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BARTH SOBRAL, Bruno Leonardo.

A desindustrialização nacional e os desafios para


pensar o protagonismo do Rio de Janeiro.

p. 2: “O presente artigo pretende discutir os desafios para pensar o protagonismo


do Rio de Janeiro diante da questão nacional (...). Na segunda seção, serão apresentadas
as principais especificidades históricas do Rio de Janeiro (...) a importância da noção
original de capitalidade para contrarrestar a dominância no espaço regional de capitais
fluídos e heterogêneos nas órbitas mercantis (...)”.

(...) as disparidades socioeconômicas em diversas escalas envolvem a


diferenciação do espaço de acordo com inúmeras mediações (econômicas, políticas,
culturais, etc.), associadas à forma histórico-concreta que ocorre a inserção em dada
divisão territorial do trabalho. Afinal, o grau de avanço das relações capitalistas de
produção e das condições particulares de lutas políticas em casa região levam a perfis e
dinâmicas socioeconômicas com distintas capacidades de acumulação e formas de
apropriação e repartição do excedente (...). Cabe alertar que industrialização não é o
mesmo que crescimento industrial (...)”.

p. 3: “(...) a industrialização envolve o processo de consolidação de uma base de


acumulação intersetorial ágil e diversificada que ancora na maior diferenciação do
aparelho produtivo seu elemento motor para alcançar dinamismo próprio [TAVARES,
1998]. (...) as massas de capitais distribuídas em diversos circuitos de valorização são
integradas segundo o domínio da órbita industrial no movimento de expansão
capitalista. Portanto, há industrialização quando a dinâmica econômica está soba
comando do capital industrial, e ela é estratégica porque promove encadeamentos intra e
inter-setoriais que ampliam a escala da divisão do trabalho, tornando-a mais complexa e
carregada de capacidade inovativa”.

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p. 10-11: “O modelo de crescimento veio se baseando (...) no endividamento em


massa das famílias e nas desonerações fiscais para empresas sem puxar (...)
investimentos produtivos, mesmo quando se ensaiou um processo de redução da taxa
básica de juros e de desvalorização cambial. (...) isso se ressente da falta de prioridade
para um grande bloco de investimentos sob liderança do Estado (1). Na sua ausência, a
banca financeira faz pressões contrárias à redução de seus ganhos e qualquer ‘soluço’
inflacionário sugere que medidas contracionistas deveriam ser recolocadas na ordem do
dia.

Portanto, persiste uma crise estrutural que, ao longo das últimas décadas,
traduziu-se em pesados reajustamentos que vem sendo impostos à economia brasileira,
perdendo sua capacidade de dinamismo e qualquer vínculo mais profundo com um
projeto nacional. Nesse ínterim, o padrão de acumulação explicita o domínio de grandes
capitais mercantis, em especial, a lógica rentista-patrimonialista da fração bancária-
financeira, e abre maior espaço de valorização para o agronegócio e as commodities
industriais (2). Além de impedira a autosustentação financeira e tecnológica da
dinâmica econômica interna, isso impõe ao país o risco de reversão para a mera oferta
de uma plataforma de recursos naturais e energia que deve se ajustar com certa
passividade e sem maiores resistências no atual concerto da divisão internacional do
trabalho”.

2. As principais especificidades históricas do Rio de Janeiro: raízes de seu protagonismo


social e crise

p. 11: “Na seção anterior, procurou-se esclarecer que a economia brasileira ainda
passa por um crise estrutural, sendo seu sinal mais evidente a não retomada do processo
de industrialização. Por conseguinte, explicita-se um padrão de acumulação sob
domínio de grandes capitais mercantis. As especificidades históricas do Rio de Janeiro
agravam os rebatimentos desse contexto nacional na economia fluminense. Isso porque
sua trajetória foi sempre marcada pela sobredeterminação do grande capital mercantil e
um vácuo em estratégias para desenvolver um sistema de forças produtivas mais
avançado. Do período colonial ao início do período republicano, o Estado embrionário
preserva as bases patrimoniais da sociedade com relações político-institucionais
próximas aos interesses oligárquicos no Brasil (...) mantiveram-se as frações de capitais
dispersas por um ‘arquipélago’ de economias regionais determinadas sobretudo por sua
relação com o exterior. Um processo de integração de maior magnitude é germinado
através do complexo mineiro e seu específico impulso à urbanização. Como apontou
Lessa (2001, p. 246-247):
‘O complexo mineiro deu origem a importante rede urbana: articulou-se com
o Nordeste, o Planalto Paulista e a região Sul como zonas fornecedoras de
alimentos e animais de trabalho para a mineração. Inicialmente, o centro
minerador esteve ligado com o exterior por Salvador e pelo Rio.
Progressivamente, o Rio constitui, Porte regional, a peça mais importante da
rede urbana’.”

p. 12: “A partir de então, consolida-se a sede do grande capital mercantil e o


principal palco das alianças oligárquicas no Município do Rio de Janeiro, que passou a
produzir intensa valorização imobiliárias (em particular, a partir do período joanino (3)).
Ao se beneficiar do gasto público e da ampla circulação mercantil no espaço urbano,
isso conseguiu estabelecer também uma importante praça comercial e financeira, que
intensifica suas atividades mesmo com a desintegração das atividades mineiras (LOBO,
1978). Inclusive, realizou a gestação da economia cafeeira como uma forma de
aplicação rentável. Assim, a cafeicultura surge em seu próprio perímetro e, depois,
interioriza-se. Segundo Lessa (2008, p. 238-239):

‘A manutenção intacta do patrimônio das oligarquias fundamenta a


montagem do café e a ocupação territorial da província fluminense. Foi a
partir do Rio de Janeiro, como polo urbano, e de soldagem com o sistema
mercantil que o café, em rápida expansão, integra significativamente o Brasil
à divisão de trabalho mundial. Esse sucesso permite (...) consolidar a unidade
territorial, em contraste com a fragmentação hispano-americana’.

Controladora dos principais fluxos de circulação externos e internos ao país,


esse grande capital mercantil obrigou as regiões produtivas a se tornarem tributárias de
seu espaço urbano e sustentarem a formação mais efetiva da burguesia carioca. Além
disso, o Município do Rio de Janeiro se beneficiou da forte presença do Estado ao se
tornar a principal sede político- administrativa. A partir de então, vínculos significativos
da atuação pública com as formas de reprodução dominante mercantis da burguesia
carioca serão uma marca indelével da formação socioeconômica fluminense.

Ressalte-se que o florescimento econômico do Município do Rio de Janeiro não


dependia diretamente do desenvolvimento de sua estrutura produtiva regional. Mesmo
nos períodos mais promissores da cafeicultura fluminense (especialmente, ao longo do
Vale do Paraíba), os fanhos se concentravam no funcionamento de sua economia urbana
e nas vantagens de ser o principal centro econômico e político do país. O Município do
Rio de Janeiro se tornou grande aglutinadora de atividades e capitais, com maior relação
junto à evolução do conjunto nacional do que com o grau de desenvolvimento e
integração regional. Esse relativo conteúdo de independência referente a realidade de
seu entorno imediato gerou um processo desigual de ocupação”.

p. 13: “Diferente da interiorização do desenvolvimento do Estado de São Paulo,


continuou patente a incapacidade do município do Rio de Janeiro irradiar dinamismo
significativo para o resto da economia fluminense. Com diversas potencialidade mal
aproveitadas, as principais funções econômicas que desempenhou o interior não tiveram
relação direta com um processo de metropolização a partir do Município do Rio de
Janeiro. Como sentenciou Davidovich (2001, 2010), esse processo de metropolização
resultou em uma estrutura urbana ‘macrocefálica’, na qual prevaleceram as forças
centrípetas do núcleo urbano principal inibindo o desenvolvimento de sua principal
região tributária que ficou ‘à sombra da metrópole’ com centralidades reduzidas.

As raízes da formação econômica fluminense configuraram um território


esgarçado, no qual não se tornaram coincidentes os ‘sentidos’ históricos da economia
urbana do núcleo principal e da economia regional circunvizinha. Por um lado, um polo
dinâmico despontou, fruto da aliança da burguesia carioca com a forte presença do
Estado no Município do Rio de Janeiro e da subordinação posterior ao ascendente poder
econômico paulista. Por outro lado, um espaço regional com recursos subaproveitados
que ficou, em grande parte, estagnado, sem representatividade e entregue à dominação
de um conjunto decadente de proprietários rurais e pequena burguesia. Essa hinterlândia
será parcialmente requalificada na medida que algumas parcelas conseguiram ser
enquadradas pelo avanço industrial subsequente em nível nacional.

(...) a função basilar da organização econômica fluminense sempre se deveu aos


interesses do grande capital mercantil sediado no município do Rio de Janeiro. assim o
macrosetor de serviços manteve historicamente um elevado peso econômico. (...) o
macrosetor de serviços representou em torno de 2/3 [período 1939/1980] do PIB
fluminense até o final do século XX”.

p. 14:

NOTAS
(1) “Segundo Paulani (2013): ‘se, em vez de despender tantos recursos com
incentivo ao consumo e desoneração fiscal, o governo tivesse revertido tudo
isso num amplo programa de investimentos públicos, os resultados seriam
melhores. Aliás, essa tem sido a história do Brasil. Por aqui, o investimento
privado só reage quando puxado pelos investimentos públicos. Tentar
sustentar o crescimento na ampliação do consumo e o consumo na ampliação
do crédito é tentar fazer a roda da macroeconomia girar ao contrário’”.
(2) “Não se está descartado que essas frações de capitais agrários e industriais
em ascensão se tornem (...) rentistas também (por exemplo, diante da
associação de sua dinâmica aos movimentos especulativos dos preços das
commodities). Afinal, elas se apropriam de crescentes rendas de propriedade
monopólio pelo controle de ativos estratégicos, como recursos naturais e
energia”.
(3) “Na interpretação de Lessa (2001, 2008), após Dom João VI e a vida da
corte, operou-se um choque ‘keynesiano’ de gasto tornando o Rio a primeira
‘Brasília’ do país pelas profundas mudanças ocorridas no ambiente urbano”.

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