, onde
se faz os ajustes e correções. Isto tem impacto negativo porque as pessoas são comunicadas
com pouco tempo de antecedência. Exemplo disso é o Ciclone DINEO (2016), Já sabíamos
que o ciclone haveria de se formar, mas não sabíamos que atingiria Moçambique e nem a
magnitude em que atingiria, só faltando 04 dias é que confirmamos e pudemos lançar o aviso
prévio e partir para o terreno (…). Muitas vezes lançamos os avisos e as autoridades não se
105
De acordo com o INAM, nos últimos anos o governo de Moçambique tem estado a
empenhar-se e a qualidade dos serviços de previsão meteorológica prestados.
Esta entrevista ao INAM levou-os a concluir que em Moçambique os principais problemas
na comunicação de risco ambiental estão ligados à dispersão de recursos humanos e financeiros e ao
baixo investimento e aplicação da tecnologia social (DAGNINO, 2014). Mas representou também
um convite a procurar entender melhor a relação entre a mídia e a gestão ambiental em
Moçambique, pelo que no ponto que se segue iremos nos dedicar a este exercício.
Figura 03: Percentagem dos agregados familiares que possuem energia elétrica em Moçambique por área de residência e
província (2003 e 2011). Fonte: INE, Projeções anuais da população total, urbana e rural, 2007-2040 Moçambique.
Segundo indica o Inquérito Nacional Sobre os Agregados Familiares segregados por posse de
bens duráveis, a área de residência, província e sexo do chefe do agregado familiar em Moçambique
(2011), dos meios de comunicação, o rádio é o bem durável mais possuído em todo território
nacional. Assim sendo, deduz-se que a rádio constitua a principal fonte de informação para maioria
dos moçambicanos, apesar dos diferentes níveis de escolaridade.
A rádio, como o principal meio de comunicação social em Moçambique, apresenta maior
cobertura quanto a audiência no território nacional, contudo o processo expansionista da rádio é
marcado por interferências políticas sistemáticas, pautada por censuras aos conteúdos noticiados. Tal
situação tem provocado regressão quantitativa deste meio de comunicação (IREX, 2013) e faz com
que a maior cobertura em termos de audiência não se traduza em consumo de informação necessária
para o engajamento do cidadão moçambicano na vida ativa do país (RAPOSO, 2012:4), o que por
fim traduz-se numa forte exclusão social, representando um confronto direto aos programas de
108
30
RAPOSO, E. G. Vaz; CUMAIO, H. E: A contribuição das redes sociais na formação da cidadania critica em
Moçambique. Um estudo exploratório realizado na cidade de Maputo e Online com cidadãos moçambicanos, CODD.
109
31
http://noticias.mmo.co.mz/2016/10/vendaval-causa-destruicoes-e-mortes-em-maputo.html
digital, como medidas necessárias para se sair deste imbróglio das influências do poder político e
dominação econômica nas mídias Moçambicanas.
Esta colocação abre espaço para um debate sobre quais os interesses defendidos pelos
legisladores neste amalgamado campo de influências, porém dada à temática desta tese não iremos
aqui abordar o assunto, passamos a focar sobre os programas governamentais em prol do ambiente.
país: Norte, Centro e Sul. Contudo a zona sul tem sido a mais impactada devido à forte
predominância do clima tropical seco e ao fato de ter maior concentração de terras semiáridas. De
modo geral as regiões costeiras do país são pouco vulneráveis a seca, com exceção de alguns
distritos (INGC, 2009) dentre estes poucos excepcionais está Machanga.
A figura abaixo ilustra a maior predominância dos eventos pelo país em percentagens.
Conforme se pode depreender a zona Centro tem sido muito fustigada por quase todos os eventos
extremos e apesar de a seca ser o evento que apresenta menor frequência, é considerada devastadora,
por afetar maior número de pessoas. As províncias do centro do país são as mais propensas à
ocorrência de cheias, ciclones e epidemias, seguidas pelas do Sul e depois o Norte.
Tabela 03: Percentagem de ocorrência de eventos extremos por região de 1956-2008. Fonte: INGC 2009.
EVENTOS EXTREMOS SUL CENTRO NORTE
Assim descrever o conjunto de estratégias governamentais torna-se visceral para esta tese,
visto que ao analisá-las poderemos verificar até que ponto estas estratégias vão ao encontro das
percepções sobre risco ambiental que se tem nas comunidades, e nosso foco é particularmente
Machanga. Esta analise permitiu ponderar a capacidade que o sistema tem de influenciar a vida
social e grau de percepção de risco das diferentes comunidades de Machanga.
113
alastramento de doenças como cólera, por isso o Governo incorporou esta componente nos Planos de
Ação para Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II 2006-2009 pág. 140).
Conforme referido, o governo moçambicano faz-se presente através de seus diferentes sectores,
nomeadamente: o Ministério para a Coordenação da Ação Ambiental (MICOA); A Administração
Nacional de Estradas (ANE); O Instituto Nacional de Meteorologia (INAM); As Entidades da
Aeronáutica Civil; O Ministério da Energia (ME); O Ministério da Defesa Nacional (MDN); O
Ministério de Obras Públicas e Habitação (MOPH); O Ministério da Administração Estatal (MAE);
O Ministério da Agricultura (MINAG); e o Ministério da Saúde (MISAU).
De modo geral, as ações do Governo circunscrevem-se:
A tutelar o INGC que é um órgão subordinado ao Ministério da administração pública;
Através do INAM, fazer a monitoria e a avaliação das chuvas e de eventos extremos.
Disponibilizar apoio militar para o salvamento das vítimas;
Através da Direção Nacional de Águas e das administrações Regionais de Águas, fazer o
monitoramento hidrológico das bacias hidrográficas e a operação das barragens e assegurar o
abastecimento de água potável e do saneamento;
Construção de vias de acesso alternativas e construção de abrigos;
Avisar as populações e demais interessados sobre a evolução das condições hidrológicas para
eventuais intervenções de emergência;
Construção/reabilitação de pequenas represas; Reparação de estruturas de drenagem;
Abertura de valetas;
Garantir a segurança alimentar;
Redução da incidência das queimadas descontroladas e desflorestamento;
Definição da aptidão do uso e aproveitamento da terra;
Elaboração e aprovação dos Planos Distritais de uso e aproveitamento da terra;
Requalificação de zonas urbanas e preparação de planos de estrutura para as cidades e vilas;
117
existentes, bem como o estado atual de integração das mudanças climáticas nas políticas de
desenvolvimento nacional; 4) Parte fundamental da estratégia com destaque para a visão, missão,
princípios, objetivo geral e os específicos e as ações estratégicas agrupadas em dois principais
pilares, a saber: adaptação e redução do risco climático e mitigação e desenvolvimento de baixo
carbono. A ENAMMC assenta também num conjunto de questões transversais que contêm ações
que facilitam a implementação dos dois pilares relevantes; 5) Mecanismos de implementação,
incluindo a coordenação, a implementação da ENAMMC propriamente dita, a monitoria e avaliação
e o financiamento.
Esta estratégia tem as suas bases na Convenção Quadro das Nações Unidas para as
Mudanças Climáticas (CQNUMC) e no Quadro de ação de Hyogo sobre a redução do risco de
desastres. Deste modo, a estratégia assenta sobre os princípios basilares destes tratados
internacionais e sobre as políticas nacionais de gênero e equidade social e mudanças climáticas, bem
como um conjunto de políticas e estratégias setoriais que têm em vista facilitar e promover um
desenvolvimento harmonioso e resiliente às mudanças climáticas e aos mecanismos de eficiência
energética e de utilização sustentável de recursos naturais. Esta estratégia foi desenhada pelo Grupo
Interinstitucional para as Mudanças Climáticas (GIIMC, 2012), composto por representantes de
diferentes ministérios, do sector privado e da sociedade civil, sob a coordenação do MICOA (hoje
MITADER).
O processo de desenho da estratégia constituiu-se de 03 momentos:
1) A revisão do quadro legal e institucional sobre as mudanças climáticas, bem como das
políticas e estratégias de desenvolvimento setoriais, incluindo das políticas e programas integrados
de desenvolvimento;
2) A revisão de informação técnica sobre os impactos das mudanças climáticas e as emissões,
incluindo as comunicações nacionais, os inventários de emissões por fontes e de remoções por
sumidouros de GEE e as projeções dos cenários climáticos e os impactos setoriais associados;
3) As consultas aos diferentes sectores através dos ministérios, dos atores do sector privado,
da sociedade civil, da academia e do público em geral, através de seminários provinciais e regionais
e consultas dirigidas. O documento foi apresentado, discutido e revisto em sessão conjunta dos
Conselhos Técnicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável (CT-CONDES) e de
Gestão de Calamidades (CTGC) e nos Conselhos Consultivos dos Ministérios de Obras Públicas e
Habitações, da Planificação e Desenvolvimento, de Recursos Minerais e da Agricultura, bem como
nas Sessões dos Governos Provinciais.
120
assentamentos; m) adequar o desenvolvimento das zonas turísticas e zonas costeiras para reduzir os
impactos das mudanças climáticas
3. Questões transversais
a) ajustar o quadro legal vigente em linha com a estratégia nacional de mudanças climáticas; b)
ajustar o quadro institucional vigente em linha com a estratégia nacional de mudanças climáticas; c)
desenvolver pesquisa sobre mudanças climáticas; d) fortalecer as instituições que recolhem dados
que alimentam os inventários de GEE e as Comunicações Nacionais; e) desenvolver e melhorar o
nível de conhecimento e capacidade de intervenção sobre mudanças climáticas; f) promover a
transferência e adoção de tecnologias limpas e resilientes às mudanças climáticas.
2. A implementação das ações da presente estratégia será feita de forma integrada e coordenada por
atores do sector público, privado, sociedade civil e organizações comunitárias de base de acordo
com o plano de ação;
122
Esta constitui a estratégia a vigorar atualmente em Moçambique. Quer dizer que todas as ações
levadas a cabo em prol da adaptação e mitigação no estado Moçambicano estão baseadas nesta
estratégia, e decorre daqui a sua importância para esta tese e para os estudos futuros que este debate
abrirá até 2025.
Ainda existem três unidades subordinadas, de acordo com o Decreto nº. 29/2009 de 03 de Julho
no seu artigo 01, inciso 02, são elas:
O Centro Nacional Operativo de Emergência (CENOE);
A Unidade de Proteção Civil (UNAPROC);
O Gabinete de Coordenação de Reconstrução (GACOR).
O INGC se distende em repartições locais e operacionais Regionais; De acordo com a Lei nº.
8/2003 de 19 de Maio (Legislação Sobre os Órgãos Locais do Estado), estas representações
regionais são dirigidas por Diretores regionais, e foram estabelecidas de acordo com os eventos
extremos que ocorrem frequentemente nas respectivas regiões (Figura 03).
Estes Diretores regionais são igualmente membros do Conselho Consultivo do INGC e são
nomeados pelo Diretor-geral e desempenham as seus papéis na Direção Geral do INGC.
Direção Regional Sul, situada em Vilankulos, província de Inhambane; prioriza a ações de
prevenção e efeitos das secas;
Direção Regional Norte, situada em Angoche, província de Nampula; prioriza ações de
prevenção e mitigação de desastres provocados pelos ciclones;
Direção Regional Centro, situada em Caia, província de Sofala; prioriza ações de prevenção
e mitigação dos efeitos das cheias;
Delegações Provinciais: É presidida por um delegado provincial e existe em cada uma das
províncias do país, as suas funções são subordinadas ao INGC central na figura do Diretor-
geral do INGC e ao Governador provincial, quer dizer, um comando político e outro técnico.
124
Figura 04: Conselho Técnico Distrital de Gestão de Calamidades (CTDGC). Fonte: INGC( 2017)
125
PLANOS DE CONTINGÊNCIA
O tendo criado a instituição voltada para gestão das calamidades, o governo passou a desenhar
Planos de Contingências, quer dizer, elaborar documentos relativos às responsabilidades preventivas
e reativas da organização para atender as emergências de modo eficaz e rápido. São exemplos: o
Plano de Contingência, multissetorial referente à época chuvosa de 1999/2000; O Plano de
Contingência de 2005/2006; O plano de emergência de 2006/2007, e mais recentemente o plano de
contingência 2015-2016.
A lei no 15/2014 de 20 de Junho, que aprova a lei das calamidades em Moçambique,
estabelece os princípios e normas com vista a fortalecer as medidas de prevenção dos fenômenos
calamitosos e determina que o Governo através do INGC seja responsável por elaborar e ou atualizar
os planos de contingência.
Estes planos permitem ao governo coordenar as ações multissetoriais de prevenção, mitigação
das calamidades e as ações pós-calamidades, estimando o risco, o número de vitimas e o orçamento
para execução do plano, definir ações a serem realizadas antes, durante e depois da ocorrência da
calamidade por cada setor, à luz da Legislação Sobre os Órgãos Locais do Estado (Lei nº. 8/2003 de
19 de Maio), que determina que todos os órgãos de governo devam desempenhar funções em
matéria de gestão de calamidades. Quer dizer, na administração pública Moçambicana, os Governos
provinciais, os Administradores distritais, os Chefes dos Postos Administrativos, os Chefes das
Localidades, por serem representantes do Governo central em sua área de jurisdição, respondem
politicamente sobre as questões ligadas à gestão de calamidades;
A analisar pelas ações programáticas das estratégias formais definidas, o INGC tem alocado
maiores orçamentos em ações de reação aos impactos negativos dos eventos extremos, em
detrimento da componente previsão (MATUSSE, 2009).
Nesta pesquisa pondera-se que com a aposta direcionada para a prevenção e adaptação
sustentável aos eventos extremos registrar-se-ão menos gastos públicos e maior eficácia, para tal
torna-se fundamental a participação comunitária de fato e não simplesmente intencional.
As estratégias de adaptação aos eventos extremos no país reconhece essa necessidade da
componente participação comunitária para os sucessos de suas ações, contudo não a tem conseguido
incorporar de modo satisfatório desde o topo até a base no quesito tomada de decisões conjuntas,
participativas.
126
comunidades estivessem sempre desconfiadas em relação a tudo o que fosse identificado como coisa
ou assunto do Governo (Estado colonial), pois qualquer ação governamental, mesmo depois da
independência, passou a ser identificada socialmente como algo inerente à civilização dos “brancos”
ou dos colonos, aqueles que trouxeram a exploração, a dominação e o aniquilamento identitário.
Contudo, conforme bem colocado por Ivala (idem), os esforços que hoje estão na persecução de
um desenvolvimento socioeconômico sustentável e duradouro, requer uma participação ativa das
comunidades, e isso passa pela necessária eliminação das barreiras que impedem a criação de
confiança mútua entre a administração estatal não colonial e as comunidades locais. Esta construção
de confiança passa pelo reconhecimento das formas como os indivíduos percebem a vida social e
cultural e como esta se desenvolve, sobretudo, para permitir que as comunidades locais contribuam
efetivamente na identificação e resolução dos problemas que os afligem.
Nos dias de hoje nota-se que o papel atribuído a estas lideranças locais vem se limitando a
realização de cerimônias tradicionais como forma de resolver os problemas ligados a sortilégios e
azares a quando das carências de serviços ecossistêmicos. É fenômeno comum ver comunidades
organizarem-se para cerimônias tradicionais sob a direção de um líder comunitário para pedir aos
antepassados que libertem a chuva ou a façam parar (como o era no passado). A novidade é a
participação das estruturas governamentais nestas cerimônias. Afinal, hoje é praxe do governo de
Moçambique participar das cerimônias de invocação de espíritos, pois tais ritos precedem a todo tipo
de ação desenvolvimentista a ser realizada em nível local.
As cerimônias servem geralmente para pedido de proteção e benção na empreitada. Estes
sinais, estes gestos, estas atitudes embora não escritas formalmente nas estratégias de adaptação e
mitigação podem ser consideradas como parte do reconhecimento governamental pelo valor do
conhecimento tradicional local, mas consideramos necessário explicitar isto, afinal, estas práticas
tradicionais carregam em si, ainda que de modo implícito, a mensagem sobre as percepções de risco
das comunidades, revelam a forma como as comunidades as incluem no seu dia-a-dia, na sua
vivência cotidiana do risco ambiental.
Os líderes tradicionais estão diretamente envolvidos na construção do real comunitário e
manutenção do acervo de conhecimento disponível aos membros da comunidade e são elementos
fundamentais para que as populações aceitem ou não a construção do risco na concepção do Estado
e na adoção do sistema de gestão formal dos eventos extremos. Afinal, o modo de interpretar uma
situação de risco ambiental passa pela consideração e anuência do líder, quer dizer, o que o líder
comunitário disseminar será mais facilmente aceite e percebido como verdade, como real, pois estes
128
2. O responsável do KIT
Antes do período da emergência deve fazer a revisão mensal e garantir que o Kit esteja num
lugar seguro; explicar a utilidade do kit à comunidade; elaborar o mecanismo de entrega e recepção
do kit junto das autoridades da comunidade; Fazer um levantamento dos recursos locais para formar
um kit caso a comunidade não tenha um disponível. Durante o período de emergência deve
disponibilizar o kit para o uso pelos membros do comitê, de acordo com as necessidades e
implementar o mecanismo de entrega e recepção dos recursos do kit.
4. Aviso Prévio
Para esta tarefa ficam designadas 02 ou 03 pessoas e tem a como principal tarefa alertar a
população sobre a aproximação de qualquer perigo/ameaça. Antes do período da emergência devem
explicar a população como funciona o Sistema de Aviso Prévio. Combinar com a comunidade a
utilização de sinais tradicionais nos sistemas de aviso prévio (tambores, apitos, cornetas). Durante o
período de emergência devem receber por parte dos líderes comunitários a orientação para a
implementação dos alertas e alarmes e divulgar junto da comunidade; Manter a comunidade em
constante organização. Implementar o Sistema de Aviso Prévio (Ex: Içar as bandeiras de aviso, tocar
apito ou batuques).
5. Evacuação
É um grupo constituído por 02 ou 03 pessoas que tem a tarefa de retirar as populações das zonas
de perigo. Estes membros devem ter boa capacidade física e saber ler e falar bem a língua local e a
portuguesa. Antes do período da emergência tem a tarefa de identificar e desenhar as possíveis rotas
de evacuação e pontos de encontro, para utilização em caso de emergência e divulgar para todos os
membros da comunidade conheçam. Elaborar um plano de utilização dos recursos locais. Acordar
com os donos dos meios de transporte e outros recursos para a utilização em caso de necessidade.
Fazer em coordenação com os líderes comunitários, o registro da população e atualização anual.
Durante o período de emergência devem guiar e orientar as populações para os locais seguros.
6. Busca e Resgate
Para este trabalho ficam indicadas por 02 ou 03 pessoas que sabem nadar, navegar (remadores),
conhecem bem as rotas e tem a função retirar a população vulnerável (os renitentes) das zonas de
perigo. Antes do período da emergência tem a tarefa de identificar e alistar os recursos locais
(humanos e materiais) e a respectiva localização para utilização em caso de emergência. Elaborar
um plano de utilização dos recursos. Devem treinar os membros da comunidade para atuarem em
caso de emergência. Gerir e manter os recursos para as ações de busca e Resgate. Durante o período
131
7. Abrigo
Um grupo formado por 02 ou 03 pessoas que tem a tarefa de preparar a população local de
acolhimento nas zonas seguras. Os membros deste grupo devem ser pessoas com capacidade de
conciliação e, pelo menos uma, deve saber ler e escrever e falar em língua local e oficial. Antes do
período da emergência deve identificar, em coordenação com a população, os locais que poderão ser
usados como abrigos coletivos, postos de saúde e centros de distribuição de alimentos. Localizar
fontes de água e locais para a construção de latrinas. Solicitar a capacitação sobre a gestão dos
centros de acomodação em matérias de condições sanitárias, abastecimento, necessidades básicas,
atividades culturais, produtivas, recreativas, saúde mental e outras condições básicas. Explicar a
comunidade sobre o correto uso do centro de acomodação e elaborar e divulgar regras sobre o seu
funcionamento. Durante o período de emergência devem coordenar com os líderes comunitários,
parceiros locais, direção de saúde e outros membros institucionais para organização e funcionamento
do centro de acomodação. Apoiar aos líderes comunitários no registro das pessoas afetadas nos
centros de acomodação e garantir a distribuição de bens aos afetados.
o que equivale a dizer que para cada distrito existe 01 comitê, a considerar que o comitê é composto
por 15 a 20 membros, facilmente conclui-se que este número de comitês existente é insuficiente para
dar conta das responsabilidades inerentes a um comitê de gestão [170 comitês, com 2.948 membros].
Ademais que por causa da ausência de projetos de rendimento e o caráter de voluntariado, muitos
membros tem abandonado os comitês, por diversas razões ligadas as necessidades básicas, como por
exemplo, procura de emprego, habitação, educação, e o êxodos a procura de melhores condições de
vida. Esta situação impõe a necessidade de revitalizações constantes dos comitês, o que representa
gasto de somas avultadas em valores monetários, aos quais infelizmente não pude aceder durante a
coleta de dados para esta pesquisa. Para além destes aspectos, estruturalmente o país conta com uma
fraca capacidade de previsão de eventos extremos, deficiente sistema de antecipação de alertas e a
pobreza, conforme vimos no início deste capitulo.
De um modo geral, pode-se dizer que o papel dos Governos Distritais para o funcionamento dos
CLGRC é o de coordenar todas as ações com as instituições locais para criação, formação e
equipamento dos CLGRC e encorajar a procura conjunta de soluções; Garantir o funcionamento
pleno dos CLGRC; Consolidar os hábitos de prevenção na cultura existente no seio das
comunidades. Assegurar a inclusão de ações de GRC nos planos de desenvolvimento locais;
A função dos comitês é receber e disseminar a informação sobre a ocorrência dos eventos
extremos para que as pessoas saiam da zona baixa para as zonas seguras. Os membros do comitê
distribuem comida, auxiliam na construção das casas destruídas, constroem latrinas; e dão
conselhos.
Com efeito, os entrevistados consideram a criação dos comitês uma excelente estratégia para
espalhar a informação sobre o ambiente e os eventos extremos, pois evita a má interpretação das
mensagens veiculadas na comunidade. Em cada zona de Machanga existem membros de comitês e
quando percebem que as águas estão a vir, saem para avisar para aqueles que estão nas zonas baixas
que é melhor saírem, pois a água está chegar.
As diferentes estratégias e programas aqui analisados indicam que o governo tem defendido
recorrentemente em sua agenda para gestão sustentável dos eventos extremos:
A promoção da sensibilização pública nas áreas de planejamento, gestão e conservação
ambiental, bem como no uso sustentável dos recursos;
A divulgação dos programas ambientais ao nível das comunidades, com prioridade para os
líderes comunitários, autoridades tradicionais, líderes religiosos, professores primários,
ONGs locais e os diferentes órgãos de informação.
O governo moçambicano tem pautado por tornar mais ativa à participação internacional de
Moçambique na implementação das convenções internacionais ratificadas, defendendo uma maior
participação nos acordos, protocolos e atividades de Organizações Internacionais. Tem defendido
em suas estratégias a necessidade de revisão e reajuste da legislação ambiental existente em
Moçambique de modo a assegurar que esta se compatibilize com as obrigações e objetivos dos
acordos e convenções internacionais; e a continuação da identificação de locais de valor biológico,
ou cênico no país, de modo a promover o reconhecimento desses locais de acordo com o estatuto
internacional. E o reforço das capacidades institucionais e técnicas de investigação sobre as inter-
relações entre a variável ambiental e as questões socioculturais, econômicas e demográficas para o
desenvolvimento de Moçambique.
de desenvolvimento global que se sobrepõe ao local, que é considerado enumeras vezes como
conhecimento terceiro mundista, com todos os corolários que advém dessa designação (NGOENHA,
2016).
Portanto, não obstante estas intenções estarem defendidas em estratégias de ação, o governo de
Moçambique deve ter a coragem de continuar a refletir-se a si mesmo, obviamente sem se desligar
do contexto internacional, mas procurar dar conta das peculiaridades paradigmáticas internas ao
estado, por onde as escolhas de soluções para os problemas moçambicanos sejam tomadas tendo
como primeiro pano de fundo a realidade local, a capacidade local, as condições locais e a posterior
olha-se para o apoio internacional e possibilidades de colaboração e cooperação.
135
CAPÍTULO
IV
ESTUDO DE CASO
INTRODUÇÃO
Dados preliminares atualizados do Censo (2017) sugerem que em Machanga (figura 04) existam
11.749 casas, nas quais vivem 12.153 agregados familiares, totalizando uma população de 55.861
habitantes, dos quais 25.804 são homens e 30.057 são mulheres 32 . A população é jovem (46%
abaixo dos 15 anos de idade) majoritariamente feminina e de matriz marcadamente rural, com uma
relação de dependência econômica, potencial que é de aproximadamente 1:1, quer dizer, por cada 10
crianças ou idosos, existem 10 pessoas economicamente em idade ativa.
32
INE: DIVULGAÇÃO OS RESULTADOS PRELIMINARES, IV RGPH 2017.
137
33
No âmbito da implementação do decreto 15/2000 sobre as autoridades comunitárias de primeira e segunda linha
(régulos, chefes de terra e secretários de bairros), foi levado a cabo um trabalho de divulgação do mesmo em todos
postos administrativos, localidades, aldeias e povoações, tendo sido envolvidos todas as camadas sociais, este trabalho
terminou com a legitimação, pelas respetivas comunidades e reconhecimento pelas autoridades competentes de alguns
líderes comunitários locais.
34
Gabinete do Administrador, Administração e Secretaria; Direcção distrital de agricultura e desenvolvimento rural;
Direcção distrital de educação; Direcção distrital de saúde; Delegação da direção provincial do comércio, indústria e
turismo; Delegação da direção provincial da Mulher e Coordenação da Ação Social; Delegação do registro civil e
notariado; Comando distrital da policial da República de Moçambique.
138
pessoal absorvem mais de metade de orçamento corrente do distrito, a exceção das cobranças de
mercado e algumas receitas de serviço, turismo e urbanismo. Quanto ao investimento com
financiamento de base distrital, o seu montante é pequeno, sendo quase todas as ações de
investimento público, planificadas e orçadas ao nível provincial.
Ao Governo distrital compete essencialmente a gestão corrente, fracionada pela dispersão
orçamental dos principais sectores sociais e de infraestruturas, o que condiciona fortemente a sua
atuação no esforço coordenado de desenvolvimento e integração. Em face dessa situação financeira
descrita, o governo distrital tem enfrentado vários constrangimentos nas suas ações, dos quais estão
destacados os seguintes: fraca capacidade institucional e de recursos humanos para fazer face aos
desafios resultantes das calamidades naturais provocadas pelas cheias e secas; Falta de meios e
equipamentos para a manutenção das estradas e vias terciárias; Fraca capacidade institucional para
fiscalização dos recursos florestais e marinhos; Falta de condições de trabalho para funcionários e de
incentivos de ordem financeira;
Face às restrições orçamentais existentes, tem sido essencial para persecução da atividade do
governo distrital e para o progresso do distrito, o envolvimento e participação comunitária, e o apoio
do sector privado e de vários organismos internacionais que operam nesse distrito, tais como
COTAM, INDER, CAPANAMUR, GEPE, MPDL, OSEO, OGE, PIPELINE, entre outros. A
participação comunitária tem sido essencial para suprir várias necessidades em Matéria de
construção, reabilitação e manutenção de infraestruturas, nomeadamente estradas interiores, postos
de saúde e escolas, bem como residências para professores e enfermeiros.
O governo distrital tem desenvolvido ações em parceria com ONG’s, principalmente
estrangeiras, sendo de destacar a Africare, o Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social
(DEDA), e o Conselho Cristão de Moçambique (CCM), que se encontram a operar no distrito em
programas de água e saúde, promovendo a criação de igualdade de oportunidades e direitos de
gênero em todos os aspetos de vida social e econômica, com foco na integração da mulher no
mercado de trabalho, processos de geração de rendimentos e a construção de infraestruturas com
base em recursos locais.
Esta coordenação demanda mecanismos de troca de informação, diálogo e concertação de ações,
evitando a sobreposição de atividades e racionalizando recursos de forma a melhorar a eficácia e
eficiência das ações governamentais e das iniciativas da comunidade e do sector privado.
O distrito de Machanga debate-se com sérios problemas de transporte, e em termos de
telecomunicação, Machanga conta somente com ligações via rádio em algumas famílias, todavia em
139
relação a outras utilidades, o padrão dominante é o de famílias, sem rádio, televisão, e/ou
eletricidade, dispondo de uma bicicleta em cada 6 famílias. Este distrito possui potencialidades
pecuárias, agrícolas e de florestas, sendo que a agricultura e a pecuária são as principais atividades
econômicas das famílias do distrito.
O distrito não possui nenhum sistema formal de crédito implantado e não há representação em
Machanga de nenhuma instituição bancária. Este distrito é frequentemente alvo de desastres
naturais, que afetam profundamente a vida social e econômica da comunidade no distrito.
CLIMATOLOGIA
O clima de Machanga, segundo a classificação climática de Koppen (FERRO e BOUMAH,1987
apud MAE, 2005), é tropical chuvoso de savana (Aw), sendo que o Distrito pode ser influenciado
por um clima seco de estepe com inverno seco (bSw) e de clima temperado úmido (Cw).
Segundo Kassam (1981) citando MAE (2005), a precipitação média anual é da ordem dos 870
mm a 880 mm, valores médios obtidos durante coleta em 29 anos, mas em geral predomina uma
irregularidade da precipitação ao longo do ano devido às influências climáticas, o que compromete a
produção agrícola (figura 05). A temperatura média anual é de 23,40 C, apresentando temperaturas
mais altas nos meses de Dezembro a Fevereiro, e as mais frescas de Junho a Julho, considerando que
a evapotranspiração média anual é superior à precipitação média anual, chegando a atingir a casa
dos 1400 mm a 1500 mm.
Figura 06. Culturas alagadas em tempo de cheias em Machanga. Fonte: INGC, 2009
140
de acidez e salinidade. Nas camadas aluviões holocênicos e nos sedimentos marinhos estuários
holocênicos as texturas variam entre aluviões estratificadas de textura grossas a medias ao longo do
perfil, podendo também variar de texturas argilosas a franco-arenosas (Idem).
Machanga possui potencialidades agrícolas, pecuárias e de florestas, sendo que a agricultura e a
pecuária são as principais atividades econômicas das famílias. Dos 572 mil hectares da superfície do
distrito 3% (280 mil hectares) tem grande potencial para agricultura. Esta agricultura é praticada
manualmente em pequenas extensões familiares e em regime de consorciação de culturas, como tal,
não são frequentes conflitos em função de recursos como terra, lenha ou pastagens.
Devido às suas condições climáticas e a textura pesada e mal drenada dos solos, as culturas estão
divididas em monocultura de arroz no tempo chuvoso e batata-doce em época fresca, sendo que nos
solos bem drenados predominam as consorciações de milho, mapira, mexoeira, mandioca e feijões
nhemba e boere, que são complementados por criações de gado bovino, caprino e aves.
Como a produção agrícola é feita predominantemente de sequeiro, o risco de perda das colheitas
é alto, dada a baixa capacidade de armazenamento da colheita, e da umidade no solo durante o
período de crescimento, as cheias de 2000 e as subsequentes secas de 2003, por exemplo,
intimidaram muito a exploração agrícola no distrito. Os solos aluvionares são profundos a muito
profundos, ricos em matéria orgânica e retentores de água e nutrientes, o que os torna propícios para
a agricultura irrigada, mas geralmente são solos salinos e/ou sódicos.
Em suma Machanga é considerado marginalmente apto para o desenvolvimento da agricultura
irrigada, sendo que o fomento pecuário se mostra fraco, mas crescente, assim a falta de fundos e
serviços de extensão, são apontados pelo governo como os principais obstáculos para o
desenvolvimento efetivo de Machanga, além disso, o distrito ainda enfrenta o problema do
desflorestamento e da erosão. Segundo o governo o distrito apresenta carências no abastecimento de
água, existindo comunidades que não tem acesso às fontes de água nas proximidades, e a cobertura
de energia elétrica é quase nula (CENSO, 1997).
143
favorecendo as enchentes e a perda de culturas agrícolas ali praticadas, bem como propiciam
transformações no ecossistema e no relevo.
Figura 07. Deformação do relevo dada a extração de areia. FONTE: Arquivo do autor.
Em Machanga a maior parte das casas é construída com material precário, argila, pedras, estacas
e capim. As casas melhoradas são cobertas de chapas e construídas com Blocos, ferro e cimento.
Não existe estrada asfaltada em Machanga. As deslocações são feitas por carros, principalmente 4x4,
que geralmente pertencem às instituições do governo, por motorizadas, bicicletas e ainda por
carroças de tração animal.
O arrendamento de um quarto, para hospedagem custa entre 500 a 2.000 meticais por dia
(USD10 a USD 40 por dia), sendo que grande parte da população no distrito, vive com menos de
USD1 por dia, estas hospedagens na sua maioria pertencem a indivíduos que não vivem em
Machanga regularmente.
O período de Outubro a Dezembro é conhecido como época seca. Quem chega nesse período em
Machanga, logo percebe os muitos sinais que a seca traz: muitos animais magros, e alguns já a
145
morrerem de fome e sede, visto que a água do rio nestes períodos saliniza-se, tornando-se imprópria
para o consumo. Uma das estratégias locais nestes períodos de seca é soltar os animais domésticos
pelas ruas da vila, pois por não ser tempo de plantação podem circular à vontade e encontrar
alimento pelas redondezas, sem representar perigo para as machambas da comunidade.
A energia usada em Machanga vem da subestação de Vilanculos, e é produzida a base de gás
natural, pela SASOL, uma empresa sul-africana a operar em Moçambique.
Na localidade Sede de Machanga existem três (03) antenas de operadoras de telefonia móvel.
Isto permite aos cidadãos beneficiarem de todos os serviços prestados por estas operadoras,
inclusive o uso de internet, sendo possível navegar pela web sem problema algum, desde que se
esteja usando uma das telefonias como meio. Por este aspecto, em Machanga é comum o uso de
facebook, whatsap, email, entre outros aplicativos.
Não existe instituição de ensino superior em Machanga-Sede, somente 02 (duas) escolas
secundárias, e uma primária. Quem termina o ensino médio tem de se deslocar a algum ponto do
país para que possa gozar deste benefício público, a educação. Questionado sobre as cheias e seu
impacto, nossos interlocutores davam resposta lógicas e direcionadas a um entendimento comum
que julgamos interessante e problematizamos ao longo desta pesquisa.
Em conversas pela Vila logo percebemos que o assunto dos eventos extremos é cotidiano, faz
parte da vivência cotidiana daquelas comunidades, a explicação para condição em que vivem
encontra-se nas interações sociais que se estabelecem com os outros, dizem-nos, por exemplo, que o
grande problema da comunidade não é a chuva, pois para eles as chuvas não causam cheias, as
cheias são provocadas pela abertura das comportas em outros países, como o Zimbabwe.
As cheias são vistas como parcialmente benéficas, pois elas dessalinizam a água do rio, pois no
período de seca, as águas do oceano invadem o afluente do rio e tornam a água salgada, faltando
assim água para alimentar os animais. Pelo fato da geomorfologia da região apresentar-se em forma
de escadaria, baixando em direção ao ESTE e crescendo em direção ao continente, OESTE, entende-
se que quando os países do interland que apresentam maior elevação na composição do seu relevo
abrem as “comportas das barragens”, Machanga que se situa no limite com o oceano é inundada,
visto que seus terrenos são arenosos argiloso-fluviais, quer dizer, tem pouca capacidade de
infiltração.
Contudo, a percepção é que essas cheias são benéficas porque trazem a água doce de volta e
empurram as águas do oceano (Salgadas) de volta ao seu lugar, apesar de destruir as plantações e
146
matar animais, e outros bens. A percepção que se tem é que as chuvas não são causadoras das cheias,
as chuvas são desejadas. As inundações surgem da abertura de comportas, pelos países vizinhos.
No distrito existe um ponto focal do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades. Ele é
responsável pelas localidades de Divinhe, Machanga-Sede e Chiloane, e ocupa também o cargo de
secretário para Mobilização da Organização da Juventude Moçambicana. Ele foi quem auxiliou no
trabalho de campo.
Em seguida fomos à localidade de Divinhe. Divinhe dista a 100 quilômetros da Villa sede, mais
ou menos 2h: 30min. É possível encurtar esta distancia para 65 quilômetros, contudo as condições
de viagem mudam drasticamente. A estrada é de terra batida, praticamente improvisada, um corta
mato típico e verdadeiro como localmente se diz. Ao longo da estrada, cruzamos afluentes
ocasionais do rio Save que são ocupados pelas águas salgadas do oceano Índico e desaparecem no
período de seca.
Pela força das águas do oceano acabam surgindo lagoas ao longo do caminho, em função da
vasta planície que aqui se apresenta. Cruzamos uma delas, que é a planície de Mafoia. Esta
representa o celeiro do sal na província de Sofala. Daqui são extraídas grandes quantidades a serem
e comercializadas diariamente. Esta é uma das principais atividades econômicas da região e envolve
um número significativo de trabalhadores, ainda que sazonais.
Bom, o fato de cruzarmos 03 afluentes chamou nossa atenção para o fato de, no período
chuvoso esta ser uma região padrão de vulnerabilidade socioambiental, visto que a atividade de
extração de sal é interrompida, bem como inviabiliza a comunicação rápida via terrestre entre
Divinhe e o resto do distrito, sobrando como opção percorrer os 110 quilômetros de estrada
alcatroada e esburacada em grande extensão, e ainda assim com alta possibilidade de fracasso.
Não há asfalto em Divinhe e as casas seguem o mesmo padrão de Machanga-Sede, com
exceção das casas do governo e alguns membros comunitários. Em Divinhe fica o cais que nos
permite chegar a ilha de Chiloane. Este cais é de madeira, inteiramente precário, não oferecendo
segurança alguma, e suas embarcações são canoas a remo, que levam 3 a 5 horas para chegar ao
destino, se pretende ir mais rápido, 30 a 45 minutos, deve-se alugar um barco ambulância que ali se
encontra. O pagamento do aluguer deste barco é feito a base de combustível, 30 litros para ir e voltar
de Chiloane.
Chiloane é uma ilha grande que fica ao sul de Sofala. Conta com mais de 11.500 habitantes e
é onde a riqueza pesqueira de Sofala “dorme”. Os problemas ligados à vulnerabilidade social se
multiplicam na “calada da noite” e a erosão costeira avança solta.
147
Numa reportagem intitulada: “Chiloane: Muito dinheiro numa ilha em risco”, o escritor
Eduardo Sixpence 35 , elucida sobre alguns pontos a levar em conta numa primeira abordagem a
realidade de Chiloane e com a qual nos identificamos muito pelo fato de ter enfrentado semelhantes
dificuldades e notado pontos de analises coincidentes em relação à percepção do risco ambiental e os
aspectos culturais em Machanga.
Para chegarmos a Chiloane foi preciso percorrer mais de 100 quilômetros da vila-sede
distrital de Machanga à localidade de Divinhe, com a rodovia a oferecer inúmeros problemas
ademais que não dispúnhamos de transporte particular e nem o governo distrital de motorizada ou
algum veiculo, tivemos que improvisar a viagem. 50 quilômetros do caminho é parte de um dos
afluentes do ria Save totalmente seco dado à época.
Contudo, aquele ponto tornasse intransponível em tempo de chuva forte, fazendo com que se
dê uma volta pela estrada principal que acrescenta uns 70 quilômetros à viagem. Nas primeiras
considerações dos entrevistados surgiu a ideia da ilha como lugar de azar. Esse azar advém do fato
de a ilha receber constantemente pesquisadores e inquiridores que vêm saber como é a vida dos
residentes e se algo mudou, contudo depois disso nada muda e nada acontece.
Depois que se chega a Divinhe, atravessasse o oceano índico a barco, de um dá para lançar o
olhar sobre um mangual abundante mais com sinais de impotência perante a fúria das águas. Logo a
chegada à Ilha de Chiloane, A primeira coisa que desperta a atenção é o nível alto da erosão, que
assim como para Sixpence (2009) foi o nosso cartão de visita. É sem dúvidas o primeiro problema
visível, a ilha está a perder terreno devido à fúria das águas do Oceano Índico, ciclones e ventos
fortes. Para muitos residentes tratar-se de um assunto que carece de uma intervenção de grande vulto,
com o envolvimento do Governo Central apoiado pelos parceiros de cooperação.
35
Trechos do artigo de Eduardo Sixpence. Maputo, Terça-Feira, 02 de Junho de 2009: Jornal Notícias.
148
POSTO ADMINISTRATIVO
ENTREVISTADOS
CHILOANE DIVINHE MACHANGA SEDE N/A Total Geral
Membros do Comitê 23 11 33 - 67
Feminino 14 02 22 - 38
Masculino 09 09 11 - 29
Feminino - 12 25 - 37
Masculino 07 11 27 01 46
Total Geral 30 34 85 01 150
N/A = Não aplicável
Conforme podemos observar na tabela 05, a maioria dos entrevistados dedica-se à produção nas
machambas (plantações), do total de 67 membros do comitê de gestão, 31 são camponeses. Quer
dizer, os camponeses são uma categoria importante em Machanga e são presentes na dinâmica
social imposta ao distrito pelas condições ambientais.
Os estudantes são uma categoria presente, ademais que Machanga tem sido ponto de
convergência dado ao fato de possuir a única escola secundária do distrito, muitos vem para
Machanga-sede a procura de estudo.
149
36
Médico tradicional é o nome atribuído aos curandeiros da medicina não convencional.
150
Tabela 06: Técnicas de pesquisa por gênero e por pertença ou não pertença ao CGC
Membro 1 66 67
Não membro 10 73 83
Feminino - 75 75
Masculino 11 64 75
Gênero
Nível de Escolaridade Total Geral
Feminino Masculino
Médio 06 8% 29 39% 35
Nenhum 05 7% - - 05
Superior - - 09 12% 09
Total Geral 75 100% 75 100% 150
Entendemos que esta situação deve-se a dois fatores ambos relacionados a questões
culturais: primeiro, é a incidência da problemática ambiental, que pesa mais para as mulheres do que
para os homens, pois quando falta água potável, por exemplo, quem tem de resolver é a mulher e
isso começa muito cedo; Segundo, é a frequência dos casamentos prematuros que fazem com que
muitas meninas abandonem o sistema escolar e se dediquem ao lar. Estes não são os únicos fatores,
mas têm sido os mais significativos.
Segundo podemos observar na tabela abaixo (Tabela 08).
Nível de Escolaridade
Categoria
Médio Nenhum Primário Secundário Superior Total Geral
Adulto 09 05 33 08 09 64
Criança - - 01 01 - 02
Jovem 26 - 21 37 - 84
Um aspecto importante é a mudança no nível de formação por geração, quer dizer que é
possível notar um incremento no número de cidadão em formação, se outrora o cenário de
Machanga foi apontado como de alto índice de analfabetismo (MAE 2005), provavelmente daqui
alguns anos este cenário mudará, a pautar pelo número de jovens com nível de ensino secundário e
médio. Apesar de muitos estarem estagnados pelo fato de terem terminado a formação do nível
médio e não ter como avançar para o superior, principalmente mulheres.
em sua vida normal, isso é uma ameaça ao investimento, seja ele um investimento publico, ou
mesmo investimento privado, vimos aqui pessoas que estavam a começar a obra e de repente
ficaram soterradas, a única forma de mitigar é essa que quando a informação esta no pico,
socorremos as pessoas e mobilizamos para que eles de fato não voltem a viver em zonas
propensas, não é toda gente que adere a mensagem, uns até voltam a viver lá, a justificação
grande é que estão habituados a viver aqui tem suas benfeitorias, e é perto de onde eles
realizam as suas atividades quotidianas.” (Entrevistado 01: Governo Distrital)
Surge daqui um impasse, por um lado a população apresenta suas razões históricas para
permanecer em Machanga apesar da alta vulnerabilidade aos eventos climatérios. Por outro lado, o
governo que indicou como estratégia de gestão a transferência para outro local considerado seguro
para habitação. Na visão do Governo as medidas para gestão dos eventos extremos têm de ser
integradas, tudo tem que ser feito dentro da política de adaptação das mudanças climáticas, e não
podem ser tratadas de forma holística. É necessário olhar para a situação de Machanga e desenhar o
que pode ser feito.
Mas quando?
Apesar de se mostrar difícil, a percepção do governo é que irão conseguir fazer a mudança de
local para Bea Pea. Para tal reconhece que tem de disponibilizar condições básicas de habitação,
criando infraestruturas, canalizar a água, instalar luz elétrica, e desenvolver o comércio, em suma,
criar vantagens comparativas de urbanização e as pessoas gradualmente vão se mudar para as zonas
seguras.
O governo não opta por uma retirada compulsiva, pois as experiências do passado, um pouco
por todo país mostraram que a mudança tem de ser paulatina. Ademais que a região onde ser
localiza atualmente a sede distrital é baixa e propensa a cheias, quer dizer, a sede distrital do
Governo está instalada numa zona de risco, o que torna difícil de convencer a população a se retirar.
Segundo as entrevista ao Governo, o que faz com que as pessoas atualmente não abandonem
as zonas perigosas ou ambientalmente vulneráveis é que estas zonas apresentam condições melhores,
sendo somente interrompidas por eventos extremos que surgem ocasionalmente, e atualmente com
maior frequência. O Governo incentiva as pessoas a terem duas casas, uma na zona segura e outra
nas zonas de risco que devem ser usadas somente para a realização de atividades produtivas,
evitando assim a perda da produção. Os fatores que impedem a realização desta estratégia:
Insuficiência de orçamento: Este fator impede que o governo distrital tome a dianteira na
construção de edifícios, visto que as regiões consideradas seguras não possuem
infraestruturas. O distrito não possui robustez orçamental. Na situação atual o governo não
consegue apoiar os cidadãos que se mostrem disposto a abandonar as regiões de risco e irem
construir e viver nas zonas seguras.
154
O fato de as pessoas terem construído suas casas e suas histórias de vida na zona de risco tem
sido elemento determinante para a aceitação de um processo de mudança paulatina por parte do
Governo. Existe capacidade de negociação destas prioridades com o Governo central, contudo, para
se ultrapassar este impasse o governo distrital sugere uma melhor planificação, pois Machanga
possui outras muitas irregularidades, como por exemplo, a necessidade de estradas e transporte
rodoviário. O orçamento distrital não vai atender a necessidade de transferência da vila para uma
zona segura, situação que deixará Machanga num círculo vicioso de produção e perda de produção
por alguns anos.
Sobre o entendimento generalizado em relação à proveniência das águas que inundam
periodicamente Machanga o governo considera que essa percepção seja deturpada, pois o que
acontece é que a localização de Machanga é desfavorável. Machanga situa-se na foz do rio Save,
naturalmente quando as chuvas caem a montante a água vem terminar a jusante. Não existe uma
intenção do País vizinho em prejudicar, é a disposição do relevo que é desfavorável a Machanga.
Não existe uma barragem em Massangena, mas sim um ponto de monitoria do nível de água
que vem descendo para o oceano. Portanto, essa percepção de abertura de comporta em barragens
não é real. O que o governo faz é monitorar o nível de água que depois de passar Massangena, em
dois ou três dias atingirá Machanga. Neste sentido, o governo estabeleceu o SISTAP para evitar que
a água chegasse de surpresa e atingisse as famílias. O SISTAP é um sistema de aviso prévio que foi
adotado para gerir esta situação.
O governo criou igualmente a ARA SUL, ARA CENTRO e ARA NORTE para controlarem
os comportamentos dos rios. As ARAs são estações hidrométricas para medir o caudal e não
necessariamente barragens. Esta medida permitiu aumentar a capacidade de monitoria e a
previsibilidade quanto aos eventos extremos de origem hídrica.
155
popular do direito de decidir seu destino, seja ele certo ou errado. O governo impôs a retirada da
população, proibindo a construção de novas casas e apontando quais seriam as zonas seguras de se
viver e construir, este cenário era em função dos efeitos desastrosos das cheias do ano 2000 e dos
ventos fortíssimos que se abateram sobre a região.
De 2007 a 2013 o governo parou de emitir licença para construção de habitação na vila, que
é zona de risco, como medida para incentivar a saída para as zonas seguras. Contudo, em 2017
assistimos um crescimento quase que massivo de construções de alvenaria quase em toda vila e
arredores.
Como? Porque 10 anos depois os que foram lá viver acreditam que as águas vêm e vão,
assim reza a experiência e, portanto não há nada a temer.
A impotência do governo em não conseguir impor o seu ponto de vista deriva do fato de por
razões obscuras, ao invés da empresa EDM instalar sua energia elétrica nas zonas seguras, o fizeram
em zonas de risco, esta contradição fez com que a população encontrasse o argumento esperado para
não obedecer e criou impotência nos dirigentes locais para proibir as construções, pois no
entendimento do governo seria conflitoso tentar impedir um cidadão de melhorar suas condições de
habitação.
Com um estado desmotivado por suas contradições, e com uma população desejosa de se
fixar a jusante das suas zonas de atividades econômicas, seja pesca, agricultura ou funções
administrativas, o que se assiste é uma crescente onde de construções em zona de risco e o abandono
das zonas consideradas seguras pelo governo, cenário perfeito de recrudescimento de
vulnerabilidades. Como forma de incentivar as pessoas a se mudarem para zona segura o governo
iniciou campana de construção e alocação gratuita de casa em zonas seguras, mas mesmo assim, a
população não aderiu preferindo permanecer na zona de risco.
“Isso não é o caso, o caso que a população dizia é que até temos casas em zonas de
ressentimento mais ninguém esta lá, a orientação é essa que lá não há condições de pesca,
mais isso não é argumento porque temos volta de 131 casas já construídas, até então só tem
90 famílias que estão a viver lá.” ( Entrevistado 5: Governo distrital)
Em face desta situação o governo acredita que para adesão da população ao projeto de
transferência da vila, é necessário que seja primeiro o governo a sair da zona de risco e instalar-se
em uma zona segura e que a rede de energia elétrica e a água potável antecipem-se à chegada da
população. Com estes incentivos o governo acredita poder resolver o principal dilema de momento
atual que é o urgente reassentamento dos residentes da vila de Machanga.
157
As estratégias de gestão dos eventos extremos são desenhadas da base para o topo com
participação dos parceiros setoriais, mas a aprovação da estratégia é responsabilidade do governo
central e acontece do topo para a base, quer dizer, o distrito faz o diagnóstico dos graves problemas
que enfrenta e procura alinhar essa matriz com as prioridades provinciais, estes por sua vez
procuram alinhar ao plano nacional, exercício que dá origem ao plano quinquenal.
É neste plano quinquenal que se deve inspirar o governo distrital para a elaboração do plano
econômico e social do distrito. Assim, apesar de as ideias partirem da base para o topo, não existe
recurso financeiros suficientes para atender as demandas da base, dai que muitas das vezes as
auscultações a população tem sido um exercício penoso para os governos locais afinal serão
cobrados pela população.
“(A auscultação) às vezes é um exercício que nem usamos, se num ano chamo a
população e pergunto o que vocês querem, a lista que me dão é tão superior que nem dá
vontade de ir a outra comunidade fazer consulta. Só uma comunidade tira todo bolo
(Orçamento distrital). Num ano a população pode pedir 10 escolas, não salas de aulas, escolas.
Depois vamos fazer um jogo de priorização, vamos priorizar tudo bem. Mas no ano seguinte a
elaborar o PES a legislação diz que temos de voltar a consultar a população, e eles dizem:
mas senhor nós já dissemos queremos escolas (…) passa-se muito tempo a escutar os
problemas da população, mas nunca resolvemos porque de fato o volume das necessidades é
muito grande.” (Entrevistado 1: Governo distrital).
De um modo geral, o governo avalia o processo de gestão dos eventos extremos em Machanga
como uma realidade positiva, contudo, reconhece que existem vários desafios por vencer, os
princípios são:
Cumprimento das informações divulgadas pelo governo por parte da população. Exemplo o
modo como interpretam a questão das cheias e a proveniência das águas.
Incutir na população que as mudanças climáticas são uma realidade, as épocas agrícolas
podem mudar em função do comportamento irregular das chuvas.
O governo incentiva a incorporação do conhecimento local nas práticas de gestão dos eventos
extremos, exemplo disso é a incorporação no currículo escolar local de um manual de práticas
tradicionais de gestão de eventos extremos desde 2004. É um manual que reúne práticas culturais e
corresponde a 20% do toda atividade de ensino. Em caso de surgimento de divergências em relação
à escolha da proposta cientifica e outra tradicional para mitigação ou prevenção de um problema
158
Desde 2012 não se registrou aumento da taxa de mortalidade em função da ocorrência de algum
evento extremo. As doenças que mais preocupam são as de origem hídrica, como a malária, diarreias
e a cólera, em decorrência das inundações e crescimento do capim bem como poluição da água
usada para o consumo, por exemplo, no ano de 2017 o número de casos de malária foi 04 vezes mais
alto que do ano anterior que não houve registro de cheias.
A estratégia do governo em termos de saúde tem sido apostar na formação dos membros dos
comitês de gestão de risco em matéria de saúde e primeiros socorros. Na impossibilidade de
resolver o problema do consumo de água imprópria, a estratégia tem sido a de aconselhar a
população a ferver a água dos poços antes de consumir.
Como forma de abrandar esta situação, o governo juntamente com seus parceiros tem estado
a organizar palestras nas igrejas e com os lideres tradicionais de modo que abandonem essas práticas
e recorram ao serviço nacional de saúde. A relação com os médicos tradicionais é de cooperação,
160
contudo os ditames culturais são muito fortes em Machanga. Os Médicos tradicionais têm recorrido
ao sistema de saúde para casos que estejam acima de sua capacidade.
“Nós temos nesse caso temos muita cooperação com os médicos tradicionais,
Machanga tem muita tradição, mas a tendência é de melhorar aqui tem muitos médicos
tradicionais, mas com a formação que eles têm. Eles têm um elo com a saúde, eles conseguem
vir pedir luvas, já conseguem vir pedir bisturis, a partir da consulta já consegue deferir casos
de HIV, Tuberculose, e outros casos eles conseguem ver e deferir isso já é bom, ´´
(Entrevistado 2: Governo Distrital)
De um modo geral, o Governo considera como zona segura um raio de 20 quilômetros fora
da Vila sede até a zona de Bea-pea, em direção do oeste, por exemplo: Zivava, Mapangara,
Maxicota. As zonas de risco localizam-se na zona norte, são as regiões baixas, mais tem mais zonas
baixas. É uma planície da zona costeira, e apresenta alguns pontos altos, mas não suficientemente
seguros, exemplo: Mavinga, Godjone.
Quando ocorrem as cheias as comunidades ficam separadas uma das outras, então os comitês de
gestão procuram resgatar as pessoas perdidas e levá-las para junto das comunidades em alguma área
segura. Um dos grandes problemas que os comitês de gestão enfrentam é a saída constante de seus
membros já formados em decorrência da necessidade de sustento.
“Bem eu não acho. Porque desde que comecei a trabalhar com esses comitês eu
nunca ouvi nas minhas entrevistas, nunca acompanhei que o Fulano X desistiu do comitê por
discussão ou ofensa, então o membro está ali e ele diz que já não quer, eles saem porque vão
à procura de meio de sobrevivência, pois outros são casados e não conseguem alimentar a
família, visto que a situação do comitê é uma atividade voluntária” (Entrevistado 03, Ponto
focal INGC).
Nas suas atividades o INGC tem contado com parceiros, como o programa mundial de
alimentação (PMA) e o Conselho Cristão de Moçambique (CCM). A parceria consiste na garantia de
alimento para a população vulnerável no âmbito do projeto intitulado: “comida pelo trabalho” do
PMA, organização responsável por conseguir os alimentos a serem distribuídos. Quem recebe e faz
a distribuição e controlo das atividades e dos alimentos é o CCM.
O papel do governo local é de monitoria este projeto, determinar, em consenso com a
comunidade, o tipo de atividade a ser feita pela comunidade de modo a ganharem comida. Assim as
atividades vão desde aberturas de poços e estradas, manutenção de salas de aulas anexas,
reabilitação de estradas, até a reabilitação de pontecas feitas com material local. Simplesmente a
atividade tem de impactar positivamente a comunidade. A comida serve também para cobrir os
períodos de insegurança alimentar.
162
Figura 10. Telefone usado para leitura diária e comunicação para as zonas de risco
O sistema atual conta com duas estações de monitoria de ocorrência de eventos extremos
Massagena e vila franca do Save (ponte); conta também com as chamadas zonas de resposta
(Machicota, Mapumiri e Zivava). Na vila sede encontra-se a zona de análise e prognóstico que é o
mecanismo de avaliação de modo a verificar mediante informação meteorológica quais a zonas que
serão atingidas. Atualmente, existem hidrômetros instalados em todos os postos administrativos e
localidades, para além da única estação climatológica na sede do distrito.
Dessas leituras que se extraem dados como umidade relativa, velocidade do vento,
quantidade de precipitação por hora, desse modo consegue-se produzir um boletim informativo
163
diário que é mandado para o INGC e para o INAM, que por sua vez replicam as informações para as
mídias e para os chefes dos postos e líderes comunitários, assim a informação chega a estas zonas de
risco em tempo útil.
A comunicação consiste em alertar a população para que abandone as zonas de risco em que
vivem e se dirijam as zonas previamente identificadas como seguras pelo INGC, exemplo: Missão
Católica, Mapangara, Godjone e Bea Pea. As zonas seguras são abrigos temporários ou transitórios,
historicamente conhecidas pela própria população como local seguro, todo mês de Setembro é feita
uma revitalização dessas regiões pelo INGC de modo a verificar e revitalizar as capacidades para
acolhimento da população desabrigada, pois o fenômeno das cheias tem sido verificado entre Janeiro
a Março de cada ano. A monitoria consiste em verificar, por exemplo, se existem as condições
mínimas como casas de banho, água, estimar quantas famílias podem ser abrigadas.
Este sistema tem sido eficaz, de modo que na cheia de 2017 não foram registrados casos de
morte humana e nem de animais, sem contar que já existe registro de famílias que ao receberem
informação prévia sobre a possibilidade de ocorrência de algum evento, voluntariamente se retiram
para as zonas seguras. Contudo, caso exista renitência por parte de alguma família é aplicada a
164
Segundo o INGC o conhecimento local não é ignorado pelo governo, para tal afirmação
basta observar que o conceito de gestão de risco reza que o conhecimento local são medidas tomadas
pelas populações, através de conhecimentos e experiências anteriores. Exemplo, o uso de estacas
não graduadas ao longo do rio para diariamente verificar a variação do nível das águas. É uma
prática antiga de medições que permitia que as comunidades monitorassem a subida das águas. O
INGC não aconselhou que se abandonasse essa prática, mas aperfeiçoou-a adicionando
conhecimento técnico, aplicando marcos hidrográficos graduados, que são os instrumentos
modernos de medição de nível de água. Nisto vê-se um aperfeiçoamento e incorporação das práticas
locais. Acreditamos que existam muitos outros exemplos de práticas locais que podem passar pelo
mesmo processo.
Em termos de comunicação, a informação dada pelo INAM tem sido crucial para evitar
perda de vidas humanas e de culturas. Os extensionistas recebem informação prévia sobre
ocorrência de algum evento extremo, mediante essa informação organizam encontros, palestras,
reúnem-se com os agricultores e transmitem as medidas de cautela a serem tomadas; geralmente é
aconselhado o movimento migratório e que cada família tenha duas casas e duas plantações, uma na
zona alta (para o período de cheia) e outra na zona baixa (para o período de seca). Contudo a
população tem alegado o elevado custo de aquisição de terras para a prática da agricultura e por isso
as medidas recomendadas têm encontrado certa resistência, sem contar que geralmente as regiões
indicadas como seguras pelo governo geralmente não são favoráveis à agricultura pelo fato dos solos
serem demasiadamente arenosos, como é o caso de Divinhe e algumas partes de Chiloane. Por isso,
a estratégia de gestão e adaptação passa pelo incentivo ao consumo de produtos locais, tais como
frutas silvestres, tubérculos e outras culturas endêmicas.
“Os comitês de gestão de calamidades é que tem desenvolvido este trabalho através
165
de comícios e palestras dos líderes comunitários, eles lutam para pelo menos dar noções
básicas sobre o que é isso de riscos? De ameaças? Quais são as formas de prevenção? O
grande desafio do governo segue sendo a transferência definitiva da população para se
estabelecer em alguma zona segura de modo a evitar gastos cíclicos de verbas orçamentárias.
A questão principal é a questão financeira” (Entrevistado 06: GOVERNO DISTRITAL).
“Os mais velhos liam as nuvens. Aqui as nuvens têm nomes, por exemplo, Quando
saem nuvens Mussacadimwa é sinal de que tudo acabou, não há mais ciclone nem nada, são
nuvens brancas que cobrem tudo, tipo cabelo enrolado. Há outro tipo de nuvens escuras que
vem em gotas, pouco a pouco e cobre tudo, isso significa chuva. Outro sinal é do sol, se
houver sol com uma camada ao seu redor, já sabemos que há formação da água e vai chover.
Aprendemos isto na comunidade, sem saber que estávamos a aprender. Contudo estes sinais
agora falham, podemos ver e não acontecer aqui. Agora os desastres naturais acontecem sem
terem aparecido esses sinais.’’ (GF. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede,
Feminino. +35 Adultos).
37
Líder comunitário
166
05 anos seguintes, ou ainda era sinal de fraca produção. E se chovesse durante muito tempo num
período curto (menor que 5 anos), um dos resultados era o transbordar do rio, então esse era um
sinal de inundações das machambas, perda de culturas, pior era se essa chuva caísse em grandes
volumes nas zonas altas dos países vizinhos.
As experiências narradas pelos entrevistados indicam que antes não havia muita ocorrência
de ciclones, porém, hoje esses fenômenos que eram vistos como algo distante estão a acontecer em
Machanga, algo que ouviam dizer que acontecia lá nos EUA, agora está a acontecer aqui. Entendem
os entrevistados que é o tempo que está mudar, e essa mudança tornou-se visível a seus olhos pelo
alto nível de destruição que é provocado pelos eventos extremos, na duração da estiagem, na forma
de chover dos tempos atuais que difere do “tempo colonial” - agora a chuva não para mais, dizem.
Se antes as chuvas caiam mais no Sul e no Norte do país, agora caem intensamente no Centro. Não
sabem mais quanto tempo dura o período de seca. O período de cheias é maior que nos tempos
passados e ocorre com maior frequência. As culturas são devastadas de qualquer maneira.
“Chuvas fortes fora de época. Este ano choveu em Outubro, não é o que
esperávamos. Antigamente soprava em Fevereiro, Março, mas agora em Janeiro, às vezes em
Maio, já não sabemos quando, antigamente podíamos dizer que estávamos salvos, agora não.”
(GF. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
Pelos relatos entende-se que estes eventos extremos ambientais não são algo recente, já
aconteciam há muito tempo, não começou agora, sempre aconteceu por Machanga. Contudo,
antigamente a natureza estava contida, a água passava no seu leito normal no rio Save e ficava bem
controlada lá, não provocava inundações como hoje tem feito e as pessoas já sabiam que dentro de
duas semanas podiam voltar a trabalhar nas zonas baixas do rio Save para produzir comida, sabiam
que as cheias/inundações duravam entre 03 a 04 dias. Contudo Hoje se vive um clima de incerteza
total, basta o caudal começar a subir surge uma grande preocupação, pois em pouco tempo as casas
ficam inundadas e os bens serão perdidos.
“Os ciclones; a forma de aquecer está mudar, este ano na mudança de verão para
inverno está mudar, sentíamos frio, agora está calor, antes era em Maio.” (GF. Membros dos
comitês de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
167
De modo geral a população reconhece que os tempos não são mais os mesmos, em diversas
entrevistas foi apontado que antigamente Machanga era fustigada por ventos fortes, mas agora são
verdadeiros ciclones, que levam tudo e acorrem mais frequentemente.
“Antigamente não sabíamos como fazer, pois não tínhamos informação, chegava de
noite, nos pegava de surpresa, mas agora já sabemos antes; hoje em dia estes ciclos estão
baralhados. Já não conseguimos controlar, mas está mais ou menos [a acontecer] de 03 em 03
anos. Mas como já tem instrumentos que nos avisam, ficamos sempre a saber.” (GF líderes
comunitários, Divinhe-sede).
“Antigamente os mais velhos reuniam-se para conversar sobre a terra, se faltasse chuva reuniam-se e faziam
cerimônia e chovia, hoje não.” (GF, Não membro do comitê de gestão em Machanga-Sede, idade 15-35
Masculino, Jovens).
“Antigamente a proteção vinha da tradição, como havia respeito à tradição não aconteciam essas coisas. Estão a
acontecer muitos desastres por isso. Antes de qualquer atividade tem de passar pela tradição, tem de se fazer
cerimônias.” (G. Focal. Líderes comunitários, Divinhe).
3. Vulnerabilidade natural:
“Por ser uma ilha (Chiloane), falta de proteção contra os ventos;” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de
Chiloane, Masculino, idade +35, Adultos).
“Pela prática de sexo na praia (…) por parte dos jovens, pescadores forasteiros e ilegais e prostitutas. Os mais
velhos têm dito que as pessoas praticam atos sexuais na praia e a natureza vinga-se; é vingança da natureza.”
(G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino, idade 15-35, Jovens).
168
b) Esfera privada:
“É fruto de falta de entendimento entre nós no mundo. É uma zanga divina, porque os filhos querem
copiar o que o pai faz dentro de casa; Não cumprem o regulamento antigo.” (G. Focal. Líderes
comunitários Divinhe, Misto, idade 15-35).
6. Localização geográfica:
“É natural, é um fenômeno natural, estamos na zona baixa, o nosso relevo está em forma de escadaria.” (G.
Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
“Nós sofremos dos ciclones porque estamos perto do oceano e da seca quando a chuva não cai.” (G. Focal.
Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Chiloane. Feminino. Idade +35. Adultos).
“Quando chove muito no Zimbabwe as águas das chuvas vêm e atingem Machanga, quando há muita chuva
acontece (Cheias).” (G. Focal. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35.
Jovens).
“Por causa da localização ligada à costa, estamos perto do oceano.” (G. Focal. Membros do comitê de gestão de
Machanga-sede. Feminino. Idade 15-35. Jovens).
“É da natureza daqui, quando chove acima do normal. As cheias acontecem por causa de abertura de comportas
lá no Zimbabwe; quando chove muito temos ciclone.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de
Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
“As cheias são porque estamos perto do Rio Save, os ciclones não sabemos, mas estamos ao longo da costa,
existem lugares que nunca sofreram ciclones, talvez porque estamos perto da costa.” (G. Focal. Membros dos
comitês de gestão de Machanga-sede, Misto, Idade +35. Adulto).
“As cheias acontecem porque o Zimbabwe abre suas comportas, eles ao diminuírem suas águas nos atingem, e
como vivem perto do rio então somos atingidos.” (G. Focal. Não membros dos comitês de gestão de Machanga-
sede, Masculino, Idade +35. adultos).
“Cheia é por causa da localização, a seca é que se plantam poucas árvores, Assim não há chuva, e estamos
numa faixa costeira.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade 15-35.
Jovens).
“Estamos na zona baixa. Não conheço bem donde vêm os ciclones, mas antigamente também aconteciam não
muitas vezes, mas já aconteceu.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino,
Idade +35. Adultos).
“Nós como estudados acreditamos mais na mudança climática e no comportamento do homem”. (G. Focal. Não
membros do comitê de gestão de Chiloane, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
“Não acreditam na tradição porque o que se fala não acontece sempre, calha, não tem nada escrito, não é uma
realidade, a ciência pelo menos fundamenta” (G. Focal. Não membros do comitê de gestão de Divinhe, Misto,
Idade 15-35. Jovens).
169
“Os chineses sopram as nuvens para poderem trabalhar. Com suas máquinas enormes, não podem deixar” (G.
Focal. Não membros do comitê de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade 15-35. Jovens).
8. Mudanças da natureza:
“Esses fenômenos são naturais mesmo, não tem nada a ver com Deus, com tantas pessoas que rezam para
acabar, se tivesse a ver com Deus ele já teria resolvido.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de
Machanga-sede, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
“É por causa das mudanças climáticas, não sei o que muda, mas muda, acho que é a mudança do verão para o
inverno, que pode criar alguns ciclones.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino,
Idade 15-35. Jovens).
9. Desconhecido:
“Não sabemos, o conhecimento das pessoas está evoluir cada vez mais.” (G. Focal. Membros dos comitês de
gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade +35. Adultos).
“Não sabemos, estes eventos ficavam muitos anos sem acontecerem, então de onde vem não sei. E também os
ciclones não tinham nome como agora.” (G. Focal. Membros dos comitês de gestão de Chiloane, Masculino,
Idade +35. Adultos).
Conformo podemos observar (figura 12), os entrevistados apontaram como sendo eventos
extremos: Ciclones (em 15 grupos focais), cheias, (em 13 grupos focais), Erosão (em 04 grupos
focais), Seca (em 10 grupos focais), Terremoto (em 10 grupos focais), Praga de gafanhotos (em 01
grupo focal), Queimadas (em 02 grupos focais), Vendaval (em 10 grupos focais), Sismo, (em 02
grupos focais), Vulcão (em 02 grupos focais), Eclipse (em 01 grupo focal).
170
No de pessoas
Figura 12. Referência feita aos eventos extremos durante os grupos focais
Cada evento ambiental extremo foi classificado quanto ao impacto negativo (prejuízo/
malefícios) e positivo (benefício) que causam na comunidade.
Com este exercício conseguimos captar qual a percepção local sobre cada evento extremo,
qual é que mais os preocupa e de difícil adaptação, e que, portanto deveria merecer maior atenção
por parte dos gestores ambientais.
No geral, Os vendavais aparecem classificados como o evento ambiental que causa menos
danos, as cheias aparecem classificadas como trazendo pelas vantagens (umidade do solo), apesar da
sua alta capacidade destrutiva. O mais prejudicial e difícil de gerir é o ciclone, pela
imprevisibilidade que o caracteriza e consequentemente pelos graves flagelos na comunidade.
A CHEIA: é percebida como um evento perigoso, pois ocorre rapidamente, em pouco tempo
submerge as casas, sem permitir guardar comida dentro de casa e nem cuidar das crianças. Quando
chega leva tudo que foi feito ou produzido, arrasta tudo, leva até a casa, acumula-se lixo, surgem
muitas doenças. Contudo, dos 35 GF realizados somente 11 é que o consideraram como prejudicial,
pois segundo apontam os entrevistados, no final deixa a terra muito fértil, o que propícia boa
produção de comida e dura pouco tempo (03 ou 04 dias) e dá para gerir. A estratégia é sair para o
abrigo e voltar logo que as águas baixem.
A SECA: É um evento perigoso, pois sem água não há vida, não permite produzir alimentos, e
no mar, a seca inibe a pesca, pois sem chuva não há peixe. Não deixa nada para comer, nem cultivar,
se não tiver dinheiro podes morrer de fome. Machanga vira deserto, não há produção, os animais
morrem. Demora muito a passar, pode ficar até 03 anos. “Quando há seca, não há nem boa conversa
entre marido e mulher, cada um dorme para outro lado, não há entendimento, não há boa produção;
cheio de doenças, fome, queima muita coisa e não se produz nada. Mas, é possível sobreviver” (F.
Grupo. Membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Masculino, +35 Adultos). No entanto é
passível de ser gerida e as estratégias passam por viajar para outras regiões, desenvolver atividades
comerciais, não mata imediatamente, por esses aspectos dos 35 GF, somente 07 o consideraram
como muito prejudicial.
Morrem muitas pessoas, chapas voam, carrega motos. Há vezes que atinge toda faixa costeira, é
muito difícil de mudar-se para outra região, pois atinge a todos os distritos costeiros do país ao
mesmo tempo. 25 GF o indicaram como muito prejudicial. Alguns entrevistados apresentaram como
vantagem deste evento o fato de matar logo, sem demoras.
EROSÃO: É um evento frequente, muitas coisas somem, mas aos poucos (árvores e casas), e
diminui a terra. 30 GF o consideraram como pouco prejudicial.
VENDAVAL: Não é muito perigoso. Não impede navegação e podem ir à machamba. Somente
01 GF o considerou muito prejudicial, pois quando ocorre enquanto estão no alto-mar representa um
grande perigo.
TERREMOTO: É muito rápido e não existe zona segura para se abrigar; É difícil de comunicar,
faz desabar tudo. Contudo, tem a vantagem de matar logo e não fazer sofrer. 33 GF o indicaram
como menos perigoso.
Categoria
Evento Pouco Prejudicial Muito prejudicial TOTAL GF
Cheia 24 11 35
Seca 28 07 35
Ciclone 10 25 35
Terremoto 33 02 35
Vendaval 34 01 35
Erosão 30 04 35
eventos extremos para uns representa desgraça e para outros representa uma oportunidade, uma
possibilidade de ganho.
O abandono da tradição
“Antigamente ninguém podia pescar de madrugada (…) mas agora está acontecer,
vem embarcações da Beira e pescam toda noite até amanhecer, às vezes ficam dias no alto
mar… isto não combina com o espírito da ilha, dantes não acontecia o que está acontecer
agora, isso levanta o espírito da ilha – Ndjundju (Sereia em português) - que não fica contente
e tudo começa a se estragar.” (GF. Membros do comitê de gestão, Chiloane, Masculino, +35
Adultos).
Outro aspecto é o fato de atualmente muitos desses pescadores levarem mulheres para
manter relações sexuais no alto mar. Acredita-se que, para além da fúria do Índico, dos ciclones e/ou
outros fenômenos, o atentado ao pudor protagonizado por alguns pescadores (não nativos) e
trabalhadoras do sexo que ali frequentam pode ter deixado “os espíritos zangados”, essas práticas
estão a destruir a Ilha, pois “levam raparigas e vão fazer sexo na praia, os espíritos zangam-se.”
Alguns entrevistados dizem terem notado que o buraco que está a provocar a erosão numa
determinada área da praia, começa justamente no local usado na noite anterior para práticas sexuais
(SIXPENSE, 2009) e nesta pesquisa a questão foi mencionada novamente pelos entrevistados.
De certeza isto quer revelar uma crença bem enraizada em relação a estas causas que em
última instância moldam as percepções em relação à ocorrência dos eventos extremos. Para os
entrevistados a solução passa por uma forte intervenção do governo e das autoridades tradicionais de
modo a proibir coercitivamente estas práticas. No fundo deste quadro podemos também observar
uma rivalidade entre pescadores nativos “respeitadores e conhecedores da tradição” e os forasteiros
“promíscuos e sem respeito pelas práticas tradicionais”.
Interessante notar que em face de um problema ambiental, que é a erosão costeira, existem
diferentes interpretações e associações possíveis, por um lado falar de apelo à intervenção do
Governo e dos parceiros internacionais, vendo a solução na injeção de altas somas monetárias, e por
outro um apelo às autoridades tradicionais, pois o problema é associado a um desvio moral, a um
castigo espiritual. Contudo, as pessoas que vivem em áreas degradadas adotaram medidas simples de
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mitigação tais como a elevação dos seus terrenos com areia e resíduos, mas esta medida trás
problemas de saneamento para os seus frágeis sistemas costeiros.
Quanto à participação comunitária, dizer que a população tem sido auscultada pelo governo
distrital, contudo o retorno das soluções apontadas é que tem sido o problema.
“A marca de Chiloane eram os cajueiros, mas hoje não temos quase nenhum, devido
ao ciclone Eline que levou tudo, pedimos mudas de cajueiro ao governo, a resposta foi
sempre Sim, mas nunca aparece. (GF. Membros do comitê de gestão, Chiloane, Masculino,
+35 Adultos).
Estes e outros aspectos não se vêm refletidos nas estratégias de gestão ambiental do governo.
Contudo, acreditamos que para se alcançar sucesso na execução de uma estratégia nacional, tem de
se levar em conta estas diversidades de percepções ligadas ao risco ambiental (semelhanças e
diferenças), que no final convergem para um ponto fulcral: O homem precisa urgentemente mudar
sua atitude perante o uso que faz da natureza.
Ao entrevistarmos os jovens sobre as causas dos eventos extremos, estes se mostraram muito
desconfiados da ideia dos eventos extremos serem fruto de um castigo divino em função das práticas
imorais ao longo da praia. Há um reconhecimento da existência de namoros na praia, contudo, não
consideram que essa seja a causa dos eventos extremos. Ademais que em 2015 já se resolveu essa
questão, colocando-se fiscais nas praias, caso encontrassem alguém a namorar deveria ser levado à
Rainha da ilha para que ela tirasse “a maldição”.
3- Destrói as machambas (plantações), perdem-se muitas culturas agrícolas, é algo que não
favorece a sociedade, causam fome e nos impede de trabalhar,
4- Ficamos dependentes de ajuda do governo, pois é algo incerto, nunca sabemos por que
começou e quando vai parar.
Analisando os discursos dos membros do governo distrital no âmbito desta pesquisa percebemos
que o governo distrital está consciente dos problemas ambientais que o distrito de Machanga
enfrenta. Apesar de nas últimas cheias, por exemplo, já não se terem registros de perdas de vidas
humanas, muitos desafios ainda persistem, particularmente os ligados ao reassentamento das
povoações em zonas tidas como seguras pelo governo:
“(…) o cidadão fica renitente de ir para zona alta, segura, sem energia sem água,
como irão ver o telejornal? Uma noticia? Ouvir a rádio, (…), a zona baixa (de risco) consegue
ser mais atrativa que a zona alta (segura), nesse caso, o risco compensa.” (Entrevista 06:
Governo Distrital).
Os residentes de Machanga entendem que antes da chegada das instituições que operam no
distrito em prol do ambiente, eles eram mais diretamente afetados pelos eventos extremos. Antes se
morria mais, pois antigamente o colono usava informação só para si, diferentemente de hoje que a
informação é para todos moçambicanos do Rovuma ao Maputo, e consideram que se podem
proteger melhor, pois têm mais acesso à informação.
As ações de mitigação têm sido em cooperação multinível e multi-atores, onde o PMA e o CCM
implementam o projeto comida pelo trabalho e dão assistência às vítimas de calamidades. O projeto
comida pelo trabalho aos olhos dos beneficiários é um trabalho maravilhoso, contudo, estes
consideram que seria melhor se pudessem produzir e não esperar por comida dada.
O Governo através do INGC supervisiona o projeto comida pelo trabalho.
O INGC assiste a população, dá lonas, faz assistência alimentar e mais outros bens. Comunicam
quando está por acontecer algum evento calamitoso.
O ESMABAMA - (Associação que trabalha em Estequinha, Baraca e Machungue) Organiza o
Calendário das Operações agrícolas, faz o levantamento e registro de preços dos Alimentos no
Mercado local, levantamento e registro de dados meteorológicos.
“Este ano (2017), por exemplo, até os mais velhos admiraram o que aconteceu, foi
muito complicado. Nós que não pegamos estes livros grandes (estudar) vai ser difícil, mas
temos informação a dizer que queimadas descontroladas, cortes das árvores provocam essas
176
mudanças, graças ao INGC que nos explica as coisas.” (GF. Membros dos comitês de gestão
de Chiloane, Feminino, Idade 15-35. Jovens).
Entendem que a tendência dos eventos extremos é de aumentar, pelo fato de cada dia que
passa estarem a serem construídas mais fábricas e as indústrias poluidoras não estão a diminuir,
apesar de em Machanga não existirem indústrias, os entrevistados dão como referência a Mozal38
como sendo causadora de danos ao ambiente.
“Quando vamos ao corredor da Mozal, você começa a ver as árvores que ai estão a
sua cor, mesmo ai no Dondo há certas empresas que foram afastadas do corredor como, por
exemplo, a fábrica de cimento, quando vemos aquela poeira a subir.” (GF. Membros dos
comitês de gestão de Divinhe, Masculino, Idade 15-35. Jovens).
38
Mozal é uma empresa situada no parque industrial de Beluluane, em Maputo, Moçambique, pertencente ao grupo BHP
Billiton e responsável por parte significativa do total das exportações de alumínio em Moçambique. É uma empresa de
fundição de alumínio e seus capitais são sul-africanos e australianos, faz parte dos megaprojetos em Moçambique.
FONTE: clubofmozambique.com/business-directory/mozal-aluminium/
177
“Antigamente era muito difícil ter uma comunicação sobre as cheias, a insegurança
era total, não estávamos seguros, era só acordar e ver tudo alagado lá fora. Mas hoje temos a
informação muito cedo, conseguíamos informa aos outros para se protegerem.” (GF.
Membros dos comitês de gestão de Machanga-sede, Feminino, Idade +35.Adultos).
Consideram que o modo como são informados é satisfatório, no entanto gostariam que
aumentassem programas de educação ambiental, que fossem mais frequentes. Quanto às previsões
da ocorrência dos eventos defendem que o curto espaço de tempo é melhor, pois do contrário, se for
com muito tempo de antecedência as pessoas podem até esquecer, o melhor é assim, com pouco
tempo, por que ai acontece logo e as pessoas acreditam na informação.
A população não tem aderido aos planos governamentais de reassentamento e as razões pelas
quais os entrevistados preferem permanecer nas zonas de risco passam pela consideração das zonas
de risco como lugares ricos, por terem muitos recursos, possibilitar a pesca e cultivo agrícola.
Resumindo os motivos de fazerem questão de permanecer em Machanga são:
1. A autoestima. Alto sentido de pertença àquelas terras pela riqueza que ela oferece, por ser a
terra de seus pais e sua por herança. “Nascemos aqui e crescemos aqui, por isso gostamos.”
2. Pelo fato de viverem do Mar. Tiram caranguejo e lenha no mangal. Tem muito peixe, sal,
hortícolas, camarão e criação de animais.
3. Pelo custo de vida. A vida está muito facilitada em Machanga, é mais fácil de sustentar-se,
pois o custo de vida baixo, dizem. Não se compra água, carvão, caril, milho, lenha, mapira,
coco, quase nada. “É possível ficar uma semana com comida não comprada, quase tudo da
vida aqui é gratuito, diferentemente da cidade onde tudo se compra.”
4. A terra é generosa quando cultivada. Tem boa produção, comem o que tiram das suas
machambas. “Basta cultivar e ter sorte da chuva cair, você tem tudo. Muita produção basta
chover.”
178
O que pudemos notar é que a população adere mais facilmente às recomendações preventivas
que não ferem os seus princípios culturais. Se a proposta estiver de acordo com o seu estoque de
conhecimento tradicional eles aderem facilmente. Daí que a questão do cultivo em períodos e suas
alternâncias, por exemplo, já era algo seguido por seus ancestrais; a ideia de construir casas fortes e
resistentes em nada fere seus princípios, ademais que a forma arredondada da casa não é alterada,
assemelha-se às construções tradicionais.
Porém, diferentemente das anteriores recomendações, o abandono do local de residência, o
abandono dos túmulos de seus ancestrais e de suas raízes territoriais já é algo que golpeia os
princípios morais tradicionais e, portanto não faz parte do universo de conhecimento partilhado e
comungado, e por tal, encontra maior resistência quanto à adesão.
Um aspecto importante é a necessidade de realização de estudos mais aprofundados em
relação às zonas tidas como seguras pelo governo. Segundo podemos observar neste estudo de caso,
muitas das apreciações feitas ao longo das entrevistas são de cunho financeiro, não se está olhar para
questões ambientais, o impacto social, as implicações da transferência da sede distrital. Constatamos
que ainda não foi feita uma análise multidisciplinar, somente temos uma decisão política. Não basta
ser segura porque não é atingida pelas inundações, tem de oferecer serviços ambientais e sociais
desejáveis.
O que pudemos perceber com este estudo de caso é que em Machanga existe manifestação
clara dos efeitos das mudanças ambientais, refletido na mudança da frequência pluviométrica,
desaparecimento de ilhas de Chiloane que já reduziu de 14 para 07 Quilômetros de extensão dado ao
aumento do nível do mar, seca atroz por causa do aumento da temperatura e diminuição da cobertura
vegetal, fatores que contribuem para a alteração as épocas agrícolas e de pesca, criando novas bolsas
de fome e aumento da vulnerabilidade social.
Contudo, a capacidade de adaptação é que é o principal assunto, pois as cheia que se
registram em Machanga são na sua maioria fruto de sua localização à jusante do Rio Save e seus
afluentes, as cheias de Machanga são muitas vezes resultado do transbordo do rio Save.
Ao serem questionados sobre a origem dos eventos extremos e os responsáveis por estes
acontecerem em Machanga, os entrevistados apontaram para múltiplos sujeitos, primeiro indicam a
Deus como principal responsável pela ocorrência de eventos extremos por Ele ser o criador do céu e
da terra, então ele também é responsável pela desgraça. O desespero é tal que chegam a acreditar
que é o apocalipse, pois, toda destruição que acontece em Machanga está escrita na bíblia, é a
chegada dos últimos tempos;
180
De seguida apontam o homem, pois, por suas ações está destruir a natureza; contudo
afirmam que esses conhecimentos adquirem nas escolas, então muitos aqui não sabem sobre isso,
pois não frequentaram a escola. Não tem nada a ver com a tradição, se não já teria sido resolvido,
dizem. Aponta-se também a Mbaula (cobra de sete cabeças, mito de origem Sul-africana), pois esta
cobra provoca terremoto ao passar por uma região. Para que tal não aconteça é preciso fazer muitas
cerimônias tradicionais, de modo a acalmar a cobra.
Por último, apontam o Governo, que segundo sua visão tem estado do lado das grandes
indústrias em detrimento da comunidade, Por exemplo, apontam que há pouco tempo (Antes desta
pesquisa), estava lá uma equipa a fazer perfuração no alto mar, via-se fumo a subir na margem do
mar, com muito fogo.
“Daqui a 05, 10 ou 20 anos vamos sofrer com aquilo e eles (Governo e Perfuradores)
sabem. Aqueles (perfuradores) não podem fazer sem pagar taxas ao governo então o governo
sabe que isto vai prejudicar a comunidade. Então o responsável desta desgraça é o governo e
as pessoas que fazem esse trabalho. (…). Disseram que era proibido pescar, por que queremos
petróleo na água e obrigaram a comunidade a receber aqueles pescadores do alto mar e seus
trabalhadores. Queriam nos proibir para tirarem petróleo na água, tinham feito uma
delimitação que abrangia a área que nós pescávamos. Disseram que se prejudicassem (o
ambiente) iriam pagar, e prejudicaram, mas ninguém pagou (risos). O peixe fugiu para o alto
mar, e nós não temos possibilidade de chegar lá. O governo sabe como estão a andar as coisas,
mas ficamos prejudicados, desde esse tempo, o mar nunca mais foi o mesmo, a composição da
água mudou, parecia ter gasolina, nem peixe não víamos mais.” (GF. Membros dos comitês
de gestão de Chiloane, Masculino, Idade +35. Adultos).
Na seca aproveitam outras fontes de sobrevivência, exemplo, no tempo de seca no rio Save
fica cheio de amêjoas, então vão comendo, às vezes surgem comerciantes com pães trocam
um pouco da verdura e misturam para comer. Assim vão alternando até que chegue a época
chuvosa para cultivarem e voltarem a pesca.
Arrumar as coisas e ir a zona segura, no Zivava, Mapangara, por exemplo, levam todos os
seus bens, e colocam em cima das suas casas, depois levam o que conseguem carregar para o
abrigo. Referem que antigamente seus Pais iam para zonas altas.
Ainda nesta senda Machanga registra escassez hídrica, para ter água doce às vezes tem que andar
uns 07 quilômetros a pé (Ilha de Chiloane), o que revela em parte uma incapacidade de
aproveitamento das circunstâncias, pois se de Dezembro a Março tem sofrido enchentes, nada
justificaria que de Maio a Setembro sofra de seca tão devastadora, a não ser uma priorização de
soluções secundárias nas estratégias. Os entrevistados sugeriram um forte investimento na
construção de pequenas barragens capazes de conter as águas que vem da montante, dos países
vizinhos, e que esta água servisse para a época de escassez de chuva.
O Governo tem estado a trabalhar e envidar esforços reais, contudo, a questão financeira tem
sido sua principal fraqueza. Ademais que o grande desafio do governo é a transferência das suas
instalações para uma zona segura, pois a ocorrência de eventos extremos tem alterado o
funcionamento do aparelho de Estado na prestação de serviços a comunidade, sem dúvidas este é o
maior desafio do governo Distrital, mas existem outros constrangimentos, tais como falta de água
potável e energia; Construção da uma estrada principal; e revitalização das salinas comunitárias para
a arrecadação de receitas.
Uma lição muito importante a se tirar deste caso de Machanga é que a população tem estado
a colaborar e se mostra pronta a seguir as medidas estratégicas de gestão propostas pelo governo.
Contudo, se olhar para ordem de prioridades sugeridas pelos entrevistados pôde-se notar que as
estratégias reativas a ocorrência dos eventos extremos por parte do INGC e do governo vão um tanto
quanto na contramão das prioridades comunitárias, ora vejamos, ao colocarmos, por ordem de
importância dada pelos entrevistados, os aspectos desagradáveis e que esperam ações concretas e
eficazes para resolução imediata dos mesmos tem a ver com:
1. Estradas danificadas (as vias de acesso são complicadas);
2. Falta de transportes rodoviários e aquáticos que interliguem as localidades e postos
administrativos,
183
3. Falta de energia;
4. Serviços de internet e telefônicos deficitários;
5. As embarcações precárias e inseguras (canoas);
6. Construção das casas;
7. Fome e falta de água potável em tempo de seca e no inverno, pois os poços ficam insalubres;
8. Falta de bancos;
9. Falta de posto de abastecimento de combustível;
10. Falta de mercado;
11. Falta de emprego.
12. Muitos feiticeiros.
13. Falta de boa roupa.
A questão dos eventos extremos apesar de pertinente aparece na posição 06 e 07, por a sua
ocorrência é sazonal, mas os efeitos deixados como a destruição de estradas e falta de infraestruturas
tem acompanhado a vida cotidiana das comunidades, sendo, portanto prioridade em relação a
eventualidade da materialização de um perigo ambiental.
Por exemplo, o ponto 05 das prioridades que se refere à questão da segurança na travessia e
dos transportes no troço Divinhe a ilha de Chiloane. Esta travessia é mar adentro, e é feita em
Canoas em que os utentes têm de ficar em torno de 1h sem mudar a posição em que se sentou sob o
risco de ao se mexer balançar a embarcação e provocar um naufrágio.
Contudo estas embarcações são mais baratas e constantes, fazem travessia diária. As
embarcações razoavelmente seguras e a motor condicionam os seus serviços ao pagamento de 20
litros de combustível, que custa em torno de 1.600 meticais / USD25 para uma população que vive
com menos de um dólar por dia. Resultado, estas embarcações funcionam por requisição para o
transporte de visitantes e dos membros do governo local, os nativos pegam boleia quando dá.
“Não vivemos definitivamente nas zonas segura porque está cheia, não há espaço
para novas Machambas, e em Bea-pea não há praia, lá não há amêjoas, não dá pra viver lá.”
(GF. Membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Misto, +35 Adultos).
de risco) e fixar-se definitivamente em zonas altas (seguras), resistiremos em aderir e pactuar com as
estratégias de adaptação que nos sugeres, afinal, também és cego e não podes guiar-nos. Ainda mais,
considerando as condições que me ofereces cabe dizer-te que o risco compensa, permaneceremos
em Machanga, até que tenhas melhores estratégias e melhores condições sociais de reassentamento.
“Nossos antepassados viviam aqui, as pessoas negam sair, lá para onde vamos não
temos machambas, como aqui só enche e passa, então voltamos viver aqui. As terras
produtivas estão aqui, lá no acampamento não há nada. Já acostumamos a esta vida, quando
chove muito saímos e depois voltamos de novo, mudar daqui é um castigo, nós já
habituamos.” (GF. Não membros do comitê de gestão, Machanga-sede, Misto, +35 Adultos).
Que soluções oferece o conhecimento comunitário para permitir maior grau de adaptação?
As soluções sugeridas pelos entrevistados passam por aumentar a coesão social, conformar-se com a
situação, chamar o governo às suas responsabilidades, necessidade de uma mudança de
comportamento na comunidade, responsabilização social empresarial assim como governamental.
Apesar das mudanças ambientais, muitos entrevistados sugeriram conhecerem os tempos em
que é possível ter boa produção; de Abril a Agosto indicam que é tempo de fome, pois é tempo seco,
só a partir de Setembro a Março é que a produção tem sido satisfatória, pois é o tempo chuvoso,
nesta época as populações das zonas baixas (Mutambanhe, Mahando, Mucubwa, nas ilhas, Nagosso,
Naunhe), deveriam sair e ir para zonas seguras (Cherinda, Divinhe, Maropane, Maonga, Zivava,
Luhuwa chicota, Mapangara, Registro, escola Santa Teresinha).
Atualmente faz-se uma cobrança de uma taxa de 10 meticais por casa, para a compra de
condimentos tradicionais para realização das cerimônias: Vinho, cerveja, bolachas, coca-cola, roupa
vermelha e preta, e reza-se e deixa-se isso num cemitério grande ou no Mar. Referem que
antigamente existiam muitas zonas altas, mas a natureza foi modificada, por várias calamidades,
hoje já existem poucas zonas altas, a configuração da terra mudou, os seus antepassados tinham mais
opções de onde se esconder.
Em termos de gênero, existem pequenos conflitos que facilmente vieram à tona durante os GF,
suscitando rápidos debates, como pelo fato dos homens acusarem as mulheres de serem culpadas da
ocorrência de cheias no distrito pelo fato de irem à machamba de período (Menstruadas). Por seu
186
turno, as mulheres se defenderam e observaram que mesmo os seus antepassados iam para
machamba menstruadas e que isso não tem nada a ver com a ocorrência de desastres naturais.
Contudo, algumas mulheres consideram que os homens são os que sofrem mais durante os
eventos extremos, porque eles é que tem de assumir muitas responsabilidades, o homem tem de ter
coragem de enfrentar essas situações, carregar as crianças até a zona segura. Outras mulheres
consideram que os dois sofrem de igual modo, ademais que nos comitês existem poucos homens e
muitas mulheres corajosas que trabalham no salvamento. Enquanto o papel das mulheres é sentar e
esperar, enquanto a mulher grita, o homem tem de ter coragem para enfrentar tudo. No entanto, os
entrevistados relatam que alguns homens aproveitam dessas ocasiões para fugir e abandonar a
família.
A gestão adaptativa dos eventos extremos é também uma questão de foco. Em Moçambique é
necessário ultrapassar-se a visão do risco e da vulnerabilidade enquanto categorias estritamente
meteorológicas, pois estes conceitos são elementos dinâmicos, que vão para além do espaço físico
em que ocorrem os desastres ou eventos, ultrapassam as características geomorfológicas, tem de se
considerar veementemente as dimensões sociais, econômicas, políticas e demográficas da
vulnerabilidade socioambiental. A região de Machanga por sua natureza e geografia é propensa a
ocorrência de eventos extremos, e isso estratégia nenhuma, por mais dinheiro que se gaste vai alterar,
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o que se pode e deve fazer, nesta perspectiva, é focar nos problemas advindos da vulnerabilidade
social e potencializar, turbinar a o nível de adaptação das populações em relação aos eventos
extremos e não só, é preciso focar em resolver os problemas advindos da vulnerabilidade social,
falta de emprego, acessos a serviços sociais e ambientais, falta de mercado e outros.
A resolução destes problemas é que podem trazer soluções duradoiras e viáveis para o governo
de um estado pobre que se pretende resiliente. As estratégias oficiais do governo Moçambicano têm
de aglutinar vulnerabilidade social e vulnerabilidade natural, e tratar sempre a vulnerabilidade como
um processo dinâmico e multifacetado.
Acredito que o melhor investimento nesta área de gestão seria apostar mais na resolução dos
problemas ligados vulnerabilidade social, pobreza e outros tantos fatores arrolados nesta tese pela
boca dos próprios afetados.
evite perda de vidas humanas, da produção e dos bens, conforme sugerido pelos próprios
entrevistados.
O que pude perceber é que é a aplicação restrita da lei de ordenamento territorial está falhar em
Machanga e um pouco por todo país. As pessoas ao se recusarem a abandonar as zonas de risco,
estão na verdade a recusar a sujeição a uma maior situação de vulnerabilidade social. As zonas de
risco representam perigos ambientais de cheias, seca, ciclone, sismos e suas consequências, mas
também representa trabalho, renda, facilidades de acesso aos locais de utilidade pública como
hospital, escola, notário e outros, representa custo de vida barato, nada se compra como bem
disseram. Permanecer na zona de risco é uma decisão tomada com base no conhecimento acumulado
por gerações e gerações que por ali passaram, é acesso ao estoque de conhecimento ali guardado e
compartilhado no cotidiano, é escolher aumentar certezas em relação à situação de vulnerabilidade
socioambiental.
A prevenção ainda é uma componente enfraquecida, ainda não se encontra no DNA da
instituição. O contexto da gênese do Instituto de Gestão de Calamidades nos permite entender o
lugar a que é relegada a percepção de risco da população em suas ações. Alias o nome do instituto
documenta bem o seu propósito e seu foco, que é oferecer reação pós-calamidades, quer dizer, tem
essencialmente foco no momento pós-evento extremo, e nas atividades de salvamento e distribuição
de sinecuras a população atingida.
Portanto em Machanga temos mais do que apenas um fenômeno ambiental, temos um fenômeno
complexo que provavelmente seja a situação de todo país, Moçambique é um caso complexo.
Abordar mudanças socioambientais em Moçambique é na verdade abordar um conjunto de questões
tão profundas que articulam aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais.
As estratégias adotadas pelo governo para gerir a adaptação aos eventos extremos têm de
espelhar uma visão holística, que abarquem todas essas esferas, e que pautem pela resolução de
problemas de diferentes grandezas que não só as relativas às mudanças ambientais, não bastam os
reassentamentos projetados as meias, dar paredes, mas não dar comida suficiente, dar enxada, mas
não dar terra, como acontece um bocado por todo país: Tete, Quelimane, Maputo, Sofala,
Inhambane, há que existir seriedade em assuntos tão sensíveis. Torna-se necessário apetrechar as
zonas seguras de elementos que confiram maior segurança social aos afetados, não basta tirar da
zona de risco, tem de criar condições de bem estar social nas zonas seguras, torna-las socialmente
atrativas.
190
As percepções de risco em Machanga permitem entender que risco zero não existe, se as cheias,
por exemplo, podem matar, elas também permitem viver, na medida em que a passagem da água
fertiliza a terra, aumenta a quantidade de peixes e dessaliniza a água dos poços. Cabe aos decisores
encontrarem o ponto de equilíbrio entre as percepções de risco dos afetados por eventos extremos e
as estratégias de adaptação aos riscos como sugeridas em âmbito global, e para isso, é preciso
desenvolver e financiar pesquisas interdisciplinares para acessar tais conhecimentos. Conforme
Schütz colocou, as explicações estão expostas no cotidiano.
As percepções não são estáticas, mas sim dinâmicas, com quanto em Machanga o
conhecimento local já se encontra mesclado com muitas das explicações do conhecimento técnico,
está formada uma simbiose entre o conhecimento tradicional e o conhecimento técnico, pode se
arriscar dizer que se vive hoje um hibridismo hermenêutico, as explicações são feitas na intercessão
entre os saberes. Contudo as explicações técnicas tem se deparado com um grande obstáculo que é o
baixo nível de escolarização. Seria preciso investir mais no uso da língua local para transmissão de
conhecimentos técnicos, sob pena de não se encontrarem interlocutores fora das instituições formais
ou das chefias comunitárias.
isso é benéfico para a população porque estão diretamente a preservar a mata e indiretamente a
seguir as recomendações em relação à gestão do risco ambiental no nível global. Por exemplo, como
corolário desta atitude Governamental algumas florestas são consideradas particularmente sagradas,
entrar ou usá-las para qualquer fim requerer a permissão de um líder local.
Na Província de Sofala, que é onde se localiza Machanga, algumas florestas têm sido
conservadas através deste sistema tradicional, cuja responsabilidade encontra-se nas diferentes
linhagens familiares tradicionais. Por exemplo, a Serra de Gorongosa. Assim, quanto mais as
estratégias de adaptação aos eventos extremos forem definidas em função das percepções sociais do
risco das comunidades afetadas por mudanças ambientais, maior será o grau de eficácia das medidas
aplicadas a gestão nessas comunidades.
A vulnerabilidade ambiental em Machanga se configura cada vez mais como um problema
social. A situação de vulnerabilidade aos eventos extremos é resultado da marginalização de
populações ao longo da costa, na medida em que não se prioriza a alocação de condições aceitáveis
para habitação em zonas seguras, as pessoas vivem a sua sorte em face de um ambiente deteriorado,
pois já não oferece resistência a sua destruição seja de origem antrópica ou divina.
Em Machanga existe um conhecimento sobre as épocas em que se registravam os eventos
extremos (enchentes, as secas e os ciclones), porém a certeza desse conhecimento está cada vez mais
improvável, nisto se refletem as mudanças ambientais. Este nível de incerteza provoca desintegração
social e aumente o problema de vulnerabilidade social, por onde alguns abandonam seus lugares de
origem e outros se expõem a situações de riscos de desastres naturais por falta de opção.
Machanga é uma região inteiramente à deriva, de baixas elevações, a jusante do oceano e do
rio e de seus afluentes. Dai concluir-se que a vulnerabilidade ambiental de Machanga, assim como
das inúmeras cidades costeiras em Moçambique, advém também da inoperância da Lei de
ordenamento territorial (2008).
Esta Lei estabelece o regime jurídico de planejamento espacial a nível nacional, provincial,
distrital e municipal. Permite a concepção de um Plano de Estrutura espacial, Planos gerais e
parciais de urbanização. Trata ainda da expropriação da terra em casos em que a salvaguarda da
comunidade e do interesse comum esteja em causa. Aborda igualmente sobre a expropriação em
casos onde a administração Pública deva responder a situações de emergência que ocorram como
resultado da ocorrência de calamidades naturais ou situações similares, bem como a justa
compensação às pessoas afetadas. A aplicação da lei deveria ser priorizada com um nível de
seriedade que os desafios ambientais colocam para a humanidade nos dias de hoje.
192
1 - Deficiente coordenação intersetorial dos órgãos que trabalham diretamente com a questão
ambiental.
3- falta de conhecimento sobre quais são de fato esses conhecimentos locais a serem resgatados,
preservados e valorizados, não existe uma recolha sistemática realizada e divulgada sobre os
conhecimentos locais em relação ao risco ambiental no território nacional.
seu ponto 4.5.2 intitulado: Escassez de circulação e troca de informação, para o fato de vários
sectores que lidam com as questões ambientais em Moçambique realizarem individualmente a
recolha e o tratamento de informação ambiental e apenas na vertente especifica de seu interesse,
transformando-se assim em produtores e consumidores exclusivos de sua própria informação.
As estratégias do governo procuram estabelecer cooperação ente sua visão global e a visão da
comunidade, desde que esta concorra para a preservação ou conservação do ambiente. Embora não
deixe isso claro, pois o conceito de participação comunitário tem sido usado sem grandes
operacionalizações. Como consequência desta falta de clareza, temos diversas interpretações sobre a
participação comunitária e sua relevância na gestão adaptativa.
Daí que as auscultações populares acabam sendo o indicador de participação comunitária por
excelência, embora as mesmas não tenham produzido efeitos desejados, visto que os pedidos e
recomendações comunitárias para a melhoria de suas vidas não tem sido atendidos de imediato e
nem em longo prazo, estas decisões são tomadas a nível central. Quer dizer, quem geralmente
ausculta a população não tem poder para determinar como prioridades nas agendas e ações
ambientais que surgem dessas auscultações à população, e nem tem poder de decisão em relação aos
destinos dos financiamentos.
Estes elementos concorrem para o descrédito dessas auscultações e o cepticismo em relação à
participação comunitária efetiva. È importante que os decisores saibam que a eficácia da estratégia
nacional, provincial e distrital para adaptação aos eventos extremos tem de surgir deste casamento
entre o conhecimento técnico e o conhecimento local, sem uma relação de subordinação, mas sim de
coordenação.
Vale ressaltar que para se alcançar sucesso no processo de valorização cultural é fundamental
que seja um processo endógeno, que surja a partir do interior da sociedade, que seja definido de
forma soberana na sua visão ou no seu projeto, contando inicialmente com as próprias forças e só
depois com as forças dos que querem apoiar porque partilham os mesmos problemas ou dos mesmos
valores, é importante que seja integrado e englobe princípios holísticos como os ambientais, as
relações sociais, a educação, a produção, o consumo, o bem-estar de todos (VALÁ, 1996, p. 21).
194
CONSIDERAÇÕES FINAIS
anteriores aos eventos extremos, como por exemplo, sua história, sua relação com a terra onde
habitam, os seus mitos de origem e outros aspectos que ditam sua ancoragem naquele espaço.
A hereditariedade cultural é um aspecto marcante da vida social de Machanga, contudo, a
tradição é dinâmica e sabe reconhecer os tempos. Exemplo disso são os questionamentos em face da
gravidade dos eventos extremos, o conflito intergeracional que começa a fazer ouvir sua voz, por
onde os mais jovens já não aceitam passivamente a transmissão de alguns conhecimentos
cristalizados pelos antecessores, hoje questionam, rompem com o tradicional. Afinal, quem disse
que não se pode transar na praia? E que isso tem a ver com a erosão e com os ventos fortes? Surge e
vai crescendo a onda dos céticos em relação à tradição, com efeito, hoje a tradição é um paradigma
em crise, já não ajuda a resolver o problema dos eventos extremos.
Este é um dos aspectos que marca o processo de gestão dos eventos extremos em Moçambique,
mas então, como a estratégia nacional de adaptação às mudanças climáticas enquadra estas
questões? É possível reduzir a vulnerabilidade socioambiental sem dar atenção a estes aspectos que
interferem fortemente no comportamento e nas decisões dos afetados? A tentativa de resposta a
estas perguntas a comunicação surge mais uma vez como elemento importante, pois nos remete
imediatamente à necessidade de se aprimorar o diálogo, a transmissão de informação, de
conhecimento, de valores e de princípios localmente partilhados e globalmente ignorados.
A estratégia de disseminação de informação ambiental adotada pelo governo através do INGC
tem surtido efeito, e concorre para introdução de novas formas de ser e estar perante as questões
ambientais em Machanga. Os comícios, as palestras para divulgação de informação sobre o
ambiente são organizadas envolvendo desde o topo à base comunitária, quer dizer, desde o
administrador distrital ao chefe do posto de localidade, do secretário de bairro até ao simples
membro da comunidade, esta estratégia provoca um efeito cascata de transmissão da informação
ambiental, com todas as limitações e deturpações que possam surgir disto.
Contudo, os meios estratégicos que estão à disposição dos atores governamentais não são
suficientes para sustentar as medidas preventivas e adaptativas necessárias, tem de ser auxiliados
com planos de comunicação mais eficientes. Para elaborar planos de comunicação de risco eficazes
torna-se fundamental que os órgãos responsáveis pela gestão ambiental conheçam o modo de pensar
dos atingidos, a percepção de risco socioambiental partilhada pela comunidade, é necessário
conhecer os fatores estruturais que norteiam a percepção de risco ambiental desses grupos sociais.
Isto implica num maior envolvimento entre o governo, as comunidades locais e as instituições de
pesquisa, de modo que a ciência esteja a serviço da harmonização da relação entre as estratégias do
196
Isto abre espaço para a perspectiva futura desta pesquisa de tese, que é desenvolver estudos e
análises de modo a auxiliar o governo na adequação das estratégias governamentais às realidades
locais dos 128 distritos em Moçambique, com enfoque principal nos distritos costeiros, tal como é o
caso de Machanga.
Contudo, há que se apelar ao governo para uma maior seriedade na consideração e aplicação
dos resultados de estudos e pesquisas que têm sido realizadas por diferentes atores, de modo a
garantir a redução de gastos financeiros avultados, em ciclos viciosos de mitigação aos eventos
extremos.
Esperamos que esta pesquisa contribua para o debate sobre as formas de interpretação dos
problemas ambientais em Moçambique, assim ambicionamos: 1) Que as conclusões da pesquisa
contribuam para a facilitação de implementação de meios de comunicação eficazes e práticos,
favorecendo a adoção de políticas públicas para garantir o direito a assistência, reforçando as
estratégias educativas no sentido de prevenção. 2) Que este estudo possa favorecer o
estabelecimento de um sistema de coordenadas conceituais que articule ordens de conhecimentos
distintos, como os fatores naturais e sociais que concorrem para a prevalência dos problemas
socioambientais em Moçambique. 3) Uma descrição dos meios formais e informais de adaptação às
mudanças ambientais: Perigos das mudanças climáticas; Elementos de risco de desastre; Condições
de vulnerabilidade e causas subjacentes.
Fenomenologicamente ponderando, no desenho das estratégias de adaptação e dos planos
diretores urge a necessidade de se considerar a relevância da manifestação cultural e do ambiente
como elementos inseparáveis, coexistentes, como realidade una e indivisível, se tratado de modo
diferente corre-se o risco de ter grandes dificuldades de sucessos na implementação de estratégias,
como no caso Bea-Pea em Machanga. É importante que os tomadores de decisões considerem que a
comunidade se insere no meio onde vive e dela depende para sobreviver, surgindo daí uma relação
de constante interdependência.
Apesar dos grandes esforços, empreendidos pelo governo e pelas organizações não
governamentais, muitas pessoas ainda são afetadas por estes eventos de cheia, seca e ciclones. As
ações de ordenamento territorial que visa à retirada da população das zonas de risco e sua alocação
as regiões altas ou zonas seguras não tem encontrado eco positivo nas comunidades, ao que se
prognostica nesta tese que seja por questões ligadas ao custo de oportunidades entre a percepção de
risco que estas comunidades partilham e as vantagens comparativas oferecidas nas zonas seguras.
Independente do verdadeiro motivo, esta situação resulta em gastos cíclicos em planejamentos de
198
ações ineficazes, o que custa muito caro aos bolsos dos moçambicanos e dos parceiros de
cooperação.
Em locais como Machanga em que as ameaças são constantes, as estratégias de adaptação
deveriam concorrer para redução da vulnerabilidade social aos eventos extremos. Mais do que
antepassados, mais dos que machambas, o que as populações reivindicam quando rejeitam as
medidas estratégicas do governo é aumentar a sua vulnerabilidade social, no fundo ir viver nas zonas
seguras representa aumentar o nível de vulnerabilidade social. Enquanto que voltar para zonas de
risco significa aumentar certezas, significa reduzir a sua condição de socialmente vulnerável apesar
das eventualidades de um evento climático adverso. E para o caso de Machanga a população tem
mostrado que é mais importante a gestão da vulnerabilidade social do que da vulnerabilidade
ambiental, apesar de igualmente necessária.
As estratégias de adaptação aos eventos extremos devem contribuir para a redução da
vulnerabilidade ambiental e social, sob a probabilidade de, do contrário, nunca se tornarem
eficientes e nem eficazes. Captar percepção de risco é isto, é tornar-se sensível as falas mudas, é
equalizar sua música com o diapasão do mundo da vida social, é priorizar a participação comunitária
de fato, a sério, isto é gestão do risco ambiental adaptativa e consciente.
O conhecimento da realidade, apesar de ser sempre um ponto de vista, constitui o primeiro passo
para a superação dos problemas de toda ordem e natureza. Assim, um aspecto notável no governo
moçambicano é o apoio sistemático às instituições que trabalham na gestão e planejamento de ações
estratégicas para a adaptação aos eventos extremos, o que revela um comprometimento com as
questões ambientais, revela a existência de uma consciência ambiental.
Temos plena consciência de que esta pesquisa poderia dar muito mais contribuições para este
debate sobre a pertinência e urgência da valorização do conhecimento local na resolução de questões
globais. Contudo, consideramos que a compreensão sobre este tema não poderá ser totalmente
esgotada aqui, pois tal qual lembra Schütz (1967: 98), o significado transmitido pelos entrevistados
representa um conceito limite de suas capacidades hermenêuticas, na medida em que a verbalização
das experiências transmite um conhecimento enviesado dessa mesma experiência. Ademais que sem
todo este processo de pesquisa sofreu influências do meu olhar e das minhas limitações como
pesquisador.
Esperamos poder continuar a trabalhar melhor os aspectos aqui levantados e, sobretudo continuar
a trazer contribuições científicas para este tema, pois julgamos que este trabalho abre possibilidades
para se refletir sobre: como os sistemas de gestão de desastres podem funcionar com base no
199
conhecimento tradicional das comunidades? Como alinhar as estratégias de gestão à percepção local
do risco? Que tipo de educação ambiental seria ideal para se alcançar o objetivo de reduzir a
vulnerabilidade social das populações?
Olhando para os processos endógenos: Qual o papel da ação coletiva, da ciência cidadã, do
monitoramento participativo e das tecnologias sociais enquanto saídas possíveis? Até que ponto
fomentar esses processos endógenos pode ser uma estratégia interessante de governança? Como
criar condições para que tais processos aconteçam? Que novos caminhos seguir? Como os sistemas
de gestão de desastres podem funcionar com base no conhecimento tradicional das comunidades?
Sobre a comunicação de risco: Será que as soluções passam por ampliar o poder de penetração da
mídia na sociedade? Por que não estimular outros meios de comunicação mais populares? Por que as
rádios comunitárias, que se mostram um ótimo meio, não têm apoios necessários?
Nosso próximo passo será de procurar colher experiências em outros locais pelo mundo, ou seja,
situações semelhantes e com as quais podemos partilhar experiências sobre as formas criativas de
lidar com problemas semelhantes. Dialogar com outras realidades, analisar outros casos, fazer
estudos comparativos, de modo a refletir sempre sobre qual a melhor solução para a adaptação aos
eventos ambientais extremos no caso específico de Moçambique.
200
DESAFIOS METODOLÓGICOS
A aplicação do método fenomenológico exige do pesquisador um exercício de transposição
do campo estritamente filosófico ao campo da empiria, da prática (GIORGI, 2008). Para realização
deste trabalho de pesquisa a transposição do método fenomenológico trouxe desafios à realização da
pesquisa, mas que foram ultrapassados.
Essencialmente os desafios consistiram no fato de ter de primeiramente construir um grau de
confiança com os entrevistados para poder aceder aos seus relatos em relação as suas experiências.
Em algum momento tornou-se difícil o diálogo, pois as pessoas não falavam facilmente das
vivencias. A presença de algum membro da comunidade foi à estratégia usada para criar confiança.
O fato de o pesquisador não pertencer à comunidade ou à província de Sofala, criava um
distanciamento entre o pesquisador e os pesquisados, que em diversas vezes acabava-se construindo
uma relação de (entre muitas aspas) “superioridade e desconfiança” em função do lugar de origem
(por ser da capital do país), isso restringia a comunicação ou escancarava o acesso a uma informação
dissimulada em função do que se pensava que o pesquisador quer ouvir.
A falta de domínio da língua local com certeza fez perder alguns detalhes apesar das
traduções feitas simultaneamente, pois para uma pesquisa fenomenológica é sempre necessário
aconselhável beber da fonte diretamente. Para superar usou-se do improviso de interpretes
participantes. Permitiu-se que cada um se expressasse na língua que mais à vontade se sentisse e
quem no grupo entendesse e falasse as duas traduzia no final da fala.
Os entrevistados construíam narrativas de modo a satisfazer o pesquisador, entre outros
acredito que seja pelo fato de ter sido visto várias vezes na companhia de membros do governo e de
membros de instituições não governamentais, o que fazia que fosse confundido como sendo um
deles. E que, portanto, pudesse ter algum poder de influência ou de distribuir benesses à população.
A estratégia foi sempre explicar no inicio de cada entrevista os propósitos da pesquisa, mas estava
instaurado o ambiente de desconfiança, e a partir daí as falas seriam mais prudentes.
A falta de energia em Machanga restringiu muito a gravação de vídeos, o que não permitiu
que pudéssemos captar a linguagem corporal de alguns entrevistados, afinal na pesquisa
fenomenológica, o modo como se fala é um dado a ser levado em conta. Por fim, o fato de ter que
trabalhar com diferentes perfis socioculturais nos mesmos grupos focais trouxe dificuldades, pois
alguns participantes ficavam inibidos em falar. As disparidades entre os participantes eram
significativas. Estes aspectos recrudesciam o distanciamento em relação ao pesquisador que tinha de
ser muito interventivo para poder garantir a participação de todos.
201
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Climática (ENAMMC 2013-2025). 2012.
214
APÊNDICE
JORNAIS DE MOÇAMBIQUE
JORNAIS / PERIÓDICOS (LINKS) PROVÍNCIA DE ORIGEM
Maputo Maputo
Jornal Notícias Maputo
Jornal Verdade Maputo
Jornal Savana Maputo
Diário de Moçambique Maputo
Folha de Maputo Maputo
Conselho de Maputo Maputo
Grupo Desportivo de Maputo Maputo
Portos e Ferrovias de Maputo Maputo
O Pais Maputo
Fim de Semana Maputo
Jornal Público Maputo
Jornal Desafio | Esporte Maputo
Jornal Domingo Maputo
Município de Maputo Maputo
Governo Província de Maputo Maputo
Município de Beira Beira
Governo Província Cabo Delgado Cabo Delgado
Governo Província de Gaza Gaza
Governo Província Inhambane Inhambane
Município de Matola Matola
Mocuba online guiademidia.com.br Mocuba
Governo Província de Nampula Nampula
Governo Província de Niassa Niassa
Governo Província de Sofala Sofala
Governo Província de Tete Tete
Jornal Zambeze Zambézia
Zambézia online Zambézia
Governo Província de Zambézia Quelimane
215
Guião: Apresentação
2.2 Como é trabalhar nesta área em Moçambique? Gostam? Não gostam? Bom? Mau? Normal? Não
sabem? Por quê?
2.3 Vamos falar sobre eventos extremos. Que pensamentos/ Imagens/ Ideias vos vêm à cabeça?
2.4 O que são e quais os eventos extremos de que já ouviu falar? Vivenciou? Quais os mais comuns
em Moçambique?
2.5 O que é Cheia? Seca? Ciclone? Há diferença entre eles em termos de impacto? Perfil dos
afetados?
2.6 De um modo geral acreditam que se levam em conta as sensações, os estados de espírito,
emoções dos atingidos por eventos extremos aquando do desenho de estratégias de gestão dos
eventos extremos?
2.7 Acham que a quando da ocorrência de eventos extremos existem perdas/ganhos? Se sim, que
perdas? Que ganhos?Existe algum benefício na ocorrência destes fenômenos aqui em
Moçambique? Quem se beneficia? Como?
3.1 Para além do governo, existem pessoas, instituições ou organizações que trabalham para gestão
dos eventos extremos (Cheias/seca/ciclone)?
3.1.1 Se SIM, quais? De onde vem? O que fazem? (pular para 3.1.3)
3.1.3 Como acha que se defendiam ou protegiam dos efeitos dos ciclones, da seca, das cheias
antes da chegada das ONG´s e do INGC? Como eram enfrentadas estas situações? Como
viviam? O que acontecia de diferente?
3.1.4 Acham que são afetadas/morrem/desaparecem mais pessoas agora ou antes da chegada
das ONG´s? Por quê? Existem relatórios onde podemos observar?
3.1.6 Caso existissem o que gostaria que elas fizessem? Como gostaria que atuasse?
4.2 Como acham que tem evoluído a ocorrência de cheia/secas/ciclones em Machanga nos últimos
anos? Aumentaram? Diminuíram? Está normal? Não sabe? Por quê?
4.3 Como acham que vai evoluir a ocorrência de eventos extremos nos próximos anos? Vão
aumentar? Diminuir? Manter-se? Não sabem? Por quê?
4.4 Em uma situação de evento extremo, quais as principais recomendações dadas à população?
Quais as principais atitudes indicadas a serem tomadas a quando duma situação de: 1- Cheias? 2-
Seca? 3- Ciclone?
Salvar os animais;
Outros;
4.5 A quem devem recorrer em caso de evento extremo? A quem devem pedir ajuda? (caso aponte-
se mais de um ator, pedir que seja colocada em ordem de importância)
4.6 Em sua opinião, quem deveria responsabilizar-se pela gestão dos eventos extremos em
Machanga? Por quê?
5. Objetivo: Conhecer quais as tipificações e crenças que os diferentes atores fazem/tem sobre
os eventos extremos em Moçambique/Machanga
5.1 Se tivessem que classificar os eventos extremos quanto ao impacto negativo numa escala de 1 a
3. Onde: 1. Mau; 2. Pior; e 3. Péssimo. Como classificariam e por quê?
5.2 Se tivessem que classificar os eventos extremos quanto ao impacto positivo numa escala de 1 a 3.
Onde: 1. Bom; 2. Muito bom; e 3. Melhor. Como classificariam e por quê?
5.5 Existem outras regiões que são afetadas do mesmo jeito que aqui? Quais? Por quê?
5.7 Se pudesse acabarias com a ocorrência destes fenômenos? Como farias? O que acham que
deveria ser feito para resolver?
218
6.1 Por onde são veiculadas as informações sobre a possível ocorrência de Cheias/secas/ciclone?
Cheias
Secas
Ciclones
6.2 Acham a informação dada por estes órgãos de comunicação suficiente para proteger a
população dos eventos extremos?
7.1 Quais órgãos responderam pela gestão do Ambiente durante o período da gestão Samora (1975-
1986); Chissano (1986-2004), Guebuza (2004-2014).
b) O organograma do governo nas diferentes gestões definia funções específicas referente a área de
ambiente?
7.2 Existia interação entre os diferentes órgãos (das três esferas Distritais, Provincial e Nacional)
para lidar com a problemática ambiental em Moçambique? Se Sim, poderia explicar como
funcionou? Se Não, Por quê?
7.3 Existindo essa interação, em sua opinião, o que prevaleceu: colaboração ou conflito (entre as três
esferas: Distrital, Provincial e Nacional)?
219
7.4 Tendo em conta o paulatino processo de descentralização das estratégias de gestão ambiental?
Quais mudanças existiram na passagem de um para outro?
7.5 Existe de fato reconhecimento da autonomia do distrito para lidar com as questões ambientais?
Quais é a principal função/ responsabilidades ambientais?
7.6.2 Eles participavam das discussões sobre a política ambiental Distrital, Provincial e
Nacional?
7.6.3 Havia interação de outros movimentos populares, partidos políticos, etc com os órgãos
Distrital, Provincial e Nacional? Como funcionava?
7.6.4 Qual foi a importância destes movimentos para as políticas ambientais Moçambicanas?
7.7 Considera eficaz o modo como à temática da gestão ambiental global foi incorporada a realidade
social Moçambicana? Por exemplo, na formulação do Plano estratégico a nível Distrital,
Provincial e Nacional?
8. Quais os atores sociais que participam deste processo de desenho das estratégias de gestão
ambiental em Moçambique/Machanga? (Procurar elencar instituições, partidos, entidades
ambientais e estatais).
12. Durante o período de 80 a 2015 existiu alguma preocupação, por parte do Governo, em realizar
um programa de conscientização da população sobre as questões ambientais visando a ampliação
da informação e educação ambiental? Se possível cite exemplos concretos.
13. Com o grau de vulnerabilidade ambiental apresentado por Moçambique, por que a problemática
ambiental segue sendo tema transversal?
14. Moçambique entre a luta contra a pobreza e a Problemática ambiental: em sua opinião como
superar a “pobreza” sem sobrecarregar o ambiente?
15. Qual o papel da população na gestão ambiental? Coo participam na construção e posteriormente,
como são afetados por essas estratégias de gestão ambiental?
16. Quais os novos desafios e limitações, impostos a gestão ambiental em Moçambique hoje?
Muito Obrigado!
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Existe alguma relação entre a ocorrência de cheias, ciclone, seca e as condições em que se
vive em Machanga? (Causalidade)
Que perdas/que ganhos tiveram, ou ficou sabendo que outros tiveram nessas ocasiões? (Dor
e prazer como fatores e modeladores de opinião)
Antes da chegada das instituições que trabalham aqui na gestão de desastres Naturais, como
eram enfrentadas essas situações de modo a que aqui permanecessem vivendo?
Antes da Chegada das ONG´s e do INGC como se defendiam ou protegiam da seca, cheias
ou ciclones?
Quais as percepções que os diferentes atores têm sobre os desastres naturais em Machanga?
Quais as tipificações que os diferentes atores fazem sobre os desastres naturais em Machanga?
Quais as crenças que os diferentes atores têm sobre os desastres naturais em Machanga?
Numa situação de desastre Natural, o que considera mais importante (Bens Matérias, Salvar
a tua vida e a do outros, Salvar os animais, etc.)?
Qual a primeira atitude a ser tomada a quando duma situação de desastre Natural?
E agora, tem mais pessoas afetadas por estes eventos climáticos do que antigamente?
ACTIVIDADES
2014 2015 2016 2017
1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4
Disciplinas e atividades curriculares
Levantamento bibliográfico, elaboração e teste dos
instrumentos de recolha de dados;
40
A numeração de 1 a 4 no cronograma de atividades indica que cada número corresponde a um trimestre do respetivo
ano.