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LOBOLO EM MOÇAMBIQUE: UMA PRATICA EM CONSTANTE ADAPTAÇÃO,

TRANSFORMAÇÃO E REAJUSTAMENTO

Por: Anselmo Moiane1: Maputo 20 de Agosto de 2022

Resumo

Em Moçambique o Lobolo é um símbolo e prática cultural e de identidade dos (Tsongas),


grupo étnico predominante a sul do rio Save, este estudo analisa o Lobolo em Moçambique.
No artigo discute se o lobolo enquanto uma pratica em constante adaptação, transformação e
reajustamento é uma pesquisa qualitativa na vertente histórica, que visa descrever a pratica do
lobolo desde o período pré-colonial, período colonial e período pós-colonial em
Moçambique. Em termos de metodologia, o trabalho se apoia na entrevista, na consulta
bibliográfica e análise de documentos. Como considerações finais verifica-se que, o lobolo
contribui para a moldagem da estrutura de pensamento colectivo na sociedade moçambicana
do sul do rio Save, o lobolo desempenha no meio rural um papel social de regulador e garante
da estabilidade conjugal, familiar e social dos indivíduos em sociedade e enaltece o papel da
mulher na família, enobrece e prestigia o homem perante a sociedade, o que impõe a
constatação de que a prática do lobolo representa uma compensação à família da noiva, e ao
mesmo tempo simboliza o acto de reconhecimento da união do novo casal pelas duas famílias
e fortifica a preservação de valores socioculturais.

Introdução

O debate sobre a pratica de lobolo em Moçambique não é novo, Autores de diversas áreas
como antropólogos, sociólogos e historiadoresJunod (1996),Teixeira (1997), (Bagnol (2008),
Ferreira (1975), Granjo (2005) , Arnefred (2001)etc), tentaram conceituar o lobolo, no
entanto, a diferença entre eles reside na perspectiva de análise, contexto histórico, e espaço
geográfico sobre o qual cada um deles escreveu, do ponto de vista temporal o debate sobre o
lobolo pode ser situado em três momentos que caraterizam a historia contemporânea de
Moçambique nomeadamente o período colonial , pós colonial que se divide em duas fases
( primeira e segunda republica de Moçambique independente).

No presente artigoprocura se fazer um debate sobre a pratica do lobolo olhando para a sua
dinâmica, adaptação, transformação e reajustamentos desde o período pré colonial, colonial e
pós colonial.

1
Formado em historia com habilitação a geografia pela universidade pedagógica de Maputo /Moçambique,
actualmente exerce as funções de docente no colégio internacional Lusíadas. Autor de varios artigos na area
de historia sociocultural e politica de Moçambique, religião .
O problema que se impõe é o facto de ao longo do período colonial, e nos primeiros anos da
independência nacional ter-se notado o combate contra a prática do Lobolo assim como das
outras culturas tradicionais moçambicanas, por se considerar uma pratica retrograda ao tipo
de homem que se pretendia formar, havendo vozes quechegaram associar esta pratica a uma
espécie de negócio dai que devia ser extinguido. O lobolo sobreviveu este boicotepolitico ate
aos dias de hoje.

Conceito de lobolo

Segundo Bagnol (2008) lobolo “é um termo usado na região sul de Moçambique para referir
o casamento costumeiro, bem como os bens que os parentes do noivo oferecem a parentela da
noiva”. Por sua vez Jeffreys (1987) refere que ,“ lobolo é uma palavra com origem na região
da África do Sul, usada para designar o pagamento feito em bois para a obtenção da noiva”.
Este pagamento, concebido como compensação, é feito pelo noivo à família da noiva o qual,
cria laços muito sólidos entre as famílias do novo casal.
Diferentemente de muitos autores, que situam o lobolo no carácter económico, como pode-se
notar, Teixeira (1987) situa este ritual no carácter social e cultural. Para este autor, “lobolo é
uma forma social de constituição de família e um meio público de reconhecimento da
constituição de famílias sólidas, prestigiadas e socialmente reconhecidas”.

Analisando as definições destes autores fica claro que lobolo é um acto sociocultural de
sociedades patrilineares, que consiste na transferência de bens do clã do noivo para o clã da
noiva como forma de legitimar a união do novo casal. Esta forma de legitimar o casamento
tradicional é muito mais que uma prática costumeira, é o símbolo de reconhecimento da
paternidade do marido sobre os filhos, é também um meio de unir o novo casal junto aos
espíritos de antepassados de ambas famílias atribuindo deste modo um carácter económico,
sociocultural, político e religioso.
Contexto do surgimento do lobolo
Não se sabe ao certo a data do surgimento da prática do lobolo, mais acredita-se que tenha
origem na região dos grandes lagos e foi-se expandindo em várias regiões do continente
africano. A prática do lobolo em Moçambique se deveu à expansão verificada a partir do
M’fecane2. Dessa forma, Lederer (1968), leva-nos a acreditar que “a prática do lobolo não é
um fenómeno novo, visto que, ela vem se realizando ao longo do tempo em Moçambique”.

2
M’facane período de lutas e de transformações politicas que tiveram lugar na região dos zulus (africa do sul) ,
na segunda metade do século XVIII
Nessa época, o lobolo era uma forma de agradecer a família da esposa, a honra dada ao rapaz
e, além de ser uma forma de informar aos espíritos dos antepassados que a jovem ia sair de
casa paterna e ainda, uma prova de que o pretendente está suficientemente preparado para
prestar cuidados à sua noiva, também estabelece um vínculo entre as duas famílias. Todavia,
havendo dissolução os filhos ficam com o homem, com a possibilidade de recuperar o
dinheiro pago no lobolo (CIPIRE, 1996).

Apesar da imprecisão, quanto ao período do surgimento da prática do lobolo, dados históricos


apontam para modificações significativas na maneira como o lobolo foi realizado ao longo do
tempo em Moçambique.

Prática do lobolo no Período pré-colonial

Inicialmente, muito antes da chegada dos europeus, o lobolo era feito em esteiras e objectos
de uso corrente (enxadas catanas, etc.), mais tarde empregaram elementos como anéis de
ferro e de cobre, obtidos das trocas comerciais com os marinheiros que visitavam a costa. Já
no século XVIII, os bois eram a moeda corrente para o pagamento do lobolo 3. No entanto a
falta de bois, causada provavelmente pelas guerras com os zulus, foi a razão para que se
introduzisse produtos ou objectos como enxadas entre 1840 a 1870. “Com a dinâmica
económica, social, cultural e política, os valores cobrados pela família da noiva iam
crescendo, variando de lugar, nível económico das famílias, entre outros factores”. (JUNOD,
1996).

No início do século XIX, os bois eram importante meio de prestígio, de acumulação de


riquezas, de acesso às mulheres, aos filhos e de garantia de segurança alimentar, (Idem).

Com escassez do gado como consequência dos frequentes ataques de Gaza, os jovens já não
conseguiam obtê-lo para o pagamento do lobolo. Numa primeira fase, as enxadas
substituíram o gado. Porém a partir de 1850, quando os primeiros moçambicanos da região
sul começaram a procurar trabalho na África do Sul, o lobolo passou a ser realizado com
recurso a poderosa libra esterlina, em paralelo com o uso de enxadas e bois (BAGNOL,
2007).

3
Para Sengulane (2015), o poder político e a riqueza do gado eram utilizados como garantia para o pagamento
do lobolo. Antes do comércio se consolidar, a criação de gado foi a primeira actividade económica relevante.
Por ser utilizado no lobolo, apresenta também o valor que a mulher tem para a família que exige e para o
homem que estiver disposto a pagar. A questão económica é pertinente, pois o gado era o recurso mais rico até
então e sua reprodução era garantir a existência de famílias e comunidades.
De acordo com Sengulane (2015), Os constantes conflitos, a partir da invasão de Soshangane,
foram a razão pela qual o gado foi sendo substituído pelas enxadas. O uso de enxadas
perdurou entre os anos de 1840 a 1870. Os objectos relacionados à agricultura eram
observados como sinónimo de riqueza para os povos tsonga, como o gado e as enxadas, dado
que o cultivo era a base de subsistência para esses povos. As enxadas simbolizavam a riqueza
da agricultura e eram interpretadas como um objecto precioso para as famílias no lobolo,
pois, em termos de compensação, as enxadas serviam para produção agrícola. Sendo assim,
quanto mais enxadas, mais riqueza era para a família da noiva.

Os meios de lobolo antes da monetarização eram provenientes dos familiares do noivo, mas
partir da monetarização nos finais do século XIX, essa responsabilidade passou
exclusivamente para o noivo embora, o ritual continue a ser de carácter colectivo. (COSSA,
2015).

Na verdade, mudanças na prática do lobolo sempre houve, mas é preciso reconhecer que elas
ganharam contornos capitalistas a partir da segunda metade do século XIX (1890), quando se
celebrou um acordo entre Moçambique e África do Sul para se albergar naquele país a mão-
de-obra moçambicana no trabalho das minas e receber em troca, o dinheiro.

Aliás Newitt (1997) diz que com o trabalho migratório, consequência da necessidade de mão-
de-obra na África do Sul, nas plantações e nas minas de diamantes no rio Orange em 1867,
em Griqualandia (1867) e Kimberley (1870) e, nas minas de ouro de Transval (1886) 4, os
trabalhadores obtinham os salários que, permitiam aos jovens a compra de bens de consumo
que lhes aumentavam a sua posição e da sua linhagem, e aplicando as receitas no pagamento
do lobolo e do imposto de palhota.

Neste contexto o lobolo passou a ser pago em bens de consumo ou mesmo em dinheiro.

Quanto às motivações que levavam os rongas a optarem por trabalho assalariado, pode – se apontar um
factor importante: a escassez do gado bovino para o pagamento do lobolo, deu como resultado que
passasse a ser aceite para o mesmo efeito, um outro bem considerado precioso e de custosa aquisição:
as enxadas de ferro tradicionalmente fabricadas. Os jovens regressados das plantações de açúcar de
Natal e outros centros de trabalho, adquiriam sem dificuldades as enxadas necessárias para o lobolo.
(FERREIRA, 1989 p. 316).

4
Segundo Martin e Kaniki (2010. P. 476) nos últimos trinta anos do século XIX, a África do sul experimentou
uma verdadeira revolução , não só económica mas também social. A primeira causa de transformação refere se
ao único acontecimento: a descoberta de minerais, primeiro, diamantes na Griqualandia em 1867 e em
Kimberley em 1870, depois , ouro no Transval em 1886.
Com esta afirmação, fica evidente que a prática do lobolo sempre esteve sujeito a mudanças e
reajustamentos em função das dinâmicas sociais, políticas e económicas de cada momento
histórico. Alias como afirma Fernandes(2020)é inevitável que as tradições sofram
transformações, pois hoje são estimuladas pelo fenômeno da globalização que, além de sua
dimensão material e tecnológica, acarreta também uma ampla gama de diversidades culturais
que tendem a se misturar com a cultura local de onde se instala, tecendo relações de
intercâmbio e interdependência.

Honwana (2002) afirma que este dinheiro era usado para mostrar a supremacia masculina e,
para demonstrar o grau de poderio no que diz respeito ao sustento de uma mulher, o rapaz
tinha que pagar um valor à família da noiva.

O lobolo no período colonial, 1885-1975

No período colonial, a prática do lobolo viveu dois momentos diferentes, o primeiro diz
respeito a visão do governo colonial português, que mostrava um interesse particular, daí que
nas reformas de 1930 as autoridades coloniais portuguesas estipularam um valor a ser pago
em dinheiro, passando a ser obrigatório comunicar a administração a transferência do gado de
um grupo para outro. “Esta medida visava o controlo da movimentação do gado” (COSSA,
2015).

O regime colonial interpretava o lobolo numa premissa evolucionista, como prática


retrógrada e, apesar de reconhecerem sua importância na vida dos nativos, acreditava-se que
a educação cristã iria levá-los a romper com a prática. A função dos portugueses era intervir
nos costumes dos nativos e eliminar o que era entendido como defeito, o lobolo era um deles,
era condenável, por no entendimento deles se tratar de “compra e venda de mulher”.

De acordo com Fernandes (2020), “a autoridade colonial entendia o lobolo como um


casamento inválido e depravado, pois o pagamento era realizado em gado, com isso não há
compromisso afectivo entre as partes”. Contudo, o lobolo era autorizado pelo fato de não
visualizarem nele o seu carácter espiritual, diferente de como viam o curandeirismo, e as
demais práticas tradicionais.

Segundo Fernandes (2020):

Os portugueses procuravam a influência cristã sobre o lobolo. Os indivíduos que quisessem casar
deveriam fazer o casamento canónico na igreja católica e baptizar seus filhos na mesma instituição, era
uma obrigação. Isso condiciona uma evangelização do casamento tradicional que, a partir desse
momento, começa a englobar elementos cristãos (p. 48).
A segunda visão sobre o lobolo tem carácter hostil, a Igreja no seu trabalho missionário,
visando “civilizar” a população indígena, proibiu aos recém-convertidos de praticarem o
lobolo e encorajava-os a praticaremo casamento canónico: “os missionários Anglicanos
equiparavam o lobolo a uma compra e venda de mulheres, acreditando nesta perspectiva, o
matrimónio era uma mera transacção mercantil, os missionários lutavam por proibir este
ritual entre cristãos baptizados até onde fosse possível” (SAÚTE, 2005).

Cossa (2015) afirma que “nesse período, com a colonização portuguesa, o indígena era
considerado alguém sem cultura, sem valores civilizacionais, alguém a quem era preciso
ensinar, abrir as portas ao saber científico e a “civilização”, pelo que foi obrigado a ter que
odiar e abandonar a sua própria cultura.”

De acordo com Saúte (2005, pp. 252-253),

nos meados do século XX, alguns missionários anglicanos começaram a compreender que o lobolo era
eventualmente o centro de toda a vida social e religiosa da maioria das pessoas do sul de Moçambique,
um costume profundamente enraizado nas comunidades. Eles compreenderam ainda que a insistência
em abolir o lobolo conduziria ao desaparecimento dos convertidos moçambicanos da igreja anglicana.

Embora tenha-se mantido o casamento tradicional para os indígenas, este foi absorvido e
enquadrado pela lei do próprio sistema até ao fim da colonização de Moçambique, onde
pensa-se que pode ter sido em parte para manter um equilíbrio e controlar o sistema
tradicional.

O lobolo no Período Pós-Independência, 1975-1994

Em Moçambique o novo governo instituído depois da independência considerava as formas de


organização tradicionais inadequadas para a nova sociedade que se pretendia construir. Por isso,
procurou-se idealizar traços culturais sobre os quais se iriam basear as consideradas culturas nacionais
para a segurar a unidade nacional e subalternizaram vários grupos etnoculturais. (LANGE, 2012,
pp. 21-22).

Após a independência de Moçambique, em 1975, “a nova estrutura político-administrativa do


período pós-colonial foi montada sob uma filosofia de inspiração socialista” (Ibid, p. 22). “O
governo da FRELIMO defendeu uma estratégia 5 que visava erradicar o que se chamava

5
A estratégia do governo da FRELIMO resumia se seguinte, seguinte discursa: «A sociedade, compreendendo
que a mulher é uma fonte de riqueza, exige que seja pago um preço. Os pais requerem do futuro genro o
pagamento de um preço, o lobolo, para cederem a filha. A mulher é comprada, herdada, como se fosse um bem
material, uma fonte de riquezas» 5 (Machel, 1975) in: (BAGNOL, 2007, p. 254).
valores retrógrados da sociedade tradicional que, dentre muitas práticas, incluíam o lobolo”
(COSSA, 2015, p. 16).

Esta ideia é sustentada por Fernandes (2020, p. 50), quando afirma que:

AFRELIMO, dentro de sua orientação marxista e sua inclinação materialista para compreensão do
meio social e cultural, tinha a pretensão de eliminar as crenças tradicionais que eram denominadas ora
como supersticiosas, ora como obscurantistas. Em todo caso, a tradição impedia a criação do “homem
novo” e o desenvolvimento da revolução socialista e, por isso, deveria ser banida, já que contrariava os
princípios do partido e do governo. Assim, encontramos um apelo ao processo de aplicação sistemática
de uma filosofia ocidental que se pretende universal para interpretação de fenómenos particularmente
africanos.

Deste modo a FRELIMO procurou constituir a nação como uma unidade que se pretendia
homogénea, delimitando fronteiras culturais e políticas entre aqueles que se reconhecem
como parte de seu corpo social e aqueles que são compreendidos como ameaça a seus status
político. A ameaça, nessa direcção, eram os valores considerados retrógrados e obsoletos das
práticas tradicionais que impediam o desenvolvimento do espírito revolucionário e
fragmentava o povo.

Neste sentido, olobolo deveria ser destruído, visto que a mulher era tida como uma
propriedade privada do marido após a sua “compra”. Entendiam o casamento como um
negócio e deveriam ficar responsáveis por suprir qualquer prática que tivesse a intenção de
indemnizar ou gratificar os pais.

Por exemplo, em 1978, o artigo 4 do projecto lei de família dizia que, “o casamento não é
negócio e não se destina a obter em troca, qualquer vantagem material para os cônjuges ou
seus familiares. O estado combate em particular a entrega de quaisquer valores ou bens a
título de lobolo, gratificação, anelamento ou indemnização”.

Um outro exemplo Pode ser visto no artigo intitulado “Lobolo: comercializando meninas a preço
de banana”, publicado na Revista Tempo em 1975:

As mulheres nos tempos antigos não tinham liberdade de escolher os maridos que quiserem. Eram
obrigadas a casar com pessoas com o triplo ou o dobro de sua idade. Por essas e outras razões, no
tempo presente, não tem razão de existir, pois é um simples comércio, onde os velhotes não se
importam pela felicidade de suas filhas contentando-se com pouco dinheiro. O combate ao
colonialismo e ao fascismo engloba combater o lobolo que comercializa mulheres. Deve-se casar por
amor, sem ter um preço. O homem que paga e tem uma mulher, nada mais do que estar obtendo um
produto comprado. Ou seja, o objecto será usado e se for de má qualidade é jogado fora, descartado,
devolvido e o dinheiro é pego de volta. Lutemos pela emancipação da mulher, elas não merecem ser
comercializadas, são males herdados do passado tradicional que oprime a mulher (TEMPO, 1975, p.
03).
No outro artigo da revista tempo que sintetiza a II Conferencia Nacional da Mulher
Moçambicana realizada pela OMM em 1976 defende que:

Para o desenvolvimento da nação e a emancipação da mulher, precisa-se extinguir o lobolo, pois se


trata da comercialização da mulher, é também uma exploração do homem pelo homem. A questão do
lobolo é a que mais preocupa a população. Tem que acabar com estes costumes de tribo. O combate ao
lobolo deve-se iniciar pelas pessoas mais velhas, pelos pais das jovens que vivem sob essa educação
tradicional, são eles que propagam essas ideias de lobolo. Assim como o lobolo, o curandeirismo
também é prática negativa da tradição. A organização da juventude vai abrir caminhos para OMM para
combater o lobolo, pois os jovens acreditam que esta prática seja ultrapassada ( TEMPO, 1976, p.
41).

Para desencorajar a pratica do lobolo, o governo da frelimo,passou a incentivar o casamento


civil fundando o Palácio dos Casamentos onde deveriam se realizar as cerimônias do
matrimônio, assim como passou a apoiar a realização de festas de casamentos colectivos.
Segundo o novo código legal do país, o casamento civil garantia alguns direitos para as
mulheres em caso de divórcio, como a guarda dos filhos com pensão paga pelo marido, o que
não era possível na lei consuetudinária nem mesmo nas sociedades matrilineares, em que as
mulheres tinham a guarda filial assegurada, mas era um dever da mãe assumir, sem o apoio
do ex-marido, a inteira responsabilidade pelas crianças (SANTANA, 2009).
Essa rejeição foi incorporada na Constituição da República Popular de Moçambique, no
artigo 71. É preciso salientar que esta medida não foi abrangente para todas as regiões do
país, atingiu muito as cidades e interior, teve menor impacto nas zonas rurais e no litoral.

Apesarda vontade política da época, os estudos de Welch, (1982) e O.M.M (1985) realizados
na década 80, revelam que esta prática prevaleceu tanto nas zonas rurais bem como nas
urbanas. Para evitarem problemas com as autoridades formais as pessoas mantinham este
ritual em privado e em certos casos negavam tê-lo praticado. Aliás até 1990, somente 10%
eram casamentos segundo a lei civil e, os restantes 90% eram por via do casamento
tradicional.

Concordando com esta ideia, Lange, (2012, p.22) diz:

Como reflexo dessa atitude, muitos grupos culturais viram as suas práticas tradicionais ameaçadas
depois da independência. Na onda de mudanças então em curso, algumas comunidades continuaram no
silêncio, a preservarem as suas culturas, ao mesmo tempo que observavam práticas de poder impostas
pela ordem política. Mas certos grupos, sobretudo aqueles que eram próximos do movimento
revolucionário, tiveram mesmo que resguardar suas culturas.
Com este choque sociocultural deu-se início a um processo de violência e alteração da ordem
social, Por consequência, o processo de desenvolvimento económico almejado foi um
fracasso. Com o desmembramento do poder tradicional, a legitimidade da FRELIMO se
dissolveu diante da população, reflectida no sentimento de apatia e indiferença com o
governo da FRELIMO.

Essa perda de apoio da FRELIMO favoreceu a consolidação de outro movimento que


conseguiu valorizar os símbolos da cultura tradicional no contexto de uma guerra civil a
RENAMO6, Esse movimento se aproveitou da insatisfação dos camponeses e criou bases em
zonas rurais, utilizando o descontentamento e o sentimento de rejeição das crenças
tradicionais dos camponeses para actuar contra a FRELIMO.

Nesse contexto, nos finais da década 1980, a FRELIMO inicia uma mudança de postura,
repensando o seu projecto político adoptando uma série de medidas para contemplar a
tradição e abrir o diálogo com os camponeses, pois no interior do partido, reconheceu-se que
seria a forma mais eficaz de confrontar a política tradicionalista da RENAMO.

Com a nova Constituição da república (CRM) de 1990, Welch e Sach (1987) dizem que,
devido a várias pressões, o governo da FRELIMO tornou-se mais tolerante em relação as
tradições que anteriormente eram tidas como “retrógradas e supersticiosas”, o Estado assumiu
que a agenda política devia ser harmonizada com estas práticas. Assim o lobolo, a autoridade
tradicional e os médicos tradicionais foram revitalizados.

Segundo HONWANA (2002, p. 183-184):

Para reconquistar o apoio popular e contrariar a política tradicionalista da RENAMO e para ganhar a
guerra, visando reconstruir o país, a FRELIMO teve que recuperar a tradição, promovendo a criação da
AMETRAMO, reconsiderando a sua posição para com os chefes tradicionais e tomando outras
medidas destinadas restaurar a dignidade da cultura tradicional na sociedade moçambicana.

Em 2004 a lei da família nº10/2004 de 25 de Agosto, trouxe consigo mudanças significativas,


o casamento passou a ser reconhecido não só na sua forma civil, mas também na religiosa e
tradicional. Desta lei da família o casamento na República de Moçambique passou a ser
definido como sendo a “união voluntária e singular entre homem e mulher, com o propósito
de constituir uma família, mediante a comunhão plena de vida” (art.º 7 da lei 10/2004).

6
A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), iniciou a guerra contra o governo socialista de
Moçambique em 1977, dois anos após a independência, financiada pela Rodésia (Actual Zimbábue), sendo
constituída pela Rhodesian Central IntelligenceOrganization(CIO) e, mais tarde, apoiada pela África do Sul.
Durante o conflito, cerca de um milhão de pessoas morreram em combates e por conta de crises de fome, foi
mais uma guerra dentro do contexto da “Guerra Fria”.
Considerações finais
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise da prática do lobolo em
Mocambique focando-se na sua dinâmica , adaptações, transformações e adaptações. O , o
lobolo é uma espécie de transferência de bens de diferentes géneros da família do noivo para
a família da noiva, como forma de legitimar a união do novo casal, serve de prova legal e de
certificação matrimonial, bem como unir o novo casal junto aos espíritos dos antepassados de
ambas famílias, conferindo deste modo a prática do lobolo um valor simbólico, para os seus
praticantes, e esse valor pode ser encontrado nos pressupostos tradicionais, sociocultural
político, religioso e de procedimento que a família sempre fez passar. Seguindo todos os
trâmites convencionados e aplicados ao longo de gerações. Mas o lobolo é também forma de
compensar a família da noiva, pela perda duma potencial força de trabalho na machamba e
em outras actividades familiares.

Desde o seu surgimento o lobolo passou por várias transformações adaptações e


reajustamentos em função das dinâmicas económicas, socioculturais, e políticos de acordo
com cada momento histórico (período pré-colonial, colonial e pós-colonial).

Independentemente das particularidades que se pode verificar em cada momento histórico e


espaço geográfico o seu valor social e cultural nunca foi posta em causa pelas comunidades.
Contudo, a componente tradicional e reguladora do lobolo que vai passando de geração em
geração em forma de legado cultural, razão da sua sobrevivência apesar das tentativas da sua
fragmentação, marginalização e abolição nos períodos, colonial e primeiros anos da
independência nacional sob pretensas ideias “civilizadoras e da formação do homem novo”
inspiradas na modernidade. O abandono do lobolo significaria uma ruptura com o passado,
um desprezo da história, perda de identidade cultural e a sociedade não quer sentir-se a trair a
sua própria história e os seus antepassados porque deles ainda depende no presente.

Referencias
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