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PERCURSO 2

Aluno/a: ____________________________ Ano: ___ Turma: ___ Data: __________

Vais ler um conto de Gonçalo M. Tavares. Para que o compreendas


melhor, faz uma pesquisa sobre Homero, Arquitas e Platão, e sobre os
livros Odisseia e Margites. No teu caderno diário, faz um registo
organizado, por tópicos, da informação essencial.

LEITURA | EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Lê o conto com atenção.

A História de Arquitas

É reconhecida, nos Gregos, a grandeza de quem recebe na sua casa os


outros. É dito na Odisseia:
“Um hóspede e um suplicante valem como um irmão para qualquer pessoa, por
pequeno que seja o seu entendimento.”
5 Se quisermos resumir a vida de Arquitas, poderíamos dizer: foi aquele que
recebeu, ou então de uma vez: é o Hospitaleiro. Outra forma: foi grande, recebeu
todos!
Recebeu pobres e analfabetos; e recebeu Platão; murmúrios falam ainda de
uma visita de Buda, mas é impossível confirmar; os murmúrios e o vento: passam. E
os tempos baralham-se muito.
10 Da pobreza aprendeu o que a pobreza pode ensinar; da simplicidade e da
inocência aprendeu o simples e o inocente; de Platão aprendeu, claro, a filosofia:
saber lidar com a morte, saber lidar com os vivos.
Platão bateu à porta, pediu para entrar. Trazia um livro, escondido. Entregou-o
a Arquitas, o Hospitaleiro. Este recebeu os dois: o livro, com a forma desse tempo, e o
15 sábio.
O livro era Margites, a comédia escrita por Homero.
É o único exemplar – disse Platão – entrego-to. Guarda-o como guardas a tua
filha: com a vida!
Não explicou a razão de tanto segredo; não explicou a razão para não divulgar
20 o livro mais procurado, a terceira obra-prima de Homero. Disse apenas:
– Não sou capaz de destruir o belo, mas não o posso difundir. O belo corrompe
o justo.
– Que não morra – disse ainda – mas que não se multiplique. Que não se
multiplique, mas que não morra!

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Arquitas era exemplar na hospitalidade: não fez perguntas.


Guardou o livro no seu cofre, disse a Platão para descansar; ofereceu-lhe
cama.
– Defenderei o livro como defendo a minha filha: só o darei a um homem.
Antes procurava um grande homem, agora procurarei dois. Escolherei um
marido para uma mulher e um sábio para o livro.
30 Platão depois de algum silêncio murmurou:
– Se escolheres para marido da tua filha um sábio, entrega-lhe o livro. Um
homem protege melhor dois tesouros que um. Com mais responsabilidade fica mais
forte.
Arquitas concordou (sem palavras) e deitaram-se cedo nessa noite.
35 Na outra manhã Platão partiu e logo durante a tarde ouviram-se os cavalos dos
bárbaros.
– Eles vêm à procura de tesouros! – gritava o povo, aterrorizado.
Arquitas era ingénuo. Confundia o seu ouro com o dos outros. De imediato,
perante o perigo, pensou em proteger duas coisas: a sua filha e o livro.
40 Era velho, incapaz de fugir. Entregou a filha a Ciro. Já muito antes o havia
pensado. Ele merecia.
– Protege-a – disse-lhe apenas, e despediu-se.
Quiseram levá-lo. Recusou.
– Vêm aí homens. Não fujo, recebo-os.
45 Mais uma vez, então, viu partir. Outro nome, aliás, podia atribuir-se a Arquitas,
o velho: “Aquele que vê partir”.
Agora era a filha que se afastava. Para ela encontrara um marido. Correu para
o cofre, abriu-o, pegou no livro. Faltava um sábio.
Pediu a um barqueiro e ao filho que o acompanhassem.
50 – Leva-me até ao meio do rio – disse ao barqueiro.
Aí chegados pararam. Arquitas pegou no cofre com a obra-prima de Homero e
disse, como se falasse para os deuses ou para o tempo (e não para os homens):
– Que não se multiplique, mas que não morra.
E atirou o cofre com o livro para o fundo.
55 De seguida, estranhamente, fez uma marca no barco. Virou-se para o
barqueiro e comentou, com confiança:
– É para mais tarde encontrar este local.
O barqueiro sorriu. Está louco – pensou – perdeu o juízo.
Arquitas sentiu o escárnio e pensou do barqueiro o que o apóstolo pensou de
60 certos humanos:
“Sempre a aprenderem mas incapazes de chegar à verdade.”
A verdade não é lógica, todos aqueles que a sentem sabem.
Regressaram.

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Na margem preparavam já a fuga.


De novo, nesses momentos, tentaram convencê-lo: recusou.
– Vêm aí homens – repetiu. – Não fujo. Recebo-os.
Preparava-se de novo para se despedir de quem partia. Sentiu uma pequena
mão a puxá-lo: era o filho do barqueiro.
– Acredito em si – disse o rapaz – sei que vai voltar a encontrar o cofre.
70 Arquitas comoveu-se. Acreditar é a maior das inteligências. Encontrara o sábio:
era uma criança.
O resto da história é rápido: partiram todos, Arquitas ficou.
Chegaram os bárbaros; a cidade deserta; vinham guerreiros e com raiva;
avistaram uma porta aberta: era a casa de Arquitas, o hospedeiro; entraram. Na mesa
75 quase um banquete: vinho, pão, doces, fruta, alguma carne. A lareira acesa.
Os bárbaros comeram e descansaram do frio.
Partiram logo de seguida. Para outras cidades. Para longe.
Escondido num falso porão, Arquitas observara tudo. Tinham chegado homens,
ele não fugira. Recebera-os.
80 A cidade vazia; pegou num dos seus livros, levou-o no barco onde fizera a
marca e remou, ele próprio, até ao meio do rio. Trouxera a sua ciência – os números –
já que apesar de velho carregava ainda a herança: era adorador de Pitágoras. Como
este sábio, Arquitas utilizava os números para descobrir o Divino ou pelo menos
algumas das suas ações. Trouxera, assim, o livro da sua ciência, e algo ainda mais
85 valioso: a fé.
Fez cálculos longos. Olhou para a marca que fizera no barco e olhou para o rio;
remou mais um pouco, parou. Fez novos cálculos. Olhou para a marca e exclamou: é
aqui!
Era.
O fim da história: regressados à cidade, alguns homens conhecedores do
90 episódio (como falam os barqueiros!), perguntaram-lhe:
– Recuperou o seu cofre? A marca no barco foi útil?
Arquitas mentiu:
– Enganei-me – respondeu.
A multidão ficou então contente como sempre fica quando a sua opinião, que é
95 também ao mesmo tempo a sua estupidez, se mostra mais forte do que a ideia de um
homem isolado; e rapidamente esqueceu o assunto. Para a cidade, o valioso cofre que
Arquitas protegia, de conteúdo desconhecido, desaparecera para sempre nas águas.
O que a seguir relatamos passou-se três dias depois.
Arquitas parou no sétimo degrau e, virado para o filho do barqueiro, disse:
100 – Quero oferecer-te um tesouro.
O rapaz exclamou, de imediato, alto, com tanto entusiasmo quanto
imprudência:
– O cofre!

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Arquitas pediu silêncio e passou-lhe o cofre para as mãos.
– Lá dentro está um livro importante. Guarda-o ao lado da tua vida como se
105 fossem duas coisas iguais. Entrega-o depois a um único homem. Mas apenas quando
estiveres próximo da morte. Quando souberes o que é um sábio.
O rapaz ouviu tudo, atento. Tinha a idade estranha em que os segredos e as
promessas são de ouro; intocáveis.

O tempo passou, entretanto.


110 Esquecidos nos vivos – Arquitas e o filho
do barqueiro – ao ritmo que a natureza da
morte e das sucessivas gerações exige,
perdeu-se, em definitivo, o rasto de
Margites, a terceira obra-prima de
115 Homero.
Hoje, localizar o poema torna-se
improvável, quase impossível. No
entanto, duas certezas: a primeira é a de
que um único homem possui o cofre.
120 A segunda é uma certeza que
nasce de quem se informou o suficiente:
de entre os descendentes e amigos do A Biblioteca, obra de Vieira da Silva.
filho do barqueiro nem um aprendeu a ler.
É, pois, provavelmente, no meio de uma família de camponeses, pessoas
125 simples e analfabetas, que se poderá encontrar o livro mais procurado da história.
Se ele ainda não foi encontrado é porque quem pesquisa vasculha em
bibliotecas, em sítios nobres e cultos.

Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas.

1. Neste conto, o narrador resume a vida de Arquitas, indicando uma


característica marcante da personagem.

1.1. Transcreve o segmento textual que apresenta essa particularidade.


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2. Arquitas recebeu na sua casa diversas figuras da História. Indica aquela que
se destaca na narrativa.
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2.1. Refere o motivo da visita dessa personagem.


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2.2. Indica a promessa que Arquitas lhe fez.


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3. Arquitas também era conhecido por “Aquele que vê partir”. Explica esta
expressão.
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4. Arquitas encontrou a pessoa a quem entregar o seu tesouro. Refere-a e


justifica a sua escolha.
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4.1. Indica as recomendações transmitidas por Arquitas a essa pessoa.


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5. Na tua opinião, como se justifica que Arquitas tenha mentido à população


acerca do tesouro?
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6. Explicita as razões que levam o narrador a dizer que “o livro mais procurado
da História” nunca tenha sido encontrado.

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7. Identifica o recurso expressivo sublinhado no segmento textual: “O resto da


história é rápido: partiram todos, Arquitas ficou.”
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ORALIDADE

Atenta no segmento “O resto da história é rápido… ”até “Era.” (ll. 71 a 87).

1. Faz uma paráfrase das sequências narrativas, partindo das formas verbais
que se seguem.

a. Chegaram…

b. Partiram…

c. Remou…

d. Fez…

e. Olhou…

f. Exclamou…

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GRAMÁTICA

1. Associa as frases da coluna A à respetiva descrição na coluna B.

COLUNA A COLUNA B
a. Os bárbaros comeram e descansaram do
frio.

b. Arquitas não receou os bárbaros nem fugiu 1. As orações estão ligadas por
da cidade. coordenação.
c. Margites estará em segurança no caso de
ter sido entregue a um sábio. 2. As orações estão ligadas por
d. Apesar de ser velho, Arquitas carregava subordinação.
ainda a herança.
e. Murmúrios falam ainda de uma visita de
Buda, mas é impossível confirmar.
f. O livro está tão bem guardado que ainda
ninguém o encontrou.

a. ____; b. ____; c. ____; d. ____; e. ____; f. ____

1.1. Transcreve e classifica as orações coordenadas e as subordinadas.

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2. Sublinha as orações subordinadas substantivas completivas das frases


seguintes.

a. Pediu a um barqueiro e ao filho que o acompanhassem.

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b. O livro, que é muito procurado, estará, provavelmente, no meio de uma
família de camponeses.
c. Alguns homens perguntaram-lhe se tinha encontrado o tesouro.
d. Levou-o no barco onde fizera a marca.

2.1. Transcreve as outras orações subordinadas e classifica-as.


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2.2. Indica as funções sintáticas desempenhadas pelas orações subordinadas


das frases.
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ESCRITA

Arquitas é caracterizado como um excelente hospitaleiro, aquele que sabia


receber. Mostra que também sabes receber.

1. Escreve uma carta a convidar um amigo a passar uns dias na tua casa.

 Segue a seguinte planificação:

 indicação do local e data no canto superior direito;


 saudação ao destinatário;
 abertura da carta com uma breve introdução;
 indicação do assunto;
 conclusão da carta;
 registo de fórmula de despedida;

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 assinatura no canto inferior direito ou ao centro.

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