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BAYLEY. David H. Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional


Comparativa. Tradução: René Alexandre Belmonte. 2. ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2002. 272 p.
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NEWTON KRÜGER TALLENS JUNIOR

O livro Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa é


uma obra proveniente do original Patterns of Policing: A Comparative International
Analysis escrito em 1985 pelo americano David H. Bayley, um especialista em
justiça criminal internacional com interesse particular em policiamento. Foi traduzida
por René Alexandre Belmonte para a Editora da Universidade de São Paulo, sendo
o primeiro livro da série Polícia e Sociedade.
A polícia é definida pelo autor no capítulo 1 como um grupo de pessoas
autorizadas por outro (podendo ser ou não Estado) a regular as relações
interpessoais na sociedade por meio do uso da força. Considerando assim a
autorização dada pela coletividade para o uso da força, então a atividade de
policiamento sempre existiu, seja por meio da família, tribos, clãs etc., evoluindo de
uma atividade não estatal para estatal. No estudo da evolução, função e política
desse grupo, existem três grandes questões: como os sistemas policiais modernos
se desenvolveram? Quais tarefas cabem à polícia? Quão independentes são as
forças policiais enquanto atores sociais? Constata-se que pouco se tem escrito
sobre polícia na história, inclusive no meio acadêmico; para isso o autor aponta
motivos como a falta de destaque da atividade de polícia, o fato de não ser uma
função glamourosa, de ser repugnante moralmente e também cita problemas para
acesso às informações devido a sensibilidade da atividade. Há uma diversidade de
formas de policiamento e de polícias em todo o mundo, inclusive por parte de
organizações “não oficiais” de polícia, ou seja, particulares, mas desde que com
legitimidade. Por outro lado, quando não existe legitimidade, ou quando não há
autorização de um grupo para a aplicação da força neste, não há consequentemente
polícia. O autor aponta como caraterísticas da polícia moderna o caráter público
(embora possa haver policiamento privado), especialização (concentração na
atividade relativa a uso da força física) e profissionalização (preparação para exercer
as funções de polícia). Há também variações nas forças policiais por meio dos
elementos estruturais, treinamento, emprego da força, reputação, poder e
composição social. Na obra é apresentada a dificuldade em se medir a eficácia das
polícias, uma vez que há fenômenos que estão além das suas possibilidades de
alcance (fenômenos sociais por exemplo) mas que influenciam nos resultados;
aponta também que os índices relatados nem sempre são confiáveis, e a própria
criminalística é variável e não permite padrões de comparação para que as polícias
estejam todas sob uma mesma base. No capítulo 2 verifica-se que policiamento
pode ser feito de modo privado ou particular, independentemente da racionalidade
de sua atividade. O caráter público passa a ser mais facilmente determinado após a
instituição dos Estados como unidades, porém não se pode associar o caráter
público das polícias apenas onde há Estados constituídos: desde a antiguidade há
registros de atividade de polícia com caráter público: logo esta não é uma invenção
moderna. Nos dias atuais, embora haja prevalência do policiamento público, não há
indícios de que o modo privado esteja em decadência; até tem crescido,
principalmente em países industrializados. Sistemas de proteção públicos e privados
podem coexistir e mudanças podem ocorrer em ambas as direções e dois fatores
contribuem para a mudança do policiamento privado para o público: mudanças
sociais e formação de comunidades políticas maiores. Em relação a especialização
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da polícia, especializada é a que dedica toda atenção a aplicação da força física; por
outro lado, polícia não-especializada é a que faz outras funções além dessa, sendo
comum existir em um mesmo país ou território uma força policial especializada, mas
não a única força policial existente – não há relação de monopólio ou exclusão entre
as polícias especializadas ou não. Outro aspecto da especialização é a retirada dos
militares do serviço de polícia no que se refere a manutenção da ordem interna (o
que existia desde a antiguidade – ou seja, a especialização não é exclusivamente
moderna), uma vez que os exércitos eram violentos demais nessa repressão, e
mesmo as milícias (onde existiam) não eram confiáveis. No entanto, em parte dos
países contemporâneos a mudança do policiamento não especializado para o
especializado ainda não ocorreu, por fatores como os políticos por exemplo, sendo
que a especialização da polícia é um atributo mais ligado aos tempos modernos:
ocorre historicamente após a mudança do policiamento privado para o público e em
função da necessidade de instrumentos mais confiáveis no uso da força. Em
síntese, no mundo moderno tem-se a dominação do policiamento de caráter público,
especializado e profissional. Quanto à estrutura do policiamento, tratada no capitulo
3, pode ser centralizada (que é o mais comum) ou descentralizada - cuja relação é
direta com a relação de comando, o que pode implicar em graus extremos; aqui cita-
se como exemplo os Estados Unidos da América, em que se estima o número de
unidades policiais independentes em mais de 40.000. Há naturalmente graus
moderados de descentralização, caso este do Brasil, que tem uma unidade para
cada um dos seus estados. Há ainda a sobreposição de jurisdição entre os
diferentes órgãos policiais, o que implica em sistemas multiplamente coordenados
ou descoordenados. Embora a sobreposição de tarefas locais e centralizadas por
mais de uma agência de polícia dentro do mesmo país pareça dar tons de
centralização, paradoxalmente tal condição reforça ainda mais os argumentos contra
a centralização do comando. Estruturalmente o grau de centralização depende
(parcialmente) da tradição na época em que a força policial foi concebida, sendo que
aparentemente há certa associação entre a centralização e o caráter dos regimes
políticos: regimes autoritários tendem por estruturas policiais centralizadas e regimes
mais democráticos estruturas descentralizadas. No entanto a teoria mais consistente
é de que a centralização ocorrerá onde houver resistência violenta, e não devido ao
autoritarismo de um governo. Para comparar o poder da polícia, tratado no capítulo
4, utilizou-se dentre muitas variáveis, do pessoal empregado e do orçamento
aplicado na instituição; paradoxalmente o poder da polícia pode ser maior nos
países subdesenvolvidos. Portanto, a heterogeneidade cultural afeta o poder de
polícia, assim como a criminalidade, mas nesta última, a relação pode até ser
desproporcional. Já os crimes contra situação estabelecida (política e social), têm
relação direta com o poder da polícia. Desenvolvimento econômico e poderio militar
são variáveis que podem efetivamente demonstrar o poder da polícia em um país, o
que já não ocorre com a variável aumento da população. De qualquer forma ou por
qualquer variável, a expansão das forças policiais públicas produziu um acréscimo
na capacidade das polícias por meios de maior cobertura territorial e melhoria de
pessoal. Quanto ao trabalho da polícia, assunto do capítulo 5, este definitivamente
não é o mesmo em todos os lugares: atribuições, situações e resultados são
indicadores do trabalho policial que embora distintos, são interdependentes e não se
limitam apenas ao "uso da força" e a aplicação da lei. A proporção de pessoal
designado para o patrulhamento, mostra que esta é a atribuição mais importante da
polícia, como a fiscalização, foram delegadas a outros órgãos da administração. Os
relatórios, conforme o que se é registrado, também influenciam no conhecimento
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das tarefas que a polícia executa, mas nem sempre correspondem à realidade. O
grau de especialização, proporção entre trabalho voltado ao público ou ao Estado, e
o atendimento à lei também são informações importantes sobre o trabalho da
polícia. Todas essas situações são fundamentais pois revelam o campo onde as
relações ocorrem e estão relacionadas com outros aspectos do trabalho policial. O
capítulo 6 inicia-se com a natureza das situações que a polícia enfrenta, que são
variadas e dependem da demanda pública (que reflete as condições sociais tanto
quanto a avaliação do público sobre a polícia) e das decisões que a polícia toma
sobre as prioridades. Considerando as mudanças sociais, o trabalho da polícia tende
a ser mais orientado ao crime nas cidades do que no campo, sendo que nas cidades
as diferenças nas relações interpessoais e a vitalidade dos grupos sociais afetam
tanto o volume quanto a demanda pela polícia. Nas sociedades modernas a polícia
tem um papel maior de orientação de serviços, mas ao mesmo tempo a aplicação da
lei está aumentando. Em suma, a demanda pelos serviços de polícia é afetada pelas
relações interpessoais, pela vitalidade dos grupos sociais, pelo nível de distribuição
da riqueza e pelos valores culturais dos grupos. Já as decisões de seleção de
empenho da polícia são afetadas pelo volume de demandas da população (em que
a polícia estabelece prioridades e aumenta sua especialização funcional). Em
relação ao modo como a força policial age, responsabilização implica em controle
(assunto do capítulo 7) o qual também gera responsabilização: em ambos os
processos o modo de ação da polícia em conformidade com as necessidades da
sociedade e o controle citado podem ser feitos por mecanismos internos ou
externos. Até alguns processos internos, podem secundariamente agir no controle o
que os determina como inclusivos; da mesma forma os meios de controle externos:
podem ser exclusivos (de dentro ou fora do governo) ou inclusivos e como grande
exemplo deste último tem-se a mídia. Quanto aos meios de controle internos
explícitos, há cinco características importantes: a medida do poder disciplinar, a
proximidade da supervisão, a natureza dos processos disciplinares, a vitalidade da
responsabilidade do comando e a socialização da retidão: a eficácia depende dos
processos disciplinares existentes e do treinamento destinado a tal área. Já os
meios de controle interno implícitos são os sindicatos e associações, a carreira, as
premiações e o próprio contato com a comunidade, porém o meio de controle interno
mais eficiente são os próprios policiais, uma vez que conhecem muito bem o que
outros policiais fazem. Dessa forma, quanto menos sucedido for o controle interno,
maior será o externo; logo, o que parece determinar o equilíbrio entre a regulação
externa e interna é a capacidade dos policiais para a autorregulação. Na prática há
uma combinação entre os meios de controle, o que é benéfico, sendo que três
fatores definem essa combinação: a filosofia política (se contratual ou estadista), as
orientações normativas quanto as relações sociais (se individualistas ou
comunitárias) e a heterogeneidade social. A polícia está intrinsecamente ligada ao
governo e este é reconhecido como autoritário quando sua polícia é repressora; da
mesma forma, um governo democrático tem uma polícia controlada – a polícia na
vida política é tratada no capítulo 8. Assim a atividade policial é crucial para se
definir a extensão da liberdade humana uma vez que a polícia afeta a vida política
de várias formas e por ela também é afetada (seja direta ou indiretamente), assim
sua principal contribuição na vida em sociedade se dá por meio da manutenção da
ordem pública. Porém há três modos bem reveladores de interferência entre esses
atores: frequência com que a polícia restringe, sem dissimulação, os processos de
competição política; a eficácia com que monitora a política clandestinamente e a
importância da sua presença em conselhos governamentais. Assim a polícia
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desempenhará um papel mais ativo na política se: for criada para defender regimes
políticos; uma ordem política for ameaçada pela violência social; ocorrer uma
tradição cultural de insistências nas crenças de direita e por fim, se a própria polícia
se identifica com os regimes e acredita que ela própria que está sendo atacada.
Portanto o caráter de um regime é um fator formador de desenvolvimento policial,
mas a polícia também afeta a política e a sociedade e por sua vez é afetada por
elas. Por fim, quanto ao futuro da polícia, previsão colocada no capítulo 9, a polícia
continuará a executar várias tarefas uma vez que os serviços de emergência são
caros para que novas agências sejam criadas; porém ela deverá ser mais eficiente
nos seus processos e prioridades, a fim de reduzir o peso do seu trabalho.
Simplificar seus processos permitirá à polícia fazer aquilo para o qual está mais bem
preparada; estranhamente a polícia dificilmente é consultada para um planejamento
de políticas públicas quanto à prevenção da criminalidade. Assim o policiamento
precisará tornar-se mais capacitado e responsável para alcançar seu objetivo
primário de manter a segurança da população.
CONCLUSÃO: o autor demostra ter feito uma vasta pesquisa para definir a
polícia, sua gênese, forma de organização, atividades, relação com a sociedade e
com o poder instituído. Buscou por padrões de comportamento policial e os
comparou entre diversos países (quando possível), sempre fundamentando por meio
de pesquisas históricas, mas também com base em dados disponíveis para a época.
Neste ponto faz-se necessário contextualizar a obra no tempo, pois foi publicada em
1985 e desde aquela década muitas mudanças ocorreram, em velocidades cada vez
maiores. Mas o autor vai além: oferta previsões com base em seus vastos estudos,
(sempre referenciando-os na obra), o que muitas vezes a torna maçante devido a
quantidade de exemplos e referências (embora esses mesmos exemplos e
referências a tornem mais consistente). Outro ponto negativo é a falta de validação
que o autor dá a muitos dos seus próprios argumentos: são inúmeros casos em que
o leitor é levado a uma linha de raciocínio junto com o autor, em que posteriormente
este mesmo a quebra, devido à falta de dados, testes ou validações para seus
argumentos. De qualquer forma, a obra tem pertinência à Polícia Militar do Estado
de São Paulo, uma vez que oferta importantes lições acerca das atividades, do
trabalho e da especialização policial; suas formas de controle e depuração (internas
e externas); seu relacionamento com a sociedade e com o poder constituindo, além
de previsões e orientações para o futuro baseados em fatos e teorias apresentados
e fundamentados na obra. O autor inicia definindo a polícia como um grupo de
pessoas autorizadas a regular as relações interpessoais na sociedade por meio do
uso da força, mas mostra com racionalidade (e até frieza) que, embora a atividade
de policiamento não seja valorizada, glamorosa e nem muito importante, ela é
necessária, dinâmica e de grande complexidade.

PALAVRAS-CHAVE: POLICIAMENTO. ANÁLISE DA FORÇA POLICIAL.


FORMAÇÃO DAS POLÍCIAS.

NEWTON KRÜGER TALLENS JUNIOR


CAPITÃO PM – OFICIAL ALUNO CAO II/19

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O autor é Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo e mestrando em
Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e graduando em Tecnologia da
Gestão Pública. É bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e
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Engenharia Civil e Pós-graduado lato sensu em Engenharia de Segurança do


Trabalho.

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