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Amelia Jones Presença in Absentia, performatus 2013, n.

Entendo performances de body art como P. 5


encenações das subjetividades dispersas, multiplicadas e específicas do fim da era
capitalista, pós-colonial e pós-moderna: subjetividades cuja existência é
reconhecida
sempre já em relação ao mundo de outros objetos e sujeitos; subjetividades que
sempre já
são intersubjetivas assim como interobjetivas. 3 Especificamente, insisto que é
precisamente a relação desses corpos/sujeitos com a documentação (ou, mais
especificamente, com a representação) que aponta mais profundamente para o
deslocamento da fantasia do sujeito modernista fixado, normativo e centrado, e,
portanto,
oferece um desafio mais dramático ao machismo, racismo, colonialismo,
classicismo e
heterossexualismo embutido nessa fantasia.
A body art, por meio de seu próprio aspecto performático e do seu desvelamento P. 9
do
corpo do artista, traz à superfície a insuficiência e a incoerência do corpo-como-
sujeito e sua
incapacidade de se entregar completamente (seja ao sujeito-na-performance em si
ou para
aquele que se relaciona com esse corpo). Talvez mais pontual do que as
observações

sugestivas de O’Dell, seja a insistência de Peggy Phelan sobre a maneira como o


corpo-em-
performance exibe sua própria falta:

A performance usa o corpo do performer para um questionar da incapacidade de se


garantir uma relação entre a subjetividade e o corpo em si; a performance utiliza o
corpo para enquadrar uma ausência do Ser prometido pelo (e através do) corpo –
aquilo que não pode tornar-se aparente sem a participação de um suplemento. (...)
A performance marca o corpo em si como perda. (...) Para a espectadora, o
espetáculo performativo é, em si, uma projeção da trama na qual o seu próprio
desejo tem lugar.
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Portanto, é possível dizer que a body art desloca a suposição modernista da P. 10
plenitude autoral (em que o autor, cujo corpo está velado, mas, ainda assim, é
masculino de
maneira implícita, é considerado como sendo instado pela obra de arte e vice-
versa).14 A
body art alardeia o corpo em si como perda ou falta: quer dizer, como uma falta
fundamental de autossuficiência (afirmada por Elwes et al.) que iria garantir sua
plenitude
como depósito imediato do caráter do self. O corpo “único” do artista na body
artwork só
tem significado em virtude de sua contextualização no âmbito dos códigos de
identidade
que se acumulam no corpo e no nome do artista. Assim, esse corpo não é
autossuficiente
em seu significado, mas depende não apenas de um contexto autoral de
“assinatura” como
também de um contexto receptivo em que o intérprete ou espectador pode interagir
com
esse corpo. Quando compreendido em seu caráter completo de ter fim aberto, a
performance ao vivo comete esta contingência, a intersubjetividade do intercâmbio
interpretativo, altamente pronunciado e óbvio, já que é possível interferir nas ações
do
corpo e ele pode ser realinhado de acordo com os corpos/sujeitos da plateia no
registro da
ação em si; documentos do corpo-na-performance são, no entanto, da mesma
maneira

contingentes no ponto em que o significado que se acumula a essa ação e ao corpo-


na-
performance depende totalmente das maneiras em que a imagem é contextualizada
e

interpretada.
Em vez de confirmar a coerência ontológica do corpo-como-presença, a body art P. 14
se
aprofunda na documentação, confirmando – até exacerbando – o caráter
suplementar do
corpo em si.
E, no entanto, eu reforçaria, em sua incapacidade de P. 15
“ir além” da contingência de códigos estéticos, tanto a performance quanto a
fotografia
anunciam o caráter suplementar do índice em si. A apresentação do self – na
performance,
na fotografia, no filme ou no vídeo – exige o caráter suplementar mútuo do corpo e
do
sujeito (o corpo, como “objeto” material no mundo, parece confirmar a “presença”
do
sujeito; o sujeito dá ao corpo sua importância como “humano”), assim como a
performance
ou body art e o documento fotográfico. (O evento de body art precisa da fotografia
para
confirmar que aconteceu; a fotografia precisa do evento de body art como
“âncora”
ontológica de seu caráter de índice.)
Body art e performance art P. 18-19
expõem, precisamente, a contingência do corpo/self não apenas sobre o outro do
intercâmbio comunicativo (o público, o historiador de arte), como também
exatamente
sobre os modos de sua própria (re)apresentação.

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