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ASSIBERCOM

Associação Ibero-Americana de Pesquisadores da Comunicação


XVI Congresso IBERCOM, Pontificia Univervidad Javeriana, Bogotá, 27 a 29 de novembro de 2019

JOVEM NA AMAZÔNIA, DO RIBEIRINHO AO MIGRANTE: refletindo


sobre identidade, empoderamento e participação social a partir da
mediação educomunicativa e as instituições e causas envolvidas 1

YOUNG PEOPLE AT THE AMAZON, FROM TRADICIONAL


POPULATION TO MIGRANTS: reflecting on identity, empowerment
and social participation from educommunicative mediation and the
institucions and causes involved

Débora Menezes 2

Resumo: Este artigo traz reflexões sobre os desafios do processo de mediação


educomunicativa a partir de atividades de produção midiática que a autora
desenvolveu, junto a jovens ribeirinhos e migrantes venezuelanos na Amazônia
brasileira, com o objetivo de trabalhar a identidade, a autonomia e a participação
destes jovens como lideranças em seus territórios e realidades. Entre os desafios
postos, está o papel de instituições financiadoras e envolvidas nestes processos de
ensino-aprendizagem e seus interesses. A autora conclui propondo que as
intervenções sociais propostas por Soares (2000) no campo da Educomunicação
integram-se aos propósitos da comunicação para a mudança social, a partir das
condições que Gumucio-Dragon (2011) coloca como determinantes para programas
e projetos que pretendem causar impactos em comunidades.

Palavras-Chave: Educomunicação. Comunicação para a mudança social. Palavra-


chave 3.

INTRODUÇÃO

Maio de 2019. Em Carauari, no rio Juruá (Amazonas), jovens lideranças que vivem dentro da
Reserva Extrativista do Médio Juruá e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
Uacari criaram fanzines3, pequenos livretos construídos, em parte, no computador, em parte à
mão, a partir do recorte de revistas e desenhos. Com grande dificuldade na produção textual,
seu desafio foi o de elaborar meios de comunicação simples, que pudessem ser difundidos nas

1
Trabalho apresentado à DTI 4 (Educomunicação) do XVI Congresso IBERCOM, Faculdad de Comunicación y
Lenguaje, Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá, 27-29 de novembro de 2019.
2
Débora Menezes, Educom Verde Comunicação e Educação Ambiental, mestre em Divulgação Científica e
Cultural pelo Laboratório de Jornalismo Avançado da Universidade Estadual de Campinas (LABJORUNICAMP),
debieco@uol.com.br.
3
Atividades de produção comunicativa (fanzine) para o projeto Jovens Comunicadores do Médio Juruá, oficina
realizada entre 14 e 17 de maio de 2019, com apoio do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
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próprias comunidades - onde só se chega de barco e o acesso a internet é reduzido ou


inexistente. Para as instituições que possibilitaram essa oficina (associações, organizações não
governamentais e secretarias de meio ambiente), a expectativa era a de que os jovens se
preparassem para circular informações sobre o que ocorre no território e nas áreas protegidas
– a grande preocupação é centrada no tema e na ferramenta, pautados pelas instituições
preocupadas em desenvolver uma comunicação com a população que vive nas áreas protegidas.

Na prática mediada pelo educomunicador, os participantes tiveram a liberdade de se


expressarem criativamente, trazendo as curvas do rio Juruá e os animais-símbolo das
comunidades em seus livretos, sem formação específica seja em comunicação, seja em artes.
Na avaliação final dos 10 jovens participantes, duas colocações a se destacar: o fato deles terem
conseguido produzir um livreto em tempo tão curto, superando suas expectativas pessoais, e a
apresentação destes materiais que produziram em uma escola local, possibilitando o
intercâmbio entre esse grupo de moradores da zona rural e da zona urbana do município.

Corta para novembro de 2018. Estamos em Boa Vista, capital do Estado de Roraima, que faz
fronteira com a Venezuela e é a principal porta de entrada, no Brasil dos migrantes vindos deste
país. Parte destes venezuelanos não têm condições de sobreviverem sem assistência, e passam
um tempo vivendo em abrigos cuja gestão é feita por um conjunto de instituições, das Forças
Armadas aos órgãos ligados às Nações Unidas, a ONU. Quem desenvolve trabalhos com
crianças e adolescentes nestes abrigos é o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
e um dos programas à época foi o de Comunicação para o Desenvolvimento (C4D) – um plano
de ações de comunicação para promover a participação de crianças e adolescentes e suas
famílias e comunidades para atingir objetivos ligados à qualidade de vida em diferentes áreas
de atuação (Saúde, Nutrição, Educação, Higiene e gestão de resíduos, entre outros).

Entre estes migrantes, denominados como refugiados, estão adolescentes e jovens da etnia
indígena Warao, como os que vivem em Pacaraima (cidade roraimense que faz fronteira com
a Venezuela). A Educomunicação uma das ferramentas adotada para promover a participação
dos Warao no debate sobre a higiene e o uso da água no abrigo onde vivem, apoiando-os a
criar, eles próprios, estratégias de comunicação que se adaptassem a sua língua e cultura.

Desafiados a produzir vídeos que tivessem como tema questões de saúde e manutenção do
espaço comum que é o abrigo, uma espécie de acampamento coletivo, um grupo de meninos e
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meninas realizou uma produção de stop-motion, uma técnica simples de animação que consiste
em dispor várias fotografias em movimento no processo de edição, dando a sensação de
movimento.

Criaram a letra de uma música em estilo hip-hop informando aos moradores do abrigo que
evitem colocar recipientes com comida no chão, algo que era comum à época no local.
Lideranças e moradores do abrigo que participaram de uma roda de conversa sobre a gestão de
água e resíduos, ao assistir o vídeo, inicialmente ficaram incomodados com a exposição do
tema, que mostra a realidade; a exibição porém, é que serviu de fio condutor para o debate
sobre soluções relacionadas ao tema, além de valorizarem a produção dos adolescentes que
vivem no abrigo – poucas atividades são oferecidas a essa faixa etária, no atendimento a
refugiados venezuelanos.

Não foi possível, a médio prazo, verificar se essa estratégia influenciou diretamente as
mudanças de comportamento dentro do abrigo com relação aos cuidados com a higiene,
expectativa da instituição que propôs a atividade. Mas a inserção dos jovens no diálogo com
as lideranças no abrigo ampliou a participação dos mesmos no debate sobre a gestão coletiva
do espaço coletivo onde vivem e oportunizou uma experiência que possibilitou o
desenvolvimento de suas habilidades, conforme avaliação dos próprios jovens sobre a
atividade4. Além disso, os vídeos produzidos podem surtir mais efeito do que apenas se
distribuir cartilhas e folhetos sobre higiene.

Mais um recorte no tempo, dessa vez em 2017. Várias ações educomunicativas são produzidas
com jovens que vivem na Reserva Extrativista do Rio Unini e Parque Nacional do Jaú, no
Amazonas. Lugares inacessíveis por estrada, onde só chega a partir de viagens de barco com
um ou mais dias de duração a partir de Novo Airão, no interior do Estado. Uma organização
não governamental local organizou, junto à instituição ambiental federal que administra a
reserva e o parque (o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio), um
processo de formação e mobilização de jovens lideranças envolvendo Educomunicação,
preparando os participantes para acompanhar as etapas da revisão participativa do plano de
manejo do Parque Nacional do Jaú – um documento que serve de norteador para ações

4
Avaliação feita pela consultora que atuou à época, em relatórios internos do UNICEF não publicados e não
disponibilizados ao público em geral.
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relacionadas à gestão do parque e ao relacionamento dos moradores dentro e no entorno dele.


A expectativa era a de que os jovens fizessem uma espécie de “cobertura”, produzindo áudios,
fotografias e vídeos sobre as reuniões e sobre o parque.

Voluntários acompanharam as reuniões para a revisão do plano de manejo, que ocorreram nas
próprias comunidades, passando dias no barco com os jovens, editando vídeos e áudios. Mais
de 30 produções foram realizadas5, traduzindo em imagens pelos próprios comunitários, de
suas comunidades, necessidades e anseios. Para os jovens foi um momento de empoderamento,
intercâmbio e reconhecimento de sua identidade como ribeirinhos, como são denominados os
povos tradicionais que vivem no interior da Amazônia.

Para os órgãos ambientais, a expectativa era a de que estes jovens entendessem a importância
do plano de manejo e da participação das lideranças na legitimação das áreas protegidas nas
reuniões em cada localidade; na prática, porém, o ganho apontado pelos jovens foi o de
aprender a mexer com as ferramentas, fazerem trabalhos coletivos no ambiente da viagem de
barco e conhecerem as comunidades uns dos outros – nem sempre, para os jovens, as reuniões
propostas para a revisão do plano de manejo foram os espaços mais importante do fazer em
que estavam inseridos, gerando algum conflito com os responsáveis pelas reuniões, que tinham
expectativas sobre a presença dos jovens.

Atuei como mediadora de Educomunicação nessas três experiências que, em comum, têm o
público jovem como o principal ator do processo de ensino e aprendizagem proporcionado
pelas oficinas em que se inseriram, ainda que fossem processos de curta duração. Em comum,
também, nas três experiências, estavam as organizações “contratantes” de serviços de
Educomunicação – ora fui colaboradora fixa por um tempo, ora fui consultora freelancer. Cada
instituição que atua junto a populações consideradas como vulneráveis na Amazônia, busca
causar impactos positivos na qualidade de vida dessas pessoas utilizando, como estratégias,
ações de educação e comunicação.

Migrantes ou ribeirinhos, é fato que adolescentes e jovens são “alvo” das ações dessas
organizações, que apontam a necessidade de empoderar este público, fortalecer sua autonomia

5
As produções podem ser vistas nos canais https://soundcloud.com/user-979617602 e
https://www.youtube.com/channel/UCQQLZjNUHEPWS5A165W1WFw.
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e identidade. Uso mesmo a palavra alvo, emprestado da publicidade, para dividir com o leitor
o dilema do mediador de Educomunicação em programas e projetos: qual é essa participação
que se quer de adolescentes e jovens em projetos sociais onde a Educomunicação é ferramenta
e metodologia para chegar a um conjunto de indicadores que atinjam as expectativas das
organizações que financiam estas intervenções?

O que significa fortalecer o protagonismo, a autonomia e a identidade, por meio dos processos
educomunicativos, onde cria-se grande expectativa sobre os produtos resultantes destes
processos mas, no fundo, o que importa são os processos e o quanto eles significam para os
participantes, individual e coletivamente? O que se pretende com estas ações educomunicativas
e como se avalia o quanto elas impactam a vida dessas pessoas, mesmo que não indicam
diretamente sobre os objetivos de projetos e programas – ainda mais quando se são oficinas de
curto prazo, difícil de acompanhar e monitorar o andamento dos grupos em questão?

O papel do mediador de Educomunicação - A condução do processo de Educomunicação


como mediadora, frente a diferentes discursos e interesses envolvidos nos programas e projetos
que envolvem a juventude, trazem um olhar para os trabalhos com grupos sociais onde a busca
de identidade, autonomia e fortalecimento da cidadania são temas recorrentes, em uma
Amazônia onde os fluxos migratórios são cada vez mais intensos. Tanto com relação ao fluxo
migratório de países como a vizinha Venezuela – na fronteira com o Estado de Roraima –
quanto ao fluxo de população que vem do interior dos rios e da floresta para as cidades maiores.

Entendo o campo da Educomunicação a partir de Soares (2011) que o define como um espaço
de intervenções sociais “onde mídias produzidas coletivamente favorecem a construção
intencional de uma teia de relações (que Soares descreve como um ecossistema
educomunicativo, conceito emprestado da biologia)” e onde “a criatividade, a inclusão social,
coletividade e a reflexão crítica sobre os meios de comunicação e o direito de acesso ao
conhecimento, são elementos que se entrelaçam no processo de produção midiática que deve
refletir a voz, o olhar dos grupos sociais (MENEZES, 2018, p. 146).

Nesse campo, Lima (2009, p. 113-114) descreve o mediador como parte do grupo nesse
processo. É ele quem intencionalmente desenvolve “a sensibilidade, a capacidade de escuta do
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outro” e que teria condições de “promover conversa sobre como lidam com uma determinada
tarefa, como se tratam ao desenvolvê-la e os tipos de valores expressos nas atividades que
realizam”. Mais do que ensinar técnicas de produção midiática, o mediador exerce o importante
papel de troca e partilha, onde o poder educativo da comunicação estaria no “esforço
imaginativo para transmitir minha experiência de maneiras que se podem juntar com as suas,
para que possamos – de certo modo – viajar pelos mesmos caminhos, e ao fazê-lo, fazer sentido
juntos” (INGOLD, 2017, p. 285, tradução minha).

Reforço o papel do mediador para além de um técnico que ensina técnicas, a partir do
pensamento de Paulo Freire (1980, s.n.), onde “o sujeito pensante não pode pensar sozinho;
não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ator de pensar sobre o objeto. Não
há um “penso”, mas um “pensamos”. Num processo educomunicativo, ainda que a partir de
iniciativas pontuais como as colocadas no início desse artigo, a intencionalidade desse ato de
“pensar junto” se reflete em cada vídeo, fotografia, fanzine ou qualquer outra plataforma onde
o grupo olha pra si, se identifica, se estranha, e re-significa tudo isso da maneira que conseguir.
E se encanta e evolui a partir do que foi produzido. É visível, para o mediador, como indivíduos
ou mesmo grupos se empoderam neste processo, por meio de mudanças de comportamento no
grupo ou seu posicionamento na maneira de se expressar em uma reunião ou outra atividade.

Para quem financia e coordena projetos de Educomunicação, porém, as expectativas sobre o


que se quer dessas atividades são um pouco diferentes. É fato que todos pretendem alcançar
objetivos como empoderamento, ampliação da participação, geração de conhecimento,
fortalecimento da identidade. Mas é fato, também que o direcionamento a impactos ligados à
determinados temas geradores no fazer formações como oficinas e cursos, movimentam esse
universo de atividades envolvendo públicos como jovens e adolescentes.

No Brasil, especificamente, por exemplo, houve um esforço para que as políticas públicas
dessem espaço para o que seria a chamada Educomunicação Socioambiental. Em 2008, o
Ministério do Meio Ambiente lançou um documento com diretrizes sobre o tema, que também
inspiraram outros documentos como a Estratégia Nacional de Comunicação e Educação
Ambiental (ENCEA), que organiza princípios específicos para o que diz respeito ao tema das
áreas protegidas – Unidades de Conservação. A Educomunicação, no âmbito das políticas
públicas, acaba estando vinculada “a serviço de” algo específico: a comunicação voltada para
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favorecer a troca de informações e a participação social em temas como a gestão de resíduos


sólidos, de áreas protegidas, de saneamento, entre outros.

Organismos internacionais que tratam de desenvolver mecanismos de participação e


empoderamento social também seguem linha parecida, ainda que não citem a
Educomunicação. A ONU, por exemplo, evoluiu na elaboração de estratégias práticas que
denominam como Comunicação para o Desenvolvimento (C4D), área que o UNICEF,
principalmente, investiu para realizar seus trabalhos com crianças e adolescentes, como ocorre
com o atendimento aos venezuelanos Boa Vista (RR).

Consultores desta área organizam atividades ao redor do mundo para empoderar públicos
vulneráveis com informações para se alcançar mudanças sociais e comportamentais, utilizando
os mais diversos tipos de ferramenta de comunicação para “facilitar o diálogo, a participação
e o envolvimento com crianças, famílias, comunidades, redes para mudanças sociais e
comportamentais positivas em contextos humanitários e de desenvolvimento (UNICEF, 2017,
p. 8, tradução minha). O foco de muitas ações, no entanto, é o de alcançar mudanças de
comportamento em áreas específicas, como higiene.

Embora, como lembra Gumucio-Dragon (2011) a área de Comunicação para o


Desenvolvimento é um modelo que se desenvolveu a partir da década de 1970, com várias
experiências exitosas com o uso de rádios comunitárias, vídeo produzidos coletivamente e
outras formas de comunicação educativa e participativa, enfatizando “a valorização do
conhecimento local, a necessidade de respeitar as formas de organização social e de fortalecê-
las” (GUMUCIO-DRAGON, 2011, p. 35-26, tradução minha), a implementação de projetos
de Comunicação para o Desenvolvimento seguem modelos institucionais, para atender a
expectativa temática das organizações envolvidas e não necessariamente as demandas surgidas
do público atendido.

A comunicação para a mudança social – Gumucio-Dragon (2011) traz reflexões sobre a área
que ele denomina como Comunicação para a Mudança Social que, segundo ele, começou a ser
formulada conceitualmente a partir de reuniões entre especialistas de comunicação e
participação social ao final da década de 1990, iniciativa da Fundação Rockefeller, nos Estados
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Unidos6. Para o autor, algumas premissas caracterizam as experiências com foco em


comunicação para o câmbio social, reunidas em cinco condições que ele traz como
indispensáveis: participação comunitária e apropriação dos meios; língua e pertencimento
cultural; geração de conteúdos locais; uso de tecnologia apropriada; e convergências em redes
(Gumucio-Dragon, 2011).

Estas condições apontadas pelo autor aproximam-se da proposta das quatro grandes áreas de
intervenção social da Educomunicação propostas por Soares (2000) e adaptadas por Menezes
(2014):

1) Participação comunitária e apropriação dos meios: para Gumucio-Dragon (2011) é condição


indispensável a participação democrática e a apropriação do processo de se fazer comunicação,
olhar que Soares (2011) indica como parte do que denomina como gestão da comunicação no
espaço educativo. Essa gestão englobaria o planejamento, a implementação e a avaliação de
projetos e programas de Educomunicação de forma participativa, incluindo aí, a liberdade de
que tipo de mídia os envolvidos querem construir – o que é um desafio diante de tema
norteadores que muitas vezes são impostos por programas e projetos. Ou seja: quem determina
a prioridade do que se deseja comunicar é o financiador, e não o público participante; ainda
que ele se aproprie dos meios para elaborar um vídeo, um áudio, ele precisa seguir determinado
tema sugerido.

2) Língua e pertencimento cultural: Gumurcio-Dragon (2011) lembra que muitas estratégias


de comunicação de instituições que atuam em programas de apoio para os países em
desenvolvimento foram desenvolvidas pelos países industrializados e reproduzidas sem se
considerar o contexto local. Essa condição de se levar em conta as particularidades de cada
cultura e cada língua também passa pelo campo da Educomunicação e, novamente, tem a ver
com o processo de gestão da comunicação de forma que se garanta a descentralização inclusive
da produção de materiais informativos, por exemplo.

3) Geração de conteúdos locais: para o autor, é o que “fortalece o saber comunitário e promove
o intercâmbio de conhecimento em condições equitativas” (GUMUCIO-DRAGON, 2011, p.

6
A compilação dessas reuniões está disponível na publicação <
https://www.academia.edu/1365124/Haciendo_olas>. Acesso em 23 out 2019.
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38, tradução minha). Aqui se percebe com mais clareza a aproximação do campo da
comunicação para a mudança social com a Educomunicação, quando nos processos se propõe
a mediar a produção, circulação e empoderamento pela geração de conhecimento onde os
próprios atores sociais envolvidos participam de todo o processo, ganhando voz e, também,
como aponta Martín-Barbero (2014, p. 30), utilizando os meios que produziram para se
comunicarem com outras comunidades “com o objetivo de refazer o tecido coletivo de
memória e contrainformação, bem como mobilizando a imaginação para participar na
construção do público”.

4) Uso de tecnologia apropiada: a grande crítica de Gumucio-Dragon (2011) é a de que muitos


projetos fracassam quando o foco são as ferramentas tecnológicas, e não os processos. Outro
tema rico à Educomunicação, onde programas e projetos devem garantir, na medida do
possível, a utilização das tecnologias democráticas, ou ao menos a reflexão crítica sobre a
utilização desses meios.

5) Convergência e redes: a possibilidade de integrar os diferentes processos de comunicação e


experiências ao redor do mundo é o que fortaleceria as iniciativas de comunicação para a
mudança social, ampliando seus impactos. Fundamental para o desenvolvimento de políticas
públicas que garantam a implementação de ações comunicativas descentralizadas, ainda é uma
das maiores fragilidades para programas e projetos serem desenvolvidos. Essa integração que
Gumucio-Dragon (2011) propõe pode se fortalecer com a participação acadêmica – que
proporciona a reflexão epistemológica, uma das áreas de intervenção social que Soares (2000)
propõe para o desenvolvimento do campo da Educomunicação.

Essa integração entre experiências, instituições e universo acadêmico pode fortalecer o


planejamento de intervenções práticas; porém, um gargalo recorrente é a disponibilização de
informações de quem promove atividades na ponta (caso de instituições públicas, não
governamentais ou as próprias agências implementadoras de processos, como as que fazem
parte da ONU) para a promoção de avaliações e análises elaboradas com a participação de
pesquisadores acadêmicos.

Para finalizar: a “visão romântica” de que a Educomunicação pode mudar realidades é o que
nos move, enquanto educomunicadores e pesquisadores dessa área. Mas a prática como
mediadora apresenta os desafios dentro do ecossistema de relações em que todos os
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participantes do processo educomunicativo estão “emaranhados” e condicionados a uma lógica


de programas e projetos em que se exige indicadores de impactos das atividades realizadas,
pouco debatidos no âmbito da academia e mesmo no âmbito das instituições proponentes,
gerando distorções sobre qual é mesmo o papel dos processos de comunicação para se efetivar
mudanças sociais, e dentro destes processos, qual o papel/contribuição da Educomunicação
não só como metodologia ou ferramenta, mas como campo de atuação para se alcançar, de fato,
mudanças sociais.

Muitos destes indicadores ainda são quantitativos (relacionados a número de participantes,


produtos elaborados e mensagens transmitidas em determinados meios pré-determinados) e,
mesmo os qualitativos, ainda são pouco aprofundados, pois demandam um acompanhamento
mais próximo dos grupos sociais que são trabalhados nestas intervenções. O diálogo entre a
academia e os implementadores é um caminho que perpassa por conflitos de interesses, mas é
certo que essa integração potencializaria ações para dar voz, empoderar, desenvolver
habilidades e fortalecer identidades junto aos públicos que se deseja ver mudanças, como é o
caso de adolescentes e jovens migrantes e ribeirinhos (entre outros), que passam por
intervenções educomunicativas em que identidade, cidadania e autonomia sejam intrínsecos ao
processo de construção de mídias criativas de sua autoria, em um processo de aprendizagem
do indivíduo, no fazer coletivo.

Esse fazer, lembra Lourenço (2014, s/n), caminha em direção a uma sociedade mais solidária,
mais justa e não-excludente, onde “espaços educomunicativos são criados para o exercício do
direito à informação e liberdade de expressão”, e cujas ferramentas resultantes, seja vídeo,
fanzine, ou programa de rádio ofereceriam “...novas possibilidades de participação e de
interação social” (LOURENÇO, 2014), enriquecendo a formação dos jovens para além de um
processo educativo voltado para o convencimento ou para a transmissão de informações que
atendem, primeiramente, ao interesse dos financiadores.

O foco, então, é a mobilização social destes grupos para lerem, relerem e re-significarem suas
realidades a partir do fazer e da circulação do que elaboraram em vídeos, fanzines, fotografias,
vídeos e outras mídias disponíveis no universo da Comunicação. Só assim, a empolgação do
mediador na Educomunicação faz sentido nessa engrenagem, em que se busca alcançar – e
enxergar mudanças socias no horizonte.
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Referências

GUMUCIO-DRAGON, Alfonso. Comunicación para el cambio social: clave para el desarollo


participativo. Signo y Pensamiento, vol. XXX, no. 58, jan-jun 2011, pp. 2639. Disponível em:
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