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Sobredesenho Giltokio PDF
Sobredesenho Giltokio PDF
2 1
Gil Tokio de Tani e Isoda
SOBRE
DESENHO
estudo teórico-visual
Dissertação apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
para
Viviane Lopes
Yutaka Isoda
e Edna Tani
CDU 741
4 5
RESUMO
Esta dissertação tem como objeto de estudo o diversas entrevistas feitas com artistas e/ou teóricos
desenho, entendendo-o como um fenômeno com- especialistas no assunto.
plexo que se situa na zona de tensão entre arte e Consideramos esse estudo como teórico-vi-
técnica, fazer e pensar. É possível considerá-lo como sual, pois foram utilizados recursos gráficos como
meio, processo e fim. ferramenta de pesquisa, em conjunto com o material
Os objetivos são mapear o significado da palavra escrito. Exemplos: infografia, ilustração, diagramas,
desenho, analisar o fenômeno e também os procedi- narrativas gráficas, entre outros.
mentos envolvidos na ação de desenhar. A abordagem da pesquisa é no âmbito da estéti-
O trabalho foi dividido em três capítulos, sen- ca descrito por Pareyson, de modo que seja apenas
do o primeiro voltado para as definições do termo especulativa e não normativa. Ou seja, buscando
estudado, a etimologia e estudos do desenho como definir conceitos e não normas.
processo; o segundo capítulo aborda algumas espe-
cificidades do desenho e desafios de elaborar uma
pesquisa sobre desenho; e o terceiro capítulo reúne
ABSTRACT
The subject of this thesis is the drawing (desenho) that are experts in the field.
as a complex phenomenon situated in the tension We consider this study as both theoretical and
area between art and technique, doing and thinking. visual, since as graphical features (computer graphi-
It can be considered as means, process and goal. cs, illustration, diagrams, graphic narratives, among
The objectives are to map the meaning of the others) have been used as a research tool, combined
word “drawing”, analyze the phenomenon and also with bibliography. The research approach situates
the procedures involved in the action of drawing. itself in the context of aesthetics defined by Parey-
The work has been divided into three chapters: son, so that it is only speculative and not normative.
The first focuses on the definitions of the studied In other words, we defined concepts and not rules.
term, the etymology and the study of drawing as a
process; the second chapter discusses some of the
drawing specificities and the challenges of develo-
ping a research about it; and the last one gathers
several interviews with artists and/or theoreticians
6 7
AGRADECIMENTOS
Ao professor Giorgio por seu acompanhamento À Carol ‘Zul’ Oukawa e Amália Dos Santos, pela
seguro, por seus comentários precisos e valiosos e ajuda nas etapas finais e por acompanhar o percur-
pelas ótimas conversas na padaria. so, mesmo que às vezes meio à distância.
Ao professor Agnaldo Farias pela participação Aos pingados Beto Uechi e Leandro Robles,
incisiva e estimulante na ocasião da banca de qualifi- sócios, que mantiveram o nosso barco firme nas
cação e pelas aulas memoráveis. minhas ausências inevitáveis, e ainda me ajudaram
À professora Clice Mazzilli pela essencial conver- ao longo de toda a pós-graduação.
sa e apoio não só na ocasião da banca de qualifica-
ção, mas também no produtivo semestre que com- À toda minha família pelo apoio e o companhei-
partilhamos durante a disciplina em que fui monitor, e rismo de sempre. Pai, Kaká, Kiki, Nara, Heitor e
em diversas outras oportunidades. Lucas.
A todos os meus entrevistados e interlocutores À Kaká Shimabukuro pela revisão eficiente e todo
que me receberam tão bem e mantiveram o canal de o apoio no dia a dia.
diálogo aberto ao longo da pesquisa: Ao Kiki Isoda que me ajuda desde 1983 e, espe-
Beatriz Piccolotto, Carlos Fajardo, Claudio Muba- cialmente no mestrado, onde ajudou do começo ao
rac, Chico Homem de Mello, Domingos Takeshita, fim.
Edith Derdyk, Laerte Coutinho, Marcelo Campos, A Nara Isoda e Olavo Costa pela constante curio-
Octávio Cariello, Odiléa Toscano e Silvio Dworecki. sidade e palpites empolgados.
Ao Heitor pelas tirinhas.
Ao professor Vicente Gil pelas melhores tardes de Ao Lucas por aceitar trocar uma ovelha por três
conversa durante as aulas da pós graduação. palhas.
Ao professor Mario Henrique D’Agostino pelas E ao meu pai pelo sashimi aquele dia.
estimulantes aulas de preceptivas artísticas.
Ao professor Feres Khoury pelas ótimas dicas e À Vivi por ser fundamental e estar todo dia do
sugestões biliográficas meu lado, acompanhando de perto o processo, corri-
gindo, transcrevendo, dando suporte e ânimo.
Aos amigos e colegas que participaram de várias
formas: Elizabeth Romani, Eunice Liu, Sara Gold- E à minha mãe, por tudo o que desenhamos
chmit, Paulo Alas Rossi, Pedro Murilo Freitas, Joca juntos.
Yamamoto, Paula Dedecca, Dina Roldan, Daniel
Bueno, Gau Manzi, Moreno Zaidan, Mari Wilderom,
Juliana Braga e Jorge Zugliani.
8 9
SUMÁRIO
introdução 13
2.1 Hipotetigrafia 51
2.2 Infografia 54
2.3 Sobre desenho como pesquisa 56
CAPÍTULO 3 ENTREVISTAS 61
BIBLIOGRAFIA
bibliografia 109
10 11
01 INTRODUÇÃO
O que é desenho? Importante frisar a ênfase na produção visual da
pesquisa, de certa forma experimental, que buscou
Esta pesquisa parte dessa indagação simples, utilizar ferramentas gráficas para auxiliar no desen-
mas, mesmo após alguns anos de leituras, entrevis- volvimento do trabalho e na resolução de parte das
tas, ensaios, desenhos e reflexão, é difícil de respon- questões levantadas. Deliberadamente foram privile-
dê-la de maneira direta e sem ressalvas. giados os aspectos visuais durante toda a formata-
ção do material final e, com erros e acertos, acredi-
Para ilustrar o quão antiga pode ser a relação tamos que o resultado obtido pode contribuir para
da humanidade com o desenho, podemos tomar algumas reflexões sobre a pesquisa em design e,
emprestada a reflexão de Márcia Tiburi que sugere também, especificamente sobre desenho. Falaremos
“uma nova ontologia em que a inauguração do hu- desse assunto mais especificamente no capítulo 2.
mano não se dá pela palavra carregada de concei- A abordagem teórica busca se apoiar na defini-
tos, mas pelo grapho mais primitivo, o primeiro gesto ção de estética descrita por Luigi Pareyson, de modo
representacional realizado pelo homem quando, que a pesquisa assuma um caráter puramente espe-
munido de uma vareta, riscou o chão de areia”.1 Esse culativo, buscando definir conceitos e dando conta
primeiro risco feito no chão é, claro, hipotético, mas do “significado, da estrutura, da possibilidade e do
nos coloca “diante de um novo mito inaugural da alcance metafísico”5 do desenho como fenômeno.
cultura” e, independente de a história do homem,
2
Desse modo, portanto, o trabalho não assumirá um
enquanto ser, ter começado com o traçar consciente caráter normativo ou valorativo, comumente presen-
de uma linha, é evidente que o desenho é elemento tes em manuais que pretendem ensinar a desenhar.
essencial e primordial em todo percurso da humani- Assim como Leon Battista Alberti em seu tratado
dade até hoje. sobre a pintura, no século 15, logo em seu primei-
Parece desnecessário exemplificar e justificar tal ro parágrafo, pede que o leitor considere que ele
importância, dado que o desenho está presente em escreve “não como matemático, mas como pintor”6,
tudo que nos cerca. Desde as pinturas rupestres de cabe ressaltar que o autor desta dissertação, apesar
dezenas de milhares de anos antes de Cristo, pas- de fazer uso do ponto de vista da estética como fer-
sando pelos primeiros hieróglifos, pelos alfabetos, ramenta teórica, não é filósofo, tampouco historiador,
pela geometria, arquitetura, taxonomia, astronomia, crítico ou tratadista, mas um desenhista, ilustrador e
pintura, urbanismo, design... Multidisciplinar, quase professor de desenho por ofício.
onipresente, atualmente não há disciplina cultural No entanto, tal fato, de modo algum, represen-
que não faça uso do desenho como instrumento, taria um mea culpa por eventuais deslizes e impre-
direta ou indiretamente.3 cisões ao longo da dissertação. Poderia ser, porém,
Ainda assim, mesmo sendo algo tão presente no um dado relevante para o leitor, a fim de esclarecer
cotidiano, na vivência de qualquer pessoa, é algo que este é o resultado da reflexão de alguém que
que ninguém sabe definir com convicção o que é. vivencia cotidianamente as descobertas e percalços
do ato de desenhar.
Esta pesquisa buscou mapear4 alguns aspectos E, por fim, esperamos que esta dissertação
do desenho a fim de compreendê-lo melhor, refletin- exponha a abrangência e importância do conceito
do sobre a definição do conceito, sua etimologia e do desenho e da ação de desenhar e, estando o
algumas de suas propriedades específicas. Ao final assunto muito longe de se esgotar, que contribua
da dissertação temos também algumas entrevistas para futuros trabalhos que venham compartilhar da
com pessoas que dedicaram boa parte de suas vidas mesma indagação.
a estudar o desenho, tanto na prática profissional,
quanto na teoria, passando pela pesquisa acadêmi-
ca.
12 13
01
Capítulo
SOBRE
DESENHO
01.1 o que é desenho?
01.1.3 etimologia
14 15
01.1 O QUE É DESENHO?
Eis que o primeiro capítulo tem início com a prin- iniciamos agora nossa linha de raciocínio a fim de
cipal pergunta da dissertação. clarificar a questão.
Em uma das entrevistas gravadas ao longo da Temos como objetivo nesta etapa mapear algu-
pesquisa, fizemos a mesma pergunta que está logo mas definições, aspectos etimológicos e os significa-
acima, no topo desta página, ao Carlos Fajardo, que dos do conceito de desenho.
rebateu: “Você usou quatro palavras para fazer essa Veremos que alguns recursos infográficos bus-
pergunta, difícil é respondê-la.” cam colaborar com a discussão levantada, assim
Entendemos perfeitamente a observação do pin- como as diversas imagens que complementam a
tor que, com mais de 70 anos, muitos deles dedica- linha de raciocínio.
dos à pintura, a vivência de arte e a prática de ensino Como era de se esperar, a resposta para pergun-
de desenho, confessou a dificuldade de responder ta do título não é uma só, mas ao menos buscamos
tal questão. apontar para algumas possibilidades e levantar mais
Porém, assumindo tal dificuldade como um fato, algumas perguntas.
16 17
01.1.1 POR QUE É DIFÍCIL DEFINIR O QUE É DESENHO? Porque não parece necessário defini-lo8
Drawing as a subject of study is a topic longo dessa pesquisa, contudo dificilmente houve- O desenho é um fenô- paz de entender uma placa
waiting to be formulated. And a major reason ram opiniões conclusivas sobre a definição do termo meno que esteve sempre com um pictograma, uma
for its irresolute state is the problematic issue e, talvez, o único consenso a respeito seja o de que presente na História da seta, um sinal no chão, uma
humanidade. representação de animal em
of defining what is drawing. (PETHERBRIDGE, o problema é bastante complexo.
Mesmo sendo comum uma pintura rupestre.
2008)1 Abaixo podemos observar um tentativa de mape- a inibição, que pode ser Em algum nível, inde-
ar alguns dos aspectos que tornam essa questão tão definida como um tipo de pendentemente da expertise
É notória a dificuldade de achar uma definição complicada de ser respondida. estigma social, de “não ou contexto social, todos
para o que é desenho. Mesmo que a tentativa de Com certeza não se trata de uma listagem defini- saber desenhar”, o enten- conseguem produzir algo
definição se extenda por todo um livro, há sempre tiva. Seguramente podemos questionar alguns deles dimento de desenho é algo nessa linguagem.
ressalvas, pontos ambíguos e questões não solucio- e devem haver tantos outros a serem listados. quase natural a qualquer ser Dessa forma, talvez não
nadas. Consideremos como apontamentos e hipóteses humano racional com pleno pareça necessário definir
funcionamento de suas algo tão comum e cotidiano
Diversos autores buscaram alocar conceitual- para ajudar a gerar questionamentos para compreen-
capacidades perceptivas. quanto ver9 ou andar.
mente a palavra, alguns dos quais estudamos ao são do problema. Todo ser humano é ca-
Porque não é só coisa de lápis e papel2 Porque seu significado mudou ao longo
da história
O uso corrente da que a suposta capacidade
palavra tende a restringir o de saber desenhar estaria
termo ao fenômeno material. diretamente relacionada a O desenho, com esta foi relativamente tortuoso,
O sinal gráfico sobre uma capacidade de reproduzir grafia, é uma palavra com de modo que as palavras
superfície. O traço.3 fielmente o mundo visível origem no renascimento.10 sofreram diversas oscila-
Ou seja, é senso comum de maneira similar ao do Contudo, os atos de tra- ções semânticas.
a tendência de considerar processo fotográfico. çar linhas, projetar, esboçar, Atualmente é possível
o desenho somente como Veremos, ao longo desta designar sempre estiveram diagnosticar uma sensível
o resultado visível do pro- pesquisa, que a definição do presentes no repertório redução de significados em
cesso.4 termo pode ser muito mais cotidiano do homem. relação a palavra “disegno”,
Há também, mais ampla e que a redução a Independentemente origem do correlato “dese-
especificamente, uma certa um risco sobre um papel é de qual palavra se utiliza nho” em português.
propensão de entender apenas uma fatia do bolo. para definir esse fenôme-
desenho como algo ne- no, é certo que o processo
cessariamente figurativo e histórico até os dias atuais
1.PETHERBRIDGE, Deanna. in Nailing the Liminal: The Difficulties of 5. Tradução livre do autor, com edições, a partir do texto de
Defining Drawing. 2008. PETHERBRIDGE, Deanna. in Nailing the Liminal: The Difficulties of 8. “Falar sobre o que é desenho é falar sobre um objeto e uma 10. Vide o subcapítulo etimologia
2. MOTTA, Flávio. in Desenho e Emancipação. 1967. Defining Drawing. 2008. acção tão familiares e tão comuns a todas as pessoas, que parece 11. Conceito de Rizoma, em filosofia, descrito por DELEUZE, Gilles
3. Vide o próximo subcapítulo a definição do dicionário Houaiss 6. FARIAS, Agnaldo. Desenho esquema esboço bosquejo projeto dispensar qualquer definição ou esclarecimento.” RODRIGUES, Ana e GUATTARI, Felix in Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. 1980.
para a palavra “desenho”. debuxo ou o desenho como forma de pensamento. Catálogo da Leonor M. Madeira. In O que é Desenho. 2003. 12. Conceito de formatividade descrito por PAREYSON, Luigi in Os
4. MOTTA, Flávio. in Desenho e Emancipação. 1967. Nesse texto, exposição. Gabinete do Desenho. 2012 9. Donis A. Dondis, em seu livro Sintaxe da Linguagem Visual Problemas da Estética. 1984.
Motta atribui à Missão Francesa que veio ao Brasil em 1816, a 7.BATTAGLINI, Arnaldo. “A fronteira como Território”. in DERDYK, problematiza a questão da naturalidade e simplicidade do ato de
influência do entendimento de que “o verdadeiro desenho é a linha”, Edith (org.). Disegno, desenho, desígnio. 2007. ver e que isso, de certa forma, suscita que “não há necessidade de
entre outras. desenvolver a capacidade de ver e visualizar”, bastando “aceitá-la
como uma função natural.”
18 19
01.1.2 DEFINIÇÃO ATUAL DA PALAVRA
DESENHO Abaixo podemos observar a atual definição da DESENHAR Como bem observou Edith Derdyk:
substantivo masculino (1567) palavra desenho no dicionário Houaiss1. verbo ( 1571) “É também importante destacar o significado de desenhar e, assim, podemos
Podemos constatar que o uso corrente enfoca ampliar ainda mais o conceito de desenho.”2
quase que somente aspectos materiais do desenho, Assim percebemos que a definição se expande para “imitar ou criar por
tais como representação, obra de arte, delineamento, meios não gráficos”, “apresentar-se a vista”, “elaborar projeto, conceber, plane-
figura, forma, etc. jar” e “tornar-se visível”.
Por metonímia, há a definição do desenho como Dois fatos chamam a atenção: o primeiro, a grande diferença de definição
conjunto de procedimentos; e por sentido figurado o entre o substantivo “desenho” e o verbo “desenhar”; o segundo, que há ainda
desenho como um tipo de percepção. uma redução de significados, mesmo somando as duas definições, em relação
E podemos considerar que não há nenhuma ao sentido original da palavra no renascimento, como veremos nos próximos
menção a palavra no sentido de desígnio, intenção, subcapítulos.
projeto, idealização, procedimento mental...2
05 p.ext. configuração de
(um conjunto); con- 06 adosforma considerada
pontos de vista 07 defigura ou conjunto
figuras de efeito 08 representação de ob-
jetos executada para 04 det.d.(um
) traçar as linhas
conjunto ou 05 (projeto;
t.d. ) fig. elaborar
conceber, 06 (nar(-se)
t.d. e pron. ) tor-
visível, fazer
torno, delineamento, estético e utilitário, decorativo; motivo fins científicos, técnicos, de dado elemento de um planejar, projetar ressaltar ou ressaltar o
recorte esp. o contorno quando ‹ uma estampa de d. industriais, ornamentais; conjunto), de acordo com ‹ tudo se passou como contorno, o desenho; distin-
‹ o d. de uma cadeia de apreciado pelas suas quali- florais › ‹ tapeçaria de d. planta, risco, traçado as indicações do desenho; ele o desenhara › guir(-se)
montanhas › ‹ o d. de sua dades plásticas; design geométricos › ‹ o d. de um jardim, de um delinear ‹ um vestido que desenha
sombra › ‹ um móvel de d. sóbrio › ‹ prédio, de uma máquina › ‹ d. um esquema, um a forma do corpo › ‹ as som-
esquadria de péssimo d. › plano, uma planta › bras desenhavam-se contra
5.1 fig. ‹ em poucas palavras o muro ›
fez o d. da situação ›
1. Grande Dicionário Houaiss da lingua portuguesa. 2. Na primeira definição até constam as palavras ideias e sensações, 2. DERDYK, Edith. in Formas de pensar o desenho. 2010.
http://houaiss.uol.com.br/ contudo a frase define ambas somente como tipos possíveis de abreviações:
representação “feita sobre uma superfície, por meios gráficos, com t.d. - transitivo direto
abreviações: instrumentos apropriados” t.d.int. - transitivo direto e intransitivo
p.met. - por metonímia pron., pron. - pronominal, pronome, reflexivo e/ou recíproco
p.ext. - por extensão t.d. e pron. - transitivo direto e pronominal
fig. - figurado (sentido), figuradamente
20 21
01.1.3 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO Algumas definições das palavras
O uso da análise etimológica para elucidar o apenas elucidativa, mas fornece conceitos essen-
significado das palavras é pratica comum em muitas ciais e estruturais tanto para o entendimento quanto
pesquisas e estudos. a prática de desenhar.
Especificamente referente a palavra desenho É possível observar abaixo o que podemos cha- de + signum Partícula de + signum
signum - sinal, marca distintiva; assinatura, selo.8
em português e design, em inglês (ambas oriundas mar de “Árvore Etimológica” da palavra desenho. Pa- latim
da mesma raiz) esse tipo de abordagem é bastante ralelamente, na página ao lado, observamos alguns
reincidente.1 dos significados das palavras contidas na árvore. designare Marcar, traçar, representar. dispor, regular9
latim
Há inclusive autores que curiosamente questio- As fontes de dados para esse diagrama são di-
nam os resultados e motivações desse tipo de abor- versas, portanto algumas informações podem conter
dagem sobre o tema.2 Contudo nos parece bastante pequenas imprecisões, contudo a estrutura etimo- A palavra tem origem no renascimento, no século 15, e no período abrangia uma dupla
pertinente proceder dessa maneira. lógica está suficientemente clara e eficiente para disegno conotação significando ao mesmo tempo representação gráfica (risco, traçado, raciocínio
materializado no papel) e um procedimento mental (ideazione, designio, intenção, propósi-
Podemos afirmar que no caso da palavra de- nossos propósitos. italiano
to).3
senho essa pesquisa etimológica é mais do que
Árvore etimológica da palavra desenho A palavra dessein tem o significado de projeto, desígnio.
dessein e dessin Eis alguns sinônimos atuais da palavra: intenção, meta, resolução, plano, vontade.4
francês A palavra dessin significa representação gráfica.13
Existe ainda a palavra projet, de outra raiz etimológica, para definir projetos arquitetônicos.
A palavra tem muitos significados, dentre eles: fazer linhas em uma superfície, chamar a
draw atenção, atrair, obter, receber, mover algo puxando, concluir uma ideia depois de pensar
A posição de cada palavra indica uma inglês
sequência cronológica, portanto as cuidadosamente sobre, tomar algo para si, etc.
palavras mais antigas se encontram
no topo. Contudo não há escala de
tempo, ou seja, palavras que estão
lado a lado não necessariamente são
contemporâneas.
1. Alguns autores que fizeram uso da etimologia: BUENO, Beatriz Em uma de raciocínio similar, Ana Leonor M. Madeira Rodrigues, em 4.CNRTL - Centre National de Ressources Textuelles et Lexicales. 9. CUNHA. Antônio Geraldo. in Dicionário Etimológico da Lingua
P.S.; FLUSSER, Vilem; DERDYK, Edith; MARTINS, Luiz Geraldo Fer- O que é desenho, afirma que existe “o facto de o abuso e a divaga- www.cnrtl.fr Portuguesa. 1982
rari; MARAR, Tom e SPERLING, David; ARTIGAS, Vilanova; MOTTA, ção nos afastarem da clareza definidora”, mas acredita que esses 5. ECHEGARAY, Eduardo de. in Diccionario general etimologico de la 10. Diccionario de la lengua española - Real Academia Española.
Flavio; entre outros. abusos “ajudem a perceber o processo complexo que é desenhar”. lengua española. 1887. site: lema.rae.es/drae/
2. Deanna Petherbridge, em Nailing the Liminal: The Difficulties of 3. MARTINS, Luiz Geraldo Ferrari. in A Etimologia da palavra 6. Merriam-Webster. An Encyclopædia Britannica Co. m-w.com 11. Diccionario de la Lengua Española. site www.elmundo.es/
Defining Drawing, questiona os teóricos preocupados com “acade- desenho (e design) na sua língua de origem e em quatro de seus 7. HARPER, Douglas. OnLine Etymology Dictionary. 2001. diccionarios/
mic status of art” criticando as “complexas teorias” sobre como a provincianismos: desenho como forma de pensamento e de conhe- www.etymonline.com 12. BLUTEAU. D. Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. 1712.
palavra disegno tem dupla conotação e que acabam estrangulando cimento. 8. Grande Dicionário HOUAISS da língua portuguesa. 13. BUENO. Beatriz P.S. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos enge-
o desenho em uma fórmula. houaiss.uol.com.br nheiros militares (1500 - 1822). 2003.
22 23
01.1.4 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO - algumas observações Redução semântica
Nas duas páginas anteriores observamos sucinta- trata-se de pensá-la semanticamente”. Indenpendentemente da bém para procedimentos Não por acaso essa
tendência de polarização ser ditos mentais. Porém o uso palavra nasce com essas
mente qual foi o processo evolutivo da palavra de- A argumentação de Flusser no texto citado tão categórica e simplista corrente tem diluído esse conotações durante o Re-
senho e alguns de seus correlatos em outro idiomas. aponta para a relação da palavra design com seus como descrita anteriormen- entendimento. nascimento.
Apresentamos também alguns de seus significados “aspectos pérfidos e ardilosos” e, resumindo, design te, e não é, não resta dúvida O mesmo ocorre com as Há uma hipótese de que
de que o significado da palavras design e diseño. a missão francesa que veio
em diversos períodos históricos e alguns atuais. como enganação. Após várias reflexões etimológi- palavra desenho, ao longo A dupla conotação ao Brasil em 1816 tenha tra-
A finalidade dessa linha de raciocínio não foi cas, maliciosamente, seu texto conclui que não há do processo histórico, da (ou até tripla7) da palavra zido uma herança neoclássi-
adaptação aos diversos idio- não surge por acaso, mas ca, que influenciou o ensino
meramente de cunho etimológico, obviamente, mas uma única resposta para suas perguntas, mas que mas e contextos culturais, provavelmente nasceu da de arte no País, ajudando
buscando também subsídios para reflexões que nos tudo depende da intenção, do propósito de quem sofreu uma grande redução necessidade de definir uma a propagar a ideia de que
auxiliem nessa pesquisa. escreve, ou seja, do design.1 semântica. prática de grande uso no “o verdadeiro desenho é a
Ainda há indícios, em período. linha”.8 Claro que talvez a
Vilém Flusser em determinado momento de seu Nesse sentido, sabendo quais os nossos ob- português, do significado Desenhava-se não relação não seja tão direta
livro O Mundo Codificado, pergunta: “como a palavra jetivos (bem menores que os de Flusser, diga-se), mais amplo da palavra. somente para riscar ou em- de causa e consequência.
design adquiriu seu significado atual?” e prossegue vamos avançar o raciocínio a fim de clarificar nossa Como pudemos observar, belezar algo, mas também Mas, com certeza, houve a
na definição atual, o verbo para entender, estudar, pro- influência da cultura france-
“Não estamos pensando em termos históricos [...] compreensão do que é, ou pode ser, desenho. desenhar é usado tam- jetar, visualizar problemas... sa nesse processo.
A partir desse momen- italiano. E, curiosamente, há A princípio nos parece que vale a pena utilizar o amplo uma maneira de pensar, de ver, de entender, de projetar, de
Abaixo, vemos uma tendência de separação da ideia de
to iremos nos arriscar em uma tendência de cada uma desenho como processo mental e processo material. sentido original da palavra, porém a resposta para a per- idear, de executar, divagar, dialogar...
um raciocínio dicotômico, dessas conotações terem gunta acima precisa ser ponderada. Não é por mero exercício retórico que nos parece ser
sabendo do enorme risco uma palavra que as repre- Não se trata de saudosismo ou nostalgia. Tampouco adequado e essencial o uso de uma definição mais ampla
de simplificação que essa senta melhor nos idiomas uma vontade missionária de propagar uma ideia. da palavra desenho, mas por uma necessidade real de
abordagem acarreta. Porém espanhol e inglês. As palavras estão sujeitas a mudanças de sentido, explicitar sua natureza tal qual ela é. Não só no dicionário
é fato que alguns autores Claro que cada palavra de grafia, de uso... Isso é inevitável e desejável. Todos os (que é reflexo do vocabulário vivo), mas principalmente no
construiram parte de seus tem uma história e, anali- MENTAL MATERIAL idiomas nasceram e evoluíram dessa maneira. uso corrente, a fim de enriquecer a compreensão e também
argumentos sobre desenho zando aprofundadamente,
planejar, conce-
ber, projetar
delinear, repre- Como no caso da palavra design, que já está bastante a ação de desenhar.
sentar, esboçar
dessa maneira.2 essa polarização se mostra adaptada à Língua Portuguesa.9 Seu uso é amplamente di- Flávio Motta, ao comentar a diminuição dos significa-
Na palavra desenho, relativizada. inglês
fundido e seu significado, ainda que com muitas ressalvas, dos da palavra desenho escreveu: “O que se perdeu da
a distinção entre procedi- Em francês há um é compreendido pelos falantes do idioma. palavra em boa parte se perdeu do homem”.7
mentos mentais e materiais percurso parecido no caso Não se configura em problema, per se, o fato de o cur- Cabe àqueles que hão prosseguir desenhando a
espanhol so de uma faculdade se chamar de design e não desenho reencontrar não somente a palavra, mas principalmente o
coincide com a dupla cono- de dessein e dessin, mas
tação da palavra original em deixemos de lado, por hora.3 industrial, por exemplo. homem.
Assim como também não seria o caso de ressuscitar
a palavra debuxo para buscar uma palavra para definir
somente o traço, esboço, gesto, etc. Apesar de que, curio-
A palavra original Em inglês e espanhol outra palavra Em português a palavra desenho não seguiu essa tendência5.
em italiano tinhas as se “especializou”4 na conotação Ela acabou mantendo em parte o sentido original de dupla co- samente, em galego exista a expressão Debuxo Técnico.
duas conotações. “material”, e a palavra derivada se notação, mas, como observamos no capítulo “definição atual”, Não há porque excluir nenhuma, são ben-vindas
“especializou” mais na “mental”. existe hoje uma grande propensão de entendê-la somente como todas essas palavras com suas semelhanças e diferenças.
o procedimento material.
Desenho, bosquejo, debuxo, esboço, garatuja, esquema,
rascunho, rafe... Seus significados se completam e ampliam
nosso vocabulário. E esse aumento é benéfico não pela
Em parte, esse afastamento da estatística, mas por se tratar de um aumento de conheci-
conotação mental da palavra mento, de cultura, de possibilidades.
desenho, em português, pode Mas, enfim, a questão principal para a retomada do
ter relação com a intensificação
do uso da palavra projeto em sentido original da palavra talvez seja considerar que a ação
MENTAL fins do séc. 17.6 de desenhar está intimamente ligada a capacidade humana
de percepção, compreensão e comunicação.
Ou seja, a utilização do sentido mais amplo da palavra,
E a palavra debuxo, apesar de envolvendo as diversas conotações que ela teve desde o
ainda constar atualmente no
nosso dicionário, não se consa- renascimento até hoje, não seria nem um retrocesso, nem
MATERIAL grou no uso corrente. uma reinvidicação de uma causa perdida, mas uma ade-
quação de definição mais representativa e coerente com
fenômeno que a palavra descreve.
italiano inglês espanhol português A ação de desenhar é naturalmente complexa e inva-
riavelmente envolve procedimentos mentais e materiais. O
desenho é uma linguagem, uma técnica, mas é também,
1. FLUSSER, Vilém. in O Mundo Codificado. capítulo: Sobre a Pala- A pintura. Textos Essenciais. Vol. 9: O desenho e a cor. 2006. 6. BUENO. Beatriz P.S. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos enge- embalagem, publicação etc.), esp. no que se refere à sua
vra Design. 2007. 4.MARTINS, Luiz Geraldo Ferrari. in A Etimologia da palavra desenho nheiros militares (1500 - 1822). 2003. forma física e funcionalidade
2. Além dos escritos que discutem o impasse em relação ao (e design) na sua língua de origem e em quatro de seus provincianis- 7. BUENO, Beatriz P. S. fala de tripla conotação de ideazione 2 p.met. o produto desta concepção
desenho como coisa mental ou material, intelectual ou físico; vide mos: desenho como forma de pensamento e de conhecimento. (exercício intelectual prévio), representação gráfica (esse raci- ocínio 3 p.ext. m.q. desenho industrial
o vasto material escrito a respeito do embate entre “arte e ciência” 5. É notável o fato de ter sido implementado no Brasil, tendo Rui materializado no papel) e, em linguagem figurada, intento, propósito, 4 p.ext. m.q. desenho de produto
ou “desenho e pintura”, para citar apenas dois exemplos dentro do Barbosa como relator, o curso de Desenho Industrial, em 1883. empresa, desígnio. in Desenho e Desígnio - O Brasil dos engenhei- 5 p.ext. m.q. programação visual
nosso campo de pesquisa. Apontando para uma tentativa de estabelecer essa semântica mais ros militares (1500 - 1822). 2003. 6 p.ext. m.q. desenho (‘forma do ponto de vista estético e
3. Em francês até o século 17 a palavra dessein tinha duplo sentido ampla da palavra desenho. in ARTIGAS, Vilanova. O Desenho. 1967. 8. MOTTA. Flávio. in Desenho e Emancipação. 1967 utilitário’ e ‘representação de objetos executada para fins
de traço e ideia, ou projeto formado no espírito. Porém atualmente o 9. O verbete “design” já consta nos dicionários, porém com uma científicos, técnicos, industriais, ornamentais’)
idioma distingue dessin (representação gráfica) de dessein (projeto). definição muito longe da ampla conotação da palavra disegno, a in Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Distinção similar ao idioma inglês e espanhol, porém com duas pala- saber: houaiss.uol.com.br
vras de mesma raiz etimológica. Fonte: LICHTENSTEIN, Jacqueline. 1 a concepção de um produto (máquina, utensílio, mobiliário,
24 25
01.1.4 ETIMOLOGIA DA PALAVRA DESENHO
Inglês Francês
Relação de significado Relação de significado
palavras drawing e design palavras dessin e des-
com a palavra disegno, do sein atuais com a palavra
século 15. dessein, que até o século
17 tinha dupla conotação
tal qual a palavra original
disegno em italiano.
Curiosamente as 3
palavras, nesse caso, tem a
mesma raiz etimológica.
predominantemente predominantemente
material material
predominantemente predominantemente
mental mental
Espanhol Português
predominantemente predominantemente
material material
predominantemente predominantemente
mental mental
26 27
01.1.4 LINHA DO TEMPO
Organizando algumas imagens e textos de ma- foram subsequentes, contemporâneas, precedidas,
neira cronológica, teremos uma linha do tempo da etc.
história do desenho. Evidentemente que, novamente, corremos o ris-
Apesar da “linha do tempo” ser um diagrama co de esbarrar em uma simplificação dos fatos, uma
relativamente óbvio e padrão1 em qualquer livro vez que o recorte de dezenas de milhares de anos
de História, buscamos posicionar especificamente não caberá de maneira abrangente em quatro pági-
informações que ampliem nosso entendimento de nas, bem como teorias e estudos complexos sobre
desenho. desenho não podem ser plenamente contemplados
Também há deliberadamente a intenção de ser em uma citação curta.
uma linha do tempo predominantemente visual, sen- Mas esperamos que a possibilidade de visualiza-
do que duas das três linhas paralelas são especifica- ção desse conjunto de fatos e imagens permita uma
mente de imagens. visão panorâmica da História da relação da huma-
Dessa forma podemos cruzar algumas informa- nidade com o desenho e apresente um mínimo de
ções que, mesmo não tendo aparente correlação, possibilidades de análise e reflexão.
TEMPO 75.000 a.C. 20.000 a.C. 3.000 a.C. 1.000 a.C. ano 0 1000 1500
FATOS
Alguns acontencimentos
históricos relevantes para
o desenho, com imagens
ilustrativas sobre eles.
75.000 a.C. 38.000 a.C. 30.000 a.C. 20.000 a.C. 3.100 a.C. 2.300 a.C. 1.300 a.C. 300 a.C. 197 a.C. 1350 1435 1472
Bastões ocres Primeiro registro Imagens pintadas Pinturas Primeiras Primeiro Primeiro Raciocínio Pedra de Roseta Primeiro Invenção da Primeiro livro
entalhados de dados com pigmentos de cavernas escritas mapa co- desenho de geométrico Inscrições simul- gráfico perspectiva com ilustrações
Na caverna de Um osso animal vermelhos e pretos em Lascaux, pictográficas nhecido plano urbano Escritos formais tâneas hieroglí- de barras cônica técnicas
Blombos. com o que parece Caverna Chauvet. França.1 sumérias na Mapa acá- Distrito de Ni- de Euclides ficas, demóticas conhecido Leon Battista Roberto Vaturio,
África do Sul.2 ser um calendário França.2 Mesopotâmia.3 dio. Nuzi. pur, Mesopotâ- sobre axiomas egípicias e grega. Nicole Alberti e Filippo Italia.1
lunar. Dordogne, Mesopotâ- mia.1 geométricos.1 Egito.3 Oresme, Brunelleschi.1
França.1 mia.1 matemático
francês.1
FIGURA HUMANA
Exemplos de representações
da figura humana.
35.000 a.C. 28.000 a.C. 20.000 a.C. 2.600 a.C. 1.350 a.C. 540 a.C. 550 1066 1492 1500
Vênus Hohle Fels6 Vênus Caverna de Lascaux Estandarte de Ur Túmulo Nebamun Ânfora Exéquias Arte tumular Tapeçaria de au- Leonardo Afresco de autor
Willnedorf6 França1 Mesopotâmia2 Egito2 Grécia2 dinastia Qi tor desconhecido Da Vinci.2 desconhecido .
China3 Bayeux, França2 Galata, Chipre 2
28 29
01.1.4 LINHA DO TEMPO
FATOS
Alguns acontencimentos
históricos relevantes para
o desenho, com imagens
ilustrativas sobre eles.
1637 1665 1795 1805 1826 1845 1858 1900 1960 1963 1980 1995
Geometria Criação de Câmaras Geometria Primeiro gráfico Primeira Técnica de Invenção do Popularização Criação da fonte Criação do Criação da Primeiro filme
analítica Escuras portáteis em Descritiva tipo pizza fotografia narrativas gráficas Diagrama Polar da fotografia Univers software de Interface Gráfica produzido e
René Descar- forma de caixa. Gaspard Criado pelo eco- Joseph Niépce. Por Rudolp he Criado pela Surgimento da Por Bruno Pfäffli desenho Com icones, me- animado por
tes. França.3 Aristóteles já conhecia Monge, nomista Willian França3 Töpffer, considerado enfermeira Kodak Brownie, do ateliê Fruti- Ivan Sutherland táfora de desktop computador
a Camara Obscura no matemático Playfair. EUA1 como sintetizador da Florence uma câmera ger.3 cria o programa e navegação por Toy Story, estúdio
século 4 a.C. Na imagem, francês1 linguagem de histó- Nightingale.1 acessível a sketchpad. EUA1 mouse. Xerox Star. Pixar. EUA.8
uma versão do século rias em quadrinhos. todos.3 Por Alan Kay e Xe-
Suíça.1 rox PARC team.1
19.3
FIGURA HUMANA
Exemplos de representações
da figura humana.
1510 1516 1543 1819 1839 1859 1910 1930 1930 1961 1964 1972 1996
Michelangelo Buonarroti7 Rafael Sanzio7 Andrea Vesalius7 Jean Auguste Katsushika Edgar Degas7 Egon Schiele7 Kazimir Pablo Picasso Alberto Andy Otl Aicher3 Lara Croft
Dominique Ingres7 Hokusai7 Malevich7 Giacometti9 Warhol10 personagem de
videogame, por Toby
Gard.11
1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998. 7. Imagem em domínio público. fonte: wikipedia.com 9. Fonte: http://www.dailymail.co.uk/news/article-1248644/Alberto-
2. FARTHING. Stephen. Tudo sobre Arte. 2010. 8. O filme brasileiro Cassiopéia, lançado depois, é considerado por Giacomettis-LHomme-Qui-Marche-Greed-vanity-tortured-soul-65m-
3. MEGGS, Philip B. História do Design Gráfico. 2007. alguns o primeiro filme totalmente produzido digitalmente, sem -stick-man.html (2013)
4. PETHERBRIDGE, Deanna. “Nailing the Liminal: The difficulties os etapas feitas fora do computador. fonte: http://cienciaecultura.bvs. 10. HONNEF, Klaus. Warhol. Taschen. 2005
defining drawing”. in Writing on Drawing. Essays on Drawing Pratice br/pdf/cic/v58n3/a21v58n3.pdf (2013) 11. Fonte: http://www.ign.com/ (2013)
and Research. Editor GARNER, Steve. 2008. - obs: os textos origi- 12. Conceito inicialmente inspirado no texto de PETHERBRIDGE
nais em inglês são de tradução do autor. (vide nota de rodapé 4), porém consideramos mais adequado e
5. DEGAS. Apud. VALÉRY, Paul. In Degas Dança Desenho, 1938. completo recorrer aos textos dos autores citados em sua edição
6. INGRES. J.A. Dominique in A Pintura. Textos essenciais. Vol 9: O brasileira e tecer comentários a partir deles.
desenho e a cor. 2006. 13. LICHTENSTEIN, Jacqueline. A pintura. Textos Essenciais. Vol. 9:
O desenho e a cor. 2006.
30 31
01.2 DESENHO COMO FENÔMENO MATERIAL
Anteriormente dividi- Abaixo uma experiên- lista a seguir por tratarem
mos simplificadamente cia de listagem de alguns de assuntos aparen-
a definição de desenho aspectos possíveis de temente estruturais ao
em duas partes: mental serem abordados, ao se fenômeno desenho. Para
e material, coincidindo estudar o desenho como isso faremos um mapea-
em certa medida com fenômeno material. Se- mento de algumas possi-
a dupla conotação da guramente há muitos ou- bilidades de abordagem
palavra de origem no tros e também maneiras em cada um deles.
Renascimento diferentes de classificar e
Vamos agora abordar nomear esses assuntos.
cada uma dessas partes Contudo, para dar
separadamente detalhan- prosseguimento à pes-
do alguns aspectos a fim quisa, iremos nos focar
de aprofundar questões. nos dois primeiros da
Aspectos
que iremos
analisar neste
subcapítulo
Tipos de sinais
gráficos Funções do desenho
Morfologia Usos e aplicações
Sintaxe
Propriedades do
substrato que recebe Desenho como linguagem
o sinal gráfico Comunicação
tipo de papel, tela, parede, Relação com interlocutor
madeira, textura, acaba-
mento, etc
Materiais que
produzem o sinal
gráfico Desenho como representação
lápis, caneta, pena, do mundo visível
tinta, buril, estilete,
pincel, guache, etc
Aspectos
comumente
trabalhados
em manuais
de ensino de
desenho
Técnicas de
desenho
perspectiva, anato- entre outros
mia, luz e sombra,
geometria, desenho
arquitetônico, etc
32 33
01.2.1 COMO SE MATERIALIZA O SINAL GRÁFICO?
Estamos chamando de “sinal gráfico” qualquer Vamos tentar focar em processos que tendem a Porém, esse sistema não é conclusivo e podemos pensar em algumas exceções:
tipo de informação visual produzida a partir da ação ter resultados bidimensionais, tais como linhas, tra-
humana, em geral deliberada. Ou seja, o resultado ços, riscos, esboços, ranhuras, superfícies pintadas, A colagem, por exemplo, bastante utilizada a E um território mais tênue é a questão da ação
visível do processo material de desenhar. etc. Mesmo sabendo que, nos subcapítulos anterio- partir do século 20 por diversos artistas gráficos, é gestual de desenhar no ar. Pois não gera uma mate-
Neste momento não está sendo levado em consi- res, foi discutida a ideia de que a concepção e pro- uma técnica que gera resultados que tendem a ser rialidade visível, apesar de ter a propriedade de ser
deração se esse sinal exerce alguma função figura- dução de objetos tridimensionais (cadeira, edifica- bidimensionais, mas, a rigor, não tem o atrito como visível enquanto o gesto ocorre.
tiva, comunicativa ou qualquer outro tipo de aplica- ção, esculturas, etc) também são um tipo desenho. princípio gerador. Contudo ainda se enquadra na Deixemos esses exemplos de lado, por hora, e
ção ou uso, pois o foco desta reflexão é elucidar o Essa restrição de ordem prática se fundamenta, classificação que descreve depósito de matéria. vamos listar abaixo alguns outros que são também
fenômeno de gerar tais sinais. em parte, pelo fato de que a materialização bidi- Desenhar com água (tal qual o samurai Miyamoto difíceis de serem classificados, mas que nos parece
Algumas observações se fazem necessárias: mensional é convencionalmente a mais conhecida e Mussashi desenhava), por outro lado, se encaixa de grande utilidade apresentá-los, pois nos dá sub-
Optamos por restringir essa análise aos sinais difundida das características do desenho. E também perfeitamente na definição da página anteiror, pois sídios para demarcar o território conceitual e o meios
produzidos pela ação humana, ou seja, a um gesto. a fim de gerar um recorte que permita pormenorizar a água é matéria. E, nesse caso a única observação de atuação do desenho.
Excluindo, desse modo, a capacidade de ver signifi- a nossa pesquisa. é a efemeridade mais evidente, pois a água evapora
cados em elementos ao redor do homem. Por exem- em um intervalo de tempo curto, não deixando pig-
plo: atribuir significado às formas das nuvens. mentos visíveis após essa evaporação.
Para produzir o sinal gráfico, são necessários dois fatores, a saber: reacões químicas
1. Elemento que risca 2. Elemento a ser riscado combustão Alguns sinais gráficos
são gerados por reações
oxidação químicas, e não por atrito.
O elemento que risca é Corpo humano O elemento a ser risca- Superfície Como no caso de rea-
aquele que, a partir do gesto do é uma superfície que é
ções termodinâmicas
humano, vai servir de meio plana, ou tende a ser plana.
ex: desenhar Ex: um pirógrafo queimando
para a ação geradora do com o dedo Podemos chamá-la tam-
a madeira, ou uma lupa con-
sinal gráfico. na areia. bém de substrato, ou seja, o
centrando a luz do sol para
Esse elemento pode ser elemento que serve de base
desenhar sobre um papel
o próprio corpo humano, ou para o fenômeno.
queimando-o.
então algum objeto que po- Interface Temos também a técni-
demos chamar de interface.
ca de desenhar com sumo
ex: lápis, de limão e posteriormente
caneta, ex: papel, muro, chão,
estilete, etc tela, pele, placa de metal,
aquecê-lo com uma vela. O
placa de madeira, etc sinal gráfico só surge após a
oxidação do sumo.
O atrito é o principal gerador de sinais gráficos. Ele pode ter dois tipos de resultados: computação fotografia
1. depósito de matéria 2. Supressão de matéria No caso da computação A fotografia é um dos
gráfica, sem dúvida, seria meios que permitem um
Neste caso o atrito faz Aqui temos uma situa- preciso um estudo mais resultado visível bidimensio-
com que o elemento que ris- ção na qual a superfície a detalhado sobre o assunto.1 nal mais próximo do mundo
ca deposite matéria gerando ser riscada perde matéria, Simplificadamente real visível.
o sinal gráfico visível. gerando assim o sinal Contudo, podemos
podemos considerar todo
Exemplos: lápis deposi- gráfico. levantar uma questão:
o aparato eletrônico como seria a fotografia um tipo de
tando grafite, pincel deposi- Exemplos: dedo ris- uma interface geradora de desenho?2 O resultado ma-
tando tinta, giz depositando cando o vidro embaçado, sinal gráfico, e o resultado terializado no papel fotográ-
cera, etc buril gravando o metal, o visível pode ser tanto im- fico não tem relação direta
Pressupõe que o ele- cotonete limpando a tinta da presso em papel como visu- formal com o gesto de quem
mento que risca tem dureza monotipia. alizado em informação RGB fotografa. Porém a forma,
menor que a superfície, ou Pressupõe que o ele- no monitor do computador. os conteúdos e o desígnio
o sinal vai ser gerado por mento que risca tem dureza envolvidos não diferem tanto
substância líquida, como a maior que a superfície. do que definimos como
tinta, por exemplo. desenho até agora.
1. Wucius Wong até comenta alguns aspectos do computador como in Princípios de Forma e Desenho. 1993.
ferramenta de desenho que, segundo ele, é “primariamente uma 2. Durante uma conversa não gravada para essa dissertação, Clau-
máquina de ‘triturar’ números”, mas que depois que os progra- dio Mubarac discutiu a possibilidade de a fotografia ser considerada
mas gráficos evoluíram foram abertos “novos horizontes” para o uma forma de desenho.
desenho.
Porém a sua análise se atém ao fato do recurso ser uma novidade
e acaba por apenas apresentar definições de quais máquinas e
programas existem e como usar suas ferramentas. WONG, Wucius.
34 35
01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO
Para iniciar esse subcapítulo, vamos partir da sões muito similares em termos formais. Sendo que Adrian Frutiger I. Os elementos de um sinal
definição de morfologia por HORN: praticamente todos eles sintetizam os elementos
básicos ao ponto, linha e algum tipo de superfície. No primeiro capítulo do
Estudo dos elementos individuais bási- Sabemos, claro, que cada autor apresenta espe- livro Sinais & Símbolos: De-
cos - morfemas e palavras. Morfologia é o cificidades de raciocínio, assim como sabemos que senho, projeto e significado
estudo fundamental sobre a qual sintaxe e um resumo como este não abrange satisfatoriamen- o autor descreve os elemen- ponto linha
é a menor gostaríamos
semântica são construídas. Morfologia da te todo o conteúdo desenvolvido em cada um dos tos de um sinal que são: unidade de dizer
linguagem visual requer a identificação de livros citados. gráfica e, por que toda
seus elementos básicos.1 Portanto, assim como na linha do tempo apre- 1. O ponto
assim dizer, expressão
o “átomo” linear resulta
sentada anteriormente, o objetivo é ter uma per- 2. A linha de toda de um ponto
Desse maneira iremos mapear alguns autores cepção panorâmica do conjunto de teorias sobre a 3. Relação entre as expressão colocado em
morfologia da linguagem visual, priorizando, para pictórica. movimento.
que em seus trabalhos buscaram elencar quais são linhas
os elementos básicos das formas visuais. Veremos tanto, uma abordagem não verbal. 4. A morfologia dos
que autores ligados a design, pintura, geometria e Todos os textos nas caixas cinzas são trechos do sinais.
linguagens visuais em geral chegaram em conclu- livros originais. 5. Topologia dos sinais
No capítulo seguinte
PONTO, LINHA E SUPERFÍCIE etc Frutiger destaca os sinais II. Os sinais básicos
básicos.
Esses sinais foram elen-
cados partindo “do princípio quadrado
Euclides de que o homem já nasce
Em 300 a.C, Euclides PONTO LINHA SUPERFÍCIE com certo senso geomé-
escreve Elementos de Geo- trico” e “amparados pela
É o que não tem É o que só tem É o que só arqueologia” Frutiger afirma
metria, dividido em 13 livros. partes. comprimento, sem tem comprimento e
No livro I, ele define os largura. largura. que “em várias regiões da
conceitos de ponto, linha, Terra, encontramos vestígios
termos da linha, linha reta, A linha considera-se A superfície consi- de sinais primários com
produzida do fluxo dera-se produzida triângulo
superfície, termos da super- forma idênticas”.
ou movimento de do movimento de
fície, superfície plana, ângu- um ponto. uma linha.
los, círculo, entre outros. Esse sinais são:
À direita, um resumo de
três dos conceitos. 2 Figuras fechadas:
1. Quadrado
2. Triângulo círculo
3. Círculo
Alberti
No século 15, Alberti es- PONTO LINHA SUPERFÍCIE Figuras abertas:
creve seu tratato Da Pintura, 4. Cruz
Digo inicialmente que Os pontos, se em se- A superfície é uma 5. Seta4
dividido em trê livros num devemos saber que o quuência se juntarem parte extrema de um
total de 63 parágrafos. ponto é um sinal que um ao lado do outro, corpo que é conhe- seta
O primeiro parágrafo é não podemos dividir produzirão uma linha. cida não por sua
de apresentação do livro e já em partes. profundidade, mas tão
Para nós a linha somente por seu com-
no segundo, o autor busca Chamo aqui sinal será uma figura cujo primento, sua largura
definir os elementos bási- qualquer coisa que comprimento pode e, ainda, por suas
cos, resumidos na tabela da esteja na superficie, ser dividido, mas será qualidades.
direita. de modo que o olho de largura tão tênue
O parágrafo se encerra possa vê-la. que não poderá ser As qualidades
cindida. permanentes são de
com com algumas defini- dois tipos. Uma se
ções do que é o círculo, Das linhas, umas se reconhece pelo limite
diâmetro e linha cêntrica.3 chamam retas; outras, último que fecha a
curvas. superfície, e será esse
limite fechado por
uma ou mais linhas.
Quando por uma só,
esta será circular;
quando por mais de cruz
uma, estas serão uma
curva e uma reta ou
diversas retas.
1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998. 4. FRUTIGER, Adrian. Sinais & Símbolos. 1997
36 37
01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO
elementos conceituais
No livro Sintaxe da No livro Princípios de Não são visíveis. Não existem na
ponto
Linguagem Visual, no a unidade Forma e Desenho, Wong realidade, porém parecem estar
presentes.
terceiro capítulo denomi- visual mínima, inicia sua teorização listando
o indicador e
nado “Elementos básicos marcador do os elementos do desenho6, ponto
da Comunicação visual”, espaço que são: Indica uma posição. Não tem
comprimento nem largura. Não
Dondis escreve que “sempre ocupa nenhuma área ou espaço.
que alguma coisa é feita, es- a. elementos conceituais
boçada e pintada, desenha- b. elementos visuais linha
À medida que um ponto se
da, rabiscada, construída, c. elementos relacionais move, sua trajetória se torna
esculpida ou gesticulada, a d. elementos práticos uma linha.
substância visual da obra é plano
composta a partir de uma Wong descreve que A trajetória de uma linha em
lista básica de elementos.” “os elementos, na verdade, movimento (em outra que não
sua direção intrínseca).
estão muito relacionados
Em seguida a auto- entre si e não podem ser volume
ra lista esses elementos, linha facilmente separados em A trajetória de um plano em
articulador fluido movimento (em outra que não
chamando a ateção ao fato nossa experiência visual sua direção intrínseca).
e incansável da
de que “o seu número é forma, seja na geral. Tomados individual- No desenho bidimensional o
volume é ilusório.
reduzido”. soltura vacilante mente podem parecer um
do esboço seja tanto abstratos, mas juntos
na rigidez do
Os elementos são: projeto técnico determinam a aparência elementos visuais
e conteúdo finais de um formato
o ponto desenho”. tamanho
a linha cor
textura
a forma elementos conceituais
a direção
o tom ponto
a cor linha
a textura plano
a dimensão volume
a escala
o movimento elementos visuais
5. DONDIS, Donis A. Sintaxe da Linguagem Visual.Trad. Jefferson 6. Nos parece importante destacar que o título original do livro, destacar o esforço do tradutor ou do editor, conscientemente ou
Luiz Camargo.1973. em inglês, é Principles of form and design, sendo que na edição não, de alargar o significado da palavra.
brasileira a palavra “design” foi traduzida como “desenho”. Portanto 7. WONG, Wucius. Princípios de Forma e Desenho. trad. Alvamar
ao longo do livro, há um certo estranhamento em algumas frases e Helena Lamparelli. 1998.
definições, pois, como vimos nos capítulos referentes à definição da
palavra e sua etimologia, as conotações atuais de “desenho” não
contemplam as mesmas da palavra inglesa “design”. Contudo vale
38 39
01.2.2 MAPEMENTO DA MORFOLOGIA DO DESENHO
8. Citação de trecho da contracapa da edição brasileira da editora 9. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.
Martins Fontes. Obs: o texto original do livro é em inglês, a tradução é de autoria
9. KANDINSKY, Wassily. Ponto e Linha sobre Plano. trad. Eduardo própria.
Brandão. 2005. 10. MASSIRONI, Manfredo. Ver pelo Desenho. trad. Cidália de Brito.
1982.
11. EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro.
trad. Ricardo Silveira. 2000.
40 41
01.3 DESENHO COMO FENÔMENO MENTAL 01.3.2 DESENHO COMO PROCESSO COGNITIVO
Após observar alguns pensamento.1 tem importante papel na Cognição é o ato ou efeito de conhecer. O pro- quanto para transmitir o que entendemos. Seja pen-
aspectos do desenho De quais maneiras cognição e no processo cesso ou faculdade de adquirir conhecimento.1 sando, seja rabiscando, seja observando o mundo,
como um processo esse desenho no pensa- de raciocínio, pois de- Em psicologia é o conjunto de unidades de saber seja vendo o desenho de todas as coisas que nos
material, vamos buscar mento se manifesta? senhando tanto mental- da consciência que se baseiam em experências sen- cercam.
reflexões sobre dese- Podemos falar de mente, quanto material- soriais, representações, pensamento e lembranças.1 Ainda é comum ouvirmos alguém dizer que fez
nho enquanto processo intenção, desígnio, pro- mente, riscando, o nosso Em suma, é a sapiência. Por meio de processos “o desenho da situação”, ou um técnico de futebol
mental. pósito. processo de organizar as cognitivos vemos e entendemos o mundo. dizer que algum acontecimento mudou “o desenho
Vimos que duran- Podemos falar de ideias passam por diver- O ser humano atribui significados, desvenda, do jogo”.
te muito tempo e pelo pré-concepção, projeto sas formas de raciocínio, apreende tudo aquilo que percebe. Desenho é um processo cognitivo. O desenho
menos até meados do que são exercícios men- dentre elas a visual.
O desenho nos permite perceber, atribuir e des- das coisas é o significado por trás delas e que só o
século 17 o conceito de tais prévios a uma ação, Abaixo uma tentativa
“desenhar” em portu- que pode ou não ocorrer. de listagem de assuntos vendar esses significados. E não só isso, mas ajuda homo sapiens tem a “mania” de perceber.
guês era sinônimo de ter Podemos dizer possíveis de serem estu- também a evidenciar e comunicar esses significados Às vezes precisamos desenhar no papel para
uma ideia, desenhar no também que desenhar dados dentro de assunto. apreendidos. Usamos o desenho tanto para entender entender o problema e achar a solução.
Desenho como
formatividade
Aspecto
que iremos
analisar nesse
subcapítulo
Desenho como
uma heterotopia
Desenho como um
processo rizomático
entre outros
44 45
01.4.1 DESENHO COMO FORMATIVIDADE 01.4.2 DICOTOMIA E A FITA DE MOEBIUS
O conceito de formatividade A fita de Moebius, apesar de levar o nome de Uma vez que partimos propositadamente do
August Ferdinand Moebius, foi criada em 1858 por raciocínio dicotômico, escolhendo o par conceitual
A estética não é somente o ramo da filosofia que fazer”, pois para ele “a arte é uma atividade na qual Johann Benedict Listing. “material e mental” (mas poderíamos trabalhar com
tem o belo como objeto de estudo, mas também execução e invenção procedem pari passu, simul- Ela é uma “superfície obtida identificando-se os muitos outros relacionados ao desenho) é bastante
busca os fundamentos da arte. tâneas e inseparáveis”. Dessa maneira “concebe-se lados opostos de um retângulo de papel, após um curioso como a fita de Moebius sugere uma relação
Luigi Pareyson, em seu livro Os Problemas da executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra grio de 180º. É o primeiro exemplo de superfície não dinâmica e complementar entre duas partes antes
Estética busca evitar uma estética de contempla- operando”. orientada, isto é, uma superfície de um lado só. isoladas. Ou seja, não temos mais dois lados isola-
ção e se aproxima de uma abordagem mais ligada Portanto o que o autor buscou teorizar em seu Uma superfície é não orientada se, e somente se, dos da mesma questão, mas dois lados contínuos
à produção. Em vez de se ater à expressão ou aos trabalho é uma “estética da formatividade”, que possui uma fita de Moebius”. e complementares que, na realidade, são a mesma
resultados, direciona seu olhar aos processos envol- “concebe as obras de arte como organismos vivendo coisa, e de forma dinâmica.
vidos no fazer artístico. de vida própria e dotados de legalidade interna, e Conceitualmente instigante, a tal fita nos será útil
Dentro dessa linha de pensamento, Pareyson que propõe uma concepção dinâmica da beleza como uma metáfora para a relação entre os compo-
cria o conceito de formatividade, que é “um tal fazer artística”.1 nentes do processo do desenho.
que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de
A definição anterior dá luz a alguns aspectos “No ato de desenhar, as ações de concepção e
da arte que são essenciais a sua compreensão. No execução colocam-se em continuidade, como
Não é da natureza do desenho aquela presente em uma faixa de Moebius. [...]
caso do desenho especificamente não é diferente, e percorrer etapas separadamente,
de maneira cronológica É inerente aos desenhadores a superação de
podemos até dizer que o desenho acontece em uma
um processo composto por uma concepção
ação constante de formatividade. intelectual e um desenho mecânico.” (MARAR e
Após dividir conceitualmente, para fins analíticos, SPERLING, 2007.)2
o desenho em procedimentos mentais e materiais,
podemos “uni-los” novamente, pois a partir da noção A citação acima evidencia o caráter complementar
de formativização entendemos que a execução e a das diferentes procedimentos de desenhar. Concepção e
invenção são simultâneas e inseparáveis, que só é execução, por exemplo.
realmente possível compreender o que se pretende
A metáfora da fita é bastante adequada para estruturar Fita de Moebius desenhada
fazer, fazendo.
o conceito de desenho por dois principais fatores: a partir de ilustração de Tom
Nesse contexto o “acaso” surge como um fator Marar e David Sperling2
inevitável no processo de desenhar, pois o embate 1. Porque rompe segregação histórica e recorrente
dos diversos procedimentos envolvidos não permite de dois aspectos do desenho, colocando-os em relação
qualquer previsibilidade no fazer desenho. de complementariadade e continuidade, fundindo-os
Temos as intenções, o conhecimento, os dese- O processo tende a ser dinâmico e simultâneo em uma unidade maior. Sejam esses dois aspectos o
jos. Temos a percepção, o olhar, os limites do corpo, “fazer e conceber”, “projetar e executar”, “intelectual e
a mão, o gesto, a materialidade do desenho, entre braçal”, entre outros.
tantos outros fatores, elencáveis e não elencáveis,
2. Porque suscita uma ideia de dinamismo e fluidez,
envolvidos simultâneamente e em constante relação no qual tais conceitos não estão estáticos e polariza-
dialética, de modo que o resultado desse processo dos, atuando um contra o outro, mas em constante
nunca estará sob total controle de quem desenha. movimento, dialeticamente, se retroalimentando e se
Por que, por mais prática e expertise em dese- transformando em formatividade.
nhar que tenhamos, não temos controle sobre o que
desenhamos? Por que precisamos “desenhar no E claro que poderíamos expandir essa compreensão
pensamento” para poder elucidar algo? E ainda as- teórica complexificando essa estrutura metafórica. Por
exemplo partindo da unidade tripartida de Max Bill, que
sim haverá nova descoberta, caso o mesmo desenho
nada mais é do que três fitas de Moebius interlaçadas3 e in-
se materialize em traço. tegradas em um único corpo harmônico, construindo assim
Talvez porque desenhar, por ser um processo de um sistema bem mais amplo e abrangente do entendimento
formatividade, é um constante processo de invenção, do processo de desenho. Mas deixemos essa possibilidade
de descobrimento, de busca pelo conhecimento. para outra oportunidade. À esquerda ilustração da uni-
dade tripartida de Max Bill.
À direita detalhe do teorema
de Tom Marar 3
1. PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. 1984 2. MARAR, Tom e SPERLING, David. “Em matemática, metadese-
nhos”. in Disegno.Desenho.Desígnio. 2007
46 47
02
Capítulo
ESPECIFICIDADES
DO DESENHO
2.1 hipotetigrafia
2.2 infografia
48 49
2. ESPECIFICIDADES DO DESENHO 2.1 HIPOTETIGRAFIA
Algumas informações só podem ser compreen- analisar, neste capítulo, algumas possibilidades, pro- A palavra hipotetigrafia deriva da palavra hipó- O desenho é, portanto, o instrumento
didas se forem por meio de uma imagem. Algumas priedades e especificidades do desenho enquanto tese e foi cunhada por Manfredo Massironi a fim de que habitualmente mais se adapta à trans-
respostas só podem ser alcançadas se forem por ferramenta de pesquisa e suas possíveis aplicações. definir: missão deste tipo de conteúdos.” (MASSI-
meio de recursos gráficos. Para isso iremos observar duas abordagens RONI, 1982)1
Por que tantas áreas diferentes do conhecimento diferentes de teorização sobre o tema, a saber: a “Certas produções mentais que têm
fazem uso do desenho como ferramenta de estudo hipotetigrafia e a infografia, ou visual language. a característica de só se estruturarem de Ou seja, apesar de a terminologia, proposta pelo
(Matemática, Biologia, Química, Medicina, por exem- E posteriormente faremos uma rápida reflexão maneira visiva. autor italiano na década de 1980, não gozar de am-
plo)? E no caso da pesquisa sobre desenho, porque sobre os desafios de desenvolver uma dissertação Estão nesse caso as situações em que pla difusão e repercussão, nos parece que a deman-
ela não é prática tão comum? sobre desenho utilizando o próprio desenho como só um raciocínio por imagens permite re- da por um termo, ou ao menos uma linha de pensa-
Desenho como ferramenta, nesse caso, significa instrumental de trabalho. solver um problema ou atingir um resultado mento, que defina esse tipo específico de desenho é
utilizá-lo como o meio de resolução de problemas, cognoscitivo de outro modo inatingível. legítima e se faz necessária.
como processo de trabalho. Os resultados obtidos deste modo, para Veremos, a seguir, exemplos de desenhos hipote-
Partindo do entendimento que o uso de imagens, serem expressos e comunicados, têm de tigráficos e teceremos alguns comentários a respeito
desenhos e ferramentas visuais não é só, em ab- assumir, consequentemente, uma codifica- do tema.
soluto, meramente ilustrativo ou decorativo, vamos ção visiva.
50 51
2.1 HIPOTETIGRAFIA 2.1 HIPOTETIGRAFIA
Exemplo do desenho na Astronomia1 Estrutura da hipotetigrafia, era digital e o exemplo tridimensional do DNA
A Astronomia, como as diversas posições das Já no final de seu livro justificável quando houvesse
observa Laerte Sodré Jr., luas em relação ao planeta, Ver pelo Desenho, Massi- um valor determinante na
enquadra-se no tipo de marcando suas separações roni arrisca elencar alguns hipótese de funcionamento
ciência que por ter sua base angulares. elementos estruturais da da hipotetigrafia.
de pesquisa “fundada na Já a figura 3, logo abai- hipotetigrafia, porém pare- É o caso da estrutura
cem necessárias algumas das moléculas de DNA. As
observação e não na expe- xo, feita praticamente quatro
revisões quanto essa siste- ilustrações ao lado são de
rimentação, necessita dos séculos depois os de Galilei, G.V. Kelvin para o artigo
matização.
recursos de representação é oriunda de um estudo “O DNA com dupla hélice”.
Um dos motivos pode
que só o desenho propicia”. sobre o grupo de galáxias Massironi apresenta esses
ser, talvez, de ordem técnica
Sodré, que é ele próprio denominado Quinteto de ,por ser ainda incipiente o e alguns outros modelos
astrônomo, cita diversos Stephan. A imagem com acesso aos recursos grá- de representação e mostra
exemplos desde Ptolomeu tons de cinza foi obtida por ficos digitais na época em que foi necessária, nesse
até os atuais usos dos equi- sensores CCD, ou seja, por que o livro foi escrito. Tais caso em específico, uma
pamentos computadoriza- via digital, pelo telescópio recursos permitiram novas representação gráfica com
dos, como casos em Astro- Gemini Norte, no Havaí. abordagens visuais, como recurso tridimensional para
nomia do uso sistemático de Sobre essa imagem há o tra- pudemos ver no exemplo resolução do problema da
Figura 1.
imagens como fonte de pes- çado similar aos das curvas por Benedito Lelis de Melo, da astronomia na página dupla hélice.
quisa. E observa que todos de nível, porém representan- reproduz alguns desenhos do anterior. Nesse caso, um recurso
os grandes livros da história do a emissão de ondas de Almagesto, de Ptolomeu Por exemplo, Massi- digital como o desenho tri-
da astronomia, assim como rádio proveniente de gases. roni destaca que há em dimensional na computação
hipotetigrafias um elevado gráfica não é o fator deter-
a maior parte da produção Essa segunda informação foi
grau de formas geométricas minante para resolução do
científica da atualidade, em obtida por radiotelescópios. problema, pois trata-se de
simples e de modo especial
regra recorrem ao desenho Sodré Jr. destaca alguns uma constatação conceitual.
o círculo. Mas considera
como um dos principais pontos dignos de reflexão Porém com os recursos
que a implantação espacial
meios de trabalho. como a capacidade de (no sentido de haver uma digitais seguramente a gama
Ao lado, vemos três ima- “maximizar a quantidade representação tridimensional de fonte de dados visuais se
gens que exemplificam bem de informação” que uma da figura), quando houver, expandiu bastante em todas
como o desenho funciona figura tem. Sobretudo com tenderá sempre para uma as áreas e consequentemen-
nessa área. os recursos da era digital maior simplificação dimen- te diversificou graficamente
A figura 1 é uma que permitem atribuir cada sional possível. os resultados das pesquisas
reprodução relativamente vez mais valores a cada Figura 2. Dessa forma, o recurso hipotetigráficas.
reprodução de anotações de Galileu Galilei
recente dos alguns desenho imagem, como a cor, a por Sodré JR e Lelis de Melo tridimensional só seria
feitos por Ptolomeu para a intensidade, etc. Ilustração de campo vetorial retirada do livro Ver pelo desenho, de Massironi.2
1. SODRÉ JR, Laerte. “O desenho na astronomia”. in DERDYK, Edith. Disegno. 2. MASSIRONI, Manfredo. in Ver pelo desenho. 1982.
Desenho.Desígnio. 2007.
52 53
2.2 INFOGRAFIA 2.2 INFOGRAFIA
A infografia é técnica de apresentação de infor- Porém historicamente o uso de recursos info- Visual Language
mações com a utilização de recursos gráfico-visuais, gráficos que se enquadram na definição acima são
entendendo como gráfico-visuais tanto ilustrações, bem mais antigos que a da prática jornalística. Por
O termo Visual Language é utilizado por Horn para de-
fotografias e imagens em geral, quanto a linguagem exemplo, Horn cita os murais egípcios com elemen-
finir o que chamamos na página anterior de infografia, com
verbal escrita; de modo que essas informações este- tos visuais integrados com texto feitos em 3.000 aC.1 muito poucas diferenças em cada uma de suas definições.
jam integradas em uma unidade legível e elucidativa. Vamos analisar, abaixo, um pouco mais sobre a
Dentro dessa definição geral aqui proposta, as definição e os conceitos de infografia, bem como a
Para o autor Visual Language é: “Integração de pala-
possibilidades de utilizar a infografia apontam para abordagem denominada Visual Language por alguns
vras, imagens e formas (shapes) em uma única unidade de
infinitas finalidades, podendo ser usufruída em qual- autores, que tem sido utilizado em português como
comunicação”.6
quer área de conhecimento. Linguagem Visual (termo que talvez precise de revi-
Atualmente a infografia é comumente associa- são, como iremos comentar na sequência).
E apesar dele incluir o termo infographic em seus
da ao jornalismo. O que é justificável, pois foi neste
estudos, este só aparece como um do quatro tamanhos de
território que o termo surgiu e sua prática se popula-
visual graphics: ícone, diagrama conceitual, infográfico e
rizou.
mural informativo. Diferenciados uns dos outros por quase
somente uma questão de escala.
Em seu livro Visual Language, Horn faz uma abrangente
Infográfico análise que envolve diversas classificações, contextualiza-
ções históricas, estudos morfógicos, sintáticos, semânti-
cos, entre tantos outros e tem o grande mérito de abordar
todo esse conteúdo de maneira infográfica.
Nos parece pertinente, contudo, chamar a atenção para
definição de Visual Language de Horn
a necessidade de repensar o termo Visual Language, que feita através de Visual Language
pode dizer respeito a algo muito mais abrangente que so-
mente a junção de texto, imagem e forma em uma unidade
comunicativa.
E repensar também o conceito de infographic em
Horn, que está atrelado necessariamente a um tamanho de
páginas e prevê alguns elementos formais frequentemente
utilizados.
1. HORN. Robert E. Visual Language. 1998. 4. CARVALHO, Juliana e ARAGÃO, Isabella. Conceituação de info-
Obs: o texto original do livro é em inglês, tradução de autoria gráfico sob a perspectiva do design gráfico. P&D design 2012.
própria. 5. DE PABLOS, Jose Manuel. Infoperiodismo. El periodista como 6. HORN. Robert E. Visual Language. 1998.
2. CAIRO, Alberto. Infografia 2.0. Alamut. 2008. creador de infografia. 1999 apud CARVALHO e ARAGÃO.
3. A definição atual do dicionário Houaiss para infografia é:
“gênero jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para apre-
sentação sucinta e atraente de determinadas informações”
houaiss.uol.com.br
54 55
2.3 SOBRE DESENHO COMO PESQUISA 2.3 SOBRE DESENHO COMO PESQUISA
Logo na introdução foi esclarecido que essa parte dos resultados obtidos.
dissertação de mestrado se propôs a utilizar alguns O uso do desenho, do pensamento gráfico, ao
Por que pictograma?
recursos gráfico-visuais para auxiliar no desenvolvi- longo deste trabalho não se configura como uma
O uso do linguagem do de informação.
mento da pesquisa. única maneira de desenvolver um projeto de pesqui-
pictograma na maior parte Aqui, ao redor deste
Vimos ao longo do trabalho diversas imagens que sa em design, utilizando ferramentas gráficas, muito
das ilustrações da pesquisa texto, temos alguns exem-
buscaram colaborar, complementar e também cons- pelo contrário, é apenas uma tentiva de trabalhar
é por suas propriedades plos de desenhos feitos
truir a argumentação, tendo essas imagens assumido nesse sentido. E seguramente há muitos problemas
comunicativas mais diretas, para ilustrar o primeiro
diferentes funções, de acordo com a necessidade de e questões a serem debatidas e revisadas.
e menos específicas. No capítulo, no subcapítulo
cada assunto abordado. Contudo a experiência nos apresentou algumas
sentido de que ao sintentizar “definições atuais da pala-
Partimos do pressuposto de que as imagens não questões e aspectos que são dignos de nota a fim
ao máximo a informação, vra desenho”.
estão em um projeto de pesquisa com a finalidade de avançarmos a discussão sobre o tema.
conseguimos ser mais As primeiras versões
de serem ilustração do conteúdo do trabalho, mas Abaixo e na próxima página veremos a seleção
abrangentes. buscavam um traço mais
são também conteúdo. E que em diversos casos, a de algumas dessas questões e aspectos.
Desse modo obtivemos realista, porém o pictogra-
infomação visual é determinante para a construção
maior rapidez e facilidade de ma se mostrou uma opção
do problema, a busca por sua resolução e também
leitura, e evitamos excesso mais adequada.
Desenho é pesquisa?
Vimos anteriormente, ao comentar os conceitos de
hipotetigrafia e infografia, algumas possibilidades de utilizar
o desenho como uma ferramenta de pesquisa.
Uma indagação pertinente para o nosso tema em espe-
cífico é: como é possível utilizar o desenho como ferramen-
ta de pesquisa quando o assunto é o próprio desenho?
1. GARNER, Steve. Writing on Drawing. Essays on Drawing Practice 3. Diretrizes para apresentação de dissertações e teses da USP:
and Research. 2008. documento eletrônico e impresso
Parte I (ABNT). UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO SISTEMA IN-
2. BERGER, John. apud GARNER. TEGRADO DE BIBLIOTECAS – SIBi/USP. 2a edição Revisada e
Ampliada. São Paulo. 2009
56 57
2.3 SOBRE DESENHO COMO PESQUISA
apresentação de fatos
organização de informações históricos de maneira visual
organizadas visualmente em e abrindo a possibilidade de
ordem cronológica correlacionar os fatos
linha do
tempo
ilustração
58 59
03
Capítulo
ENTREVISTAS
3.1 Carlos Fajardo
60 61
3. ENTREVISTAS
No período entre o meio do ano de 2011 até o iní- questões relevantes à compreensão do desenho e
cio de 2013 tivemos várias conversas extremamente para isso temos o registro das conversas transcritas
produtivas para a o desenvolvimento da pesquisa. e adaptadas para esse formato impresso.
Havia uma intenção inicial de homogeneizar as Temos também algumas imagens gentilmente
perguntas em um questionário pré-estabelecido e cedidas pelos entrevistados e, além disso, ao final de
posteriormente fazer uma análise comparativa entre cada conversa, um pequeno ensaio em quadrinhos
as respostas dos entrevistados. feito para acrescentar opiniões, fatos e questões que
Porém o tema das conversas, assim como a não foram gravadas ou registradas, mas que mercem
personalidade dos entrevistados, não suscitava de serem citados.
maneira nenhuma um padrão a ser seguido. Mas, A inserção das histórias em quadrinhos funciona
muito pelo contrário. Cada percurso, cada linha de como uma espécie de crônica, complementando
raciocínio, cada pessoa tinha uma característica e as a conversa da entervista e destacando conceitos
entrevistas passaram a ter essa variação de aborda- relevantes não só da entrevista, mas também da
gens como um dado. relação que tivemos a oportunidade de ter com o
O objetivo principal desse capítulo é apresentar entrevistado.
62 63
04.1 CARLOS FAJARDO
1. Por favor se apresente. Qual o seu nome, idade, formei como arquiteto. Quando estava no quarto, oitavo
profissão…? [sic] ano eu já tinha tido uma experiência muito importante
no ensino de artes plásticas que foi um lugar chamado
Let’s Go. Carlos Alberto Fajardo, a minha profssão é Escola de Arte Brasil, extremamente conhecido. Se você
dupla, sou artista plástico e professor. No momento sou não conhece, você vai procurar saber o que foi isso [faço
professor universitário. Dou aula na USP em Artes Plásticas um gesto dizendo que conheço].
e a minha matéria chama-se Desenho de Observação. É a Porque foi lá que se começou a pensar o ensino de arte
primeira matéria de Poéticas Visuais do departamento, ela é não como ensino, mas como aprendizado, isto é, signifi-
absolutamente obrigatória para todo mundo e é o primeiro ca que “você vai aprender comigo, eu não vou te ensinar
contato que as pessoas tem no campo das artes plásticas nada”, porque se eu te ensino alguma coisa é meu repertó-
com o universo da arte, então sou responsável por isso. Eu rio, e o “meu repertório” é que é o que menos te interessa,
sou professor aposentado, portanto tenho mais de 70 anos. senão você vai desenhar como eu desenho, então como é
que é possível não desenvolver repertório? Dando à pessoa
2. Qual a sua formação acadêmica? Onde e o que condição de desenvolver o seu próprio repertório através
estudou? da sua experimentação. Então você aprende comigo e
eu aprendo com você através de experimentos que nós
Minha formação acadêmica é muito estranha. Quando fazemos em comum. A vantagem é que você deixa de ter o
eu quis fazer artes, não existia ainda uma escola de artes repertório semelhante ao meu.
plásticas, portanto eu fiz arquitetura, só que eu não me
64 65
04.1 CARLOS FAJARDO 04.1 CARLOS FAJARDO
3. Qual a sua relação profissional e/ou acadêmica Você não desenha o mundo, você desenha o que você
com o desenho? pensa. E não é o que vc pensa sobre o mundo. O desenho
muitas vezes... aliás o desenho nunca é representação,
Eu dei aula durante muito tempo em cursinhos, fazendo devo te falar, por essa impossibilidade de se representar as
preparação de alunos e eu desenvolvi um repertório bastan- coisas. Como é que eu vou representar um fio de cabelo
te grande como professor, em geral de artes visuais. Aí a que é mais fino que a ponta do lápis? Então você vê que
Universidade fez um concurso para pessoas de fora da eu vou traduzir as coisas, nesta tradução é que entra a
universidade, eu ganhei uma das vagas aí eu tive condições especificidade das linguagens, percebe? ou a verbal, ou
de fazer Doutoramento direto. você falar inglês, tem certas palavras que só se expressam
em determinadas línguas e não são traduzíveis.
4. O que é desenho?
6. Se possível, o Sr. poderia descrever e comentar
A pergunta é ótima. É fácil de fazer. [risos] algumas etapas envolvidas no processo do desenho?
Você usou uma, duas, três... quatro palavras para fazer
essa pergunta, difícil é respondê-la. Vou falar de desenho de observação que é a matéria
Bom, vamos fazer uma primeira tentativa. que eu trabalho. O desenho de observação, ele… vamos
Desenho é uma relação que você tem com o mundo, é pensar fisicamente o que é o desenho de observação:
uma relação de raciocínio, o desenho é um ato mental, de- Você tem um papel, você tem um lápis, você faz um risco
senhar significa um processo complexo… Se você pensar no papel, portanto a primeira coisa garantida no desenho
em termos de desenho de observação que vem do início, como linguagem é que ele é memória da sua ação, você vê
se inicia através de uma apreensão da realidade, só que no risco, ele deixa registrado uma ação que você praticou.
você filtra isso no seu cérebro. Você vai dar como resposta, Então a primeira coisa sobre desenho é que ele é memória
aquilo que não diz respeito ao que você viu, mas aquilo que de uma ação, só que essa ação está conectada com meu
você pensou sobre o que você viu, nesse sentido o dese- cérebro que comandou a minha mão a fazer essa ação. E
nho tem um caráter abstrato parecido com a palavra, eu tô essa ação não é qualquer uma, ela deriva de uma intenção
falando com você [aponta para o entrevistador] através des- e de uma escolha, sendo que a intenção pode ser poéti-
se objeto estranho [aponta para a câmera], e que minhas ca ou sistêmica de desenvolver um raciocínio. O que eu
palavras são reflexões que saem do meu cérebro e voltam posso dizer é que o desenho envolve uma poética do olhar,
como imagem, muito louco isso, é o processo contrário, e então esse risco que eu fiz, ele é uma ação física de atrito
quando você vir esse filme [a gravação da entrevista], você do lápis sobre o papel, que registra essa ação que está
vai estar vendo de novo as palavras se tornando imagem. conectada ao meu olhar, e portanto o que a gente pode
Esse jogo das palavras com as imagens é muito interes- falar que o desenho constrói é uma poética do olhar, é uma
sante, por que enquanto as palavras se processam num poética da visibilidade, eu diria que o desenho é das várias
sentido de tempo que tem o sujeito, o predicado e o com- poéticas da visibilidade aquela que tem menos instrumen-
plemento, o visual se dá todo por inteiro, instantaneamente, tal, portanto tem menos intervenção midiática entre aquilo
acima o desenho feito por Fajardo,
parece instantâneo, mas na verdade não é, apenas não dá que você pensa ou desenvolve e aquilo que você faz. Essa durante a entrevista, somente vincan-
para você transformar o sistema sintagmático “eu gosto de é a riqueza do desenho. Então eu diria para você, que se a do o papel.
pêras”, com as peras, ou sei lá, as maçãs do Cezanne, não gente vai pensar em termos de processo e procedimentos,
dá, simplesmente são sistemas bastante separados um do o desenho é de todas as linguagens da visibilidade, a mais
outro. A não ser no cinema, o cinema consegue temporali- concisa e a mais sintética.
zar o espaço visual que na fotografia, como desenho, são
instantâneas, parecem instantâneas. Lógico que enquanto 7. Quais autores, livros, textos ou outras referências
eu estou falando para essa câmera, a luz está refletindo em sobre o assunto o Sr. indicaria?
mim, há um tempo, há um diferencial entre o eu que está
aqui e a imagem que está lá, eles não são a mesma coisa, A primeira referência que indicaria é Didi Huberman,
não existe fotografia que consiga capturar um instante ins- o livro “O que vemos, o que nos olha.” A segunda, sem
tantâneo, apesar de Cartier Bresson achar que podia. dúvida… boa parte da obra do Gilles Deleuze é dedicada a
visibilidade. Mas se você quiser formalmente a que é mais
5. Onde e como o desenho pode se manifestar? importante eu diria que são os dois livros que ele dedicou
ao cinema que se chamam “A imagem-movimento” e “A
Não entendi essa pergunta. O que quer dizer isso? imagem-tempo”. São livros incríveis, fantásticos.
[sorri] Tem uma montanha de livros… Mas se você quiser, a
coisa mais poética que li até hoje, sobre o nosso assunto,
[esclarecendo a pergunta] Quais são as possíveis eu diria que as meninas do Michel Foucault que tá na [no li-
situações nas quais a gente pode identificar o dese- vro] “A palavra e as coisas”. Aliás “A palavra e as coisas” já
nho? A gente considerou que o desenho não é somente diz tudo, se você olhar o segundo capítulo deste livro, que
aquele momento em que a matéria atrita com matéria, é como se dava a linguagem das similitudes na renascença
mas também tem um momento aqui (aponto para cabe- você já tem tudo, é maravilhoso!!
ça). Essa são duas possíveis manifestações do dese-
nho. Quais [outras manifestações] você poderia elencar, 8. Por favor, poderia fazer um desenho que tenha
se é que há mais de uma, duas, três… Dependendo do relação com o tema (desenho)?
autor [que escreve sobre desenho] ele entende que é
mais de uma [manifestação], dependendo do autor [ele] Poderia. Poderia sim. Poderia.
considera que o desenho é somente risco no papel. Eu falei que o desenho é uma ação física de atrito. En-
tão está aqui um desenho que tem uma relação sobre isso
O autor que considera que desenho é só um risco que estamos falando. [dobra o papel que está na sua mão]
no papel não vale nada [risos], você pode descartar ele,
vamos para uma complexidade maior.
O desenho é um processo discursivo, como qualquer
outro processo discursivo, só que no seu meio específico.
66 67
04.1 CARLOS FAJARDO 04.1 CARLOS FAJARDO
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04.1 CARLOS FAJARDO
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04.2 CLAUDIO MUBARAC
1. Por favor se apresente. Qual o seu nome, idade, Sou formado pela mesma ECA/USP, em Artes Plásticas
profissão…? (1982), onde também defendi meus títulos, sendo o último
de professor livre docente, em 2010.
Sou Claudio Mubarac, tenho 53 anos, sou desenhista,
gravador e professor de desenho e gravura na graduação e 3. Qual a sua relação profissional e/ou acadêmica
na pós graduação da ECA/USP. com o desenho?
2. Qual a sua formação acadêmica? Onde e o que Bem, essa é uma pergunta um tanto complexa no
estudou? meu caso. Durante os meus primeiros 20 anos lecionando
72 73
04.2 CLAUDIO MUBARAC 04.2 CLAUDIO MUBARAC
(1983/2003), sempre fui um professor especializado no 6. Se possível, o Sr. poderia descrever e comentar
ensino da gravura, no Ateliê de Gravura do Museu Lasar algumas etapas envolvidas no processo do desenho?
Segall e na Faculdade de Artes Plásticas da FAAP. Quando
do meu concurso para a USP, em 2003, fui admitido como Do meu modesto ponto de vista, prefiro deter-me em
professor de desenho e gravura. Ao preparar meus primei- como os desenhos são feitos, por que são feitos, o que sig-
ros cursos de desenho, fui aos poucos tendo revelado pra nificam, como tratá-los, para daí tentar extrair a importância
mim o fato do desenho ter sido sempre a pedra de toque de do desenho para nós, inclusive para além das fronteiras do
minhas reflexões, no interior da prática da gravura. Desde artístico. Desse modo, penso mais em plataformas inter-
então tenho traçado muitas relações entre o desenho e o cambiáveis do que em etapas.
desenho multiplicado pela gravura, como fios nervosos do
desenho moderno, desde o início do XV, na cultura ociden- 7. Quais autores, livros, textos ou outras referências
tal. As duas disciplinas hoje estão bastante entrelaçadas, sobre o assunto o Sr. indicaria?
tanto como prática quanto como teoria. O desenho, a gráfi-
ca e as imagens repetidas são o centro de meus estudos e A lista é extensa e deveria ser relacionada com uma
de minha produção atual. definição mais detalhada do que se pretende estudar.
Mesmo porque a fortuna crítica sobre o assunto é vastíssi-
4. O que é desenho? ma, começando pelos textos clássicos dos tratadistas, os
manuais, os depoimentos dos artistas do Renascimento
O desenho é muitas coisas, mas, fundamentalmente, pra cá e toda uma longa lista de publicações modernas
vejo-o como um kit de ferramentas, uma família de técnicas e contemporâneas. Desde as últimas mortes anunciadas
e procedimentos, relativamente autônomas e abertas, para do desenho, na segunda metade do XX, o interesse nos
controlar o poder de realizar marcas significativas, numa últimos vinte anos sobre sua prática e teoria cresceu signi-
infinita variedade de combinações e permutações para os ficativamente. Mas não me furto a indicar leituras e obras a
mais diferentes projetos humanos. serem consultadas, quando pudermos afinar mais a nossa
conversa.
5. Onde e como o desenho pode se manifestar?
8. Por favor, poderia fazer um desenho que tenha
Em todos os instantes de nossa existência, dos mais relação com o tema (desenho)?
silenciosos aos mais caudalosamente ruidosos, como
uma poderosa língua franca mental, comum a todos nós. Vou fazê-lo e envio oportunamente. (após conversa por
Materializá-los é um problema não menos importante que email, Mubarac enviou a bela e enigmática gravura abaixo)
acontece em consonância ou não com sua aparição mental
e deve nos ocupar tanto quanto. Não vejo como estabele- 9. Caso considere importante, deixe algum comen-
cer hierarquias entre o desenho como coisa mental e como tário complementar sobre o assunto. (opcional).
experiência material, assim como só consigo ver continui-
dades analógicas entre cabeça e mão, corpo e espírito e Agradeço o interesse em ouvir-me e me coloco a dispo-
todas as outras dualidades. sição para continuarmos nossos diálogos.
74 75
04.2 CLAUDIO MUBARAC 04.2 CLAUDIO MUBARAC
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04.3 LAERTE COUTINHO
Durante a feitura do elas para mostrar meu tive mostram uma reflexão
mestrado tive a oportu- trabalho final de graduação, e uma qualidade muito
nidade de entrevistar o uma história em quadrinhos. apurada.
Laerte duas vezes, por vias
diferentes. Uma ao vivo,
Que, aliás, ele viria ser mem-
bro da banca.
Talvez por esse receio
autocrítico sobre sua
“Eu tenho
em conversa gravada em Em todas as oportunida- suposta falta de embasa- pensado muito
vídeo que foi apresentado des ele declarou enfática- mento teórico, talvez pelo em termos das
na ocasião da banca de
qualificação, e uma por
mente que seu embasamen-
to teórico seria muito raso
dia-a-dia atarefado, mas a
entrevista abaixo acabou
ideias e de como
escrito, que é o material que e que seu conhecimento por ficar sucinta, mas ainda o trabalho ideo-
temos logo abaixo. Além de é todo baseado em um sim com um registro escrito logicamente está
alguns emails que trocamos “marxismo de boteco” pois de um dos mais importantes
durante esse período. seria ele mesmo “um leitor cartunistas brasileiros.
disposto, mais do
Desde os tempos da de orelha”. Sobre a conversa grava- que no traço...”
graduação pude conversar Mas, diferentemente da em vídeo temos alguns em depoimento anterior
com ele algumas vezes in- do que seu comentário comentários na história em à entrevista abaixo
formalmente e as vezes por sugere, o seu trabalho, sua quadrinhos ao final e a frase
motivos acadêmicos. Dentre postura e as conversas que ao lado.
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04.3 LAERTE COUTINHO 04.3 LAERTE COUTINHO
7. Quais autores, livros, textos ou outras referências Acho que não tenho nenhum comentário complemen-
sobre o assunto o Sr.(a) indicaria? tar…
Beijo!
Não sou muito de leituras, mas o Gombrich, em A
Ilusão da Arte, é muito bom.
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04.3 LAERTE COUTINHO 04.3 LAERTE COUTINHO
82 83
03.4 EDITH DERDYK
84 85
03.4 EDITH DERDYK 03.4 EDITH DERDYK
linha, e eu sempre me perguntei afinal de contas o que que Na verdade a tentativa é que a gente possa entender
é a linha, como que a linha nasce, e eu sempre entendi que que fazer e pensar eles são dois núcleos muito arraigados,
a linha, ela é fruto dessa relação mão-gesto-instrumento. por que o entendimento do corpo é outro, a mente está
dentro do teu corpo, a mente o pensamento ele é fruto
Alguns aspectos sobre o desenho. do teu ritmo cardiológico, do teu sistema neurológico, a
Desenho como modo de ver as coisas. maneira como teu corpo funciona. É a maneira como você
Signo: índice, ícone e símbolo. vai estar percebendo o mundo, como você vai estar conce-
bendo o mundo, como você vai estar inventando um modo
O desenho é o modo de ver as coisas, ele é muito de percepção do mundo, como você vai estar pensando o
estrutural, às vezes você pode desenhar sem estar “dese- mundo.
nhando”, por exemplo se entrar uma pessoa aqui agora e
olhar esse espaço ela vai traçar um espaço mental para ver Sobre desenho e algumas de suas características.
onde ela vai sentar, ela fez um desenho, então no fundo a Agilidade. Linguagem escrita. Multidisciplinaridade
gente está desenhando o tempo todo. e complexidad. Desenho como projeto, como drawing
(arrastar, trazer pra si) e a circularidade.
O que é mais incrível é pensar que a palavra signo sinal
ela está dentro da palavra desenho. Eu acho que o desenho, diferentemente da pintura ou
Desígnio é o sinal dentro, então desenho sempre tem a da escultura, pela agilidade com que ele pode ser produ-
ver com rastro, sinal, traço, passagem, índice, é uma rela- zido com qualquer meio em qualquer lugar, ele tem essa
ção indicial, e a relação indicial ela é antes de uma relação capacidade de agarrar rapidamente um pensamento que
icônica, por isso que tem relação com o corpo, é índice, passa, uma percepção que passa, porque a percepção e
ícone e símbolo. o pensamento são muito fugazes, eles passam, então se
Então o ícone vem depois quando você transforma você não agarrar né?
aquilo num código representacional, quando você estabe- E também não é à toa que a própria linguagem escrita
lece uma analogia com aquilo que você vê, mas a primeira nasceu do desenho, porque o início da linguagem escrita
relação é totalmente indicial. era icônica, visual nasceu do desenho, toda a origem da
É só ver as crianças desenhando, é pura ação. linguagem ela é imagética, então é isso que me fascina
no desenho , é uma tão antiga e tão contemporânea, ela
Tem essa paisagem cultural de você olhar e ver que atravessa todos os tempos,
tudo foi desenhado por alguém, o design está presente,
tem o desenho da natureza, as nervuras das plantas, os ris- Se você for pensar nos primeiros estudos da botânica,
cos da mão, a forma como o céu… as estrelas acontecem as notações musicais, astronomia, astrologia, a física, todas
lá no céu, as conchas, aí depende do olhar que possa ver as áreas do conhecimento o desenho ele se faz presente,
aquilo e decodificar, mas o desenho existe ele está ali. porque ele é ágil, ele em uma agilidade, ele acompanha a
percepção, a fluidez do pensamento, porque com qualquer
material, eu sempre falo que o desenho é a arte do mínimo,
Sobre desenho, corpo e mente (ou a cisão clássica com qualquer material, qualquer pessoa desenha, é inato.
entre eles).
Então desenho não é somente uma coisa só de lápis
O desenho, que é uma ação gráfica, ela nasce dessa e papel, que nem até o Mario de Andrade falou sobre isso
relação primeira entre um corpo, um instrumento, quer dizer num livro dele que eu estudei que é maravilhoso, o desenho
cada época vai ter sua tecnologia, hoje temos um tipo de na verdade ele acontece… ele tem meios muito simples e
caneta que vai acabar sugerindo uma relação diferente de conceitos muito complexos, você pode fazer desenho com
corpo com o suporte, do que um grafite integral na idade qualquer material, no ar , e ele é fruto de uma complexida-
média, do que um graveto se sabe se lá quando, que de, isso que é fascinante.
quando uma pedra pra cravar linhas na caverna, né? Então
é isso, eu sempre me interessei pelo entendimento da linha É muito interessante que o desenho ele tem assim essa
como resultante mais de uma ação corporal do que uma coisa do projeto, do design, aquilo que se projeta que se
vontade de representação. designa que se nomeia, que sistematiza, que é um projeto,
né?
Então tem esse lado físico, corporal, material, formal E tem aquela outra qualidade do desenho que é
que é aonde e como a linha acontece, mas existe esse capturar do mundo as coisas, arrastar, trazer pra si, que é
outro fenômeno da linha que é absolutamente mental, abs- o drawing, que é aquela capacidade de você absorver e
trato e conceitual, tanto é que Leonardo da Vinci falava que observar do mundo as coisas.
a arte é um ato mental, por exemplo, é um exemplo que Então ele cria um circularidade, que você só pode
eu sempre dou, se você for pensar na linha do horizonte, a observar, a observação ele sempre está no no presente
linha de horizonte não existe, concretamente, você nunca e aquilo ali imediatamente transforma em memória, e ao
pegou uma linha de horizonte na mão, no entanto você vê, mesmo tempo você projeta, então toda a relação entre
então a linha de horizonte é fruto de uma visão e de uma observação, memória e imaginação vai acontecendo ali na
percepção. ação, acho bonito pensar isso.
Então existe a linha que é um fato mental e existe a
linha que acontece que é um fato material, e esses dois
elementos pertencem à entidade linha, porque uma não
existe sem a outra.
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03.4 EDITH DERDYK 03.4 EDITH DERDYK
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04.4 SILVIO DWORECKI
Olá, por favor se apresente. mente do que é desenho. Falar do desenho como aconteci-
mento. Podia falar da vivência do desenho enquanto artista,
S.D. Meu nome é Silvio Dworecki, ou melhor Silvio mas aqui prefiro falar do ensino. Muita gente acha que eu
Melcer Dworecki. Sou artista plástico, arquiteto, dou aula sou professor de desenho. Acho que porque na capa de
na FAU… dou aula de arte no meu Estúdio… tenho duas um livro que eu fiz está escrito traço - Em busca do traço
filhas… e é isso. perdido -, mas eu não sou professor de desenho, eu sou
professor de arte e isso inclui o desenho e muito mais.
G.T. Primeira pergunta, que é a mais difícil na verda-
de: é o que é desenho? As primeiras aulas que o aluno encontra em meu curso
são as de “desinibição do traço”. É um trabalho que se rea-
S.D. Assim de cara?! [risos] . Se você for procurar uma liza através do gesto. Do traço que é o “registro do gesto”,
definição de desenho, a gente pode ir em várias direções, algo preliminar ao próprio desenho. Estou falando do traço.
muito objetivas… desenho - desígnio e outras. Acho mais Para ele virar desenho, precisa de mais intenção, mais
apropriado falar de manifestações do desenho e não exata- consciência, mais decisão, mais referências, mais memória
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e do binômio intenção/atenção. Depois cada aluno, nas em que a intenção vira gesto. E essa intenção precisa ser como ação. Desenho se confunde com a palavra ação e as E é importante também... sei lá, a gente tem mania de
aulas que dou no meu estúdio, vai desenvolver um trabalho compreendida não só como uma atividade mental, mas ações são desenho. dizer que é importante o que vai dizer, isso é uma besteira,
pessoal em algumas das técnicas das artes visuais. Eu como uma atividade corporal e das emoções também. O talvez seja um cacoete de professor, a gente começa as
tenho alunos que trabalham com pintura, alunos que fazem corpo tem intenções expressivas, vale dizer que as ideias Fui à Bienal do Mercosul. Estava ali exposto um painel frases dizendo que o que vamos dizer é importante talvez
performance, alunos que fazem intervenção urbana... enfim, não nascem só da cabeça. Da mesma forma que Flávio branco com um canivete que o artista cravou. Podia-se pro aluno prestar atenção... o desenho enquanto gesto, ele
várias direções das artes visuais. Motta afirma que a gente vê com o corpo inteiro, a gente ver o canivete e a sombra dele. Muito bem, aquilo é um se manifesta, com muita frequência, mas também é muito
desenha com o corpo inteiro. As nossas intenções nascem desenho, a ação de enfincar um canivete é um desenho, importante a gente ver que nem todo o gesto tem uma rea-
Essa história de associarem meu nome ao desenho de um conjunto muito grande de atividades. Da mesma for- e o canivete enfincado é um desenho, não só como a lização plena, ou eu diria até melhor, que não são todos os
vem desde que eu fiz uma apreciação, para a dissertação ma que a percepção é formada de muitas coisas, o ato de ação de enfincar incluindo o corpo de quem enfinca é um desenhos que tem uma relação plena. Porque eles só vai se
de Mestrado em 1984, dos trabalhos da minha filha Luzia desenhar também. Aqui, o tônus muscular está presente. desenho. Neste sentido cabe lembrar aquela frase “nenhum completar num desenho que vai acontecer depois, e ele vai
quando se alfabetizava. Eu constatava como ela ia abando- Estão presentes também os meus anseios, os meus dese- dia sem desenho”, premissa que Paul Klee usava para si e ter sua explicação pelo desenho que veio antes, explicação
nando o desenho ao longo da alfabetização. Isto não se dá jos, não desejos no sentido amplo, mas o que eu desejo seus alunos. Então eu acho que vai além, não tem o sentido essa que não precisa ter explicação nenhuma porque a
exclusivamente com ela, mas é uma coisa geral. Do modo para o mundo… Isso antigamente se chamava ideologia, somente de nenhum dia sem uma linha. Mas pode ser en- gente não vai ficar agora fazendo a biografia dos gestos.
que a alfabetização é feita entre nós, todos nos afastamos acho que hoje ainda também se chama, não é? [risos] tendido também como nenhum dia sem um ato estético. E Mas é bom lembrar que existem gestos subjacentes. Que
das atividades artísticas quando somos alfabetizados. Mas o que é um ato estético? É um momento de atenção, é um surgem engendrando-se , que vão emergindo, lentamente
acho que não vale agora a pena a gente ficar esmiuçando Então eu vou te dar um exemplo, eu tenho aqui traba- momento em que as coisas fazem sentido. configurando-se, surgindo na execução.
esse processo nesta entrevista. lhos mais recentes meus, feitos entre os anos 2000 e o ano Cada gesto que eu realizo, abre uma porta para que o
2010, deixa eu ver... alguma coisa pra te mostrar. [Mostra o [mostra outra parte da tese] gesto seguinte aconteça, então cada desenho é uma reali-
Tive a alegria de ser orientado pelo Flávio Motta, no volume da Tese de sua Livre Docência] zação mas é também um ato anterior ao que será realizado,
meu trabalho de formatura na FAU, e a gente discutia muito E tem também este jovem aqui, esse menino que é luta- e cada gesto é um abraçar das possibilidades daquele
como as pessoas param de desenhar. O Flávio insistia Quando eu digo que o desenho está presente em dor de Tai Chi. Ele está atingindo esse senhor agachado, momento, como também é um ato de abrir um território
comigo que isso não é um bloqueio, porque bloqueio é algo qualquer atividade... Por exemplo, isso foi uma performan- que já está machucado no rosto. Aqui se configura uma das possibilidades seguintes. Então não é o desenho o que
psicológico, devido a algum trauma. Enfim, é de outra na- ce que eu fiz no México, num monumento chamado La situação entre esse mediador que é um buda, e no final, se realiza. O que se realiza é o processo de desenhar, é a
tureza. E sendo de natureza artística, de natureza estética, Stampida, que é um monumento com cavalos correndo quando já está tudo quase resolvido, surge um persona- vida que transcorre nesta ação. Nesta medida, esta fluência
de natureza expressiva, não é bloqueio. Inibição é melhor no momento em que abre a porteira, os cavalos saem em gem chamado Tiazinha com o Minotauro: o Minotauro e a interessa mais do que cada traço.
palavra para se referir ao abandono das artes, e não só das disparada, em todas as direções, são cavalos de ferro mui- Tiazinha. E assim se dá o grand finale, nesse conflito que
visuais, no período da alfabetização. to bonitos, e para os mexicanos esse monumento é uma ocorreu na Ópera de Pequim. Muito bem, aqui nós estamos G.T. Concordo. E sobre a distância entre esse
espécie de monumento à liberdade. Fui lá com a minha diante de uma sucessão narrativa realizada fotograficamen- processo material e o processo interno, se é que há
Mas acontece que eu dou aula de arte, por uma condi- trena, medir todos os cavalos para saber qual é a medi- te. Este tipo de trabalho, que é de fato uma ação, eu chamo distância, o que você acha?
ção básica, que é o fato de eu ser artista, acho que se eu da da liberdade. Tinha um assistente aqui comigo, ele ia de Paixões. Para mim isto é um desenho não só da ação
não fosse artista não poderia dar aulas de arte, não teria tomando nota de todas as informações que eu passava ao que transcorreu mas também da minha ação para que isto S. D. Eu entendo como uma coisa simultânea. A fita de
instrumentos para isso como, por exemplo, tentar captar medir. No final nós fizemos uma grande soma, chegamos fosse realizado fotograficamente, que eu escolhesse esses Moebius é uma imagem boa, é como metáfora pra essa re-
o projeto de cada aluno antes que esse projeto se mani- num resultado e “perdemos” o caderno. Isto nos permitiu personagens, que eu criasse esse conflito, etc etc etc… E lação, porque você tem esses dois, se é que dá pra reduzir
feste por inteiro, ver indícios desse projeto, e eu posso ter concluir que a liberdade não tem medida! essas metáforas todas, né? De repente a latinha de Caracu a dois, mas que você tem esses dois lados do processo,
indícios do projeto de cada um não só pelo que eu sei de entra nesta narrativa como o minotauro, soltando fumaça que se confundem e que na verdade são uma coisa só. Que
história da arte, mas também pelo que eu sei da arte e do Então veja bem, eu posso falar num desenho que pelo nariz. Acho que essa maneira de definir ou de expandir não tem um começo nem um fim. Outra imagem boa é a
meu processo como artista. Comecei a trabalhar com arte, existe na intenção ou no desejo desse trabalho, no desejo a definição da palavra desenho não é só por uma mera dobra. Nesta, o que externo internaliza-se e o que interno
com 13 anos mais ou menos, trabalhar não, eu comecei a que esse trabalho se realize, mas eu posso dizer que questão de dicionário, mas é também uma coisa de fazer se externa. Mas este processo é rizomático, momento em
brincar com arte, mais ou menos com 13 anos e, o que eu cada momento da realização é um desenho, onde estão sentido na produção, na ação, em todos os campos que o que você instaura a relação entre algumas coisas você
posso te dizer, é que se eu estiver pintando, se eu estiver presentes os cavalos, essa estrutura forte rígida metálica, desenho se manifesta. descortina um universo de possibilidades, um território de
fazendo objetos, se eu estiver fazendo uma intervenção a minha presença, meu assistente, a trena, esse chapéu liberdade que não acontece em binômios, em duplas, é
urbana o desenho está presente. Nós não precisamos branco que eu fazia questão de usar naquela época para O desenho é intenção, e a gente não pode tirar essa ca- sempre uma interação entre muitas coisas.
desenhar para o desenho estar presente. as performances, para marcar muito bem a relação com o racterística, mas vale lembrar que a distância entre a inten-
ambiente. Então, por exemplo, eu estou aqui segurando a ção e o gesto é uma coisa mínima. Então o desenho não é
Podemos falar então do desenho como fenômeno trena, e aqui está o cavalo de fundo, pra mim essa foto é só a intenção, ele é o próprio gesto e tudo que o antecede
físico, do corpo, com gesto, traços, sinais gráficos, etc. E um desenho. Qual a diferença, dos tradicionais conceitos e tudo o que se segue. Se torna mais difícil conversar dessa
também como um fenômeno mental, neurológico, intelectu- de desenho? Eu estou usando esta performance como uma maneira porque a definição fica ampla, mas o território se
al, desígnio, pré-concepção... Mas é também um momento referência. Aqui, desenho passa a ser concebido também torna mais livre. A partir daí, temos mais possibilidades.
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profunda exatidão! Se você trocar aquele traço por outro ela já escapa. Se não escapar não é arte. [risos] A definição,
ele passa a ser outra coisa. Quando um cidadão brilhante de não deixar definido… [risos].
G.T. Sim, também há essa linha de pensamento. gesto. Se estou no computador e defino uma intenção atra- como o Paulo Mendes da Rocha fala sobre a estrutura do Definir é uma pobreza. Os postulados são mais interes-
E de certa forma a dicotomia é limitante, né? Acho arris- vés de uma equação, um algoritimo, estou realizando uma MUBE, o Museu Brasileiro da Escultura, e diz que o vão que santes que os teoremas. Falar do óbvio é mais rico. Teore-
cado enxergar como polaridade, uma coisa fica num ação. Não precisa ser a coisa braçal, pra que seja gestual, venceu mede tanto por tanto com o pé direito por tanto, mas são chatos. Você tem que ficar explicando as coisas.
extremo e outra no outro. De modo que parece que as o gesto está na base da definição do que é ação. isso é uma afirmação profundamente científica, aquilo não Por exemplo, explicar porque a soma de dois catetos é
duas tem que entrar em embate. Ficam coisas opostas pode ter um milímetro a mais nem um centímetro a mais maior que a hipotenusa. Qualquer pessoa que vive no cam-
e não complementares. Não sei se é só isso, porque eu falei do desenho, da nem a menos, aquilo é de uma exatidão profunda. po sabe disso. Na hora que ele inventa uma trilha é porque
minha atividade de ensinar, falei um pouco na atividade ele não quer ir pela soma dos catetos, então não precisa
S.D. É... você vê que o próprio Camões quando fala artística, agora tem o desenho que é o projeto, que eu acho G. T. Então agora a pergunta é o seguinte, o poético explicação, enfim é por aí seu Gil, não sei se tá um pouco
da distância entre intenção e gesto, diz que “ a mão cega que eu posso falar um pouco, mas você vai entrevistar então diz respeito ao amplo e o científico diz respeito ao teórico, ou se talvez eu devesse dar mais exemplos…
executa, senão o coração perdoa”, mas veja bem, isso valia pessoas que trabalham mais com isso. Onde o desenho é exato? E se for ao contrário? Provavelmente é o contrá-
pra Camões. Nós estamos num momento em que a coisa fundamental para que coisas se materializem, como obje- rio também, entendeu? GT: Não, muito pelo contrário, achei que foi bem
anda junta, mas isso também é bom desmistificar, porque tos, edifícios, cidades, pontes, caixas de fósforos... equilibrado, acho que você conjugou a teoria que eu
vai parecer que é uma grande conquista do século XXI ou S. D. É necessário um certo cuidado para dizer que estava sentindo falta em algumas conversas, mas que
do século XX enquanto que os chineses sabem disso há G. T. Fique a vontade se você também quiser dis- a ciência é exata. Mas a arte também é. Dou um exemplo você colocou muito bem, mas longe de fugir do palpável
milhares de anos. Se você for buscar os conceitos do Tai- correr sobre essa veia do desenho […] muito simples: a bandeira do Japão. A bandeira do Japão do compreensível e com exemplos bem bem ilustrati-
chi, intenção e atenção caminham juntos e o gesto se reali- tem uma quantidade de branco e uma bola vermelha que vos. Tá bom.
za antes que você saiba qual é a intenção dele se realizar. S. D. Em música a gente estuda muito o fenômeno tem um certo diâmetro. Imagina se aquele diâmetro fosse
Eu não sou um especialista de Tai-chi , eu pratiquei físico. Não só em música, mas em acústica mais especifi- menor, bem menor, imagina se essa bola se deslocasse, S. D. Olha Gil, se você quiser voltar algum dia em que
muitos anos, alguma coisa eu estudei a respeito, mas camente, a gente analisa o fenômeno som, a gente fala de para a direita ou para a esquerda, imagina se o vermelho a minha a casa estiver organizada, porque hoje é dia de
acontece que o gesto se realiza antes que a intenção comprimento de ondas, de frequência, de notas musicais, não fosse aquele. Em qualquer destas proposições, a arrumação.
se defina, isso acontece num gesto da luta, do trabalho de conceitos específicos como timbre, ressonância, rever- bandeira imaginada deixaria de ser a japonesa. A bandeira
corporal Tai-chi, mas também está presente em todas as beração e consegue levar para questões de arquitetura, de japonesa é algo profundamente exato. É uma afirmação G. T. Tá meio atribulado né. eu entendo, as coisas
outras atividades como plantar, escrever, cantar, dançar medição de ruído. Em questões expressivas, a gente utiliza científica. De tão poética ela é uma afirmação científica, e urgem… eu tive atendimento essa semana e…
etc… a cultura chinesa sabe disso há muito tempo, a gente estes mesmos conceitos para falar de timbre de violino, são de tão científica ela é uma afirmação poética.
tá correndo atrás. conceitos que dizem ao fenômeno físico que é propagação S. D. Você está gravando ou agora é conversa?
do som. Falando de coisas visuais, existe também um ferra- Tenho um certo cuidado ao distinguir o científico do po-
G. T. E para desenho isso se encaixa como uma mental cientifico disponível. ético. Pode-se dizer que é um objetivo científico, o homem G. T. Não sei, deixa eu ver...
luva. Realmente é simultâneo, pensando especifica- Esta abordagem, entre ciência e arte é muito delicada. atingir outros planetas, mas não. Entendo isto como um
mente em desenho, mas também para todas as outras Veja a afirmação de existe o algarismo número 1 é profun- delírio, um ato de loucura, de poesia. É nada científico, ficar [desliga a câmera]
ações, né? Acho que aí entra essa questão do corpo damente poética, eu posso dizer que não tem nada de cien- viajando pelo universo…
que você tava falando há pouco, que o gesto está em tífico nisso. Conceber a unidade, é um gesto desvairado de
função dessa questão fisiológica, dessa coisa nossa de poesia, como também fazer um desenho, que eu chamaria G. T. Muito boa essa não-restrição do limite...
condição material corpórea né?… de artístico, é ato desvairado de exatidão.
Quando você põe um traço aonde você põe, do jeito S. D. Para citar o nosso mestre Flavio Motta quando
S. D. Isto pode criar uma certa confusão, pode parecer que ele fica, com a espessura que ele fica, com a aparência ele diz que “a arte não cabe, ela sempre vai mais além”.
que estamos propondo action painting, pintura gestual, que ele foi feito, com a duração que ele tem, com o timbre Quando você pensa que abodou o que pensa que é arte, aí
mas não. Nós estamos falando das várias manifestações do que ele vibra, com a nota que ele emite… é um gesto de
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04.5 OCTAVIO CARIELLO
Octavio Cariello, ilustrador, professor e por aí vai… Vem do latim, começa com a palavra signo, que é um
sinal, é algo que signifique algo, que dá origem a nossa pa-
Primeira pergunta capciosa, o que é desenho? lavra, significado, significar, design, desenho, planejamento,
orientação.
Xi… Desenho… Toda a possibilidade de manifestação Originalmente a ideia carregava os conceitos mais
através de linhas, traços, cores e materiais diversos… amplos possíveis. Aos pouquinhos as línguas latinas foram
Desenhar com pigmentos naturais. Você pode desenhar limitando ou trocando esses valores, mas, na verdade, você
simplesmente só rabiscando, marcando madeira, marcando tem os processos linguísticos pelos quais os povos mudam
areia, algo com uma punção, uma faca… Ou você pode os significados das palavras… é meio complicado. Não
trabalhar hoje em dia com computadores, né? Mas de uma daria pra falar em cinco minutos nada seriamente sobre
maneira geral você trabalha com um contraste mais básico, qualquer palavra. Mas no caso do desenho especificamen-
com traço, você separa espaços—regiões de outras re- te, ele começou com um sentido mais amplo, não tinha
giões—para contar historinhas. absolutamente a limitação da utilização de algo que fosse
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gráfico. Em termos conceituais… E hoje em dia a gente usar um determinado material, isso significa que o desenho
usa várias palavras que saem dessa original, né? Que é o começou no material, não na cabeça, mesmo quando eu tô como você se relacionou com cada um desses momentos,
signum latino. racionalizando em cima disso, existe essa curiosidade, essa não há na verdade nada de concreto nisso. Então aí você tá falando de música, música é… A ideia
vontade de “vou fazer o uso desse pigmento, vou fazer o do som. Mas veja é bom que você comece a entender que
Anteriormente [antes da gravação] você tinha co- uso dessa nova máquina”, né?. De repente você encontra A gente falou do olhar, e você começou a falar do existe uma questão fonética por exemplo, quando você tem
mentado sobre desígnio. Do que se trata? uma situação, você vai na praia e descobre uma pedra cérebro… Como que funciona dentro do cérebro o de- a fala, fonética e fonológica.
que pega muito bem numa coisa lá…. No fundo, no fundo senho? Talvez fisiologicamente… Há quem diga que tem A fonética é como você articula e como isso é produzi-
É a ideia de você aplicar, apresentar um significado, você tem… Há a sua necessidade de fazer desenho, essa a ver com a lado direito do cérebro. Mas também como do e como isto é exposto.
você fazer, através de algo, de uma limitação expressiva, necessidade pode ser natural, ela pode ser forçada porque processamento, como percepção… A fonologia estuda como isso é entendido, como isso é
quer seja através da fala, do gesto, do desenho, da pintura, alguém pediu pra você fazer isso, uma demanda específica, percebido, né?
você limita a significação de algo para que o outro entenda externa, mas ela pode começar também assim… Lá no Os processos fisiológicos são muito engraçados porque Em termos acústicos… Existem regras acústicas, você
o que você quer dizer, o que você quer expressar. material, então olha… Com certas descobertas, com novas são físico-químico, você tem uma… O cérebro é muito pode fazer uma análise de qualquer som, ruído ou música e
descobertas, então muda definitivamente a maneira como dinâmico, ele trabalha com troca de informações… Boba- com aparelhinhos que vão dizer, essa é amplitude, essa é a
A origem é do latim mesmo? você vai levar isso adiante. gem que diz que a gente só usa uma porção do cérebro. O frequência, essa é tralalalá. Mas a maneira como as pesso-
cérebro na verdade é uma grande máquina que usa backup as percebem isso é diferente de indivíduo para indivíduo.
É latim, é latim. E o “olhar” no desenho? Tem um ensaio do Paul automático, tem várias regiões do teu cérebro que traba-
Valéry, o livro chama Ver pelo Desenho, em que ele fala lham com a mesma informação de maneiras diferentes. Aí você trabalha com dois aspectos diferentes, a fonéti-
E como se desdobrou em outros idiomas essa desse processo de você ver o que você tá desenhando Os processos dos planos cerebrais, eles são sinestésicos, ca: que é como você articula, e a fonologia: como esse som
palavra? pelo próprio desenho... então não há como você separar um traço de um cheiro, atinge o outro e é percebido por esse outro.
de um… Na verdade você relaciona tudo isso. É óbvio que Dentro do desenho também existe essa coisa. [muda
A Língua Portuguesa é uma língua latina, uma língua A percepção que você tem do mundo, altera defini- não existe uma relação direta, óbvia, canônica, entre um entonação, como se outra pessoa estivesse falando]
românica. E ela vem na verdade do galego, o galego vem tivamente a maneira que você vai traduzi-lo. Desenho é traço reto e um vermelho, um traço curvo e um cheiro de “Existe uma linha reta, e essa linha reta já ganha um grande
do original espanhol, e o espanhol do latim. Existem várias tradução, mesmo quando ele começa apenas no cérebro, rosas… Essa relação é feita de acordo com a maneira como significado, traços mais retos são mais precisos, você tem
famílias de línguas que vêm do latim… quando ele é apenas cerebral, a maneira como você olha você se relaciona com esse mundo, toda essa informa- uma maior segurança, uma ideia de coisa mais tradicional,
Mas na época do Iluminismo, quando os cientistas para o mundo com os seus sentidos, altera essa realidade ção… O input que você tem e a maneira que você usa o teu de algo mais forte, e…” Mas é óbvio que você tá falando
foram buscar no latim palavras para fazer com que as ciên- que você está olhando. Lá pra trás quando você vai encon- conhecimento, das tuas sensações, do teu sentido. Você isso do ponto de vista de quem produziu e não de quem
cias ganhassem importância, você vai encontrar principal- trar Hume sobre essa questão da ética… Hume foi o primei- começa a relacionar essas coisas… É óbvio que chega uma percebeu, por que quem percebe vai olhar de maneira
mente no inglês, [por exemplo] tudo que é relativo a heart ro cara que escreveu sobre a ética sem o divino, e ele fala determinada idade que você começa a fazer relações que diferente. Porque o mundo que essa pessoa percebe, tem
é cardiac, que vem lá do latim. Na Alemanha é exatamente exatamente sobre a questão das sensações, dos sentidos, inclusive nem seriam possíveis numa outra pessoa, num a ver com a história, com essa relação que ela teve com o
a mesma coisa. Foi-se buscar no latim o substrato para se e como esses sentidos mudam a realidade, se aproximam outro indivíduo, ele fala, mas como assim? Como você rela- próprio mundo.
determinar novos significados, havia necessidade disso. dessa realidade. Muito recentemente com o advento da cionou isso com aquilo? E essa coisa fantástica, essa rique- É interessante pensar assim, existe uma ciência que
Nós que somos descendentes diretos do latim também Física Quântica, essa relação de observação altera definiti- za, ela, por incrível que pareça, tende-se a se falar dentro trabalha a questão do discurso, o desenho também é
fizemos esse novo empréstimo. Mas nós tivemos lá pra trás vamente o conceito de realidade. de ciência, como uma pequena troca de cátions, de ânions, discurso e seria interessante trabalhar, por exemplo, hoje
alguns empréstimos ditos como “originais”. Então você vai Então desenho é tradução, definitivamente você vai de dois neuroniozinhos, né? Se é por aí, maravilha, é uma em dia com grandes nomes como Maingueneau, que fala
partir do signum, designum, para desenho e design, e é olhar para o mundo com olhos de quem tem algum conhe- coisa… os processos fisiológicos são fantásticos, a maneira especificamente do discurso dentro das conversas, das
claro como a gente descende, né? Do espanhol, nós vamos cimento. E é por isso que cada desenho é diferente, cada como a gente usa essa troca fisiológica e transforma isso interações humanas.
ter também assim, palavras que vêm do dibujo, diseño. desenhista é diferente, em momentos diferentes usando em psique, hmmm aí a coisa … Complica [risos] Mas também há a possibilidade de se trabalhar com a
materiais diferentes, usando demandas diferentes. Não há recepção… Como é que esse discurso é recebido? Como é
Não sei vou fazer uma pergunta mal formatada… Sei como você não depender desse olhar, o olhar é construído. E como transformamos isso em desenho? que isso alcança o outro? Quais são as possibilidades? Eu
que é um processo com ações meio simultâneas, mas Não apenas com o que você tem no momento, mas toda não tenho dúvida que a gente jamais alcançará uma fórmu-
na verdade como você enxerga isso, onde começa o uma história, historicamente nós não existimos… Aliás, nós Pois é! Porque a ideia também do desenho… Se você la “matemática” do tipo a+b=c, porque as possibilidades de
desenho? não existimos sem um embasamento histórico. Se você se parte do princípio de desenho, e ele é ao mesmo tempo percepção são tantas quantas as cabeças que existem.
desgruda da história, você não tem referência, você não é planejamento, processo e produto, isto é, planejamento,
[risos] Eita… Eu acho que isso é uma pergunta extrema- ninguém. Então a tua história também muda a maneira de processo e resultado, existem vários elementos que a A gente começou falando sobre o que é o desenho,
mente é… É… Uma pegadinha, né? Porque depende muito como você vê o mundo. E essa maneira de ver o mundo, gente poderia dizer assim: opa, aqui acontece de tal jeito, em termos físicos. Comente estruturalmente o que é o
do processo, existem processos individuais, então depende claro, definitivamente vai alterar o teu desenho. aqui acontece de tal outro, e todos estão intrincadamente desenho nessa ação física. Vamos tentar decupar isso
de circunstâncias, de momento… De uma maneira geral, conectados, né? em partes.
pra mim o desenho começa na cabeça, já que eu já tenho Entendi... Você é um ser humano num determinado
uma coisa automatizada. Pra mim desenho é uma coisa contexto. Em música a gente tem essa separação em partes Ok, vamos pensar em termos de traço, tudo começa
muito natural, então quando eu tô pensando em desenho, de como funciona o fenômeno som, o fenômeno acústi- com traço, e esse traço pode ser trabalhado de diversas
eu já tô inclusive pensando no material que eu vou usar, Não há como você se descontextualizar da história. co. Em desenho a gente não tem tanto isso, né? Como maneiras, você pode brincar com um traço muito pequeno,
qual o fim, pra que fim é esse desenho né, então… Não Você tem uma história, e veja essa não é uma história “ofi- poderíamos definir os processos e o funcionamento do você pode transformar ele em pontos, ou pequenos traceja-
tem como você dizer… Às vezes, por exemplo, eu quero cial”. Tô falando dos momentos que você viveu e a maneira fenômeno traço, o fenômeno desenho? dinhos, né? Você pode juntar tudo isso e fazer um conjunto
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04.5 OCTAVIO CARIELLO 04.5 OCTAVIO CARIELLO
trabalho de Cariello
de tracejadinhos. Ou você pode brincar apenas com traços um jeito e termina completamente diferente. Não devería-
mais simples… mos levar a sério qualquer artista que abra a boca pra dizer
De uma maneira geral a linguagem, bem mais ampla, que tem total controle sobre o que faz. Há que se levar
ela tende a ser simplificada, ao máximo. É uma tendên- sempre em consideração o inesperado, sempre acontece
cia natural do homem. E é por isso que a gente fala com o inesperado. O bom artista é esse que toma o inesperado,
palavras e a gente trabalha com pequenos pedacinhos, e abraça o inesperado e inclui no seu processo. E faz com
é por isso que as línguas faladas, elas não trabalham com que esse inesperado amplie as possibilidades de relação
todo o cabedal possível de produções fonéticas, a gente vai com quem vai receber a mensagem. Esse é o grande ba-
limitando ao máximo porque se a gente fosse usar tudo ia rato, hoje, do artista, quer ele seja um desenhista, quer ele
ser uma coisa absurda. Não daria. Ninguém daria conta de seja um músico, um cantor, um bailarino… Sempre haverá
chegar a isso. essa possibilidade que algo vai fugir do teu controle, algo
Exatamente por isso, no caso do traço, algumas vai extrapolar os limites da tua atuação.
pessoas tendem a colocar muito traço, outras tendem a
colocar cada vez menos traço… A relação que se mantém Seria o desenho então um constante processo de trabalho de Cariello
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04.5 OCTAVIO CARIELLO
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03.7 COMENTÁRIOS FINAIS 03.7 COMENTÁRIOS FINAIS
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impresso no chuvoso verão de 2013
em técnica digital índigo
sobre papel couché fosco 150 g/m2
e papel alto alvura 120 g/m2
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