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Diretor editorial Preparação


Luis Matos Júlia Yoshino

Editora-chefe Revisão
Marcia Batista Juliana Gregolin
Guilherme Summa
Assistentes editoriais
Aline Graça Arte e adaptação de capa
Letícia Nakamura Francine C. Silva
Valdinei Gomes
Tradução
Francisco Sória

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057
R854f
Rudnick, Elizabeth
Frozen: um coração congelado / Elizabeth Rudnick; tradução de
Francisco Sória. – São Paulo: Universo dos Livros, 2016.
320 p.
ISBN 978-85-7930-984-7
Título original: A Frozen Heart
1. Literatura infantojuvenil 2. Ficção 3. Princesas I. Título II.
Sória, Francisco

16-0105 CDD 028.5


1. Literatura infantojuvenil

Universo dos Livros Editora Ltda.


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P

– CINCO! – gritou a princesa Elsa, com sua voz alegre ecoando


pelas paredes do castelo. – Quatro! Três! Dois! UM! Prontos ou não,
aí vou eu! – Descobrindo seus olhos, ela passou uma longa mecha
do cabelo loiro por trás da orelha, observando o salão à procura de
sua irmã. – Anna! Você está aqui? Sei que você está aqui em algum
lugar!
De trás de um grande pilar de pedra, a princesa Anna assistia à
sua irmã andar na ponta dos pés pelo salão. Quase soltou um riso,
mas levou a mão à boca. Ela não podia rir. Não desta vez! Era
assim que Elsa sempre a encontrava. Brincar com sua irmã mais
velha a deixava muito feliz e, quando Anna estava feliz, ela ria.
Muito. No entanto, hoje estava determinada a vencer a partida de
esconde-esconde. Ao segurar o riso, Anna se distraiu observando a
luz do fim de tarde atravessar a enorme janela de vidros coloridos,
projetando maravilhosas sombras mornas por todo o cômodo. Ela
sorriu enquanto observava a dança dos raios de sol pelo chão,
como casais dançando com a música nos bailes da realeza
oferecidos por seus pais.
Distraída, Anna se pôs a cantarolar. Aos cinco anos de idade, ela
não frequentava bailes ou outros eventos especiais que aconteciam
no palácio. Contudo, isso não a impedia de fugir de seu quarto rumo
à varanda e assistir à entrada das mulheres em vestidos muito
coloridos e dos homens em ternos elegantes. Anna adorava o
instante anterior ao início da música, quando todo o salão ficava em
silêncio e os homens faziam uma reverência, retribuída pelas
damas. Tudo podia acontecer. Qualquer música poderia tocar.
Qualquer dança poderia começar. Era como o início de uma
aventura.
Mas quando contou isso para Elsa, sua irmã mais velha olhou
para baixo e sacudiu a cabeça.
– Uma aventura? É uma boa ideia, mas não funciona assim. Cada
dança é planejada antes da festa, as músicas são tocadas no
momento certo – Elsa explicou.
Apesar da visão prática da irmã sobre bailes, Anna continuou
convencida de que estava perdendo toda a diversão por não estar
lá.
Ela mal podia esperar pelo dia em que ela e Elsa poderiam
finalmente ir a um baile. Todos os sons, cores e luzes! Mesmo que
sua irmã não pensasse dessa maneira, Anna sabia que era nos
bailes que as coisas maravilhosas aconteciam…
– ACHEI VOCÊ! – gritou Elsa, agarrando Anna pelos ombros.
– AHH! – Anna gritou.
– Encontrei você! – repetiu a irmã, batendo palmas e brincando
com as tranças de Anna. – Eu sempre encontro você.
Anna pôs as mãos no quadril, assoprando sua franja acobreada
para longe dos olhos, tentando parecer triste. Durou mais ou menos
um minuto, e então sorriu.
– Quer brincar de novo? – Anna perguntou, esperançosa.
– Desculpe, Anna – disse Elsa, se abaixando para abraçar a irmã.
– Não posso brincar agora. Tenho aula com Erlingur. Quem sabe
mais tarde?
Anna fez beiço e cruzou os braços. Ela queria brincar agora!
Elsa sorriu.
– Se me deixar ir pra aula agora, eu super prometo que brincamos
à noite. Quem sabe faço algo… especial! – Com uma piscadela,
Elsa se virou e saiu do salão; seus passos ecoaram até finalmente
desaparecerem.
A careta desapareceu do rosto de Anna. Algo especial? Só podia
significar uma coisa: Elsa ia usar mágica!

O restante do dia pareceu se arrastar para Anna. No almoço,


sequer reclamou quando Cook lhe ofereceu sopa. Ela detestava a
sopa grossa de ervilhas, mas hoje mal sentiu seu gosto. Durante a
aula de história com Erlingur, deu pouca importância ao recitar o
nome das Sete Ilhas. Normalmente, ela ficaria muito empolgada em
aprender sobre os países vizinhos, mas hoje só conseguia pensar
em brincar com Elsa.
Na hora de dormir, Anna estava praticamente subindo pelas
paredes. Ela só precisava que todos no castelo dormissem, para
que ela e Elsa pudessem brincar! Deitada em sua cama enorme,
Anna tentava acalmar o coração acelerado. Não importava quantas
vezes acontecesse, ela ainda não conseguia acreditar que a irmã
fosse capaz de algo tão legal: Elsa tinha o poder de fazer as coisas
congelarem! Ela fazia nevar com um estalar dos dedos, ou
transformava água em gelo com um aceno. Podia construir bonecos
de neve e fazer cristais de gelo saltarem do lustre.
Os pais de Anna sabiam sobre os poderes de Elsa, mas Anna
gostava de fingir que era um segredo exclusivo dela e da irmã. Ela
adorava escapar do quarto com Elsa para brincar quando todo o
castelo estava dormindo. As aventuras mágicas eram tão divertidas
que Anna estaria pronta para a próxima antes mesmo que a anterior
acabasse!
Agora, deitada na cama e olhando impaciente o movimento lento
do relógio, Anna pensava que mais uma aventura estava por
começar. Finalmente. Ela não podia esperar mais.
– Elsa! – Anna sussurrou, saltando de sua cama em direção à
lateral da cama da irmã. – Psiu! Elsa! – Ela nem se mexeu.
Claramente tinha esquecido da promessa. Anna subiu na cama e
começou a pular dizendo: – Acorda! Acorda! Acorda! – até que
finalmente Elsa respondeu.
– Volte a dormir – disse, sonolenta.
– Não consigo! – disse Anna, apoiando todo o seu peso sobre as
costas de Elsa. – O céu está acordado, e eu também. Temos que
brincar!
– Vá brincar sozinha! – disse Elsa, expulsando a irmã de seu leito.
Anna caiu no chão, fazendo barulho. Ela suspirou. Elsa tinha
prometido! Como podia ter esquecido? Então, Anna sorriu. Ela sabia
como tirar sua irmã da cama. – Você quer brincar na neve? –
perguntou, desafiadora.
Na hora, Elsa abriu os olhos e sorriu.
Anna sorriu de volta. Ela não tinha esquecido, afinal. Era hora de
ir brincar na neve.

Logo, as irmãs estavam de volta ao salão. Porém, agora, o


espaço estava tomado pela neve. Parada bem no meio de tudo,
Elsa ria enquanto criava flocos de neve, que brotavam de suas
mãos num passe de mágica. Anna jogava a cabeça para trás e abria
a boca, procurando capturar os flocos de neve com a língua.
– Que incrível! – exclamou Anna.
– Veja! – disse Elsa, batendo o pé no chão.
No mesmo instante, uma camada de gelo começou a se formar
ao redor dela, espalhando-se a partir de seu pé. Rapidamente, todo
o piso se transformou em uma pista particular de patinação no gelo.
Anna aplaudiu com alegria e começou a deslizar pela pista. O riso
ecoava pelas paredes, e ela abriu os braços para manter o
equilíbrio. Do outro lado do salão, Elsa veio deslizando sobre o gelo,
também em meio a sorrisos. Quando se encontraram, Anna pegou a
mão da irmã na tentativa de rodar em círculos.
– Uhuuuul! – Com um estampido, Anna caiu sentada no chão,
rindo.
Elsa sorriu.
– Pronta? – ela perguntou. Levantando as mãos, Elsa moveu os
dedos. Diante dos olhos de Anna, começou a cair mais neve, que
tocava suavemente o chão, e com ela Elsa fez uma bola enorme.
Oba! Hora do boneco de neve!, Anna pensou, feliz, enquanto
aprontava uma segunda bola que servisse de tronco para o boneco.
Com cinco pedaços de carvão, uma cenoura e dois braços feitos de
galhos, as irmãs terminaram a obra de arte.
Elsa correu para trás de sua criação.
– Oi – disse com uma voz engraçada, fingindo ser o boneco de
neve. – Meu nome é Olaf! Gosto de abraços quentinhos.
Anna riu. O boneco de neve de Elsa era quase tão bom quanto
um de verdade.
– Eu amo você, Olaf – disse Anna, abraçando o boneco de neve.
Então, voltou-se para a irmã com um brilho no olhar. – O que mais
podemos fazer?
Elsa se concentrou e ergueu as mãos. Anna assistiu com muito
prazer à transformação de todo o salão em um espetáculo de
inverno. Longas e brilhantes estacas de gelo escorriam do enorme
lustre, enquanto Elsa transformava as janelas em obras de arte,
incrustando detalhes em flocos de neve. A cada movimento, parecia
que os poderes de Elsa – e sua habilidade em controlá-los – se
intensificavam.
Correndo para o banco de neve criado por Elsa, Anna esticou o
pescoço e olhou para a irmã sobre o ombro. Já haviam brincado
disso antes: Anna subia no banco de neve e pulava; então, Elsa
criava outro banco para ela aterrissar.
Ao bagunçar o banco de neve, Anna respirou fundo e saltou da
beirada, exclamando:
– Me pega!
No instante seguinte, seu corpo pairava no ar, para então
começar a cair. Quando achou que ia atingir o chão, Elsa ergueu as
mãos e criou outro banco de neve. Pousando na neve macia, Anna
soltou uma risada e pulou novamente. Vez após vez, ela pulava e
Elsa a segurava. Anna estava ficando sem fôlego e suas pernas e
braços doloridos pelo esforço, mas não queria parar.
– De novo! De novo! – ela gritou.
– Calma! – ouviu Elsa responder.
Mas Anna não queria se acalmar. Ela queria voar! Em disparada,
correu para a beirada do maior banco de neve e pulou.
Anna voou pelo ar, certa de que esse era o melhor momento de
toda sua vida. Então, olhou para baixo. Elsa corria para acompanhá-
la. Anna só teve um instante para perceber que Elsa tinha perdido o
equilíbrio e despencou antes que pudesse ver um raio de gelo em
sua direção.
E tudo escureceu.

A cabeça de Anna doía. Muito. Ela abriu os olhos lentamente,


para se acostumar com a luz. Anna se surpreendeu por estar
deitada em sua cama. Uma manta grossa a cobria até o queixo, e
fogo crepitava na lareira. Apesar do calor, Anna não conseguia parar
de tremer. Contudo, não era somente o frio em seus ossos que a
fazia tremer. Era a confusão. Ela não fazia ideia de como retornara
para a cama.
Sua última lembrança era de ter descido uma grande colina de
trenó com Elsa. Ela se recordava da sensação de leveza quando o
veículo bateu em uma pedra e saltou, suspenso no ar, antes de
voltar para o chão. Lembrava-se de rir e sentir os braços da irmã
segurando-a e de como era gostoso o abraço de Elsa. Depois
disso… nada.
Anna elevou a mão e tocou, trêmula, em sua cabeça. Uma onda
de dor tomou seu corpo, e um calor intenso substituiu
momentaneamente o frio. O trenó devia ter batido. Isso explicaria o
machucado que estava a apalpar e o porquê de estar de cama.
Aposto que Elsa vai dizer “eu avisei”, quando acordar, Anna pensou.
Ela não gosta de ir tão rápido.
Sorrindo, com um pouco de dor, Anna chamou sua irmã com
suavidade:
– Elsa? – Ela esperava pelo barulho dos lençóis quando sua irmã
se virasse, mas não ouviu nada no quarto. – Elsa? Elsa, você está
acordada?
Nada ainda. Olhando pela janela do quarto, Anna viu que a lua se
punha no céu. O azul-escuro da noite dava lugar às cores brilhantes
do dia. Elsa provavelmente estaria dormindo.
Desajeitada, Anna se sentou. Seus olhos se arregalaram quando
outra onda de frio estremeceu seu pequeno corpo. Elsa não estava
dormindo – ela não estava ali! E a irmã não era a única coisa
faltando no quarto compartilhado. Todos os pertences de Elsa –
desde o armário abarrotado de belas roupas e sapatos, a
penteadeira com o espelho elegante, e até mesmo sua coleção de
brinquedos –, tudo tinha sumido. No lugar, estava a mobília menor
de Anna, reorganizada na tentativa de ocupar os espaços vazios.
Era como se sua irmã nunca tivesse vivido ali.
Preocupada e confusa, Anna tirou as cobertas e saiu da cama.
Buscou equilibrar-se por um momento, quando o sangue subiu para
a cabeça, deixando-a tonta. Assim que o mal-estar passou, ela abriu
a porta e espiou o corredor. Todas as velas estavam acesas, com
suas chamas fazendo sombra na parede.
Grata pela luz, Anna respirou fundo e caminhou na ponta dos pés
pelo corredor. Passando por uma série de portas grandes, ela
dobrou a esquina que dava para a Ala Leste do castelo. Era onde
seus pais dormiam e onde estavam localizados os quartos maiores.
O berçário, que Anna sempre compartilhara com a irmã, ficava entre
as Alas Leste e Oeste – era o lugar perfeito para dormir quando se
está em crescimento, dizia sua mãe.
Parada na Ala Leste, Anna só queria pôr as mãos na cintura,
bater o pé e dar um chilique enorme. Onde está Elsa?, ela queria
gritar. Por que ela não está em nosso quarto e aonde foram as
coisas dela? Mas, antes que pudesse abrir a boca, ela viu a porta do
quarto de seus pais se abrir. Um feixe de luz iluminou o carpete
ornado em frente ao cômodo, e o roxo e o dourado real brilharam
contra as sombras. Um momento depois, sua mãe e seu pai
apareceram. Para a surpresa de Anna, eles vestiam roupas de
montaria. O cabelo de sua mãe, normalmente penteado e sedoso,
estava se soltando do coque, alguns dos fios castanhos contra a luz
se assemelhavam a uma auréola sobre sua cabeça.
– Mamãe? – disse Anna, correndo em sua direção. – Mamãe,
cadê a Elsa? Por que todas as coisas dela sumiram?
A rainha não respondeu no mesmo momento, e Anna sentiu um
arrepio profundo quando seus pais trocaram olhares sérios.
Subitamente, o arrepio transformou-se em medo, assim que um
novo pensamento lhe ocorreu.
– A Elsa… está bem? – Anna perguntou. – Sinto muito por termos
ido andar de trenó. Sei que não devia, mas amo andar de trenó, não
sabia que a gente estava indo tão rápido e… – Sua voz
desapareceu. Ela estava tão focada na estranheza do sumiço de
sua irmã que ainda não tinha pensado nos motivos pelos quais ela
poderia ter partido.
Ajoelhando-se, a mãe de Anna tocou gentilmente a bochecha da
filha.
– Sua irmã está bem, coração. Ela está em perfeita segurança.
– Então por que ela não está no nosso quarto? – Anna perguntou
com o lábio inferior tremendo. – Ela está brava comigo? Fiz algo
errado?
– Ninguém fez nada errado – a mãe insistiu, agora fitando o rei.
Então, voltou-se para Anna. – Já era hora de ela se mudar do
berçário. Ela precisa do próprio quarto agora que está mais velha.
Não está animada de ter o berçário todinho para você?
Anna balançou a cabeça violentamente.
– Não! Não! Não! Não estou animada. Quero que a Elsa volte. Ela
não pode voltar? Prometo ser boazinha. Nunca mais vou andar de
trenó. Nem preciso do meu próprio armário, se isso ajudar. Só quero
Elsa de volta… – Conforme ela falava, sua voz ficava mais e mais
alta, e as palavras saíam cada vez mais rápido. Nada daquilo fazia
sentido. Por que Elsa se mudaria tão de repente? A não ser que…
Outra ideia lhe ocorreu.
– A Elsa não gosta mais de mim? – ela perguntou baixinho.
Fitando a mãe com olhos marejados, esperou por uma resposta.
Houve uma longa pausa, durante a qual a mãe e o pai de Anna
pareceram estabelecer uma longa conversa silenciosa sobre a
cabeça de Anna. A cada momento, seu coração se apertava ainda
mais. Ela estava a ponto de desmoronar de tristeza quando sua
mãe finalmente disse:
– Sua irmã ama muito você. Mesmo, Anna. Eu lhe garanto – disse
a rainha. – Isso é só o que precisa ser feito. Precisa confiar em mim,
é a coisa certa a se fazer. Um dia você vai entender. Agora, você
precisa voltar para a cama. Precisa descansar.
– Mas…
– Para a cama, Anna – disse o rei.
Suspirando, Anna se virou rumo ao quarto.
– Por favor, Anna. Confie em nós – repetiu a mãe, atrás dela.
No entanto, durante o retorno a seus aposentos, tudo que Anna
não sentia era confiança. Era como se um pedaço dela tivesse sido
arrancado, e as únicas palavras reconfortantes ditas por seus pais
eram que, um dia, ela iria entender. “Um dia.” Anna queria entender
agora. Se ao menos ela pudesse falar com Elsa…
Naquele instante, ela ouviu um barulho. Ao olhar para cima,
avistou dois homens carregando a cômoda de Elsa em direção a um
quarto vazio no fim do corredor. Correu e atestou que toda a mobília
desaparecida do berçário agora se encontrava naquele quarto. E ali,
parada no meio daquele espaço enorme, estava Elsa em pessoa.
– Elsa – Anna chamou, esperançosa. Ela deu alguns passos de
modo a entrar no quarto. – Elsa, por que você está aqui? Volte para
o nosso quarto! Sei que a mamãe e o papai disseram que… – Sua
voz sumiu ao se deparar com a expressão da irmã. Era fria como
gelo.
– Vá para o seu quarto, Anna – ordenou Elsa, fechando a cara. –
Você não pode ficar aqui.
– Mas…
– É sério! – gritou Elsa. – Vá embora!
Dando um passo adiante, Elsa avançou como se fosse empurrar
Anna para fora do quarto. No entanto, antes que pudesse tocar o
ombro trêmulo da irmã, Elsa se deteve, como se tivesse lembrado
de algo terrível. Isso machucou Anna mais do que qualquer palavra.
Anna caminhou lentamente pelo corredor. Quando olhou para
trás, na tentativa de ver Elsa uma última vez, sua irmã bateu a porta.
Anna encarou o quarto fechado por um longo e triste momento. O
que tinha acontecido? Por que de repente Elsa ficara tão fria com
ela? Por que se mudara do berçário? Sentida, Anna se virou e
dirigiu-se novamente ao quarto delas – seu quarto. Ela nutria a
sensação, lá dentro, de que algo tinha dado muito errado. Só não
sabia o quê. Tudo o que ela podia fazer era torcer para que Elsa
voltasse a falar com ela… logo.
C 1

– ELSA? ELSA, sei que você está aí. Estou indo para os estábulos.
Quer vir?
A princesa Anna, aos quinze anos, encarou a porta do quarto de
sua irmã, aguardando. Ela sabia que era inútil. Se Elsa se desse ao
trabalho de responder, o que acontecia de vez em nunca, a resposta
seria não. A resposta era sempre não. Por que Anna imaginou que
Elsa subitamente decidiria quebrar dez anos de silêncio?
– Elsa? – ela chamou de novo.
Nada.
Gentilmente, Anna apoiou sua mão na porta, como se assim
pudesse sentir a presença de Elsa. Então, retirou-a, raivosa. Qual
era o sentido de tudo aquilo? Ela assumira aquela posição tantas
vezes. Desde a fatídica noite, anos atrás, quando Elsa batera a
porta na cara dela, se seguiriam inúmeras portas fechadas e
decepções. Com suspiros, ela se virou e andou até seu quarto para
vestir a roupa de montaria.
Anna abriu a porta e empurrou as peças de roupas que se
amontoavam no chão, abrindo caminho para sua penteadeira.
Sentada, começou a ajeitar um coque. Enquanto o enrolava, tocou
suavemente a mecha de cabelo branco que emoldurava seu rosto.
Então, penteou-a. Ela tinha perdido a conta de quantas vezes tinha
sentado naquele exato lugar, encarando o cabelo branco. Ela tinha
essa mecha desde que se lembrava, embora sempre tenha parecido
meio fora de lugar, como se não devesse estar ali. Mas tentar
entender por que seu cabelo parecia assim estranho era tão inútil
quanto desejar que Elsa abrisse a porta e conversasse com ela.
Anna puxou a mecha novamente, dessa vez destruindo o coque.
Ela suspirou e assoprou os fios soltos para longe dos olhos. Bem,
isso também não vai servir, pensou Anna. Mesmo sem ter alguém
para quem se arrumar, Anna gostava de se vestir bem. Era uma
maneira de se ocupar, pelo menos.
Anna espiou pela janela, por meio da qual podia enxergar a
beirada de um dos portões gigantes do palácio. Estava fechado,
como sempre.
Ao acordar na manhã seguinte ao acidente de trenó, Anna
encontrou o castelo mais silencioso que o normal. Ela não ouvia as
risadas das empregadas se movimentando pelos quartos, tirando o
pó das estantes e acendendo o fogo nas lareiras. Quando se
aventurou para fora do quarto, não escutou o bater de panelas na
cozinha, enquanto Cook preparava a refeição matinal para a família
real e o resto da casa. Nem pôde ouvir Kai, o secretário, dando as
instruções diárias para os serviçais, garantindo o cuidado apropriado
do Salão Principal. A voz de Gerda estava estranhamente ausente
também. Anna não a ouvia instruir os funcionários do castelo sobre
quais roupas precisavam ser remendadas ou separadas para mais
tarde.
O lugar inteiro parecia abandonado. E, em verdade, estava
mesmo. Seus pais tinham fechado os portões do castelo. Quase
todos os funcionários haviam sido dispensados, e qualquer contato
com o mundo exterior estava proibido. E Anna não fazia ideia do
motivo. Dez anos haviam se passado e ainda não fazia ideia.
Observando seu reflexo, Anna prendeu uma última vez seu
cabelo branco.
– Bem, não é como se eu quisesse ver o mundo ou algo assim –
ela brincou na tentativa de se animar.
Ultimamente, Anna andava pensando mais sobre a vida antes de
os portões serem fechados. Sua memória daquela época estava
ficando confusa. Recordações se embaralhavam, e às vezes não
tinha certeza se algo tinha acontecido de verdade ou se era mais
uma invenção de suas brincadeiras solitárias. Espiando sobre a
mesa de cabeceira, ela sorriu amargamente ao avistar um livro.
O livro tinha sido sua salvação. Fora presente de uma garota
chamada Rani, filha de um dignitário. Ambas as meninas haviam se
conhecido alguns meses antes de tudo mudar. Rani contou para
Anna sobre seu país natal; sobre as grandes praias de areia e as
árvores com enormes frutas redondas penduradas nos galhos.
– Elas ficam tão pesadas que, quando caem, fazem um barulho
muito alto – contara Rani. – E são duras como pedra, mas quando
você abre uma, são bem doces. Um dia, você vai lá me visitar e eu
lhe darei o coco mais fresco de todos.
– Talvez mamãe e papai me deixem ir ano que vem! – replicara
Anna na ocasião. Mas nunca teve a oportunidade. E nunca mais viu
Rani. O livro, que contava uma centena de histórias curtas sobre
aventuras na terra de Rani, tinha chegado dias antes de os portões
se fecharem, junto de um convite. O livro ficara, assim como Anna.
Chega!, Anna se recriminou. Ela teria adorado vislumbrar as
terras fora do castelo, mas sabia que não seria possível. Não havia
motivo para passar a manhã desejando isso. Em pé, pegou sua
capa de uma pilha de roupas e o livro de sua mesa de cabeceira.
Estava um dia lindo lá fora. Mesmo sem poder ir além dos portões
do castelo, nada a impedia de tirar Kjekk de sua baia para passear.
O cavalo, pelo menos, não a ignorava.
– Talvez mamãe queira vir comigo – sugeriu a si mesma, saindo
pela porta. – E vou ver se Cook preparou alguma coisa. Um pouco
de chocolate certamente me animaria.

– Mãe? – Anna pôs a cabeça dentro do escritório de sua mãe. –


Mãe, você está aí?
Entrando no quarto, Anna espiou ao redor. Estranho, ela pensou.
Normalmente, sua mãe passava o começo da tarde ali, lendo a
correspondência, ou em reunião com Gerda, definindo os afazeres
do dia. Era um ambiente lindo: janelas do piso ao teto dominavam a
parede oposta, fazendo do cômodo sempre o mais iluminado do
castelo. Em dias especialmente bons, como esse, o cômodo
também ficava mais quente. Uma grande poltrona estava contra a
janela, e Anna costumava se acomodar nela enquanto ouvia sua
mãe falar de negócios. Tudo naquele ambiente refletia o gosto
clássico e simples da rainha. As paredes eram cobertas de papel de
parede marfim, e a mobília, coberta de tecidos de tons dourado e
roxo pálido. Anna adorava. Ela gostava de sentir a presença de sua
mãe imediatamente ao entrar no ambiente, inspirando traços de seu
perfume.
Mas hoje sua mãe não estava ali.
Voltando para o corredor, avistou Gerda saindo dos aposentos do
rei e da rainha.
– Gerda! – Anna chamou. A empregada se virou com os olhos
arregalados. Anna sorriu como quem se desculpa. – Desculpe-me o
susto! Só queria saber se você viu mamãe. Estava querendo ir
cavalgar com ela de tarde.
Gerda mexeu os pés, nervosa.
– Ela e o rei estão com sua irmã, Vossa Alteza – respondeu, por
fim. – No solário. Pediram-me que não os perturbasse. – Então,
antes que Anna pudesse agradecê-la, Gerda se foi como um coelho
fugindo de uma raposa.
Anna ficou pensativa. Interessante… Fugir não era muito o estilo
de Gerda. E o que seus pais estariam fazendo no solário em um dia
como esse, e com Elsa? O jardim coberto por vidro era abafado no
verão. Eles normalmente o utilizavam no começo da primavera e no
outono, quando o calor era bem-vindo. Bem, não vou conseguir
respostas parada aqui com a boca aberta, pensou Anna, e então se
encaminhou para o solário.
Quando chegou ao seu destino, soube imediatamente que tinha
errado em achar que encontraria respostas. A porta do cômodo
estava fechada. Atrás dela, Anna conseguia ouvir vozes abafadas.
Ela parou, incerta sobre como prosseguir. A porta do solário quase
nunca ficava fechada. O que eles estariam fazendo lá dentro? A
curiosidade falou mais alto, e Anna abriu a porta.
No mesmo instante, desejou que não tivesse aberto.
Seu pai estava parado em frente a Elsa, com os braços cruzados.
– Tente novamente, Elsa – ele disse com um tom calmo, soando
um pouco frustrado. – Você precisa resolver isso.
Elsa olhou para o chão. Fios do cabelo loiro esbranquiçado
caíram sobre seu rosto. Quando finalmente olhou para a frente,
Anna se surpreendeu em ver lágrimas escorrendo pelas bochechas
rosadas de sua irmã.
– Não consigo – ela confessou. – Você não acha que eu faria se
conseguisse?
– Tenha cuidado. Chorar só piora as coisas – retrucou o rei, com
ar de restrição em sua voz. Anna reconhecia esse tom de quando
ele e sua mãe discutiam problemas do reino. Algo estava errado, e
ele não sabia como resolver.
Anna deu um passo atrás, nervosa. Era obviamente um momento
particular.
– Agnarr, por favor. – A voz da rainha era calmante. Gentilmente,
levou a mão ao braço do marido e disse: – Elsa está exausta. Deixe-
a ir. Podemos tentar de novo na volta.
Elsa sacudiu a cabeça.
– Sei que falhei com vocês. Vou tentar fazer melhor. Eu prometo.
É só… só… Eu não… – Ela não terminou a frase. Um soluço
ameaçou eclodir em seu peito, mas Elsa engoliu. Secou os olhos e
andou rapidamente para a porta. Elsa passou por Anna, sem olhar
duas vezes para ela, e saiu para o corredor, desaparecendo.
Das sombras, Anna observava seus pais. Ela nunca os tinha visto
tão quietos… e tão tristes.
– Eu só queria que a gente pudesse ajudar mais – Anna ouviu sua
mãe dizer suavemente. – Desejava que ela não nos afastasse tanto.
Tantas vezes, Agnarr, eu só queria abraçá-la e dizer que ficará tudo
bem, mas ela… ela acha que precisa lidar com isso sozinha.
Anna estava começando a achar que deveria procurar sua mãe
em outra hora. Alguma coisa estava acontecendo, e ela não sabia
bem o quê. Virando-se para sair, ela se encaminhou em silêncio
para a porta, mas o chão rangeu sob seus pés e sua mãe a avistou.
– Oi, querida – ela disse. – Não vi você. Está aqui há muito
tempo?
– Hmm, não – ela respondeu ao se aproximar dos pais. – Cheguei
faz um momento. Está… tudo bem?
– Claro que sim, Anna. É claro – replicou a mãe. – Não é, Agnarr?
Está tudo bem.
O rei, que estava encarando, ainda perplexo, o local pelo qual
Elsa saíra, finalmente olhou para a frente. Ao avistar Anna, ele
sorriu.
– Sua mãe está certa, minha pequena. Nós estávamos passando
para Elsa o que precisa ser feito enquanto estivermos fora. Nada
com que se preocupar. Ainda bem que tenho a sua mãe aqui para
me lembrar de manter a calma.
– Mas você nunca perde a calma – apontou Anna. – Nunca. Nem
quando eu derramei chocolate quente no seu terno branco, lembra?
Você não ficou chateado. E quando eu tinha quatro anos, que
tropecei e caí no seu amigo, o Dignatário de Algum Lugar, e ele
torceu o pulso? Você disse pra ele não ficar bravo, que era o meu
jeito de dizer olá.
O pai dela riu e estendeu a mão, fazendo carinho em sua cabeça.
– Acho que estou ficando ranzinza com a idade – disse em tom de
brincadeira. – Daqui a pouco, vou estar falando sozinho e gritando
com as paredes.
Anna sorriu, e um pouco da tensão em seus ombros
desapareceu, conforme seu pai voltava a se comportar
normalmente.
– Vou garantir que você não faça nenhuma bobagem – ela disse.
– Sabe, eu podia ir com você na próxima viagem. Pro senhor se
comportar. – Ela juntou as mãos e se levantou. – Por favor?
– Querida, você sabe que não podemos levá-la conosco – disse
sua mãe gentilmente. – Nós adoraríamos. Mas você precisa ficar
aqui com sua irmã.
– Por quê? – disse Anna. – Como se ela fosse falar comigo
enquanto vocês estiverem fora.
– Você precisa ter paciência com Elsa – observou a mãe. – Ela
está passando por um momento difícil.
Anna fechou a cara.
– Se “momento difícil” significar não querer nada comigo, acho
que entendo.
Os pais trocaram olhares de difícil compreensão. Então, cada um
estendeu um braço sobre Anna, apertando-a. Anna afundou-se no
abraço. O contato com Elsa tinha mexido com ela, e ouvir que sua
mãe também se sentia isolada dela fez Anna se sentir ainda mais
estranha.
– Amo muito você, Anna – concluiu a mãe, dando um beijo
carinhoso em sua testa. – Sempre vou amar você. E Elsa também.
Do jeito dela.
O pai de Anna apertou sua bochecha.
– Por que não planejamos algo especial quando voltarmos?
Todos, até Elsa. Assim que ela se sentir melhor.
Anna se levantou.
– Sério? – ela disse, batendo palmas. – Seria ótimo!
– Bem, vamos conversar sobre isso na volta – sugeriu o rei,
apertando seu braço. – Agora, preciso encontrar Kai para saber
como andam os preparativos da viagem. Vou deixar as adoráveis
damas aproveitarem o dia.
Inclinando-se, beijou a esposa nos lábios.
– Vou sentir sua falta até nos revermos – ele disse, e então deixou
o ambiente.
Anna viu sua mãe assistir à sua saída. A tensão anterior em seu
olhar tinha desaparecido e agora estava cheio de amor e calor.
– Um dia, eu quero amar alguém tanto quanto você ama o papai –
disse Anna depois de um instante.
– Quero isso para você também, Anna – desejou sua mãe, se
virando e sorrindo para ela. – Quem você amar será muito sortudo.
Como eu tenho a sorte de você me amar. Agora – continuou,
mudando de assunto –, que tal pegar uns biscoitos na cozinha?
Acho que alguma coisa doce ia lhe fazer bem.
Anna concordou, já abandonando a ideia de cavalgar. Sua mãe
raramente sugeria doces, então Anna não ia perder a oportunidade.
Faltavam poucos dias para a partida. Ela iria aproveitar quanto
tempo pudesse com sua mãe. Sorrindo, ela pegou sua mão e a
arrastou pelo corredor.
– Vamos – ela chamou. – Tenho certeza de que Cook fez uns
biscoitos hoje…
C 2

As Ilhas do Sul não eram conhecidas por suas calmarias. As sete


ilhas que compunham o reino ficavam, afinal, localizadas no meio do
mar. Não havia montanhas para segurar o vento, nem praias de
areia para abafar o barulho das ondas. Todas as ilhas, exceto uma,
onde o rei e sua família residiam, eram rochosas. E, em
praticamente qualquer momento do dia e qualquer ponto das ilhas, o
ar carregava um forte cheiro de sal.
A joia da coroa das Ilhas do Sul era, naturalmente, o palácio do
rei. Quando pessoas que nunca tinham ido às Ilhas do Sul
avistavam pela primeira vez no horizonte as longas e baixas
muralhas, acreditavam se tratar de um monstro marinho. O palácio
era feito de rochas negras brilhantes, encontradas apenas nas Ilhas
do Sul. A única parte que não era de pedra continha quatro
gigantescas janelas voltadas para o lado norte, defronte do vizinho
mais próximo do reino. Isso tornava o palácio praticamente
invulnerável, e a construção parecia, de fato, uma serpente. Quem
era nascido e criado no reino amava o castelo e o considerava
maravilhoso. Acreditavam haver algo de empoderador no fato de ter
sobrevivido – e mesmo florescido – em um ambiente tão inóspito.
Já para o príncipe Hans, o filho mais novo do rei das Ilhas do Sul,
o castelo era feio. Feio e detestável. Ele o odiava profundamente,
bem como cada centímetro de cada ilha. Para ele, não importava
que do mar viessem as levas frescas de peixe, ou que das pedras
da ilha fossem criadas valiosas estátuas. Não importava que seu pai
fosse, em função de tudo isso, mais rico do que qualquer um
poderia supor. Para ele, as Ilhas do Sul – e o castelo – eram uma
prisão, e seu pai, o carcereiro.
Hans já estava há vinte minutos esperando do lado de fora do
Salão Principal, ainda sem ânimo para entrar. O vento acalmava um
pouco conforme escurecia. Normalmente, não se podia ouvir nada
com o barulho do vento, por isso Hans já estava surpreso com a
clareza com que ouvia o outro lado da porta. Ele podia escutar a voz
de seu pai nitidamente. Era impossível não ouvir. Sua voz era
profunda, suas frases, pausadas. O rei não desperdiçava palavras.
“Vá direto ao ponto, Hans. Sempre vá direto ao ponto”, era o que ele
dizia sempre que Hans prolongava sua presença.
Além da voz grave de seu pai, também podia ouvir seus doze
irmãos mais velhos. Esse som era tão familiar quanto o do vento ou
o cheiro de sal. E tão frequente quanto irritante. Não conhecia a vida
sem eles e todas suas memórias envolviam um ou mais dos irmãos.
E poucas eram boas lembranças.
Hans respirou fundo. Ao mesmo tempo em que desejava
sinceramente dar as costas e ir embora, ele sabia que teria que
marcar presença. Seu pai tinha requisitado seu comparecimento, e
quando o rei pede algo, você simplesmente cumpre. Nesse caso em
particular, significava ir ao último de uma longa sequência de
jantares realizados em homenagem ao aniversário de sua mãe. Só
vou entrar, dar um olá para meu pai, felicitar minha mãe mais uma
vez e partir, pensou Hans. Cinco minutos, não mais que isso. O que
poderia dar errado em cinco minutos?
Ele tremeu. Com seus irmãos, cinco minutos poderiam dar muito,
muito errado.
Tomando fôlego, Hans abriu a porta, entrando no Salão Principal.
O ambiente estava iluminado por mil velas, com suas chamas
enchendo o salão de fumaça e tornando o ar difícil de respirar. Lá na
frente estava sentado seu pai, conversando com Caleb, seu irmão
mais velho.
Os dois homens estavam bastante envolvidos na conversa,
solenemente ignorando as mulheres a seu lado. A rainha, mãe de
Hans, não parecia se incomodar. Ela estava, afinal, acostumada,
depois de trinta anos de casamento. Observava o salão com os
olhos parados, uma mão acariciava a grande joia pendurada em seu
pescoço e a outra segurava uma taça de vinho. Vendo seu filho,
abriu um sorriso fraco.
Hans respondeu ao sorriso antes de voltar a atenção para a
esposa de Caleb. Diferente da rainha, de tranquilidade
impressionante, a princesa não conseguia parar sentada. Grávida
de quase nove meses de seu segundo filho, ela procurava uma
posição confortável, olhando para Caleb, para as mesas e
retornando o olhar para o esposo. Suas mãos estavam em
constante movimento – repousando sobre a barriga, antes de pegar
uma taça de vinho e repensar a decisão logo em seguida. Ela
parecia dolorosamente desconfortável, e por um breve momento
Hans sentiu pena dela.
Ela está tão deslocada quanto eu, pensou. Caleb a ignora como
se ela fosse um papel de parede.
Bem, pelo menos meu pai é gentil com ela, lembrou Hans, e seu
sentimento de pena desapareceu. Essa mulher carregava em seu
ventre o neto do rei e seria tratada como merecia.
Só então seu pai reparou nele. Seus olhos fitaram Hans sem
expressar emoção alguma.
– Que bom que decidiu se juntar a nós – ele disse. No silêncio
que se seguiu ao comentário, ele pôde sentir os doze pares de
olhos dos irmãos o encarando. – Não achou que o aniversário de
sua mãe fosse digno de sua presença?
– Sinto muito, meu pai – disse Hans. E completou mentalmente:
não estou perdendo muito da comemoração. Dava para ver que
ninguém estava falando muito com a matriarca. A festa servia
estritamente para manter as aparências. Política. Tudo era política
com seu pai.
– Não é comigo que tem que se desculpar – falou o rei. – Você
tem que se desculpar com sua mãe. Ela foi a única que notou sua
ausência.
Hans corou ao reconhecer a verdade naquelas palavras. Pôde
ainda ouvir o riso de alguns de seus irmãos. Balbuciou outra
desculpa e se encaminhou para uma mesa no fundo do salão.
Imediatamente, o rei voltou sua atenção outra vez para Caleb.
Como me esqueceram rápido, pensou Hans, observando a
animação com que seu pai falava com o primogênito. Perguntava-se
se Caleb valorizava a atenção do pai. Provavelmente, estava tão
acostumado que não fazia ideia de como era a vida do caçula, que
nunca a tivera. Hans, por outro lado, com frequência imaginava
como seria a vida de Caleb…
Sua fantasia era sempre a mesma: ser o filho único de seu pai.
Seu pai o amaria, e os dois passariam horas juntos, iriam caçar.
Hans montaria um potro castanho gigante, presente por seu
aniversário de quinze anos. Ao seu lado, o pai sempre lhe
encorajaria e quando matasse um urso selvagem, o rei contaria
grandes histórias no banquete sobre como seu filho único era
valente, forte e enfrentava feras poderosas.
Quando não estivessem caçando, sentaria ao lado de seu pai e
discutiria a situação política, ou faria planos para invadir o território
inimigo.
– Hans – perguntaria seu pai –, o que faria nessa situação?
Valorizo a sua opinião acima de tudo. – E ele responderia, eloquente
e organizado, com suas palavras ecoando pela sala, encorajando
quem o ouvisse: – Você tem muita sabedoria, filho. Sou um rei de
muita sorte por ter um herdeiro perfeito para meu trono.
Sua fantasia normalmente acabava com o pai entregando o reino
para ele.
– É chegada a hora, meu filho – anunciaria o rei. – Apesar de ser
apenas um jovem rapaz, sei que já está pronto para tomar meu
lugar como legítimo rei das Ilhas do Sul. Estou tão orgulhoso de
você, meu garoto. Tão, tão orgulhoso…
Era sempre nesse momento que Hans sacudia a cabeça, e sua
fantasia desaparecia. Ele sabia que estava se enganando. Não
importava quantas noites passasse vendo o sol se pôr nas Ilhas do
Sul, o reino nunca seria dele. Era o décimo terceiro de treze filhos.
Era inútil. O reserva. Sequer o reserva era a essa altura. Era
dispensável. Não havia um único cenário, nenhuma chance,
nenhuma ocasião em que ele seria necessário.
Sentiu então um baque, como se algo tivesse atingido em cheio a
parte de trás de sua cabeça. Procurando ao redor, pôde ver os
gêmeos, Rudi e Runo, parados atrás dele, rindo. Gêmeos apenas
por terem compartilhado um útero e partilharem a vocação para o
mal. Fisicamente, eram diferentes como a noite e o dia. Rudi era de
estatura média e tinha cabelo avermelhado, parecido com o de
Hans. Runo era incrivelmente alto, com um cabelo
assustadoramente loiro, que insistia em ficar de pé. Os olhos e
sobrancelhas claras o faziam parecer eternamente chocado.
– Qual o problema, irmãozinho? – perguntou Rudi, com ar
maldoso e em alto volume para que seu pai ouvisse. Por um
momento, o rei se virou e encarou os filhos.
– Fez um dodói, foi? – provocou Runo cruelmente. – Vai correndo
pra saia da mamãe ganhar um beijinho pra ver se melhora?
Hans cerrou os punhos, a tentação de devolver a provocação com
socos era forte. Mas em uma vida de provocações, ele sabia que
brigar seria inútil – com palavras ou com as mãos.
– Estou bem – sussurrou.
– Como é? – perguntou Rudi, levando a mão à orelha. – Não
consegui ouvir. Você devia aprender a falar mais alto. Nosso pai
detesta ratos, não é, pai? – disse olhando para o rei em busca de
aprovação.
– Os Westergaards são leões e não ratos – concordou o rei. –
Devia ouvir seus irmãos, Hans. Talvez aprendesse algo com eles se
parasse de agir como se fosse melhor que todo mundo.
Como tubarões sentindo o cheiro de sangue, outros irmãos se
juntaram à provocação. Depois que cada um dava seu golpe, olhava
para o pai, buscando aprovação à custa do irmão caçula.
Hans permaneceu sentado em silêncio, fitando a mesa. Reparou
em como a madeira estava gasta em alguns lugares, suaves ao
toque, enquanto outros estavam ásperos, como se a árvore tivesse
acabado de ser cortada. Tocava as farpas, estremecendo quando
arranhavam seus dedos, embora sentisse um estranho prazer na
dor. Ele lidava bem com a dor física.
Subitamente, ficou em pé e se encaminhou para a porta. Não
importava se seu pai ficaria bravo depois. Não compensava
permanecer e a tormenta continuar. Quando passou pelos gêmeos,
acenou educadamente com a cabeça, sem dizer nada. Atrás dele,
Rudi e Runo soltaram mais alguns impropérios, mas não o
seguiram.
Saindo no corredor, soltou um longo suspiro. Podia ter sido bem
pior, pensou. Pelo menos dessa vez só tinham atirado pão e não
copos nele. Partindo, rumou para fora do castelo em direção ao mar.
O cais era o lugar mais distante do castelo dos Westergaard, e esse
era o principal apelo para Hans. Seus irmãos nunca andariam tanto
somente para provocá-lo, então era um local onde podia ter um
pouco de paz e silêncio. Ali também tinha tempo para pensar – algo
que a maioria de seus irmãos era absolutamente incapaz de fazer.
Só se importavam com seus reflexos na miríade de espelhos que
adornavam as paredes do castelo. Era fato sabido que os príncipes
Westergaard – à exceção de Runo – eram muito belos. Ao menos
nesse sentido, Hans era parecido com seus irmãos. Ele era alto,
com cabelo dourado avermelhado e grandes olhos questionadores.
Quando completou dezessete anos, alguns meses antes, começou
a ganhar corpo. Seus ombros eram agora largos e seus braços,
fortes pelas horas de treino com a espada – pré-requisito para um
príncipe, mesmo um que provavelmente nunca entraria em
combate.
Ao longo dos últimos meses, ficava cada vez mais claro para
Hans que, apesar de sua inteligência, beleza e apreço pelas coisas
refinadas da vida, nada disso tinha importância para seu pai. Caleb
tinha se casado alguns anos antes, e logo em seguida sua esposa
tinha dado à luz o primeiro filho, o que retirava a pressão dos
demais em relação a ter herdeiros. Isso não os tinha impedido,
naturalmente. Todos seus irmãos, à exceção de Rudi e Runo, já
eram casados e tinham filhos. Os gêmeos até faziam seus cortejos,
apesar de Hans não conseguir imaginar quem iria se interessar por
aquelas criaturas brutas. Já tinha ouvido o coordenador de assuntos
da realeza discutir pares em potencial para eles, mas nenhum rumor
sobre uma esposa para o próprio Hans.
Sacudiu a cabeça, tentando se livrar dos pensamentos negativos
que invadiam sua mente. Sabia que estava amargurado
simplesmente por estar. Não era como se tivesse acordado de
manhã e descoberto ser o filho caçula de um pai distante e
desinteressado. Essa era sua vida – desde sempre. Sua vida tinha
sempre sido assim. Nada ia mudar essa condição e, quanto antes
se conformasse, mais fácil seria.
C 3

O rei e a rainha de Arendelle tinham partido já fazia uma semana e,


apesar da esperança de Anna, sua ausência não deixara Elsa mais
sociável. Parecia estar ainda mais reclusa. Elsa recebia as refeições
no quarto e tinha aulas particulares com Kai. Quando a via, era
apenas um vislumbre de sombra pela porta.
Por sorte, sua mãe tinha incumbido Gerda de reorganizar a
biblioteca real durante a viagem. Anna prontamente se voluntariou
para auxiliar – uma empreitada que ajudaria a passar o tempo.
– Não estou confiante de deixar Anna organizar alguma coisa –
confidenciou a rainha para Gerda, com uma piscadela para Anna. –
Você já viu o quarto dela?
Assim, enquanto passava pela galeria real, Anna lembrou que
ainda tinha três semanas pela frente.
– Muita coisa pode acontecer em três semanas, não é mesmo? –
ela perguntou para o retrato de seu tatataravô. Ele a encarava, com
sua expressão austera. Ela sorriu concordando, como se o retrato
tivesse respondido. – Como é? Você perdeu todo seu cabelo em
três semanas? – Deu um passo de volta, posicionando-se na altura
do homem no retrato. Sua careca brilhava à luz de velas. – Acho
que lhe confere uma certa dignidade, tatataravô.
Rindo sozinha, ela seguiu pelo corredor. Os retratos de cada um
dos lados variavam em tamanho. Alguns eram bem pequenos,
quase do tamanho do livro que carregava consigo. Outros eram
enormes, duas vezes seu tamanho, em altura e largura. Parando
diante de um de seus favoritos, Anna olhou para a esquerda e
depois para a direita. Certa de que ninguém a observava, sem
cerimônia nem jeito, sentou-se no chão. Espalhou sua saia,
parecendo flutuar no meio de um monte de chiffon e olhou para o
retrato enorme à sua frente.
Nele estavam um belo homem ao lado de uma linda mulher. Uma
delicada coroa de flores adornava a cabeça da dama, que com um
braço levantado tocava suavemente as pétalas brilhantes do enfeite.
A outra mão repousava no braço do homem, a quem encarava com
olhar amoroso. A expressão do homem era mais difícil de ler; com
sua mão sobre o ombro dela, parecia um tanto possessivo.
– Vocês se amam muito, não é? – disse Anna em voz alta. Ela
passava horas nesse exato lugar, sonhando com a história que o
retrato guardava. A história por trás da maioria das pinturas da
galeria real era conhecida, e Kai sempre as contava.
– É parte de seu trabalho como princesa de Arendelle conhecer a
história de seus antepassados – dissera Kai, conforme explicava o
que era retratado em cada quadro. Mas Kai nunca contara sobre
esse retrato em especial. Quando perguntado, ele empinava o
queixo, entortando o canto da boca. Pegava então um lenço e
limpava as mãos, como se a menção do retrato já o fizesse se sentir
sujo. – Tudo que sabemos sobre o retrato é que essa moça não é
da realeza – dizia finalmente, com ar de julgamento. – Você não
precisa saber sobre eles. Saiba apenas que o artista real de
Arendelle à época, Jorgan Bierkman, sentiu a necessidade de
retratá-los.
Anna, é claro, imediatamente quis saber tudo sobre eles. Kai,
acostumado a ver o mundo em preto e branco, não reconheceria
uma história de amor nem se ela pulasse em sua frente. Ela
imaginava a história como triste e inevitavelmente romântica. Quem
haviam sido eles? Como se conheceram? Fora amor à primeira
vista? Tinham sido afastados pela sociedade? Se ela não era da
realeza, tiveram alguma chance? Não importava quantas vezes
Anna olhasse para o retrato, ela não se cansava de imaginar a
história por trás dele. Batizara o homem e a mulher de Sigfrid e Lilli,
e tinha inventado muitas histórias sobre eles. Em algumas, amantes
predestinados, afastados pelos pais cruéis e sem coração de Sigfrid.
Em outras, um casamento por conveniência, que se transformou em
um grande amor. Na versão favorita dela, a moça era uma viajante
de um reino distante que tinha se aventurado por terra e mar até
chegar a Arendelle. Por lá, enfeitiçou todos com suas histórias de
aventuras, perigos e conquistas. Até o jovem príncipe tinha caído
em seus encantos, mas quando declarou seu amor por ela e pediu
que ficasse no reino com ele para sempre, ela recusou. Seu grande
amor, teria dito a ele, sempre seria a vida. Ela não ficaria presa atrás
das grades tendo um mundo de aventuras pela frente.
Nessa versão em particular, a moça deixava o príncipe para trás.
Mas eventualmente retornava e juntos abandonavam Arendelle para
viajar o mundo. Era por isso, imaginava, que ninguém falava deles.
Era assim que as coisas funcionavam por lá. Ao menos, era como
Kai teria justificado.
Olhando ligeiramente para o lado, avistou sua segunda pintura
favorita. Essa não era um retrato, mas sim uma paisagem. Nela, os
portões do castelo estavam abertos. À distância, as montanhas se
erguiam majestosas, com os picos cobertos de neve. Em primeiro
plano, via-se uma feira no meio do vilarejo. Dezenas de barracas
coloridas estavam repletas de todo tipo de coisas. Anna imaginava
como seria andar pela feira, sentindo o cheiro dos temperos e de
pão fresco, ouvindo a fofoca das senhorinhas e os velhos
resmungando sobre o tempo.
Em um canto, duas meninas estavam de mãos dadas, rindo. Ao
contemplá-las, Anna sentia uma pontada de tristeza agridoce. Ela e
Elsa tinham sido assim outrora. Provavelmente já tinham ido a uma
feira como aquela… lá na época em que podiam sair do castelo. Na
época em que os portões ficavam sempre abertos…
Normalmente, o retrato a deixava alegre. Ela quase podia ouvir as
meninas rindo e cantando juntas, e as imaginava partindo para mais
uma aventura, de braços dados. Mas hoje não. Hoje a pintura a
deixou triste. Suspirando, Anna abaixou os olhos e abriu seu livro.
Talvez escapar para o mundo das palavras a fizesse esquecer que
sua irmã a ignorara novamente naquela manhã…
Subitamente, ouviu alguém pigarrear. Olhando para cima, viu Kai
adentrar na galeria, com os passos quase silenciosos.
– Kai – disse Anna assustada. – Você precisa…? – Sua voz foi
desaparecendo conforme reparava na expressão de seu rosto.
Todos os pensamentos sobre a irmã e os retratos desapareceram.
Algo estava errado.
– Princesa Anna – disse Kai, com a voz embargada. – Tenho
notícias.
– Sim, Kai?
– Seus pais, princesa… eles se foram.
C 4

Apesar de a maioria de seus irmãos ser terrível com ele, Hans ainda
tinha um aliado entre a dúzia de príncipes Westergaard. Seu irmão
Lars sempre fora mais legal com ele do que os outros. Houve um
tempo em que pensavam que Lars, o terceiro mais velho dos
príncipes, permaneceria como irmão caçula. A rainha não pôde ter
filhos por cinco anos depois do nascimento de Lars. Até onde se
sabia, Lars seria o filho mais novo. Talvez por ter tido o mesmo
tratamento que Hans, ainda se lembrando das provocações que
vinham com o posto de último filho, ele sentia pena de Hans. Ou
talvez só fosse uma pessoa melhor que os outros irmãos. De toda
forma, Lars era uma pessoa com quem ele podia conversar.
Procurando no castelo, Hans encontrou Lars justamente onde
imaginava que estaria: na biblioteca. Lars era um ávido historiador.
Sabia tudo sobre as Ilhas do Sul e podia dar o nome de todos os
reis desde o princípio do reino. Seu conhecimento ia além de sua
própria casa. Ele mantinha a família informada sobre os reinos
vizinhos, sobre as inúmeras guerras e as alianças formadas através
de gerações. Com frequência, começava a falar sobre uma época
específica da história das Ilhas do Sul e perdia a noção do tempo.
Mais de uma vez, Hans simplesmente se levantara e saíra, certo de
que sua ausência não seria notada. Sua paixão por história
incomodava quase todo mundo, mas Hans achava até interessante
– contanto que não tivesse que ouvir por muito tempo.
Ao entrar na biblioteca, Hans percebeu que Lars tinha aberto
vários mapas e os observava com atenção.
– Olá, irmão – cumprimentou Hans, tentando não assustar. –
Planejando a sua fuga?
Lars olhou para ele, demorando um pouco para focar a vista.
Quando percebeu que seu visitante era Hans, sorriu.
– Na verdade, não – respondeu calorosamente. – Só estava
comparando o mapa atual com o de cinquenta anos atrás. Curioso
para saber se as fronteiras continuam no mesmo lugar depois do
incidente com Riverland. Eu juro, às vezes me pergunto quem está
no comando, do jeito que nosso pai deixa Caleb conduzir as coisas.
Hans riu. O rei passava para o filho mais velho cada vez mais
responsabilidades ultimamente. Em vez de levar isso a sério, no
entanto, Caleb agia como se estivesse em guerra com os irmãos no
pátio.
– Bem, pelo menos nosso pai nunca vai me pedir ajuda para
nada. Evita que eu cometa erros que possam resultar em mapas
com falhas – disse Hans sorrindo, mas com uma pontada de tristeza
na voz.
Lars não deixou de perceber.
– Você andou pelo cais outra vez, irmãozinho? – ele perguntou. –
Andar por lá sempre o deixa mal-humorado.
– Eu sei – concordou Hans. – Só queria um pouco de paz depois
do caos de ontem.
Hans balançou a cabeça. Ele já tinha lamentado muito por hoje e
precisava focar no presente – por mais decepcionante que fosse.
– Então – disse para Lars, pronto para mudar de assunto. –
Alguma notícia sobre quando vou ser tio novamente? Com alguma
sorte, o seu filho vai gostar de mim.
Lars riu.
– Se Helga tiver algo a ver com isso, a única pessoa que essa
criança vai gostar é dela.
A esposa de Lars nunca tinha perdoado a própria família por tê-la
despachado para as Ilhas do Sul. Apesar da fama de calor e
riquezas, as ilhas eram distantes, e ela tinha certeza de que nunca
voltaria a ver sua família.
– Tenho certeza de que quando Helga tiver filhos, ela vai se sentir
mais parte da família – disse Hans esperançoso. Não que ser parte
da família tenha me ajudado muito, completou em silêncio.
– Existe essa possibilidade – concordou Lars. – Mas como vai
você, irmão? Ouvi rumores sobre um baile para apresentar você e
os gêmeos às donzelas disponíveis.
Dessa vez, Hans não tentou disfarçar a amargura em sua voz
quando riu e disse:
– Que donzelas disponíveis? Você sabe que nosso pai não
planeja me casar. Só estou esperando pelo momento em que ele
ordene que eu faça um voto de silêncio e me junte à Irmandade das
Ilhas, onde passarei o resto dos meus dias no mesmo silêncio em
que vivi aqui.
!
Atrás deles, a porta da biblioteca se escancarou, fazendo com
que alguns papéis das mesas ao redor voassem para o chão. Os
gêmeos estavam parados na porta, com a cara vermelha e olhos
arregalados.
– Lars! – gritaram em uníssono, ignorando Hans completamente.
– Lars, você soube? O rei e a rainha de Arendelle estão mortos. Seu
navio afundou em alto-mar.
– O rei e a rainha de Arendelle? – repetiu Lars.
– Sim – confirmou Rudi. – Ambos mortos.
– Nosso pai quer que você registre isso nos anais da realeza –
completou Runo. – Então… faça isso.
Dadas as notícias, os gêmeos saíram do cômodo com a mesma
pressa com que entraram.
Por um momento, Lars e Hans ficaram em silêncio, cada um
processando a notícia a seu modo. Para Hans, parecia uma tragédia
para o reino de Arendelle e nada mais. Mas a julgar pela expressão
intensa no rosto de Lars, significava algo a mais para ele.
– Hans – disse Lars, enfim. – Pode ser a sua chance.
Hans levantou uma sobrancelha.
– Minha chance de quê?
– De se casar! – disse Lars. – Você não sabe nada sobre
Arendelle?
Quando Hans sacudiu a cabeça, Lars suspirou.
– Preciso ter uma conversa séria com os tutores. Eles não estão
ensinando a vocês nada de importante.
Caminhando para a estante, ele pegou um livro e folheou suas
páginas. Ao encontrar o que procurava, voltou para perto de Hans e
apontou para um mapa.
– Este é Arendelle. É um reino adorável, conhecido por seu
influente comércio. Não é muito poderoso, nem de grande
importância para nosso pai. É apenas longe. Mas tem uma princesa.
Dizem os rumores que ela é linda e misteriosa. Ela aparentemente
não sai do castelo, está em idade de se casar e não encontrou
ninguém apropriado.
Lars parou, com o rosto brilhando de animação.
– Hans, você não percebe o que isso significa? Você pode se
casar com ela!
Hans soltou um riso amargo.
– Como se nosso pai fosse permitir algo assim.
– Verdade, ele provavelmente vai tentar casar os gêmeos antes.
Mas eles são tão estúpidos que eu garanto que não sabem nada
sobre a princesa Elsa. E você sabe. Use isso a seu favor. Quando
chegar a hora de Elsa assumir o trono…
– Vou garantir que nosso pai mande a mim como emissário das
Ilhas do Sul – concluiu Hans.
Com a cabeça cheia, Hans olhou pela janela. O plano envolvia
ganhar a confiança de seu pai e convencer uma desconhecida a se
casar com ele. Nenhuma dessas tarefas parecia de fato fácil.
Provavelmente, precisaria de anos para se preparar. Teria que parar
de passar os dias fantasiando e aprender a ser encantador. Afinal,
seu irmão estava propondo uma jogada política. Ainda assim,
pensou Hans, já empolgado com a nova fantasia, o que eu tenho a
perder? Se eu não tentar, vou ficar preso aqui para sempre. Ao
menos dessa forma tenho uma chance de mudar meu destino.
Voltando-se para seu irmão, ele sorriu.
– Acho que é hora de uma aula de história. Conte-me tudo que
sabe sobre Arendelle. Começando pela misteriosa princesa Elsa. E,
quando terminar, vou ter uma conversinha com nosso pai…

O que eu tinha na cabeça?, pensou Hans enquanto esperava do


lado de fora do escritório de seu pai. Ele se balançava impaciente,
cerrando os punhos com nervosismo. Pareceu um plano excelente
durante a conversa com Lars. Aprender o que pudesse sobre a
princesa Elsa e conseguir a permissão de seu pai para ir a Arendelle
quando chegasse a hora – sem contar para ele o motivo de sua ida.
Um, dois, três… Feito.
Ele tinha negligenciado um detalhe importante: seu pai o
detestava. Quais eram as chances de ele deixar seu filho caçula
velejar para Arendelle para a coroação de uma estranha? A
resposta, Hans sabia, era quase zero. De alguma forma ele teria
que conquistar o respeito do pai – ou ao menos sua tolerância – até
a coroação de Elsa. Isso lhe daria alguns anos para trabalhar, certo?
Por um breve momento, pensou em dar meia-volta e partir.
Afastar-se, deixar tudo de lado. Então, ouviu em sua cabeça as
vozes de seus irmãos. É claro que você vai fugir, podia ouvir Rudi
dizendo. Você não tem coragem de fazer nada. Runo completaria
algo como: A princesa Elsa está procurando um homem de verdade,
não um garoto. Por que não nos deixa ir atrás dela e fica aqui, onde
você pertence?
Com uma determinação renovada, Hans pôs a mão na maçaneta
e a girou. A porta abriu silenciosamente, presa por dobradiças bem
lubrificadas. O rei sequer desviou o olhar da pilha de papéis que
estava lendo.
Hans limpou a garganta.
– Pai? – ele disse, ainda nervoso. – Podemos conversar um
pouco?
Mais uma vez, o rei não fez caso de levantar o olhar.
– O que é, Hans? – respondeu. Ele virou a página que estava
lendo. – Como pode ver, estou bem ocupado. A Terceira Ilha está
devendo impostos, e ainda não recebi os peixes da Quinta Ilha.
Acho que as pessoas não entendem que eu não posso ajudá-las se
elas não me ajudarem. Agora nossos caros vizinhos blavenianos
estão ameaçando cortar relações comerciais conosco. Então, como
pode imaginar, não tenho tempo pra ouvir você chorar que os seus
irmãos o estão provocando.
Hans quase protestou, mas parou a tempo.
– Parece entediante. Pensei que talvez eu pudesse… ajudar.
Seu pai enfim o encarou.
– Ajudar? – ele repetiu, com olhar suspeito. – Como você propõe
me ajudar?
– Como puder – disse Hans, da forma mais imponente possível. –
Acho que já é hora de ser útil para você. Meus irmãos estão
ocupados com seus casamentos, filhos e outras missões. Eu tenho
tempo sobrando. E pode ser que você precise de alguém para
viagens. Talvez eu possa ser esse alguém – ele disse, segurando a
respiração e aguardando.
Por um longo e tenso momento, o rei não disse nada.
Simplesmente fitou seu filho, como se tentasse ler seus
pensamentos. Por fim, voltou a olhar para seus papéis, e os
folheando, puxou uma folha amarelada.
– Então, você quer ajudar…
– Sim, senhor. Quero muito – disse Hans rapidamente.
– E está disposto a fazer o que eu pedir? Qualquer coisa?
Hans hesitou. Tinha alguma coisa na forma com que seu pai dizia
“qualquer coisa” que lhe provocava um arrepio na espinha. Ainda
assim…
– Sim – concordou. – Qualquer coisa.
– Bem, então talvez possamos resolver isso. Tenho um pequeno
assunto que precisa ser resolvido imediatamente. Há um certo
aldeão na Terceira Ilha. Fui informado que ele tem dito algumas
coisas… desagradáveis a meu respeito. Não posso ter meu próprio
povo falando de mim pelas costas. Não é bom para os negócios.
Gostaria que fosse lá e falasse com ele. Deixe claro que não será
bom para ninguém que ele fique contra mim.
– Posso fazer isso. Mas… – pausou Hans, medindo suas
próximas palavras. – E se ele não quiser me ouvir?
O rei levantou uma sobrancelha.
– Então, eu espero que você o force a ouvir. De um jeito ou de
outro.
– Forçá-lo? – repetiu Hans.
– Sim – disse o rei. – Agora, se não tiver mais perguntas, eu
gostaria de voltar para o meu trabalho. E que você começasse o
seu. – Ele voltou o olhar para seus papéis. – Você pode se retirar.
– Sim, pai – disse Hans se virando para sair.
– E, Hans?
Hans olhou por cima do ombro.
– Não me decepcione – alertou seu pai, sem olhar para frente. –
Novamente.
– Não irei… senhor – respondeu Hans. Então, ele saiu do
escritório, fechando a porta atrás de si. Ouvindo o barulho da
fechadura, Hans se encostou na parede e soltou a respiração que
segurava há algum tempo.
Onde eu fui me meter?, pensou ele, ouvindo seu coração bater.
C 5

Anna estava tendo um sonho maravilhoso. Estava sentada no meio


de um campo enorme, de grama muito verde. O céu sobre ela
parecia uma pintura de azul perfeito, o ar estava morno e uma leve
brisa trazia o cheiro de pães recém-assados em uma cesta de
piquenique. Ao escutar uma risada familiar, Anna olhou para o lado,
avistando sua mãe e seu pai, que sussurravam alegremente. Do
outro lado, avistou Elsa deitada no chão, assoprando um dente-de-
leão. A pluma branca se esvoaçava pelo ar, fazendo parecer que
nevava em pleno verão.
! !
Deitada em sua cama, Anna resmungou e apertou os olhos, sem
querer sair do sonho.
! !
Outra vez batiam na porta, e dessa vez ouviu Kai chamar.
– Princesa Anna! – A voz parecia distante do outro lado da porta.
– Desculpe-me acordá-la, senhorita, mas…
– Você não me acordou – respondeu Anna. – Já estou acordada
há horas.
Assim que respondeu, seus olhos se fecharam e voltou a cochilar.
Ela podia sentir o calor do sol e ver sua irmã pegando outro dente-
de-leão, quando…
! !
Anna se sentou, atordoada, com o finalzinho do sonho
desaparecendo. Em seu lugar, vinha a realidade. Seus pais se
foram, sua irmã não queria nada com ela. Nos primeiros meses
depois de o rei e a rainha terem se perdido no mar, Anna teve
esperanças de sua irmã a procurar, oferecendo conforto em tempos
tão difíceis. Mas Anna só encontrou silêncio.
Depois de um tempo, ela parou de tentar. Em vez de bater na
porta de Elsa uma vez por dia, agora tentava uma vez por semana.
Às vezes, nem isso. Os meses se transformaram em um ano, e
outro ano. Anna estava ficando mais velha e mais solitária. Pelo
menos quando seus pais eram vivos, eles iam além dos portões do
castelo e traziam notícias. Apesar de nunca sair dali, ela não se
sentia tão aprisionada. Mas, desde que tinham falecido, os portões
não voltaram a se abrir. Já fazia muitos anos que só via o reino em
mapas e livros da biblioteca. Sentia-se em uma prisão de luxo, com
comida de primeira qualidade e muita leitura.
Em meio a um sorriso, esfregou seus olhos desajeitadamente,
tentando arrumar o cabelo bagunçado. Nem precisava olhar no
espelho para saber que estava toda amarrotada.
– Hora de se arrumar! – gritou Kai.
– Arrumar-me pra quê? – perguntou Anna, ainda com a cabeça
entre o sonho e seus devaneios.
– A coroação de sua irmã, senhorita – lembrou Kai.
Os olhos de Anna se abriram rapidamente. Elsa completara vinte
e um anos recentemente, e após anos de reclusão era chegada a
hora de sua coroação: hoje!
Anna deu um tapa na testa. Como pude esquecer?, pensou
enquanto saltava da cama, encaminhando-se para o guarda-roupas.
A roupa da coroação esperava por ela em um manequim, um
vestido verde brilhante e imaculado – algo que não era dito com
frequência sobre suas roupas.
– É que eu sou efervescente – era sua resposta para Gerda
sempre que a serviçal esfregava uma nova mancha nas roupas da
princesa. – É difícil manter todas as bolhas aqui dentro – provocava
Anna. Então, dava um beijo na empregada e saía saltitando,
perdoada como sempre.
– Você vai tomar muito cuidado com esse vestido, não é, Vossa
Alteza?
Com os dedos ainda tocando o tecido macio e valioso, Anna
olhou sobre o ombro. Enquanto acariciava seu vestido, Gerda havia
entrado no quarto. Ela se aproximava da princesa, parando a cada
passo para recolher um laço de cabelo caído ou um sapato largado.
– Ah, Gerda, é claro que vou ser cuidadosa – disse Anna.
Conforme falava, ela se enroscou, e um botão do vestido ficou preso
em suas vestes. Anna prendeu a respiração, parando no lugar. –
Uma ajudinha aqui, por favor?
Suspirando com paciência, Gerda desprendeu Anna do vestido.
Quando estavam a uma distância segura, Gerda olhou para Anna
levantando uma sobrancelha.
– Quero dizer, começando agora! Vou ser supercuidadosa, você
vai ver. Quando eu voltar do baile hoje, não vai ver uma mancha
nele. – Anna sorriu tímida sob o olhar incrédulo de Gerda. – A gente
pode tentar, certo?
Gerda concordou.
– Sei que a senhoria tenta, Vossa Alteza. Mas agora precisa
mesmo se aprontar. Não vamos perder o dia nisso.
Enquanto falava, tirou com cuidado o vestido do manequim.
– Ah, Gerda, você acredita mesmo? – perguntou Anna, sorridente,
levando as mãos ao peito. Seu vestido esvoaçava a seu redor,
quase derrubando um cesto. – Pensei que este dia nunca viria. Já
faz uma eternidade. Bem, quase uma eternidade. Não achei que
Elsa iria aceitar a coroação. E, então, pá! Ela pede ao bispo que
explique o ritual, que você encaminhe os convites da realeza e aqui
estamos! Juro que essa foi a vez em que Elsa mais falou com
alguém desde que… – Ela não completou a frase.
– Desde que sua mãe e seu pai faleceram – concluiu Gerda. Ela
se aproximou tocando o ombro da princesa. – Eles estariam muito
orgulhosos de suas meninas hoje. Muito orgulhosos. Especialmente
a sua mãe.
Ela sorriu, e suas palavras afastaram a escuridão que ameaçava
tomar o humor de Anna.
Com um sorriso, a princesa prosseguiu.
– Hoje é só aventura, Gerda! Vou poder sair! Fora dos portões!
Pelas próximas vinte e quatro horas, os portões estarão abertos, e
eu vou poder fazer o que quiser! – Ela parou, atônita com a ideia. –
O que eu vou fazer primeiro?
Gerda deu de ombros, ajudando Anna a se vestir.
– Você pode fazer o que quiser, princesa – ela disse, subindo a
saia pelas pernas da moça. – Você adorava ir ao cais quando era
mais nova. Talvez queira ser a primeira a saudar os marinheiros
quando chegarem ao porto. Não quer ir lá?
– Sim, eu me lembro disso – comentou Anna, alegre. – Quero
sim! E quero ir também àquela loja de doces, onde você levava Elsa
e eu quando papai e mamãe estavam fora. Eu adorava aquela… Ai!
– Deixou escapar um gemido quando Gerda apertou seu corpete.
Tentando respirar, Anna aguardava enquanto suas costelas se
ajustavam ao confinamento da roupa. Quando se sentiu confortável
para respirar novamente, cerrou os olhos, encarando Gerda. – Um
aviso da próxima vez, que tal? – provocou.
A empregada fingiu estar ofendida, mas Anna viu um sorriso no
canto da boca.
– Só estou tentando deixá-la o mais linda possível, princesa. Você
não vai ver apenas coisas novas além dos portões. Você vai ver
pessoas novas. Pessoas novas e solteiras. Pessoas solteiras que
nunca a viram antes. Vai querer causar uma boa impressão. – A
empregada real sorriu provocativa.
Anna corou. Não tinha pensado nessa possibilidade. Mas agora
que Gerda tinha mencionado… Ela sorriu. Talvez fosse como nas
histórias que ela inventava sobre os quadros. Anna, arrumada e
bela, em seu lindo vestido, reclinada contra a parede. Ela estaria
sofisticada e graciosa. Calma e centrada. Então, do outro lado do
salão, avistaria um belo estranho. Ele teria um de sorriso breve e
olhos doces. Ela iria se apresentar para o estranho e em poucos
momentos estariam rindo juntos, trocando histórias, falando sobre o
futuro. Seria como se se conhecessem a vida inteira. A dor e a
solidão que Anna sentira desde a morte de seus pais desapareceria
e em breve não conseguiria lembrar como era sua vida antes, sem
todo aquele amor.
Sacudindo a cabeça, despencou de volta para a realidade.
– Isso é loucura – disse para Gerda. – Só tenho vinte e quatro
horas. Não tem nenhuma chance de me apaixonar nesse tempo.
– Você nunca saberá a menos que tente – disse Gerda. – Há
muitos tipos de amor por aí. Você amava seus pais. Ama sua irmã.
Tudo o que estou dizendo é que nunca se sabe onde ou quando o
amor irá encontrá-la. Apenas sabemos que está por aí.
Ela pausou como se quisesse dizer mais alguma coisa e então
balançou a cabeça.
– E se eu não conhecer ninguém? – perguntou Anna, de súbito
preocupada.
– A vida não é só amar alguém. Viver é aproveitar o que você
tem. Você ainda ama seus pais, certo? – perguntou Gerda, e a
princesa concordou. – Mas a perda deles não fez você parar de
viver, fez? – prosseguiu a empregada real.
– Fez Elsa parar de viver – disse Anna com tristeza. – E de amar.
No mínimo, ela deixou de me amar.
– A sua irmã lida com o luto de uma forma diferente, princesa.
Não significa que ela não ame você. – Gerda virou Anna gentilmente
para que encarasse o espelho de corpo inteiro. – Agora, veja por si
mesma!
Quando olhou no espelho, os olhos de Anna se encheram de
lágrimas de alegria. Ela era uma jovem moça e, pela primeira vez
em muito tempo, sentia-se linda e especial. O vestido servia nela
perfeitamente. Gerda também tinha arrumado seu cabelo de forma
simples e dado um leve toque de maquiagem. Ainda assim, tinha
que admitir: estava deslumbrante.
– Ah, Gerda, muito obrigada – murmurou Anna, abraçando a
mulher. Então, se ajeitou, arrumando a saia nervosamente. – Bem,
acho que é agora ou nunca. Mundo real, aí vou eu! – Dando um
passo à frente, cambaleou quando a ponta de seu sapato novo ficou
presa no vestido. Abriu os braços para recuperar o equilíbrio e olhou
timidamente para Gerda, que assistia maravilhada. – Bem, vamos
tentar outra vez. – Respirando fundo, ela abriu a porta e olhou com
calma para o corredor. O relógio estava girando, e ela não tinha um
minuto a perder!
Irrompendo no corredor, Anna trombou com um serviçal em seu
caminho, quase derrubando uma pilha de lençóis dobrados. Passou
por outra pessoa, que levava um par de velas prateadas. Ela riu. O
castelo estava vivo! Era impressionante. Sem conseguir se conter,
seguiu saltitante pelo corredor.
Do outro lado, as cortinas tinham sido abertas, bem como as
janelas. Do lado de fora, nuvens brancas pontilhavam o céu. Anna
podia ouvir o barulho das pessoas entrando pelo pátio de pedras
acobreadas. Um cavalo relinchou alto, e ela podia jurar que parecia
que o animal estava celebrando.
No final do corredor, Anna virou à esquerda, à direita e, então, à
direita novamente. Em cada corredor via mais gente, e todas as
portas estavam abertas. Não achei que tivéssemos tantos quartos,
pensou Anna quando passou por uma câmara enorme. Lá de dentro
podia ouvir uma empregada assobiando sozinha, enquanto tirava o
pó de um piano abandonado. Anna riu. Isso era incrível. Era como
se as pessoas e os quartos tivessem aparecido miraculosamente.
Ah! Se todos os dias fossem assim, pensou a princesa enquanto
corria escada abaixo para a entrada principal. Quase no pé da
escada segurou no corrimão, evitando trombar com um homem que
carregava perigosamente pelo menos vinte pratos de jantar. E atrás
desse homem vinha mais uma dúzia. Quem diria que a gente
dispunha de uns oito mil pratos? Quem diria que conhecíamos oito
mil pessoas! Na maioria dos dias, as únicas pessoas que Anna via
eram Gerda e Kai, mas hoje todos os quartos pareciam cheios de
gente trabalhando.
Anna parou de repente, quando um pensamento terrível lhe
ocorreu: e se tivesse que lembrar o nome de toda essa gente? Ela
era horrível em lembrar as coisas – qualquer coisa. Nomes de
pessoas, países, fatos históricos, o nome de sua flor favorita…
Não!, ela se repreendeu. De jeito nenhum terei que lembrar de
todos esses nomes. Esse trabalho é de Elsa. Uma vantagem de ser
a irmã mais nova é que só tenho que cumprimentar todo mundo e
me divertir. Além de ganhar um pedaço de bolo e comê-lo.
Antes que percebesse, Anna estava na entrada principal do
castelo. Ansiosa, ela abriu a porta. À sua frente estavam os portões,
abertos, revelando o jardim adiante. Anna levou a mão ao coração.
– Além dessas portas está o meu futuro – ela murmurou. – O que
estou esperando? – E, então, correu sob o sol, pronta para o
começo de sua aventura.
C 6

Hans olhou da proa do navio e sorriu. Enfim, havia chegado! Em


pouco mais de uma hora, seu navio estaria atracado no porto de
Arendelle, e ele, Hans Westergaard, o décimo terceiro e mais novo
filho do rei das Ilhas do Sul, finalmente teria a chance de fazer seu
nome. Ele se tornaria o próximo rei de Arendelle – pelo menos era
esse o plano.
Chegar até ali não tinha sido nada fácil. Levara três anos para
convencer o rei de que era responsável o suficiente para ser o
representante do reino em Arendelle quando chegasse a hora.
Então, quando afinal chegaram as notícias de que a princesa Elsa
seria coroada rainha de Arendelle, Hans sabia que sua hora havia
chegado. Depois de tanto se humilhar, seria recompensado. E daí
que nunca contou para seu pai o verdadeiro motivo de querer ir para
Arendelle? Ele queria surpreender a todos. Faria seu pai, seus
irmãos e todos das Ilhas do Sul perceberem que o tinham
subestimado.
Nos últimos três anos, Hans tinha caído nas boas graças de seu
pai. Tudo que o homem precisasse, ele fazia. Das tarefas mais sujas
às missões mais insensatas. Tinha sido enviado às ilhas para
entregar convites de casamento de um dos gêmeos, que conheceu
e noivou uma moça em tempo recorde. Ainda não sei como Runo
fez isso, pensou Hans. Minha nova cunhada parece esperta demais
para cair nessa armadilha. Sem se importar tanto assim, deu de
ombros. Mesmo agora, em um papel de destaque, não podia
esquecer as amarguras do passado. Mas preferia deixar pra lá. Em
breve eles vão ver…
Hans havia passado muito tempo cumprindo ordens de seu pai,
mas era esperto. Sabia que, para conquistar o que desejava,
precisava ter iniciativa. Ser o homem das Ilhas do Sul mais bem
informado sobre o reino de Arendelle, ser uma autoridade
proeminente nos assuntos e tradições daquela terra, saber prestar
homenagem à rainha no dia de sua coroação. Ele sabia que seus
irmãos não fariam questão e que o embaixador de seu pai estava
velho e decrépito; não era mais digno de ser o representante das
Ilhas do Sul. Então, entre seus afazeres, com a ajuda de Lars, Hans
passou horas pesquisando sobre Arendelle e a futura rainha Elsa.
Havia muitos textos antigos sobre Arendelle. Hans tinha
aprendido que era um reino lindo com uma história de paz. Situado
na base de uma grande cadeia de montanhas, era seguro e tinha
seu único acesso por vias marítimas. Seus portos eram conhecidos
por um comércio justo e o reino, mesmo sem tantas riquezas, era
bastante confortável. À rainha, nada faltava. Se o que Hans leu nos
livros fosse verdade, trevas e escuridão eram desconhecidas do
reino.
Elsa, no entanto, pensou Hans conforme o navio se aproximava
do porto, ainda é um mistério. Não havia um único retrato dela. Até
onde se sabia, ela podia ter três metros de altura, ser careca ou
ainda ter um interesse fanático por colecionar pedras. A única coisa
que sabia com certeza era o que Lars tinha lhe contado naquele dia,
muito tempo atrás: ela nunca saía do castelo. Nunca.
Não importava que tipo de rainha esperasse por ele no castelo de
Arendelle, Hans daria um jeito de se tornar seu rei. Ele tinha
trabalhado muito, e esse era o único resultado que aceitaria.
Ele se lembrava do dia em que recebera a notícia sobre a tão
aguardada coroação da princesa Elsa. Ele tinha acabado de voltar
de uma vila desagradável que estava atrasada no pagamento de
impostos. Era hora de passar o relatório ao rei.
– Pai – Hans saudou o rei. – A vila foi alertada e já receberam a
punição devida. Não voltaremos a ter problemas com eles.
– E os impostos? Conseguiu coletar?
Hans ergueu um ombro.
– Da maioria deles, sim. Os que não puderam pagar o que
deviam… pagaram de outras formas. – Hans passou um saco de
moedas para seu pai. – Este é o dinheiro. O outro… pagamento… já
foi feito. – A bile subiu até sua garganta ao pensar no outro
“pagamento”, mas, apesar de tudo, fez o que precisava ser feito.
– Obrigado, Hans – respondeu o rei.
Como sempre, seus olhos eram distantes. Mas dessa vez, não
pôde deixar de perceber que seu tom de voz não era frio nem
tentava lhe afastar. Talvez fosse a sua chance?
– Pai? – começou Hans, hesitante. O rei levantou uma
sobrancelha. – Recentemente, listei algumas questões que
precisam ser discutidas com a nova rainha de Arendelle depois de
sua coroação. Falei com algumas pessoas que voltaram há pouco
de lá e fui alertado de que os portões só se abrirão por vinte e
quatro horas. Qualquer acordo ou negociação deve ser feito nesse
meio-tempo. Sei que o senhor está bem ocupado para ir
pessoalmente, com o casamento do príncipe Runo e a chegada de
outro neto. E minha presença não é essencial nesses eventos… –
Ele parou, esperando até que seu pai protestasse, mas nada foi
dito. Então, ele prosseguiu. – Achei que seria apropriado ir à
coroação da princesa Elsa como representante das Ilhas do Sul.
Pegou no bolso de seu casaco um pergaminho em que estavam
listados os assuntos importantes e um itinerário claro, entregando-o
para seu pai.
Ao tomar o documento de suas mãos, o rei o leu atentamente por
um momento e voltou-se para Hans.
– Fico surpreso que se interesse por um reino tão pequeno e
distante.
– Bem, meu pai, é como você sempre diz, um reino só é tão forte
quanto seus aliados. Achei melhor garantir uma aliança com
Arendelle.
Seu pai fitou-o, pensativo.
– E você confia que saberá executar todo o necessário? – ele
perguntou.
Hans concordou.
– Então – disse o rei dando de ombros. – Não vejo um motivo
para não ser você. Já me provou que pode ser responsável e, como
tem feito seu trabalho direito, creio que não precisarei daqueles
“serviços” no futuro próximo. Leve um navio pequeno e seu cavalo
favorito até Arendelle. Garanta para nós um bom acordo e uma
aliança forte.
– Sim, meu pai – disse Hans, mal conseguindo conter a animação
em sua voz.
– Quando os portões se fecharem, volte para casa imediatamente
– concluiu o rei. – Tenho certeza de que vão precisar de você para
cuidar das crianças. Seus irmãos e respectivas esposas têm o
hábito de se reproduzir.
Então, sem mais palavras ou uma despedida, o rei se virou e saiu.
Por um instante, Hans ficou atordoado demais para esboçar
qualquer reação. Tinha recebido a notícia de que poderia agir como
quisesse, para logo em seguida ser humilhado. Isso era a cara de
seu pai.
Mas de que importava que seu pai pensasse pouco dele agora? E
daí que ele só tinha vinte e quatro horas para cumprir seu objetivo?
Ele iria surpreender a todos, mostrar a seu pai e irmãos que tipo de
homem ele realmente era.
Agora que seu navio atracava em um enorme píer nas praias de
Arendelle, ele soltou o ar que estava segurando desde que saíra
das Ilhas do Sul. Tudo o que precisava fazer agora era encontrar a
princesa herdeira e fazê-la se apaixonar por ele. Não podia ser tão
difícil assim.

Ao desembarcar, encontrar a princesa Elsa pareceu mais difícil do


que Hans havia previsto. Levou alguns minutos – um pouco mais
que isso, para falar a verdade – para recuperar o equilíbrio, então,
montou em seu cavalo e se encaminhou para a cidade.
Por algum motivo, imaginou que a cidade estaria tranquila nas
horas que precediam o grande evento. Ele estava errado. Muito,
muito errado. Parecia que cada habitante de Arendelle, mais
representantes de cada reino, próximos e distantes, tinham se
alojado na vila mais próxima ao castelo. Observando ao redor,
percebeu que o reino era bem parecido com os retratos dos livros
que tinha lido. Ao longe, podia ver o pico da montanha coberto de
neve, mas a cidade era quente. O ar cheirava a uma combinação
interessante de madeira e mar, em decorrência da enorme floresta
por detrás do reino e do mar à sua frente. As crianças corriam, com
o rosto reluzente, enquanto os pais faziam compras, fofocavam e
vendiam coisas. As ruas eram limpas e as casas, bem cuidadas. Era
um lugar, em resumo, adorável. Reinar nessas terras não seria
terrível, afinal.
Enquanto manobrava seu cavalo, Sitron, entre uma carroça de
berinjelas e outra de peixes, começou a duvidar de si mesmo.
Pensei mesmo que iria simplesmente trombar com a princesa Elsa
no meio da cidade? Ela provavelmente estava trancada no castelo
se arrumando e não passeando pelas ruas à procura de amor…
– Olá, princesa! Que bom vê-la aqui fora do castelo!
Uma voz feminina atravessou a multidão, e Hans puxou as
rédeas, parando Sitron. Princesa? Ele tinha ouvido direito?
– É maravilhoso revê-la, princesa. Já faz tanto tempo!
Parecia que sim. Manobrou seu cavalo, procurando na multidão a
origem dos comentários. Então, subitamente se deparou com um
clarão vermelho e verde. No momento seguinte, avistou uma jovem.
Ela estava rindo de algo que o vendedor de frutas dissera e, parada,
inspecionava as maçãs da banca. Hans levou Sitron um pouco mais
adiante e parou para ouvir a conversa sem ser visto.
– Esta é a maçã mais verde e mais bonita que eu já vi, senhor!
Leve algumas para o castelo, e Cook fará tortas maravilhosas!
– Ora, princesa! – disse o vendedor, corando suas bochechas
enrugadas como se fosse um menino. – Você é muito gentil! Logo
as levarei. E, aqui, pegue esta maçã… por minha conta! Aproveite!
ESTA é Elsa?, pensou Hans, assistindo à moça morder a maçã
enquanto caminhava pela cidade. Aonde quer que fosse, toda vez
era parada por alguém e cumprimentava a todos sempre com um
sorriso e conversando um pouco. Ficou bastante impressionado
enquanto a seguia. Na verdade, ela parecia uma gazela recém-
nascida. Pernas longas, desajeitada, mas muito bonita. Seu cabelo
dourado avermelhado estava jogado para trás, e pôde reparar em
algumas sardas no rosto. Seus olhos esbanjavam vida, e quando
ria, era contagiante.
Eu me pergunto por que a única informação sobre Elsa era que
ela seria uma reclusa. Ela parece tudo menos isso. Hans deu de
ombros. Que diferença fazia? O livro estava errado. E se essa era a
mulher que desejava tomar como noiva e se casar, pois bem, podia
ter sido bem pior. Para atingir seu objetivo, precisava causar uma
boa impressão. Heroico, galante e poderoso ao mesmo tempo.
Como vou conseguir? Não é como se eu pudesse salvar o dia como
nos contos de fadas… ou será que poderia?
Reparou que a princesa estava parada perto demais de um barco
e, então, teve uma ideia. Esperou-a ficar de costas para ele e,
posicionando estrategicamente Sitron atrás da moça, aguardou.
Pelo que tinha reparado até ali, a princesa era bastante… efusiva
em seus movimentos. Ela olharia para trás a qualquer momento e
assim que…
Naquele instante, a princesa se virou com a boca aberta, como se
pronta para cantar. Em vez disso, deu de cara com o peito de Sitron.
Assustada, gritou e deu um passo para trás, caindo dentro do barco,
que começou a afundar lentamente, mas cada vez mais rápido.
Hans ouviu a princesa gritar de novo e fez exatamente o que tinha
planejado. Empurrando Sitron para a frente, o cavalo pisou na parte
dianteira do barco.
No mesmo momento, a parte posterior se nivelou, e a princesa
olhou para Hans. Seus olhos enormes revelavam assombro, um
pouco de choque e, definitivamente, interesse.
Hans sorriu. Isso, ele pensou, não podia ter saído melhor. A
princesa Elsa de Arendelle já era praticamente sua.
C 7

O que tinha acontecido?, Anna se perguntou. Em um momento,


estava se virando para voltar ao castelo; no instante seguinte, deu
de cara com algo branco e bum! Tinha caído em um barco, e agora
a única coisa que a impedia de naufragar eram as patas de um
cavalo. Já tenho problemas o bastante para me manter de pé,
pensou Anna, tocando suas costas doloridas. Não preciso da ajuda
de uma besta branca qualquer montada por seja lá quem for....
Ela olhou para cima, pronta para proferir umas verdades para o
cavaleiro, mas quando viu quem estava montado no cavalo branco –
que, para ser sincera, não era tão feroz quanto parecera antes –,
sua mente se esvaziou. Só conseguia pensar naqueles olhos.
Lindos olhos azuis, como fiordes ao sol da manhã. Olhos que
brilhavam. Olhos hipnotizantes. Lindos, lindos olhos que pertenciam
ao homem mais lindo que Anna já tinha visto.
Ótimo. Simplesmente ótimo. Eu saio do castelo pela primeira vez
em tantos anos e a primeira coisa que eu faço é passar vergonha na
frente desse lindo desconhecido. Eu não podia estar deslizando nas
docas, misteriosa e provocativa, como Elsa certamente faria? Não,
eu não. Em vez disso, estou caída em um barco. E, fungando,
completou: Em um barco fedido. Mandou bem, Anna. Mandou muito
bem.
Estava tão distraída se culpando que nem reparou que o homem
ainda olhava para ela, parecendo preocupado.
– Sinto muito – ele disse. – Você se machucou?
Até sua voz é maravilhosa, pensou Anna. Aposto que ele canta
muito bem.
Ao perceber que ele estava esperando uma resposta, ela ficou
ainda mais corada e respondeu:
– Eu… não. Não. Estou bem. – Nesse caso, “bem” queria dizer
bastante envergonhada, pensou.
– Tem certeza? – perguntou o cavaleiro.
– Sim, apenas me distraí – disse Anna, acenando como se fosse
uma situação normal.
Enquanto ela respondia, Hans apeou de seu cavalo, entrando no
barco. De perto, ele era ainda mais bonito. E alto, reparou. Ele é
bem, bem alto. Isso é bom, acho que gosto assim. Acho? Quer
dizer, não sei, mas por ora está bom.
– Estou muito bem, na verdade – completou Anna em voz alta.
Inclinando-se, ofereceu a ela sua mão.
– Ainda bem – ele disse. Procurando se equilibrar, Anna estendeu
a mão e agarrou a dele. O cavaleiro gentilmente a ajudou a se
levantar, até que ficaram cara a cara.
Por um momento, Anna se esqueceu de respirar. Ela nunca tinha
estado tão perto de um homem de sua idade, ainda mais um rapaz
encantador desses. Era como nas histórias que lia quando menina.
Lindo, montado em um cavalo branco, só faltava ser um…
– Príncipe Hans, das Ilhas do Sul – apresentou-se o cavaleiro.
Um príncipe? Anna quase riu.
Recuperando a compostura e lembrando suas boas maneiras,
Anna fez uma reverência.
– Princesa Anna de Arendelle – ela respondeu.
– Princesa…? – repetiu Hans, parecendo um pouco chocado e
envergonhado. No mesmo instante, o príncipe se ajoelhou e abaixou
a cabeça em reverência. – Minha dama.
O cavalo tentou fazer sua própria versão de reverência.
Ajoelhando-se sobre uma perna, estendeu o casco e abaixou a
cabeça. O problema foi que estendeu exatamente o casco que
mantinha o barco estável. Na hora, o barco começou a se inclinar,
jogando Hans contra Anna.
Quando percebeu seu erro, o cavalo voltou a pata para o lugar,
equilibrando o barco e jogando Hans de costas no chão, com Anna
caindo por cima dele.
– Bem, isso foi estranho – disse Anna, tentando não respirar no
rosto de Hans, que estava a poucos centímetros de seu próprio
rosto. – Não que você seja estranho, só a nossa situação que… Eu
sou estranha. Você é maravilhoso – Anna deixou escapar,
conduzindo a mão à boca imediatamente. Ela tinha dito aquilo em
voz alta? Ela precisava se recompor. Estava agindo como se nunca
tivesse conversado com alguém na vida.
Como demonstração de gentileza, Hans ajudou Anna a sair de
cima dele, ficando em pé novamente e esticando a mão para a
dama. Quando estavam ambos em pé, ele disse:
– Gostaria de me desculpar formalmente com a princesa de
Arendelle por meu cavalo… e pelo acontecido.
Que fofo, pensou Anna.
– Está tudo bem – ela assegurou. – Não sou aquela princesa.
Quer dizer, se você tivesse acertado minha irmã Elsa, teria sido… –
Ela olhou para baixo e acariciou o cavalo de Hans. – Para sua sorte
era… só eu.
– Só você? – questionou Hans.
Anna olhou para ele e concordou, pronta para vê-lo partir. Mas
para sua surpresa, ele estava sorrindo e olhando para ela,
parecendo pensar que ser “só ela” não era algo tão ruim, afinal. De
fato, parecia que ser “só ela” era algo bom. O coração de Anna se
acelerou no peito.
- ! - !
– Os sinos! – exclamou Anna, caindo de volta em si. – A
coroação! Tenho que ir! Tenho que… É melhor eu…
Saltando do barco, Anna olhou para o castelo e viu o sino badalar
na torre. Ela queria ver as pessoas entrando pelo portão. Não tinha
muito tempo. Voltando a olhar para Hans, acenou.
– Tchau – disse, desejando não ter que partir.
Hans estendeu a mão novamente e abriu um lindo sorriso.
– Vejo você na coroação!
Anna assentiu, se virou e correu para o castelo. Ela não podia se
atrasar. Mas era outro motivo que a impelia a andar tão depressa.
Ela sabia que veria o príncipe Hans das Ilhas do Sul novamente. E
isso fazia com que desejasse saber voar.
C 8

Hans tinha enfrentado muitas piadas de mau gosto ao longo de sua


vida. Ele tinha doze irmãos mais velhos, afinal. Tinha caído no velho
truque “tem um presente especial para você no quarto assombrado
lá embaixo, nas catacumbas. Desça para buscar e vamos trancar
você lá dentro”. Ele já havia acordado com o rosto todo pintado
quando um de seus irmãos mergulhou sua mão em um pote de tinta
durante a noite. Também acreditara na carta de resgate de um tal
Rei Tipeguei, alegando que tinha capturado um dos irmãos e só o
devolveria se Hans corresse ao redor do castelo três vezes, só de
cuecas. Em sua defesa, na época ele só tinha quatro anos.
Apesar das muitas piadas de mau gosto pelas quais tinha
passado, nenhuma delas se comparava a isso. Certamente parecia
muito com algo que seus irmãos fariam com ele. Fazê-lo conhecer e
cortejar uma moça, pensando ser uma princesa, quando na verdade
era outra!
Desde que Anna havia se apresentado e partido, Hans repassou
o encontro várias vezes em sua cabeça. Agora, montado em Sitron,
rumo ao castelo, Hans suspirava. Chegara à conclusão que deveria
encarar a situação da seguinte forma: as duas princesas eram
irmãs. Irmãs costumam se parecer (era o que achava, já que não
tinha experiência com irmãs). Se elas pensassem de forma
parecida, e Anna o achara bonito – tinha quase certeza –, talvez
Elsa fosse facilmente convencida disso também. Então, imaginou
enquanto o cavalo trotava até a entrada do castelo, que seu
encontro com a princesa errada não tinha sido uma total perda de
tempo.
Pelo menos, assim espero, completou Hans, em silêncio. O
relógio continuava andando.
Hans apeou de Sitron, ajeitou o casaco e passou a mão no
cabelo. Então, encaminhou-se para a capela.
Ao passar pela porta, pôde sentir dezenas de olhos em cima dele,
medindo-o de cima a baixo. Tentou não sorrir. Ele era bom. Não, ele
era ótimo. Não podia ter entrado em um momento melhor. A maioria
dos convidados já estava sentada em longas fileiras. Quando Hans
abriu a porta, com o sol em suas costas e ninguém mais para roubar
seu brilho, acreditava ter chamado atenção. Naquele ambiente
lotado, ele era um mistério. Não sabiam quem era, de onde vinha ou
quais eram suas intenções – e ele preferia manter tudo assim.
Revelaria-se na hora certa, mantendo sua vantagem.
Permaneceu com a cabeça erguida e se encaminhou para a
frente da capela. Encontrando um bom lugar, de onde pudesse ser
visto por Elsa sem parecer muito desesperado, Hans se sentou.
Então, começou a avaliar seus concorrentes.
Ele fizera a lição de casa. Depois de ter a permissão da viagem
concedida por seu pai, Hans fez imediatamente uma lista dos
prováveis convidados.
– Conhecimento é poder – falou Lars certa vez, quando seu pai foi
forçado a declarar guerra a um reino vizinho. – É sempre melhor ir
para a batalha conhecendo seu inimigo. – E essa era a maior
batalha da vida de Hans. Ele queria saber quem enfrentaria. Agora,
observando a sala, viu que seria recompensado por ter feito sua
lição de casa.
Do outro lado da capela, havia um homem magro com um
desafortunado nariz. Era o Duque de Weselton, envolvido em uma
conversa séria com o dignatário da Blavênia. O Duque é alguém
com quem se deve tomar cuidado, pensou Hans. Pelo que tinha
ouvido desde sua chegada a Arendelle, o homem tinha planos de
forçar a nova rainha a reconhecer a importância de sua relação
comercial e talvez aumentar o número de navios indo e vindo entre
os dois reinos.
Hans entreouviu alguém dizendo que o Duque estava convencido
de que algo estranho se passava em Arendelle pelas costas dele e
de seu povo. Se era verdade, Hans não fazia ideia. No entanto, ele
sabia que aquele homenzinho era muito importante em Weselton e
além. Se ele decidisse falar mal de Hans por qualquer motivo,
poderia trazer problemas.
Voltando a observar o cômodo, reconheceu várias outras
pessoas. Havia outros príncipes, muitos Lordes e uma dezena de
outros dignatários menores. De todos eles, o que mais preocupava
Hans era o Duque.
Dois homens, então, se sentaram ao lado de Hans. Um deles,
Hans reconheceu como sendo o príncipe Freluke. Era
extremamente alto e magro e tinha uma expressão azeda. Acenou
com a cabeça educadamente e disse um “olá” seco.
O outro homem era o oposto de Freluke. Baixo e gordo, suas
bochechas eram rosadas e seus olhos, saltados. Virando-se, disse
algo a Freluke que fez o homem sério rir.
– É assim mesmo, não é? – disse o homem, quase sussurrando
no ouvido de Hans. Então, estendeu sua mão. – Sou o príncipe
Wils, dignatário de Vakretta. Como vai?
– Príncipe Hans, das Ilhas do Sul – disse a Wils.
– Ah, as Ilhas do Sul! Nunca estive lá, mas ouvi dizer que são
lindas! Uma longa viagem até aqui, não? Por que veio de tão longe?
Como príncipe, certamente podia ter mandado alguém em seu lugar.
Hans sorriu. Naturalmente, o homem não fazia ideia de que ele
era o príncipe descartável da família, e estava muito feliz em manter
tal segredo. Quanto mais importante as pessoas o considerassem,
melhor. Ele queria que os rumores chegassem aos ouvidos de Elsa,
para que fosse visto da melhor forma possível.
– Eu não confiaria uma tarefa tão importante a mais ninguém –
respondeu, enfim.
– A coroação da rainha Elsa é muito importante para minha
família, e – Hans abaixou a voz – nunca se sabe que tipos podem
aparecer nesses eventos. Quero garantir uma aliança séria entre as
Ilhas do Sul e Arendelle. Além do quê, achei que seria importante
conhecer a nova rainha pessoalmente.
Príncipe Wils tirou um doce do bolso do casaco e pôs na boca,
dando de ombros.
– Boa sorte, então – disse ele. – Pelo que ouvi, a princesa Elsa
não permite que ninguém a conheça. Ou mesmo que a veja.
– Ela gosta de privacidade – complementou o príncipe Freluke,
tão baixo que mal se podia ouvir. – Considero compreensível.
– Claro – concordou o príncipe Wils. – Se você for uma pessoa
normal. Mas Elsa será rainha. Não se governa um reino em
isolamento. As pessoas dizem que tem um coração de gelo. Os reis
não tentam mais se relacionar com Arendelle. Cada vez que alguém
tenta, já é mandado embora da porta. Que tipo de futura rainha
dispensa pretendentes assim? Se me perguntassem, eu diria que
não faz sentido.
– Mas ninguém lhe perguntou nada – assinalou Freluke,
entediado.
Príncipe Wils pareceu ofendido, mas logo começou a rir.
– Você tem razão, meu amigo. De toda forma, acho que eu nem
deveria dizer essas coisas. Estamos aqui para celebrar a coroação
de Elsa, apesar de tudo. Talvez ela prove que estou errado e seja
calorosa e meiga… – Uma pausa. – Mas eu duvido. Uma rena não
troca de chifres, troca?
– Não existem milagres – retrucou Freluke, sacudindo a cabeça.
Quando a dupla passou a discutir sobre a existência ou não de
milagres, Hans deixou de prestar atenção. Não era nenhuma
novidade para ele que Elsa fosse, bem, um lobo solitário. Mas até
então não tinha pensado no quão isolada ela poderia ser. Essa
mulher claramente era feliz sozinha. Não gostava de sair do castelo.
Tinha receio de estranhos e já tinha rejeitado sabe-se lá quantos
pretendentes. Seria complicado. Por sorte, Hans estava acostumado
a improvisos.
Quando começou a pensar em uma série de planos alternativos, a
multidão começou a se agitar. Surpreendido pelo súbito silêncio,
Hans olhou para cima e perdeu o fôlego. A futura rainha de
Arendelle tinha se posicionado na plataforma elevada na frente da
capela. Estava de pé, fitando o vazio na multidão, com os olhos
focados em um ponto que só ela enxergava. Anna estava a seu
lado, passando o olhar por cada pessoa, apesar de não conseguir
memorizar todas as feições de uma vez só.
Anna estava leve e elétrica. Sua animação era notável de onde
ele estava sentado. Suas mãos iam do pescoço para a saia, então
para o cabelo e de volta para a saia; tamborilava os dedos do pé,
impaciente. Hans não pôde deixar de sorrir ao avistar a princesa.
Ela lhe lembrava os peixes coloridos que nadavam nas águas rasas
das Ilhas do Sul.
Eles estavam sempre em movimento, sempre dançantes e a cada
movimento pareciam se transformar. Anna era como aqueles peixes.
Viva e vibrante.
Elsa, por outro lado, era o exato oposto.
Voltando sua atenção para a futura rainha, Hans ficou
impressionado com o contraste visível entre as irmãs. Enquanto
Anna mal podia se conter, excitada e enérgica, Elsa mal se movia.
Estava lá, parada, inexpressiva, com o corpo rígido feito uma
estátua. O movimento suave de seus dedos era a única coisa nela
com algum traço de emoção.
Hans voltou seu olhar para Anna. E se ele não tivesse que casar
com Elsa para chegar à coroa? Claramente, ela não queria nada
com a coroa ou seus súditos. Estava praticamente jogando o cetro e
o orbe fora, para quem quisesse. Se Hans tinha aprendido algo com
seus irmãos manipuladores, era que havia sempre mais de um jeito
de se conseguir o que queria. Se Elsa realmente não quisesse a
coroa, talvez ela estivesse disposta a passá-la para sua irmã mais
nova – caso, digamos, a irmã fosse se casar com um príncipe de um
reino poderoso. O coração de Hans bateu mais forte, e a ideia
começou a ganhar forma. Era óbvio agora. Ele se casaria com Anna
e se livraria de Elsa. Se Anna se apaixonasse, seria apenas uma
questão de tempo para tomar posse do reino. E então? Então, ele
governaria Arendelle e nunca mais teria que ver seu pai e seus
irmãos novamente.
Sorriu. No mesmo instante, o olhar de Anna parou nele.
Levantando a mão, deu um discreto aceno. Imediatamente, ela
abaixou a cabeça e corou. Ah, sim, ele pensou, observando sua
reação. Esse é um plano muito, muito melhor…
C 9

Ele acenou para mim. Hans acenou. Para mim.


Anna ainda não podia acreditar. Em um momento, estava parada
ao lado de sua irmã, acompanhando o andamento da cerimônia de
coroação, olhando todos os rostos novos, e no minuto seguinte tinha
o coração acelerado e o rosto em chamas.
Anna endireitou sua postura, determinada a parecer confiante
diante de uma sala cheia de desconhecidos. E diante de Hans. É
claro que ela tinha reparado nele no minuto em que entrou na
capela. Tinha-o observado se sentar e se impressionado com sua
facilidade em conversar com os homens ao seu lado.
Esforçara-se para não olhar tanto para Hans. Tentava manter o
olhar por toda a sala, e quando o bispo começou a cerimônia estava
preocupada demais com sua irmã para pensar duas vezes nele.
Até ele acenar para ela.
Então, sua mente se esvaziou, e o coração começou a palpitar.
Talvez fosse por causa da figura de Hans à luz de velas, mas sentia
como se estivesse derretendo. Precisava de muito autocontrole para
dominar suas emoções e manter o foco. Elsa, pensou ela. Isso tudo
é sobre Elsa. Sua coroação. Seu momento.
Anna arrastou os olhos e focou de volta em sua irmã – que,
percebeu de súbito, parecia aterrorizada. Elsa estava pálida e
trêmula. Hans sumiu de sua mente, e ela se aproximou da irmã,
desejando que se acalmasse, conforme o bispo dava início à
cerimônia que tornaria Elsa rainha.
Se Anna conhecesse bem a irmã – na verdade, era muito pouco o
que sabia sobre ela hoje em dia –, entenderia que Elsa
provavelmente ensaiara cada parte da cerimônia repetidas vezes,
garantindo que nada desse errado no grande dia. Chegava o
momento em que Elsa deveria retirar as luvas e receber o cetro e o
orbe. Essa seria a deixa para o bispo prosseguir para a parte final
da coroação. Mas Elsa não removeu as luvas. Que estranho,
pensou Anna, vendo a irmã levar a mão à almofada. O bispo
pareceu concordar e em um sussurro disse:
– As luvas, Vossa Majestade!
Elsa hesitou. Anna pôde ver que seu rosto estava ficando ainda
mais pálido e que tentava desesperadamente manter sua respiração
estável.
Anna deu um passo à frente, temendo que algo de ruim
acontecesse. Sua irmã, entretanto, retirou as luvas, colocando-as
sobre a almofada e pegando, enfim, o cetro e o orbe.
Respirou aliviada. Tinha sido estranhamente tenso. Talvez Elsa
esteja ainda mais nervosa que eu, pensou.
Então, simplesmente assim, Elsa se tornou a rainha de Arendelle.
Simplesmente assim, seu mundo inteiro se transformou.
E minha vida provavelmente vai continuar exatamente do mesmo
jeito, a menos que eu decida mudá-la…

Comparado à austeridade da capela, com vozes sussurrantes e


cantos escuros, o salão de baile era inundado por luz e risada. Os
convidados já estavam dançando e comendo, e todo o ambiente
ecoava uma música alegre. Era uma comemoração em grande
escala.
Anna, no entanto, não estava aproveitando as festividades ainda.
Em vez disso, esperava do lado de fora, assistindo ao desenrolar da
festa, como tinha feito muitas vezes quando criança. Na época, Elsa
estava a seu lado, risonha, e inventavam histórias sobre cada um
dos dançarinos. Agora, Elsa esperava em silêncio, séria, até ser
anunciada.
– O que eu faço agora? – Anna havia perguntado quando Kai
informou que a rainha e a princesa tinham de esperar para entrar no
salão.
– Você espera até seu nome ser anunciado e se encaminha para
o centro do salão. Lá, você acena para a multidão ao lado de sua
irmã e aguarda.
– Aguardar? – perguntou Anna. – O quê?
Kai sorriu, deixando a princesa estranhamente nervosa.
– Ser convidada para dançar, é claro.
“É claro”, ele diz, pensou Anna, seguindo sua irmã. Uma pequena
plataforma havia sido montada no salão, e lá estava Kai sobre ela.
Enquanto fitava o líder do grupo musical, fez um sinal com a
cabeça, e a música foi interrompida. Instantaneamente, a atenção
de todos se voltou para Kai. Com outro aceno, os trompetes soaram
e, então, com a voz mais grave e imponente que um homem
conseguiria fazer, ele anunciou a chegada da “Rainha Elsa de
Arendelle!”.
O salão inteiro aplaudia, e Elsa deu um passo à frente. Anna
sentiu uma pontada de orgulho com o clamor da multidão. Apesar
de suas diferenças, sabia que sua irmã seria uma grande rainha.
As mãos de Elsa não tremiam mais, e sua face tinha voltado a
corar. Com sua nova coroa sobre a cabeça, resplandecendo a luz
dourada das velas, acenou para a multidão, com o brilho do bordado
de seu vestido reluzindo. Tão calma, pensou Anna, surpresa. Tão
feliz. Talvez ela precisasse sair da capela para se sentir melhor. Não
a culpo. Aquele lugar é tão sombrio, e as luzes tão…
– Princesa Anna de Arendelle!
Anna voltou à realidade de súbito. Opa! O que eu faço? O que eu
faço agora? Certo. Tenho que andar. Mas como eu devo andar,
rápido ou meio devagar? Olho reto pra frente ou para a multidão?
Por que não perguntei para Elsa quando ela estava aqui? Bem, lá
vamos nós.
Saltando pela porta, ela se apressou para dentro do salão. Tinha
repensado tanto sua entrada que, ao invés de entrar lenta e
graciosamente, praticamente correu para a plataforma.
Sorrindo com timidez, ela parou a alguns metros de Elsa. Então,
começou a acenar – estranhamente – até Kai fazer um sinal com a
cabeça para o lado.
Será que ele quer que eu fique mais perto de Elsa?, perguntou-se
Anna.
Aparentemente, sim.
– Tem certeza? – ela perguntou num sussurro. Kai tinha certeza.
Ele a apressou para o lado da irmã, até que ficassem ombro a
ombro e, então, deixou as duas a sós.
Era a primeira vez em muito tempo que Elsa e Anna ficavam tão
perto uma da outra por tanto tempo. Estarem paradas lado a lado,
diante de um salão lotado, assistindo aos outros dançar e rir, era
esquisito. E estranho. Muito, muito estranho.
Anna não sabia ao certo o que fazer. Devo dizer alguma coisa?
“Parabéns”, quem sabe? Ou talvez “Olá, como vai?”. Ou me garanto
comentando algo sobre o tempo? Por que tem que ser tão difícil?
Elsa é minha irmã. Eu não deveria ter que pensar no que dizer. Só
abrir a boca e dizer…
– Oi…
Elsa tinha se adiantado. Com os olhos bem abertos, Anna olhou
para sua irmã.
– Oi, eu…? – ela disse olhando para os pés, insegura, e voltando
para a irmã. – Err, oi.
– Você está linda – disse Elsa, com uma voz doce e um tom
suave.
– Obrigada – respondeu Anna, afobada. – Você está muito mais
bonita hoje. Quer dizer, você é bonita sempre… só que hoje está
mais que bonita…
Anna fechou a boca ainda assustada. Ela não podia acreditar que
fora Elsa quem iniciara a conversa. Talvez as coisas fossem
diferentes dali para a frente. Talvez fosse o começo de algo novo.
Ela não queria estragar esse momento balbuciando coisas sem
sentido.
Por um minuto, as irmãs ficaram ali paradas, observando os
casais dançarem pelo salão. Havia vestidos de todas as cores, joias
brilhantes e vibrantes em tons variados do arco-íris. Era como uma
pintura. Só que estava acontecendo ao vivo. Anna estava em
transe.
E, aparentemente, Elsa também estava.
– Então, assim que é uma festa? – ela indagou.
– É mais caloroso do que eu imaginava – disse Anna, por fim. E
não é só a temperatura do salão, completou em silêncio. Ainda que
quisesse muito abraçar sua irmã, fez um esforço para manter seus
braços bem-comportados no lugar. Então, olhou para o lado e
reparou que o nariz de Elsa tremia, como se farejasse algo, uma
postura não muito típica para uma rainha.
– Que cheiro maravilhoso é esse? – perguntou Elsa.
As duas garotas fecharam os olhos e respiraram fundo.
– Chocolate! – disseram em uníssono.
Os olhos de Anna abriram de súbito, encontrando o olhar de sua
irmã. Ambas começaram a rir. Chocolate era certamente uma coisa
que ainda tinham em comum. Antes de se distanciarem, elas
costumavam entrar na cozinha quando Cook estava ocupado e
mergulhavam os dedos em tigelas de chocolate derretido. A parte
favorita era passar o dedo no chocolate e depois no açúcar. Era o
melhor doce do mundo. No fim, Cook sempre descobria e ralhava
com elas, mas não se importavam muito com isso. Agora, o cheiro
de chocolate sempre lembrava Anna desses momentos roubados.
Quando pararam de rir, Anna queria dizer tantas coisas. Mas por
onde começar a falar sobre o que a perturbava há tanto tempo? Não
parecia o lugar ou hora apropriada para descobrir se Elsa tinha
sentido tanta saudade quanto ela.
Anna suspirou, contente. Sua irmã estava de volta. Estava de
volta, maravilhosa e divertida, e não iam se afastar novamente. Ela
faria o que fosse preciso para mantê-la calorosa, amável e divertida
ao seu lado… para sempre.
C 10

Hans observava as duas irmãs rirem e conversarem – uma loira e a


outra ruiva, cada qual linda à sua maneira. Devia ser legal ter um
laço assim, compartilhar altos e baixos com alguém. Ele não se
lembrava da última vez que tinha rido com um de seus irmãos. Lars
era sério demais para piadas, e quanto aos outros, era mais
provável que estivessem rindo dele.
Estava esperando pelo momento certo para se apresentar à nova
rainha. Não queria parecer ansioso demais, tampouco
desinteressado. A apresentação seria importante para seguir com o
novo plano. Ele estava cada vez mais confiante que casar com a
princesa Anna era a coisa certa a se fazer. Pelo que vira na
cerimônia de coroação, a rainha era tão alheia e distante quanto
tinha ouvido – com todos, exceto com Anna. Deixe os outros
perderem seu tempo cortejando a rainha. Ele tinha encontrado uma
maneira melhor de conseguir o que queria.
Voltando a contemplar as irmãs, ele viu o Duque de Weselton
dirigindo-se a elas. Hans se aproximou, interessado em ver o que
aconteceria a seguir. O homenzinho parecia um furão, impressão
que só aumentava ao vê-lo atravessar a pista de dança, com o nariz
empinado, como se farejasse algo.
O Duque parou em frente a Elsa e Anna, fazendo um movimento
estranho e, então, se ajoelhou diante delas, com uma mão
estendida, pedindo uma dança. Ao se abaixar, sua peruca – na qual
Hans não tinha ainda reparado – deslizou para frente. Abafando o
riso, percebeu que Elsa e Anna se esforçavam para não rir também.
– Obrigada – ouviu Elsa dizer, enquanto recobrava a compostura.
– Mas eu não danço.
O Duque se levantou, claramente ofendido pela declaração da
rainha.
– Ah, é? – Levantou uma sobrancelha e ajeitou a peruca.
– Mas minha irmã sim – completou Elsa, provocando a irmã com
o olhar.
Os olhos de Anna se arregalaram, e Hans praticamente podia
ouvi-la avisar mentalmente que não queria dançar com o Duque.
– Como? – ela replicou por fim. – Não acho…
Antes que pudesse protestar, o Duque agarrou o braço de Anna,
levando-a para a pista de dança.
– Se tropeçar, me avise – ele pediu. – Eu a seguro.
Olhando por cima do ombro, Anna lançou um olhar desesperado
pedindo ajuda para sua irmã, mas Elsa apenas riu e deu de ombros.
– Desculpe! – ela murmurou.
Conforme o Duque conduzia Anna na dança, Hans reparou que
ela era, na verdade, uma dançarina graciosa. Um pouco instável,
mas o Duque também não ajudava. Seus passos eram uma mistura
do andar de um pavão com os saltos de um canguru. Pulinhos,
movimentos soltos com a cabeça e pés. Pés esses que seguiam
pisando nos dedos de Anna. Hans suspirou ao ver o Duque
aterrissar com especial força nos sapatos dela, logo após uma
pirueta.
– Ai, ai, ai – ouviu Anna dizer. Ele se perguntava se deveria
interromper e salvar Anna novamente, mas era visível que o Duque
não desistiria da princesa com tanta facilidade. Ele estava fazendo
da dança uma oportunidade para tentar extrair informações sobre o
reino.
– Então, os portões estão abertos – informou o Duque. – Por que
ficaram fechados por tanto tempo? Sabe me dizer?
Ele já estava na ponta dos pés, tentando olhar nos olhos de Anna,
mas esta apenas sacudiu a cabeça dizendo:
– Não.
O Duque a encarava com um olhar desconfiado. Então, deu de
ombros, e um Hans que assistia horrorizado àquelas táticas e aos
passos de dança igualmente terríveis, viu o Duque deitar Anna em
seus braços. De onde estava, viu a princesa lançar um olhar em
desespero por sua posição desconfortável.
Ele não aguentava mais, porém, na hora em que ia chamar Anna
para dançar, a música parou e o Duque soltou sua cintura.
Era hora de tomar uma atitude. Anna tinha retornado para o lado
de sua irmã, e ele podia ver que elas conversavam e riam. Pela
forma como Anna esfregava seus pés, ele reforçava a certeza de
que o Duque tinha dois pés esquerdos. Subitamente, Anna fechou o
rosto e o corpo de Elsa enrijeceu. No momento seguinte a música
recomeçou, e Anna, se afastando de sua irmã, voltou para a pista
de dança.
Hans nem tentou olhar para Elsa, apenas se apressou na direção
de Anna, observando a princesa desviar das pernas e braços dos
dançarinos, missão bastante difícil na pista lotada. Quando parecia
que Anna sairia ilesa do salão, um homem se abaixou
desajeitadamente, trombando com força na princesa. O movimento
desequilibrou-a, e ela caiu. Em um movimento suave e certeiro,
Hans deu um passo à frente, segurando-a em seus braços. Ao fitar
a princesa, sorriu dizendo:
– Que bom que peguei você!
Hans ajudou Anna a se colocar em pé e fez uma reverência.
Então, segurou sua mão, como o Duque tinha feito antes, mas
diferente do desastre de seu rival, ele tinha movimentos graciosos.
Enquanto deslizavam pelo salão, sentiu Anna relaxar em seus
braços.
– Onde você estava alguns minutos atrás? – perguntou Anna
após instantes de silêncio. – Acho que meus dedos foram
permanentemente inutilizados pelos passos de dança do Duque.
Ela olhou para cima, e Hans respondeu provocativo:
– O quê? Você não estava gostando? Achei que estivesse sendo
o ponto alto da sua noite.
Anna riu.
– Você está brincando, né? Já não sou muito boa de dança, não
preciso de ajuda para ser mais desajeitada. – Ela pausou, como se
medisse suas próximas palavras. Então, apressada, disse: – Você
me faz parecer graciosa.
Sua honestidade surpreendeu Hans, que antes que pudesse
perceber respondeu:
– Você me faz parecer feliz. – No mesmo instante, se arrependeu
de ter dito aquilo.
Anna olhou para ele, intrigada. Antes que pudesse perguntar no
que ele estava pensando, Hans parou de dançar. Apontou para as
portas da varanda, alguns metros à frente.
– Que tal um pouco de ar fresco? – sugeriu.
Ela concordou.
– Ar fresco seria legal – disse, atordoada.
Anna e Hans permaneceram em silêncio, observando os jardins
do castelo. Ele não tinha certeza de como proceder agora. Até o
momento de seu pequeno deslize no salão, ele estava no controle
da situação. Agora, já não tinha mais certeza. Sabia que precisava
manter a noite divertida, leve e, certamente, romântica. Só não
sabia exatamente como.
– Você é um excelente dançarino – disse Anna, rompendo o
silêncio. – Já esteve em muitos bailes?
Hans deu de ombros.
– Já tive a minha cota, acho. Não é só o que príncipes e princesas
fazem? – Chamando a atenção de um garçom que passava,
apanhou duas taças de espumante. Pegou também um bolinho com
creme. – E comemos, é claro. A nobreza precisa comer. – Estendeu
o bolinho para ela.
Anna tomou o delicado doce em suas mãos, observou-o e
respondeu:
– Você deve estar certo. É isso que fazemos. Só não tive muitas
oportunidades ainda.
Hans sorriu.
– Talvez a noite de hoje seja para isso, muitas novas
oportunidades – sugeriu com suavidade. – Falando em novas
oportunidades, ouvi dizer que os jardins de Arendelle são realmente
espetaculares. Faria a gentileza de me guiar por lá?
Juntos, encontraram o caminho dos jardins. Sobre eles estava a
lua esplendorosa no céu, com seus raios de luz cristalina banhando
a trilha. Hans pouco prestava atenção nas explicações de Anna
sobre as variadas flores e plantas por onde passavam. Naquele
momento, só tinha olhos para o brilho de seus cabelos sob a luz da
lua.
– O que é isso? – ele perguntou, reparando na mecha branca que
estava escondida. À luz da lua, parecia ainda mais branca e nítida.
Anna levou a mão à cabeça, tocando com leveza os fios brancos.
– Nasci assim – explicou. – Mas já sonhei que tinha sido o beijo
de um trasgo.
– Eu gostei – replicou Hans, alegrando-se em ver Anna corar com
seu comentário.
O casal passeou pelo jardim, rindo e conversando, ficando a cada
minuto mais confortáveis na presença um do outro. Quando
voltaram para a varanda do salão de baile, Hans já nem precisava
fingir que estava se divertindo, e Anna não estava mais tímida e
reservada. Na verdade, era o oposto disso. Tinha roubado um cone
doce da mesa e estava ensinando a Hans como se comia essa
sobremesa em Arendelle.
– Sim, tudo de uma vez – disse rindo, enquanto Hans tentava
colocar a sobremesa inteira na boca. Migalhas se espalharam por
todo lado, fazendo com que Anna gargalhasse histericamente.
– Sabe, você ia se adaptar muito bem nas Ilhas do Sul – disse
Hans, limpando o rosto. – Tudo por lá é muito competitivo.
Anna, que já se preparava para pegar outro cone, pausou e
encarou Hans.
– Ok, espere – ela disse, claramente curiosa e disposta a saber
mais sobre ele. – Você tem quantos irmãos?
– Doze irmãos mais velhos. Três deles fingiram que eu era
invisível… – respondeu. Anna riu, e Hans completou: – Literalmente.
Por três anos.
Anna fechou a cara.
– Isso é terrível – ela disse.
– É assim que irmãos se comportam – disse Hans dando de
ombros.
– Irmãs também – completou Anna, tristemente.
Hans se surpreendeu com a expressão no rosto de Anna. Ela e
Elsa pareciam tão felizes juntas.
– Elsa e eu éramos muito próximas quando crianças – explicou
Anna. – Um dia, entretanto, ela simplesmente me excluiu da vida
dela, e eu nunca soube o porquê.
Olhando para baixo, Hans viu o lábio de Anna tremer.
Ele tomou as mãos dela nas suas e confessou:
– Eu nunca excluiria você da minha vida.
C 11

Então, isso que é amor?, perguntou-se Anna, enquanto olhava nos


olhos de Hans. Essa maravilha? Essa novidade? Sentia seu
estômago revirar de inquietação, estava com os nervos à flor da
pele.
Por anos, se sentiu muito sozinha. Sua irmã tinha se isolado do
mundo. Seus pais estavam mortos. Seus únicos amigos eram os
empregados do castelo e os animais do celeiro. Então, subitamente,
Hans entrou em sua vida e a virava de ponta-cabeça.
Olhando para baixo, viu a mão de Hans pousada sobre a sua
própria. Ficou surpresa com o contraste. A dela era pálida, de pele
lisa e dedos finos. A dele era grande, e ela imaginava que a pele
escondida pela luva fosse mais bronzeada. Ainda assim, pareciam
combinar perfeitamente.
– Posso dizer uma coisa maluca? – ela perguntou, encarando
Hans.
– Adoro coisas doidas – ele respondeu sem hesitar.
Anna sorriu e abriu a boca, prestes a contar que esbarrar nele
fora uma das melhores coisas que já tinha acontecido a ela, mas
parou no último momento, subitamente nervosa e insegura. E se ela
dissesse isso e ele não concordasse? E se ele achasse que ela era
doida de verdade por dizer algo assim, tão espontâneo? Então,
falou outra coisa, a primeira que veio à sua cabeça:
– Quer deslizar de meias por aí?
Assim que as palavras saíram de sua boca, Anna se arrependeu,
desejando não ter dito nada. Deslizar de meias? Ela realmente
sugeriu isso? A julgar pela expressão confusa de Hans, ela tinha
mesmo feito essa sugestão.
– Hm, sim? – respondeu Hans, incerto.
– É divertido, você vai ver. – Ela se virou, entrando novamente no
salão, e indicou que ele a seguisse para a pequena sala ao lado.
Depois de se certificar de que estavam mesmo a sós, ela se abaixou
e tirou os dois sapatos. Esticou um pé, depois o outro. Logo estava
deslizando pelo chão como um esquiador no gelo. Anna deslizava
de cabeça baixa, com medo de que, quando olhasse, visse Hans a
encarando como se ela tivesse três cabeças – ou pior, que não o
encontrasse, pois ele teria fugido. Quando criou coragem para
espiar, seu coração quase saltou para fora do peito. Hans não a
estava olhando de um jeito engraçado. Ele estava tirando seus
próprios sapatos para deslizar no chão ao lado dela. Ela riu quando
ele tropeçou e caiu para a frente, mas este se recompôs
rapidamente, evitando no último instante dar de cara no chão, e
terminou seu movimento com graça. Ele aprende rápido, pensou
Anna, enquanto ria e tentava manter o equilíbrio. Não que ela
tivesse algum medo de cair. Hans estava sempre por perto,
ajudando-a a se sustentar, com a mão firme em sua cintura, o que a
deixava bastante confiante.
– É bem divertido – disse ele. – Não é exatamente o que faço em
casa, mas entendo bem que você prefira fazer isso a dançar com o
Duque de Weselton.
Dessa vez, Anna não riu baixo. Jogou sua cabeça para trás e
gargalhou. Lançando os pés para a frente, deslizou para muito perto
de Hans.
– Como eu disse, não tenho muitas oportunidades de dançar com
outras pessoas. Normalmente, tenho a sala inteira para escorregar
sozinha… – Fez um gesto apontando pelo salão. Em sua agitação,
abriu demais seus braços e o movimento a impulsionou em direção
ao peito de Hans. Ela teve um breve momento para sentir a batida
do coração dele contra o seu, e então estavam ambos caídos no
chão, embolados. – Mil desculpas – disse ela, envergonhada. – Vivo
caindo em você sem querer. Parece que os meus pés ultimamente
estão com vontade própria. Pelo menos é o que Gerda diz. Ela
sempre fala que, se tiver algo quebrável no cômodo, eu vou
encontrar e… – Sua voz sumiu quando reparou que Hans ainda não
tinha tentado se desvencilhar dela.
– Estou começando a perceber que eu gosto de ter alguém para
segurar firme – confortou-a, estendendo a mão e ajeitando uma
mecha do cabelo dela atrás da orelha.
Anna sentiu um calor se espalhar por seu corpo e, ligeiramente
constrangida, abaixou a cabeça.
– Verdade? – ela perguntou.
– Verdade – respondeu Hans, sorrindo.
– Bem, acho que você deve gostar muito de mim, então –
concluiu Anna, sem nem pensar nas palavras antes de soltá-las.
– Estou começando a perceber isso também – replicou Hans,
alegremente.
Por um momento ficaram lá deitados, banhados pela luz da lua
que entrava na sala pela varanda. Era como se eles fossem as duas
únicas pessoas existentes no mundo. Anna podia jurar ter ouvido
música na sua cabeça e sentido seu coração estourar.
Relutante, ela se levantou, quebrando o encanto.
– Acho que precisamos voltar para o baile – ela disse
suavemente. – Minha irmã deve estar se perguntando onde eu fui
parar.
Ela rapidamente tirou a poeira do vestido. A última coisa no
mundo que queria era voltar para o baile. Ela sentia que, se voltasse
para lá, aquele momento acabaria. Hans sairia valsando para longe
de sua vida, e ela nunca o reencontraria. Quando ele se levantou,
ela sabia que não podia deixar isso acontecer.
– Ou podemos esperar um pouco mais. Talvez pudéssemos ir…
– Para o farol – sugeriu Hans, completando a frase.
Ela ficou de queixo caído.
– Era o que eu ia dizer. Como você…?
– Sabia? – ele perguntou, mais uma vez antecipando o que ela ia
falar. Ele sorriu. – Vi o farol quando cheguei de navio e o achei muito
bonito. Você me levaria lá?
Um sorriso se abriu no rosto de Anna.
– Adoraria – respondeu, alegre. – Mas devo alertá-lo que eu
mesma nunca estive lá. Ou pelo menos, há muito tempo que não.
Desde antes de os portões se fecharem… – Sua voz ficou mais
baixa. Apesar da felicidade que inundava seu corpo, as lembranças
de como sua vida fora até então e o que poderia acontecer quando
a noite acabasse a deixavam triste.
Ao perceber isso, Hans pegou sua mão.
– Bem, o que estamos esperando, então? – ele perguntou. –
Vamos nos aventurar.

A hora seguinte pareceu um conto de fadas para Anna. Eles


subiram até o alto do farol e dançaram sem música, em seu próprio
ritmo. Quando ficaram cansados, pararam para sentar, encostados
contra o farol, cabeças mirando o céu. Durante a conversa, Hans
contou a ela como foi crescer nas Ilhas do Sul. Falou sobre as
diferentes ilhas e do longo e baixo castelo que lembrava uma
serpente marinha. Ela, por sua vez, contou o que fazia para passar
o tempo, atrás dos portões fechados do castelo de Arendelle. Era
como se Hans compartilhasse de todas as suas preferências – até
por sanduíches.
– Só sem a casca – disse Hans.
– Nossa, com certeza! – concordou Anna, risonha. – A casca é a
pior parte. Ela é tão… cascuda – Hans caiu na gargalhada. Anna
adorava fazê-lo rir e que ele fizesse o mesmo com ela.
É tão bom poder relaxar e aproveitar o momento, pensou. Não se
preocupar com portões que nunca abrem, pessoas que não vemos
nunca ou pais que não voltam para casa.
A cada minuto que passava, Anna se sentia mais confortável na
presença de Hans. Eles tinham muita coisa em comum. Era como
se ele tivesse sido feito sob medida para ela. Eles simplesmente…
combinavam. Devia ser isso o tal do amor – ter alguém que faça a
dor sumir. Alguém que preencha os buracos do seu coração. Sim,
tinha que ser isso, ela pensou quando saíram do estábulo, em
direção aos portões do castelo e às colinas sobre Arendelle. Aquilo
era o grande amor. O amor sobre o qual ela lia. O amor das histórias
que ela inventava na galeria de quadros.
Assim, quando Hans sugeriu uma última parada antes de
voltarem para o castelo, Anna não pensou duas vezes. Apenas
sorriu e concordou. Ela iria a qualquer lugar com Hans. Ele só
precisava indicar o caminho.

Anna e Hans admiravam Arendelle do alto. Uma cachoeira à


frente rugia, e o som da água abafava o palpitar das batidas do
coração de Anna.
– Sempre quis vir aqui em cima – ela disse suavemente, olhando
para a lua cheia. – Eu ficava sentada no meu quarto vendo a água
cair, pensando no quão mágico era isso tudo. Pensando nos
trasgos, que eu sonhava que moravam atrás da queda d’água e
que, em noites como essas, saíam distribuindo presentes para as
crianças de Arendelle. Presentes especiais, como a mecha do meu
cabelo. Sempre pensei que, talvez, eu estivesse destinada a fazer
algo… excepcional.
Estendendo a mão, Hans pegou gentilmente a mecha branca de
cabelo, passando-a entre seus dedos.
– Você está destinada a algo especial, Anna. Posso sentir isso. E
acho que, talvez, com você, a vida pode ser muito… mais.
Anna sorriu.
– Você acha mesmo? – perguntou suavemente.
Hans concordou.
– Posso dizer algo doido? – ele perguntou.
Anna sorriu novamente.
– Você quer… se casar comigo?
Anna sentiu seu coração bater mais forte. Viu que Hans a
encarava com olhos esperançosos. Ela ouviu o som da água caindo
sobre as pedras antigas e se perguntou se era o primeiro pedido de
casamento que aquele lugar testemunhava. Sentiu a névoa gelada
cobrir sua pele e estremeceu. Era como se todos os seus sentidos
estivessem mais aguçados, cada emoção levada ao máximo.
Era verdade, ela acabava de passar a noite mais incrível de sua
vida com Hans. E verdade que parecia que estavam em perfeita
sintonia. E que ele era divertido e lindo. E verdade também que ele
parecia ser um bom ouvinte, com um grande coração. O lado dela
que acreditava em amor à primeira vista queria gritar “sim”. Mas
havia um pedacinho que sussurrava: “Você acabou de conhecer
esse rapaz. Talvez precise de um tempo para saber mais sobre ele”.
Não tenho tempo, ela retrucou para a pequena parte que estava
sendo inconvenientemente realista. Os portões se fecham amanhã e
quem sabe quando voltarei a ver Hans. Não consigo mais imaginar
um mundo sem ele. Não agora.
Lentamente, Anna olhou para Hans. Ela sabia o que precisava
dizer. Sabia que era a coisa certa a ser feita. Tudo o que precisava
fazer era abrir a boca e responder…
C 12

Onde eu estava com a cabeça?, pensou Hans no instante em que a


proposta escapou de sua boca. Pedir que Anna se casasse com ele
depois de uma única noite era o que Lars chamaria de
impetuosidade e o seu pai certamente chamaria de idiotice. Sim, ele
só tinha vinte e quatro horas para conquistar Anna. Mas achava que
tinha se apressado demais. Hans sacudiu a cabeça. Ele estava
seguindo seus instintos, e estes diziam que era uma boa ideia.
Podia também ser só o efeito do fondue de chocolate. Difícil de
saber.
Voltando a olhar para Anna, Hans esperou com ansiedade. Só
fazia um segundo que ele tinha perguntado, mas enquanto esperava
pela resposta, pareceu uma eternidade. Ele podia ver o cérebro de
Anna trabalhando e imaginava que ela estivesse pesando os prós e
contras. Ela não era tonta. Isso tinha ficado bem claro no decorrer
da noite. Por outro lado, ela era romântica e espontânea. Talvez
fosse tudo o que ele precisasse para nunca mais ter de voltar para
as Ilhas do Sul, rever seu pai e lidar com tudo do que fugia. Ao
menos, se ela respondesse logo.
Então, Anna abriu a boca.
Hans prendeu a respiração, pronto.
Mas ela voltou a fechar a boca.
Os olhos de Hans saltaram.
Anna respirou fundo.
– Posso dizer algo ainda mais doido? – ela perguntou.
Cruzando os dedos com as mãos nas costas, Hans concordou
com a cabeça.
– Sim! – ela anunciou, jogando os braços em volta de Hans,
apertando-o em seu abraço o mais firme que conseguia.
Hans respirou aliviado, com uma sensação quente preenchendo
seu peito. Agora pense, disse para si mesmo. Lembre-se do porquê
você está aqui. É uma transação comercial, nada mais.
– Anna – disse Hans apertando sua mão. – Você não podia me
fazer mais feliz. Isso é tudo o que eu sempre quis e nunca soube
que queria. – Não deixa de ser verdade, ele pensou consigo. Eu
realmente queria me casar com uma princesa, só nunca pensei que
seria Anna. Engraçado como as coisas acontecem.
Anna riu e começou a pular.
– Temos tanta coisa para fazer. É claro, vamos nos casar logo!
Vou precisar falar com a costureira sobre o meu vestido – branco, é
claro. Talvez com laços nas mangas? E cauda. Eu sempre quis…
Ops! – Por azar, o chão no qual ela estava pulando estava úmido e
escorregadio, e seus pés deslizaram. Hans a segurou pelo braço,
ajudando-a a se equilibrar mais uma vez.
– Ah! Parece que você terá de fazer isso muitas vezes ainda, pelo
resto das nossas vidas.
– Vou viver para salvar você – replicou Hans, sorridente. As
palavras pareciam simplesmente escapar, sem que ele pensasse
nelas.
Anna sorriu com o canto da boca. Segurando firme o braço dele,
prosseguiu com seus planos.
– Então, temos que resolver o meu vestido o quanto antes. Vamos
decidir a comida do casamento. Eu, particularmente, sou fã de
queijo, então vamos ter pratos com queijo. E fondue, obviamente –
completou, piscando para Hans.
Enquanto ela listava tudo o que precisava ser acertado para o
casório, ele ouvia apenas parcialmente. Se meu pai pudesse me ver
agora, pensou. Ele estaria orgulhoso, acho. Todos os outros filhos
precisaram que ele arranjasse um casamento. Mas eu não. Fiz tudo
isso sozinho. Mal posso esperar para esfregar isso na cara dele. E
na cara dos meus irmãos. Por falar nisso…
– Vamos precisar chamar os meus irmãos – falou, interrompendo
a frase de Anna. – Meus padrinhos.
– Sim, é claro! – disse Anna, ansiosa. – O que seria de um
casamento sem a família? Quão rápido eles conseguem chegar
aqui? Mal posso esperar para apresentá-los para Elsa… – De
súbito, Anna arregalou os olhos. – Elsa! Nós precisamos voltar para
o castelo e contar a novidade para ela o quanto antes. Ela vai ficar
tão feliz por nós! Eu sei que vai. Provavelmente vai querer ajudar
com os preparativos. Ela tem uma caligrafia maravilhosa. Pode nos
ajudar com os convites. E aí…
Hans pôs a mão no braço de Anna.
– Minha querida – disse ele gentilmente. – Talvez devêssemos dar
as notícias antes de passar as tarefas, não acha?
– Sim, você tem razão – respondeu Anna. – Só estava
empolgada.
– Eu também, Anna, eu também. Agora, vamos lá encontrar sua
irmã.
Enquanto caminhavam de volta para o castelo, Hans começou a
rascunhar a conversa com Elsa mentalmente. Se ele achava que
pedir Anna em casamento o tinha deixado nervoso, a ideia de pedir
a aprovação de Elsa era simplesmente aterrorizante. Ele precisaria
deixar tudo em ordem para impressioná-la. Em especial, deveria
parecer desesperadamente apaixonado. Ele só precisava que ela
gostasse o bastante dele para permitir que se casasse com Anna. E
se ela não gostasse dele? Se ele não conseguisse impressioná-la,
afinal? Bem, ele sempre fora bom de improviso. Talvez tivesse que
adaptar um pouco o seu plano. Livraria-se de Elsa, se fosse preciso.
Não seria tão difícil. Coisas insanas aconteciam toda hora nos
castelos. Nunca se sabe quando um triste acidente pode
acontecer…
Hans bloqueou tais pensamentos. Ele lidaria com isso apenas se
necessário. Por ora, ele precisava parecer o máximo possível com
um príncipe encantado.
Não teve muito tempo para se preparar antes de ser apresentado
à rainha. Anna correu de volta para o castelo tão rápido que ele mal
conseguiu acompanhar o ritmo. De volta ao salão, Hans se
surpreendeu que os convidados ainda estivessem dançando. O
tempo parecia voar quando estava com Anna. Ele achava que já era
muito tarde e que o baile teria acabado, mas a pista de dança
estava evidentemente lotada. A banda ainda tocava animada, e
comida e bebida continuavam vindo da cozinha, sem parar.
Ele e Anna abriram caminho entre a multidão.
– Opa! – disse Anna quando deu uma cotovelada em um jovem. –
Perdão! – gritou quando passou por um garçom tão rápido que sua
bandeja quase foi pelos ares. – Desculpa! – falou quando seu pé se
enroscou e rasgou a cauda do vestido de uma dama. Quando
chegaram perto de Elsa, Hans sentia-se como se tivessem acabado
de sair de uma batalha.
Ao seu lado, Anna parou, ofegante, encarando a irmã mais velha.
Comparada a Anna, Elsa estava calma e comportada. Parecia não
ter se movido desde o começo do baile. Seu vestido estava
impecável, sem um amassado, e seu cabelo estava todo no lugar.
Olhando para Anna, Hans não pôde deixar de sorrir. Ela, por outro
lado, estava uma bagunça. Seu cabelo estava totalmente
desgrenhado e havia manchas de água na barra do vestido, mas
isso era difícil de perceber. A única coisa que alguém repararia ao
olhar para ela seria o sorriso alegre estampado em seu rosto.
Vamos torcer para que ela também perceba o quanto a irmã está
feliz, pensou Hans quando Elsa recebeu Anna. Então, ela encarou
Hans e levantou uma sobrancelha. Hans engoliu em seco.
Rapidamente, Anna se abaixou fazendo uma breve e estranha
cortesia.
– Elsa! Quer dizer… Rainha – corrigiu-se Anna. – Quero
apresentar-lhe o príncipe Hans, das Ilhas do Sul.
Hans fez uma reverência e se levantou para abrir seu sorriso mais
encantador.
– Vossa Majestade! – ele disse.
Se imaginava que Elsa retribuiria o sorriso, ele tinha se enganado.
Ela simplesmente acenou com a cabeça, fazendo uma ligeira
reverência. Bem, charme não será a melhor estratégia com Elsa,
então. Hans se lembrou dos conselhos de seu pai após uma
tentativa particularmente frustrada de coletar alguns impostos. Se
quiser que alguém goste de você, aja como um espelho. As pessoas
adoram o próprio reflexo. Ele decidiu imitar da melhor maneira
possível o companheirismo que tinha testemunhado entre as duas
irmãs.
Anna, felizmente, parecia não ter percebido a enorme falta de
interesse da irmã e estava se coçando para anunciar as boas-novas
logo de uma vez.
– Nós gostaríamos… – ela começou.
– … que você nos desse a sua bênção… – continuou Hans,
tentando parecer esperançoso e inocente.
– … para… – disse Anna, trocando olhares com Hans.
Sorrindo, completaram:
– Nosso casamento! – concluíram, em uníssono. Hans estendeu a
mão, segurando a de Anna. Era assim que se anunciava um
noivado, certo? Elsa ia derreter na hora. Ia abrir a boca e dizer…
– Desculpe. Estou confusa.
Não era isso que Hans esperava ouvir. Talvez um “como é?”, ou
quem sabe um “ah!”. Mas não sabia com o que ela estava confusa.
Eles queriam se casar. Não parecia complicado para ele.
No entanto, enquanto Hans percebeu imediatamente que as
coisas não estavam indo do jeito que ele esperava, mas sim como
ele temia, Anna pareceu pensar que sua irmã precisava de
esclarecimentos sobre a união.
– Bem, ainda não decidimos todos os detalhes. Precisamos de
mais alguns dias para planejar toda a cerimônia. Mas é claro,
teremos sopa, assado, sorvete e… – Ela olhou para Hans. – Espere.
Nós vamos morar aqui?
– Aqui? – repetiu Elsa.
– Sim, absolutamente – respondeu Hans ao mesmo tempo,
parecendo ansioso demais para seu gosto. É claro que viveriam em
Arendelle. Voltar para as Ilhas do Sul não era uma opção. Ele não
queria mais saber daquele lugar. Nunca mais. Só conseguia se
imaginar voltando para lá quando seu plano estivesse todo
concluído e ele chegasse lá com sua própria esquadra, sob o som
dos trompetes e com uma coroa em sua cabeça.
Ignorando a expressão de Elsa, Anna prosseguiu com seu plano:
– Nós vamos convidar seus doze irmãos para cá e…
– Espere – disse Elsa, interrompendo sua irmã. – Acalme-se.
Irmão de ninguém vai ficar a lugar algum. Ninguém vai se casar. –
Ao dizer isso, encarou Hans.
Ele podia praticamente ouvir os pensamentos da rainha. Seu
olhar dizia tudo. Ela não se enganava com ele. Os sorrisos e olhares
carinhosos que tinham conquistado Anna não surtiam efeito algum
em Elsa. Para ela, Hans era um estranho. Alguém que tinha caído
de paraquedas e bagunçado o coração de sua irmã. O que,
tecnicamente, era verdade. Com aquele olhar, ele sabia que Elsa
estava questionando o que Anna devia ter se perguntado a noite
inteira: O que você está querendo?
Voltando-se para Anna, ao seu lado, ele observou o sorriso
desaparecer-lhe do rosto. No lugar, estabeleceu-se uma expressão
confusa, como se não processasse bem o que sua irmã acabara de
dizer.
– Espere aí… O quê? – ela perguntou a Elsa com a voz trêmula.
– Posso falar com você, por favor? – disse Elsa. – A sós.
Anna sacudiu a cabeça, teimosa. Então, segurou no braço de
Hans e respondeu:
– Não – disse, com sua voz firme novamente. – Se tem algo a me
falar, pode dizer a nós dois.
Hans tentou não resmungar. Por que Anna tinha que dizer aquilo?
Colocar os dois contra Elsa deixaria a rainha ainda mais furiosa e
interessada em separar o casal. Por favor, não diga o que eu acho
que você vai dizer, implorou em silêncio, fixando o olhar na
expressão austera da rainha. Por favor, não estrague todos os meus
planos, não destrua tudo. Não agora. Por favor, não diga…
– Está bem – disse Elsa. – Você não pode se casar com um
homem que acabou de conhecer.
… isso. Por favor, não diga isso.
Hans soltou um suspiro. Bem, eu tentei, mas morri na praia, ele
pensou. Isso se morrer na praia significasse se afogar em um
oceano cheio de tubarões, usando sapatos de pedra.
C 13

Você não pode se casar com um homem que acabou de conhecer.


As palavras de Elsa ecoavam na cabeça de Anna. Ela queria
gritar. Queria jogar coisas no chão e fazer uma cena que as pessoas
do reino inteiro se lembrariam pelos anos seguintes. Ela queria
segurar os ombros de sua irmã e sacudi-la, implorando para ser
humana ao menos uma vez. Implorar que entendesse que aquilo
era tudo o que Anna queria no mundo. Mas sabia que não podia
fazê-lo. Não importava o quanto quisesse aliviar sua frustração e
tristeza, guardadas por anos, ela nunca faria isso com Elsa. Não
estava mesmo disposta a fazer uma cena que acabasse com a festa
de coroação da irmã. Ainda assim, não podia deixar de se
questionar… Elsa tinha passado anos negando a Anna seu amor de
irmã. Por que tinha que negar a ela esse amor também?
Talvez fosse esse o problema, pensou Anna, subitamente
esperançosa. Talvez Elsa simplesmente não saiba o que eu e Hans
temos. Talvez eu precise explicar a ela.
– Posso, se for amor verdadeiro – ela disse, tentando manter a
voz baixa, apesar das fortes emoções à flor da pele.
– Anna – disse Elsa. – O que você sabe sobre amor verdadeiro?
– Mais do que você – soltou Anna, repentinamente furiosa.
Elsa havia mesmo questionado o que Anna sabia sobre amor
verdadeiro? O que Elsa saberia sobre amor verdadeiro? Pelo
menos, Anna estava entre os vivos desde a morte de seus pais. Não
tinha se isolado do mundo, de tudo e de todos. Podia sentir a raiva
de sua irmã crescendo. Era sempre eu tentando e tentando, pensou
Anna. Todo dia, quando éramos mais novas, eu ficava lá parada em
sua porta implorando que ela viesse brincar comigo. Eu tentava
coagi-la a voltar para as nossas brincadeiras bobas, passeios de
bicicleta ao redor do castelo. E toda vez ela me afastava, sempre
fria. Elsa nunca me ofereceu nada. Sempre quis minha irmã de
volta. Sempre quis que Elsa voltasse a me amar. Ela nunca se
importou.
Se não fosse pela multidão que se aproximava cada vez mais,
Anna teria gritado tudo o que estava pensando. Como ousava
determinar o que ela podia ou não fazer? Depois de todos esses
anos a ignorá-la, por que Elsa se importava com o que Anna
pretendia fazer de sua vida?
Encarando a expressão gélida de sua irmã, tentou entender como
a situação tinha chegado a esse ponto. Não era para irmãs ficarem
felizes umas pelas outras em momentos assim? Será que Elsa
realmente não entendia o quanto Anna precisava disso?
Eu só queria sentir a felicidade de confiar em alguém com todo
meu coração. Só quero saber como é estar com alguém que queira
estar comigo, que não se afaste de mim. Por quê?, perguntou a Elsa
em silêncio, olhando nos olhos de sua irmã. Como podia ser tão
difícil de entender? Por que eu não posso descobrir sozinha o que é
amor verdadeiro, mesmo que você não queira?
Anna tinha certeza de que devia haver uma forma de impelir a
irmã a mudar de ideia, mas quando esta finalmente falou, suas
palavras partiram seu coração outra vez.
– Você pediu a minha bênção, e minha resposta é não. – Elsa se
virou para sair. – Agora, com licença.
Anna estava tão envolvida com a raiva que sentia de Elsa que
tinha praticamente esquecido que Hans ainda estava a seu lado.
Para seu alívio, ele deu um passo à frente, tentando ajudar e disse:
– Vossa Majestade – começou, segurando o braço de Elsa. – Se
eu puder…
– Não, não pode – respondeu Elsa, interrompendo o príncipe. – E
acho que você deve ir embora. – Soltando seu braço, ela se virou
novamente para a saída.
Ao passar por Kai, pausou apenas pelo tempo suficiente para
dizer:
– A festa acabou. Feche os portões.
Fechar os portões? Não!, exclamou Anna em silêncio. Não era o
fim. A festa não tinha acabado. Seu tempo com Hans não podia
terminar! Se os portões se fechassem, ela sabia que nunca voltaria
a ver o príncipe. Ela ficaria presa novamente no castelo com uma
irmã que se recusava a falar com ela e seria sozinha para sempre.
– Espere! – gritou Anna. Ela estendeu a mão para segurar sua
irmã, mas tudo o que conseguiu foi tirar uma de suas luvas
compridas.
Elsa ficou paralisada. Ela se virou, e Anna viu o rosto de sua irmã
empalidecer e seu corpo começar a tremer. Era como se Anna
tivesse congelado a irmã até os ossos, não apenas removido uma
única luva. Elsa estendeu a mão em desespero.
– Devolva a minha luva! – ela implorou.
Anna fez que não com a cabeça, enquanto lágrimas caíam de
seus olhos. Ela não queria brigar. Apenas algumas horas antes, ela
tinha acreditado sinceramente que ainda poderiam salvar a relação
consanguínea. Rindo do Duque de Weselton, compartilhando um
segredo e, então, talvez… voilà! Estaria tudo bem. Seriam irmãs de
verdade outra vez. Agora… ela não sabia o que era pior: que sua
irmã lhe negasse a chance de ser feliz, que não estivesse disposta a
mudar de ideia ou que Anna jamais conseguisse perdoá-la.
– Elsa, por favor! – suplicou Anna. – Eu não posso mais viver
assim!
Os olhos de Elsa se encheram de lágrimas.
– Então, vá embora – retrucou, com a voz fraca. Dando as costas,
saiu apressada.
Anna se retraiu, as palavras a atingiram em cheio como um tapa
na cara. Com a raiva e a tristeza guardadas há tanto tempo, ela não
pôde mais aguentar.
– O que foi que eu lhe fiz? – gritou para sua irmã de volta. Suas
palavras ecoaram pelo salão, que ficou em silêncio, com todos os
olhares voltados para as irmãs.
– Chega, Anna – murmurou Elsa, seca.
– Não! – Anna estava cansada de sofrer em silêncio, cansada de
mil perguntas sem resposta. Ela não ia deixar Elsa ir embora de sua
vida sem que antes desse algumas respostas.
– Por que se afastou de mim? Por que se isolou do mundo? Do
que você tanto tem medo? – As perguntas saíam naturalmente,
depois de tanta espera, uma atrás da outra.
– Eu disse chega!
Então, horrorizada, Anna viu um raio de gelo sair da mão de Elsa.
Em segundos, estilhaços de gelo cobriam o chão. Os convidados
gritavam espantados. Alguns tentavam fugir, enquanto outros se
seguravam nos mais próximos.
– Bruxaria! – Anna ouviu o Duque de Weselton dizer, escondido
atrás de seus homens. – Sabia que tinha algo de errado
acontecendo por aqui!
Anna olhou para sua irmã, se esquecendo do casamento por um
instante. Ela não podia ter visto o que acabava de acontecer, não
fazia sentido, mas ainda havia gelo na ponta dos dedos de Elsa. O
ar de dor em seu rosto era quase insuportável para Anna.
– Elsa? – chamou com suavidade.
Por um instante, as irmãs cruzaram olhares, e então Elsa se virou
e correu. Anna viu, sem poder fazer nada, sua irmã fugir. O que foi
que eu fiz?

Como pude ser tão cega?, pensava Anna enquanto corria atrás
de Elsa. É por isso que Elsa tem tanto medo de ficar perto de mim?
Tem medo que eu veja seus poderes? Desde quando ela tem esses
poderes? Mamãe e papai sabiam disso? É por isso que a
mantinham escondida atrás dos portões do castelo?
As perguntas seguiam surgindo enquanto Anna perseguia a irmã.
Toda a raiva tinha desaparecido no instante em que Elsa revelara os
poderes. Tudo fazia mais sentido agora. A frieza dela. Seu
isolamento. E eu aqui pensando que era eu a solitária. Não consigo
imaginar como deve ter sido sua vida todos esses anos. Tenho
certeza de que mamãe e papai disseram a ela que nunca falasse
sobre o assunto, o que faz sentido. Eles não queriam que as
pessoas tivessem medo dela. Tinha levado meros segundos para o
Duque acusá-la de bruxaria. O que mais as pessoas poderiam
pensar dela? Anna tinha que ir atrás da irmã. Elsa precisava de sua
ajuda.
Enquanto corriam para fora do castelo, Anna pôde ver o quão
certa estava. Para onde quer que olhasse, tudo estava congelado. O
verão tinha se transformado em inverno em instantes. A escadaria
que saía do castelo estava escorregadia, coberta de gelo em cada
degrau. Lá embaixo, a água que jorrava da fonte havia congelado.
Por fim, olhando incrédula para o céu, viu neve começar a cair. À
distância, pôde ver Elsa correndo para os portões do reino.
– Monstro! Monstro!
Enquanto observava a multidão, Anna viu o Duque acompanhado
de seus homens. Percebeu que estavam com medo de Elsa. Todos
esfregavam-se com as mãos para se aquecer, praguejando contra a
rainha. Espero que caiam da escada, pensou Anna. Ninguém
chama minha irmã de monstro assim.
Desceu as escadarias com cuidado, o mais rápido que pôde.
Ouviu vagamente a voz de Hans chamando seu nome, mas não se
importou. Precisava alcançar sua irmã.
– Elsa – ela chamou. – Espere!
Elsa já estava na beirada do fiorde. Parou e voltou-se para trás, e
Anna sentiu um lampejo de esperança de que a cena acabasse
naquela hora, mas sua irmã deu as costas e pisou no fiorde. No
mesmo instante, a água sob seus pés congelou. Ela deu outro
passo, outro e mais um, seguindo cada vez mais rápido.
Anna, sem tanta confiança, escorregou no gelo e caiu. Ela assistiu
em desespero a Elsa passar para o outro lado do fiorde e
desaparecer entre as árvores.
– Não! – Anna gritou, olhando para a luva ainda em sua mão. Era
tudo culpa dela. Se não tivesse pressionado Elsa…
– Anna! – chamou Hans, quase a seu lado. Aproximou-se já a
abraçando, mas Anna mal percebeu a tentativa de acalmá-la. Tudo
que via era o fiorde congelado. Só conseguia pensar em sua irmã
correndo pelas montanhas enquanto a multidão a chamava de
monstro.

– Você está bem? – perguntou Hans novamente.


Ele repetia a pergunta desde que saíram da beira do fiorde e
voltaram em segurança para o castelo. Uma parte de Anna percebia
que era uma gentileza ele se preocupar, mas outra parte, maior, só
conseguia pensar em Elsa e desejava que ele fosse embora. Ela
precisava de tempo para pensar.
– Não – ela respondeu por fim, enquanto passavam pela multidão
em pânico, em meio à qual podia ouvir as pessoas murmurando
“Como pode ser?”, “Neve!” e “Em pleno verão!”. Estava esfriando
mais e a neve se acumulava.
– Você sabia? – Hans perguntou, tentando tirar Anna do estado
de choque.
Ela sacudiu a cabeça.
– Não. – Que tipo de irmã isso me torna, então? Uma péssima
irmã, com certeza.
Os gritos apavorados do Duque de Weselton atrapalhavam seu
pensamento.
– A rainha amaldiçoou esta terra! Ela precisa ser detida! – Ele se
virou para seus homens. – Vocês precisam ir atrás dela!
Não! Não! NÃO! Se os homens do Duque fossem atrás dela, não
haveria como prever suas ações. Foi tudo culpa minha, pensou
Anna enquanto se desvencilhava de Hans e corria na direção do
Duque. Quando a viu, o homenzinho soltou um grunhido e se
escondeu atrás de dois de seus guardas.
– Você! – ele gritou. – Você também faz feitiçaria? Também é um
monstro?
Anna se esforçou para não revirar os olhos. O Duque era um
imbecil.
– Não – ela disse. – Sou completamente comum.
– É verdade, ela é – disse Hans, parando ao lado dela. – No
melhor dos sentidos – completou, para explicar.
Pela primeira vez desde que sua irmã tinha soltado raios de gelo,
Anna sorriu. Tinha se esquecido de como tudo isso havia
começado. O casamento. Amor verdadeiro. Era legal ter alguém
para ajudá-la. No entanto, agora era Elsa quem precisava de apoio.
– Minha irmã não é um monstro – declarou Anna.
O Duque apontou para a escadaria.
– Ela quase me matou!
– Você escorregou no gelo! – corrigiu Hans.
– Foi um acidente – disse Anna, embora feliz em saber que o
Duque tinha, de fato, levado um tombo nas escadas. – Ela estava
assustada. Não foi culpa dela. Sei que não quis fazer nada disso…
– falou Anna apontando para o pátio, agora parecido com uma pista
de patinação no gelo. – Isso foi minha culpa. Então… sou eu quem
precisa ir atrás dela.
– Certo – aprovou o Duque. – Vá!
Anna nem fez questão de responder. Ela tinha se decidido antes
mesmo de revelar o que faria. Nada que alguém pudesse dizer faria
diferença, mas tinha alguém que ela precisava tranquilizar. Levando
a mão gentilmente ao braço de Hans, chamou sua atenção.
– Elsa não é perigosa – disse suavemente. – Vou trazê-la de
volta… e consertar tudo isso. Até lá, preciso que cuide de Arendelle.
C 14

“Até lá, preciso que cuide de Arendelle.”


Hans sentiu a pequena mão de Anna e ouviu seu pedido, mas por
alguns instantes ele mal registrou tais fatos. Sua cabeça estava
girando, e pensou que, como o reino ao seu redor, estava se
enchendo de neve. Hans não tinha certeza sobre o acontecido. Um
minuto atrás, ele e Anna ficaram noivos e estavam prestes a contar
para Elsa; no instante seguinte, as irmãs estavam lavando roupa
suja na frente de todos, e então – ! – Elsa começou a disparar
raios de gelo dos dedos. Era a coisa mais doida – e assustadora –
que já tinha presenciado. Ele queria sair correndo. Então, Anna se
adiantou e tomou o controle da situação. Ela tinha enfrentado o
Duque e agora planejava ir atrás de Elsa. Isso era, ele admitiu
relutante, bastante impressionante. Se Anna tinha encontrado força
em si mesma daquele jeito, ele sabia que precisava fazer o mesmo.
Quem sabe, pensou, tornando a situação um pouco menos
desconfortável e começando a pensar como Anna, isso talvez
funcione bem para mim a longo prazo…
– Hans? – De sobressalto, Hans percebeu que Anna o encarava,
à espera de uma resposta. Ela parecia desesperada para partir.
Continuava a observar por cima do ombro as montanhas geladas ao
longe. Hans não pôde deixar de imaginar se ela fazia ideia do
tamanho do poder que estava entregando nas mãos dele.
Olhando nos olhos de Anna, ele finalmente concordou.
– Será uma honra – respondeu. Sua voz se esganiçou por um
instante, e ele torceu para que Anna culpasse o nervosismo e não
sua ansiedade.
Ela nem percebeu. Soltando um visível suspiro de alívio – a
temperatura, afinal, estava agora congelante –, pegou um casaco
das mãos estendidas de Kai e subiu em seu cavalo. Deu meia-volta
e dirigiu-se à multidão:
– Deixo o príncipe Hans no comando!
No mesmo instante, a multidão a seu redor começou a murmurar.
Ele entreouviu algumas perguntas como “Príncipe Hans?”, “Quem é
príncipe Hans?”. Ele pôde ouvir outros dizendo coisas como “A
princesa não deveria partir agora” e “O que vai acontecer conosco
se ela não voltar?”.
Tudo aquilo deixou Hans pensativo. Ele precisava de Anna para
completar seu plano. E se alguma coisa acontecesse com ela? Ele
estendeu a mão, segurando o joelho de Anna.
– Tem certeza de que pode confiar nela? – perguntou. – Não
quero que você se machuque. – Era verdade. Ele não queria ver
Anna ferida. Não se importava com Elsa e, na verdade, se ela se
machucasse ou desaparecesse seria uma boa solução para seus
problemas. Tudo que aconteceria dali em diante dependia agora de
Anna. Tudo.
– Ela é minha irmã – Anna respondeu. – Nunca me machucaria.
Então, estalando as rédeas, ela guinou seu cavalo e saiu a
galope. Hans assistiu ao par ficar cada vez menor, desaparecendo
no horizonte. Era tolice deixá-la ir sozinha. Hans tinha certeza de
que, tendo passado todos esses anos trancada no castelo, ela não
sabia nada sobre rastrear pessoas e, certamente, não tinha muita
experiência em negociação. E por menos que Anna quisesse
admitir, era exatamente isso que ia acontecer quando encontrasse
sua irmã – uma negociação. Dar e receber. Passei a vida inteira
fazendo isso com meus irmãos, pensou Hans.
No entanto, se ele tivesse ido, isso traria algum bem? Eles
poderiam acabar ambos perdidos nas montanhas congeladas, e
Arendelle ficaria sem um líder. Ou pior, as pessoas, assustadas e
desesperadas, apelariam para alguém como o Duque de Weselton.
Não, ficar para trás era uma decisão acertada. Foi, de fato, uma
bênção disfarçada. Sem Elsa nem Anna e Arendelle em crise, Hans
teria uma chance de provar seu valor – e fazer com que os súditos o
amassem.
Quando Anna voltar, ele jurou, as pessoas vão implorar para que
ela se case comigo.
Recompondo-se, Hans se voltou para a multidão.
– Povo de Arendelle! – gritou aos ventos. – A princesa Anna
depositou sua confiança em mim, e peço que façam o mesmo. Eu
prometo, farei tudo que estiver a meu alcance para mantê-los a
salvo. Não quero que ninguém se preocupe sem motivo. Estou aqui
por vocês! – E para mim mesmo, completou em silêncio…

Eu posso ter dado um passo maior que a perna, pensou Hans


algumas horas depois, quando olhava para o pátio. A situação era
tenebrosa, para dizer o mínimo. Uma camada de gelo sólido sobre
tudo, e a neve ainda caía forte. O céu estava todo cinza opaco, com
o sol inteiramente encoberto. Escurecia ainda mais a cada minuto
que se passava. No porto, Hans podia ouvir os cascos de madeira
das embarcações rangendo sob a pressão do gelo ao seu redor. Ele
sabia que era questão de tempo para que os barcos fossem
reduzidos a destroços. E logo mais, vão provavelmente virar
combustível para as fogueiras, pensou. Desesperados por alguma
forma de calor, os visitantes de Arendelle estavam fazendo
fogueiras no gramado. O problema era que estavam no verão.
Ninguém tinha previsto o mau tempo, e a lenha era escassa. É só
uma questão de tempo para as pessoas começarem a se digladiar,
pensou Hans, preocupado.
Ele precisava fazer alguma coisa. Havia prometido a Anna e ao
povo, mas cada vez que saía do castelo e se aproximava da
multidão, as pessoas o agarravam, implorando por ajuda,
perguntando o que estava acontecendo, e ele não tinha respostas.
Sua coragem e altivez se desvaneciam a cada pessoa por quem
passava, e começou a questionar a decisão de Anna, bem como
seu discurso enfático.
Suspirando, deu meia-volta para retornar ao castelo. Gerda e Kai
estavam sobrecarregados, tentando manter as velas acesas e as
lareiras alimentadas, mas o vento estava muito forte e para cada
fogo que acendiam, dois se apagavam.
– Gerda! – chamou Hans. A senhora pausou, olhando para ele.
– Sim, senhor? – ela respondeu com a voz cansada.
Ele abriu a boca para grunhir uma ordem, mas pensou melhor e
desistiu. Podia perceber que a serviçal estava assustada. Não seria
de grande ajuda perturbá-la ainda mais. Precisava mostrar que
estava do lado dela.
– Está tudo bem? – ele perguntou. – Tem algo que eu possa fazer
por você?
Gerda pareceu surpresa.
– Estou bem, senhor – ela respondeu com um ligeiro e tímido
sorriso. – Devemos seguir em frente. É isso o que a rainha e a
princesa esperam de nós. Só não sei bem o que fazer.
– Deixe comigo – respondeu Hans. – Vamos estabelecer
prioridades. Precisamos manter todos aquecidos, certo? – Ela
concordou, e a confiança dele ressurgiu. – Então, preciso de um
inventário de todos os cobertores que temos. Tanto no castelo
quanto nos estábulos. Não precisam estar limpos, só preciso que
estejam inteiros.
– Cobertores de cavalo, senhor? – perguntou Gerda, em sinal de
estranhamento.
Hans fez que sim com a cabeça.
– A essa altura, não acho que alguém se importe, não é?
– Vou começar imediatamente – disse Gerda se retirando.
– Espere – ele a deteve. – O que mais temos para enfrentar o
frio? Deve haver algum depósito de roupas de inverno da família
real, não? Mande alguém buscar tudo o que estiver por lá também.
Casacos, capas, cachecóis. Tudo. – Parou por um instante e teve
outra ideia. – Na sequência, vamos verificar o salão principal. Deve
caber bastante gente por lá. Podemos afastar a mobília e…
Gerda acenou com a cabeça, com os olhos arregalados com a
lista de afazeres proposta pelo príncipe: montar camas, buscar
comida nas despensas, separar brinquedos para distrair as crianças
pequenas. Finalmente, percebendo seu olhar assustado, Hans
parou e sorriu de leve.
– Estou pedindo muito? – ele perguntou.
– Não, senhor – ela disse. – De forma alguma. Só estava
pensando que… Só pensei que é bom ter alguém por aqui para
apoiar as meninas. Já faz tempo desde que o rei… – Sua voz
minguou.
Hans se aproximou dela, levando a mão ao seu ombro.
– Não se preocupe, estou aqui agora.
– Sim, senhor. Está mesmo. – Gerda se virou para sair e pausou
novamente. – Vou pegar os cobertores primeiro, príncipe Hans.
Assim que tiver reunido todos encontro o senhor.
Quando Gerda saiu pelo corredor, Hans soltou a respiração. Já
não estava tão nervoso. Sentia-se no controle agora. Ia deixar o
salão principal servir como uma estação de apoio para os visitantes
de Arendelle, dando acolhimento aos que precisassem. Esse dia
confirmava o que Hans já sabia: ele seria um excelente rei.

Não levou muito tempo para Gerda separar uma enorme


quantidade de cobertores e capas. Encontrou Hans na biblioteca a
elaborar listas sobre o que precisava ser resolvido, e ela acenou
para que ele se aproximasse. Quando ele chegou ao corredor, ficou
impressionado em ver uma dezena de serviçais do castelo de pé,
com os braços carregados de cobertores de diferentes cores,
tamanhos e formas. Outros ainda carregavam capas em suas mãos.
Era exatamente o que Hans queria.
– Bom trabalho, Gerda – parabenizou o príncipe, fazendo-a corar.
– Agora, vamos carregar tudo isso para fora e distribuir para os
convidados. Se virem crianças, certifiquem-se de que elas recebam
os cobertores mais quentes, por favor. O mesmo para pessoas de
mais idade. Elas não têm tanta resistência a todo esse frio.
Quando os funcionários começaram a sair pela porta do castelo,
Hans olhou para Gerda, e orientou:
– Eu vou lá fora agora. Preciso que você fique aqui e trabalhe
com Cook para levar sopa e bebidas quentes ao salão principal. Vou
começar a mandar gente para dentro em breve. – Virou-se e saiu
junto aos empregados. Era hora de mostrar para todos o líder que
ele poderia ser – e seria – se o deixassem governar.
C 15

Chocolate quente com marshmallows fofinhos. Chá em uma caneca


aquecida. Ficar na cama antes de se levantar, bem quentinha e
confortável. Pantufas e luvas felpudas. Lenha crepitando em alto
som na enorme lareira de pedra no meu quarto. Quente. Se eu
continuar pensando em coisas quentes, talvez comece a me sentir
melhor, pensava Anna cavalgando Kjekk pela neve densa.
Quem eu estou querendo enganar?, pensou no instante seguinte,
quando uma rajada forte de vento jogou flocos de neve em suas
bochechas amortecidas pelo frio. Não tem como se aquecer assim.
Kjekk seguia a trilha à sua frente, relinchando preocupado
conforme avançavam e Anna olhava ao redor, ainda sem conseguir
acreditar que estavam no meio do verão. Os galhos das árvores se
curvavam perto do chão com o peso da neve e do gelo. Os arbustos
e flores que deveriam estar florescendo naquela época do ano
estavam agora soterrados. De vez em quando, Anna avistava um
pássaro ou um esquilo tentando encontrar seus estoques de comida
no terreno congelado. Coitadinhos, pensou ela. Não estavam
preparados. Nenhum de nós estava.
Tremendo, Anna levantou a gola de sua capa, na tentativa
malsucedida de evitar que os flocos de neve entrassem pelas costas
de seu vestido.
– Elsa! Elsa! – ela gritava, esperando que a irmã não estivesse
longe. – Sinto muito! É tudo minha culpa!
Só encontrou silêncio. Suspirando, apressou seu cavalo. Ali, já
estavam distantes das luzes de Arendelle, completamente no
escuro, mas como Anna não tinha nenhuma intenção de voltar para
casa sem sua irmã, teria que seguir procurando, com ou sem luz. Só
preciso corrigir isso e irei para casa, para perto de Hans…
A lembrança de Hans provocou em Anna uma breve onda de
calor. Hans. Maravilhoso, perfeito Hans. Era muito grata a ele. E se
ele não estivesse por lá? Anna estremecia só de pensar. Ela não
poderia ter deixado Arendelle sem alguém para tomar conta, e de
jeito nenhum entregaria tal responsabilidade para o Duque de
Weselton – ou qualquer outro dignatário. A única pessoa em quem
confiava era Hans. Ela se sentiu imediatamente melhor quando ele
se prontificou, tão galante e heroico, a tomar conta do reino. Era
como uma grande história de amor. O que será que ele está fazendo
agora?, imaginou apegada ao calor provocado por pensar nele.
Provavelmente algo fantástico e adorável, como aquecer uma
criança com cobertas quentes, ler uma história… Tenho certeza de
que ele já garantiu a segurança do reino e de todos. O coração de
Anna palpitou. Sou agradecida por ter Hans. Elsa precisa de mim
agora, e sem ele, nunca poderia ter ido atrás dela.
Perdida em pensamentos, suas mãos soltaram as rédeas e suas
pernas não estavam mais firmes na sela como antes, e quando um
galho se partiu em sua frente com o peso da neve, seu cavalo
empinou sobre as patas traseiras e ela não conseguiu permanecer
montada. Sentiu ser arremessada, e com um baque se viu caída de
cara na neve.
Isso é… perfeito, pensou, sentando-se no chão e cuspindo a neve
que entrara em sua boca. Então, avistou Kjekk… galopando de volta
por onde tinham vindo. Agora essa. Realmente perfeito. Agora tudo
o que me falta é aparecerem animais selvagens e famintos.
À distância, um lobo uivou.
Anna colocou-se de pé novamente e tirou a neve de seu vestido.
Respirou fundo o ar gélido, olhou adiante. Voltou a olhar para trás,
procurando seu cavalo, que tinha batido em retirada. Uma pequena
parte dela queria correr atrás dele, voltar para casa. Encontrar Hans
e se entregar a seu abraço caloroso. Talvez pedir que Cook
preparasse uma bebida quente, colocar suas pantufas e relaxar…
Anna sacudiu a cabeça. Ela não ia dar as costas para Elsa.
Mesmo que isso significasse caminhar sozinha, no escuro, na
neve… Outro lobo uivou.
A longa jornada de volta a Arendelle teria que esperar.

Anna tinha chegado à conclusão que as três coisas que mais


odiava no mundo eram sopa de ervilhas, pessoas que são cruéis
com animais e neve. Neve estava no topo de sua lista. Ela,
inclusive, escolheria neve como primeiro, segundo e terceiro itens
de sua lista de coisas detestáveis, mas ainda se lembrava de um
tempo em que adorava brincar na neve macia e fofa. Em honra a
tais lembranças, neve só entrou uma vez em sua lista. Em terceiro
lugar.
Ela já vagava havia horas, e se por um lado deveria estar
avançando, por outro parecia não ter ido a lugar nenhum. O terreno
aparentava ser o mesmo. Uma montanha. Árvores cobertas de
neve. Chão coberto de neve. Nada mudava. A única diferença era
que Anna estava com mais frio, e seus pés doíam mais do que
algumas horas atrás.
– Neve, tinha que ser neve! – resmungou Anna, dando outro
passo doloroso montanha acima. – Ela não podia ter uma magia tr-
tr-tropical que cobrisse os f-f-fiordes de areia branca e… – Foi
perdendo sua voz conforme alcançava o topo de uma pequena
colina. Ao longe, avistou a coisa mais maravilhosa em todo o
mundo: fumaça! E onde tinha fumaça, costumava ter… – Fogo! –
Anna gritou, pulando empolgada.
Para seu azar, os pés de Anna estavam amortecidos e não
captaram bem a ideia de pular. Com um gemido ela caiu, rolando
colina abaixo. Só parou de cair quando aterrissou em um riacho
congelado. Anna tentava resistir aos tremores, que dominavam-lhe
o corpo da cabeça aos pés. Ela tinha visto fogo, então deveria haver
pessoas por perto. Pessoas com coisas quentes.
Ao ficar em pé, Anna se arrastou na direção da fumaça. Quando
alcançou a clareira, seu vestido estava duro e congelado, e já era
difícil levar a mão ao rosto para checar se seu nariz permanecia no
lugar. No meio da clareira havia uma pequena cabana de madeira,
com várias cabaninhas atrás desta. Na frente, havia uma placa, que
dizia “Posto de comércio do Oaken”. Aproximando-se, Anna sorriu
ao ler a placa menor, logo abaixo, que dizia “Sauna”. Ela tinha
encontrado um bom lugar para parar.
Vou entrar, pegar alguns suprimentos, sentar um tempinho na
sauna, quem sabe fazer um lanche, pensou. Anna parou de súbito.
Não tinha tempo para lanchinhos ou sauna. Preciso continuar
procurando por Elsa, prosseguiu o raciocínio enquanto entrava na
loja. No máximo, posso pegar algo para comer no caminho. Elsa
pode estar brava no momento, mas não ia querer que eu morresse
de fome. Que eu congelasse, talvez, mas não com fome.
Com cuidado, Anna abriu a porta e entrou no recinto. A porta,
pesada de neve, bateu, acertando seu traseiro e jogando-o para o
meio da sala. Entrada silenciosa e discreta, pensou Anna
ironicamente, massageando seu traseiro. Dando de ombros, olhou
ao redor. Não era uma loja grande, e os suprimentos pareciam ser
de verão. Varas de pesca, trajes de banho, vestidos…
– Iuhu!
Assustada, Anna saltou. Um homem grande, com uma barba
vermelha e bochechas rosadas estava sentado atrás do balcão da
loja. Este devia ser o Oaken, do “Posto de Comércio do Oaken”. Ele
deu um grande sorriso de vendedor para Anna e então apontou para
a prateleira que ela observava.
– Grande liquidação de verão! – disse Oaken, cantarolante. –
Metade do preço em trajes de banho e protetor solar, invenção
minha por sinal, que tal? – Levantou a sobrancelha, esperançoso.
– Err, legal – disse Anna, tentando ser educada. – Mas que tal me
mostrar as… botas? Botas e roupas de inverno?
Oaken pareceu decepcionado.
– Isso seria no nosso departamento de inverno. – Ele apontou
com visível tristeza para o outro lado da loja. Uma parte bem menor
e com menos estoque. O setor de inverno continha exatamente um
traje, uma picareta e um solitário par de botas, que Anna torceu para
que fosse mais ou menos perto do seu número.
Bem, pedintes não podem escolher muito, pensou Anna, se
aproximando e pegando a roupa e o par de botas.
– Hm, eu estava pensando – disse sem olhar para trás. – Será
que outra jovem, a rainha talvez, não sei… teria passado por aqui?
– perguntou ao carregar suas compras para o balcão. Oaken
sacudiu a cabeça.
– A única pessoa doida o suficiente para encarar essa neve foi
você…
Como se a sorte os desafiasse, a porta se abriu novamente, e um
homem, aparentemente muito grande – era difícil ter certeza quando
estava tão coberto de neve e gelo – entrou na loja.
– Você e esse camarada – disse o vendedor ao dar de ombros.
Então, olhou para o homem coberto de gelo e exclamou: – Iuhu!
Grande liquidação de verão!
O homem ignorou completamente o cumprimento e caminhou
direto na direção de Anna, que, assustada, deu um passo para trás.
Esse cara visivelmente não sabe nada de espaço pessoal, pensou
Anna. Ela não pôde deixar de perceber, no entanto, que seus olhos,
a única parte visível de seu corpo, eram de um castanho-escuro
como estantes de mogno que adornam as paredes de uma
biblioteca, seus ombros eram largos e parecia muito forte. E tinha
um cheiro peculiar de… renas?
– Cenouras – informou o homem.
Anna fitou-o intrigada, perguntando:
– Hã?
– Atrás de você – ele explicou.
– Ah, certo. Desculpa – completou Anna, sem graça. Saindo do
caminho, viu o homem pegar um punhado de cenouras e atirá-las
sem cerimônia no balcão. Então, foi andando pela pequena loja
apanhando outras coisas.
Bem, está aí uma pessoa rude, pensou Anna, comparando
mentalmente sua entrada na venda a um touro coberto de neve
adentrando uma loja de porcelanas.
Enquanto Anna se incomodava bastante com o comportamento
do sujeito, não parecia afetar Oaken em nada. Ele simplesmente
empacotava as compras conforme o homem as colocava no balcão.
– Que tempo esse em pleno verão, não é? – disse ele, segurando
uma pá. – De onde será que vem isso?
– A Montanha do Norte – respondeu o homem inexpressivamente.
A Montanha do Norte, repetiu Anna para si mesma. A tempestade
de neve vinha da Montanha do Norte. Isso só podia significar uma
coisa. Elsa deve estar lá! Anna ficou empolgada. Era o tipo de dica
de que precisava. Agora tinha para onde ir. Olhou novamente para
sua indumentária escassa. Só não tenho como chegar lá, ainda.
Ouvindo o tom de voz dos homens se elevar, Anna se voltou a eles.
Oaken tinha quatro dedos levantados.
– Quarenta? – perguntou o homem coberto de neve, sacudindo a
cabeça. – Nem pensar. Dez!
O vendedor não se deixou abalar.
– Meu querido – replicou com uma voz cândida, dando de ombros
em seguida. – Sem condições. Veja, isto é do meu estoque de
inverno, e oferta e demanda são um grande problema.
Anna podia jurar ter visto o homem soltar fumaça quando
percebeu que não teria desconto algum. Então, este se sacudiu
como um cachorro saindo da água. Neve e gelo caíram no chão,
revelando um homem jovial, talvez poucos anos mais velho que ela,
com bochechas rosadas e um espesso cabelo louro. Vestia roupas
revestidas de pelo cinza e um grosso suéter de lã, que, por menos
que Anna quisesse admitir, parecia muito quente e confortável.
– Você quer discutir oferta e demanda? – ele perguntou. – Eu
ganho a vida vendendo gelo! – disse, apontando para a janela. Anna
viu um trenó carregado de gelo, naquele momento coberto também
de neve. E uma rena. Isso explica o cheiro, pensou Anna, ainda
intrigada.
– Oh! Um negócio complicado para se ter agora – disse Anna. –
Quer dizer, isso realmente… – desistiu de completar sua frase ao
receber um olhar seco do estranho. Ela tossiu. – Falta de sorte. –
Ela sentiu pena do estranho.
Já Oaken, nem tanto.
– Ainda é quarenta! Mas posso incluir uma visita à sauna no preço
– sugeriu, apontando para a porta de vidro coberta de vapor, no
outro lado da loja. Vapor este, no entanto, ainda insuficiente para
esconder a família que estava ali dentro. Anna acenou, toda
desajeitada, e desviou o olhar. Eles não pareciam exatamente
satisfeitos com a saudação.
– Dez é tudo o que tenho! – argumentou o cliente, oferecendo seu
dinheiro. – Me ajuda!
Oaken pausou e, por um breve instante, Anna acreditou que ele
mudaria de ideia, no entanto o homem simplesmente afastou as
cenouras do restante dos suprimentos, guardando-as.
– Com dez, só dá para comprar isso.
Anna não teria problemas em deixar a dupla discutir até o sol
nascer, mas tinha certa pressa em partir. Tentando obter mais
algumas respostas, perguntou:
– Só me digam uma coisa – ela disse, puxando as mangas do
homem. – O que está acontecendo na Montanha do Norte? Parecia
algo… mágico?
– Sim! – disse o homem abruptamente, arregaçando as mangas
de sua veste e erguendo os punhos. Então, encarou Oaken. –
Agora, se afaste enquanto eu lido com esse patife aqui.
Assim, ela viu Oaken se levantar, ofendido com o comentário do
rapaz e, sem nenhuma cerimônia, arremessá-lo porta afora. A
cabeça de Anna estava a mil. Tinha que decidir o que faria a seguir.
Elsa certamente estava em algum lugar da Montanha do Norte. Ela
só não sabia exatamente onde, mas aquele rapaz parecia saber
bem…
Quando o vendedor deu as costas para embalar as botas e
vestes, Anna olhou para as compras abandonadas do viajante e
sorriu. Ela sabia o que fazer. Agora, só precisava que um certo
vendedor de gelo concordasse com o plano.

Não demorou muito para que Anna encontrasse quem procurava.


Ao longe, a primeira pista que encontrou ao sair da loja foi o
contorno de um homem na neve, seguido por pegadas em direção a
um celeiro. Podia ouvi-lo também: uma voz cantava lá dentro.
Anna se aproximou lentamente e espiou pela porta entreaberta.
Ela viu o homem deitado sobre um grande monte de feno, como se
não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Ao seu lado, estava
uma rena com chifres enormes, que parecia estar… sorrindo?
Interessante, pensou Anna. Mais interessante ainda era o que o
homem cantava. Ele ficava fazendo vozes, às vezes cantando como
“Sven”, que Anna entendeu ser o nome da rena, e outras como ele
próprio. Evitando interromper, Anna esperou que acabasse a canção
para entrar no celeiro.
– Um belo dueto – comentou.
O homem saltou em seu lugar. Então, ao ver quem era, relaxou
novamente, voltando a se deitar no feno.
– É só você! – disse, colocando as mãos atrás da cabeça. – O
que você quer?
– Quero que você – retorquiu Anna, com ar bastante desafiador –
me leve para a Montanha do Norte.
– Não levo ninguém a lugar nenhum – respondeu ele, sem se
impressionar com o olhar de Anna. Ele fechou os olhos.
Então, ele quer jogar, pensou Anna olhando de volta para ele.
Será que ele acha que eu nunca precisei fazer isso antes na vida?
Bem, tecnicamente nunca mesmo, mas isso não vinha ao caso. O
importante era que não seria tão fácil negociar com o vendedor de
gelo quanto parecia.
– Vamos reformular, então – disse Anna, pegando a bolsa de
mantimentos que tinha trazido da loja de Oaken e jogando para ele.
A bolsa aterrissou com um baque em seu colo. Sem hesitar, Anna
se aproximou do vendedor de gelo dizendo:
– Leve-me para a Montanha do Norte, por favor. – Ela não pôde
evitar o “por favor”, isso escapou de seus lábios assim que pediu.
Os anos de aulas de etiqueta estavam encrustados nela. Seus
modos sempre surgiam, quisesse ela ou não.
Quando, ainda assim, ele não respondeu o esperado “sim”, ela
suspirou.
– Olha, eu sei como parar esse inverno – ela explicou.
Com isso, ele pareceu se interessar.
– Partiremos ao amanhecer – respondeu sem hesitar. Então,
apanhou os mantimentos.
– E você esqueceu as cenouras para Sven. – Anna, no entanto,
não tinha se esquecido. Elas estavam ao seu lado. Apanhou o
pacote e arremessou-o nele – com força. As verduras bateram em
seu rosto. – Opa! Desculpa! Eu não quis – e parou no meio da frase.
Ela sentia tê-lo acertado, mas não queria que ele soubesse disso.
Precisava parecer forte e no comando. Pôs as mãos na cintura. –
Precisamos partir agora. Agora mesmo.
Dando as costas, saiu do celeiro. Eu realmente espero que tenha
funcionado, pensou Anna, esperando para ver se ele a seguiria.
Porque se não funcionar – ela olhou para a escuridão da Montanha
do Norte –, será uma longa e solitária caminhada.
Anna ouviu um suspiro exagerado atrás dela, seguido pelos
passos de um homem muito contrariado, que juntava seus
pertences para partir.
Isso!, comemorou Anna, em silêncio.
Quando ele saiu pela porta, se virou para Anna e disse:
– Bem, se nós vamos para uma montanha assim tão perigosa no
meio de uma nevasca mágica de verão, eu deveria ao menos saber
seu nome.
– Oh! Eu sou a Anna, princesa de Arendelle! Minha irmã é tipo a
rainha e ela meio que… está causando essa nevasca – contou,
cada vez menos confiante à medida que se aprofundava na história.
Em vez de tentar explicar mais alguma coisa, devolveu o
questionamento para seu guia. – E imagino que você seja um
supermestre em coletar gelo, habilidoso e tudo?
– Meu nome é Kristoff – ele respondeu. – E eu sou muito bom
com o gelo, já que estamos falando nisso. Na verdade, eu sou o
recordista de coleta de gelo em um único dia em Arendelle!
Anna levantou uma sobrancelha, intrigada.
– Isso era para ser impressionante? – Anna pensou em sua vida
no castelo. O gelo sempre estava lá quando precisava. Ela nunca
tinha pensado em como ele chegava lá, ou em que poderia ser
utilizado, além de refrescar as bebidas. – Quer dizer, as pessoas
não devem precisar tanto assim de gelo, não é mesmo? – ela
perguntou.
Aparentemente, essa não era a coisa certa a se dizer. As
bochechas já rosadas de Kristoff coraram ainda mais, e ele
respondeu incrédulo:
– As pessoas não precisam tanto assim de gelo? – ele repetiu. –
Moça, as pessoas precisam de muito gelo. Pilhas e pilhas. E coletar
gelo não é exatamente fácil. Você já tentou mover um bloco de
gelo? – Anna sacudiu a cabeça. – Bem que imaginei mesmo. Eles
são pesados! Muito pesados. Certo, Sven? Sven?
Anna olhou para o lado. A rena tinha saído do celeiro e ainda
mastigava um tufo ridiculamente grande de feno. Ouvindo seu
nome, ele olhou para cima. Ramos de feno pendiam de seus chifres
e para fora de sua boca, o que o fazia se parecer com um
espantalho em forma de rena.
– Deu pra perceber que é um negócio muito sério – concordou
Anna, tentando não rir.
– Sim, é um negócio muito sério – retorquiu Kristoff, ainda bravo.
Isso só fez Anna sorrir ainda mais. – Como você acha que a comida
no castelo fica fresca? Um passe de mágica?
Anna estremeceu, as palavras a atingiram com força. Kristoff ter
mencionado magia trouxe muitas lembranças à tona, e ela
respondeu sem forças:
– Eu não sabia, me desculpe.
– Não, não – emendou Kristoff, percebendo que tinha tocado em
um assunto delicado. – Sou eu que devo pedir desculpas. Quer
dizer… É que eu… às vezes digo a coisa errada na hora errada,
passo tempo demais com Sven, e ele não é exatamente muito bom
de conversa…
A rena soltou um alto grunhido de reclamação, jogando Kristoff no
chão.
Apesar do tom sombrio que a conversa assumira, Anna teve que
rir. O animal era adorável, e as tentativas desajeitadas de pedido de
desculpas soaram graciosas.
– Você quer começar a me compensar? – ela perguntou
finalmente.
Kristoff sorriu quando atirou os suprimentos na traseira de seu
trenó.
– Vamos nessa, então.
C 16

Depois do começo um tanto conflituoso, Hans já estava agora bem


mais confortável como líder temporário de Arendelle. Com a ajuda
de Gerda e dos empregados do castelo, ele tinha transformado o
salão principal em uma central de apoio completa, com roupas e
comidas para o povo da cidade que não conseguia voltar para casa
e os inúmeros convidados estrangeiros que estavam agora presos
no reino congelado. Ele só precisava acertar mais alguns pequenos
detalhes antes que pudesse sair e anunciar a abertura da estação
de apoio.
Só fazia algumas poucas horas que a rainha Elsa deixara o
mundo branco, e a vida dentro dos muros do reino já decaía rumo
ao caos. No pátio, Hans se deparara com homens e mulheres
brigando por lascas de madeira, enquanto as crianças se
amontoavam, tremendo. Ele vira um jovem sorrateiro roubar uma
pilha de lenha, enquanto as pessoas ao redor estavam muito
ocupadas se digladiando para reparar nele. Na realidade, não
importava se brigassem ou não, a lenha era muito escassa. Tinha
considerado mandar homens para coletar mais, mas já era alta
madrugada e não quis arriscar perder mais ninguém na escuridão.
Quando a lenha acabasse, já teria amanhecido e as coisas
poderiam ser resolvidas.
Era por isso que Hans fazia questão de oferecer um lugar mais
quente para o povo passar a noite. O salão principal ainda estava
sujeito às rajadas de vento, e as janelas e cortinas mais grossas não
impediriam completamente que o frio entrasse, mas era melhor que
nada. Sim, pensou Hans, checando mais uma vez se as bebidas
estavam quentes o suficiente, era disso que as pessoas precisavam.
É também o que eu preciso, para garantir que minha posição seja
mais permanente por aqui.
Pergunto-me como Anna está se saindo, pensou subitamente.
Repensar sua futura posição em Arendelle o levava a pensar em
sua noiva também. Ela evidentemente ainda não tinha encontrado a
irmã, visto que a neve ainda caía. Ou tinha e as coisas não iam
bem. Os poderes de Elsa eram impressionantes, já Anna não tinha
nenhum. Se as duas acabassem se enfrentando… as coisas
certamente não acabariam bem para a sua prometida. A ideia de
algo ruim acontecendo a Anna deu um calafrio em sua espinha. Se
ela não retornasse, como ele se manteria no poder em Arendelle?
Ouvindo um barulho em suas costas, se virou e viu Gerda entrar
no salão principal. Ela carregava outra pilha de capas. Ele acenou
com a cabeça. Era hora de ir lá fora ajudar o seu povo.
Hans saiu do castelo e se misturou à multidão.
– Capas! – ele anunciava. – Alguém aqui precisa de uma capa? –
As pessoas se aglomeraram a seu redor, com os braços estendidos.
Rapidamente, muitos o agradeciam e tentavam abraçá-lo. Já não se
perguntavam quem ele era, e vários já chamavam Hans de
“salvador” e “herói”.
– Arendelle tem uma dívida com você, Vossa Alteza – comentou
Gerda. Ela tinha estado ao seu lado o tempo todo e agora o
contemplava com um sorriso estampado no rosto.
Hans sorriu de volta, encantado com a naturalidade com que a
serviçal tinha se dirigido a ele como “Vossa Alteza”. Então, olhou de
volta para a multidão.
– O castelo está aberto – disse com a voz alta e firme. – Há sopa
e bebida quente no salão principal! Por favor, entrem e se aqueçam.
No mesmo instante, uma horda de pessoas passou correndo por
Hans, se debatendo para entrar primeiro. No entanto, nem todos
estavam tão ansiosos pela sopa. Avistou o Duque de Weselton e
seus dois homens rondando ali por perto. Outros dignatários
visitantes estavam no jardim, próximos a ele. Enquanto muitos
pareciam genuinamente preocupados com a situação de Arendelle e
seu povo, o Duque tinha as mãos nos quadris e assistia à cena
catastrófica se desenrolar com desdém. Parecia um bom momento
para conversar com os estimados visitantes do reino. A última coisa
que Hans desejava era que o Duque conversasse com eles antes.
Dirigindo-se a um guarda que se aproximava, entregou-lhe a pilha
de capas e disse:
– Tome, entregue para todos que ainda precisarem de uma.
Conforme se aproximava dos dignatários, revisou mentalmente os
antecedentes de cada um. Mais uma vez estava colhendo os frutos
de sua minuciosa preparação para a viagem. Viu o representante de
Zaria, um homem muito magro com uma barba enorme, que
alcançava a altura de seu cinto. Isso, ele sabia, era um sinal de
riqueza em seu reino. Seria importante tê-lo como aliado. Era um
dos homens mais respeitados ali, apesar de não muito
comunicativo. Ao seu lado estava o príncipe Wils, conhecido por ser
um tipo muito mais extrovertido. Apesar da situação precária em que
todos se encontravam, fez um comentário com o príncipe Freluke,
inaudível para Hans, que fez ambos rirem bastante. Hans tentou
não sorrir. A risada do homem parecia com a de uma menina. Seu
apoio não era de grande importância para ele. Vakretta era um reino
pequeno, com muito pouco para oferecer, tanto em poder quanto em
comércio. A seguir, avistou o Lorde de Kongsberg, bem como os
representantes da Blavênia e Eldora. Dos três, Hans precisava
conquistar o apoio desses dois dignatários. O Lorde de Kongsberg
era muito poderoso e não ouviria Hans, enquanto os outros dois
eram ambiciosos o bastante para dar atenção. O representante da
Blavênia já era praticamente seu – o país tinha uma dívida bastante
significativa com as Ilhas do Sul, e Hans era habilidoso em receber
o que era seu de direito.
Sorriu. Saber um pouco de cada um daqueles homens o colocava
em uma distinta situação de vantagem. Eles, com toda certeza, não
sabiam nada sobre ele. Por que saberiam? Até muito pouco tempo
atrás, ele nada mais era que o décimo terceiro filho, mas estava em
vias de provar que aquilo não significava mais nada.
Parando em frente ao grupo, fez uma reverência, respondida por
todos.
– Olá, senhores! – começou Hans. – Sinto muito que essa não
seja exatamente a comemoração que tínhamos em mente. Espero
conseguir deixá-los o mais confortável possível diante da situação.
– Pois bem, pois bem – disse o príncipe Wils, animado. – Quem
não gosta de um pouco de neve no verão?
– Eu, por exemplo – disse secamente o Lorde de Kongsberg. –
Príncipe Hans, você teve alguma notícia da princesa? Faz ideia de
quanto tempo devemos esperar até que ela retorne? Tenho pessoas
me esperando em casa, que não ficarão muito felizes com minha
longa ausência e acho tudo isso muito suspeito. Qual o seu papel
em tudo isso?
– Estou fazendo tudo o que está ao alcance de meu poder…
– Que poder? – retorquiu grosseiramente o Lorde. – Você não tem
poder nenhum além do que lhe foi entregue por aquela princesinha
tola. Não serei feito de bobo. Se isso tudo for um grande golpe para
nos manter presos aqui em Arendelle, farei com que sofra.
– Calma, calma – disse o príncipe Wils tentando amenizar as
palavras do Lorde. – Não há necessidade de ameaças aqui, certo?
Por que motivo nos manteriam presos aqui? Tenho certeza de que o
príncipe Hans está fazendo tudo o que pode.
– Príncipe Hans? – gritou de volta o Lorde. – Eu nunca tinha
ouvido esse nome até hoje, e olhe pra ele. Correndo para todo lado
como se fosse o rei. Isso é muito suspeito…
Hans sabia que precisava recuperar o controle da conversa – e
rápido. Se o Lorde convencesse os outros com suas dúvidas, tudo
estaria arruinado. Um impulso raivoso surgiu em Hans, que precisou
se esforçar para se acalmar. Não era hora de permitir que suas
emoções o controlassem. O Lorde de Kongsberg gostava de
provocar. Hans tinha crescido com doze irmãos iguais a ele. Sabia
bem como lidar com a situação – e a regra número um era não
permitir que o vissem suar. Devolver a provocação. Como seu pai
tinha lhe ensinado, a melhor coisa a se fazer é agir como um
espelho.
– Basta! – disse Hans, calando o Lorde no mesmo instante. – Não
pense nem por um momento que só porque tem poder em um reino
distante pode vir aqui e me tratar como criança. Sou um príncipe!
Um príncipe comprometido com a princesa desse reino. Não ouse
questionar os meus motivos. Minhas intenções são simples –
proteger Arendelle. Nós deveríamos trabalhar em conjunto para
ajudar o reino e não lutar uns contra os outros como baleias
disputando uma foca. – Ele parou para respirar. – Agora, em vez de
jogar mais lenha na fogueira, que tal começarem a dar sugestões de
como resolver nosso problema?
Por um momento, o Lorde não disse nada. Encarou Hans como
se o estivesse vendo pela primeira vez. Então, acenou levemente
com a cabeça.
– Sinto muito, príncipe Hans. Você parece ter a situação sob
controle. Eu acho que o melhor a se fazer é aguardar pelo retorno
da princesa Anna.
– Sim, foi o que pensei também! – disse Hans tentando não sorrir.
Provocar quem o provoca. Ele precisaria agradecer seus irmãos da
próxima vez que os encontrasse. Essa devia ser a primeira vez em
toda sua vida que eles tinham sido de alguma ajuda. Agora todo o
grupo olhava para ele à espera de uma solução. Ele teria que
passar algum tempo conversando com cada um individualmente e,
então, não teria apenas o controle de Arendelle, mas bons aliados
consigo.
Infelizmente, havia alguém ali que não podia ser conquistado e
seria uma enorme – ou talvez não tão grande – pedra em seu
caminho. Pôde ouvir seus passos e, ao olhar para trás, confirmou
que o Duque de Weselton se aproximava.
– Isso vai ser interessante – confidenciou para os outros homens.
– Nunca confiei nesse homem – disse o príncipe Wils. – Nem um
pouco, nadinha.
– Nem eu, príncipe Wils – concordou Hans. – Mas acho que
teremos que ouvi-lo mesmo assim…
– O bigode dele me preocupa – completou o dignatário de Eldora.
– É tão… selvagem. Parece um animal.
Rindo e concordando, Hans endireitou sua postura e, com uma
onda de confiança, deu as costas assim que o Duque parou em sua
frente.
– Príncipe Hans – começou o homenzinho. – Você realmente
espera que sentemos aqui, congelando, enquanto o senhor faz
caridade com todos os bens de Arendelle?
Hora de calar mais um provocador, pensou Hans.
– A princesa Anna deixou ordens claras e…
O Duque o interrompeu:
– Mais uma coisa – disse, levantando a voz. – Já lhe ocorreu que
a sua princesa pode estar conspirando com uma feiticeira maligna
para destruir a todos nós?
Instantaneamente, a expressão de Hans foi de séria para gélida.
– Não questione a princesa – proferiu com o mesmo tom ríspido
que usara para interromper o Lorde de Kongsberg. – Ela me deixou
no comando, e eu não vou hesitar em defender Arendelle de traição!
– Traição? – repetiu o Duque, parecendo confuso e subitamente
um pouco assustado.
Hans concordou e estava prestes a explicar o que queria dizer
quando ouviu o som dos cascos de um cavalo batendo no gelo. No
instante seguinte, avistaram o cavalo de Anna. Ele estava abatido e
com a respiração pesada. A sela estava caída para o lado, com uma
tira a menos.
Segurando as rédeas, Hans começou a acalmar o animal, e
precisou que outra pessoa o ajudasse também. Algo tinha
acontecido a Anna. Ao olhar para os homens, eles o encaravam,
com rostos igualmente assustados. Sem Anna, ele não tinha mais
nada. O que iria fazer?
C 17

– Segure firme que nós gostamos de correr!


Assim que Kristoff gritou seu aviso para Anna, estalou as rédeas
no pescoço de Sven, apressando a rena. À sua frente, a Montanha
do Norte se erguia contra o céu noturno, bloqueando a vista das
estrelas e projetando uma longa sombra nas árvores abaixo.
Se Anna tivesse parado para pensar no que estava fazendo,
talvez tivesse ficado assustada – ou, no mínimo, um pouco nervosa.
Estava correndo para encontrar Elsa em um trenó de qualidade
duvidosa com um coletor de gelo que acabara de conhecer. Apesar
disso, não tinha tempo para pensar.
– Eu gosto de ir rápido! – gritou Anna de volta, com o vento
batendo em sua longa trança, jogando-a para trás, e os flocos de
neve grudando em seu rosto. Inclinando-se em seu assento, ela pôs
os pés no painel, jogando as mãos para trás da cabeça. Olhou para
Kristoff com um sorriso maroto, como quem o desafiasse a ir mais
rápido. Pega essa, Senhor Homem de Gelo. Você não é o único
aventureiro por aqui. Sou louca por aventura.
– Ei, ei! – ele gritou, botando os pés dela de volta no chão. –
Abaixe os pés. – Por um momento, ela se surpreendeu que ele
estivesse realmente preocupado com a segurança, mas então ele
completou. – Eu acabei de envernizá-lo. Fala sério, você foi criada
em um estábulo? – Então, ele cuspiu no painel e poliu com a manga
da camisa.
Anna fitou-o, curiosa. A ironia da pergunta de Kristoff se ela tinha
crescido em um estábulo não acabara ali, mas no cuspe que
acertou seu rosto quando ele tornou a polir seu precioso trenó. E ele
diz que eu não tenho modos?
– Eca! – ela disse, limpando o rosto e fazendo cara de nojo. – E
não, eu fui criada em um castelo!
– Então, me conte – continuou Kristoff. – O que fez a rainha virar
a louca do gelo?
Anna suspirou. Sabia que cedo ou tarde teria que contar para
Kristoff a história inteira. Só esperava que isso pudesse ser adiado o
máximo possível.
– Foi tudo minha culpa – ela explicou. – Eu fiquei noiva, mas ela
surtou porque tínhamos nos conhecido naquele mesmo dia. Ela
disse que não ia abençoar o casamento e…
– Espere – disse Kristoff, interrompendo-a. – Você ficou noiva de
alguém que tinha acabado de conhecer?
– Sim – respondeu Anna, dando de ombros. – Então, eu fiquei
brava, ela ficou brava e tentou fugir, e eu peguei a luva dela…
Mais uma vez, Kristoff a interrompeu:
– Espere um pouco. Você está tentando me dizer que ficou noiva
de alguém que tinha realmente acabado de conhecer?
Anna se perguntou se ele teria algum problema de audição. Ela
acabava de dizer que sim um minuto atrás. Por que ele estava
olhando como se ela tivesse duas cabeças? Se ele fosse insistir
nessa mesma pergunta outra vez, ela nunca ia terminar a história.
– Sim! – ela respondeu. – Agora, preste atenção!
Ela continuou a narrar o que tinha acontecido e sentiu que Kristoff
a observava. Isso a deixava desconfortável, então, tentando evitar
seu olhar, falava mais rápido. Ainda assim, ele continuou encarando.
Tem alguma coisa com a minha cara?, perguntou-se Anna. Ou no
meu dente? Por que ele não olha por onde anda? Ela sacudiu a
cabeça e terminou de contar como Arendelle tinha se transformado
em uma terra invernal em pleno verão, mas Kristoff não parecia
nada interessado em Elsa e sua magia.
– Seus pais nunca a alertaram quanto a estranhos? – perguntou
ele.
– Sim, alertaram – respondeu Anna, apontando para o próprio
coletor de gelo, que ela acabara de conhecer. – Mas Hans não é um
estranho.
– Ah, é? Qual o sobrenome dele?
Ah! O sobrenome dele. Que pergunta besta! É claro que sei o
sobrenome dele. É… É… hmm… Eu sei essa. Anna ficou pensativa.
Ela não sabia. – Das Ilhas do Sul? – respondeu, tentando soar
minimamente convincente.
– Qual o prato favorito dele? – perguntou Kristoff, claramente não
acreditando na resposta do sobrenome.
– Sanduíche! – respondeu Anna. O que estava acontecendo?
Jogo das vinte perguntas? Que importância tinha isso? Ela não
sabia algumas coisinhas sobre ele, mas teria muito tempo para
descobrir. Ainda assim, Kristoff continuou com o interrogatório,
evidenciando que faltava saber muito mais do que algumas poucas
coisinhas.
– Nome do melhor amigo dele?
– John, provavelmente.
– Cor dos olhos?
– Maravilhosa.
– Tamanho do pé?
– O tamanho não importa! – disse Anna com uma expressão
séria.
Kristoff deu de ombros. Parou por um breve momento, e Anna
torceu para que ele tivesse terminado com as perguntas, mas ele
prosseguiu:
– Vocês já fizeram uma refeição juntos? E se você odiar o jeito
como ele come? E se você odiar o jeito que ele tira meleca do
nariz?
– Tirar catota? – repetiu Anna, sentindo nojo, e Kristoff
complementou: – E se ele comer a meleca?
– Não sei do que o senhor está falando. Ele é um príncipe.
– Todo homem faz isso – disse Kristoff, dando de ombros.
Ele claramente quis dizer que ele faz isso, pensou Anna. O que
não tem nada a ver com o que Hans faz. E se houver a mais remota
chance que ele faça isso, tenho certeza de que é com muita graça e
certamente ele não come a catota depois.
– Olha, isso não importa – disse Anna tentando pôr um fim na
conversa. – É amor verdadeiro.
– Não parece amor verdadeiro.
Anna quase riu alto.
– Você é um especialista em amor verdadeiro? – ela perguntou,
olhando para o homem enorme de cima a baixo. Ela poderia apostar
que a única coisa que ele já tinha amado – além de si mesmo,
obviamente – era aquela rena.
– Não – reconheceu Kristoff. – Mas tenho amigos que são.
– Você tem amigos especialistas em amor? – ela perguntou. –
Não sei se acredito.
Subitamente, o trenó começou a frear. O ritmo de Sven ficou mais
e mais hesitante, e ele levantou a cabeça, ficou com as orelhas em
pé e as narinas dilatadas.
– Fique quieta! – sussurrou Kristoff. Quando ela abriu a boca, ele
a tampou com a mão. – É sério, quieta! Shh!
Eu nunca… rosnou Anna. Só porque eu estava ganhando a
discussão não significa que…
Então, Kristoff ficou em pé, levantando sua lanterna, e Anna
engoliu em seco. A luz iluminou as árvores ao redor deles,
revelando muitos pares de olhos amarelos. Alguns destes se
aproximavam cada vez mais. Isso, pensou Anna, provavelmente
não é nada bom.
– Sven, acelere! – gritou Kristoff, dando voz aos medos de Anna.
– O que são eles? – perguntou enquanto era jogada de costas no
assento do trenó.
Além dos movimentos rápidos, ela podia ver de relance as
criaturas brancas, o que quer que fossem, se movendo por entre as
árvores, no mesmo ritmo de Sven.
– Lobos – respondeu Kristoff, jogando as rédeas sobre o painel do
trenó e se acomodando em seu assento.
Lobos. Sim, eu posso lidar com lobos, pensou Anna. São como
cães – só que maiores, mais ferozes e com dentes mais afiados. Ela
estremeceu. Então, respirando fundo para que Kristoff não
percebesse que ela estava assustada, perguntou a ele:
– O que fazemos?
O trenó deu uma guinada para a direita com a curva de Sven, por
pouco não batendo em um toco de árvore no meio do caminho.
Kristoff se desequilibrou, balançando os braços no ar e por um
momento parecendo que seria atirado pelos ares. Então, recuperou
o equilíbrio e lançou um olhar duro para Anna.
– Eu resolvo. Você… não caia e não seja devorada.
– Mas eu quero ajudar.
– Não! – gritou Kristoff sem olhar para ela, vasculhando por entre
seu equipamento algo que pudesse utilizar como uma arma
improvisada.
– Por que não?
– Porque… – disse Kristoff, reticente – não confio em seu
julgamento. Quem se casa com alguém que acabou de conhecer?
Essas palavras atingiram Anna como um tapa na cara. Kristoff
soara muito como Elsa naquela hora. Quem ele pensava que era? A
irmã já tinha feito com que se sentisse tola, e agora esse crianção ia
agir como o todo-poderoso? Além disso, ele não acreditava que ela
pudesse encarar os lobos! Por um momento ficou atônita demais
para falar. Então, sentou direito, disposta a provar que ele estava
enganado.
Procurando pelo trenó, viu um longo bastão. Não era perfeito,
mas era feito de uma madeira resistente e nessa situação serviria
como arma. Anna olhou para trás bem em tempo de ver o lobo que
se atirava na direção de Kristoff. Com um gemido, ela empunhou o
bastão e atacou.
– Uau! – exclamou Kristoff quando o bastão passou ao lado de
sua cabeça, atingindo em cheio o lobo que pulava na direção deles
e derrubando a fera no chão. Olhou para Anna com atenção,
expressando surpresa em seu rosto.
A-há!, ela queria dizer. Escolhas ruins? Olha essa escolha que
acabou de salvar você. Mas não havia tempo para tripudiar. Os
lobos se aproximavam cada vez mais rápido. Com um uivo, outro
lobo saltou, se agarrando à manga de Kristoff. Anna observou
aterrorizada quando Kristoff foi arrancado do trenó. Agarrando a
tocha que tinha caído da mão dele, ela se voltou para trás do trenó,
olhando da beirada à procura do rapaz.
De alguma forma, ele tinha conseguido escapar das garras do
lobo e segurava com firmeza uma corda que pendia do trenó. Atrás
dele, o mesmo lobo ainda o seguia, determinado a abocanhar seu
prêmio. Quando Kristoff soltou um grito rascante, Anna começou a
freneticamente procurar algo no chão do trenó. Havia um pouco de
feno, algumas cenouras soltas, algo que parecia um sanduíche
velho… Ele realmente precisa limpar mais esse trenó, observou
Anna. O que eu preciso mesmo é… – aqui está. Um cobertor.
Abaixando-se, ela pegou o velho cobertor do chão e o acendeu na
tocha. Rapidamente, o cobertor estava em chamas.
– Abaixe-se! – gritou Anna, jogando o cobertor na direção de
Kristoff. Voando bem sobre a cabeça dele, acertou o lobo em cheio,
afastando a fera de Kristoff e atingindo os outros que vinham atrás.
– Você quase botou fogo em mim! – gritou Kristoff espantado
quando Anna estendeu a mão para ajudá-lo a subir de volta no
trenó.
– Mas não coloquei – ela respondeu.
Ouvindo um alto grunhido de Sven, Anna e Kristoff olharam para
frente. Assim que o fizeram, se arrependeram amargamente.
Adiante, se aproximando a cada segundo, havia um abismo
gigantesco. Devia ter uns dez metros de um lado a outro, e Anna
nem queria tentar imaginar a profundidade. Olhou para Kristoff,
torcendo para que este tivesse um plano brilhante, mas ele a
encarou com um olhar vazio.
Então, temos um abismo. E temos uma rena. A mente dela se
lembrava da primeira vez em que ela e seu cavalo tinham saltado
um abismo. Parecia tão largo e atemorizante, mas assim que
saltaram ela se sentiu pronta para enfrentar qualquer coisa. Seria
igualzinho, só que com um abismo bem, bem grande.
– Prepare-se para pular, Sven – gritou Anna.
– Você não manda nele! – gritou Kristoff. Por um breve momento,
Anna pensou que ele daria uma sugestão melhor, mas rapidamente
empurrou uma bolsa em sua mão e a ajudou a montar na rena. – Eu
mando! – corrigiu ele, empurrando-a para que se ajeitasse nas
costas de Sven. Ele rapidamente soltou o trenó da sela da rena.
– Pule, Sven! – ele gritou no instante em que chegaram à beira do
abismo.
Anna segurou firme na crina da rena, esperando o impacto que
Kristoff causaria ao sentar atrás dela, mas esse impacto nunca veio.
Quando a rena saltou no ar sobre o precipício, Anna olhou para trás.
Kristoff ainda estava preso ao trenó! Ele não tinha se soltado a
tempo! Por sorte, a alta velocidade mandou o trenó voando para o
meio do abismo. Parecia que, apesar de tudo, ele ia conseguir
chegar do outro lado.
Assim que Sven aterrissou na outra margem, Anna saltou das
costas da rena para assistir a Kristoff. Só mais alguns metros. Mais
alguns metros, ela pensou, observando o trenó desenhar um arco
no ar. Então, ele começou a perder altitude. Anna assistia
desamparada quando Kristoff se moveu até a beirada do trenó e
saltou.
Ele voou pelos ares. Então, com um baque, caiu de frente, à beira
do abismo. Atrás dele o trenó embicou, em uma trajetória que ia
direto ao chão. No momento seguinte, ouviu-se um estrondo, e o
que havia sobrado do trenó estava em chamas.
Kristoff olhou para baixo desesperado, reclamando em voz alta:
– Eu mal tinha acabado de pagar! – ele disse.
Anna não se importava. Um trenó era substituível. Irritante como
fosse, ela suspeitava que não houvesse substituto para Kristoff.
Olhando para ele, Anna reparou que seus dedos começavam a
deslizar. Se não fizer alguma coisa rápido, ele vai cair que nem o
trenó, pensou. Rapidamente, abriu a bolsa que ainda estava em
suas mãos. Buscando lá dentro, seus dedos se fecharam sobre algo
metálico. Metálico e com pontas afiadas. Ao retirar o item, soltou um
gritinho de alegria. Era exatamente o que precisava, um machado.
O sorriso de Anna aumentou ainda mais quando a bolsa revelou
outro prêmio – um enorme pedaço de corda grossa. Kjekk tinha sido
um mestre de fugas quando mais novo, e depois da vigésima fuga,
ela tinha perguntado ao velho Narn, responsável pelo estábulo,
como fazer o nó mais firme do mundo.
– Obrigada, Narn! – ela murmurou, respirando ruidosamente
enquanto prendia a corda ao machado.
Os dedos de Anna estavam trêmulos quando terminou o nó,
checando se este estava firme em seu lugar. Satisfeita, correu na
direção de Sven.
– Ok, amigão – ela disse, tentando parecer confiante. – Vou
precisar da sua ajuda aqui. Vou amarrar uma ponta dessa corda em
você. – Enquanto falava, ia fazendo conforme o combinado. – E a
outra ponta vou jogar pro Kristoff. Combinado? – A rena pareceu
concordar. – Ok, então vamos lá.
Aproximando-se o máximo possível da beirada, Anna respirou
fundo e gritou:
– Kristoff! – Um grunhido abafado veio bem da beirada. Era tudo o
que ela precisava ouvir. Erguendo um braço, ela começou a rodar a
corda no ar em círculos. O machado girava junto, não a acertando
por muito pouco. A cada giro de seu braço, a corda ficava cada vez
mais rápida, até que, finalmente, com um grito, ela soltou.
O machado voou no ar e começou a cair, com a corda correndo
nas mãos enluvadas de Anna. Ela segurou a respiração quando a
ferramenta aterrissou bem ao lado de Kristoff. Houve um estalo
metálico da batida na pedra coberta de neve, e então a corda ficou
firme.
– Agora, Sven! – gritou Anna. Atrás dela, a rena começou a puxar.
Puxou algumas vezes, cada vez com mais força. A cada passo que
davam, um abismo de preocupação crescia dentro dela. E se a
corda não fosse resistente o bastante para trazer Kristoff para cima
em segurança? E se o nó não estivesse bem firme, afinal?
Apesar da preocupação, Anna e Sven fizeram uma boa dupla.
Com mais alguns puxões, Kristoff escalou de volta para o nível do
chão, para o alívio de todos.
Com ele a salvo, Anna foi até a beirada para ver a situação do
trenó. Estava completamente destruído e em chamas.
Tudo o que Kristoff tinha no mundo virava fumaça.
Anna esperou por um momento, incerta do que dizer. O rapaz
parecia inconsolável, como se tivesse perdido um amigo e não um
objeto inanimado.
– Eu lhe dou outro trenó. E reponho tudo que tinha dentro dele –
ela disse enfim, em tom de desculpas. – E entendo se não quiser
mais vir comigo…
Anna esperou pela resposta de Kristoff. Quando ele não
respondeu, ela acenou com a cabeça. Parecia que ela estava por
conta própria. Dando a volta, ela começou a se afastar dele e de
Sven.
Não sei para onde estou indo, pensou enquanto caminhava. Não
sabia para onde ir antes, mas acabei achando a loja do Oaken. E eu
provavelmente não voltarei a ver Kristoff. Grande coisa. Estava
cansada das perguntas dele mesmo. Consigo me virar bem sem ele,
aposto. Tenho certeza de que não vou me perder ou encontrar mais
lobos no caminho nem…
– Espere!
Anna se virou assim que ouviu a voz de Kristoff. Ele e Sven
vinham em sua direção.
– Estamos indo com você!
– Estão? – gritou Anna, respirando muito aliviada. Ela deu um
passo, animada, na direção da dupla e então parou. Ela convencera
Kristoff a levá-la para a Montanha do Norte sendo firme e se
impondo. Agora também precisava manter a farsa. Não havia
motivos para deixar que ele soubesse que ela precisava dele. Anna
retraiu o sorriso e esperou que eles a alcançassem. – Quer dizer, é
claro – ela disse, tentando não parecer feliz em vê-los. – Eu deixo
vocês virem junto.
Assim que deu as costas para Kristoff, abriu um enorme sorriso
novamente. Por mais que ele tentasse parecer um cara durão, ela
estava começando a acreditar que ele tinha um coração de
manteiga. O que não era um problema para ela, especialmente se
isso os ajudasse a voltar para o caminho por onde encontrariam
Elsa.
C 18

Anna estava desaparecida. Seu cavalo tinha retornado, mas ela, a


princesa de Arendelle, não.
Hans olhava bastante preocupado para as rédeas do cavalo de
Anna. Podia sentir os olhares do povo de Arendelle sobre ele e
sabia que cada movimento e expressão estavam sendo
atentamente observados.
É claro, não era difícil parecer preocupado. Quando o cavalo
retornara, tinha ficado realmente assustado com as possibilidades.
Seu coração palpitava e a palma de suas mãos suava. Deixar Anna
partir desacompanhada para as montanhas não parecera certo
desde o princípio. Com ela afastada, ele não detinha controle algum
sobre a pessoa que mais precisava controlar. Se Anna estivesse
desaparecida – ou pior, ferida –, tudo estaria em risco. Ele nunca
poderia ser rei sem uma princesa que se tornasse rainha.
Respirando fundo, Hans considerou as reações dos que o
cercavam. O povo das vilas, que ainda estava no pátio, pareceu
preocupado. Isso era o esperado, mas ficou feliz em perceber que
eles o procuravam buscando ajuda. Os dignitários, por sua vez,
observavam como Hans lidava com toda a reviravolta que se
apresentava. Alguns, como seus novos aliados, pareciam
preocupados, enquanto outros, como o Duque, estavam contentes
demais para seu gosto. Este sussurrava constantemente para seus
homens, que apenas olhavam para Hans, concordando com a
cabeça, para só então falar algo para o Duque e sorrir em silêncio.
– O cavalo da princesa Anna – ouviu alguém gritar.
– O que aconteceu com ela? – perguntou outro aldeão. – Onde
ela está?
Então, outra voz, mais velha, perguntou trêmula:
– Por que ela não parou o inverno?
Essas palavras gelaram a espinha de Hans. Esse pensamento
não tinha passado por sua cabeça ainda. Estava tão focado no que
significava o desaparecimento de Anna para sua chegada à coroa
que não tinha dado nenhuma atenção ao cenário maior. Sem Anna,
havia grandes chances de que esse inverno súbito não pudesse
mais ser parado. Elsa não nutria nenhuma simpatia por ele, isso
ficara claro. Mesmo se ele fosse pessoalmente atrás dela, qual seria
sua motivação para ouvi-lo quando ele implorasse pelo fim do
inverno? A única razão pela qual permitiu que Anna fosse em
primeiro lugar era que ela talvez fosse a única pessoa capaz de pôr
fim ao frio. Agora, essa possibilidade parecia remota e distante.
Sentiu seu estômago revirar e tudo parecia perdido.
Levantando o olhar, viu que enquanto esteve perdido em seus
pensamentos a multidão tinha silenciado, esperando para ouvir o
que ele diria. Olhando pelo mar de faces, o nó em seu estômago
começou a diminuir. Todos o encaravam, esperando que ele,
príncipe Hans, tivesse a solução. Do homem mais velho à garota
mais jovem, todos tinham esperança e confiança em seus rostos. Se
eles o consideravam responsável e corajoso, teria que agir à altura
das expectativas. Lidaria com a questão do inverno quando fosse
necessário. Primeiro, precisava encontrar Anna.
– A princesa Anna está em perigo! – anunciou para a população.
– Preciso de voluntários para ir comigo encontrá-la!
No mesmo instante, uma horda de gente se aproximou,
oferecendo seus serviços. Alguns fazendeiros, outros empregados
do castelo, alguns pareciam bem velhos, enquanto outros tinham
acabado de sair da barra da saia da mãe.
Hans não pôde deixar de se perguntar: se a situação fosse
diferente e ele mesmo estivesse perdido nas Ilhas do Sul, haveria
tanta manifestação de amor entre o povo? Provavelmente não, mas
por aqui essas pessoas estão dispostas a arriscar a vida por uma
princesa que não veem há muitos anos.
Focando na multidão, Hans rapidamente selecionou os que
pareciam ser de maior valia na missão.
– Você – disse, apontando para um rapaz que tinha mais ou
menos a sua idade. – Vou levar você. E o senhor também –
completou, apontando para um fazendeiro um pouco mais velho, de
braços fortes. – Você pode vir também. – Assim, continuou
escolhendo a dedo sua equipe, mas com alguma resistência da
multidão.
– Por que você não me leva, príncipe Hans? – perguntou um
menino que mal parecia ter dez anos de idade, com os olhos cheios
d’água. – Eu quero ajudar.
– Também quero – disse uma garotinha, se adiantando. Ela
estava abraçada a um cobertor e precisou tirar o dedo da boca para
falar. – Eu amo a princesa Anna. Ela é muito corajosa.
Hans sabia que estava sendo observado por todos, seus
movimentos precisavam ser friamente calculados. Essa era a hora
de impressionar o povo de Arendelle. Conquistá-los. Ele se abaixou,
para ficar da altura da menina, e olhou em seus olhos.
– Queria poder levar você comigo – disse, tentando ser tão gentil
quanto sabia que Anna seria nessa situação. – Mas preciso que
fique aqui e seja meus olhos e ouvidos, caso ela retorne. Vou
precisar que dê um recado. Diga a ela que a amo muito e logo
estarei de volta. Você pode fazer isso por mim?
A menininha concordou, tímida.
– Obrigado – disse Hans, apertando carinhosamente sua
bochecha.
Então, ficando em pé, dirigiu-se ao restante da multidão.
– A princesa Anna ficaria comovida com a preocupação de todos
vocês, e como seu representante, agradeço a disponibilidade de se
juntarem a mim, mas não posso levar todos comigo. As montanhas
são traiçoeiras e um grupo maior nos atrasaria. Peço aos que
ficarem que continuem mantendo as fogueiras acesas e façam o
melhor possível por aqui até a minha volta. Eu prometo, trarei a
princesa de volta.
Hans se voltou para os dignitários visitantes e levantou uma
sobrancelha. Eles estavam surpreendentemente quietos enquanto o
povo da cidade fazia de tudo para ajudar. Onde estava o seu
apoio?, perguntou-se Hans. Ainda há pouco, alguns estavam
jurando lealdade e prometendo apoiar Arendelle e seu novo líder.
Agora, se comportavam como crianças, se escondendo no fundo da
sala de aula, evitando serem convocadas.
– Lordes? Senhores? – implorou Hans. – Nenhum de vocês vai
oferecer ajuda?
Hans pôde ouvir o rachar do gelo sob seus pés, tal era o silêncio
deles. Finalmente, o Lorde de Kongsberg se manifestou:
– Trouxe poucos homens comigo, príncipe Hans. Se os enviasse
nessa missão… – disse com a voz desaparecendo, conforme
percebia o quão fraca era sua desculpa.
– Eu também – disse o príncipe Wils – adoraria ajudar, mas
realmente acreditamos que a princesa possa ser salva? Olhe para
as montanhas. – Todos os olhares se voltaram para a montanha
monstruosa que se erguia no horizonte. – Um soldado teria muita
dificuldade em atravessar o terreno a salvo. Duvido muito que a
princesa tenha conseguido. – Então, abaixou o olhar. – Sinto muito,
príncipe Hans, mas não acredito em desperdiçar tempo e vidas em
uma missão insana.
Hans olhou com firmeza para todos.
– Aprecio o apoio, senhores, mas não estou disposto a desistir tão
facilmente como vocês.
– Príncipe Hans – disse hesitante o dignitário de Eldora. – Acho
que o que o príncipe Wils está tentando dizer é que você não
deveria partir assim, em um momento desses. Arendelle está
assolada por uma ameaça terrível, e como você mesmo fez questão
de anunciar ainda há pouco, você foi escolhido para governar na
ausência da princesa. Se partir agora…
No mesmo instante os homens começaram a conversar. Alguns
concordavam, enquanto outros pareciam pensar que Hans estava
certo em ir atrás da princesa. O volume das vozes foi aumentando,
e o povo da cidade começou a prestar atenção com ansiedade.
Logo, Hans começou a ouvir entre o povo murmúrios de dúvida e
incerteza quanto à sua partida.
Ele estava adorando cada minuto daquilo.
– Já basta – gritou Hans, silenciando a todos. – Percebo que
partir agora talvez não seja a melhor das soluções, mas não tenho
outra escolha. Devo ir atrás de minha noiva e trazê-la de volta para
seu povo. Enquanto isso, espero que vocês permaneçam firmes em
minha ausência. Não encarem essa decisão como um sinal de
fraqueza de minha parte. Em verdade, é um ato desesperado de um
homem que ama muitíssimo a princesa e este reino. Rumo agora
para os estábulos e partirei imediatamente.
Quando se virou para partir, ouviu a voz pequenina do Duque. Até
então ele tinha permanecido em silêncio, observando de perto Hans
e os outros dignitários, sem acrescentar nada ao debate, mas agora
dera um passo à frente.
– Eu voluntario meus dois homens, senhor! – ele disse.
Quando o Duque apresentou seus homens, Hans os observou da
cabeça aos pés. Eles pareciam capangas, com olhos fundos,
carrancudos e rosto marcado. Hans percebeu também que ambos
portavam longas espadas afiadas.
Ficar de olho nos espiões do Duque não era exatamente a
distração que ele precisava no momento, mas não poderia negar
ajuda sem levantar suspeitas de todos. Concordando com a cabeça,
Hans deu boas-vindas aos homens.
Dizendo a todos que os encontraria nos estábulos, Hans se dirigiu
ao dignitário da Blavênia. Ele era o único em quem Hans confiava
completamente, e precisaria de sua ajuda. Chamando este para um
canto, se certificou de que ninguém os ouvia e, com a voz baixa,
sussurrou no ouvido dele:
– Fique de olho no Duque – disse. – Não confio nem um pouco
nele e acredito que esteja tentando me sabotar. Se alguma coisa
acontecer, peço que me avise no instante em que eu voltar,
combinado?
– É claro, príncipe Hans – respondeu o homem.
– Excelente – concluiu Hans. – Porque já tenho problemas
demais, sem pensar nesse duque de uma figa.
C 19

Mesmo não muito disposta a admitir isso, Anna estava bem feliz em
ter a companhia de Kristoff e Sven. Primeiro porque a floresta era
um tanto assustadora, mas também por honestamente não fazer
ideia do caminho a seguir. Ter Kristoff como guia estava dando bons
resultados, e Sven tinha a habilidade de deixar a floresta menos
assustadora. Ele me lembra um filhotinho, pensou enquanto assistia
à rena saltar um monte particularmente alto de neve.
Desde que saíram do penhasco, Anna e Kristoff tinham mantido
uma serena paz, apesar da forte nevasca, do céu escuro e da
temperatura congelante. Agora, particularmente, o céu estava
perdendo seus tons de azul e ganhando um leve tom amarelado,
conforme o sol começava a nascer no horizonte.
– Há quanto tempo você tem o Sven? – perguntou Anna, ao
perceber que Kristoff brincava com a rena. Ela tinha reparado na
forte ligação entre os dois, bem como no jeito como a seriedade
dele desaparecia quando olhava para o belo animal.
– Estamos juntos desde que ele era um filhote – disse Kristoff. –
Desde que nós dois éramos filhotes, na verdade. Eu era bem
criança quando nos encontramos.
Anna sorriu.
– Deve ter sido legal ter sempre alguém com quem contar, mesmo
que seja só uma rena – ela disse. Sven grunhiu e ela emendou: –
Desculpe, Sven. Você é uma rena maravilhosa.
Parecendo agradecido, Sven voltou a perseguir a sombra das
árvores à sua volta.
– Não sei o que teria feito sem ele. Na maioria das vezes sempre
fomos só nós dois – disse Kristoff pausando e buscando o olhar de
Anna. – Tenho certeza de que você não faz ideia de como é isso,
tendo crescido em um castelo e tudo mais.
Anna não respondeu de imediato. Cenas dela sentada em frente à
porta de Elsa, esperando que esta se abrisse e sua irmã retomasse
a velha amizade passaram por sua mente.
– Eu teria adorado ter um amigo como Sven na infância – disse
finalmente. – Digamos que eu não cresci com muita companhia ao
redor.
– E sua irmã? – perguntou Kristoff.
Anna sacudiu a cabeça.
– Ela não é muito calorosa e receptiva, se você ainda não
percebeu – disse apontando para o cenário invernal que os cercava.
– Mas quer saber, ter bastante tempo sozinha não foi tão ruim. – Ao
ver o olhar cético de Kristoff, ela acrescentou: – Não, sério. Eu sou
muito boa em jogar paciência, por exemplo. Muito boa mesmo. Boa
de tricô também. Faço um cachecol em menos de um dia. Bem,
normalmente. Às vezes, me enrolo fiando. Os fios ficam embolados
e quando eu puxo… – Ela parou de falar quando percebeu que
Kristoff estava rindo. – O quê? – ela perguntou.
– Nada – ele disse, ainda risonho. – É que… Bem, alguém já
disse que você costuma falar demais e divagar?
Anna deu de ombros.
– Até agora não – ela disse. – Como falei, não tive muita gente
com quem conversar por muito tempo. Acho que agora estou
compensando o tempo perdido.
– Não vou interrompê-la, então! – disse Kristoff, gesticulando para
que ela continuasse. – Conte-me mais sobre como foi crescer como
uma jovem princesa em um castelo sem amigos.
– Só conto se você realmente estiver interessado.
– Sou todo ouvidos – respondeu ele, fazendo um gesto
engraçado.
Anna riu. Só agora percebera o quão engraçado ele era. Também
só agora tinha percebido que formava uma covinha na bochecha
dele quando sorria. Afastando o olhar do coletor de gelo,
prosseguiu:
– Eu leio. Muito! O que é bem divertido se você tiver o livro certo.
Não é tão terrível. E daí que eu não pude brincar com Elsa ou trocar
segredos nem nada, como irmãs normais fazem? Quem precisa
disso…? – Sua voz foi desaparecendo, e Anna percebeu que todo
esse tempo estava tentando convencer muito mais a si mesma do
que a Kristoff. O sorriso desapareceu de seu rosto, e ela sentiu
lágrimas surgirem em seus olhos. Desviou o olhar, torcendo para
que ele não percebesse.
Ele tinha percebido.
– Pois é, esse negócio de família é sempre complicado – ele disse
gentilmente. – Eu não tenho irmã nenhuma, e acho que nós dois
estamos muito bem assim.
Anna sorriu. Era gentil da parte dele tentar consolá-la.
Por um breve momento, ambos ficaram em silêncio. Kristoff
chutava distraído uma bolota de gelo, enquanto Anna tentava
esconder sua rebelde mecha branca de cabelo. Ela não sabia o que
dizer. Não estava acostumada a se abrir tanto com alguém. Era
bom, e ela percebeu subitamente que era bom porque ela estava
compartilhando algo com Kristoff. O coletor de gelo podia tê-la
provocado antes, mas agora parecia entender bem como era não ter
crescido de uma maneira exatamente comum.
– Você não tem nenhuma irmã, então? – perguntou Anna
finalmente.
Kristoff fez que não com a cabeça.
– Não – respondeu vagamente.
– E irmãos? Você tem algum irmão? – perguntou Anna. – Hans
tem doze.
– Ele deve ser um cara de sorte – disse Kristoff em tom
enigmático. – Doze irmãos e agora você. Impressionante.
Anna corou. Por algum motivo, ouvir Kristoff dizer que ela
pertencia a Hans era engraçado. Ela não sabia por que tinha
mencionado seu nome para começar. Talvez gostasse mais do que
imaginava de ter sobre quem falar. Só de dizer o nome de Hans, ela
já se sentia mais aquecida por dentro.
– De toda forma… – ela disse, tentando mudar o rumo do assunto
para algo menos esquisito. – Eu acho que queria mesmo ter tido a
chance de conhecer melhor Elsa antes de acontecer tudo isso.
Talvez pudesse ter evitado essa tragédia – falou sem pensar. – Mas
agora vamos encontrá-la. Ela vai voltar para Arendelle e vamos
arrumar tudo. Juntas.
Anna olhou de relance para Kristoff.
– Bem, isso se ela puder me perdoar, espero.
– Acho que você ficaria surpresa com a capacidade de perdoar
dentro de uma família – disse Kristoff. – Não importa o tipo de
relação que vocês têm.
Anna estava pronta para perguntar o que ele queria dizer com
aquilo e o porquê de estar sendo tão evasivo sobre sua própria
família quando a floresta foi desaparecendo, conforme alcançavam
uma clareira. O sol tinha raiado novamente e por um instante o forte
brilho da neve ofuscou a visão de Anna, cegando-a brevemente.
Quando recobrou a visão, se espantou. De onde estavam, era
possível avistar Arendelle inteiro ao longe.
– Está tudo congelado – disse Kristoff, parando ao lado dela. Ele
estava certo. As pedras cinzentas das muralhas do reino e do
castelo tinham desaparecido sob uma grossa camada de neve, e o
gelo começava a se espalhar além do fiorde.
– Vai ficar tudo bem – garantiu Anna. – Elsa vai derreter tudo.
– Vai mesmo? – inqueriu Kristoff.
– Sim – respondeu-lhe Anna com um pouco menos de confiança.
– Ela tem que fazer isso.
Então, respirou fundo e endireitou os ombros. Não estavam
ajudando Arendelle em nada ficando ali, assistindo com a boca
aberta.
– Vamos. A Montanha do Norte é para esse lado? – perguntou,
dando as costas para o reino e apontando em uma direção para
cima.
– Mais para este – corrigiu Kristoff, que com a própria mão moveu
o dedo dela na direção de uma montanha muito alta, íngreme e com
um ar bastante assustador.
Anna engoliu em seco. Onde ela tinha se metido?

Então, Elsa… Você tem poderes, não é? Deve ser bem legal.
Legal? Minha irmã revela ter poderes mágicos com gelo e a
melhor palavra que encontro para isso é “legal”?, Anna pensava
enquanto caminhava ao lado de Kristoff e Sven. Para se distrair da
montanha gigante que eles aparentemente teriam que escalar, Anna
ensaiava em silêncio o que diria para sua irmã quando finalmente a
encontrasse. Até então, “legal”, era o melhor que conseguia.
Ouvindo um suave tilintar, como sinos soando ao vento, Anna
olhou para cima e sorriu maravilhada. Estavam entre salgueiros
enormes e congelados, assim como todo o resto ao seu redor. Mas,
diferente da monotonia da primeira floresta que atravessaram, esse
lugar era absolutamente lindo, de tirar o fôlego. Os ramos do
salgueiro pendiam pesados, e suas longas folhas funcionavam
como deslumbrantes cortinas de gelo e luz, separando a clareira da
nova floresta. Ouvindo novamente o mesmo som, percebeu que
Sven brincava alegremente entre os ramos do salgueiro com seus
chifres. Quando se movia batia os ramos uns nos outros, causando
o alegre tilintar do gelo.
Elsa fez tudo isso, pensou Anna maravilhada, quando abria
caminho entre os galhos. Estava tão focada nos danos que ela
causara que não parei para pensar nas coisas maravilhosas que ela
poderia fazer com seus poderes.
– Nunca pensei que o inverno pudesse ser tão lindo – disse Anna
suavemente.
– Sim. É realmente lindo, não é? – falou uma voz que não era a
de Kristoff, assustando Anna. – Mas é tudo tão branco… –
prosseguiu a voz. – Que tal um pouco de cor? Estava pensando em
tons de grená, turquesa…
Anna virou para o lado trocando olhares confusos com Kristoff. De
onde vinha essa voz? A única outra criatura na clareira com eles
era… Não, não poderia ser. Poderia? Juntos, olharam para Sven. A
rena olhava para eles sem entender nada, com seus chifres
enroscados nos galhos de salgueiro. Ainda olhavam pare ele
quando a voz surgiu novamente.
– Que tal um tom de amarelo? Não, amarelo não! – disse a voz
como se esse pensamento o enojasse. – Neve com amarelo?
Credo, nem pensar.
A voz agora vinha exatamente de trás de Anna e Kristoff. Ela
olhou para baixo, depois para ele. Então, juntos, olharam para trás,
arregalando os olhos.
Parado entre eles, como se fosse a coisa mais natural e não-
esquisita do mundo, estava um pequeno boneco de neve. Um
pequeno e falante boneco de neve, feito de três bolas e dois
gravetos curtos, que lhe serviam de bracinhos.
– Estou errado? – perguntou quando viu que Anna e Kristoff o
encaravam. Então, abriu um sorriso e Anna não conseguiu evitar o
grito. Com um chute, mandou a cabeça do boneco de neve para os
ares, caindo nos braços de Kristoff.
– Olá! – disse o boneco alegremente.
Kristoff não se empolgou.
– Você é assustador – disse, jogando a cabeça de volta para
Anna.
– Não quero isso – gritou Anna.
Os dois jogaram a cabeça do boneco de neve para lá e para cá
repetidamente, já que nenhum dos dois queria ficar com essa
estranha batata quente – nesse caso, fria. As outras bolas de neve
que compunham a estranha criatura dançavam se balançando para
trás e para frente, entre Anna e Kristoff, com os braços de graveto
esticados no ar.
– Ai, ai, o corpo! – Anna gritou, ao apanhar a cabeça uma última
vez e colocá-la, de cabeça para baixo, de volta no corpo. O que está
acontecendo?, pensou Anna tentando recuperar o fôlego. Um
boneco de neve falante? Como isso era possível?
Mas, pelo visto, era completamente possível.
– Espere! – disse o boneco, confuso. – O que eu estou vendo
aqui? Por que você está pendurada na terra de cabeça para baixo
como um morcego?
Anna não pôde evitar de rir. Seu riso foi seguido por uma breve
onda de simpatia ao prestar atenção na criaturinha tentando
entender o mundo a seu redor. Com a cabeça encaixada ao
contrário, estava vendo tudo de cabeça para baixo.
– Espere só um segundo – ela disse se agachando em frente ao
boneco de neve. Gentilmente, pegou a cabeça e a virou para o lado
certo, recolocando no corpo em seguida.
– Ah! Muito obrigado! – disse o boneco.
Talvez eu o tenha julgado cedo demais, pensou ao reparar em
seu sorriso, como um fiel filhote de cachorro. É só uma criaturinha
doce, amável e inocente, pensou ela. Que por acaso é feita de neve.
– De nada! – disse, amigável.
– Agora estou perfeito – disse orgulhoso o boneco de neve,
dançando por entre os salgueiros.
Observando-o, Anna tinha que concordar que ele era, de fato, tão
perfeito quanto um boneco de neve podia ser. Ele tinha as três bolas
de neve necessárias. Dois braços feitos de gravetos e um par de
olhos aparentemente feito de carvão. Só lhe faltava uma coisa muito
importante. Abrindo a sacola de Kristoff, apanhou uma das cenouras
de Sven. Então, virou-se, pronta para completar o rosto do boneco.
Nesse exato momento, o boneco também se virou rapidamente. Ele
bateu com a cara na cenoura e, com um estalo, ela atravessou sua
cabeça, ficando só uma pontinha para fora. A outra extremidade
despontava na parte de trás de sua cabeça.
– Oh! – disse Anna, espantada. – Foi muito forte! Desculpe! Eu só
queria… – sua voz desapareceu novamente. Ela não sabia bem
explicar seus motivos. – Você está bem? – perguntou, então.
Olhando para baixo, o boneco de neve viu a ponta da cenoura e
seus olhos brilharam.
– Você está brincando? – ele gritou alegremente. – Estou
maravilhoso! Sempre quis um nariz! – disse ele entortando os olhos
para ver melhor. – Tão fofo! É como um filhotinho de unicórnio!
Mesmo que ele claramente não se importasse com o pedaço de
cenoura saindo pela traseira de sua cabeça, Anna não podia deixá-
lo andar por aí assim. Por alguma razão, parecia ir contra as regras
de etiqueta dos bonecos de neve. Estendendo a mão, empurrou a
cenoura para frente, e instantaneamente o pequeno nariz se
transformou em um enorme nariz laranja.
– Ei, opa! – gemeu o boneco de neve. Anna estremeceu. Talvez
tivesse ido longe demais. Então, ele bateu palmas contente. – Eu
gosto ainda mais assim! – disse, sorrindo para Anna e Kristoff. –
Bem, vamos recomeçar. Olá a todos. Chamo-me Olaf. Eu gosto de
abraços quentinhos! – Abrindo os braços, esperou que alguém lhe
desse um abraço.
– Olaf ? – repetiu Anna. O nome soava tão familiar…
Será que li isso em algum livro?, ela se perguntou. Ou talvez seja
o nome de alguém da galeria de retratos? Eu juro que ouvi isso
antes…
E, então, se lembrou.
– É isso! – ela exclamou. – Olaf!
Ela e Elsa tinham feito um boneco de neve certa vez – muito
tempo atrás – chamado Olaf. Ele era exatamente como esse Olaf.
Eu até mesmo lembro de Elsa abrindo os braços do boneco
dizendo: “Eu gosto de abraços quentinhos.”
– E quem é você? – perguntou Olaf, interrompendo os
pensamentos de Anna.
– Eu… eu sou Anna – respondeu, enfim.
– E quem é aquele burro com ar engraçado logo ali? – perguntou
Olaf, apontando na direção de Kristoff e Sven. – Aquele é Sven –
respondeu Anna.
Olaf concordou.
– Uhum, e a rena do lado dele?
– … Sven – disse Anna novamente, só então percebendo que
Olaf tinha se referido a Kristoff como burro com ar engraçado, o que
a fez rir. Ela esperou Olaf cumprimentar a todos e, então, fez a
pergunta que estava entalada em sua garganta. Ela precisava
saber. – Olaf – ela disse. – Foi Elsa quem construiu você?
– Sim – ele respondeu distraído. – Por quê?
Ela estava certa. Olaf estava ali agora, vivo e falante – por causa
de Elsa. Por causa de sua magia! Queria que o povo de Arendelle
pudesse ver Olaf, ela pensou. Então, perceberiam o quão
maravilhosos os poderes de Elsa podem ser.
– Sabe onde ela está? – perguntou, olhando de relance para
Kristoff. Ele tinha removido um dos braços de Olaf e o erguia no ar,
fascinado por este continuar em movimento mesmo desligado do
corpo. Olaf não estava tão errado, ela pensou. Kristoff era bem tonto
às vezes.
Sem perceber que o braço havia sido separado de seu corpo, ou
pelo menos sem se incomodar com isso, Olaf concordou mais uma
vez, replicando:
– Sim, por quê?
– Poderia nos mostrar o caminho? – perguntou Anna,
esperançosa. Essa era a maneira mais fácil que tinham de descobrir
exatamente onde Elsa se escondia. Se Olaf pudesse levá-los direto
até a rainha, eles estariam bem mais perto de pôr fim ao inverno. E
talvez de consertar a relação de Anna com sua irmã.
Ela olhou para Kristoff, na expectativa de que ele estivesse tão
animado quanto ela, mas ele estava ocupado demais brincando com
o braço de Olaf. Para sua surpresa, o braço subitamente se
estendeu, dando um tapa no rosto de Kristoff.
– Pare com isso, Sven! – disse Olaf para Kristoff. – Tente focar
aqui um pouco! – Então, olhou de volta para Anna, e novamente
perguntou o motivo.
– Vou lhe explicar o porquê – respondeu Kristoff. – Precisamos de
Elsa para trazer o verão de volta!
Ao ouvir a palavra “verão”, um sorriso enorme se abriu no rosto de
Olaf. Verão, aparentemente, era algo de que Olaf gostava muito,
muito mesmo. Enquanto para Anna, a ideia de uma criatura feita de
gelo gostar de uma estação quente era adorável e encantadora,
para Kristoff era diferente.
– Acho que ele não tem muita experiência com o calor – disse,
enfim.
– Não mesmo – respondeu alegre o boneco de neve. – Mas às
vezes eu gosto de fechar os olhos e imaginar como deve ser. – Ao
ouvir essas palavras, Anna e Kristoff assistiram a Olaf fechar os
olhos e se perder em sua imaginação, ao mesmo tempo que se
descrevia deitado na areia da praia, correndo por um campo cheio
de dentes-de-leão.
– Vou contar para ele – sussurrou Kristoff para Anna, conforme o
boneco prosseguia com a narrativa de sua imaginação.
– Não ouse – retorquiu Anna. Não havia motivo para destruir os
sonhos da criaturinha. E daí se ele acreditava que poderia andar por
aí no sol sem derreter? Se o clima ficasse assim para sempre, ele
nunca iria descobrir mesmo.
Ao abrir os olhos, Olaf olhou para eles e sorriu.
– Vamos – ele convidou. – Elsa está para esse lado. Vamos trazer
de volta o verão!
Dando a volta, ele deslizou por entre os salgueiros, sendo seguido
momentos depois por Anna. Atrás dela, Kristoff resmungava algo
sobre bonecos de neve, verão e derretimento, mas ela o ignorava.
Ele podia resmungar e bufar à vontade. Ela precisava encontrar a
irmã logo.

A empolgação de Anna durou pouco. Logo que deixaram a


clareira dos salgueiros e se aproximaram da base da Montanha do
Norte, o terreno começou a mudar. A beleza que a tinha
deslumbrado alguns instantes atrás tinha desaparecido. Em seu
lugar surgira algo muito mais ameaçador. Espinhos de gelo saíam
horizontalmente da montanha, como lanças na linha de frente de
uma batalha. O vento também estava mais forte agora, acertando o
rosto de Anna e fazendo suas bochechas doerem. Era como ver
outro lado da personalidade de sua irmã. Os salgueiros e Olaf eram
o lado bondoso e doce de Elsa. Esse era o lado assustador, sombrio
e solitário.
– Como exatamente você pretende parar esse mau tempo? –
perguntou Kristoff gesticulando para seus arredores.
– Vou falar com a minha irmã – disse Anna, com mais confiança
do que realmente sentia.
Kristoff parou no meio do caminho e olhou para ela.
– É esse o seu plano? – perguntou, incrédulo. – Meu negócio de
gelo depende exclusivamente da sua conversa com Elsa?
– Sim – respondeu Anna, parando ao ser encarada.
Kristoff grunhiu e seguiu seu caminho na neve. Anna estava
surpresa que ele tivesse deixado a conversa por isso mesmo e se
preparava para dizer algo mais quando ouviu um grito. Olhando
para trás, viu que ele estava parado perigosamente perto de uma
lança de gelo e, mais um passo em falso, ele teria seu nariz
perfurado.
– Então, você não tem medo dela? – ele perguntou, tocando seu
nariz para confirmar que estava intacto.
– Por que eu teria? – respondeu Anna. – Ela pode ter poderes de
gelo insanos, mas ainda estamos falando da minha irmã Elsa.
Anna seguiu adiante confiante… dando de cara com um beco
sem saída. Vendo pelo lado bom, tinham chegado à base da
Montanha do Norte. Pelo lado negativo, tinham dado de cara com a
pior face da montanha, que parecia se erguer reta até os céus.
– E agora? – perguntou Anna, se virando para Kristoff, Olaf e
Sven. O primeiro ergueu a cabeça para examinar a montanha.
Então, olhou de volta para o rosto esperançoso de Anna. Ele
suspirou.
– É muito íngreme – ele replicou. Enquanto falava, abriu a bolsa e
começou a vasculhá-la. – Só tenho uma corda, e você não sabe
escalar montanhas.
– Quem disse? – respondeu Anna, feliz em ver a expressão
surpresa no rosto de Kristoff quando este olhou para cima
novamente e a viu agarrada à montanha. Ela detestava quando as
pessoas duvidavam dela, e realmente, o quão difícil podia ser? Só
precisa encontrar agarras para os pés, para as mãos e escalar. Se
bem que, pensou enquanto observava a pedra maciça em sua
frente, eu não estou vendo muitos lugares onde segurar…
– O que está fazendo? – perguntou Kristoff.
Anna não arriscou olhar para trás, mas podia ouvir o tom de
zombaria na voz dele, que só servia para irritá-la ainda mais.
– Estou indo encontrar a minha irmã.
– Assim você só vai se matar – disse ele, seco.
Ela ignorou o comentário e esticou a perna, subindo um pouco
mais na montanha.
– Eu não colocaria meu pé aí.
Anna ignorou o aviso e apoiou seu pé em uma parte
sobressaliente da pedra. Suas pernas tremeram enquanto tentava
se equilibrar, mas ficou radiante quando conseguiu avançar um
pouco mais na montanha. A-há! É isso, Senhor-Sabe-Tudo! Mais
alguns movimentos desses e estarei lá em cima!
– Ou aí! – disse novamente Kristoff quando ela moveu o pé.
Então, ele completou: – Como você sabe que Elsa quer vê-la?
– Estou ignorando você, preciso me concentrar aqui – disse Anna
sobre o ombro. E não preciso que ninguém me lembre que,
basicamente, tudo isso aconteceu porque minha irmã fugiu de mim,
ela completou mentalmente.
Sem perceber que Anna não estava minimamente interessada
nessa autorreflexão, Kristoff insistiu:
– Sabe – disse ele –, a maioria das pessoas que desaparece nas
montanhas quer mesmo é ficar sozinha.
– Ninguém quer ficar sozinho. Talvez você – rebateu Anna. Seus
dedos estavam começando a ficar amortecidos, e ela tinha certeza
de que, se músculos pudessem gritar, os dela estariam berrando
coisas terríveis nesse exato momento. A última coisa que desejava
era discutir relacionamentos com Kristoff – novamente. Só porque
ele tinha os tais “amigos” que eram “especialistas no amor”, isso não
fazia dele um gênio no assunto. E, sério, por que essa montanha
tinha tão poucas agarras?
Não havia mais onde botar nem os pés nem as mãos, e Anna
estava travada.
– Por favor, me digam que estou quase lá – ela pediu. Com
tristeza, ela arriscou uma olhada para baixo e viu que sua grande
escalada se resumia a ter subido cerca de dois metros de altura.
Legal, isso é um pouco vergonhoso, admitiu Anna em silêncio.
– Ei, Sven? – gritou Olaf para Kristoff. Ele e Anna se viraram para
o pequeno boneco de neve. – Não sei se isso resolve o problema,
mas eu encontrei uma escadaria que leva exatamente para onde
vocês querem ir.
– Ainda bem! – disse Anna. – Pega! – Então, sem nem olhar para
baixo, ela se soltou da montanha, caindo de costas nos braços de
Kristoff. Olhando para ele, sorriu. – Obrigada. Foi como um exercício
doido de confiança! – Então, pulando livremente, correu atrás de
Olaf.
Atrás dela, podia sentir o olhar de Kristoff a seguindo, e isso fez
com que sentisse uma onda de calor subindo pelo corpo. Anna não
pôde ignorar que, ao cair nos braços dele, até achou gostoso ser
amparada por alguém tão grande e quentinho. Mesmo assim, Anna
ignorou isso rapidamente. Alcançando Olaf, segurou em sua
pequena mão de graveto e juntos começaram a subir a longa
escadaria que, com sorte, os levaria direto para onde Elsa estava.
C 20

Hans estava contente. O grupo de homens que havia juntado era


mais do que capaz e até então não tinha demonstrado resistência
alguma à sua liderança, à exceção dos homens do Duque de
Weselton. Esses dois, pensou observando-os à distância, vão dar
problema, a não ser que eu encontre um jeito de fazê-los mudar de
lado. Por ora, entretanto, estava satisfeito em esperar e ver como as
coisas se desdobrariam. Não faria-lhe nenhum bem dar atenção a
qualquer outra coisa que não encontrar Anna.
Eles estavam seguindo as pistas de Anna há horas. A primeira
parte não havia sido difícil. O cavalo tinha deixado um caminho de
galhos quebrados ao galopar de volta a Arendelle. No entanto,
chegaram a um ponto em que Anna e o cavalo tinham se separado.
Uma distinta marca de forma humana no chão era visível na neve
branca sob a árvore, e essa mesma árvore era a única que não
tinha mais neve em seus galhos. Ela deve ter caído por aqui,
pensou Hans, saltando de seu cavalo para examinar a área. Sim,
ela definitivamente caiu por aqui, nessa árvore. Ele esticou a mão,
tocando os espinhos da árvore ao lado.
– Ela provavelmente ficou caída um pouco – disse Hans para
seus homens, ainda montados nos cavalos, que aguardavam. –
Então, deve ter tentado se levantar – ele se deitou no chão,
tentando reconstruir a cena como imaginava em sua mente. – E
depois deve ter se apoiado nesses galhos. Eles deviam estar
cobertos de neve e bem próximos ao chão, de tão pesados. Quando
Anna se apoiou neles a neve caiu, deixando a árvore pelada, assim
como está agora. Então, o que teria feito a minha doce Anna…? –
Sua voz sumia conforme olhava a seu redor.
Hans adorava ver seus homens o encarando, parecendo
impressionados com suas habilidades de rastreamento. O único
problema era que ele não era tão bom assim. Ele só tinha seguido
as pistas do cavalo até ali. O enorme animal tinha deixado pegadas
o suficiente para ser seguido com facilidade, mas dali em diante
teria que contar com as pegadas de Anna, muito mais delicadas que
as do animal.
– Senhor – chamou um dos homens. – Será que ela foi por ali?
Olhando adiante, Hans soltou um suspiro aliviado. O homem
apontava para pegadas na neve. Eram quase invisíveis, mas
claramente de um ser humano. Seguindo-as, Hans viu que levavam
da árvore para um pequeno riacho. À distância, subindo em uma
colina, avistou fumaça.
– A princesa Anna deve estar por lá! – gritou Hans, pulando de
volta em seu cavalo. Apressando-o em ritmo de trote, se dirigiram à
fumaça. Atrás dele, o tilintar das esporas e a batida dos cascos o
informaram que seus homens o seguiam.
Em alguns minutos, Hans estava parado em frente a uma cabana
de madeira. Uma pequena escadaria levava à porta principal. Um
letreiro informava que o local era o “Posto de Comércio do Oaken”,
e uma placa menor dizia que ali também havia uma sauna. Hans
sorriu. Com sorte, Anna está aí dentro. Então, poderemos cavalgar
juntos de volta para Arendelle e sair dessa nevasca terrível. Se ela,
entretanto, seguiu viagem… Bem, alguém aí deve saber para onde.
– Homens, esperem aqui. Fiquem de olho enquanto eu entro para
ver se encontro a princesa – ordenou Hans. Desmontando, Hans
amarrou seu cavalo e subiu as escadas. Então, pensando melhor,
deu as costas. – Vocês dois – disse apontando para os homens do
Duque. – Vocês vêm comigo. – Ele não tinha a intenção de perdê-
los de vista.
Hans subiu as escadas, abrindo a porta.
– Olá? – ele chamou.
Levou um momento para acostumar os olhos. O sol sobre a neve
ofuscava a vista com facilidade; o interior da loja, em comparação,
era escuro. Lentamente, as coisas começaram a ganhar contornos
mais bem definidos. Avistou estantes, víveres secos, uma porta
muito esfumaçada, que possivelmente levava à sauna e… uma
montanha? Hans sacudiu a cabeça, piscando os olhos rapidamente.
Quando sua vista clareou, percebeu que não era uma montanha de
verdade, mas um homem do tamanho de uma montanha.
– Iuhu! Grande liquidação de verão! – disse a montanha humana.
Ele estava em pé atrás do balcão, tamborilando os dedos na
madeira.
– Talvez tenha interesse em um protetor solar? É invenção minha
– disse levantando uma garrafa âmbar e sorrindo esperançoso.
Hans sorriu de volta, imitando a expressão do homem. Também
se sentia esperançoso, mas enquanto o homem enorme torcia por
uma boa venda, Hans queria informações. Olhando ao redor, tentou
entender um pouco mais como faria com esse homenzarrão. Quanto
mais eu souber, mais fácil será manipulá-lo. Ele rapidamente
deduziu algumas coisas. Primeiro, que o homem tinha um gosto
terrível para suéteres e, em seguida, que ele claramente se achava
um grande negociante. Enquanto a primeira informação só era útil
na medida em que Hans agora sabia bem qual suéter nunca usar,
caso você seja um homem três por dois, a segunda informação era
muito útil. Negociantes eram focados. Sabiam o valor do dinheiro,
bem como identificavam com facilidade um bom negócio à distância.
Também sabiam fazer o que fosse melhor para seus negócios e
para si mesmos. Mesmo não sendo estes traços agradáveis para
fazer amizades, nesse caso certamente seriam importantíssimos
para que Hans conseguisse o que queria do comerciante.
– Olá! – disse Hans se aproximando do balcão e estendendo a
mão. – Eu sou o príncipe Hans, das Ilhas do Sul. Estou procurando
por alguém, talvez você possa me ajudar a encontrá-la.
O sorriso do homem não aumentou nem diminuiu. Permaneceu
exatamente igual. Ele claramente não se impressionara com o título
de Hans.
– Sou Oaken – ele se apresentou. – Talvez você se interesse por
calças sem pernas? Invenção minha também! Metade do preço.
Talvez uma para vocês também, grandalhões? – ofereceu com um
aceno para os homens do Duque, que ficaram nos fundos da loja,
parados e carrancudos.
Hans sacudiu a cabeça.
– Estamos bem de calças – ele disse. – Paramos aqui, pois tenho
motivos para acreditar que a minha amada, a princesa Anna, tenha
passado por aqui não muito tempo atrás em sua jornada.
– Ah, o amor – disse Oaken. – Amor é legal. Talvez você se
interesse por alguns livros sobre o amor? Tenho muitos por aqui!
Hans suspirou.
– Tenho certeza de que a seleção é incrível, mas não estou
precisando de livros agora e sim da minha adorada princesa Anna…
– Hans parou de falar ao perceber que Oaken permanecia
impassível. Isso não ia levar a lugar nenhum. – Está bem, está bem.
Eu adoraria um livro.
A expressão vazia de Oaken desapareceu instantaneamente,
sendo substituída por um sorriso.
– Iuhu! Isso é bom! De qual história você gosta?
Hans podia sentir o olhar dos homens do Duque julgando sua
inabilidade em conseguir uma resposta, e isso o enraivecia. Ele não
queria que ninguém o considerasse incapaz – muito menos os
homens do Duque, que ficariam por demais felizes em reportar isso
para seu chefe, mas ele tinha feito a escolha de mantê-los por perto
então teria que lidar com isso. Estava preso naquela loja, com os
dois como testemunha, e começava a sentir uma enorme dor de
cabeça. Hans cerrou os punhos. Negócios, ele pensava. Oaken é
um homem de negócios. Por que eu não negocio com ele, então,
para ver aonde isso me leva? Claramente, o enorme homem era
sempre persuasivo quando se tratava de fazer pessoas comprarem
coisas. A melhor saída para Hans, portanto, era comprar as coisas
dele – muitas coisas!
– Oaken, pensando bem – refletiu Hans, imitando o sorriso do
homem –, acho que vou levar algumas calças sem pernas. – Hans
olhou pela loja, procurando mais coisas que pudesse comprar. – E
algumas cenouras também. Os cavalos vão gostar, tenho certeza.
– Opa! – soltou Oaken, contente com a mudança de atitude de
seu cliente. Começou a empacotar as compras. Quando pegou as
cenouras, completou: – É mesmo! Cavalos gostam desses
agradinhos adocicados. Bem como as renas. Inclusive, vendi
cenouras para uma moça bonita com uma mecha branca no cabelo
ainda algumas horas atrás…
– Uma moça com uma mecha branca no cabelo? – repetiu Hans.
– Ela esteve aqui? Por que você não disse antes? Essa é a
princesa. A minha princesa!
Oaken deu de ombros.
– Desculpe. – Então, pegou uma sacola. – Você quer uma
sacola?
Hans prendeu a respiração, tentando manter a calma.
– Eu não ligo, não ligo! – ele disse, jogando uma bolsinha de
moedas no balcão. – Por favor, só me diga aonde foi a moça. –
Apanhando a bolsinha, Oaken a esvaziou sobre o balcão, contando
cuidadosa e lentamente as moedas. – Ela comprou umas coisas
para aquele rapaz coletor de gelo intrometido – ele disse. – E,
então, partiram para a Montanha do Norte – terminou de falar sem
desviar atenção da contagem das moedas de Hans e entregou seu
troco. – Tenha um bom dia!
Resmungando um agradecimento, Hans deu as costas e saiu,
indo em direção à neblina. Não fazia sentido. Anna tinha saído da
loja com outro homem. Quem era ele? Era alguém tentando
conquistar a mão de Anna e o trono? Bem, esse homem não sabia
com quem ele estava lidando. Hans não tinha chegado tão longe
para desistir sem lutar.
– Senhor?
O som da voz de um de seus homens interrompeu o monólogo
interno de Hans. Olhando ao redor, viu que todos esperavam por
ordens suas.
– Acabei de descobrir, após um breve e fácil interrogatório, que a
princesa Anna se dirigiu à Montanha do Norte. – Ele ignorou os
homens do Duque, que levantaram as sobrancelhas, e se dirigiu
principalmente aos homens do reino que tinham se voluntariado. –
Vamos nos dividir. – Vocês cinco vão sentido oeste, procurando um
acesso para a montanha. O resto de nós vai marchar para leste.
Com sorte, nos reuniremos todos no cume da Montanha do Norte e
resgataremos a princesa Anna.
Hans demorou um pouco para se certificar de que ambos os
grupos soubessem com certeza para onde rumavam. Quando
confirmou isso, apurou seu cavalo e seguiu adiante. Vindo atrás dos
homens do Duque, ficou surpreso em ouvir seu nome, puxando
instantaneamente as rédeas.
– Você viu ele tentando obter respostas daquele paspalho
enorme? – disse o mais alto. – Foi patético. Se o Duque estivesse
aqui, ele teria feito o cara falar na hora.
O homem mais baixo acariciou o longo bigode com os dedos e
riu.
– Ele teria feito o cara gritar na hora, você quer dizer! – disse,
rindo.
O resto da conversa se perdeu para Hans quando o vento
aumentou e a dupla seguiu trotando adiante. Ele tinha ouvido o
bastante. Então, o Duque teria apelado para a violência? Que ironia,
esses homens me chamando de idiota, quando claramente não
fazem ideia das coisas que podem ser conquistadas com atitudes
calmas e racionais. Era verdade, a violência podia funcionar, mas
apenas os brutos usavam esse método. Brutos como seus irmãos,
que não faziam ideia de como sair de um problema pelo diálogo.
Hans nem saberia contar a quantidade de vezes que tentara
encontrar uma saída pacífica de uma situação, mas acabara
agredido, socado, ou mesmo jogado para fora de uma carroça. Seu
pai não era melhor que ele nisso. Sua “solução” quando um de seus
fazendeiros tinha um problema que ele não conseguia resolver era
queimar o celeiro, ou tomar seus bens. Hans não cansava de se
surpreender que um homem com um reino tão imenso pudesse ser
tão estúpido. Violência gera violência. Era inevitável. Ainda assim,
era tudo o que sua família sabia fazer.
Hans estremeceu. Não, ele já tinha passado por violência demais
para uma vida. Ele não desceria ao nível de seus irmãos. Ele não se
permitiria ser como eles – se pudesse evitar. Talvez um plano bem
pensado não trouxesse os resultados mais eficientes, mas já sei
para onde foi Anna e sei que posso voltar a conseguir informações
de Oaken se precisar dele no futuro. O mesmo não seria possível se
deixasse o Duque lidar pessoalmente com a situação.
Olhando adiante, Hans observou os dois homens que zombavam
dele. Eles não o respeitavam. Estava tudo bem. Só significava que
estavam de guarda baixa e não iriam interferir em seus planos. E se
tentassem? Bem, ele não apoiava a violência, mas certamente
conhecia seus benefícios, se usada com sabedoria.
C 21

Quando Olaf contou a eles da existência de uma escadaria que


levava ao topo da montanha, Anna tinha imaginado um caminho
pedregoso e bastante precário, então, quando o boneco de neve os
conduziu a uma lindíssima e intrincada escadaria, completamente
feita de gelo, ela ficou sem palavras. Tirando ainda mais seu fôlego,
no topo das escadas se encontrava um maravilhoso palácio
congelado. Colunas espiraladas se erguiam do castelo até o céu
sobre eles. Cada detalhe trabalhado no gelo parecia ter sido
esculpido à mão, e provavelmente o fora, percebeu Anna, pela
magia de gelo de sua irmã.
– Uau – disse Anna deslumbrada, recuperando o fôlego.
A seu lado, ouviu Kristoff engasgar. Quando olhou novamente, viu
que levava a mão ao coração.
– Isso que é gelo! – disse solene. – Eu poderia chorar agora.
– Vá em frente – respondeu Anna. – Não vou julgá-lo. – Ela
estava sendo honesta. Dando um passo adiante, Anna pisou
timidamente no primeiro degrau da escadaria de gelo e fez força.
Melhor não correr riscos, pensou, testando para saber se o gelo se
quebraria sob pressão. Nada aconteceu, então lentamente começou
a subida, segurando firmemente o corrimão. Conforme se
aproximava do topo, podia ver melhor os detalhes. As laterais do
palácio eram adornadas com detalhes elaborados em formato de
flocos de neve, e estes brilhavam fulgurantes à luz do dia. À
esquerda, avistou uma varanda e imaginou se sua irmã estaria em
algum canto por lá.
Chegando no topo da escadaria, Anna parou em frente às
enormes portas do palácio. Como todo o resto, eram lindas e cheias
de detalhes, resultado de algo profundo e maravilhoso que existia
dentro de Elsa. Queria que todos em Arendelle pudessem ver este
lugar, pensou Anna. Eles só viram a devastação que Elsa pode
causar, mas isso aconteceu porque só a viram em fuga,
amedrontada. Esse lugar é o resultado de se libertar e seguir seu
coração. Esta é a Elsa que sei que vai querer fazer a coisa certa por
Arendelle.
Ouvindo uma respiração pesada em suas costas, Anna se virou
reparando que tinha sido seguida por Kristoff e Olaf.
– Impecável – disse Kristoff reparando nas portas.
Anna acenou com a cabeça concordando. Esticou os dedos,
acariciando os delicados detalhes entalhados no gelo. Ela via algo
de sua irmã em cada detalhe. Uma longa linha de gelo curvado ao
redor de si a lembrava da jovem Elsa que gostava de rodopiar em
círculos, risonha, com sua saia rodopiando ao redor. Pequenos
flocos de neve entalhados traziam à tona a lembrança de Elsa com
a língua de fora, rindo.
– Olhe, Anna! – ela gritava. – É um doce de neve! – Anna tinha
rido muito com sua irmã, também colocando a língua para fora para
pegar flocos de neve. Era uma lembrança bastante vaga, mas
aquecia o coração de Anna, ao mesmo tempo que também a
entristecia.
Ela ergueu a mão, se preparando para bater na porta, mas
hesitou no último instante. Quantas vezes tinha estado diante de
uma porta fechada, torcendo para que Elsa a deixasse entrar? Aqui
estava ela, novamente na mesma situação, a única coisa diferente
era a porta. A ideia de ser excluída novamente da vida da irmã era
insuportável. Sacudiu a cabeça. Como poderia pedir ao povo de
Arendelle que desse a Elsa uma nova chance se ela mesma não
conseguia fazer isso? Tinha vindo até aqui para dar essa chance…
– Bate na porta! – disse Olaf, encorajador. Ela levou a mão mais
perto, mas ainda sem encostar. – Por que ela não está batendo? –
perguntou o boneco para Kristoff. – Será que ela não sabe como
bater?
Isso está ficando ridículo, disse Anna para si. Qual a pior coisa
que pode acontecer? Ela não abrir? Não é como se isso nunca
tivesse acontecido. Vá em frente e…
, !
Do outro lado da porta, Anna pôde ouvir a batida ecoar pelo
palácio. Ela prendeu a respiração, esperando que o de costume
acontecesse, mas dessa vez, em vez de esperar inutilmente do lado
de fora, as portas para o mundo de Elsa se abriram.
– Há! – gritou Anna, batendo palmas alegremente. – Está aberta!
Uma pequena vitória! – Ao entrar no palácio, parou no batente, se
virando para Kristoff. – Você vai querer esperar aqui fora – disse
gentilmente.
– Como? – perguntou Kristoff, confuso.
– A última vez que apresentei um cara para ela aconteceu isso –
disse gesticulando à sua volta.
– Mas é um palácio feito de gelo – disse Kristoff, como se ela
fosse completamente insana. – Gelo é a minha vida.
Anna se sentiu mal por um momento, mas não podia arriscar a
vida dele apenas para que visse a escultura de gelo mais trabalhada
do mundo. Além disso, a conversa com Elsa era algo que
precisavam fazer a sós.
– Você também, Olaf – disse interceptando o boneco de neve,
que já se encaminhava para a porta. Ele a encarou com seus olhos
enormes e esperançosos, mas ela sacudiu a cabeça. – Deem-nos
um minuto.
Um minuto é tudo que preciso para descobrir o quão chateada
Elsa está, completou Anna silenciosamente. Respirando fundo,
adentrou no enorme saguão. Hora da verdade.
– Elsa? Elsa! Sou eu… Anna!
Dentro do palácio as palavras de Anna reverberavam nas paredes
congeladas em alto e bom som, rompendo o costumeiro silêncio.
Era tão belo por dentro quanto por fora, mas havia um ar de solidão
ali. As portas davam para um enorme saguão com um teto
estonteantemente alto e arqueado. Dele pendia um fantástico lustre
de gelo e do outro lado do cômodo uma nova escadaria levava para
o piso superior. Não pôde deixar de notar a ausência de retratos ou
qualquer toque pessoal. Era, por falta de palavra melhor, frio.
Dando mais uma olhada ao redor, para se certificar de que Elsa
não estava escondida nas sombras, Anna atravessou o chão de
gelo em direção à escadaria. Os degraus eram escorregadios, o
corrimão, fino e difícil de segurar. Conforme subia as escadas, Anna
prendia a respiração a cada passo que dava, sempre certa de que
cairia com o próximo movimento. Assim que pensou nisso, seu pé
escorregou e perdeu o equilíbrio. Agarrando-se ao corrimão, fez um
esforço para se equilibrar. Quando teve certeza de que o pior já
tinha passado, ela olhou para cima. Para sua surpresa, lá estava
Elsa, no topo da escadaria.
– Anna? – disse Elsa, como quem quase não pudesse acreditar
no que via.
A recíproca era verdadeira para Anna, também incrédula e em
choque.
– Elsa, você está… diferente… Diferente bom, mas… – disse sem
saber como continuar. Sua irmã não estava apenas diferente, ela
estava transformada. A mulher diante dela era com certeza a
pessoa mais bela que Anna já tinha visto. O cabelo loiro platinado
de Elsa não estava mais preso em coque. Agora formava uma única
larga trança, que caía sobre o ombro, e os fios prateados reluziam e
brilhavam como se tivessem luz própria. A última vez que tinha visto
sua irmã, ela usava o vestido da coroação, com mangas compridas
e gola alta. Era um vestido adorável, admitiu Anna para si mesma,
encarando sua irmã com deslumbramento, mas agora Elsa está
realmente incrível. Não, é mais que o vestido e o cabelo, Anna
percebeu. Ela parece… livre. Anna sorriu, se aproximando de sua
irmã. – Esse lugar é incrível – disse, enfim.
– Obrigada! – disse Elsa, arrumando uma mecha de cabelo atrás
da orelha, agitada. – Nunca soube do que era capaz.
Nem eu nem você sabíamos, Anna quis completar, mas em vez
disso, se desculpou.
– Sinto muito pelo que aconteceu. Se eu soubesse… – ela
estendeu a mão, esperançosa.
Elsa se contraiu como se Anna fosse uma cobra venenosa.
– Não, está tudo bem. Você não tem que se desculpar, mas
precisa ir embora – disse ao se afastar. – Por favor.
– Mas acabei de chegar – disse Anna subindo mais um degrau.
– Seu lugar é Arendelle – disse sua irmã, se afastando um pouco
mais. – Meu lugar é aqui. Onde eu possa ser quem eu realmente
sou sem machucar ninguém.
– Na verdade, falando nisso – começou Anna, pronta para
esclarecer que Elsa já tinha machucado alguém. Isso sem contar eu
mesma, com a solidão desses anos todos de silêncio, pensou, mas
parou a tempo. Queria que sua irmã voltasse para casa, não que ela
se assustasse ainda mais e desejasse ficar escondida ali pelo resto
da vida. Fechou a boca, procurando pela melhor maneira de reagir à
teimosa necessidade de isolamento de sua irmã. Antes que pudesse
dizer algo, foi interrompida pela voz de Olaf contando:
– Cinquenta e oito… Cinquenta e nove… Sessenta!
Apesar do choque, Anna sorriu. A adorável criaturinha tinha
entendido que ela precisava literalmente de um minuto.
Entrando no salão, Olaf avistou Anna e Elsa e acenou.
– Olá! Eu sou o Olaf e gosto de abraços quentinhos!
Conforme se aproximava das escadas, Anna admirava a
expressão de sua irmã. Pôde ver um ar de confusão no rosto de
Elsa, seguido por medo e choque. Por fim, a última emoção que
conseguiu perceber nela antes que Olaf chegasse a seu lado era
maravilhamento.
– Olaf ? – ela disse. – Você está vivo?
O boneco de neve hesitou e deu de ombros.
– Acho que sim? – respondeu, incerto.
Anna sabia o que sua irmã estava pensando. Ela mesma tinha
pensado nisso, ainda há pouco.
– É como aquele que construímos na infância – disse Anna se
ajoelhando ao lado de Olaf. – Nós éramos tão próximas. Podemos
voltar a ser assim.
Para a surpresa de Anna, Elsa sorriu. Mas tão rápido quanto veio,
o sorriso desapareceu, sendo substituído por um olhar de dor. O que
quer que Elsa tivesse em mente, não era a lembrança suave e feliz
que tinha ocorrido a Anna quando encontrou Olaf pela primeira vez.
– Não, não podemos – disse Elsa, enfim. Dando as costas, se
dirigiu para outro lance de escadas.
– Elsa, espere!
– Só estou tentando proteger você! – gritou Elsa em movimento,
sem olhar para trás.
– Você não tem que me proteger! – disse Anna seguindo sua
irmã. – Não estou com medo. Não me exclua da sua vida
novamente.
Por que ela simplesmente não entendia?, pensou Anna
perseguindo sua irmã escada acima. Entendo, ela teve que crescer
com poderes que não entendia. Deve ter sido assustador, mas
talvez se ela me deixasse entrar não estaríamos nessa situação
agora. Será que ela não percebe o quanto está sozinha? E que não
precisa ser assim? Nenhuma de nós precisa ficar sozinha nem com
medo. Podemos ter uma a outra – se Elsa apenas deixasse eu me
aproximar.
Talvez Kristoff estivesse certo. Talvez Anna estivesse sendo muito
ingênua de pensar que ao entrar lá tudo se resolveria. Mesmo se ela
não quiser me perdoar, achei que ela se importaria com o povo de
Arendelle… A menos que… Talvez ela não saiba.
Anna alcançou sua irmã quando esta entrou na enorme varanda
que avistara do lado de fora. Ao longe, o sol se punha no céu,
fazendo com que o gelo sob os pés delas brilhasse em tons de
dourado, roxo e vermelho.
O movimento de Anna chamou a atenção de Elsa, que se virou.
Anna engoliu em seco. Era agora ou nunca. Suspirando, ela
apontou para o chão congelado.
– Você causou um eterno inverno… em toda parte. – O rosto de
sua irmã se encheu de medo, partindo o coração de Anna. – Mas
tudo bem. Você pode simplesmente descongelar tudo – ela disse.
– Não posso.
– Claro que pode – replicou Anna. Ela não estava disposta a
desistir de sua irmã. – Eu sei que pode. – Disso tinha certeza. Elsa
precisava voltar para casa e consertar tudo. Ficaria tudo bem.
Mas ainda não estava tudo bem, nada bem.
Anna observou, incapaz de reagir, Elsa rodopiar nervosa pela
sala.
– Como eu fui tola! – gritou, sentindo um forte redemoinho de
vento se formar ao redor de suas pernas. A neve começou a cair do
teto, e a temperatura do ambiente diminuiu no mesmo instante. Uma
nova camada de gelo começou a se formar sob os pés de Elsa.
– Não entre em pânico! – exclamou Anna, tentando acalmá-la. A
última vez que sua irmã ficara assim, Arendelle tinha acabou
coberta por uma espessa camada de neve. Elsa já não ouvia nada.
Gelo se formava na ponta de seus dedos e a neve que caía
suavemente se transformara em uma completa nevasca.
Levantando os braços para proteger os olhos da neve cortante,
Anna tentava achar sua irmã, mas tudo que conseguia escutar era o
vento uivante. – Elsa, por favor! – ela implorava. – Podemos mudar
isso!
– EU NÃO CONSIGO!
Como se estivessem em câmera lenta, Anna viu o grito de Elsa
aumentar a intensidade da nevasca até perder o controle. Houve
uma tensa pausa, e então o impacto da neve atingiu Anna. Ela caiu
no chão, levando a mão ao peito dolorido. Apoiando-se no chão,
tentando se levantar, mal conseguia prestar atenção no choro de
Elsa e no som dos passos de Kristoff, que se aproximava a cada
instante. Tudo o que conseguia ouvir era seu próprio coração
pulsando em dor dentro do peito.
– Anna? – chamou a voz preocupada de Kristoff, interrompendo
seus pensamentos.
– Está tudo bem?
Levantando a vista para encontrar os olhos de Kristoff, se
surpreendeu com seu olhar assustado.
– Estou bem – disse Anna, tentando se levantar. Era verdade, ela
sentia como se estivesse doente, mas não ia deixar ninguém
perceber que estava com dor. Ela estava ali por sua irmã, e Elsa
ainda precisava dela.
– Elsa – ela falou com suavidade. – Sei que podemos resolver
isso juntas…
Mas já era tarde demais para tentar acalmar sua irmã. Anna
soube assim que as palavras saíram de sua boca. Os ombros de
sua irmã estavam tensos, suas mãos, firmes na cintura. Ela estava
claramente na defensiva.
– Como? – gritou Elsa, desesperada. – Que poder você tem de
parar esse inverno? De me parar? – A cada palavra dela, lanças de
gelo saltavam das paredes em direção ao chão.
– Anna, acho que precisamos ir embora – disse Kristoff passando
um braço protetor sobre seu ombro.
Ela tentou se livrar dele.
– Não, Elsa não é assim. Só está assustada.
– Ela está assustada? – repetiu Kristoff. – Está brincando, não é?
Eu tenho certeza de que ela não tem nada com o que se assustar.
Mas Kristoff estava errado. Elsa estava assustada. Anna podia
perceber. Não pela tensão que tomava seu corpo e o enrijecia, mas
pelo seu olhar desesperado. Pela forma que olhava para Anna,
como quem implorasse por ajuda. Podia fazer muitos anos desde
que foram confidentes uma da outra, mas Anna ainda sabia como
era o olhar de Elsa quando estava assustada.
– Sei que você não quis fazer nada disso – disse Anna finalmente
em voz alta. – Foi um acidente. Nós podemos consertar isso.
Podemos consertar tudo. Juntas. Não vou embora sem você, Elsa.
– Sim – disse Elsa, parecendo estar de coração partido –, você
vai.
Balançando os braços no ar, Elsa começou a erguer a neve do
chão, movendo e moldando o gelo até que, finalmente, diante dela e
de sua irmã, se ergueu o maior e mais assustador boneco de neve
que Anna já tinha visto.
Quando a criatura deu um passo ameaçador na direção deles,
Anna e Kristoff trocaram olhares. Eles claramente só tinham uma
opção:
– CORRA!
C 22

Hans sabia que a excursão de busca estava começando a perder a


esperança. Sabia que todos estavam cansados e famintos. Sabia
que queriam parar, mas não se importava. Ele precisava encontrar
Anna.
Desde que deixara o Posto de Comércio do Oaken, Hans estava
forçando o grupo a avançar sem piedade. Apesar da neve e dos
ventos cada vez mais fortes, ele mantinha o ritmo veloz e as
distrações ao mínimo. A cada passo que davam, sentia ser
observado pelos homens do Duque. Fitado por olhares frios e
julgadores. Sabia que reportariam cada mínimo ocorrido ao Duque.
Isso poderia ser o fim de Hans, então ele mantinha a guarda alta e
as costas erguidas, fazendo seu melhor para focar na missão que
tinha em mãos. Isso significava manter todos em movimento e
rapidamente.
– Vossa Alteza?
Hans se moveu em sua sela sem segurar a rédea dos cavalos.
Um dos voluntários mais jovens trotava alguns passos atrás. A
cabeça de seu cavalo estava baixa e o rapaz tremia.
– Vossa Alteza, sei que nos disse para seguir em frente, mas…
– O que é, Thomas?
– Não é nem por mim, Majestade, mas alguns dos mais velhos…
estão ficando cansados. Estamos pensando em parar, talvez? Só
por alguns minutos? Dar uma chance de os cavalos descansarem, e
então seguimos. Há uma clareira adiante. Tomei a liberdade de
passar por lá, e, bem, parece um bom lugar para parar. É bem
bonito, na verdade…
Hans arqueou a sobrancelha. Será que esse rapaz honestamente
achava que a essa altura alguém ligava se algo era bonito? Tudo o
que importava era encontrar Anna e forçar Elsa a parar o inverno.
Então, ele retornaria a Arendelle como o herói conquistador. Seria
aplaudido e visto como o salvador do reino. Elsa seria forçada a
abdicar do trono, e ele se casaria com Anna, viraria rei e finalmente
tomaria o controle do trono e do reino de sua esposa.
Pausas para admirar belas clareiras não fazia parte desse
cenário.
No entanto, ao ver o jovem trêmulo em sua sela, sabia ter pouca
escolha. Eles precisavam parar. Pelo menos por ora. Insistir que
prosseguissem faria com que parecesse desumano. Era sua melhor
opção, e na verdade sua única real opção, garantir a esses homens
que Hans era um deles. Que também sentia frio, que estava
cansado. Se mostrasse a eles que, apesar de tudo, ele seguiria em
frente, eles fariam o mesmo. Além do que, se retornasse a Arendelle
com Anna, mas sem algum dos admirados voluntários do reino,
traria uma mácula para sua brilhante reputação.
– Muito bem – disse por fim. – Iremos para a clareira descansar,
mas só por um momento. Avise a todos que essa parada significa
que depois teremos de seguir ainda mais rápido e incansáveis.
– Obrigado, Vossa Alteza! – disse Thomas. – Obrigado, vou avisar
aos demais! – Dando a volta, ele trotou em direção aos outros
homens.
Hans assistiu a Thomas dar a mensagem aos outros, sorrindo
quando os homens, gratos com as boas novas, começaram a
aplaudir. Ele nunca cessaria de se surpreender com a facilidade
com que as pessoas podiam ser manipuladas. Tinha aberto mão de
pouco tempo e, em troca, acumulado mais respeito.
E, assim, chegaram à clareira.
No mesmo instante, a confiança de Hans praticamente
desapareceu. Por um lado, ele queria culpar unicamente os homens
do Duque por seus medos, mas a culpa não era inteiramente deles.
A maior parte dela, agora percebia, era da pessoa que tinha criado a
obra de arte que agora admirava: Elsa.
Hans se prendia até então a um único reconfortante pensamento:
Elsa era um monstro. Elsa era um monstro que tinha coberto
Arendelle de neve e abandonado seu povo ao sofrimento. Tinha
congelado o fiorde e isolado o reino de qualquer ajuda em potencial.
Deixara crianças famintas e famílias gelando ao relento. Era isso, a
definitiva falta de humanidade de Elsa, que garantia a chance de
Hans ser visto como um herói. Se o povo de Arendelle a temesse,
clamariam para que ela fosse capturada e presa. Pediriam que
abdicasse do trono e pressionariam Hans para aceitá-lo. Para seus
planos, precisava que Elsa fosse esse monstro.
No entanto, olhando a seu redor, Hans tinha que admitir que o
poder de Elsa não era apenas destrutivo, mas podia também ser
muito belo. A clareira que Hans se encontrava era rodeada por
enormes salgueiros. Em um dia de verão comum, imaginava que
seus galhos compridos e finos se balançariam suavemente na brisa
morna, e suas distintas folhas fariam um som único ao vento. Mas
esse era um dia de verão muito atípico, e as folhas não faziam seu
som comum, mas tilintavam. O inverno de Elsa havia congelado as
folhas.
Os ramos pendiam baixos, e as folhas e flores estavam presas
sob o gelo. O vento uivando por entre as árvores fazia com que os
galhos batessem uns nos outros, enchendo o ar com o som de uma
centena de sinos. Era uma bela vista e um belo som. Mesmo com o
sol se pondo no horizonte, tudo ainda parecia brilhar. A lua refletida
nos ramos congelados banhava toda a área de uma luz branco-
azulada, fazendo com que todo o ar ao seu redor brilhasse
permanentemente.
Se qualquer pessoa em Arendelle visse isso, percebeu Hans,
cada vez mais ansioso, eles não veriam Elsa como um monstro
completo. Esse lugar, o que quer que fosse, era algo especial. Algo
perfeito. Elsa tinha criado algo lindo, algo puro e nem um pouco
assustador. Se servisse como indicador de algo, era que Elsa era
ainda mais poderosa do que Hans havia pensado. E sendo sua
magia assim forte… Bem, o plano de Hans não seria tão fácil de ser
executado como imaginara. A menos que…
Hans sorriu. Ele estava encarando isso da maneira errada. Se
Elsa fosse capturada, ela ficaria assustada, e claramente quando
ela se assustava seu poder ficava perigoso, não lindo. Tudo o que
precisava fazer era garantir que ela nunca mais criasse nada assim.
Ele destruiria esse lugar e qualquer resquício de beleza. Ninguém
precisava saber do que ela era capaz.
Só havia, então, um obstáculo em seu caminho: os homens do
Duque. Sua aliança ao homenzinho e a falta de confiança em Hans
trariam problemas. Olhando para eles, viu que tinham se afastado
da clareira, como se fossem alérgicos a beleza. O que precisava era
que eles viessem para seu lado. E qual a maneira mais fácil de
trazer um capanga para o seu lado? Oferecer uma generosa
recompensa, é claro.
Apressando seu cavalo, Hans trotou em direção aos homens.
Ambos erguiam as mãos diante do rosto, assoprando os dedos e
esperando em vão manter-se aquecidos.
– Cavalheiros – disse Hans, acenando com a cabeça. – Creio que
começamos com o pé esquerdo.
O homem mais alto abaixou as mãos.
– E como você descobriu isso? – perguntou em um grunhido com
sua voz grave.
Hans se aproximou deles, se inclinando.
– Percebi agora – sussurrou. – Não estava certo ainda de como
poderia deixar essa nossa aventura vantajosa para vocês. –
Esperou para ver se os homens dariam as costas, ignorando-o ou
se prestariam atenção, e eles continuaram ouvindo atentos. – Vocês
estão aqui a mando do Duque, certo? Mas se não se importam que
eu pergunte, ele vai fazer valer a pena o risco que estão correndo
aqui na montanha?
– O Duque não falou nada sobre fazer valer a pena nosso risco –
disse o mais baixo dos dois. – Ele apenas mandou que Erik e eu
viéssemos com você.
– Calado, Francis – disse Erik, o capanga mais alto. – Não
precisamos contar para esse cara sobre os negócios do Duque. –
Olhando de volta para Hans, completou: – E não respondemos para
ninguém além do Duque, então, pare de bisbilhotar.
– Sim, você está certo – respondeu Hans. – Sinto muito. Você não
precisa me contar nada. O Duque tem muita sorte de ter homens tão
leais a seu lado. Creio que posso pedir para os outros me ajudarem
então. Devia ter pedido a eles primeiro. É que detesto a ideia de dar
a eles terras e títulos quando deveriam ser apenas meus súditos.
Pensei que, como vocês não são desse reino, iriam gostar de ter
algumas terras e um dinheiro a mais no bolso. Talvez passar boas
férias nas Ilhas do Sul. Sair um pouco de Weselton no inverno e
aproveitar o calor do reino de meu pai. Mas como vocês não estão
interessados… – Hans pausou novamente e segurou as rédeas, se
aprontando para partir. Quem se importava que ele estivesse
oferecendo algo que não podia cumprir? Eles não precisavam saber
disso. Só precisavam morder a isca.
Por um momento de tensão, Hans teve a certeza de que os
homens do Duque iam deixá-lo partir com a oferta. Então, Erik, que
Hans rapidamente percebeu ser o cérebro da dupla, se adiantou e
falou:
– O que você tem em mente?
Hans sorriu e, ao se virar, escondeu seu enorme sorriso para
parecer mais profissional.
– Preciso que você me ajude a capturar Elsa. Viva.
– Mas o Duque nos mandou aqui para matá-la – replicou Francis,
confuso.
– Por que iríamos querer mantê-la viva? – perguntou Erik. – Por
que se dar ao trabalho de vir até aqui para deixá-la ir embora?
Hans segurou um suspiro. Não esperava tantas perguntas da
dupla. Só queria oferecer uma gorda recompensa e ter sua
obediência cega, sem questionamentos, mas eles precisavam de
respostas que ele não poderia dar. Rapidamente, ele tentou formular
uma boa razão para capturar a rainha, sem matá-la. No momento
seguinte, tinha a resposta.
– Não, não, não – respondeu Hans. – Isso é o que o Duque quer,
mas não o que eu quero. Matá-la seria a pior coisa a se fazer. Olhe
ao redor. Elsa é mais poderosa do que imaginávamos. E se a morte
dela não destruir essa magia? E se Arendelle ficar presa no inverno
para sempre? Eu não quero que isso aconteça. Também não acho
que o Duque realmente deseje isso para um aliado comercial tão
forte. Precisamos capturar Elsa viva e levá-la para o castelo inteira.
Se me ajudarem nisso, garanto aos dois títulos e terras nas ilhas de
meu pai. Temos um acordo?
– Espere um pouco – disse Erik. Ele se abaixou e sussurrou algo
no ouvido de Francis.
Hans assistiu à conversa, segurando a respiração.
Então, Erik estendeu a mão.
– Temos um trato – ele disse.
Hans sorriu.
– Trato feito – disse, apertando a mão do homem.
Isso, pensou quando voltou para reunir o restante de seus
homens, foi bem mais fácil do que eu imaginava. Hans não fazia
ideia se matar Elsa seria de fato tão desastroso. Na verdade,
suspeitava do exato oposto, mas a morte da rainha agora traria
muitas variáveis. Hans estava confiante que, por ora, poderia
avançar livre na conversa até seu final feliz.
C 23

– PARE! – gritou Anna. – Coloque-nos no chão!


Não importava o quanto ela se sacudisse e tentasse escapar, não
conseguia se libertar das mãos do enorme monstro de neve. O
monstro que minha própria irmã criou para me expulsar de seu
palácio de gelo, pensou Anna. Foi tomada por uma onda de raiva,
imediatamente substituída por uma onda de tristeza. Ela podia se
debater o quanto quisesse, mas não havia como escapar da
verdade: sua irmã não a queria por perto.
A seu lado, Kristoff também tentava sem sucesso se libertar. Suas
bochechas naturalmente rosadas coravam ainda mais conforme ele
chutava o ar. Olaf, preso firmemente na outra mão do monstro,
sorria distraído, como sempre, parecendo não perceber a perigosa
situação em que se encontrava.
– Você é muito mais forte do que pensa – disse o pequeno
boneco de neve.
Como resposta, a criatura esticou seus dois enormes braços de
neve e jogou o trio escada abaixo.
– Vão embora – ele rugiu.
Anna caiu no meio da escadaria e já começou a escorregar para o
chão. Soltou um grunhido de espanto quando viu a cabeça de Olaf
rolar, sendo seguida pelo resto do corpo. Ao chegar ao pé da
escada, Anna e Kristoff pararam de rolar. O pequeno boneco de
neve não teve tanta sorte. Sua cabeça continuou descendo até
atingir um monte de neve, e o resto de seu corpo veio atrás, até que
três agitadas bolas de neve despontavam do monte.
Anna tinha visto o bastante. Uma coisa era a irmã afastá-la de sua
vida, outra completamente diferente era ser literalmente jogada para
fora do castelo e ainda deixar aquele enorme monstro estúpido
machucar o pobre Olaf. Espumando de raiva, Anna se voltou para o
castelo.
– Não é legal jogar as pessoas! – ela gritou para a criatura que
dava as costas. Quando viu que o gigante não voltou para encará-
la, Anna se encaminhou para as escadas, pronta para enfrentá-lo.
– Está certo, senhora lutadora – disse Kristoff, segurando em sua
cintura. – Deixe o homem de neve no canto dele.
Anna se debateu. Ela não queria deixar ninguém em canto
nenhum. Ela queria uma revanche. Jogá-lo das escadas para que
ele soubesse como era, mas quanto mais se debatia, mais forte
ficava a pegada de Kristoff. Ele nunca iria soltá-la, ainda mais vendo
que ela estava espumando de raiva, então, relaxando em seus
braços, ela levantou a mão como quem admite derrota.
– Tudo bem – ela disse. – Estou calma.
Como esperado, Kristoff a soltou. No instante em que se viu livre,
Anna se abaixou, pegou um punhado de neve, rapidamente fazendo
uma bola, tão maciça quanto pôde, retraiu o braço e lançou
diretamente na enorme criatura de neve. Com um pequeno baque, a
bola atingiu inofensivamente o gigante nas costas e caiu no chão,
mal deixando vestígios no imenso boneco.
Toma essa, valentão, comemorou Anna silenciosamente. Como
você se sente sendo provocado? Vai fazer o que sobre isso? Hein?
Hein? He… Oh, oh…
Aparentemente, a criatura de neve adorou a ideia de reagir ao
ataque. Anna assistiu em choque a longas estacas de gelo se
formarem nas juntas do monstro, que se voltou para eles soltando
um grave rugido.
– Agora você o deixou bravo! – gritou Kristoff.
– Eu o distraio – gritou Olaf heroicamente quando a criatura saltou
da ravina que cercava o palácio. – Corram!
Antes que Anna pudesse protestar, Kristoff a empurrou para longe
do monstro de neve descomunal. Olhando para trás, viu Sven
galopando na direção oposta, sendo seguido por metade de Olaf.
Só a cabeça de Olaf permaneceu no monte de neve, e Anna viu
horrorizada a criatura atropelar esse monte, lançando para longe a
cabeça de Olaf, que caiu de cara no chão nevado. Não havia muito
a se fazer agora. Hesitava em deixar o boneco para trás, mas ela e
Kristoff precisavam fugir, e Anna tinha certeza de que Olaf ficaria
bem. Os dois correram pela neve, tentando desesperadamente ser
mais rápidos que o gigante. Eles escorregaram por entre as
estepes, correndo através de uma mata de coníferas com os galhos
pesados de neve.
Subitamente, Anna parou. Seu olhar recaiu sobre a maior árvore
de todas com os galhos mais pesados, então sorriu. Quando caíra
de Kjekk, ela tinha tentado se levantar usando um galho. No instante
em que soltou, ele saltou para cima, jogando a neve longe e
derrubando a neve das árvores ao redor. Aquele era apenas um
pequeno ramo. Se ela pudesse usar um galho maior…
Correndo para a árvore mais próxima, ela pulou para cima,
tentando agarrar o galho mais baixo. Não conseguindo, pulou
novamente e seus dedos roçaram a madeira, ainda sem sucesso.
Finalmente, soltando um grito, ela pulou com toda sua força. Seus
dedos se fecharam em volta do galho, e ela o puxou em sua
direção.
Não teve que esperar muito. Quase que imediatamente o chão
sob seus pés começou a tremer, e Anna viu a gigantesca mão da
criatura atacar diversas árvores, arrancando-as do chão como se
fossem palitos de dente.
As mãos de Anna estavam trêmulas, bem como seu corpo, do
esforço de manter o galho firme. De algum lugar atrás dela, ouviu
Kristoff chamar seu nome, mas o ignorou. Sua atenção estava
completamente focada na iminente aproximação do monstro de
neve. Três, ela começou a contar quando viu que se aproximava.
Dois… Ele estava quase onde ela queria. E um!
Com um grito, Anna soltou do galho da árvore. Livre de seu peso,
ele se projetou para cima. A neve pesada que se acumulara no
galho voou diretamente na criatura! Houve um baque quando toda
aquela neve atingiu em cheio o gigante.
Na mosca! Anna não teve tempo de comemorar. Ela e Kristoff
correram pelas árvores e sobre enormes montes de neve, ganhando
o máximo de distância possível do monstro. Eles desceram uma
pequena colina, subindo outra logo à frente e assim se esgotaram
os lugares para onde correr.
Esgueirando-se por entre as árvores, Anna e Kristoff mal
conseguiram parar quando chegaram na beira de um abismo.
Abrindo os braços para recuperar o equilíbrio, eles conseguiram
parar bem a tempo. Atrás deles, a criatura soltou um rugido ainda
mais feroz.
– É uma queda de mais de trinta metros! – gritou Anna quando
teve coragem de olhar para o abismo abaixo.
– Tem mais de sessenta – corrigiu Kristoff.
Anna olhou para ele com ar de desdém. Não parecia a hora
apropriada para tecnicalidades. E o que raios ele estaria procurando
dentro de sua bolsa? Ele não podia esperar para procurar…
– AI! – ela grunhiu quando Kristoff pegou uma corda de seu
embornal e amarrou com firmeza em sua cintura. Então, ele se
ajoelhou, cavando o que parecia ser um buraco em forma de
ferradura. – Para que isso? – ela perguntou.
– Estou cavando uma âncora de neve – ele respondeu com ar de
quem responde o óbvio.
Anna olhava para ele, cética. Ele estava tentando dizer que ia
ancorá-los? Isso significava, então, que ele tinha a intenção de…
pular? Anna engoliu em seco.
– E se a gente cair? – ela perguntou nervosa.
– Tem uns seis metros de neve fresca lá embaixo – ele explicou. –
Vai ser como aterrissar em um travesseiro… com alguma sorte.
Com alguma sorte? Essa era a coisa mais insana que ela já tinha
feito, mas estranhamente se sentiu mais calma ao ouvir a voz de
Kristoff e percebeu alegremente que confiava nele.
– Tudo bem, então me diga quando – ela falou, quando de trás
pôde ouvir os pesados passos da criatura se aproximando.
– Um!
– Estou pronta para ir…
– Dois…
Anna se balançava para cima e para baixo, tomando coragem.
Quando viram uma enorme árvore voar no ar na direção deles, ela
gritou:
– TRÊS! – Antes que pudesse pensar, pulou da beirada, levando
Kristoff junto de si.
– AHHHH! – Kristoff gritou.
– AHHHH! – Anna berrou.
– UMPH! – eles grunhiram juntos quando a corda travou na
âncora de neve, ficando completamente esticada.
Por um momento, ficaram pendurados, gentilmente balançando a
cinquenta metros do chão de neve.
– Bem, eis o resultado – disse finalmente Kristoff. Ele olhou para
Anna.
Ela deu de ombros.
Tudo bem, talvez esse não tivesse sido o melhor dos movimentos
da parte dela. Pelo menos, estavam vivos e longe do monstro de
neve. Ao abrir a boca para comentar o fato, Anna ficou paralisada
ao ver a cabeça de Olaf caindo na direção dela. Ao passar por eles,
o boneco de neve abriu um enorme sorriso.
– Esperem aí, amigos! – ele gritou.
Quando a cabeça desapareceu sob a bruma enevoada, Anna
sentiu um puxão na corda. Então, mais um. E outro.
Olhando para cima, Anna viu que a criatura tinha agarrado a
corda da âncora e estava levantando-os. Com alguns puxões eles
estariam de volta para onde tinham começado.
– Kristoff! – gritou Anna, olhando para cima esperando alguma
ajuda, mas naquele exato instante a criatura deu um puxão
particularmente forte. Kristoff foi lançado para o alto e, batendo a
cabeça na beira do abismo, perdeu a consciência instantaneamente.
Bem, isso é ótimo, pensou Anna, tentando não entrar em pânico.
Parece que vou ter que sair dessa sozinha. Ela olhou para a área,
esperando avistar algo útil. Foi quando seus olhos pousaram sobre
uma faca pendendo do cinto de Kristoff. Ela esticou a mão bem na
hora que a criatura os levantou na altura de seu rosto.
– Não voltem mais! – gritou o monstro.
Anna se retraiu quando, com a fala do gigante, foram cobertos por
um pigarro de neve.
– Não voltaremos! – ela gritou. Então, com um movimento ágil,
seus dedos apanharam o cabo da faca e ela cortou a corda.
Ficaram suspensos no ar apenas tempo suficiente para Kristoff
perceber o que acontecera e começaram a cair rapidamente. Anna
mal teve tempo de registrar que isso poderia matar os dois, antes de
cair com um baque na neve. Neve essa surpreendentemente fofa.
– Olha! – disse ela, aliviada. – Você estava certo. É como um
travesseiro. – Ela se virou, esperando ver Kristoff a seu lado. Para
sua surpresa, avistou Olaf em seu lugar. Ele estava agarrado às
botas de Kristoff, que saltavam da neve.
– Eu não estou sentindo as minhas pernas! – gritou o boneco de
neve. – Não estou sentindo as minhas pernas!
Tentando não rir do medo genuíno de Olaf, Anna assistiu a Kristoff
se levantar atrás do boneco. Sacudindo a cabeça e cuspindo neve,
ele finalmente explicou:
– Essas pernas são minhas.
O rosto de Olaf instantaneamente se encheu de alívio. Enquanto
o boneco de neve se recompunha, Sven reapareceu, sem um
mísero arranhão. Na verdade, a rena não parecia minimamente
perturbada pelo encontro desventurado com o gigante de neve.
Parecia mesmo estar com fome. Anna riu quando este tentou fazer
um lanche do nariz de Olaf.
Fico feliz que todos estejam bem, pensou Anna, tentando sair do
meio da neve. Depois de toda a correria, ela se sentia esgotada.
– Opa – disse quando Kristoff a levantou da neve como se
pesasse menos que uma pena. Anna sentiu a mão dele apoiar
gentilmente suas costas, para depois colocá-la de volta no chão
com suavidade. Sua mão era tão quente e reconfortante. Era quase
como se devesse estar ali.
– Você está bem? – perguntou Kristoff.
– Obrigada! – respondeu Anna. Ela olhou para ele, e seus olhos
se encontraram. – Como está a cabeça? – ela perguntou, levando a
mão ao ponto onde tinha batido com força na beirada.
– Ai! – gritou ele, pousando a mão sobre a dela. Então, como se
estivesse envergonhado, afastou-se. – Está tudo bem. Estou bem.
Tenho a cabeça dura mesmo. Então… E agora? – ele perguntou,
mudando de assunto.
– E agora…? – repetiu Anna. O que ele queria dizer? “E agora”
em relação a eles?
De súbito, sentiu o sangue corar suas faces quando o real
significado da pergunta de Kristoff a atingiu como uma tonelada de
tijolos.
– E agora! Ah! O que eu vou fazer? Ela me expulsou. Não posso
voltar para Arendelle com esse tempo. E tem o seu negócio de
gelo…
– Ei, não se preocupe com o meu negócio de gelo – disse Kristoff
interrompendo-a. Então, ele coçou a cabeça como se reparasse em
algo pela primeira vez. – Preocupe-se com o seu cabelo.
– O quê? – disse Anna em choque. Levando a mão, ela acariciou
seu cabelo. – Acabei de cair de um penhasco. Você devia ver o seu
cabelo.
– Não – disse Kristoff. – O seu está ficando branco.
Anna tocou sua trança, trazendo-a para frente do rosto. Ele
estava certo. A pequena mecha de cabelo que sempre tinha sido
branca havia sumido em uma área muito maior de cabelos brancos.
Com a trança ainda em sua mão, pôde ver ainda mais do vermelho
de seu cabelo dar lugar ao tom mais claro.
– É porque ela atingiu você – disse suavemente Kristoff. – Não é?
Anna queria negar, mas não podia. Quando Elsa ia parar de
machucá-la? Ela olhou para ele, com os olhos cheios de tristeza.
– Você precisa de ajuda – disse ele em tom gentil. – Agora,
vamos.
Dando a mão para ela, começaram a se afastar do abismo. Atrás
deles, Olaf e Sven seguiam em ritmo mais lento.
– Aonde vamos? – perguntou o boneco de neve.
– Ver meus amigos – respondeu Kristoff.
Olhando para ele, Anna sorriu, apesar do medo que a inundava.
– Os especialistas em amor? – perguntou ela provocando.
A resposta de Kristoff não tinha nada de provocação.
– Sim – confirmou com seriedade. – E não se preocupe, eles
podem consertar isso.
– Como você sabe? – perguntou Anna, surpresa com quão
chateado Kristoff parecia estar.
– Porque… – disse ele olhando para ela. – Já os vi fazer isso
antes.

Já os vi fazer isso antes.


As palavras de Kristoff ecoavam pela mente de Anna. O que ele
queria dizer com “antes”? E quem eram “eles”? O que os
especialistas em amor sabiam sobre consertar um cabelo branco
estranho?
Anna não sabia mais o que pensar. Nas últimas vinte e quatro
horas, sua vida tinha virado de cabeça para baixo. Agora, ela estava
andando com um homem, um boneco de neve e uma rena,
enquanto iam ao encontro de “especialistas em amor”, além de seu
cabelo, que estava ficando cada vez mais branco. Qual era a parte
mais estranha nisso tudo? Apesar dos eventos particularmente
assustadores que tinha acabado de relembrar, ela se sentia
completamente segura com esse estranho trio.
– Olhe, Sven! – Anna ouviu a voz alegre de Olaf dizer. – O céu
acordou.
Voltando o olhar para cima, ela sorriu. O boneco de neve estava
deitado nas costas de Sven, com os olhos voltados para as estrelas
acima. A aurora boreal estava clara, seus tons azuis esverdeados
praticamente bloqueavam as estrelas. Olaf estava certo. O céu
realmente parecia acordado. Acordado e muito vivo, pensou Anna.
Subitamente, sentiu um arrepio passar por ela e estremeceu.
– Você está com frio? – perguntou Kristoff, preocupado.
– Um pouco – respondeu Anna.
Ele estendeu o braço e por um momento Anna pensou que ele a
abraçaria. Esse pensamento aliviou um pouco o frio em seus ossos,
mas ele não a abraçou. Em vez disso, segurou em sua mão e a tirou
do caminho, apontando para o chão. Os olhos de Anna se
arregalaram. Ao redor dela havia bolsões livres de neve. Parecia
que o terreno era um grande cobertor pontilhado de branco e
marrom. Vindo de uma faixa no chão descoberta de neve, uma
rajada de vento morno soprou para cima.
– Aah, isso é bom – disse Anna ao se aproximar, levando as
mãos à fumaça. No mesmo instante se sentiu menos gelada. Ao
olhar para cima, sorriu para Kristoff em agradecimento.
Juntos, Anna e Kristoff seguiram andando no caminho
esfumaçado.
– Então – perguntou Anna, rompendo o silêncio. – Qual é a
desses seus amigos? Eles realmente vão saber o que fazer? E o
que exatamente faz deles especialistas?
Kristoff enrubesceu.
– Eles… Ummm. Sim, eles saberão o que fazer. – Kristoff titubeou
um pouco mais e escolheu retomar o silêncio.
– Então, os seus especialistas têm nome? – ela perguntou, ainda
curiosa. – Eles são doutores? Devo chamá-los de Dr. Especialista
em Amor? Ou uso o tradicional senhor e senhora?
– Pergunta capciosa a sua – disse Kristoff fingindo uma
gargalhada que rapidamente se converteu em uma careta ao olhar
para Anna. Ela se perguntou se teria ido longe demais com a piada.
Claramente, essas pessoas que iriam encontrar eram um assunto
delicado para ele. Mas por quê? Será que ele pensa que vou fazê-lo
passar vergonha?
Quando Anna estava prestes a explicar o quão educada ela sabia
ser, de uma forma bem pouco educada, Kristoff limpou a garganta
nervosamente.
– Esses amigos… são praticamente minha família.
Família, pensou Anna. Por essa eu não esperava.
– Na minha infância, éramos só eu e Sven – disse distraidamente.
– Até que eles nos acolheram. Eu não quero assustar você, mas
eles podem ser um tanto inapropriados. E barulhentos. Muito
barulhentos. Também um pouco teimosos e superprotetores. E
pesados. Muito, muito pesados.
Anna abriu um sorriso. Ele não fazia ideia e definitivamente não
estava se esforçando, mas sabia ser realmente adorável. Sua
família, quem quer que fosse – e ela de fato parecia estranha, mas
qual família não é? –, obviamente significava muito para ele.
Imagino se é por isso que ele não os mencionou até agora,
considerou Anna. Se eu tivesse alguém tão especial assim também,
iria querer mantê-los por perto. Aposto que ele teve uma infância
maravilhosa. E tenho certeza de que nunca ninguém bateu a porta
na cara dele.
Antes dessa família, no entanto, ele devia ser muito solitário.
Tinha dito que sempre fora só ele e Sven. Deve ter sido bem difícil…
Ao perceber que Kristoff ainda estava falando, Anna voltou a
prestar atenção.
– Mas eles são legais – ele dizia. – Você vai entender. Só têm
boas intenções.
Anna não pôde evitar. Sobrecarregada de emoções, ela levantou
a mão gentilmente e segurou o braço de Kristoff.
– Eles parecem maravilhosos – ela comentou suavemente. – Mal
posso esperar para conhecê-los.
Kristoff sorriu, obviamente aliviado.
– Bem, então siga-me! – ele sugeriu, feliz.
Puxando o braço, voltou a indicar o caminho à frente. Atrás dele,
Anna o observava, com o sorriso desaparecendo. Ela tinha sido
sincera no que dissera, realmente queria conhecer a família inteira,
mas só de pensar em família ficava impossível não se lembrar de
Elsa, isolada em algum lugar da montanha, em seu palácio de gelo.
Elsa, que não queria nem ouvir falar de Anna.
– Gosto de caminhar, você não? – perguntou a voz de Olaf,
interrompendo os pensamentos de Anna, que se aprofundavam.
Apesar da tristeza que começava a tomar seu coração, ela sorriu.
– Eu gosto sim de caminhar – ela respondeu. – Gosto muito.
– Você já andou na praia? Sob o sol? – ele perguntou. – Espero
poder fazer isso algum dia.
Anna riu.
– Também espero que você consiga – ela disse, mesmo sabendo
que tal coisa seria impossível. Então, retomou seus pensamentos.
– Em que você está pensando? – perguntou Olaf.
Ela sorriu novamente.
– Família. Sobre como deve ser legal para Kristoff ter uma família
que se importa tanto com ele
– Eu tenho uma família ótima – disse Olaf.
– Você tem? – perguntou Anna.
– Claro. Você, Sven e Sven. Vocês são minha família. Eu gosto de
vocês, vocês gostam de mim, a gente se ajudou lá atrás. Não é
assim que funciona? – Ele encarou Anna com seus olhos enormes,
esperançosos e inocentes.
Anna pensou no assunto por um momento.
– Você quer saber de uma coisa, Olaf ? Eu acho que família é
exatamente isso.
– Também acho – respondeu, seguindo pelo caminho. – Quer
dizer, acho que provavelmente faria qualquer coisa por vocês. Como
quando você escalou uma montanha inteira só para ver a sua irmã.
Ela é da família, certo?
– Sim – disse Anna suavemente. – Eu me importo muito com ela.
Só não estou muito certa de que ela se importa comigo. Ela não me
quis lá no palácio…
Olaf a encarou, pensativo. Então, sorriu.
– Talvez ela só estivesse em um dia ruim. Sabe o que eu gosto de
fazer quando estou tendo um dia ruim? Eu gosto de pensar no
verão. Nas praias, no sol e…
Conforme o boneco de neve seguiu narrando seus sonhos de
verão, Anna continuou pensando no que ele dissera. Ela sabia o
porquê. Elsa não a expulsara porque estava tendo um dia ruim. Ela
a expulsou porque não a queria por perto. Mas talvez tenha feito
isso por… se importar? Do seu jeito estranho? Por um breve
momento, o coração de Anna se aqueceu com esse pensamento,
mas então se lembrou do olhar frio de Elsa, e o calor desapareceu.
Não fazia bem nenhum ficar pensando no impossível. Tudo o que
ela podia fazer agora era focar em encontrar a família de Kristoff e
torcer para que eles soubessem consertar o que Elsa tinha
quebrado.
C 24

É bom que isso valha a pena, pensou Hans ao fazer outra curva e
dar de cara com ainda mais neve.
Pela última meia hora, Hans e seus homens tinham feito pouco,
porém constante progresso. Ainda assim, pôde perceber que a
subida já estava exaurindo não só a ele, mas a equipe de buscas
inteira. Pequenos resmungos tinham dado lugar a ruidosas
reclamações por parte de todos, conforme subiam cada colina. Se
não encontrassem logo a princesa Anna ou a rainha Elsa, temia que
teria uma rebelião fora de controle em suas mãos.
Ainda assim, Hans não tinha a intenção de desistir. Se dessem
meia-volta agora e retornassem a Arendelle de mãos abanando,
suas esperanças de se tornar rei estariam permanentemente
arruinadas. Não. Ele precisava encontrar as irmãs. Ele precisava
encontrar Anna.
– Senhor!
Um grito vindo de pouco adiante alertou Hans, que saltou em sua
sela.
– Senhor, acho que a encontramos!
Apressando seu cavalo avante, Hans se dirigiu para onde o
esperava o ansioso mensageiro. Ele havia enviado o pequeno
homem à frente algumas horas antes para tentar encontrar uma
trilha limpa, e este parecia ter achado o que procurava.
– Passe-me o relatório, Anders – solicitou Hans ansioso. O jovem
era um voluntário da vila. Ele alegara ter experiência em
rastreamento de animais selvagens, mas até então parecia ter
exagerado bastante.
Por um momento, Anders não respondeu, tentando recuperar o
fôlego. Ele estava com um ar péssimo. Sua pele estava pálida e
suas mãos tremiam tanto que mal podia segurar as rédeas.
– Eu… Eu… Eu segui a trilha! – gaguejou finalmente. – Leva a um
enorme castelo, senhor. Nada que eu te-tenha visto antes. Acho que
a rainha está lá em cima, mas tem o monstro também! Um monstro
enorme! É todo branco, e, e… – A voz do mensageiro desaparecia à
medida que era tomado por um acesso de tremedeira.
Hans arqueou a sobrancelha.
– Um monstro? – ele repetiu. – Você está me dizendo que viu um
monstro lá em cima?
O mensageiro concordou com a cabeça.
Voltando-se para os homens que o aguardavam alguns metros
atrás dele e do mensageiro, Hans ponderou sobre seu próximo
passo. Se eu disser a eles que há um monstro, que pode existir ou
não – e tendo a acreditar que não, visto que o rapaz está
nitidamente cansado e tem uma imaginação muito fértil –, corro o
risco de eles debandarem de volta para Arendelle. Se não disser
coisa alguma e existir de fato um monstro, eles podem ser pegos de
surpresa, mas terei apoio certo. Deu de ombros. Pelo menos eu sei
onde estou me metendo.
– Homens! – disse ele, encarando seu grupo. – O mensageiro nos
traz boas notícias! O esconderijo da rainha foi descoberto! – Os
homens comemoraram.
Com um movimento firme nas rédeas, apressou seu cavalo a
galope. Atrás dele, podia ouvir o som dos outros cavalos, bem como
os fracos protestos do mensageiro. Deixe reclamar, pensou Hans,
sentindo um ardor renovado em suas bochechas. Logo terei
resgatado Anna, capturado a rainha e voltarei para Arendelle como
um herói.

O mensageiro estava certo. O castelo da rainha Elsa era diferente


de tudo o que ele já vira antes. Erguia-se aos céus, brilhante de gelo
e com pontas afiadas. Parecia refletir todas as cores existentes no
céu, agora principalmente a do sol se pondo no horizonte. Uma
belíssima e perigosa escadaria feita de gelo, minuciosamente
entalhada, levava às portas do castelo. Apesar de tudo, Hans estava
impressionado.
Então é disso que você é capaz, rainha Elsa, pensou Hans. A
clareira dos salgueiros era apenas uma gota no oceano. Ainda
assim, todos têm fraquezas, até mesmo pessoas poderosas como
você. Vou encontrar a sua mais cedo ou mais tarde. A parede de
gelo não vai me afugentar.
Gesticulando para que seus homens se reunissem ao seu redor,
Hans apontou para o castelo.
– Estamos aqui para encontrar a princesa Anna – lembrou-os. –
Estejam alertas, e aconteça o que acontecer, não machuquem a
rainha. Vocês entenderam?
Hans aguardou até que todos estivessem de acordo. Precisava
que cada um deles se mantivesse atento ao plano. Encarou à
distância os homens do Duque, cerrando os olhos. Especialmente
esses dois. Sentiu-se mais tranquilo quando, ao encontrar seu olhar,
os dois concordaram quase imperceptivelmente com a cabeça.
Ótimo, pensou Hans. Tudo em ordem. Agora tudo o que
precisamos é entrar no castelo e dominar Elsa. Vai ser fácil como…
Não teve tempo de terminar seu pensamento. Subitamente, uma
enorme criatura feita de neve e gelo se ergueu do chão. Dois olhos
negros gigantescos o fitaram do alto da cabeça em formato de
marshmallow. Quando se levantou em toda sua altura, Hans
percebeu que a criatura tinha mais de oito metros. Tragando uma
monstruosa nuvem de ar, a criatura se aproximou deles, se
abaixando e gritou:
– VÃO EMBORA! – Então, bateu com o punho no chão, errando
Hans por muito pouco.
Sinalizando para o resto de seus homens, Hans viu quando todos
levantaram suas espadas no ar. Com um grito, atacaram o monstro,
mas não havia quem pudesse competir com ele. Como se fossem
insetos, a criatura acertou os homens, fazendo com que voassem
pelos ares para longe.
Hans, no entanto, estava provando ser mais duro na queda do
que se imaginava. Abaixando-se e se esgueirando, ele ficou fora do
caminho da monstruosa criatura. Rolou para longe quando o
monstro tentou atacá-lo com o pé e pulou para a esquerda evitando
ser atingido por punhos de gelo. Repetidas vezes a criatura atacou
Hans, que repetidas vezes teve sucesso em sua fuga.
Isso é o seu melhor, besta de neve?, pensou Hans ao empunhar
sua espada habilidosamente. Você parece um coelhinho muito fofo
comparado a meu pai em um dia de raiva.
Hans se abaixou novamente se esquivando de um novo golpe da
criatura. Do canto dos olhos pôde avistar os homens do Duque
correndo em direção à escadaria. Para onde eles estão indo?,
pensou. Então, viu a rainha espiando pela porta.
Eles estavam indo atrás da rainha sem ele! Hans sentiu raiva.
Isso não era o que tinham combinado. Com um grito odioso, deu um
golpe de espada para frente. O monstro, que tinha se aproximado
demais de Hans, soltou um grunhido quando a lâmina atravessou
seu corpo de neve. Perdendo o equilíbrio, a criatura começou a
cambalear para frente.
Hans seguiu se esquivando do monstro cambaleante e quando
olhou para trás se espantou, arregalando os olhos. A criatura se
encaminhava para a beira do abismo que cercava o castelo de gelo
de Elsa. Mais alguns passos e ambos despencariam dali.
Desesperado, tentou mais um golpe de espada no ar, mas era inútil.
Ele estava prestes a cair para a morte certa.
Como último recurso, agitou sua espada no ar uma última vez. O
ferro cortou o ar uivando, e Hans sabia ser tarde demais. Tinha
errado o golpe. A espada não acertaria nada e cairia no abismo.
Então, a espada atingiu algo duro. O súbito impacto fez com que
sua mão estremecesse violentamente e quase soltasse a espada,
mas segurou firme no último momento. Moveu-a rapidamente,
abrindo um buraco na grossa perna de neve da criatura. Seus
irmãos sempre se vangloriaram do quão bom era abrir um buraco no
inimigo. Até então, achava que eles eram realmente insanos, até
perceber que de fato era algo bom. Sentiu-se ainda melhor quando
viu a criatura se desequilibrar mais uma vez, e seu corpo pender
para a esquerda, para direita e, então, cair do abismo. Ufa, pensou.
Essa foi por pouco.
– Aahh! – gritou Hans quando a criatura estendeu sua gigantesca
mão no ar tentando se salvar pela última vez e atingindo Hans em
cheio. O príncipe saiu voando. Por um breve e aterrador instante,
não sentiu nada além do ar sob e sobre ele, e no instante derradeiro
conseguiu se agarrar à escadaria. No momento seguinte, as mãos
fortes de seus homens o seguraram, ajudando-o a se levantar em
segurança.
Segurando a respiração, Hans ficou imóvel por um momento. Ele
queria se deitar naquele chão de neve maravilhoso para sempre.
Apreciar o fato de estar vivo. Então, se sentou. Cada minuto
passado era mais um minuto em que os homens do Duque estavam
no castelo sozinhos. Hans bem sabia que não devia confiar neles.
Levantando-se, sacudiu a neve de suas calças e correu escada
acima para o castelo.
Subitamente, ouviu um grito de desespero vindo do alto.
– Não! Por favor!
Hans estava certo em se preocupar. Conforme subia as escadas,
continuou ouvindo a rainha implorar em desespero. Se ele não se
apressasse, seria tarde demais. Os homens do Duque tinham feito
exatamente o que ele temia que fizessem. Tinham se virado contra
ele. Ao invés de capturar a rainha com vida, estavam tentando
matá-la.
Só então ouviu o inconfundível som de uma flecha sendo lançada
de seu arco.
– Fique longe! – Hans ouviu Elsa gritar.
– Pegue ela! – rugiu um dos capangas. – Pegue ela!
Chegando ao topo da escadaria, Hans parou. Tudo tinha ficado
em silêncio. Não ouvia mais a corda do arco sendo flexionada, e os
homens do Duque não gritavam mais palavras de ordem um para o
outro. O que só podia significar duas coisas: ou eles tinham matado
Elsa ou tinham sido mortos por ela.
Hans respirou fundo. Abrindo a porta, se apressou para dentro da
sala.
Ele estava parcialmente correto. As coisas não iam nada bem
para os homens do Duque. Largas colunas de gelo se erguiam do
chão, e em um canto da sala um dos homens se encontrava preso
em uma gaiola de estacas de gelo. Ouvindo um grito, Hans avistou
uma parede de gelo que empurrava o outro homem para a beira da
varanda.
Do outro lado da parede estava Elsa, movendo o gelo com sua
magia. Não a Elsa nervosa e tímida que Hans tinha visto na
cerimônia de coroação. Essa Elsa era selvagem e não conhecia
limites. Seu poder parecia assustador, mas ela era simplesmente
magnífica. Magnífica e mortal, lembrou Hans. Se não fosse parada,
não havia como saber que tipo de danos poderia causar.
Hans sabia, sem dúvidas, que não poderia cometer nenhum
mínimo erro no momento. Um movimento em falso e Elsa poderia
derrubar o palácio inteiro para fugir dele e de seus homens.
Observou a rainha por um longo e tenso instante, como se fosse
um leão rastreando sua presa. Então, percebeu que ela estava
assustada. Sua raiva era motivada pelo medo. Ele sabia exatamente
o que fazer. Só precisava mostrar a Elsa o que ela era e então…
mostraria a ela como ele poderia ajudar.
– Rainha Elsa! – ele gritou, assustando-a. – Não aja como o
monstro que eles temem que você seja!
A voz de Hans pareceu tirá-la do transe, misto de raiva e medo,
em que se encontrava. Ela olhou ao redor, com os olhos
arregalados. À medida que via o resultado de sua ira, abaixava as
mãos e junto com elas a parede que empurrava o homem do Duque
para o abismo. As estacas que mantinham o outro homem
prisioneiro foram se dissolvendo e em instantes ambos estavam
livres.
Mas Erik e Francis não estavam menos determinados a concluir
sua missão original de matar a rainha Elsa. Antes que pudesse
gritar para alertá-la, Hans viu Francis apanhar seu arco e flechas do
chão. A respiração de Hans congelou em sua garganta e seus
ombros se enrijeceram conforme aquele instante prosseguia em
câmera lenta.
Então, Francis encaixou a flecha na corda do arco.
O olhar de Hans se dividia entre o capanga e Elsa. Ela e Francis.
O homem do Duque ergueu o arco…
Instintivamente, os pés de Hans começaram a se mover, até que
se encontrou a poucos centímetros de Francis. Podia ouvir a
respiração do homem e ver a corda tensionada que segurava a
flecha. Assim que fosse solta, iria direto para o alvo adiante: a
rainha Elsa.
Francis semicerrou os olhos e mirou.
Hans deu um passo à frente. Ele estava praticamente em cima do
capanga mais baixo e olhava desesperado pela sala em busca de
um plano, reparando no enorme lustre que pendia exatamente sobre
Elsa. Podia funcionar, se a rainha fosse atingida pelo lustre e não
pela flecha. Claro, isso poderia matá-la, mas seria algo tão ruim
assim? Era um obstáculo a menos até o trono. E se ela não
morresse? Bem, ele dissera a seus homens que a missão visava
capturar a rainha Elsa com vida. Salvá-la dos homens do Duque
daria credibilidade à sua palavra. Por ambos os lados, ele saía
ganhando.
Então, Francis lançou a flecha…
No mesmo instante, o tempo voltou a correr normalmente, ou pelo
menos assim percebeu Hans assistindo à situação sem poder
interferir. O momento parecia difuso e cristalino ao mesmo tempo.
Ele atacou Francis, dando uma violenta cotovelada no capanga.
Viu o ligeiro movimento que disparou a flecha do arco, que em vez
de partir em linha reta foi lançada para cima. Hans pôde ver a flecha
cortar o ar à sua frente e partir o delicado cristal de gelo que
mantinha suspenso o enorme lustre.
Por um longo e tenso momento a estrutura pairou no ar, suspensa
por nada. Flutuou pelo tempo suficiente de Elsa olhar para cima e
ver o que estava acontecendo e então despencou com tudo. Elsa
tentou saltar para longe, mas não foi rápida o bastante. O lustre se
estilhaçou no chão, prendendo a rainha sob ele, deixando-a
inconsciente.
Hans deu meia-volta, encarando os homens do Duque.
– O que foi que eu falei sobre matar a rainha? – rugiu Hans por
entre os dentes. – Vocês solenemente ignoraram ordens expressas
minhas!
– Mas, mas… – gaguejou Francis.
– Ela tentou nos matar! – completou Erik.
– Isso não é problema meu – retorquiu Hans. – O meu problema é
parar esse inverno. Se ela tivesse sido morta, isso seria impossível.
– Ele pausou, observando o movimento constrangido dos homens. –
Ah! E quanto à recompensa, podem esquecer. Vou fazer questão de
contar ao Duque quão prestativos vocês foram.
Dando as costas, Hans chamou um de seus homens de
confiança, ainda perto da porta de entrada. O homem trazia um
pacote. Abriu e pegou lá dentro um par de grossos ferrolhos.
– Aprisione a rainha. Quero garantir que quando ela acordar não
machuque ninguém, inclusive a si mesma. Ou pior, pensou consigo,
me impeça de conseguir tudo que mereço.
C 25

Anna tinha visto algumas coisas muito incríveis nos últimos dias. Os
portões do castelo tinham sido abertos. Um homenzinho parecido
com uma fuinha que dançava como um pavão raivoso. Sua irmã
transformara tudo em gelo e neve. Mas isso, pensava Anna, parecia
ser a cereja do bolo.
Nesse caso em particular, “isso” se referia a Kristoff. Ele,
conforme observava Anna com uma preocupação crescente,
parecia estar falando com um monte de pedras. Eram de fato
pedras adoráveis. Algumas eram lisas, enquanto outras pareciam
mais enrugadas. Algumas tinham limo crescendo sobre si e outras
não, mas ainda assim todas eram pedras. As quais, da última vez
que Anna checara, eram objetos inanimados.
Depois de tanto ouvir Kristoff falar sobre sua família, Anna estava
mais do que ansiosa para conhecê-los. Ela se imaginara sentada
em uma pequena e confortável cozinha, segurando um copo de chá
quente enquanto ouvia a família adotiva de Kristoff contar histórias
sobre ele em sua meninice. Então, mostrariam a ela o primeiro trenó
dele e a primeira ferradura de Sven, o que seria absolutamente
adorável. Seria o retrato da perfeição de família, e Anna pela
primeira vez se sentiria em casa no meio de tudo isso.
O que ela não imaginou nesse cenário de fantasia era se
encontrar parada em um campo repleto de pedras. Tampouco
imaginara que Kristoff insistiria em conversar com elas. Apesar
disso, ele prosseguiu, alegremente, como se fosse a coisa mais
normal da história das coisas normais.
– Venham conhecer a minha família! – gritou, chamando Anna e
Olaf, que esperavam em um canto, para perto de si.
– São pedras! – disse Anna, dando voz a seus pensamentos.
A seu lado, Olaf parecia perplexo e preocupado.
– Ele ficou maluco – concluiu o boneco de neve. Então, abaixando
o tom de voz e falando com o canto da boca, continuou: – Eu o
distraio e você corre!
Anna não se moveu.
– Olá, família do Sven! É um prazer conhecê-los! – disse Olaf com
ar extremamente empolgado e cantarolante.
Anna, a seu lado, não se mexeu. Não conseguia. Seus pés
pareciam grudados no chão. Ela não poderia estar assim enganada
quanto a Kristoff, poderia? Ela realmente estava começando a
pensar nele como um amigo. Alguém com quem contar e em quem
confiar. Agora começava a cogitar se Elsa estaria certa e se ela
realmente confiava rápido demais em estranhos.
– Eu amo você Anna, por isso insisto que corra – disse Olaf com a
respiração pesada. – Por que você não está correndo? Ele deu um
leve empurrão.
– Então – murmurou Anna, começando a se afastar. Talvez Olaf
estivesse certo. Talvez ela devesse fugir de Kristoff e desse acesso
que ele parecia estar tendo o mais rápido…
Antes que terminasse o pensamento, as pedras começaram a
rolar. Começaram lentamente, mas ganharam velocidade conforme
se aproximaram de Kristoff. Então, diante dos olhos arregalados de
Anna, as rochas se transformaram em trolls.
– Kristoff voltou para casa! – eles gritaram.
Kristoff riu quando os trolls vieram cumprimentá-lo prontamente.
Um deles puxou seu braço, tentando vê-lo melhor de frente,
enquanto outro parecia tentar tirar suas roupas para lavá-las. Assim
que cessou a disputa, um troll menor que os outros veio orgulhoso
tentar mostrar um cogumelo que crescia em suas costas.
Ao longo do reencontro, Anna se manteve em silêncio. Sua
cabeça estava girando. Em verdade, não era bem essa a imagem
da família de Kristoff que ela tinha em mente, mas havia algo de…
encantador nisso tudo. Apesar de não terem nada de humanos, os
trolls claramente amavam Kristoff – muito. E, tecnicamente, ele nem
era um deles.
– Trolls – disse ela finalmente. – Eles são trolls.
Ao ouvirem sua voz, os trolls voltaram os olhares para Anna, e o
silêncio dominou o lugar. Eles a encararam, com os olhos piscando
em sincronia. Anna deu um passo para trás, nervosa. Talvez eu
devesse ter fugido quando Olaf sugeriu, pensou enquanto os trolls
seguiam a encarando. Enquanto criava coragem para escapar, os
trolls soltaram um enorme e alegre grito:
– Ele trouxe uma garota!
Todos juntos se afastaram de Kristoff, juntando-se ao redor de
Anna. Antes que esta pudesse protestar, levantaram-na e a
carregaram na direção de Kristoff.
– O que está acontecendo? – ela perguntou, rindo, quando a
jogaram nos braços dele.
– Aprendi a deixar rolar com eles – contou ele, piscando para ela
antes de serem gentilmente colocados no chão.
No instante seguinte, Anna estava cara a cara com uma troll
fêmea, que achou ter ouvido alguém dizer que se chamava Bulda.
Pelo modo como Bulda recebeu Kristoff na hora em que chegou,
suspeitava que fosse sua mãe adotiva. Teve certeza disso pela
forma com que estava sendo inspecionada pela troll.
– Deixe-me ver… – disse Bulda. Ela usava os dedos para
arregalar os olhos de Anna. Abria bastante sua boca. – O nariz
funciona, tem dentes fortes. Sim, sim, sim. Vai ficar muito bem com
o nosso Kristoff.
– Espere! – alertou Anna, soltando seu rosto das mãos de Bulda.
– Hm… Não! – As palavras saíram um pouco mais ríspidas do que
tinha planejado, então olhou para Kristoff como quem pede
desculpas.
Ele acenou com a cabeça com um olhar compreensivo antes de
se voltar para Bulda.
– Você entendeu errado. Não foi por isso que a trouxe aqui – ele
explicou.
– Certo – concordou Anna. – Nós não estamos. Eu não estou… –
Ela tropeçava com as palavras nervosamente e soltou um riso
desconfortável. Então, sacudiu a cabeça. Com o que estava
nervosa? Ou estranha?
Bulda, no entando, não levaria um não como resposta.
– Qual o problema, querida? – ela perguntou. – Por que você está
evitando um homem desses?
Conforme Bulda começou a elencar suas qualidades, boas e
ruins, a pergunta ecoava pelo cérebro de Anna. Por que ela estava
evitando?
Ela teve sua resposta de imediato. Estava apaixonada por Hans.
Eles iriam se casar e envelhecer juntos. Mas quanto mais Bulda
falava, sendo apoiada por diversos outros parentes adotivos de
Kristoff que se juntavam à conversa, mais dificuldade ela tinha em
se lembrar do porquê concordara em se casar com Hans em
primeiro lugar. Sim, ela o amava, mas ela realmente o conhecia? Da
maneira que conhecia Kristoff ? Quando Bulda mencionou a forma
com que Kristoff caminhava, Anna riu, pois tinha reparado bastante
nisso. Ele saltitava mais do que caminhava. Quando apontou que
ele era apegado um tanto demais à sua rena, Anna sorriu, pois
pensava a mesma coisa. Até mesmo os defeitos que Bulda admitia
perceber em seu filho adotivo, como sua preferência por estar
sozinho, seu cabelo desgrenhado e selvagem e seu apreço por
abraços (algo que Anna ainda não tinha visto, mas gostaria de ver),
Anna já reparara e achava encantador.
O que eu sei sobre Hans?, Anna se perguntou conforme os trolls
tentavam convencê-la de que Kristoff era perfeito para ela. Sei que
ele tem um monte de irmãos. Sei que ele vem das Ilhas do Sul. O
que mais?
– Basta! – finalmente exclamou Kristoff, interrompendo Bulda e os
pensamentos de Anna. – Ela é comprometida com outra pessoa.
Entenderam?
Os olhos de Bulda se arregalaram, e ela se aproximou de Anna.
Ficou parada em sua frente e fitou a princesa por um longo
momento. Finalmente, Bulda suspirou e pôs a mão gentilmente no
coração de Anna.
– O amor é uma emoção poderosa. Primeiro amor. Amor jovem.
Lembre-se, você é jovem e seu coração ainda está se abrindo.
Ouça um conselho de uma velha troll que sabe algumas coisinhas
sobre o amor. Você deve se lembrar sempre de que o amor é um
presente para todos nós. Deve ser celebrado, sim. Deve ser
celebrado e deve ser recíproco. Sempre. O amor é especial, e
quando alguém lhe dá seu coração está dando uma parte de si…
Bulda moveu seu olhar de Anna para Kristoff, e o calor tomou
conta de sua face cinzenta.
– Não se esqueça de que o amor vem de muitas formas. O amor
que eu tenho por Kristoff vai mais fundo que as raízes da mais velha
das árvores. É especial porque é um amor pelo meu filho. Tem o
amor que você sente pela sua irmã. O que seus pais sentiam por
você e o que Kristoff sente por Sven. Amor é uma coisa
maravilhosa. Tem a habilidade de comprometer seus sentidos. Pode
dominar a sua cabeça, alterar a sua visão para que você não veja o
que está bem na sua frente. Às vezes, isso pode ser uma coisa
fantástica, outras, pode acabar machucando você.
Bulda parou, soltando a respiração. Segurando na mão de Anna,
conduziu-a para baixo de um arco coberto de flores.
– Lembre-se, não importa o que aconteça, o amor sempre deve
ser respeitado. É a coisa mais mágica do mundo todo. Mas, bem,
isso é apenas a opinião de uma velha troll.
Anna estava tão focada nas palavras de Bulda que praticamente
não notou quando alguns dos trolls mais jovens a cobriram de
musgo e penduraram cristais em seu cabelo. Um sopro frio a tomou,
e Anna tremeu, apertando o abraço sobre si mesma. Não saberia
dizer se o tremor fora do frio que agora parecia ter invadido cada
parte de seu corpo ou da súbita dúvida despertada sobre suas
próprias visões do que era o amor.
Ela se sentia melhor quando estava por perto de Hans, não era?
Ele a confortara quando a mágica de Elsa fora revelada. Ele tomara
para si os problemas dela e concordara em cuidar do reino. Não, ela
pensou, conforme sua visão ficava cada vez mais borrada e seu
corpo era tomado por outro espasmo de frio, Hans é uma boa
pessoa, a quem eu amo. Então, por que os trolls estavam tentando
juntá-la com Kristoff ?
Eu não amo o seu filho, Anna queria gritar. Quer dizer, admito que
ele é um cara realmente fantástico e quando você ignora sua
rabugice, ele sabe ser bastante fofo, mas é o Kristoff. Sim, ele
desperta algumas coisas boas em mim. Eu não sabia que era tão
corajosa a ponto de enfrentar a criatura de neve ou tentar escalar
uma montanha antes dele. Mas e daí? Ele é meu amigo. Tenho
certeza de que se passasse mais tempo com Hans ele também faria
de mim uma pessoa melhor…
– Você, Anna, aceita Kristoff como seu trollíssimo esposo…
– CALMA AÍ! – gritou Anna, voltando de súbito para a realidade.
As palavras de Bulda e a atenção dos outros trolls tinham feito com
que uma espécie de transe tomasse conta de seu corpo. – O quê?
– Você vai se casar – explicou um troll que trajava vestes de
padre.
– Ah – disse Anna, surpresa de não ter negado instantaneamente.
Então, antes que pudesse processar o que quer que isso
significasse, seus ouvidos começaram a zumbir, sua visão ficou
novamente borrada e ela desmaiou nos braços de Kristoff.

– Anna, sua vida está em perigo.


Anna ouviu as palavras, mas não as processou na hora. Ela não
conseguia. Sentia como se estivesse afundando em água espessa e
lodosa. Tudo estava borrado e, apesar de seus esforços, ela não
conseguia abrir os olhos. Muitas vozes falavam ao redor dela, mas
soava como se viessem de muito longe. Era como se estivesse
presa em um tipo de sonho, em vias de acordar.
Em seu estado semiconsciente, Anna sabia que não era um
sonho. Ela tinha sido levada para a família troll adotiva de Kristoff,
quase acabara se casando com o coletor de gelo e agora lhe diziam
que sua vida estava em perigo. Não, ela pensou quando finalmente
conseguiu abrir os olhos, isso não é um sonho. É bem possível que
seja um pesadelo, mas definitivamente não é um sonho.
Kristoff, ela percebeu, era a única razão pela qual ainda estava de
pé. Ele tinha um braço que a sustentava pela cintura e uma mão
firme segurando seu braço, que a acalmava. Ele a olhava com ares
de preocupação crescente. Ela sorriu em agradecimento e seguiu
uma voz fracamente com o seu olhar. Um troll com uma enorme
cabeleira e uma corrente de cristais pendurada no pescoço a
encarava intensamente. Apesar de sua expressão séria e um tanto
intimidadora, sua voz era suave e gentil, e por algum motivo familiar
à Anna. Ela se lembrava que Kristoff pedira a Bulda que chamasse
o Grande Pabbie, mencionando o mais sábio entre os trolls. Esse,
ela imaginou, deve ser ele.
– Há gelo em seu coração – constatou o Grande Pabbie, notando
que agora Anna estava ouvindo. – Foi colocado lá por sua irmã. Se
não for removido, o gelo sólido vai congelar você, para sempre.
Anna pôde sentir seu coração bater, e sabia que o sangue ainda
circulava por suas veias, mas só de ouvir as palavras do Grande
Pabbie já se sentiu mais fria e menos viva.
– O quê? Não! – ela recusou, esforçando-se para permanecer em
pé. Como o esforço era muito grande, ela se apoiou no peitoral forte
de Kristoff. Podia ouvir as batidas do coração dele através da grossa
jaqueta.
– Você pode removê-lo, certo? – perguntou Kristoff com a voz
trêmula. Ele apertou o braço de Anna e o troll suspirou. – Eu não
posso – disse ele calmamente. – Se fosse na cabeça dela seria
mais fácil, mas apenas um gesto de amor verdadeiro pode derreter
um coração congelado.
Anna estremeceu.
– Um gesto de amor verdadeiro? – ela repetiu, confusa.
– Um beijo de amor verdadeiro, talvez? – disse Bulda, se virando
para seu marido e beijando seus lábios. Ao redor deles, os trolls
começaram a trocar beijos. Se Anna não estivesse com tanto frio,
confusa e assustada, teria achado tudo isso adorável. Em vez disso,
estremeceu novamente.
– Anna – disse Kristoff. – Precisamos levá-la de volta para Hans.
– Hans – disse Anna concordando.
Ela sabia por que Kristoff dissera aquilo. Hans era seu noivo. Era
seu amor verdadeiro. Seu beijo poderia salvá-la. Tinha que salvá-la.
Mas não conseguia parar de pensar no que Bulda tinha dito sobre o
amor. No que ele fazia com a pessoa, a mudava para melhor. Em
como fazia se sentir aquecida e segura. Seu coração, que já era tão
frágil, parecia estar se debatendo dentro do peito, prestes a se
estilhaçar.
Anna voltou seu pensamento para as perguntas. Ainda sobre
Hans, Kristoff tinha perguntado a ela quando se conheceram. Hans
não teve a chance de ver algo além do meu melhor e mais divertido
lado, ela pensou. E se ele não gostar de mim quando me conhecer
melhor?
Quando Kristoff a colocou no lombo de Sven e montou atrás dela,
Anna tremeu violentamente. Ela mal percebeu os movimentos
conforme o trote lento de Sven se converteu em um poderoso
galope. Ela estava perdendo os sentidos em todo o corpo e sabia
que era questão de tempo até que as coisas piorassem muito. Com
o que restava de sua energia, olhou para Kristoff. Seus olhos
estavam semicerrados de concentração, e ele manobrava Sven
pelas árvores, com suas bochechas mais coradas do que de
costume. Ele está fazendo tudo isso por mim, pensou Anna. Está
deixando sua família para trás e arriscando sua segurança para me
levar de volta para Hans. Por quê? Por mim? Por eu ter sido uma
boa amiga? Ela soltou um triste gemido. Não tinha feito nada para
ganhar sua lealdade. Nada mesmo.
Confundindo seu gemido de tristeza com um grunhido de dor,
Kristoff olhou para baixo preocupado. Sob seu olhar protetor, ela
estremeceu novamente.
– Nós chegaremos logo, Anna – ele disse gentilmente. – Eu
prometo, vou levá-la para casa. – Levando as mãos à cabeça, ele
tirou seu chapéu e cobriu a cabeça dela com ele. – Aguente firme.
Vai ficar tudo bem. Hans vai fazer tudo ficar bem.
Anna abriu a boca para agradecer, mas antes que pudesse, sua
visão voltou a ficar borrada e sentiu sua consciência começar a
desaparecer. Conforme a escuridão a dominava, só conseguia
pensar em uma coisa: Kristoff disse que ficaria tudo bem. E se não
ficasse? Todo esse tempo ela tivera certeza de que Hans era tudo o
que queria. Que ele era o único que poderia salvá-la, mas pela
primeira vez desde que tudo começou, Anna não tinha mais tanta
certeza.
C 26

O lustre certamente tinha feito seu trabalho. Elsa permaneceu


inconsciente por todo o caminho de volta montanha abaixo. Hans
providenciou que Elsa ficasse a salvo trancada em uma torre, onde,
com sorte, não faria mais mal algum. Os serviçais do castelo
insistiam incomodamente em perguntar sobre o bem-estar de sua
rainha. Ele os dispensava o mais rápido que podia, garantindo que
todos saberiam a história completa sobre o que acontecera na
montanha na hora certa. Assim que eu souber qual a história a ser
contada, pensou Hans. As próximas horas seriam cruciais para o
futuro de Arendelle e principalmente para o seu.
Hans foi até a torre em que tinha trancado Elsa. Ao chegar a uma
pesada porta de madeira, ele abriu uma janela para a cela de Elsa.
Não era exatamente um calabouço, visto que o pacífico reino de
Arendelle não precisava de tal tipo de prisão, mas era bastante
isolada com possibilidades mínimas de entrada e saída. Lá dentro,
Hans observou que Elsa olhava com tristeza para fora da janela. Ela
assistia à neve, que continuava caindo, deixando o mundo cada vez
mais branco. Seu rosto demonstrava muito pesar, e Hans não pôde
deixar de pensar em quão terrível devia ser perder totalmente o
controle de uma situação.
Ele nunca perdia o controle.
Hans cerrou os punhos enquanto observava a rainha. Isso era
tudo coisa dela. Tudo culpa dela. Se Elsa tivesse mantido a cabeça
no lugar e não perdido a frieza, literalmente, ele e Anna
provavelmente já estariam bem adiantados nos preparativos do
casamento. Ele estaria dando andamento à fase final de seu plano,
encontrando uma brecha para depor Elsa, para então provar que
ele, o leal príncipe Hans, seria capaz de ajudar Anna a governar
bem Arendelle.
Em vez disso, estava ali, tentando consertar a bagunça causada
pelo desgoverno de Elsa. Tinha um reino onde todos passavam frio,
dignitários em seu pescoço tentando resolver o problema do
inverno, sua noiva estava desaparecida e agora Elsa estava
acorrentada, mas mantinha seu poder. Para qualquer outro homem
isso talvez fosse demais. Mas não para mim, pensou Hans. Eu já
tomei controle da situação e a adaptei conforme me é vantajoso. Só
preciso continuar assim até que tudo se resolva.
Abrindo a porta, ele entrou no recinto. Pendurou sua lanterna na
parede e aguardou. Era o melhor a se fazer, ele aprendera, deixar
que o inimigo falasse primeiro. Isso lhe permitia mensurar suas
emoções e responder apropriadamente.
– Por que você me trouxe aqui? – perguntou Elsa quando viu
Hans ali parado. – Não podia permitir que eles a matassem – disse,
forçando uma expressão de preocupação.
Elsa abaixou a cabeça olhando para suas mãos.
– Mas eu sou um perigo para Arendelle – ela disse tristemente. –
Traga Anna.
– Anna ainda não retornou – afirmou Hans rispidamente. Elsa se
encolheu olhando pela janela novamente. Amaciando sua voz, ele
prosseguiu: – Se você pudesse parar com esse inverno, trazer de
volta o verão… Por favor?
Elsa ergueu os olhos até que seus olhares se encontraram.
– Você não percebe… Eu não posso – disse ela sinceramente. –
Você tem que pedir que eles me libertem.
Hans a encarou mais de perto, tentando identificar se Elsa estava
sendo honesta, particularmente torcendo para que fosse uma
grande mentira. Mas ele era bom em identificar tais coisas e sabia
que era verdade. Elsa não podia parar o inverno que havia
inadvertidamente iniciado. Agora ela queria fugir de volta para sua
montanha congelada e deixar que sua irmã limpasse a bagunça.
Sua irmã, que ainda não tinha voltado e estava perdida sabe-se lá
onde na montanha. A irmã com quem ele deveria se casar depois
de ter ajudado a salvar Arendelle. A princesa que faria dele rei e o
deixaria governar feliz para sempre… se estiver viva.
– Farei o que for possível – prometeu Hans a ela.
Quando saiu da cela, parte dele queria gritar com Elsa, revelar
suas verdadeiras intenções e acabar com tudo no ato. Esquecer os
cuidados e movimentos friamente calculados. Elsa já era inútil para
ele. Não iria ajudá-lo com Anna e não podia para o inverno. Por que
não destruí-la e se ver livre de uma vez por todas? Seria um
obstáculo a menos em seu caminho.
Não, ele pensou, se recompondo. Ele não tinha chegado tão
longe para botar tudo a perder em um acesso de fúria. Chegaria a
hora de matar Elsa. Ele sabia que não haveria outro jeito, mas ainda
não era o momento disso. Seria melhor para seus propósitos se
eliminasse o monstro com plateia. Isso fortaleceria seu poder, e ele
poderia mostrar a todos que tentou de tudo para acabar com o
inverno. Por ora, ele teria que reunir os conselheiros de Arendelle e
transmitir a má notícia de que o inverno tinha vindo para ficar.
Os passos de Hans ecoaram estrondosamente quando retornou
depressa pelos corredores gélidos do castelo de Arendelle. Ele
empurrou uma serviçal, evitando a pergunta que ela faria, e nem
olhou para o salão para ver como iam os refugiados. Mal reparou no
vento congelante que agora entrava pelas rachaduras das janelas
ou na neve que seguia caindo ferozmente do lado de fora. Hans
sabia que só havia uma coisa a se fazer. Precisaria retalhar seu
plano original para trazer a noiva de volta a Arendelle o quanto
antes. Lidaria com os poderes de Elsa mais tarde, depois de se
tornar rei. Isso só aconteceria se ele se casasse com Anna. A última
coisa de que ele gostaria era voltar para a montanha congelada,
mas não havia outra opção.
Ao chegar às portas da biblioteca, anunciou:
– Estou de partida novamente em busca da princesa Anna. – Os
dignitários e guardas, ali reunidos à sua espera, receberam a notícia
com espanto.
– Você não pode se arriscar lá fora outra vez – protestou o
representante de Eldora, ajeitando seu bigode.
– Se alguma coisa acontecer à princesa… – interrompeu o
dignitário da Blavênia.
– Se algo acontecer à princesa, você é tudo que resta a
Arendelle.
Tudo que resta a Arendelle? As palavras soaram como música
aos ouvidos de Hans, e por um momento glorioso sentiu como se a
neve tivesse parado e ele se banhasse em quentes e luminosos
raios de sol. Isso era um presente. Uma caixa embalada em papel
dourado e amarrada com um laço prateado. Ele olhou ao redor, se
esforçando para não sorrir, apesar do forte desejo de demonstrar
como se sentia no momento. Ele, príncipe Hans Westergaard, das
Ilhas do Sul, era Tudo. O que. Resta. A Arendelle.
Então, ele percebeu o real significado dessas palavras. O que ele
tinha sido incapaz de perceber por estar tão focado em seu plano
principal. Todo esse tempo esteve achando que precisava de uma
das irmãs para se fazer rei, mas ele não estava em posição de
precisar de ninguém. Se aquilo que o dignitário da Blavênia havia
dito fosse realmente verdade, ele estaria muito bem resolvido com a
fuga ou morte da rainha Elsa e se a princesa Anna nunca mais
voltasse. Era perfeito. E dado o fato que Anna ainda estava
desaparecida, ele não precisaria esperar muito para anunciar seu
novo papel.
Ou… talvez não.
Assim que Hans acreditou estar em vantagem, a porta da
biblioteca se escancarou. De pé, apoiada por Kai e Gerda, se
encontrava a princesa Anna. Ela parecia terrivelmente fraca e seu
cabelo agora estava mais branco do que acobreado, mas estava
viva. Viva e, da maneira com que olhava para ele, ainda sob a
impressão de que estavam comprometidos.
– Anna! – exclamou Hans, correndo para seu lado, e a segurando
a tempo de evitar que caísse. Ele não tinha certeza do que a
fraqueza de Anna significaria para ele, mas sabia que era
apropriado fazer o papel de noivo preocupado. – Você está tão
gelada!
– Hans – disse Anna –, você tem que me beijar.
Ele tinha ouvido direito? Seus dentes rangiam ruidosamente, e ela
mal conseguia falar mais alto que um sussurro, mas parecia muito
que ela tinha pedido que ele a beijasse.
– O quê? – ele perguntou.
– Agora – Anna respondeu. Fechando os olhos e abrindo
levemente os lábios, ela tentou aproximar sua boca da dele, mas
estava muito fraca. Chorando, ela caiu para trás.
Ao seu redor, Hans ouviu um dos homens pigarrear. Na
empolgação do retorno de Anna, ele tinha se esquecido de que
estavam em audiência. Ao olhar além do rosto de Anna, avistou
Gerda parada, esperando para falar.
– Vamos dar um pouco de privacidade aos dois – ela disse.
Quando Gerda pediu que todos se retirassem, Hans aproximou
Anna de si. Ela estava tão gelada que ele podia sentir o arrepio
através de sua grossa jaqueta. Sua pele era como gelo, e a cada
momento que se passava seus lábios ficavam mais azuis. Ela
parecia estar congelando de dentro para fora, se é que isso era
possível. O que, pelo que tinha visto hoje, era definitivamente era
possível.
Hans conduziu Anna ao sofá em frente à lareira crepitante da
biblioteca.
– O que aconteceu? – perguntou ele enquanto caminhavam.
– Elsa me atingiu com seus poderes – respondeu Anna com
tristeza.
– Você disse que ela nunca a machucaria.
Anna deu de ombros, derrotada.
– Eu estava errada. – Ela mal podia manter a cabeça erguida para
fitar os olhos de Hans, mas quando conseguiu ele se abalou com a
emoção que viu em seus olhos.
Ninguém, Hans percebeu, nunca tinha olhado para ele do jeito
que Anna olhava nesse momento. Ela o amava e precisava dele.
Pelo beijo, sim, mas parecia haver algo mais, como se precisasse
dele para preencher o vazio deixado pela rejeição de sua irmã.
Hans sacudiu a cabeça. Não estava ali para preencher o vazio no
coração de Anna. Estava ali para conquistar o trono. Ele ouvira o
que o dignitário da Blavênia dissera: sem Anna ele seria tudo o que
restava a Arendelle. Se Anna morresse agora, tudo estaria no ponto
certo para ele. Esse era o plano mais simples e emocionalmente
descomplicado. Os Westergaard não tinham emoção alguma, e
esse era o único legado do qual se orgulhava.
Gentilmente, Hans deitou Anna no sofá e a enrolou em um
cobertor. Apesar do calor, seus tremores só aumentavam. Ela
piorava a cada minuto. Era esse o resultado final da magia de Elsa?
Hans sabia que ela era perigosa e forte, mas agora descobria que
esses poderes eram também letais.
– Ela congelou meu coração e apenas um gesto de amor
verdadeiro pode me salvar – completou Anna, como se lesse a
mente de Hans. Com esforço, ela ergueu o olhar até que estivesse
olhando diretamente para ele.
Sua expressão dizia tudo. Ela esperava que ele a salvasse.
– Um beijo de amor verdadeiro – ele disse, sabendo, sem que ela
precisasse dizer, que esse era o gesto ao qual ela se referia. Ele
não era tolo. Já tinha lido contos de fadas o suficiente para saber o
que era preciso para um final feliz. Mas ela realmente acreditava
estar em um desses contos?
Hans mal podia se conter. Após anos de sofrimento na mão de
seus irmãos, após anos sendo ridicularizado, sendo alvo de piadas
e chacota, depois de muitos anos como o décimo terceiro filho, ele
riria por último. Ele faria valer tudo pelo que passara.
Aproximou-se de Anna, levando as mãos gentilmente a seus
ombros. Através de suas luvas podia sentir o frio emanar do corpo
dela. Percebia a respiração suave e ansiosa se intensificar conforme
se aproximava. Podia ouvir sua ruidosa respiração enquanto ela
antecipava o esperado momento em que seus lábios se
encontrariam. Ele viu seus olhos se fecharem e chegou perto…
mais perto…
Então, se afastou.
Desfazendo a expressão de simpatia e compaixão, ele retirou as
mãos dos ombros dela. A súbita perda de suporte fez com que Anna
caísse de costas no sofá. Ela olhou para ele com um ar confuso. Em
outro momento, ele poderia ter fingido se importar, mas já estava
cansado de joguinhos.
– Ah, Anna – ele disse com a voz exalando condescendência. –
Se ao menos houvesse alguém que a amasse.
C 27

Anna não achava que fosse capaz de sentir ainda mais frio. Até
agora. Ondas e ondas de gelo pareciam atacar seu coração à luz
das palavras gélidas de Hans, que ecoavam em sua mente. Se ela
tivesse entendido corretamente, e não restava dúvida que tivesse,
ele dissera a ela em termos bem claros que não a amava. Descobrir
isso a acertou ainda mais dura e dolorosamente do que o golpe de
magia de Elsa.
Enquanto Anna assistia, impossibilitada de qualquer reação, Hans
se levantou, afastando-se do sofá. A ausência de seu calor
aumentou o frio em seu corpo, e ela começou a tremer
descontroladamente. O que tinha acontecido? Como o homem que
agora a fitava com olhos vazios podia ser o mesmo homem que na
véspera a tinha pedido em casamento? Não fazia sentido. Nada
disso fazia sentido.
Imagens dos últimos dois dias atravessaram sua mente muito
antes que seu coração pudesse processar o que ele acabara de
dizer. Anna estava, lhe parecia, vendo o amor entre eles se
dissolver diante de seus olhos. Seu primeiro encontro e o quão feliz
Hans parecia em tê-la encontrado. O jeito que ele acenava
timidamente para ela durante a coroação de Elsa e como a salvara
na pista de dança. Sua corrida pelos corredores do castelo, a troca
de histórias de família no terraço. O momento em que Hans a pedira
em casamento, com a água corrente e as estrelas brilhando no céu
acima deles. Tudo tinha sido tão perfeito e parecia tão real. Ela não
tinha imaginado o amor dele, tinha?
– Você disse que me amava – finamente gaguejou Anna. Sua vez
parecia fraca e desesperada até mesmo para seus próprios ouvidos.
Hans olhou em frente sacudindo a cabeça.
– Como décimo terceiro na linha de sucessão de meu próprio
reino, eu não tinha nenhuma chance – ele disse, se movendo pelo
cômodo e fechando as cortinas. – Eu sabia que teria que me casar
para chegar ao trono de algum lugar…
– Do que você está falando? – perguntou Anna. O que ele dizia
era tão absurdo que parecia estar falando em uma língua
estrangeira.
Hans se aproximou novamente dela, e seu coração palpitou
esperançoso em seu peito, mas ele simplesmente se abaixou para
apagar as velas da mesa ao lado.
– Como herdeira – ele prosseguiu, detalhando seu plano cruel
para Anna –, Elsa era preferível, é claro, mas ninguém chegaria a
lugar algum com ela. Já você… Você estava tão desesperada por
amor que estava disposta a se casar comigo, assim, do nada.
Anna prendeu a respiração. Ela havia sido terrivelmente ingênua.
Tinha aberto cegamente seu coração para Hans sem questionar
uma única vez suas intenções. Se ao menos tivesse vislumbrado
algo além de seus olhos sonhadores e sorriso encantador, ela teria
percebido que, para ele, ela não passava de uma manobra política
em seu nojento jogo de xadrez.
Atravessando a sala, Hans pegou uma jarra de água e se
aproximou da lareira. Olhou de volta para Anna, com um brilho
maligno nos olhos. – Imaginei que depois que nos casássemos,
teria que encenar um pequeno acidente para Elsa – ele disse,
revelando seu plano final em detalhes. Lentamente, começou a
derramar a água sobre as chamas, as apagando.
– Hans! – implorou Anna, desesperadamente, sentindo a
temperatura da sala cair instantaneamente. – Pare!
Ele não parou. Na verdade, Anna pôde ver que ele despejava a
água ainda mais rapidamente, e com a extinção das fracas chamas,
ela voltou a tremer violentamente. Esse não era o homem que ela
achava que conhecia. Esse era um monstro. Alguém cheio de
maldade, que nada se importava com a dor que causava a cada
palavra dita. Será que ele teve uma vida assim miserável para não
ter coração? Anna se questionava. Será que seu pai era assim frio e
seus irmãos tão horrorosos? Algo havia de ter acontecido para
transformar Hans nessa criatura.
Ou talvez não, pensou Anna com tristeza. Talvez ele
simplesmente fosse um ser humano terrível.
– Então, Elsa se condenou, e você foi tola o bastante para ir atrás
dela – completou Hans com um riso nojento. – Agora, tudo o que
resta é matar Elsa e trazer o verão de volta.
Anna ergueu o queixo. Hans a tinha enganado, mas se o seu
plano incluía se livrar de sua irmã, ele teria uma surpresa bem
desagradável.
– Você não é páreo para Elsa – ela silvou por entre os dentes
cerrados. Tente desafiá-la, e ela mostrará a todo mundo em
Arendelle o homem fraco e horrível que você é.
De cócoras a seu lado, Hans levou o dedo sob seu queixo, como
fizera não muito tempo atrás. Só que, dessa vez, quando ergueu
sua cabeça, havia violência em seus gestos, o que fez Anna se
retrair. – Não – ele retorquiu. – Você não é páreo para Elsa. Eu, por
outro lado, sou o herói que vai salvar Arendelle da destruição.
– Você não vai se safar dessa – disse Anna, afastando o rosto de
suas mãos vis. Como ela podia ter ficado tão ansiosa por esse
toque? Sentia repulsa agora.
Hans ficou de pé novamente e se dirigiu para a porta. Levando a
mão à maçaneta, lançou um último olhar para ela. – Ah, mas eu já
me safei – disse sombriamente. Então, deu as costas e saiu,
fechando a porta gentilmente.
Lá dentro, a cada segundo a sala escura ficava mais gélida. Anna
se arrastou do sofá em direção à porta. Fracamente, tentou girar a
maçaneta, mas era inútil. Estava trancada. Hans estava em algum
lugar do outro lado, prestes a dominar o reino, e ela não havia
percebido até há poucos instantes.
Anna não tinha ideia de quanto tempo estivera deitada no chão
gelado. Tudo o que sabia era que estava ficando muito difícil
respirar. Era como se o gigante de neve de Elsa estivesse sentado
sobre seu peito e suas mãos, presas em blocos de gelo.
A dor só perdia para a vergonha e a raiva que sentia de ter sido
abandonada, de ter se permitido ser abandonada. Por alguns
instantes após a partida de Hans, Anna se apoiara na porta,
tentando gritar por ajuda. Sua voz, no entanto, estava fraca, e para
piorar a porta era grossa demais. Suas tentativas foram em vão, e
eventualmente Anna parou, desesperada, tentando conservar o
pouco de energia que ainda restava. Anna se recostara na porta,
levando a cabeça ao peito.
A essa altura, o resto de seu cabelo já estava branco, e agora ela
encarava a ponta da trança, horrorizada e fascinada pela
transformação. Parece que tudo está mudando rápido demais por
aqui, pensou tristemente. Primeiro Elsa, depois meu cabelo e agora
meu coração. E se Hans atingir seu objetivo maligno, todo o reino
passará por uma enorme mudança.
A ideia de Hans sentado no trono fez com que Anna fosse tomada
por uma onda de raiva. Ele a abandonara ali para morrer. O homem
com quem ela queria se casar, o homem que provocara a ruptura
final entre ela e Elsa, a abandonara à beira da morte.
O que havia de errado com ela? Por que essas coisas seguiam
acontecendo? Amor não deveria doer, e ainda assim quando se
tratava disso, só conhecia o amor doloroso. Toda vez que abria seu
coração ela se queimava, ou, nesse caso, congelava. Estava
cansada e adoecera por isso.
Pensando em retrospectiva nos amores de sua vida, Anna viu um
padrão claro como a luz do dia. Tinha amado seus pais. Muito. E
eles foram arrancados dela. Anna ainda lamentava por todos os dias
que eles não mais partilhariam.
E havia Elsa. Sua irmã mais velha era o seu mundo quando mais
novas. Mesmo agora, tomada pelo frio e tremores letais causados
por sua irmã, Anna se lembrava com carinho de sua infância com
ela. As aventuras que viveram e como Elsa costumava deixar tudo
de lado para brincar com ela pelo castelo. Então, tudo cessou. Elsa
afastou seu amor de mim.
Então, havia Hans. O homem dos seus sonhos. O homem que ela
se convencera de que nunca se afastaria dela. Hans, que sabia o
quanto a família de Anna a machucara, que tinha sido igualmente
machucado por sua própria família. Não parecia possível que
alguém com quem partilhara detalhes tão íntimos de sua vida fosse
capaz de dar as costas assim. Mas foi exatamente o que Hans fez,
e com muita facilidade.
Uma nova onda de lágrimas, agora de frustração, surgiu nos
olhos de Anna ao pensar em todas as injustiças sofridas. Ali estava
ela, se culpando por acreditar em Hans, mas como ela poderia ter
aprendido a dar e receber amor se tinha tão pouca experiência
nesse assunto? Não era de se espantar que tivesse caído em sua
armadilha. Era a primeira vez em muito tempo que alguém se
importava, ou ao menos fingia se importar com ela. Como fui otária,
ela pensou com tristeza.
Erguendo a cabeça, Anna viu que os últimos lampejos de fogo na
lareira tinham se apagado. Através de uma janela que Hans não
havia coberto, Anna pôde avistar o céu cinzento e reparou que,
desde que estava ali trancada, mais neve tinha caído sobre
Arendelle. O vento estava mais forte, e ocasionais rajadas de neve
entravam pelo acesso da lareira. Uma fina camada de gelo agora
cobria a jarra que Hans usara para apagar o fogo, e até mesmo as
velas de cera pareciam congeladas por dentro. Em breve, a
temperatura da sala estaria abaixo de zero.
– Bem, acho que é isso – disse Anna em voz alta. Sua energia
estava desaparecendo, mas ela sentia a necessidade de verbalizar
seus pensamentos, mesmo que não houvesse ninguém ali para
ouvi-la. – Diga para minha irmã, se um dia ela voltar, que eu não
queria que nada disso tivesse acontecido. Diga a ela que eu não
sabia que Hans só queria me usar para chegar ao trono. Explique
que eu nunca quis vê-la machucada, na verdade, só queria minha
irmã de volta. E que as portas parassem de bater na minha cara.
Desejava só que ela me amasse. Isso é tudo o que eu sempre quis.
Que alguém me amasse. – Ela parou, com um soluço entalado na
garganta. Dizer tudo isso em voz alta só fazia parecer ainda mais
triste. Erguendo os olhos para o teto, completou: – Diga ao povo de
Arendelle que eu os amo e que não ouçam Hans, ele é horrível.
Conte que eu não fazia ideia, e que se tivesse uma segunda chance
eu com certeza tentaria conhecer melhor alguém antes de me
casar…
Subitamente, Anna parou de falar. Imaginara Hans parado diante
do povo de Arendelle, com seu sorriso cínico e seus planos
secretos. Imaginou Elsa, ainda escondida na Montanha do Norte,
sem saber do destino de seu reino. Isso a enraivecia. Estava com
tanta raiva que, pela primeira vez desde que Hans deixara a sala, se
esqueceu de ficar triste. Ela sentiu o frio diminuir um pouco.
Então, Hans a havia feito de otária, e daí? Ela já tinha sido otária
várias vezes, mas sempre consertou tudo. Era campeã em se
recuperar de rejeições. Não podia deixar Hans arruinar tudo. Se
fizesse isso, então ele teria vencido e dominado o melhor dela. Ela
era forte demais para deixar isso acontecer. Foram muitos os anos
que passara sozinha, sobrevivendo com a própria companhia, para
ser derrotada pelas ações de um homem patético.
Não, ela decidiu, não vou permitir que Hans vença. Não vou dar a
ele a satisfação de me encontrar nessa sala escura com lágrimas
congeladas no rosto. Ele não merece essa vitória. Não merece viver
sabendo que me derrotou e partiu meu coração. Sou melhor que
isso. Eu me virei na Montanha do Norte sem ele. Enfrentei lobos e
gigantescos monstros de neve. Fiz amigos, conheci um vale de
trolls. Fiz tudo isso, ele não. Hans não fez nada, e se ele pensa que
vai me vencer só por não me beijar e me deixar aqui para morrer,
ele não perde por esperar. Porque eu sei a verdade. Sei que sou
uma pessoa melhor apesar dele, não por causa dele. Isso ele não
vai conseguir tirar de mim. Nunca.
C 28

Hans estava parado no sombrio corredor, do lado de fora da sala do


conselho, e esperava. Do lado de dentro, dignitários, representantes
e vários membros da realeza estavam reunidos e aguardavam seu
retorno. Ele ainda não estava pronto para fazer sua entrada. Ainda
não, pelo menos.
Depois de abandonar Anna congelando, Hans tinha andado pelo
castelo, ruminando pensamentos sobre os seus próximos
movimentos. Depois de sustentar o fingimento do noivo amoroso e
apaixonado pelas últimas quarenta e oito horas, ele sabia que não
teria dificuldade em fingir tristeza quando anunciasse a trágica morte
de Anna. Seria mais difícil não parecer ansioso para dar um passo à
frente e assumir o trono. Ele precisaria parecer transtornado, com
raiva e, é claro, um pouco chocado. Caso contrário, os outros
poderiam achar tudo muito suspeito, e isso era a última coisa de que
precisava.
O necessário agora era deixar sua narrativa verossímil. Quando
todos estivessem convencidos, ele daria um fim em Anna e passaria
a lidar com Elsa. Com ambas irmãs fora de cena, seu caminho
estaria livre. Ele seria rei de Arendelle e não teria jamais que
retornar para as Ilhas do Sul. Nunca mais sofreria humilhações nas
mãos de seus irmãos ou de seu pai.
Agora, parado do lado de fora da câmara, aguardando o tempo
certo para sua entrada triunfal, ele estava abismado com como as
coisas haviam acabado bem. Levando em consideração que ele
tinha apenas o mínimo de um plano quando chegou a Arendelle, o
resultado final tinha algo de miraculoso. Era verdade, tivera que
mentir, manipular e trapacear para chegar até ali, mas isso era parte
do jogo. E ele se revelara um jogador muito, muito bom.
Podia sentir que os homens do lado de dentro estavam ficando
impacientes. Estava quase na hora. Andando próximo à lareira
reluzente, o dignitário de Eldora esfregava as mãos nervosamente.
– Está levando tempo demais – ele disse. – Por que o príncipe
Hans ainda não retornou?
– Imagino que ele e a princesa tenham muito o que discutir, e ela
não estava em condições de falar quando a vimos – apontou o
Lorde de Kongsberg. Comparado aos demais, ele não parecia
afetado pelo frio. Sentava com as pernas cruzadas em uma ampla
poltrona reclinável e tinha um livro aberto em seu colo. No entanto,
Hans reparou que o Lorde não havia virado a página do livro uma
única vez. Esse era o único indicador de seu nervosismo. Olhando
para o dignitário de Eldora, continuou: – O príncipe tem tudo sob
controle, tenho certeza. Nós só precisamos ser pacientes.
– Mas está ficando mais frio a cada minuto – destacou o Duque
de Weselton. – Se não fizermos algo, logo iremos morrer
congelados.
Esse homem só sabe polemizar, pensou Hans. Era hora de
entrar, antes que o Duque criasse problemas. Endireitando os
ombros e erguendo a cabeça, Hans apagou o sorriso de seu rosto,
dando lugar a um olhar preocupado. Hora de começar o ato final.
Escancarando a porta, Hans entrou na câmara do conselho.
Todas as cabeças se ergueram com sua chegada.
– Príncipe Hans – disse o dignitário da Blavênia, dando um passo
à frente.
Hans ergueu uma mão, dando a entender que qualquer contato
humano seria muito doloroso para ele no momento. Suspirando
dramaticamente, levou uma mão ao coração.
– A princesa Anna está… – ele fingiu ter muita dificuldade em
completar a frase – morta – disse finalmente. Para completar o
efeito dramático, perdeu o equilíbrio, como se tomado pela dor.
Vários dos homens o ajudaram a sentar, e Hans fez seu melhor
para parecer o noivo de coração partido. Mordeu o interior de sua
bochecha para provocar falsas lágrimas e estremecia de tempos em
tempos para gerar a ilusão de estar segurando soluços.
– O que aconteceu com ela? – perguntou o Duque.
Hans estava surpreso de não sentir nenhuma suspeita na voz do
Duque. Sua confiança crescia, e ele pausou dramaticamente antes
de responder, aumentando a tensão. Tudo girava ao redor do que
ele estava prestes a dizer e como isso seria recebido.
– Ela foi morta… pela rainha Elsa. – Fez outra pausa dramática
quando todos os presentes na sala arfaram em surpresa. Ele
concordou com tristeza, fazendo com que seus olhos ficassem
ainda mais marejados. O interior de sua bochecha ficaria um
desastre em breve, mas valeria a pena. Especialmente quando
completou com mais uma pérola. Essa ele inventara ainda antes de
abandonar Anna, pois tinha então percebido que era a única
maneira de garantir seu sucesso: – Pelo menos – ele disse, levando
a emoção ao extremo – tivemos tempo de trocar votos de
casamento… antes que ela morresse em meus braços. – Como se
tivesse falado demais, enterrou a cabeça em suas mãos e deixou as
lágrimas caírem.
– Não há dúvida agora – disse o Duque de Weselton, com a voz
séria. – A rainha Elsa é um monstro, e estamos todos em grave
perigo.
Ao seu lado, o dignitário da Blavênia concordou.
– Príncipe Hans, Arendelle conta com você.
Hans camuflou o sorriso que ameaçou se espalhar por seu rosto.
Sua brilhante demonstração de luto tinha funcionado! Erguendo a
cabeça lentamente, Hans olhou pela sala. A tradicional expressão
alegre do príncipe Wils fora substituída por um olhar repulsivo de
preocupação. O dignitário de Eldora esfregava suas mãos com tanta
força que parecia estar a ponto de atear fogo nelas. Mesmo o Lorde
de Kongsberg estava finalmente demonstrando alguma emoção.
Apesar de não aparentar abalo como os outros, seu rosto estava
particularmente pálido. Alguns dos representantes mais jovens
pareciam doentes de medo, e Hans ouviu um deles murmurar para
o do lado:
– O que ele vai fazer agora?
Erguendo-se de sua cadeira, Hans limpou a bochecha
dramaticamente. Esse era seu momento.
– Com o coração pesaroso – disse com sua voz mais sombria. –
Eu indicio a rainha Elsa de Arendelle pelo crime de traição e a
sentencio à morte.

Apesar de suas veementes palavras ainda há pouco, conforme


conduzia todos à cela de Elsa, Hans sentiu no fundo uma pontada
de dúvida. Estava relutante em assassinar a rainha. Tinha certeza
de que Anna ficaria feliz em chamá-lo, merecidamente, de canalha,
golpista e mentiroso, mas nunca antes fora um assassino. Matar
alguém era algo sem volta. Tirava suas opções e fazia de você um
bruto. Ele detestava ficar sem opções e se recusava a ser um bruto.
Seus irmãos eram brutos, e ele não os respeitava nesse sentido. Ele
queria respeito e queria saber que sempre, sempre teria uma saída
para qualquer situação que se apresentasse.
No entanto, pensou, rodeado por homens que esperavam dele
atitudes definitivas, às vezes é preciso abrir exceções. Uma
declaração de traição e uma execução eram, sem dúvida, um
movimento ousado, mas também necessário. Além do que, como
iremos parar esse inverno sem dar fim a sua origem?
Não. Estava claro que ele não tinha escolha. Não havia outra
maneira de Hans conseguir o que queria. Quando chegasse a hora,
ele faria o que precisasse.
Dobrando um corredor, Hans avistou os dois guardas que tinha
deixado a postos do lado de fora da cela de Elsa. Tinha escolhido os
dois mais fortes do castelo e os equipado com espadas afiadas e,
ainda mais importante, fogo. Largas tochas sobre bastões de metal
repousavam ao lado dos vigilantes. Parecia que a única coisa que a
rainha de gelo podia temer era o calor. Apesar de não ter testado
sua teoria, Hans entendeu que não faria mal algum se precaver.
Ouvindo a aproximação de Hans, os guardas voltaram a atenção a
ele, fazendo uma reverência.
– Vossa Alteza – disseram em uníssono.
– Homens – saudou Hans. – Como está nossa prisioneira?
O maior dos dois guardas deu um passo adiante.
– Ela tem chorado, senhor – ele reportou. – E estava puxando as
correntes, mas isso parou agora há pouco.
Olhando para os homens que o acompanhavam, notou alguns
olhares preocupados com a notícia de que Elsa tinha sido
acorrentada.
– Foi para a proteção dela própria – explicou. – E de vocês
também. Vocês não estavam comigo na Montanha do Norte. Não
conseguiria dizer o quão poderosa e…
Como se uma demonstração caísse do céu, o chão sob seus pés
estremeceu violentamente. Perdendo o equilíbrio, Hans se adiantou
e segurou-se na parede, tentando se manter de pé. Houve outro
tremor, dessa vez seguido por um estrondoso grunhido. Então, por
uma pequena janela na porta da cela, o vento começou a soprar,
trazendo consigo flocos de neve para o corredor.
Prontamente, os guardas apanharam suas armas. Gritando para
que os outros ficassem para trás, Hans seguiu logo atrás dos
guardas. Ele precisava entrar na cela antes que qualquer pessoa
tivesse a chance de ver o que havia acontecido, e tinha a sensação
de que não era nada de bom.
– Ela é perigosa – alertou um dos guardas, parando com a mão
na maçaneta. – Movam-se rapidamente e com precisão.
Ora, meu caro homem, ruminou Hans silenciosamente. Como se
eu precisasse ser informado disso. Sei exatamente do que Elsa é
capaz quando está nervosa.
Escancarando a porta, os guardas adentraram. Hans os seguiu
hesitante. No mesmo instante se arrependeu, desejando não ter
entrado. Onde antes havia uma sólida parede de rocha, agora não
restava nada além de algumas pedras quebradas. A parede inteira
tinha desaparecido, como se explodida de dentro para fora. A neve
já começava a cobrir o chão, mas onde ele ainda estava descoberto
Hans pôde reparar que fora congelado. No meio do quarto,
estilhaçado em pedaços, estava tudo o que sobrara das algemas
que prendiam as mãos de Elsa.
O olhos de Hans se avermelharam, e a raiva o invadiu por inteiro.
Ela tinha escapado. Apesar dos guardas e das correntes, a rainha
tinha escapado. Agora estava lá fora em algum lugar, pronta para
fazer sabe-se lá o que com o reino e – Hans engoliu em seco – com
ele.
Encaminhando-se para a beira do quarto, Hans olhou para a neve
ofuscante. Quase nada era visível através da tormenta de neve, que
parecia aumentar a cada segundo. Em breve, qualquer rastro que
Elsa tivesse deixado estaria encoberto.
Hans tremeu, com um misto de frio e raiva. Elsa tinha arruinado
tudo. Ele estava prestes a amarrar as pontas de seu minucioso
plano em um belo laço, mas ela escapara embolando todos os fios.
Agora ele tinha de ir atrás dela, arriscando parecer fraco se não o
fizesse, e então teria que matá-la. Ela não deixava outra alternativa.
Apesar de seus esforços em manter as mãos limpas de sangue, não
via outra saída. Era ele ou ela. E ele não havia enfrentado tudo isso
para não sair vencedor. Hans a mataria, dando fim ao inverno, e
conquistaria enfim o trono.
C 29

Com o que restava de sua força, Anna esfregou as mãos em seus


braços, torcendo para que o movimento a aquecesse um pouco,
mas não teve sucesso. A energia necessária era muito grande, e a
essa altura suas mãos eram basicamente pedras de gelo. Seu corpo
todo estava tomado por contrações e tremores, e Anna chorava de
dor. Os espasmos vinham ainda mais fortes e frequentes.
Anna sabia que era inútil pensar sobre o futuro. Era uma questão
de tempo antes que seu corpo, bem como a sala a seu redor,
congelasse completamente. Após a súbita revelação de Hans e sua
subsequente partida, a raiva havia despertado um pequeno fogo
dentro de Anna. Fantasiar com um reencontro que o desmascarasse
diante de todos era o que ainda aquecia seu coração.
Então, havia a fantasia de que Elsa retornaria a Arendelle para
vingar a morte de sua irmã. Em um redemoinho de neve e gelo, ela
desceria da Montanha do Norte, para encontrar Hans tremendo,
encolhido em um canto do pátio. Suas mãos estariam sobre o rosto,
com lágrimas descendo por suas bochechas e muco escorrendo de
seu nariz, quando se desse conta da situação em que se
encontrava. Elsa o encararia, sem piedade alguma em seu belo
rosto.
– Você é um triste pretexto de homem, Hans – ela diria. – Você
sinceramente acha que é especial? Que Anna não percebeu o seu
golpe? Minha irmã era maravilhosa. Ela era incrível, doce, e eu a
amava. Eu a amava muito, e você a destruiu. Então, agora vou
destruir você.
Sua fantasia favorita, no entanto, era bem menos vingativa.
Nessa, Anna conseguia sair da sala e encontrar novamente o
caminho para a Montanha do Norte. Lá, encontraria Elsa à sua
espera, com os braços bem abertos.
– Senti muito a sua falta – diria sua irmã, abraçando-a. Elas
ficariam assim por muito tempo e quando finalmente se largassem,
Elsa juraria retornar a Arendelle. – Juntas – ela diria. – Vamos salvar
Arendelle juntas. – Então, Elsa acabaria com o inverno, e as irmãs
abririam a porta para o resto de suas vidas – juntas.
Tomada pela súbita emoção, Anna fechou os olhos. Sua
respiração diminuía. Ela precisava dormir por alguns minutos, então
se sentiria melhor.
– Só um minuto – ela disse suavemente. – Só preciso descansar
meus olhos…
Acima dela, a maçaneta se moveu.
Os olhos de Anna se arregalaram subitamente. Ela teria
imaginado isso?
A porta se balançou novamente. Não! Tinha que ser real!
– Socorro – ela pediu, e sua voz saiu como um pouco mais que
um murmúrio. A maçaneta se moveu mais uma vez e com um
ruidoso rangido a porta se abriu. Largada no chão, a primeira coisa
que Anna viu foi uma cenoura pelo buraco da fechadura. No
momento seguinte, apareceu Olaf sem seu nariz. Ao avistar Anna, o
boneco de neve exclamou:
– Anna – ele disse alegremente, apanhando seu nariz e o
colocando de volta no lugar. Então, percebeu o estado em que ela
se encontrava. – Oh, não!
Anna tentou sorrir, mas a nova onda de tremores não deixou. Ela
só pôde ver Olaf em desespero tentando descobrir o que fazer. Ela
não fazia ideia de como ele entrara no castelo, mas isso não
importava. Vê-lo já a fez se sentir melhor. Não fez, entretanto, com
que ficassse minimamente mais aquecida.
Olaf já estava em ação. Ao avistar a lareira, o boneco de neve se
aproximou o mais rápido que suas pernas de neve permitiram e
começou a colocar lenha nova lá dentro. Quando juntou uma
quantidade significativa de madeira, ele apanhou um fósforo,
acendeu-o e o jogou na lareira. Instantaneamente o fogo crepitou
vivo.
Mesmo de onde estava, perto da porta, Anna pôde sentir as
primeiras ondas de calor aquecendo seu rosto. Era melhor do que
comer fondue de chocolate ou dançar de sapatilhas. Era melhor que
a primeira vez que saltara com Kjekk sobre a cerca ou que vira uma
estrela cadente.
Infelizmente, Olaf parecia achar o fogo impressionante também, e
ficou parado bem em frente.
– Nossa! – disse ele admirando as chamas que subiam cada vez
mais alto. – Então, o calor é assim… Eu adorei!
Anna assistiu horrorizada quando o boneco de neve tocou o fogo
com suas mãos de graveto.
– Ai! Mas não é para tocar! – ele completou quando seu dedo
pegou fogo. Rindo, ele apagou a chama sacodindo o braço e voltou
a atenção para Anna. – Então, onde está Hans? – perguntou,
deslizando para perto de Anna e a ajudando a se levantar. – O que
aconteceu com o seu beijo?
– Me enganei sobre ele – admitiu Anna com tristeza. – Não era
amor verdadeiro. – Desajeitadamente, Anna se sentou novamente
no sofá. Soltando um suspiro, ela fechou os olhos, deixando que o
fogo a aquecesse. Mesmo com as chamas crepitando, ela ainda
sentia arrepios nos ossos.
– Mas nós corremos até aqui!
Os olhos de Anna se abriram, e ela olhou para o pequeno boneco
de neve. Ele não tinha saído de seu lado e agora a encarava com
seus enormes olhos confusos. Anna suspirou. Ele estava certo.
Olaf, Kristoff e Sven tinham corrido com ela até o castelo. Os três
fizeram tudo o que estava a seu alcance para trazê-la de volta em
segurança para Hans, mas tinha sido em vão.
– Por favor, Olaf! – implorou Anna, afastando gentilmente o
boneco de neve do fogo. – Você não pode ficar aqui, vai derreter.
Olaf cruzou seus braços de graveto e sacudiu a cabeça.
– Eu não vou sair daqui até encontrarmos outro gesto de amor
verdadeiro que salve você – disse teimosamente. Ainda assim, se
afastou um pouco do calor. Tomando lugar no chão ao lado dela, ele
pôs seu dedo de graveto na boca, pensativo. – Você por acaso tem
alguma ideia? – perguntou depois de um minuto.
Anna não respondeu de imediato. Por todo esse tempo, ela
pensava que sabia o que era amor. Tinha certeza de que entendia
mais do que Bulda no Vale dos Trolls. Estava convencida de que
seu sentimento por Hans só podia ser amor verdadeiro desde o
primeiro momento em que se viram. Ela até tinha dado risada
quando Kristoff questionou sua capacidade de reconhecer o amor,
escolhendo, em vez disso, acreditar em seu coração tolo. Por fim,
descobrira que não fazia ideia. Olhando para o gentil boneco de
neve, ela não pôde mais fingir, afinal de que isso serviria?
– Nem sei mais o que é amor – ela disse para Olaf.
– Ah, tudo bem. Eu sei – disse Olaf se levantando e botando a
mão em seu ombro. – Amor é… – ele começou, estranhamente
confiante. – Amor é colocar as necessidades de alguém à frente das
suas próprias, você sabe, como Kristoff, que trouxe você até aqui
para Hans e partiu para sempre.
Anna ergueu a sobrancelha.
– Kristoff me ama? – ela questionou assombrada.
– Uau! – disse Olaf. – Você não sabe mesmo nada sobre o amor,
né? – Enquanto falava, Olaf tinha se aproximado novamente do
fogo. Agora ele estava praticamente em cima dele, e o calor das
chamas começava a derreter seu rosto.
– Olaf! – exclamou Anna, assistindo aterrorizada aos olhos do
boneco afundarem em direção à boca. – Você está derretendo!
– Vale a pena derreter por algumas pessoas – disse o boneco. Ele
tentou sorrir para Anna, mas sua boca tinha começado a escorrer, e
o sorriso saiu torto. Percebendo o que estava acontecendo, ele
entrou em pânico, se afastando do fogo. – Talvez não exatamente
agora – ele completou.
Quando Olaf começou a colocar seu rosto no lugar, Anna o
encarou, com a mente acelerada e seu coração batendo forte. Olaf
era um gênio. Isso, ela se deu conta, vendo a dificuldade por que
passava o boneco de neve, era amor. Olaf estava disposto a se
colocar em perigo, pois não queria vê-la ferida. Amor não era
aquelas declarações românticas enlatadas. Aquilo era bobagem. Foi
o que Hans havia usado com ela e que a fizera confundir com amor.
Amor puro e verdadeiro era o que Olaf estava demonstrando agora,
era sacrifício. Então, percebeu que era exatamente o que Kristoff
estava oferecendo o tempo inteiro, mas ela estava muito cega para
enxergar.
Amar era contar para alguém a verdade, mesmo quando essa
pessoa não quisesse ouvir, como Kristoff fizera quando apontou que
ela não conhecia Hans tão bem quanto pensava. Era pensar nos
outros antes de si, como Olaf acabava de fazer, ou o que ela fizera
quando foi procurar Elsa na Montanha do Norte. Era Kristoff
trazendo-a para o castelo por pensar que Anna precisava de Hans,
quando na verdade ela só precisava do próprio Kristoff!
Kristoff me ama! O pensamento explodiu dentro dela como um
vulcão. Ela sorriu, e o calor tomou seu corpo, preenchendo seu
coração. Como ela podia ter deixado isso passar? Kristoff, ela
pensou novamente. Kristoff me ama e eu…
Naquele instante, uma rajada de vento abriu uma das janelas. Na
mesma hora, as chamas começaram a dançar, e a pontada de calor
que Anna sentia retornar para seus dedos desapareceu.
– Não se preocupe, eu resolvo! – gritou Olaf, gesticulando e
deslizando em direção à janela. Ele conseguiu fechar um dos
painéis, mas o segundo estava mais difícil. – Nós vamos superar
essa e… – O boneco de neve perdeu a voz no meio da frase, e
Anna esticou o pescoço para ver o que estava acontecendo.
Quebrando o gelo que se formava no batente da janela, Olaf forçou
a vista e então soltou um grito: – É Kristoff! E Sven! Eles estão
voltando para cá!
– Eles… eles estão? – perguntou Ana. Ela estava tremendo ainda
mais agora, mas não tinha certeza se era de frio ou pela notícia de
que Kristoff estava voltando. Para ela! Ao menos esperava que
fosse por ela.
Olaf concordou.
– Ele está vindo bem rápido. Acho que eu estava errado – ele
disse olhando para trás. – Acho que Kristoff não a ama o suficiente
para abandoná-la.
Mas ela sabia que isso não era verdade. Kristoff a amava o
suficiente para arriscar voltar, mesmo que isso significasse enfrentar
Hans ou ser rejeitado por ela. Ela se debateu, tentando ficar de pé.
– Ajude-me a levantar, Olaf – pediu ao perceber que não
conseguiria sozinha. – Por favor!
– Não, não, não, não! – disse Olaf, retornando para perto dela e a
empurrando de volta para o sofá. – Você precisa ficar perto do fogo
e aquecida.
Ela sacudiu a cabeça.
– Eu preciso encontrar Kristoff.
– Por quê? – perguntou Olaf, sem fazer ideia do impacto que suas
palavras tinham exercido sobre Anna.
Ela sorriu e deu de ombros timidamente.
Os olhos de Olaf se iluminaram, e ele bateu palmas alegremente.
– Ah, sei o porquê! – exclamou, contente. Ele começou a saltitar
pela sala, empolgado. Então, apontou pela janela. Lá está o seu
gesto de amor verdadeiro! Logo ali! Atravessando o fiorde como um
valente e corajoso rei das renas!
Anna olhou para Olaf e sorriu. Ela esperava que o boneco de
neve estivesse certo e que o beijo de Kristoff pudesse salvá-la, mas
não teria certeza disso até encontrá-lo. Preciso fazer isso logo,
pensou estremecendo novamente, dessa vez com mais violência,
antes que seja tarde demais.
C 30

Não havia como negar: o tempo, que ele pensava que não poderia
piorar, tinha definitivamente ficado muito pior. Se a intensificação do
vento e da nevasca fosse um indicador confiável, Elsa estava
fugindo assustada. Hans sabia o suficiente sobre seus estranhos
poderes para dizer que estavam ligados às emoções dela, e desde
que tinha fugido de sua cela, suas emoções estavam no limite.
Eu tinha que sair e fazer dessa caçada um espetáculo, pensou
Hans ao abaixar a cabeça para evitar outra rajada de vento ártico. E
aqui estou eu, nessa amaldiçoada tempestade, cegante e
congelante, sem uma pista de como prosseguir.
Hans soltou um grunhido. Não era isso o que planejara acontecer
quando levasse aqueles homens para a cela de Elsa. Seu plano era
tão simples, e com Anna fora de seu caminho, as coisas ficavam
ainda mais descomplicadas. Agora ele não sabia o que estava
fazendo, nem como agiria quando, e se, encontrasse Elsa.
Parando para tomar fôlego, Hans tentou se localizar olhando ao
redor. Não era fácil. A nevasca constante fazia com que todo lugar
parecesse o mesmo. O chão à sua frente não era mais fácil de
discernir do que a montanha que ele sabia estar a quilômetros de
distância. Através do vento uivante, ele podia ouvir ocasionalmente
o ranger da madeira pressionada pelo gelo, então sabia que não
tinha ainda atravessado o porto. Ocasionalmente, quando o vento
aliviava um pouco, Hans podia ver pequenas manchas azuis no céu
sobre sua cabeça.
Subitamente, viu uma ligeira sombra a uma curta distância à sua
frente. A sombra parecia bastante difusa na neve, mas conforme o
dia clareava, ela tomava contornos mais delineados. Para a alegria
de Hans, percebeu que era Elsa. Abriu a boca para cantar vitória,
mas a cerrou rapidamente. Não faria nenhum bem anunciar assim
sua presença. Não ainda, pelo menos.
No maior silêncio possível, o que por sorte não era difícil sobre
um chão coberto de neve, Hans foi diminuindo a distância entre ele
e Elsa. Quando se encontravam a apenas alguns passos, ele
reduziu a velocidade. A fuga da cela parecia tê-la deixado exausta,
e ela aparentemente não estava mais no controle da tempestade
como antes. Era isso o que Hans queria ver. Em seu estado mais
enfraquecido, seria mais fácil matar Elsa.
– Elsa! – ele gritou, satisfeito ao ver que ela se assustou. – Você
não pode fugir disso! – Dando alguns passos à frente, ele se
posicionou diante da rainha.
Ao ver Hans, Elsa deu passos para trás, nervosa.
– Só tome conta da minha irmã – ela implorou quando uma nova
rajada de vento soprou a barra de seu vestido ao redor dos
tornozelos.
Hans segurou uma risada cruel. Será que Elsa pensava
honestamente que estava em posição de pedir a ele favores? Ele
estava no controle. Ele, sozinho, tinha armado tudo. A rainha não
fazia ideia. Ela não sabia que ele havia trancado Anna em uma sala
e a abandonado para morrer. Não sabia que ele não era o adorável
príncipe como aparentara antes, ou que tinha galgado seu caminho
para o trono sobre armações. Ele poderia fingir por mais alguns
minutos que se importava com Anna. Podia usar isso para derrubar
Elsa.
– Sua irmã? – ele disse, tentando parecer abalado. – Ela retornou
da montanha, fraca e congelada. Disse que você congelou o
coração dela.
– O quê? – disse Elsa sacudindo a cabeça. – Não!
Hans observou deleitado quando o rosto de Elsa se retorceu.
Amor, ele pensou amargamente. Só serve para enfraquecer as
pessoas, mesmo alguém tão poderosa quanto Elsa.
Quando se preparava para dar o golpe final, Hans levou a mão ao
cabo de sua espada.
– Eu tentei salvá-la, mas era tarde demais – ele disse. – Sua pele
tinha virado gelo. Seu cabelo ficou branco… – Conforme ele
detalhava a deterioração física de Anna, Elsa caiu de joelhos. Cada
palavra parecia ser um golpe mais doloroso do que qualquer outro
que pudesse infligir com a espada. – Sua irmã está morta –
completou Hans. – Por sua culpa.
Quando as palavras terminaram de ser pronunciadas, Elsa soltou
um gemido e enterrou a cabeça entre as mãos. Ao ver a cena, Hans
sentiu certo orgulho. Mais uma vez, ele havia conduzido uma
situação que parecia estar além de seu controle e modelado uma
clara vitória.
Honestamente, não poderia ter imaginado um desfecho melhor. A
menos, é claro, que tivesse encontrado uma maneira de fazer a
neve…
…parar?
A neve, ele percebeu de súbito, tinha parado. Hans se corrigiu.
Ela não tinha parado, mas sim congelado.
A seu redor, a neve pairava suspensa no ar. O vento tinha
cessado. Elsa, o epicentro de tudo, se sentou inerte. Se Hans não
soubesse bem o que estava acontecendo, poderia jurar que ela
estava moribunda. Apesar de tudo, ele estava deslumbrado pela
beleza e pelo poder do momento e soltou a mão da espada.
Hans testemunhava algo tão estranho e inacreditável quanto
magia: a dor da perda de um amor verdadeiro. Será que ela se
arrepende? Será que desejava uma chance de dizer adeus?
Sacudindo a cabeça, Hans desembainhou sua espada e se
aproximou de Elsa. Não havia motivos para tentar entender o que
passava por sua cabeça. Amor era uma emoção para os fracos, e
ele precisava dar seu golpe nesse momento, de maior fragilidade de
Elsa. Erguendo sua espada, deu um passo à frente. Era hora de
acabar com o inverno e com Elsa de uma vez por todas.
C 31

Branco e azul. Isso era tudo o que Anna conseguia ver e tudo o que
sentia. O mundo a seu redor era cegantemente branco, e a neve
caía de todos os lados. Ao olhar para baixo, viu que suas mãos
agora eram azul-gelo também.
O Grande Pabbie estava certo. Ela estava virando gelo.
Abaixando a cabeça, Anna se esforçou para dar mais um passo
adiante, mas o vento uivante a empurrava para trás como uma
parede de tijolos. Mesmo em seus dias de melhor saúde, ela não
teria ido longe nessas condições. Agora, enfraquecida pelo gelo em
seu coração, era praticamente impossível. Quando respirava, sentia
como se estivesse inalando facas afiadas que cortavam seu pulmão.
Seus olhos ardiam e lacrimejavam, deixando rastros de gelo em
suas faces coradas. Os dedos dos pés estavam amortecidos há
muito tempo, e ela tinha certeza de que, a essa altura, até seu
cabelo estava congelado. Ainda assim, ela precisava encontrar
Kristoff.
– Kristoff! – ela gritou tão alto quanto pôde, mas o vento arrastou
suas palavras assim que saíram de sua boca. – Kristoff!
O abismo em seu estômago crescia. Ela já não sabia por quanto
tempo aguentaria firme. Sentia como se suas pernas estivessem
sendo engolidas por areia movediça. Seus membros pareciam
pesados e endurecidos. Nem por isso pensava em desistir. Iria
encontrar Kristoff. Precisava encontrar Kristoff. Se não por mais
nada, para vê-lo uma última vez. Para dizer que se importava com
ele também.
A dor atravessava Anna. A pior dor que ela já tinha sentido, uma
dor que parecia habitar seu coração. Levando a mão ao peito, ela
fechou os olhos. Viu reflexos e lampejos através de suas pálpebras,
impulsos para seu coração que quase parava. Com os olhos ainda
fechados, sentiu um raio de sol atravessar as nuvens sobre eles e,
para sua surpresa e alívio, o vento parou.
Anna abriu os olhos.
A tempestade tinha parado completamente. Flocos de neve
pendiam no ar, seus padrões únicos brilhavam sob a fraca luz. O
vento tinha desaparecido e com ele o ruído e o frio insistente. Era
como se estivessem suspensos em uma espécie de globo de neve
gigante.
Lentamente, as coisas que antes pareciam invisíveis começaram
a tomar forma. Os navios que estavam presos congelados no fiorde
voltaram a reaparecer, com seus deques cobertos de neve, mastros
quebrados e flâmulas destruídas. Olhando ao seu redor, Anna
avistou os muros de Arendelle e o castelo adiante. Podia ver a
silhueta de pessoas reunidas no alto dos muros, acenando com
seus pequenos braços.
No silêncio da tempestade interrompida, novos sons foram
amplificados. O gelo rachando sob seus pés tinha o som de tiros, e
os cascos de madeira dos barcos gemiam ruidosamente. Até
mesmo os sons do corpo de Anna pareciam altos para seus
ouvidos. Sua respiração curta e ofegante, o estalo de seus ossos
sob o menor dos movimentos. O som horripilante de seu corpo
falhando era demais para Anna, e com esforço levava as mãos às
orelhas para tentar bloquear tudo quando ouviu um som que era
tudo menos assustador.
– Anna! – gritou a voz quente de Kristoff, ecoando pelo fiorde.
Erguendo o olhar, Anna o avistou correndo em sua direção. Seu
cabelo caía sobre seus olhos, e suas bochechas estavam ainda
mais vermelhas que de costume. Ele respirava com dificuldade, mas
não demonstrava sinais de reduzir o passo. Na verdade, ao avistar
Anna, seu ritmo aumentou.
– Kristoff! – ela tentou gritar de volta, mas sua voz estava
praticamente sumindo, e tudo o que conseguiu soltar foi um
sussurro. Não importava, no entanto. Kristoff a tinha encontrado! Ele
seria capaz de salvá-la! Tudo o que ele tinha de fazer era dar mais
alguns…
Antes que ela pudesse concluir seu pensamento, o som
inconfundível de uma espada sendo desembainhada foi ouvido
vindo de algum lugar por perto. Como se estivesse em câmera
lenta, Anna se virou. Elsa estava sentada no chão a menos de três
metros de distância. Sua irmã tinha a cabeça baixa e seus ombros
estavam encolhidos, como se carregasse sobre eles o peso do
mundo. Um soluço de alívio se formou na garganta de Anna. Elsa
estava ali! Bem ali! Assim como Kristoff! Tudo iria funcionar. Kristoff
a salvaria com seu beijo, e Anna poderia contar a Elsa o quanto
sentia por tudo que acontecera.
Mas Anna tinha se esquecido do som da espada, e agora via de
imediato de onde ele vinha. Em pé, ao lado da figura de Elsa, estava
Hans. Com a espada erguida, ele estava pronto para atacar.
Isso não podia estar acontecendo. Elsa não devia estar ali. Devia
estar em seu castelo, e Hans, em Arendelle, fingindo ser um bom
rapaz. Ainda assim, ambos estavam ali no fiorde, e pelo olhar
assassino de Hans, ele estava disposto a dar um fim em Elsa de
uma vez por todas.
Por algumas pessoas, pensou Anna se lembrando das doces
palavras de Olaf, vale a pena derreter. Isso era amor verdadeiro.
Anna amava sua irmã. E agora, ao ver Hans erguendo sua espada
para o golpe final, percebia que precisava manter Elsa a salvo.
Olhando para trás, por sobre o ombro, avistou Kristoff se
aproximando, sem saber do que estava acontecendo bem ali na
frente, atravessando o fiorde. Ela lançou-lhe um breve e triste
sorriso, e seu ritmo diminuiu, demonstrando em seu rosto confusão,
surpresa e, enfim, medo ao avistar Hans. Sinto muito Kristoff, ela
disse em silêncio. Com o restante de suas forças, ela deu as costas.
Então, com um grito, se jogou na frente de sua irmã. Só teve um
momento para erguer o braço, em uma vã tentativa de proteger
Elsa, e então, com um estampido, sentiu a espada de Hans a atingir
em cheio…

Será que estou morta?, pensou Anna. Será que é assim?


No instante antes de se jogar na frente de Elsa, seu corpo
pareceu pesar uma tonelada. Seus membros estavam
completamente amortecidos pelo frio, e ela já era incapaz de
respirar. Apesar disso, sua mente estava alerta e observava tudo a
seu redor como se estivesse a uma enorme distância. Em câmera
lenta, tinha visto a espada de Hans descer no ar e registrado o olhar
atônito em seu rosto quando a espada colidiu com sua mão,
lançando-o para trás.
Ouviu o grito assustado de Elsa e sentiu quando Kristoff, tarde
demais, chegou a seu lado. Mesmo à distância, pensou ter ouvido a
respiração tensa de todos que assistiam à cena do alto dos muros
de Arendelle.
Então, tudo ficou em silêncio.
Por um longo momento, Anna sentiu como se estivesse presa em
um casulo. A luz foi sumindo, e parecia que seu corpo estava
suspenso no ar. Ela parecia não estar nem aqui nem lá, mas presa
em algum lugar no meio do caminho.
Debateu-se, como se tentasse chegar à superfície para respirar
depois de um longo mergulho, mas continuava sendo puxada para
as profundezas.
Subitamente, a pressão em seus pulmões pareceu se aliviar, e
seu corpo foi tomado por um calor que fez seus dedos formigarem.
Sentiu que os braços de sua irmã a envolviam, apertando firme.
Figuras difusas se aproximavam de sua visão periférica, e as vozes
abafadas ficavam cada vez mais claras. Seu coração se acelerou
dentro do peito, então finalmente recobrou o movimento de seus
membros. Abrindo os olhos, a primeira coisa que Anna viu foi o alto
da cabeça de sua irmã aninhado em seu ombro. O corpo de Elsa
tremia em soluços violentos.
Por um momento, Anna não se moveu. Ela sabia que podia, mas
queria fazer esse abraço durar. Tinha esperado por tanto tempo
para sentir os braços de sua irmã em seu corpo que não queria
desperdiçar nem um minuto. Finalmente, ainda que lentamente, ela
estendeu o próprio braço, segurando Elsa.
– Ah, Elsa.
Em seus braços, Anna sentiu Elsa enrijecer em choque, e,
chorando de alegria, Elsa a abraçou ainda mais forte. As duas irmãs
ficaram ali, uma grudada na outra.
– Você se sacrificou por mim? – perguntou Elsa ao finalmente
soltar sua irmã.
– Eu amo você – respondeu Anna simplesmente. Ela queria
contar para a irmã tudo o que tinha aprendido sobre amor, mas
ainda estava enfraquecida e se sentiu incapaz de prosseguir.
Por sorte, Olaf não parecia sofrer do mesmo problema. O
pequeno boneco de neve dançava empolgado na frente das irmãs,
batendo palmas com suas mãos de graveto. Por fim, incapaz de se
controlar mais um minuto, ele removeu a cabeça de seu corpo,
levando o rosto na direção das irmãs.
– Um gesto de amor verdadeiro pode derreter um coração
congelado – ele anunciou alegremente.
Anna balançou a cabeça. Será que Olaf quis dizer o que ela
achou que ele quis dizer? O coração de quem foi derretido? O dela
ou o de Elsa? Ela não tinha pulado na frente da espada para se
salvar. Esse pensamento nem tinha passado por sua cabeça. Ela
fizera aquilo, pois queria salvar sua irmã… Tinha feito isso porque…
Então, ela compreendeu. O que os trolls disseram, o que Olaf sabia
o tempo inteiro e que até então ela fora cega demais para ver. Ela
sabia o que era amor. Amava muito Elsa. Mais do que qualquer
coisa no mundo, e teria feito de tudo para protegê-la. Escalar uma
montanha, enfrentar Hans e até mesmo pular na frente de uma
espada erguida por seu ex-noivo maligno. Seu gesto de amor por
Elsa tinha quebrado a magia. Sorrindo, ela virou e olhou para sua
irmã.
– O amor… vai derreter – disse Elsa carinhosamente. Então,
encontrando o olhar de sua irmã, repetiu. – O amor… é claro!
– Elsa? – perguntou Anna. Sua irmã teria acabado de entender o
que ela descobrira apenas um instante antes, que não era só o
coração de Anna que precisava derreter?
Como se pudesse ouvir os pensamentos de Anna, Elsa
concordou.
– Amor – ela repetiu.
Então, ergueu suas mãos no ar. Com um glorioso movimento de
seus dedos, ela lançou sua magia para o céu.
Assim que seu raio foi disparado no ar, as nuvens sobre Arendelle
começaram a se dissipar, revelando um brilhante céu azul. O ar
começou a esquentar, e a neve por todo o reino derreteu e
desapareceu. Assim como Anna e Elsa, Arendelle ganhava um novo
começo. Flores e plantas voltaram à vida, mais belas e cheirosas do
que antes, ansiosas pelo sol. Prestando atenção, Anna pôde ouvir
as crianças correndo para o cais do reino, brincando nas poças
onde momentos antes havia montes de neve.
Amor. O tempo inteiro era essa a chave. O amor por Anna tinha
mantido Elsa isolada e solitária, com medo de machucar a pessoa
com quem mais se importava no mundo. Temendo viver sem o
amor, Anna tinha se entregado aos braços do primeiro homem que
encontrou. Depois, ver o poder do amor verdadeiro no olhar de Olaf
e Kristoff abriu os olhos de Anna e lhe revelou a verdadeira natureza
de Hans. Afinal, o amor, entendia Anna ao ver sua irmã pôr fim no
inverno, era realmente mais poderoso que qualquer outra mágica. O
laço entre as irmãs e os sacrifícios que fizeram naquele dia foram
capazes de derreter tudo. Agora, pensou Anna, eu e Elsa podemos
recomeçar. Vamos viver a vida da qual fomos privadas por tanto
tempo.
No fiorde, o chão sob os pés de Anna começou a tremer. O gelo
começou a rachar, e por um momento assustador ela pensou que
todos acabariam nadando. Para sua alegre surpresa, o gelo cedeu
por inteiro, e ela se sentiu suspensa no ar. Olhando para baixo, viu
que estavam de pé sobre o deque de um navio que estivera
encoberto pela neve todo esse tempo. Agora, a madeira reluzia e
brilhava sob o novo sol, fazendo com que tudo cintilasse.
Com um último movimento de suas mãos, Elsa reuniu toda neve
restante. Anna assistiu incrédula à neve ser erguida no ar e
esculpida, mudando de forma até ganhar os traços do mais belo e
perfeito floco de neve que já tinha visto. Então, com um estalo,
explodiu no ar como fogos de artifício. Desapareceu de vista, e tudo
o que restou foi um belo, perfeito e ensolarado dia quente de verão.
– Sabia que você conseguiria – disse Anna, olhando para sua
irmã com um sorriso orgulhoso.
Elsa sorriu de volta e abriu a boca para dizer algo, mas foi
impedida pela voz alegre de Olaf.
– Sem sombra de dúvida – ele disse –, esse é o melhor dia da
minha vida… e possivelmente o último.
Olhando para o boneco de neve, Anna perdeu o ar. Sob o calor do
sol, ele começava a derreter, mas não parecia se importar. Um
sorriso feliz se espalhava por seu rosto, e ele mantinha a cabeça
erguida em direção ao sol, sentindo pela primeira vez o que sempre
sonhara, o verão.
Anna lançou um olhar para sua irmã. Faça alguma coisa, implorou
em silêncio. Estava contente que o inverno tivesse acabado, mas
não conseguia imaginar Arendelle sem seu novo amigo. Elsa
parecia sentir o mesmo.
– Aguente firme, carinha! – ela disse gentilmente.
Mais uma vez, Elsa sacudiu as mãos. Um pequeno redemoinho
de ar gelado saiu da ponta de seus dedos, encobrindo Olaf e o
recongelando instantaneamente. Só por segurança, ela criou uma
pequena nuvem sobre ele, da qual a neve caía sem cessar.
– Eba! – exclamou Olaf alegremente, rebolando ao redor delas e
rindo da nuvem que o seguia. – Minha nevasca particular!
Anna riu com alegria. Tenho a impressão de que ter uma irmã
com poderes de gelo vai ser maravilhoso, ela pensou. Vamos poder
esquiar em agosto se quisermos. Nunca vamos precisar contratar
escultores de gelo. Podemos fazer festas de patinação durante o
verão! E, pensou, mais uma vez maravilhada pela reviravolta,
podemos fazer de tudo juntas. Tudo tinha terminado perfeitamente
bem.
Então, ouviu um grunhido.
Bem, quase tudo.
Ainda havia o pequeno problema do príncipe Hans.
Olhando para ele, Anna viu que ele estava deitado no chão,
segurando a cabeça e gemendo. Ah, certo, ela pensou. Lembrava-
se vagamente de tê-lo ouvido gritar quando sua espada acertou seu
corpo congelado. Ele deve ter sido nocauteado, reparou. Não se
importava.
Infelizmente, Anna não era a única que tinha avistado o
malfadado príncipe. Kristoff, que até então permanecera paciente e
silencioso a seu lado, lançou um olhar para Hans com os punhos
cerrados. Erguendo as mãos, se encaminhou na direção dele.
Na verdade, pensou Anna, acho que eu gostaria de lidar com isso
pessoalmente. Esticando-se, levou a mão ao braço de Kristoff
quando este passou por ela. Gentilmente, sacudiu a cabeça.
– Uh, uh – ela disse com um longo olhar. Eu posso fazer isso
sozinha, ela disse com os olhos. Então, dando a volta, se dirigiu a
Hans.
Vendo a aproximação de sua ex-noiva, Hans se levantou
desajeitadamente. Olhou ao redor, confuso pelo súbito clima quente,
isso sem falar em Anna viva e se mexendo.
– Mas… Mas… ela congelou seu coração – ele gaguejou.
– O único coração congelado por aqui é o seu – ela disse com a
voz gélida.
Virando-se para sair, Anna parou. Olhou para sua irmã, que tinha
sofrido tanto por causa de Hans. Encontrou o olhar de Kristoff e viu
a raiva que ele mal conseguia conter. Hans o machucara também.
Não tão deliberadamente, mas ele também fora ferido. Então, olhou
para baixo, fitando suas próprias mãos. Elas tinham recuperado sua
coloração normal, mas ela jamais se esqueceria do frio que tinha
passado, do quão assustada ficara quando Hans a abandonou para
morrer. Respirou fundo. Sabia que era uma princesa, e princesas
precisavam se comportar como damas, mas ela não podia deixar
barato. Tinha uma coisa que ela precisava fazer.
Girando sobre seus calcanhares, ela se virou e novamente
encarou o príncipe Hans das Ilhas do Sul. Então, retraiu o braço e
socou seu rosto cínico com toda sua força. Seu punho atingiu o
rosto dele com um ruidoso baque, então ele tombou para trás,
caindo da beira do navio. No momento seguinte, ouviu um barulho
satisfatório quando ele desabou na água.
Agora, pensou Anna, quando Elsa a abraçou e Kristoff lançou-lhe
um olhar orgulhoso, tudo está definitivamente perfeito.
C 32

Como pôde dar tão errado?, era só o que Hans pensava,


miseravelmente. Em um minuto, a coroa e todo o poder que ela
trazia estavam a seu alcance, e então, sem aviso, ela tinha sido
roubada dele para sempre.
Sentado no mesmo quarto onde tinha aprisionado Elsa há menos
de um dia, Hans olhava para Arendelle. A parede, que tinha sido
arrancada por Elsa, ainda estava faltando, mas isso não importava.
Não havia mais neve para invadir os quartos, sem frio do qual se
aquecer. Em vez disso, raios de sol atravessavam o chão de pedra,
e uma brisa gentil trazia o suave cheiro da água salgada. Ao longe,
podia avistar o cume da Montanha do Norte, e mais próximo do
reino era possível ver o verde das árvores e as cores vivas das
flores nascendo. No pátio abaixo, o som do riso das crianças era
nítido, e Hans podia ouvir ainda o distinto som dos barcos no porto
que se preparavam para partir.
Era idílico.
Tudo isso deixava Hans enojado.
Desde que fora levado para esse quarto, tinha repassado em sua
cabeça seus últimos momentos de liberdade incontáveis vezes. Não
importava de quantas diferentes maneiras ele olhasse para eles,
quantas vezes tentasse descobrir onde tudo deu errado, ele não
conseguia se decidir. Em um momento estava parado diante de
Elsa, com a espada erguida, pronto para dar um fim nela de uma
vez por todas, tomar a coroa e…
…Anna estava lá, parada em frente à espada que descia, no
fiorde congelado. Podia sentir seus olhos azuis, que o julgavam em
silêncio. Sentiu o choque reverberar em seu braço quando a espada
atingiu não Elsa, mas o corpo congelado de Anna. No instante
seguinte, foi jogado no chão e perdeu a consciência.
Quando acordou momentos depois, tudo tinha mudado.
A neve tinha cessado. As nuvens haviam desaparecido e a
temperatura aumentava. Não era só o tempo que derretia, viu Hans
instantaneamente. Anna e Elsa haviam derretido também. A
distância entre elas tinha desaparecido no segundo em que Anna se
sacrificara por sua irmã. Lá estavam elas de pé, rindo e dando
abraços espontâneos uma na outra, compensando os anos que
tinham perdido.
Isso também enojava Hans.
Se eu tivesse agido um momento antes, pensou ele. Elas nunca
teriam conhecido o perdão. Nunca mais sentiriam o amor de irmãs
novamente. Assim como eu. Como minha vida inteira. Elsa estaria
morta. Anna teria morrido em seguida, e eu teria conquistado o que
eu mereço.
Em vez da coroa, tudo o que conseguira fora um soco na cara.
Ao ouvir o tilintar das chaves do lado de fora da porta, Hans
levantou o olhar.
– Príncipe Hans – disse uma voz do outro lado da porta,
assustando-o. – É hora de partir.
– Para onde? – perguntou com a voz trêmula.
– Para casa – respondeu a voz.
Lentamente, a porta se abriu. A respiração de Hans estava
ofegante. Os dois guardas estavam parados do lado de fora da
porta, com as mãos nas espadas ao lado e a expressão séria.
– Fique de pé – ordenou um deles.
Hans seguiu seu comando. Suas mãos tremiam tanto que teve
que segurar uma com a outra para que o guarda pudesse apertar as
algemas em seus pulsos.
– Será que existe alguma chance de você, talvez, eu não sei, tirar
isso para nossa caminhada? – perguntou, esperançoso.
O guarda não respondeu.
– É só que, bem, tenho certeza de que a rainha e a princesa não
iam querer que eu fosse levado pela cidade acorrentado. Não seria
bom para as relações políticas e tudo mais.
– A princesa Anna nos alertou que você poderia dizer algo assim
– disse o outro guarda. – Deu-nos ordens para ignorá-lo. Disse para
não acreditar em nenhuma palavra que saia da sua boca. Estamos
aqui para levá-lo direto para o porto.
Por que eu me surpreendo?, pensou Hans quando os dois
homens o escoltaram para fora da cela. Será que eu achei mesmo
que Anna poderia deixar de lado o fato de eu ter tentado matar
ambas as irmãs? Ou que eu a enganei fingindo que a amava? Ele
deu de ombros. Uma parte dele pensava que sim. Tinha tanta
confiança em si mesmo e em seu plano que nunca sequer
considerara o cenário da derrota.
Sim, ele tinha falhado. Completamente. E se o que os guardas
haviam dito sobre ir para casa fosse verdade, jamais lhe permitiriam
se esquecer de sua derrota miserável.
A realidade começou a se abater sobre Hans, que subitamente
ficou inquieto. Ele se debateu na mão dos guardas tentando fugir,
mas estes o seguraram com firmeza, ignorando seus vãos
protestos.
Não posso voltar. Por favor, eu não posso voltar para casa,
pensou Hans desesperado. Mas até onde cabia aos guardas de
Arendelle, era exatamente para onde ele seria mandado!
C 33

Novamente, o porto de Arendelle estava aberto. Os portões do


castelo foram escancarados, e o mercado estava fervilhando. O ar,
rico em calor como em um dia de verão, passava uma sensação de
comemoração e as pessoas se alegravam, contentes em poder
voltar a sair de casa.
Dentro do castelo, o clima de celebração continuava. As janelas
deixavam entrar uma deliciosa brisa, e nenhuma porta sequer
estava fechada. A fartura de pratos de jantar que Anna achara
incrível há alguns dias permaneceu a postos, pronta para a próxima
festa ou baile. O salão principal não era mais uma estação de apoio.
O piso tinha sido polido novamente, as velas, substituídas e os
cobertores tirados do depósito foram novamente guardados. A lenha
cortada foi reciclada para substituir as cercas derrubadas na
tempestade. Os serviçais passavam alegres pelos corredores,
falando e rindo entre si, impressionados com a boa sorte de terem
uma amável rainha e uma doce princesa. No geral, o castelo se
sentia vivo e rejuvenescido.
E não era só o castelo que tinha mudado. Em seu quarto, Anna
sentou de frente à penteadeira, encarando seu reflexo. A garota que
olhava de volta para ela parecia a mesma que estivera ali apenas
alguns dias antes. Ainda assim, não sou nem um pouco a mesma,
pensou Anna, enrolando seu cabelo. As diferenças físicas eram
sutis: o branco em seu cabelo tinha desaparecido completamente,
seus olhos, que antes pareciam tristes e solitários, agora eram
esperançosos e cheios de vida, seu sorriso vinha ligeiro e feliz.
Mudanças pequenas e sutis, pensou Anna, que refletiam mudanças
enormes em sua vida.
Agora, as mudanças emocionais, refletiu Anna, essas eram bem
menos sutis. Ela não andava mais na ponta dos pés nos corredores
de sua casa, esperando rejeição a cada esquina. Nas últimas
manhãs, ela tinha saltado de sua cama antes mesmo que o sol
raiasse, direto para o quarto de Elsa. Elas ficavam sentadas por
horas, se atualizando das coisas que tinham perdido na vida uma da
outra e vendo os primeiros raios de sol banharem o chão do quarto.
Então, juntas, começavam o dia. Anna tinha mostrado a Elsa todos
os seus lugares favoritos do palácio e a apresentara a Kjekk. Ela
mostrou onde Cook escondia o chocolate, e juntas tentaram, como
faziam na infância e sem sucesso, roubar um pouco sem serem
pegas.
Tinham também se aventurado do lado de fora dos portões.
Ambas sabiam muito pouco da vida além dos muros do castelo.
Cada momento trazia consigo uma nova experiência: pescar, assistir
a um coral de crianças cantando em frente à escola, andar pelos
campos afora e correr de mãos dadas na grama, agora novamente
verde.
– Nunca pensei que pudesse ser tão feliz – Anna confessara à
irmã na noite anterior, sentada quentinha na biblioteca.
– Eu também não – disse Elsa suavemente. – Não acredito
quanto tempo desperdicei me escondendo. Sinto muito.
Anna sacudiu a cabeça. Sua irmã lhe contara tudo o que tinha
acontecido na noite quando tudo mudou. Saber da verdade, que
Elsa por acidente tinha lhe atingido na cabeça com um raio de gelo,
tirou um peso enorme dos ombros das duas irmãs.
– Você era tão nova quando me acertou – Anna a confortou. – Eu
era tão nova. Nós não sabíamos de nada. A mamãe e o papai
nunca deviam ter dito para você esconder quem você é, Elsa. Você
é linda e maravilhosa, sou eu quem sente muito. Sinto por não ter
percebido que você só estava tentando me proteger.
– Ah, Anna – replicou Elsa, sorrindo. – Eu amo você, sempre amei
e sempre amarei. Não vamos mais cometer esse erro de esconder
as coisas uma da outra, nunca mais.
Anna riu e estendeu a mão.
– Combinado – disse, contente.
Suspirando, Anna se levantou do sofá e atravessou a sala em
direção à janela. Ela e Elsa tinham feito as pazes e se
reaproximado, mas havia ainda uma coisa que Anna precisava fazer
antes que pudesse seguir em frente de vez.
No porto, os navios se balançavam suavemente acorrentados a
suas âncoras, então os que estavam amarrados no cais iam para
frente e para trás sem sair do lugar. A maioria deles estava vazia, os
capitães e tripulação atrasaram a partida para aproveitar o clima
agradável e curtir uma temporada em Arendelle, enquanto o
restante estava a todo vapor. Um deles era o barco que levaria Hans
de volta para casa assim que Anna criasse coragem e se dirigisse
ao porto.
A decisão de mandar Hans de volta para as Ilhas do Sul tinha
sido, por insistência de Anna, uma decisão em conjunto. Elsa,
Kristoff e Olaf, todos queriam algo mais drástico. Ela só queria
colocar o príncipe em um barco e se livrar dele o quanto antes. Elsa,
por outro lado, preferia que ele ficasse preso e fosse a julgamento
por suas ações e tentativa de assassinato das duas irmãs.
– Ele teria me levado a julgamento – apontou Elsa quando o
grupo se reuniu na câmara do conselho. – Por que não devo fazer o
mesmo?
– Por que não é essa a ideia – disse Anna. – Confie em mim, eu
pensei muito seriamente sobre isso enquanto estava congelando
naquela sala. Pensei nas mais diversas maneiras de puni-lo, mas o
melhor castigo certamente é fazê-lo enfrentar a única coisa que ele
mais teme: ir para casa. Deixe que seu pai e seus irmãos cuidem
dele. Se eles forem assim tão terríveis quanto Hans diz que são…
– Aposto que eles são maravilhosos! – interrompeu Olaf, sempre
vendo pelo melhor lado das coisas. – Imaginem! Doze irmãos!
Sempre ter alguém por perto com quem brincar!
Anna sorrira com a inocência de Olaf, mas ele provavelmente
estava certo. Tudo o que ela tinha ouvido era a versão de Hans
sobre sua família. Até onde constava, eles podiam ser as pessoas
mais maravilhosas do mundo, e ele era meramente a ovelha negra.
– Bem, dessa vez – apontou Kristoff –, eu concordo com Elsa.
Hans machucou você, Anna, e ele merece pagar por isso. – Ele
olhou para ela tão afetuosamente que fez Anna corar. Eles ainda
precisavam conversar sobre o fato de ele ter voltado atrás dela, mas
ela aprendera sua lição com Hans, nada de apressar as coisas. Tê-
lo por perto já era bom o suficiente por ora.
– Vocês são todos maravilhosos, e aprecio os conselhos –
concluiu Anna, para pôr fim à conversa. – Minha decisão está
tomada, e quero mandá-lo para casa.
Sacudindo a cabeça para clarear seus pensamentos, Anna se
voltou para a janela. Pelo que ela estava esperando? Era chegada a
hora de embalar o príncipe para viagem de uma vez por todas.

Anna estava de pé sobre uma pedra observando o cais. De seu


estratégico ponto de observação, ela pôde ver os guardas
arrastarem Hans de volta para seu navio. Da última vez que ela o
vira, ele desabava na água, algo parecido com um rato se afogando.
Agora, estava de volta em terra firme e parecia novamente o belo
príncipe que a enganara com seu charme e inteligência. Doía vê-lo
tão apresentável, mas não tanto quanto Anna havia temido.
Ela redigira um detalhado registro dos crimes de Hans para ser
mandado de volta para casa com ele. A Justiça das Ilhas do Sul
certamente reservava uma punição bem mais terrível do que
qualquer coisa que pudesse ser feita a ele em Arendelle. Sempre
que sentia alguma pena de Hans por ser mandado de volta para seu
pai, ela lembrava que ele era um homem adulto e precisava se
responsabilizar por suas ações, independentemente do quão
miserável fosse a sua vida em casa.
Ouviu o sopro do chifre no deque do navio de Hans. Era chegada
a hora da partida. Segurando Hans pelos braços, os guardas o
jogaram para o convés.
– Adeus, Hans – disse Anna suavemente, sabendo que ele não
ouviria sua voz com o som das ondas batendo no casco da
embarcação. Mas ela não se importava. Dizer adeus significava
muito mais para ela do que para ele. Era o encerramento de que ela
precisava. Dando a volta, tomou o longo caminho que levava às
escadas do palácio. Ela nunca esqueceria Hans, mesmo se assim
quisesse, mas não permitiria nunca mais que ele a machucasse. Ela
não permitiria que ele transformasse seu coração em gelo ou
arruinasse suas perspectivas de vida e amores. Não. O príncipe
Hans a machucara muito e isso nunca mudaria, mas ela não
permitiria que ele vencesse levando consigo sequer um único
momento a mais de sua felicidade. Ela não deixaria que ele fosse
um erro impossível de ser superado.
Chegando ao topo da escadaria, Anna parou. Seus ombros já se
sentiam mais aliviados, e seu coração, mais completo. Ao olhar para
cima, um sorriso despontou em seu rosto. E falando em consertar
erros…, ela pensou. Lá, escondido atrás das cabanas de
pescadores, estava um trenó novinho em folha. O trenó novinho em
folha de Kristoff, para ser mais exata. A madeira brilhava sob a luz
do sol, e os assentos de couro rangiam, prontos para serem usados.
Anna aplaudiu contente. Kristoff ia adorar isso. Mal posso esperar
para ver sua cara, ela pensou ao retomar sua caminhada. Aposto
que ele vai ficar todo vermelho, começar a mexer no cabelo e ficar
todo envergonhado. Sem dúvida, vai querer mostrar para Sven
imediatamente. Ou vai começar a falar como se fosse o Sven…
Esse pensamento impeliu-a a sorrir ainda mais. Encomendar um
trenó novo para ele tinha sido seu único segredo desde que Elsa
pôs fim ao inverno. Nem sabia se Kristoff se lembraria de sua
promessa de dar a ele um trenó novo, mas isso não importava. Ela
tinha feito a promessa e mal podia esperar para cumpri-la.
Soltando uma breve e alegre risada, Anna acelerou o passo. Até
esse momento, ela se perguntava se tinha algum arrependimento
em relação ao decorrer dos eventos, mas agora tinha uma certeza:
esses questionamentos eram inúteis, e o agora era muito mais
fantástico. Ela tinha novos amigos incríveis, o castelo voltara à vida
e, o mais importante de tudo, ela tinha uma vida cheia de
incontáveis possibilidades agora que o amor abrira as portas entre
ela e sua irmã. Quanto mais cedo se afastasse do cais – quanto
mais cedo Hans não fosse mais que uma lembrança –, mais cedo
poderia começar a viver essa vida maravilhosa.
E foi exatamente o que ela fez.

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