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O presente trabalho tem como objetivo realizar uma breve análise sobre a cantiga de
amigo Vaiamos, irmana, vaiamos dormir de Fernando Esquio. Pouco se sabe sobre este
trovador, que é galego, deve ter vivido por volta do Século XIII e teve nove poesias atribuídas a
ele até hoje, dentre elas, quatro cantigas de amigo, três de escárnio e uma de amor. A seguir, a
cantiga discutida aqui e uma edição realizada por mim com algumas traduções de palavras:
b Nas ribas do lago u eu andar vi, Seu arco na mão às aves atirar
c seu arco na mão as aves ferir, e as que cantavam não as quer matar
R a las aves meu amigo. às aves meu amigo.
No campo da forma, podemos perceber que a cantiga possui seis estrofes com três
versos cada, sendo o terceiro verso o refrão da cantiga, pois se repete em todas as estrofes.
Estas, por sua vez, são divididas em pares, chamadas de paralelismo, e comuns neste tipo de
cantiga. Outra característica muito presente é o leixa-pren, que consiste em repetir um verso da
copla1 como o primeiro da copla seguinte. Este tipo de composição é notado nesta cantiga com a
repetição do segundo verso no início de sua respectiva copla paralelística.
Uma análise superficial pode nos trazer a interpretação de que o eu-lírico nesta cantiga é
uma voz feminina que convida sua irmã a dormir e descansar nas margens de um lago. Neste
lago, ela já sabe que encontrará seu amigo caçando aves com arco e flechas. As duas estrofes
finais marcam um certo encantamento quanto a “eu-lírica” quando esta afirma que ele não
pretende matar as aves que cantam.
A seguir, o ato de estar com o arco na mão – aqui, arco como objeto fálico segurado em
apenas uma das mãos – pode dar a ideia do ato sensual que o amigo está realizando, “ferindo”,
que traz a ideia de penetração no corpo feminino, e atirando não em aves como caça, mas nas
mulheres após chegar ao seu ápice de prazer. O ato presente nas duas últimas estrofes corrobora
com a ideia de que este “atirar” não mata as aves que cantam, ou seja, que estão ali realizando
uma ação, como o canto do prazer, o arfar, os gemidos rítmicos. Pelo contrário, o amigo tem a
intenção de não as machucar.
Esta análise aprofundada nos permite observar a forma como o ato sexual era
representado nas cantigas de amigo: em um primeiro plano, uma leitura inocente;
compreendendo as referências, a consciência e a liberdade carnal. O uso da voz feminina
falando de sexo é uma grande quebra de paradigmas para uma época em que qualquer ato
1
Estrofe.
sexualmente explícito ou implícito, mesmo os mais simples e que hoje em dia não tem tanto
valor, era escandaloso, principalmente partindo de uma mulher, mesmo que as autorias dos
poemas fossem masculinas. Em se tratando deste tipo de cantiga, é importantíssimo que seja
realizada esta análise aprofundada e entender os principais elementos subjetivos e referenciais,
muito comuns nesta fase.
Referências: