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Nº 82 - Ano 17
- J unho /2009
Ree d i ç ã o
EXPEDIENTE JornalS F
Sociedade de Investigações Florestais - SIF Redação: Léa Medeiros - MT 5084 MG
Universidade Federal de Viçosa - UFV Diagramação e Arte final: Aline Trindade - SIF
Impressão: Gráfica Orion
Presidente: João Cancio de Andrade Araújo
Diretor Administrativo: Guido Assunção Ribeiro Telefone: +55 (31) 3899.1698 - Fax: +55 (31) 3899.1199
Diretor Científico: Ismael Eleotério Pires E-mail: jornalsif@ufv.br e Site: www.sif.org.br
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O que uma árvore de eucalipto tem a ver com a chave em seu bolso? Tudo a ver!
Não apenas com a chave, mas com quase tudo o que utilizamos no dia a dia e que demanda energia para
que seja construído. A chave, por exemplo, ou o carro, a estrutura dos prédios, o celular ou tudo o que é feito de
metal exige a presença do carvão na queima para que o ferro das jazidas se transforme em aço. Lembre-se de que
o Brasil é o maior fornecedor do mundo de aço à base de carvão vegetal, movimentando bilhões na economia
interna, gerando empregos e renda em várias regiões.
Os padrões culturais do mundo moderno não permitiriam
Felizmente, para que sobreviver sem o ferro e seus derivados, disponibilizado em enormes
haja desenvolvimento é quantidades como se a natureza tivesse previsto, durante a gênese dos
preciso que se plante e minerais, a grande demanda que a humanidade teria deste elemento
corte árvores de no planeta. Felizmente, para que a transformação desta matéria prima
eucalipto . aconteça muitas árvores de eucalipto foram plantadas, derrubadas e
queimadas. Felizmente?
Sim, felizmente! A energia usada na transformação do ferro pode vir tanto do carvão mineral, o coque,
quanto do vegetal, cuja maior fonte é o eucalipto, uma planta que cresce muito rápido no Brasil. Enquanto uma
árvore de eucalipto demora quase 20 anos para crescer na Europa, em climas tropicais, como no Brasil, cresce em
cerca de sete anos, por isso os plantios são economicamente viáveis.
Comparativo Mundial do Crescimento de Floresta Plantada
m3 / ha . Ano
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Para que a humanidade continue utilizando o ferro e seus derivados, é melhor usar carvão vegetal. Se ele
não vier do eucalipto, terá que vir das florestas nativas e isso ninguém quer. Neste artigo, vamos ver que, além do
seqüestro de carbono, as florestas plantadas trazem também outras vantagens ambientais.
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Biodiversidade
Aqui surge uma pergunta que será respondida mais adiante.
Se plantar florestas é melhor para a conservação do solo, por que
então não plantar espécies nativas, preservando também a
biodiversidade? Do ponto de vista puramente ambiental, sim, mas
como a humanidade vai continuar usando a madeira tão
necessária? Vamos esperar 50 anos para cortar uma árvore de
mogno para fazer uma cerca? Pois foi justamente a exploração
irracional das florestas que as dizimou em todos os países do mundo,
inclusive no Brasil.
Observe que não estamos comparando os plantios de eucalipto com florestas nativas. Estas devem ser
preservadas, considerando-se as legislações ambientais que protegem rios, reservatórios e patrimônios genômicos.
Estamos falando de áreas já dedicadas à agricultura, seu presente e o futuro dos solos e do agronegócio no Brasil.
Compare esta questão a um carro que você comprou pensando no seu conforto e segurança. É claro que, dentro da
sua garagem (florestas nativas) ele não oferece riscos. Mas se você precisa dele (madeira), o que é melhor? Andar
a 200 Km por hora e chegar mais rápido ao seu destino (caso da soja) ou andar mais devagar (eucaliptos em
relação ao meio ambiente) e chegar com mais segurança? Pense nisso!
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O eucalipto e a agricultura familiar.
Os plantios são bons apenas para grandes empresas? Felizmente, não!
Vamos a outra acusação facilmente aplicável ao eucalipto. Os plantios de eucalipto são bons apenas para
grandes empresas, produtoras de madeira, carvão, celulose e serrarias, aumentando a concentração de renda e
terras no Brasil? Felizmente, não! As florestas plantadas são uma boa alternativa à agricultura familiar, sobretudo
em áreas já em avançado processo de desertificação, com muita erosão e voçorocas. Freqüentemente, nestas áreas
há um histórico de famílias que sobreviveram da agricultura, caça e extração de produtos locais, como o carvão
vegetal ou o artesanato, que demandaram corte sistemático de vegetação nativa, usada para energia caseira,
construções, queima para produção de carvão, etc. À este desmatamento seguiu-se o processo de empobrecimento
dos solos e, conseqüentemente, destas famílias rurais. O processo de degradação das pequenas propriedades é
o mesmo que ocorre com outras culturas em grandes áreas, como já explicado aqui. Solos expostos, sem plantas
para esvaziar o excesso de água ou com plantios de ciclo curto são mais sujeitos a degradação, gerando
empobrecimento da terra e das famílias. É assim que se inicia o processo de desertificação e o conseqüente êxodo
rural.
“O cultivo de eucalipto é
uma ótima opção para a
agricultura familiar em
áreas já degradadas.”
Uma floresta de eucalipto bem estabelecida nestas áreas, ainda que degradadas, poderia produzir,
anualmente, de três a quatro vezes mais que a secular vegetação nativa. Num ciclo de crescimento de seis anos dos
plantios isso significa que o pequeno produtor poderia ter de 18 a 24 vezes mais madeira para venda e consumo,
para gerar energia, matéria prima para carvão, mourões de cercas, serraria, construções e tudo mais que a
madeira pode fazer numa propriedade rural.
É claro que a recuperação dessas regiões mais degradadas exige cuidados mínimos para implantação de
florestas em plantio de nível, como não poderia deixar de ser, como coadjuvante ao controle de antigas cicatrizes
causadas pela erosão. A área degradada demanda correções estruturais, adição de corretivos e proteção, como
exigiria o plantio de qualquer outra espécie. A diferença é que, pelas razões já explicadas, a floresta plantada
protegeria melhor o solo de novos processos erosivos com a vantagem de gerar madeira, produto comerciável e
muito útil na zona rural. Com o corte seletivo, algumas árvores seriam cortadas e rebrotadas, formando novas
árvores sem danificar o solo. Outra vantagem é que o rápido crescimento do eucalipto evita o corte de florestas
nativas, protegendo assim a biodiversidade do local.
As demandas econômicas (prazo mínimo de sete anos
para a colheita) e ambientais em diferentes tipos de solos já
levaram as pesquisas a planejarem sistemas integrados de
plantios. Os sistemas agrosilvopastoris que integram cultivos de
arroz e soja nos dois primeiros anos, intercalados ao plantio de
eucalipto e depois o cultivo de braquiária até o corte da floresta
têm se mostrado muito produtivos, em todas as suas fases,
indicando que não houve prejuízo algum às espécies cultivadas
pelo eucalipto e crescimento acima do esperado para pastagens.
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Percebemos, com tudo o que foi dito até aqui, que as opções
do homem para manter sua qualidade de vida são no sentido de ter
suas demandas atendidas com o menor custo ambiental, possível.
Hoje em dia, não há mais como a humanidade ter toda a proteína
animal, necessária ao seu consumo, caçando animais nas matas ou os
criando soltos nos quintais, por isso o monocultivo se faz necessário.
Da mesma forma, não podemos mais viver como índios ou morarmos
todos no campo (somos bilhões de habitantes no planeta Terra),
cultivando alimentos para a sobrevivência.
Os grandes plantios são uma realidade para responder às
demandas dos tempos modernos. Monoculturas como a soja, café,
cana-de-açúcar têm relações custo-benefício distintas, mas, em geral
os benefícios são conhecidos pelos produtos disponibilizados e os
custos pelas alterações indesejáveis no solo e no meio ambiente, nem
sempre contornáveis. Não se pode afirmar que uma grande
monocultura de eucalipto seja inofensiva à biodiversidade de um
ambiente, mas e aí? Vamos parar de consumir papel ou vamos
produzi-lo destruindo árvores de mogno ou de pequizeiro? Não
vamos mais utilizar ferro e suas ligas nos carros, aviões, utensílios
domésticos ou vamos reduzir o ferro usando o poluente carvão
mineral? Não há como retroceder ou interromper o desenvolvimento,
mas, com a ajuda da ciência podemos fazê-lo sustentável.
Ainda há muito a ser compreendido sobre meio ambiente e
sua preservação, mas isto só será conseguido com muito esforço de
pessoas que conhecem muito de muito e não daquelas conhecem
muito de pouco, ou pouco de pouco. A ecologia, como já dissemos, é a
mais complexa das ciências e sem conhecer, estudar e pesquisar suas
interações não se deveria dizer que o eucalipto é uma árvore 'do mal'.
É por todos os motivos descritos acima e, sobretudo, pela
oportunidade que esta planta nos dá de preservar o que ainda resta
de vegetação nativa no Brasil que podemos sim, afirmar que o
eucalipto, felizmente existe!
Lembre-se disso quando ouvir alguém falando mal do
eucalipto, ou então, quando precisar usar papel ou qualquer objeto de
Felizmente, metal, assim como aquela chave que iniciou esta conversa.
oeucalipto existe! Formação: Engenheiro Agrônomo, 1965, UFV; M.S. Fitotecnica, 1970,
UFV; Ph.D. Ciência do Solo, 1977, North Carolina State University, EUA.
Linhas de pesquisa: Nutrição mineral de florestas; correção e
fertilização de solos para cultivo de eucalitpo; fósforo e fertilizantes
fosfatados.