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Jovem Na Amazonia Do Ribeirinho Ao Migra PDF
Jovem Na Amazonia Do Ribeirinho Ao Migra PDF
Débora Menezes 2
INTRODUÇÃO
Maio de 2019. Em Carauari, no rio Juruá (Amazonas), jovens lideranças que vivem dentro da
Reserva Extrativista do Médio Juruá e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
Uacari criaram fanzines3, pequenos livretos construídos, em parte, no computador, em parte à
mão, a partir do recorte de revistas e desenhos. Com grande dificuldade na produção textual,
seu desafio foi o de elaborar meios de comunicação simples, que pudessem ser difundidos nas
1
Trabalho apresentado à DTI 4 (Educomunicação) do XVI Congresso IBERCOM, Faculdad de Comunicación y
Lenguaje, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, 27-29 de novembro de 2019.
2
Débora Menezes, Educom Verde Comunicação e Educação Ambiental, mestre em Divulgação Científica e
Cultural pelo Laboratório de Jornalismo Avançado da Universidade Estadual de Campinas (LABJORUNICAMP),
debieco@uol.com.br.
3
Atividades de produção comunicativa (fanzine) para o projeto Jovens Comunicadores do Médio Juruá, oficina
realizada entre 14 e 17 de maio de 2019, com apoio do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
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XVI Congresso IBERCOM, Pontificia Univervidad Javeriana, Bogotá, 27 a 29 de novembro de 2019
Corta para novembro de 2018. Estamos em Boa Vista, capital do Estado de Roraima, que faz
fronteira com a Venezuela e é a principal porta de entrada, no Brasil dos migrantes vindos deste
país. Parte destes venezuelanos não têm condições de sobreviverem sem assistência, e passam
um tempo vivendo em abrigos cuja gestão é feita por um conjunto de instituições, das Forças
Armadas aos órgãos ligados às Nações Unidas, a ONU. Quem desenvolve trabalhos com
crianças e adolescentes nestes abrigos é o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
e um dos programas à época foi o de Comunicação para o Desenvolvimento (C4D) – um plano
de ações de comunicação para promover a participação de crianças e adolescentes e suas
famílias e comunidades para atingir objetivos ligados à qualidade de vida em diferentes áreas
de atuação (Saúde, Nutrição, Educação, Higiene e gestão de resíduos, entre outros).
Entre estes migrantes, denominados como refugiados, estão adolescentes e jovens da etnia
indígena Warao, como os que vivem em Pacaraima (cidade roraimense que faz fronteira com
a Venezuela). A Educomunicação uma das ferramentas adotada para promover a participação
dos Warao no debate sobre a higiene e o uso da água no abrigo onde vivem, apoiando-os a
criar, eles próprios, estratégias de comunicação que se adaptassem a sua língua e cultura.
Desafiados a produzir vídeos que tivessem como tema questões de saúde e manutenção do
espaço comum que é o abrigo, uma espécie de acampamento coletivo, um grupo de meninos e
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meninas realizou uma produção de stop-motion, uma técnica simples de animação que consiste
em dispor várias fotografias em movimento no processo de edição, dando a sensação de
movimento.
Criaram a letra de uma música em estilo hip-hop informando aos moradores do abrigo que
evitem colocar recipientes com comida no chão, algo que era comum à época no local.
Lideranças e moradores do abrigo que participaram de uma roda de conversa sobre a gestão de
água e resíduos, ao assistir o vídeo, inicialmente ficaram incomodados com a exposição do
tema, que mostra a realidade; a exibição porém, é que serviu de fio condutor para o debate
sobre soluções relacionadas ao tema, além de valorizarem a produção dos adolescentes que
vivem no abrigo – poucas atividades são oferecidas a essa faixa etária, no atendimento a
refugiados venezuelanos.
Não foi possível, a médio prazo, verificar se essa estratégia influenciou diretamente as
mudanças de comportamento dentro do abrigo com relação aos cuidados com a higiene,
expectativa da instituição que propôs a atividade. Mas a inserção dos jovens no diálogo com
as lideranças no abrigo ampliou a participação dos mesmos no debate sobre a gestão coletiva
do espaço coletivo onde vivem e oportunizou uma experiência que possibilitou o
desenvolvimento de suas habilidades, conforme avaliação dos próprios jovens sobre a
atividade4. Além disso, os vídeos produzidos podem surtir mais efeito do que apenas se
distribuir cartilhas e folhetos sobre higiene.
Mais um recorte no tempo, dessa vez em 2017. Várias ações educomunicativas são produzidas
com jovens que vivem na Reserva Extrativista do Rio Unini e Parque Nacional do Jaú, no
Amazonas. Lugares inacessíveis por estrada, onde só chega a partir de viagens de barco com
um ou mais dias de duração a partir de Novo Airão, no interior do Estado. Uma organização
não governamental local organizou, junto à instituição ambiental federal que administra a
reserva e o parque (o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio), um
processo de formação e mobilização de jovens lideranças envolvendo Educomunicação,
preparando os participantes para acompanhar as etapas da revisão participativa do plano de
manejo do Parque Nacional do Jaú – um documento que serve de norteador para ações
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Avaliação feita pela consultora que atuou à época, em relatórios internos do UNICEF não publicados e não
disponibilizados ao público em geral.
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Voluntários acompanharam as reuniões para a revisão do plano de manejo, que ocorreram nas
próprias comunidades, passando dias no barco com os jovens, editando vídeos e áudios. Mais
de 30 produções foram realizadas5, traduzindo em imagens pelos próprios comunitários, de
suas comunidades, necessidades e anseios. Para os jovens foi um momento de empoderamento,
intercâmbio e reconhecimento de sua identidade como ribeirinhos, como são denominados os
povos tradicionais que vivem no interior da Amazônia.
Para os órgãos ambientais, a expectativa era a de que estes jovens entendessem a importância
do plano de manejo e da participação das lideranças na legitimação das áreas protegidas nas
reuniões em cada localidade; na prática, porém, o ganho apontado pelos jovens foi o de
aprender a mexer com as ferramentas, fazerem trabalhos coletivos no ambiente da viagem de
barco e conhecerem as comunidades uns dos outros – nem sempre, para os jovens, as reuniões
propostas para a revisão do plano de manejo foram os espaços mais importante do fazer em
que estavam inseridos, gerando algum conflito com os responsáveis pelas reuniões, que tinham
expectativas sobre a presença dos jovens.
Atuei como mediadora de Educomunicação nessas três experiências que, em comum, têm o
público jovem como o principal ator do processo de ensino e aprendizagem proporcionado
pelas oficinas em que se inseriram, ainda que fossem processos de curta duração. Em comum,
também, nas três experiências, estavam as organizações “contratantes” de serviços de
Educomunicação – ora fui colaboradora fixa por um tempo, ora fui consultora freelancer. Cada
instituição que atua junto a populações consideradas como vulneráveis na Amazônia, busca
causar impactos positivos na qualidade de vida dessas pessoas utilizando, como estratégias,
ações de educação e comunicação.
Migrantes ou ribeirinhos, é fato que adolescentes e jovens são “alvo” das ações dessas
organizações, que apontam a necessidade de empoderar este público, fortalecer sua autonomia
5
As produções podem ser vistas nos canais https://soundcloud.com/user-979617602 e
https://www.youtube.com/channel/UCQQLZjNUHEPWS5A165W1WFw.
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e identidade. Uso mesmo a palavra alvo, emprestado da publicidade, para dividir com o leitor
o dilema do mediador de Educomunicação em programas e projetos: qual é essa participação
que se quer de adolescentes e jovens em projetos sociais onde a Educomunicação é ferramenta
e metodologia para chegar a um conjunto de indicadores que atinjam as expectativas das
organizações que financiam estas intervenções?
O que significa fortalecer o protagonismo, a autonomia e a identidade, por meio dos processos
educomunicativos, onde cria-se grande expectativa sobre os produtos resultantes destes
processos mas, no fundo, o que importa são os processos e o quanto eles significam para os
participantes, individual e coletivamente? O que se pretende com estas ações educomunicativas
e como se avalia o quanto elas impactam a vida dessas pessoas, mesmo que não indicam
diretamente sobre os objetivos de projetos e programas – ainda mais quando se são oficinas de
curto prazo, difícil de acompanhar e monitorar o andamento dos grupos em questão?
Entendo o campo da Educomunicação a partir de Soares (2011) que o define como um espaço
de intervenções sociais “onde mídias produzidas coletivamente favorecem a construção
intencional de uma teia de relações (que Soares descreve como um ecossistema
educomunicativo, conceito emprestado da biologia)” e onde “a criatividade, a inclusão social,
coletividade e a reflexão crítica sobre os meios de comunicação e o direito de acesso ao
conhecimento, são elementos que se entrelaçam no processo de produção midiática que deve
refletir a voz, o olhar dos grupos sociais (MENEZES, 2018, p. 146).
Nesse campo, Lima (2009, p. 113-114) descreve o mediador como parte do grupo nesse
processo. É ele quem intencionalmente desenvolve “a sensibilidade, a capacidade de escuta do
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outro” e que teria condições de “promover conversa sobre como lidam com uma determinada
tarefa, como se tratam ao desenvolvê-la e os tipos de valores expressos nas atividades que
realizam”. Mais do que ensinar técnicas de produção midiática, o mediador exerce o importante
papel de troca e partilha, onde o poder educativo da comunicação estaria no “esforço
imaginativo para transmitir minha experiência de maneiras que se podem juntar com as suas,
para que possamos – de certo modo – viajar pelos mesmos caminhos, e ao fazê-lo, fazer sentido
juntos” (INGOLD, 2017, p. 285, tradução minha).
Reforço o papel do mediador para além de um técnico que ensina técnicas, a partir do
pensamento de Paulo Freire (1980, s.n.), onde “o sujeito pensante não pode pensar sozinho;
não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ator de pensar sobre o objeto. Não
há um “penso”, mas um “pensamos”. Num processo educomunicativo, ainda que a partir de
iniciativas pontuais como as colocadas no início desse artigo, a intencionalidade desse ato de
“pensar junto” se reflete em cada vídeo, fotografia, fanzine ou qualquer outra plataforma onde
o grupo olha pra si, se identifica, se estranha, e re-significa tudo isso da maneira que conseguir.
E se encanta e evolui a partir do que foi produzido. É visível, para o mediador, como indivíduos
ou mesmo grupos se empoderam neste processo, por meio de mudanças de comportamento no
grupo ou seu posicionamento na maneira de se expressar em uma reunião ou outra atividade.
No Brasil, especificamente, por exemplo, houve um esforço para que as políticas públicas
dessem espaço para o que seria a chamada Educomunicação Socioambiental. Em 2008, o
Ministério do Meio Ambiente lançou um documento com diretrizes sobre o tema, que também
inspiraram outros documentos como a Estratégia Nacional de Comunicação e Educação
Ambiental (ENCEA), que organiza princípios específicos para o que diz respeito ao tema das
áreas protegidas – Unidades de Conservação. A Educomunicação, no âmbito das políticas
públicas, acaba estando vinculada “a serviço de” algo específico: a comunicação voltada para
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Consultores desta área organizam atividades ao redor do mundo para empoderar públicos
vulneráveis com informações para se alcançar mudanças sociais e comportamentais, utilizando
os mais diversos tipos de ferramenta de comunicação para “facilitar o diálogo, a participação
e o envolvimento com crianças, famílias, comunidades, redes para mudanças sociais e
comportamentais positivas em contextos humanitários e de desenvolvimento (UNICEF, 2017,
p. 8, tradução minha). O foco de muitas ações, no entanto, é o de alcançar mudanças de
comportamento em áreas específicas, como higiene.
A comunicação para a mudança social – Gumucio-Dragon (2011) traz reflexões sobre a área
que ele denomina como Comunicação para a Mudança Social que, segundo ele, começou a ser
formulada conceitualmente a partir de reuniões entre especialistas de comunicação e
participação social ao final da década de 1990, iniciativa da Fundação Rockefeller, nos Estados
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Estas condições apontadas pelo autor aproximam-se da proposta das quatro grandes áreas de
intervenção social da Educomunicação propostas por Soares (2000) e adaptadas por Menezes
(2014):
3) Geração de conteúdos locais: para o autor, é o que “fortalece o saber comunitário e promove
o intercâmbio de conhecimento em condições equitativas” (GUMUCIO-DRAGON, 2011, p.
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A compilação dessas reuniões está disponível na publicação <
https://www.academia.edu/1365124/Haciendo_olas>. Acesso em 23 out 2019.
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38, tradução minha). Aqui se percebe com mais clareza a aproximação do campo da
comunicação para a mudança social com a Educomunicação, quando nos processos se propõe
a mediar a produção, circulação e empoderamento pela geração de conhecimento onde os
próprios atores sociais envolvidos participam de todo o processo, ganhando voz e, também,
como aponta Martín-Barbero (2014, p. 30), utilizando os meios que produziram para se
comunicarem com outras comunidades “com o objetivo de refazer o tecido coletivo de
memória e contrainformação, bem como mobilizando a imaginação para participar na
construção do público”.
Para finalizar: a “visão romântica” de que a Educomunicação pode mudar realidades é o que
nos move, enquanto educomunicadores e pesquisadores dessa área. Mas a prática como
mediadora apresenta os desafios dentro do ecossistema de relações em que todos os
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Esse fazer, lembra Lourenço (2014, s/n), caminha em direção a uma sociedade mais solidária,
mais justa e não-excludente, onde “espaços educomunicativos são criados para o exercício do
direito à informação e liberdade de expressão”, e cujas ferramentas resultantes, seja vídeo,
fanzine, ou programa de rádio ofereceriam “...novas possibilidades de participação e de
interação social” (LOURENÇO, 2014), enriquecendo a formação dos jovens para além de um
processo educativo voltado para o convencimento ou para a transmissão de informações que
atendem, primeiramente, ao interesse dos financiadores.
O foco, então, é a mobilização social destes grupos para lerem, relerem e re-significarem suas
realidades a partir do fazer e da circulação do que elaboraram em vídeos, fanzines, fotografias,
vídeos e outras mídias disponíveis no universo da Comunicação. Só assim, a empolgação do
mediador na Educomunicação faz sentido nessa engrenagem, em que se busca alcançar – e
enxergar mudanças socias no horizonte.
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Referências