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A ARTE SECRETA DOS DERVIXES GIRADORES: HIPÓTESE

ESOTÉRICAi
Giselle Guilhon Antunes CAMARGO
Doutora em Artes Cênicas pela UFBA/ Pós-Doutora em Antropologia Social pela
UFSC). Professora da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará –
ETDUFPA
E-mail: giguilhon@ufpa.br/giguilhon@yahoo.com.br

Girar no Sama não é simplesmente girar em torno de si


mesmo em círculos. Significa conquistar a sensação de
equilíbrio interno e externo, do Céu com a Terra. Esse é o
equilíbrio da própria vida em perfeita comunhão com a
Criação e em profundo respeito pela “Verdade por trás da
verdade” e pela “Luz por trás do Sol”. De que adianta fazer
giros maravilhosos em torno de um pé se minha vida afunda
num caos? Antes de considerarmos os exercícios do Sama,
deveríamos reexaminar de forma crítica nossa própria vida.
Deveríamos saber o que pode nos acontecer se quisermos
crescer além de um treinamento de Sama. Como tudo na
vida, o Sama também tem o seu preço. Devemos saber que
este é um caminho sufi, que nos confronta com o nosso
próprio desequilíbrio. O caminho sufi conduz – através da
aceitação do trabalho e da prática constante dos exercícios –
a uma abertura para a realização. A tarefa tem a ver com
renúncia. Milhares de tarefas orlam esse caminho e todas
elas, juntas, conduzem à domesticação dos egos (nafsii).

O parágrafo acima – extraído do livro Sama: a Dança-Giro dos


Dervixes ou A Arte do Equilíbrio da Vida, dos alemães Ingrid e Kurt
Bauer – sintetiza a experiência pessoal dos autores no processo
iniciático do Sama. O casal, que viajou de motohome para a Turquia em
busca dos dervixes giradores ou Mevlevi, acabou tendo muito mais do
que um simples contato com o Sufismo. A maneira vívida como a
experiência é narrada – ao mesmo tempo em que um método prático de
ensino vai sendo revelado – situa o texto entre os mais autênticos e
didáticos relatos sufis contemporâneos.
A grande contribuição do livro reside, todavia, no campo da pré-
expressividadeiii: nele encontramos os princípios e as técnicas mentais-
corporais extra-cotidianas que norteiam a práxis – o giro – dos dervixes
Mevlevi. O Sama, como toda arte ou prática tradicional, é ensinado
progressivamente, em graus sucessivos, através de passos que podem
ser seguidos. É por essa razão que se diz que esse é um caminho que
pessoas inexperientes também podem trilhar.
Lembremos, contudo, que dervixes – sejam eles Mevlevi ou de
qualquer outra escola sufi – não são, por definição, atores. (Muito
embora alguns atores possam ser dervixes!) São, antes, pessoas
comuns que desempenham, no mundo, os mais diversos papéis e
profissões e que escolheram o Sufismo, a via mística do Islã, como
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caminho para o seu desenvolvimento espiritual. Do mesmo modo, a
prática do Sama não tem por objetivo primeiro a (re-)presentação
cênica. Ainda que alguns praticantes de Sama tenham se tornado
“dervixes giradores” profissionais, apresentando o ritual dançante,
artisticamente, em teatros e salas de concerto.
O Sama é uma dentre as várias técnicas mentais-corporais
utilizadas no Sufismo com o objetivo de abrir a mente e o coração do
indivíduo para o seu potencial maior. Tanto quanto o zikr (repetição
dos nomes de Deus), o Sama é considerado “um meio de liberar a
energia espiritual”, ou seja, de “permitir que a parcela de luz divina que
jaz adormecida no místico, desperte, unindo-se à sua semelhante, no
Cosmos”:
Cada vez que o coração aspira ao Trono, o Trono aspira ao
coração, de sorte que eles se encontram. Cada pedra preciosa
(ou seja, cada um dos elementos do homem de luz) que está
em ti, provoca em ti um estado místico ou uma visualização
no Céu que lhe corresponde, seja o fogo de um ardente
desejo, de uma preferência especial ou de um amor. [...] Cada
vez que ascende de ti uma luz, desce em direção a ti uma luz,
e cada vez que teus raios de luz ascendem, descem,
igualmente, em tua direção, raios de luz que lhes
correspondem. [...] Se essas energias tiverem ambas, a
mesma qualidade, encontrar-se-ão a meio-caminho (entre o
Céu e a Terra)... Mas quando a substância de luz que habita
em ti, crescer será ela o Todo, em relação a sua homogênea,
no Céu. Então será a substância de luz, no Céu, que
suspirará por ti, pois será a tua substância que lhe exercerá
atração e ela descerá em tua direção. Esse é o segredo do
caminho místico. iv

A hermenêutica espiritual que rege o princípio do semelhante


atrair o semelhante – amplamente discutido pelo filósofo Henry Corbin,
em seu L’homme de lumière dans le Soufisme Iranienv – foi fixada entre
os séculos XII e XIII pelo místico persa Najmuddin Kubravi e
continuada por seu discípulo direto Alâoddawileh Semnânî. Partindo
do pressuposto de que as partes que constituem o ser humano são
consideradas fragmentos de suas homólogas cósmicas, Kubra
desenvolveu uma fisiologia esotérica ou fisiologia dos órgãos sutis da
percepção (lataif), na qual cada órgão ou centro sutil está associado a
uma metafísica da luz que se reflete no Infinito:
Em cada parte purificada do homem, se reflete a contraparte
que lhe é homogênea, pois as coisas só podem ser vistas e
reconhecidas pelas coisas que lhes são semelhantes. Quando
a natureza esotérica que designa os gênios e as faculdades se
torna pura, contempla-se nela o que lhe é homólogo no
Macrocosmo. O mesmo é verdadeiro para a alma (naf), o
intelecto (‘aql), o coração (qalb), o espírito (ruh), a trans-
consciência (sirr), o arcano ou centro intuicional (khafi) – o
lugar interior onde se revelam os atributos divinos que
embriagam [...] – até a consciência profunda (haqq). vii

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A hipótese de que houve uma influência da Ordem Kubravi ou
Kubrawiyya sobre a Ordem Mevlevi ou Ordem dos Dervixes Giradores –
quer através do contato de Rumi com Shams (que fora discípulo de
Baba Kamal, aluno de Kubra), quer através dos ensinamentos de seu
próprio pai, Bahauddin Walad (que, igualmente, recebera
ensinamentos do mestre persa) – é sustentada por Michel Random, em
seu livro Rumi, la Connaissance et le Secret. Conforme Randomviii, é no
Adâb al-tarîqa, um curto tratado sobre iniciação, que Kubra expõe as
regras da Ordem Kubravi. Essas regras assemelham-se às prescrições
essenciais da Ordem Mawlawyyia ou Mevlevi: os membros da ordem
devem usar o manto correspondente à tariqat (escola), sentar-se sobre
tapetes de oração e praticar tanto a repetição dos nomes divinos (zikr)
quanto a dança mística (Sama).
A influência de Kubra sobre os Mevlevi – esta tem sido minha
insistente hipótese – vai, entretanto, muito além das regras de
comportamento (adab) e técnicas de meditação (zikr e Sama) prescritas
pelos Sheikhs do Silsila (corrente de transmissão) do Sufismo. Kubra
dedicou-se a estudar e a descrever o fenômeno luminoso fazendo das
percepções visionárias um método experimental: conforme a coloração
das luzes vistas pelos próprios discípulos em estado meditativo, ou
que, emanando destes, fossem percebidas pelo mestre, poder-se-ia
saber em que grau de elevação espiritual eles se encontravam. Embora
essa metafísica da luz não seja abordada diretamente pela maioria dos
estudiosos de Rumi, a ênfase que os Mevlevi dão à ativação do coração
sutil (qalb) – órgão fundamental da percepção supra-sensível –
demonstra que esse conhecimento iniciático não apenas continuou
sendo transmitido através dos séculos, como é, ainda hoje, um dos
pontos centrais do esoterismo Mevlevi.
O coração (qalb) é o centro em torno do qual os dervixes giram.ix
Sua purificação é parte do caminho sufi e conduz – quando o espírito
triunfa sobre as tendências negativas da alma (nafs) – ao desvelamento
do “olho do coração” (ayin al-qalb). Nele se desenvolve um embrião –
como uma pérola em sua concha – de origem mística que dará origem
ao “verdadeiro eu” do indivíduo (latifa anâiya).x
De acordo com o esoterismo de Kubra, o Ser Divino tem
diferentes lugares e moradas. O coração (qalb) – assim como o espírito
(ruh), a transconsciência (sirr), o arcano (khafi) e a consciência
profunda (haqq) – é um desses lugares interiores onde, no ser humano,
os Atributos divinos se manifestam:
O coração participa de cada Atributo Divino, e mesmo da
Essência Divina. Essa participação não cessa de crescer, e
os místicos diferem-se uns dos outros quanto ao grau de
sua participação. Como cada atributo tem sua sede num dos
lugares ou moradas em questão, e o coração participa em
cada um dos Atributos divinos, estes se epifanizam no

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coração em razão da participação do coração nesses
Atributos. É assim que os Atributos se mostram aos
Atributos, a Essência à Essência (ou o Si-mesmo ao Si-
mesmo). De um lado, estes são os Atributos (ou os lugares)
que contemplam o coração (que o tornam presente). De
outro, é o coração que contempla os lugares dos Atributos
(torna-se presente a eles).xi

Se, como dissera Kubra, “em cada parte purificada do homem,


reflete-se a contraparte que lhe é homogênea”, então, seguindo essa
mesma lógica, o coração (qalb) purificado buscará, ele também, sua
homóloga cósmica. “Cada vez que o coração aspirar ao Trono, o Trono
aspirará ao coração”, diz o mestre iraniano. Quando essa atração
ocorre – do “Céu celeste” em direção ao “céu do coração” ou “céu da
alma” – o coração (qalb) passa a ser chamado de “Espírito Santo”:
O Espírito Santo, no homem, é um órgão sutil celeste.
Quando lhe é concedida a força concentrada da energia
espiritual, ele alcança o Céu e o Céu se imerge nele. Ou,
antes, o Céu e o Espírito são uma só e mesma coisa. E esse
espírito não cessa [...] de elevar-se, até adquirir uma nobreza
acima da nobreza do Céu. Ou então podemos dizer: existem,
no ser humano, pedras preciosas de toda espécie de mina, e
tudo que aspiram é encontrar sua própria mina original e
homogênea a elas.xii

Eis a essência da intuição de Kubra: se as partes que


constituem o ser humano são fragmentos de suas homólogas cósmicas;
se uma substância só vê e conhece a substância que lhe é semelhante
(do mesmo modo que só pode ser vista e conhecida pela sua
semelhante); e, se todo semelhante busca unir-se ao seu semelhante;
então, a “pedra preciosa”, metáfora do fragmento cósmico no ser
humano, buscará ela mesma unir-se à sua “mina original”, sendo,
portanto, capaz de ver e reconhecer apenas a “mina” que foi sua origem
e para a qual todo seu querer e nostalgia se dirigem.
Essa lei – da atração e do reconhecimento mútuos do
semelhante pelo semelhante – exemplificada por Kubra das mais
diversas maneiras, baseia-se, essencialmente, na comunicação entre o
humano e o Divino, o buscador e o Buscado, o contemplador e o
Contemplado, o amante e o Amado:
Há luzes que sobem e luzes que descem. As luzes que sobem
são aquelas do coração; aquelas que descem são as do Trono.
O ser criatural é o véu entre o Trono e o coração; Quando o
véu é rompido e no coração se abre uma porta para o Trono,
o semelhante se lança em direção ao seu semelhante. A luz
sobe em direção à luz, e a luz desce em direção à luz, e é luz
sobre luz. xiii

Esta breve introdução ao esoterismo de Kubra – trabalho quase


arqueológico – conecta, eu insisto, o esoterismo Mevlevi às suas mais
profundas raízes. E são, precisamente, essas raízes que fornecem os

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elementos necessários para a compreensão dos princípios que regem a
prática do Sama. Alguns desses princípios foram fixados por Ingrid e
Kurt Bauer no livro Sama: a Dança-Giro dos Dervixes ou A Arte do
Equilíbrio da Vida e podem ser expressos nos seguintes termos: o Sama
é “a arte de abrir as asas internas”; “um processo transformador
intensivo entre os dois pólos: Céu e Terra”; seu sentido e objetivo são,
através do “equilíbrio do interior com o exterior”, conduzir o indivíduo à
experiência da energia divina”.xiv
Mas o que significa, exatamente, “abrir as asas internas”,
“alquimizar os dois pólos, Céu e Terra”, “equilibrar o interior com o
exterior”? (Percebem os leitores o quanto a hermenêutica Kubravi é
capaz de decifrar essas metáforas?) Se conectarmos o esoterismo de
Kubra ao esoterismo de Rumi, podemos, facilmente, deduzir que “abrir
as asas internas” significa “liberar a energia espiritual”, ou seja,
“permitir que a parcela de luz divina que jaz adormecida no místico
desperte, unindo-se à sua semelhante, no Cosmos”.
A energia espiritual não é, todavia, liberada, rapidamente. Há
passos bem definidos que devem ser seguidos. Os diferentes passos no
processo de aprendizagem do Sama estão, de certo modo,
embrulhados, como uma caixa dentro de outra caixa: abre-se uma
delas e descobre-se que há algo dentro, constatando-se que é a
próxima caixa. O processo completo do Sama – a totalidade dos passos
– “conduz a uma progressiva abertura do coração e a um respirar em
Deus”. xv
O livro de Ingrid e Kurt Bauer fornece uma clara indicação de
que, para se aprender o Sama – refiro-me ao aprendizado da técnica
corporal do giro – não basta treinar, isoladamente, as seqüências
coreográficas dos exercícios preparatórios. É preciso, antes,
desenvolver uma atitude interna de confiança, que se estenda,
também, ao contexto externo da vida:
Antes do primeiro passo e antes do primeiro giro, começa um
processo de enraizamento em Deus. A condição para isso é a decisão
de confiar. O relacionamento com Deus se desdobra, a partir daí –
como em todo processo de confiança e amor – mais e mais. Uma vez
enraizado na confiança de Deus, o caminho para a liberdade está
aberto ao ser humano. Tudo isso antecede o Sama. Antes mesmo do
samazen (dervixe dançante) girar a primeira vez, o processo de
crescimento interior e mudança de vida já estão bem adiantados. Um
intenso processo de aprendizagem já aconteceu. Ele se enraizou na
confiança. xvi
A confiança, portanto, não é algo que se conquista,
automaticamente, com a prática do Sama. Ela é, antes, um pré-
requisito. Às vezes, explica Kurt Bauer, o samazen (dervixe girador)
pode confundir a sensação de conforto, advinda da prática, com um
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sentimento de confiança. A verdadeira confiança, entretanto, não
depende dos resultados – sensações agradáveis ou desagradáveis –
imediatos do Sama. A “confiança na Vida”, ou “confiança enraizada em
Deus”, depende, isto sim, da capacidade de entrega do indivíduo. Este
é um processo que nunca termina, pois sempre se pode confiar um
pouco mais. Assim, quanto mais palpável for a experiência de “confiar”,
mais aquecida ficará a corrente de energia interior e mais forte será o
reconhecimento da Verdade (al-Haqq).
Uma vez “enraizado na confiança”, o indivíduo está apto a pôr
em ação os princípios e as técnicas concernentes à prática do Sama.
Cada postura, passo ou atitude possui uma intenção, um objetivo e
um sentido, que devem estar muito bem fixados na memória do
samazen, de modo que, instantes antes de iniciar o Sama, ele possa
conectar-se com esse referencial simbólico, acoplando à técnica
corporal o seu significado implícito.
A consciência do significado de cada posição, gesto, passo ou
giro – seja por parte dos próprios dervixes, envolvidos com a prática,
seja por parte dos espectadores, quando o Sama é público – atribui às
“estruturas universais” do movimento (girar, caminhar, cruzar os
braços, erguer as mãos para o céu), identificáveis em outras artes
tradicionais, um sentido absolutamente particular. Sem essas
referências ou “particularidades semânticas”, não seria possível, por
exemplo, distinguir o giro do Sama Mevlevi do giro do Candomblé ou
mesmo de uma volta em passo de valsa. xvii
Um dos trabalhos pioneiros de análise estrutural da dança foi o
dos húngaros Martin e Pésovar, para quem a construção orgânica de
uma dança pode ser revelada apenas através da resolução da
totalidade das suas partes. A distinção e o reconhecimento das partes e
unidades das quais uma dança é composta – ou seja, a forma e a
morfologia da dança em questão – são pré-requisitos de qualquer
análise estrutural. Aplicando o método de análise morfológica para
analisar a dança húngara Verbunk, Martin e Pésovar distinguiram
partes que possuíam um relacionamento entre si. Essas partes
corresponderiam às unidades indivisíveis menores da dança húngara.
É o que eles nomearam de “elementos kinéticos”. Essas unidades
nunca ocorrem por elas mesmas, mas constituem uma parte orgânica
do processo da dança, podendo ser identificadas através de uma
dedução artificial. Um conjunto de “unidades kinéticas” ou partes
formam um “motivo”, cujo padrão rítmico e kinético dá origem a uma
estrutura relativamente fechada e recorrente. Essa maneira de
identificar a estrutura das danças é um meio-caminho entre a notação
(sistema Laban, por exemplo) e a descrição verbal.xviii
Mais tarde, a antropóloga norte-americana Adrienne Kaepplerxix
valeu-se da mesma analogia lingüística para desenvolver sua análise

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estrutural da dança Tonga. Utilizando as categorias nativas do
movimento mais explicitamente que Martin e Pésovar, Kaeppler dividiu
a dança Tonga em unidades ou níveis de análise. O que, para os
primeiros, era denominado “elemento kinético” e “motivo”, para ela
passaram a ser, respectivamente, os níveis “kinêmico” e
“morfokinêmico” da dança.
“Kinema” é um movimento significante análogo ao fonema
lingüístico, que designa um som significante. São aqueles movimentos
e posições que, embora não tenham significado neles mesmos, são as
unidades básicas com as quais toda dança de uma dada tradição é
construída. Vários “kinemas” em seqüência dão origem a um
movimento específico ou “morfokinema”. Cada “morfokinema” é a
menor unidade com significado dentro da estrutura do sistema de
movimento. Essas estruturas, combinadas, dão origem ao que
Kaeppler chama de “motivo”. Finalmente, o conjunto de “motivos”
forma a totalidade de uma determinada dança. xx
Antecedendo uma descrição mais detalhada das técnicas
corporais extra-cotidianas utilizadas pelos dervixes giradores em seu
processo de treinamento – nível pré-expressivo – começarei por fixar,
aqui, as principais unidades (“morfokinemas”) com significado
(particularidades semânticas) dentro da estrutura total de movimento
do Sama (ciclos de giros):
• Posição em pé, com braços e pés cruzados: os dervixes cruzam os
braços em frente ao peito, com a mão esquerda sobre o ombro
direito e a mão direita sobre o ombro esquerdo. (O braço direito fica
por cima do esquerdo.) Os pés também se cruzam, de modo que o
dedão e o dedo médio do pé direito sobreponham-se aos do pé
esquerdo. Esta posição representa o número “um”, símbolo da
unidade de Deus, o Único. O “um” é escrito da mesma forma que a
letra alif, a primeira letra do alfabeto árabe-persa. No sistema abjad
(sistema alfa-numérico árabe), esta letra também tem o valor de
um. Esta posição, que prepara o dervixe para o giro, tem a função
de absorver e conter a energia terrena. A partir dela, pode-se traçar
os limites que serão, mais tarde, desfeitos. As pernas devem estar
firmes no chão, favorecendo a estabilidade e a capacidade de
manter-se firme na vida.

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Figura 1: posição preparatória para o giro (“morfokinema” 1)
Desenho de Paulo Renato Vieira Freitas

• Posição em pé, com os braços erguidos para o alto: para girar, os


dervixes abrem, lateralmente, os braços, esticando-os, com a ajuda
da espinha dorsal, para o alto. A palma da mão direita voltada para
cima e a palma da mão esquerda voltada para baixo. O gesto da
mão direita simboliza disponibilidade, franqueza, receptividade,
aceitação. O da mão esquerda significa: dar, distribuir, soltar,
largar e servir. Enquanto a posição anterior simboliza o
enraizamento na Terra, esta, ao contrário, representa a libertação
das coisas mundanas e dos vínculos negativos.

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Figura 2: posição dos braços, no giro (“morfokinema”2)
Desenho de Paulo Renato Vieira Freitas

• Giro: sem desfazer a posição dos braços – abertos, com a palma


direita voltada para cima e a palma esquerda voltada para baixo –
os dervixes giram, no sentido anti-horário, em torno do seu próprio
eixo interior. Girar em torno do próprio eixo significa: viajar na terra
natal (safar dar watan), familiarizando-se consigo mesmo e
sentindo-se, interiormente, em casa. O giro está ancorado no pé
esquerdo. Isso significa ter um ponto de vista, achar valores,
aperfeiçoá-los e usá-los na vida. Girar tem o sentido de encontrar o
ritmo da vida, o equilíbrio entre dar e receber, segurar e soltar,
aceitar e transmitir energia ao mundo, merecer e servir, resistir ou
ser firme, e ceder. Com o giro, aprende-se a separar o necessário do
desnecessário na vida. O centro do giro individual é o coração. A
consciência deve ser mantida no coração, não o coração físico, mas
o órgão sutil da percepção ou centro supra-sensível (qalb),
localizado no lado esquerdo do peito, na altura do coração físico.
Nos tempos antigos, o treinamento básico do Sama durava 1001
dias. Girava-se, inicialmente, ao redor de um prego, fixado no centro de
uma prancha quadrada de madeira. O aluno deveria encaixar o pé
esquerdo de modo que o prego ficasse entre os dois primeiros dedos do
pé. O praticante giraria com o prego entre os dedos até alcançar a
harmonia e o equilíbrio desejados. Embora esse método não seja muito
usado hoje em dia, os fundamentos do Sama continuam sendo os
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mesmos: o pé esquerdo precisa permanecer em contato com o chão, em
toda a sua superfície, simbolizando a ancoragem na realidade terrena;
e o pé direito dá o impulso, sendo o elemento propulsor do movimento.
O movimento completo – enraizado na Terra e estendendo-se para o
Céu – não deixa de ser uma metáfora do conhecido paradoxo da
espiritualidade sufi: “estar no mundo, sem ser do mundo”:
O Sama é a arte do equilíbrio – do equilíbrio da vida. O giro
rodopiante em torno do eixo do próprio corpo é realizado
com a perna esquerda firmemente fixada no chão, enquanto
a perna direita faz o movimento de impulso. No giro, o
manto branco dos dervixes dançantes (samazen[s]) se abre
como uma rosa que, ávida por água, estica-se para o céu.
Beleza e encanto encontram nesse movimento sua expressão
mais perfeita. A mão direita volta-se para o alto e a esquerda
para baixo. Com a mão direita erguida, capta-se a baraka
(graça) dos Céus, que é conduzida ao coração e, através da
mão esquerda, passada ao mundo. O Sama significa estar
enraizado na Terra e estirar-se para o Alto. Significa
pertencer, ao mesmo tempo, a este e ao outro mundo. xxi

Figura 3: dedos do pé esquerdo encaixados num pino de latão arredondado


Desenho de Paulo Renato Vieira Freitas

O objetivo do Sama é, de acordo com os termos de referência


fixados por Ingrid e Kurt Bauer, induzir o praticante a um estado
consciente de união com o Cosmos. Essa experiência atinge tanto os
níveis mais profundos da existência quanto o cotidiano do indivíduo. É
por esta razão que o Sama é concebido pelos autores, individual e
coletivamente, como uma espécie de “treinamento para o perfeito
equilíbrio da vida”:

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O Sama é o ritual do equilíbrio cósmico. Todo samazen,
dervixe ou sufi ocupa, no Sama, um espaço específico. As
posições de todos os participantes representam,
respectivamente, o Sol, a Lua e os Planetas. Desse modo o
grande giro [o ritual coletivo] torna-se um hino cósmico.
Como os astros giram em harmonia em torno do Sol, todos
os sufis giram ao redor de Deus [maallah] e “em Deus”
[fillah]. Na Tradição se diz que, através do Sama, a energia
de Deus se torna disponível ao mundo. Quando entramos,
despreparados, em contato com essa energia, isso pode
muito bem produzir um choque. xxii

O contato de Ingrid e Kurt Bauer com os sufis Mevlevi da


Turquia os levou a participar dos círculos internos de zikr (repetição
dos nomes de Allah) e Sama da Ordem. À medida que o contato se
aprofundava, o desejo de aprender as técnicas mentais-corporais dos
dervixes também crescia no casal. Até o dia em que Kurt Bauer
perguntou a Abi, seu anfitrião-dervixe, de Konya, se ele próprio
preenchia os requisitos para experimentar o Sama:
“Você sabe andar de bicicleta?”, inquiriu-lhe Abi. “Sim”,
respondeu Bauer. “Então você preenche as condições para o Sama”,
disse-lhe, diretamente, o dervixe. “Seria, talvez, o Sama, uma espécie
de andar de bicicleta espiritual?”, arriscou Bauer, como que
procurando entender o que o dervixe queria dizer com a analogia da
bicicleta. Abi desatou a rir. Bauer, ainda mais confuso, insistiu:
“Afinal, o que o Sama tem a ver com andar de bicicleta?” O dervixe deu
uma última gargalhada e comentou: “Ver o Sama como uma espécie de
andar de bicicleta espiritual! Delicioso! Lembre-se de como você
aprendeu a andar de bicicleta. Lembre-se por quantas inseguranças
você passou. E que durante o aprendizado, você sempre vislumbrou o
momento em que você dirigiria por conta própria. Talvez você tenha até
caído, mas sempre se levantou. Lembre-se”.
E Bauer narrou-lhe suas lembranças:
Um dia, eu me lembro como se fosse hoje – sinto-o quase
que fisicamente – eu me livrei da mão condutora. Eu
experimentei um momento de muito medo e de repente eu
andei, pela primeira vez, bem, sozinho. Eu não queria mais
parar com aquilo. Cada minuto livre eu aproveitava para
andar de bicicleta e assim alcançar uma segurança maior.
Andar de bicicleta ampliou, subitamente, meu horizonte de
vida. Como eu me sentia feliz e forte!

Abi pareceu satisfeito com a resposta de Kurt Bauer,


prosseguindo, entusiasmado, com sua explicação:
Aqui temos todos os pressupostos de que precisamos para o
Sama: propósito direcionado, perseverança e disposição para
treinar; a coragem de sobrepujar inseguranças e insucessos;
e a experiência do largar, soltar. Lembre-se do mais
importante: andar de bicicleta nasce da entrega, no ato
mesmo de andar de bicicleta! E estas são as bases para uma

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verdadeira espiritualidade sufi. Isso é o que chamamos de
educação das forças básicas ou “educação dos nafs [egos]”.
Eu vou esclarecer melhor: quem quer mesmo andar de
bicicleta não pode ficar satisfeito com uma simples
explicação. A pessoa precisa, em algum momento, subir na
bicicleta e fazer suas próprias experiências. Eu digo isso
porque os ocidentais satisfazem-se facilmente com o cardápio
ao invés de se satisfazerem com a refeição. Eles até escrevem
trabalhos científicos sobre o cardápio sem ao menos terem
provado a comida! O que significa que o seu conhecimento
não nasce do processo vivo da experiência pessoal e sim é
passado adiante em forma de conserva. O Sama, ao
contrário, nasce do respectivo momento presente, da
experiência direta. No Sama, a memória está acoplada ao que
nós realmente somos. A chave para isso é a experiência
imediata. Sem essa experiência não há uma verdadeira
compreensão. O ponto central é o “fazer”. Você enxerga o
surpreendente paralelo com o andar de bicicleta? Sem o
“fazer” não existe andar de bicicleta – e sem o “fazer” não há
Sama. Quem nunca experimentou esse instante do soltar a
mão condutora e a liberdade daí resultante não pode
entender o que é tão fascinante nisso tudo. Quem, portanto,
nunca mergulhou na doçura desprendida de Deus, no Sama,
como poderia entender do que se trata? O Sama é a porta
para liberdades inimagináveis. xxiii

Partindo de três referenciais distintos de aprendizagem do Sama


– dos alemães Ingrid e Kurt Bauerxxiv, que receberam instruções em
Konya, da inglesa Faith Simpsonxxv, que aprendeu a girar com os
Mevlevi de Londres e do meu próprio, cuja orientação fora recebida,
diretamente, de Omar Ali Shah [1918-2005], Sheikh da Ordem
Naqshbandi e de Yakup Baba Efendi, Sheikh da Ordem Mevlevi –
construí este texto. Aos dois mestres sufis, dedico estas linhas
imperfeitas, expressão da minha mais profunda estima e gratidão.

REFERÊNCIAS
BAUER, Ingrid; BAUER, Kurt. Sema der Wirbeltanz der Derwische –
Die Kunst der Lebensbalance. Neuhausen am Rheinfall: Urania
Verlags AG, 1993. (Tradução: Noris Lindeke)
BARBA, E. A Arte Secreta do Ator: Dicionário de Antropologia
teatral. São Paulo: Ed. Hucitec, 1995.
CAMARGO, Giselle Guilhon Antunes. A Arte Secreta dos Dervixes
Giradores: um estudo etnocenológico do Sama Mevlevi. (Tese de
Doutorado) Salvador: PPGAC/UFBA, 2006.
CORBIN, H. L’Homme deLumière dans le Soufism Iranien. Saint-
Vincent-sur-Jabron: Éditions Présence, 1971.
KAEPPLER, A. L. Dance and the Concept of Style. In: Yearbook for
Traditional Music, Vol. 33, 2001: 49-63.

REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009


MARTIN, G.; PÉSOVAR, E. A Structural analysis of the hungarian folk
dance. Acta Ethnographica Acadimia Scientiarum Hungaricae, vol.
12, 1961.
RANDOM, Michel. Rumi, la connaissance et le secret. Paris: Éditions
Dervy, 1996.
SIMPSON, Faith. Trance-dance: an ethnography of dervish whirling.
MA in Dance Studies. Guildford: Dept. of Dance Studies/University of
Surrey, 1997.

Notas:

i Texto apresentado parcialmente (apenas 6 páginas) no GT Estudos da Performance da


IV Reunião Científica da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação
em Artes Cênicas (ABRACE), realizada em Belo Horizonte, nos dias 5 e 6 de junho de
2007, no Conservatório da Universidade Federal de Minas Gerais. Publicado no site
http//www.portalabrace.org/ivreuniao. Disponível apenas para associados. (O texto
integral corresponde ao Capítulo 7 da tese A Arte Secreta dos Dervixes Giradores,
defendida pela autora no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia, em julho de 2006.).
ii Naf: literalmente, “alma”. Segundo a hermenêutica espiritual de Najmuddin Kubra
(1145-1220) e seu discípulo Alâoddawleh Semnânî (1261-1336) – primeiros mestres
sufis a fixarem sua atenção sobre a fisiologia dos sete órgãos sutis da percepção ou
centros supra-sensíveis (latifa; plural: lataif) – os nafs correspondem aos sete níveis
ou graus de consciência que o sufi pode experimentar em seu processo de evolução
espiritual. São eles: nafs ammâra (o eu inferior); nafs lawwâma (a mente julgadora
ou alma-consciência); nafs mulhama (a alma inspirada); nafs mutmayanna (a alma
pacificada); nafs radyya (a alma realizada); nafs mardiyya (a alma que realiza), e
nafs kamila (a alma purificada ou completa) (ver CORBIN, Henry, 1971; SHAH,
Idries, 1977; ÖZTÜRK, Yasar, 1988).
iii O nível que se ocupa de como tornar a energia do ator ou bailarino cenicamente viva,
isto é, de como o ator pode tornar-se uma presença que atrai imediatamente a
atenção do espectador é o nível pré-expressivo. Esse substrato pré-expressivo está
como que implícito no nível da expressão, podendo ser percebido pelo espectador.
Durante o processo de treinamento, o ator pode trabalhar no nível pré-expressivo,
como se, nessa fase, o objetivo principal fosse a energia, a presença, o bios de suas
ações e não o seu significado: “O nível pré-expressivo, pensado desta maneira é,
portanto, um nível operativo, não um nível que pode ser separado da expressão, mas
uma categoria pragmática, uma práxis, cujo objetivo, durante o processo, é fortalecer
o bios cênico do [bailarino] ou ator.” (BARBA, E. A arte secreta do ator: dicionário
de antropologia teatral, op. cit., p. 188).
iv KUBRA, Najmuddin apud CORBIN, H. L’homme de lumière dans le Soufism
Iranien. Saint-Vincent-sur-Jabron: Éditions Présence, 1971, p. 84. (Tradução: da
autora).
v Ver CORBIN, H., op. cit.
vi Nascido em 1145, em Khwarizm, e morto em 1221, em Samarcanda, durante a
invasão de Gengis Khan, Najmuddin Kubra foi um dos grandes iniciados de seu
tempo, com discípulos vindos de toda a Ásia Central. Dentre estes, muitos se
tornaram célebres, a exemplo de Bahauddin Walad, pai de Rumi, e Baba Kamal, que
é citado como um dos mestres de Shams de Tabriz, o Sheikh mais importante de
Rumi. Além de Najm Râzi, autor de um tratado místico em Persa, e de Fariduddin
Attar.

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vii HAMADÂNÎ, ‘Alî apud CORBIN, H., op. cit., p. 80. (Tradução: da autora)
viii RANDOM, Michel. Rumi, la connaissance et le secret. Paris: Éditions Dervy,
1996, p. 60.
ix “No fundo, nós temos apenas uma escolha: ou giramos em torno de nós mesmos
ou giramos ao redor de Deus.” (Frase com a qual Ingrid e Kurt Bauer abrem o
capítulo “A Orientação para o Giro”. In: BAUER, I. & K., op. cit., p. 69. (Tradução:
Noris Lindeke)
x Cf. SEMNÂNÎ, Alâoddawleh apud CORBIN, H., op. cit., p. 135.
xi KUBRA, N. apud CORBIN, H., op. cit., p. 83. (Tradução: da autora)
xii Ibidem, p. 81.
xiii Trecho do Alcorão. In: CORBIN, H., op. cit., p. 83. (Tradução: da autora)
xiv Ver BAUER, I. & K., op. cit., p. 27; 35; 45-46.
xv Ibidem, p. 66. (Tradução: Noris Lindeke)
xvi BAUER, I. & K., op. cit., p. 67. (Tradução: Noris Lindeke)
xvii Para uma melhor compreensão das categorias “estruturas universais” e

“particularidades semânticas” aplicadas à análise da dança, ver o texto “Space,


Intersubjectivity and the Conceptual Imperative: three Ethnographic Cases”, da
antropóloga Drid Williams. In: FARBELL, Brenda. Human action signs in cultural
contexts. The visible and the invisible in movement and dance. N.J. & London:
the Scarecrow Press, 1995.
xviii Ver MARTIN, G. e PÉSOVAR, E. A Structural analysis of the hungarian folk dance.

Acta Ethnographica Acadimia Scientiarum Hungaricae, vol. 12, 1961.


xix KAEPPLER, A. L. Dance and the Concept of Style. In: Yearbook for Traditional
Music, Vol. 33, 2001: 49-63.
xx Ibidem, p. 34-37.
xxi In: BAUER, I. & K., op. cit., p. 34. (Tradução: Noris Lindeke)
xxii Ibidem, p. 54. (Tradução: Noris Lindeke)
xxiii BAUER, I. & K., op. cit., p. 57-58. (Tradução: Noris Lindeke).
xxiv Ibidem.
xxv Ver SIMPSON, Faith. Trance-dance: an ethnography of dervish whirling. MA in

Dance Studies. Guildford: Dept. of Dance Studies/University of Surrey, 1997.

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