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FICHAMENTO

Realizado em: 25/05/2013

ARROJO, R. As questões teóricas da Tradução e a Desconstrução do Logocentrismo: Algumas


Reflexões. In: _____ (Org.) O SIGNO DESCONSTRUÍDO: implicações para a tradução, a leitura e o
ensino. 2 ed. Campinas: Pontes, 2003.

(P. 71) George Steiner divide a história da literature sobre tradução em quatro períodos (1975: 236-239). O
primeiro deles se inicia com Cícero e sua condenação à tradução “palavra por palavra”. Segundo Steiner, os
teóricos desse período compartilham uma “abordagem imediatamente empírica”, um refletir sobre tradução
que se origina imediatamente a partir da prática. São, em geral, tradutores que escrevem sobre os problemas,
as limitações e as mazelas de seu trabalho. O segundo período marcaria o início da reflexão teórica
desenvolvida no contexto mais amplo das teorias da linguagem e do pensamento. As questões teóricas que
envolvem o ato de traduzir passam a adquirir um caráter filosófico, embora continue o intercêmbio entre
teoria e necessidade prática.

(p. 72) A terceira fase, trazendo a modernidade à reflexão sobre tradução, chega, para Steiner, com os
primeiros trabalhos sobre a máquina de traduzir, que começam a ser divulgados no final da década de 1940.
É a época dos herdeiros do formalismo russo, que aplicam à tradução suas teorias lingüísticas. É a época,
também, do importante Word and Object, de Quine, publicado em 1960. A lingüística estrutural e a teoria da
informação passam a influir na discussão. ... um quarto estágio, caracterizado por uma volta à hermenêutica
e pelo “refinamento” da tradução enquanto questão filosófica. Mais do que nunca, a reflexão teórica sobre
tradução constitui um ponto de contato entre várias disciplinas: a psicologia, a antropologia, a sociologia, a
filosofia clássica, a literatura comparada, a etnografia, a sociolingüística, a retórica, a poética, a gramática e
a emergente lingüística aplicada.

(p. 72) ... durante mais de dois milênios ... as crenças e as desavenças expressas sobre a natureza da tradução
“tem sido praticamente as mesmas”. Ronald Knox, por exemplo, reduz as questões teóricas da tradução a
duas perguntas:

1) o que deve vir antes, a versão literal ou a versão literária? E

2) o tradutor é livre para expressar o sentido do original em qualquer estilo ou linguagem que lhe aprouver?
(apud Steiner, 1975: 239)

Ainda...

... não seria a tradução, afinal de contas, teoricamente impossível ou ilegítima?

A outra face mais visível e mais conhecida – dessa questão é o preconceito generalizado com que se
considera qualquer tradução, olhada de soslaio até mesmo pelos profissionais da área. A tradição tem sido,
portanto, inclemente em relação à atividade do tradutor, atribuindo-lhe, frequentemente, um caráter de
precariedade, de remendo, de “mal necessário”, em oposição a um “original” sempre pleno e completo em si
mesmo.

(p. 72-73) Em oposição a essa tradição logocêntrica – cujos pressupostos revaixam, necessariamente, a
tradução – pretendo argumentar que a exigüidade de idéias que parece perseguir as reflexões sobre
tradução não se deve a alguma dificuldade ou característica intrínseca e inescapável da atividade do
tradutor nem à incapacidade teórica daqueles que têm se dedicado ao seu estudo. ... a própria matriz
logocêntrica que produz essas perguntas e essas expectativas. E é também essa matriz que produz a
noção da ilegitimidade ou da impossibilidade teórica da tradução e, consequentemente, a concepção
da tradução como uma usurpadora ineficiente que, ao tomar o lugar do “original”, dele apenas pode
oferecer reflexos pálidos e oblíquos.

... a tradução pode nos servir como um instrumento desconstrutor de proposições acerca da
linguagem há muito estabelecidas e raramente discutidas.

... basicamente, o desafio que toda discussão sobre tradução se impõe é a resolução da questão da
fidelidade ao chamado “original” e das relações que se podem estabelecer entre “original” e
tradução. ... desafio que jamais será vencido dentro dos limites do logocentrismo.

(p. 74) A crença no “avanço” científico, na busca do algoritmo definitivo, supra-histórico e independente de
qualquer sueito, contexto ou ideologia é cara ao logocentrismo, à sua obsessão pelo lógico, pelo racional e à
sua necessidade de rejeitar tudo o que seja subjetivo, contingente e dependente de contexto.

(p. 74) Essa crença se expressa na própria formulação das questões. As duas perguntas propostas por Knox
partem de alguns pressupostos cuja pertinência ou possibilidade nunca são examinadas:

1) a noção de uma tradução “literal”, próxima do “original”, que não apresentaria nenhuma interferência do
tradutor, em oposição à noção de uma tradução “literária”, que revelaria a interferência da interpretação e do
julgamento do tradutor;

2) a concepção de um texto “original”, estável e imutável, depositário das intenções e dos significados
(conscientes, apenas) de um autor, recuperáveis através da leitura, considerada, por sua vez, como um
processo neutro, que pode e deve eliminar as interferências do leitor e de seu contexto sócio-cultural e
histórico (para uma discussão mais ampla acerca dessas concepções de texto e tradução, ver Arrojo 1986)

3) a noção de significado como um objeto distinto do estilo em que aparece “acondicionado”.

(p. 75) Georges Mounin ... chega ao extremo de cogitar a negação da própria evidência da tradução na
tentativa de preservar a “ciência” da linguagem que defende:

A atividade de tradução suscita um problema teórico para a lingüística contemporânea: se aceitarmos as


teses correntes a respeito da estrutura dos léxicos, das morfologias e das sintaxes, seremos levados a afirmar
que a tradução deveria ser impossível. Entretanto, os tradutores existem, eles produzem, recorremos com
proveito às suas produções. Seria quase possível dizer que a existência da tradução constitui o escândalo da
lingüística contemporânea. Até hoje, o exame desse escândalo tem sido sempre mais ou menos recusado
(Mounin 1975: 19)

Para Mounin, a resolução do impasse produzido por esse “escândalo” poderia apresentar duas
alternativas: ... condenar a possibilidade teórica da atividade de tradução em nome da lingüística... ou então
questionar a validade das teorias lingüísticas em nome da atividade de tradução (p. 20)

Uma terceira alternativa... não se pode negar, por um lado, a contribuição da lingüística funcional e
estrutural; e por outro lado, também não se pode negar o que fazem os tradutores.

(p. 75) Para Mounin, não é a “ciência”, no caso a lingüística, que deve rever seus pressupostos – no máximo,
deverá ser lida mais atentamente – mas é a prática que precisa ser reavaliada.

(p. 75-76) Aliás, Mounin nem admite a possibilidade de que as questões teóricas da tradução possam ser
esclarecidas fora dos domínios da lingüística, ainda que esta tenha se mostrado incapaz, por exemplo, como
ele mesmo admite, de lidar com a questão do significado:
Toda operação de tradução [...] comporta, basicamente, uma série de análises e de operações
especificamente dependentes da lingüística e suscetíveis de serem mais e melhor esclarecidas pela ciência
lingüística aplicada corretamente do que por qualquer empirismo artesanal. ... a tradução é ainda uma arte –
mas uma arte alicerçada numa ciência. Os problemas teóricos suscitados pela legitimidade ou ilegitimidade
da operação de traduzir, e por sua possibilidade ou impossibilidade, só podem ser esclarecidos em primeiro
lugar no quadro da ciência lingüística (p. 27, grifo do autor).

No cerne dessa discussão localiza-se, obviamente, a questão do significado. ... ao abordar a questão, Mounin
deixa claro, citando Bloomfield, que o projeto de uma sistematização do significado dos “enunciados
lingüísticos” = o que seria a resolução da uestão em termos de uma lingüística de base logocêntrica –
implicaria a possibilidade da obtenção de um “conhecimento científico e exato de todas as coisas do mundo
do falante” (p. 37)... mesmo que pudéssemos obter um “conhecimento cientificamente exato de todas as
coisas do mundo do falante”, teríamos ainda que poder isolar e imobilizar todas essas “coisas” para que
permanecessem para sempre imutáveis e idênticas.

(p. 77) Mounin crê, portanto, ecoando Bloomfield (1955, apud Mounin 1975: 38), que a “imperfeição” do
“nosso conhecimento do mundo em que vivemos” possa, um dia, ser efetivamente “sanada” em moldes
logocêntricos, ou seja, um dia, quando o “conhecimento humano” tiver “avançado” e a “ciência” da
linguagem puder ser “forte”, os significados dos enunciados lingüísticos poderão também ser domados,
previstos e sistematizados. Novamente, como no argumento que opõe a questão da “evidência” da prática
tradutória à lingüística, Mounin crê, em primeiro lugar, numa ciência idealizada e em sua capacidade – ainda
que futura – de controlar o processo de significação, o que implica também controlar a história, o tempo e o
sujeito consciente e inconsciente.

... O universo logocêntrico implícito pela crença de Mounin é, finalmente, também um universo divino ou
transcendental já que pretende deixar de lado o que, no fundo, constitui o eminentemente humano: o
ideológico, o cultural, a perspectiva, o desejo (consciente e, principalmente, inconsciente), o finito, o mortal
e tudo aquilo que resiste a qualquer pretensão de controle, sistematização ou pré-determinação.

A questão do significado, como as questões teóricas da tradução e como a questão mais abrangente de todo
intercâmbio lingüístico, somente poderia ser resolvida em moldes logocêntricos se o sujeito e sua realidade
fossem, também, centrados num racionalismo e numa lógica supra-humanos e imutáveis. Como a relação
entre sujeito e realidade é necessariamente marcada pelas circunstâncias que constituem esse sujeito, essa
realidade e essa relação, nosso destino humano é produzir conhecimentos inevitavelmente gerados a partir
da interpretação, da perspectiva, da ideologia, do sócio-cultural e do subjetivo.

(p. 78) Qualquer tradução, por mais simples e despretenciosa que seja, traz consigo as marcas de sua
realização: o tempo, a história, as circunstâncias, os objetivos e a perspectiva de seu realizador. Qualquer
tradução denuncia sua origem numa interpretação, ainda que seu realizador não a assuma como tal.
Nenhuma tradução será, portanto, “neutra” ou “literal”; será, sempre e inescapavelmente, uma leitura. O fato
de ser sempre e inevitavelmente uma leitura ou uma interpretação não constitui, entretanto, uma
característica peculiar da atividade do tradutor; revela sua origem numa interpretação exatamente porque o
texto de que parte, o chamado “original”, somente vive através de uma leitura que será – sempre e
necessariamente – também produto da perspectiva e das circunstâncias em que ocorre.

Da mesma forma que desconstrói a noção logocêntrica de significado estável e recuperável, a tradução
desconstrói também a noção logocêntrica do poético ou do estético enquanto categorias independentes de
um leitor ou de uma leitura.

BIBLIOGRAFIA
ARROJO, R. (1986). Oficina de Tradução: A Teoria na Prática. São Paulo: Ed. Ática.

DERRIDA, J. (1985). “Des Tours de Babel”. In GRAHAM 1985.

GRAHAM, J. F. (org.) (1985). Difference in Translation. Ithaca e Londres, Cornell University Press.

JOHNSON, B. (1985). “Taking Fidelity Philosophically”. In GRAHAM 1985

MOUNIN, G. (1975). Os Problemas Teóricos da Tradução. São Paulo: Ed. Cultrix Ltda.

STEINER, G. (1975). After Babel – Aspects of Language and Translation. Londres: Oxford e Nova York:
Osford University Press.

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