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"fazendeiro do lar" Rubem Braga >1 mente não deu muito Certo o casamento ainda como embaixador no Marrocos
o _ mora numa cobertura de Ipanema #: do Braga com a cidade grande. Nasceu/ continuou a mandar crônicas; confes-
entre quadros, estátuas e árvores frutífe-4 modéstia à parte, como ele diz; em Ca- sando: "Toda a minha vida enfrentei
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ras. As pitangas não foram muito bem/^q choeiro do Itapemirim, um ano antes de mais ou menos bem as tarefas que me
mas as goiabas estão doces. O fazendeira /^ estourar a Primeira Grande Guerra; cinco tocaram, das mais humildes as mais hon-
toma a contragosto'uma sopa de aspar-/í anos depois estava no caramanchão .. rosas. Sem brilho e sem fulgor, como diz
gos, que a conveniência de perder peso . quando alguém disse que o Brasil tinha um velho samba — mas razoavelmente,
impôs ao contumaz carnívoro, inimigo . ganho a guerra da Alemanha. No cente- . E diz ainda que até hoje só não se acos-
dos verdes; quando morávamos juntos,nário da Independência assiste a um des- tumou com uma coisa: cadeia. .
com a conivência da cozinheira, o alho e - file de archotes e conhece a glória literá- Vinícius de Morais esboçou seus traços
a Cebola eram contrabandeados por cima ria com uma composição sobre as lágri- num poema: Terno em seus olhos de
do muro e triturados na máquina; o que,1 mas/ publicada no jornalzinho do colé- pescador de fundo/Feroz em seu focinho
o olho não vê, o paladar não sente. ^ / gio. Termina o ginásio em Niterói, inicia de lobo solitário/Delicado em suas mãos
Finda a sopa, ele recebe uma senhora e ; o curso de Direito no Rio e recebe o di- e no seu modo de falar ao telefone,
verifico, para meu estupor, que se trata da;},’; ploma de bacharel em Belo Horizonte. Ê Manuel Bandeira, seguramente o mais
enésima professora de inglês contratada ■ aí que se revela jornalista, transformando exaltado de seus fãs, falava muito sobre
pelo Braga nestes últimos 30 anos, desde um assunto sem repercussão — um des- "a inefável poesia que e so do Braga,
que o conheço; está sempre a providen- ; file de cães — numa página graciosa, sempre bom e, quando nao tem assunto,
ciar uma ou um. Nos tempos em que ainda relembrada por velhos colegas. Faz então é ótimo .
ainda rodávamos de bicicleta em Copa- a cobertura da revolução de 1932 pelo ^ J w .
cabana, fomos alunos de um inglês es-1 Diário, da Tarde e chega a ser preso, sus- ^gEMPRE o vi leitor da Bíblia, do Pad*p _
pamusG, que ignorava a existência* de, : peito de espionagem, na região do Túnel 29 Antônio Vieira, do excelente Fran-
Bernard Shaw e caiu na risada ao tradu-|J da Mantiqueira. cisco Manuel de Melo, de livros esquisi-
zir, a nosso pedido, um poema de Ezra H-' Daí por diante a profissão de jornalista tos sobre emas, elefantes ou colibris, da
Pound no qual o poeta se di?ia uma ár-1 encarrega-se de tanger a vocação cigana lista telefônica e sobretudo de jornais e
vore na mata. Às vezes Rubem me pedia de Rubem Braga: "Como Quinca Cigano revistas. Não muito mais do que isso,
para falar ao mestre que ele não estava; o * (seu tio), eu também só tenho caçàdo mas José Lins do Rego, entusiasmado
mgles me empurrava com certo vigor - brisas e tristezas. Mas tenho outros pesos com uma página do Braga sobre um pé
disciplinar, subia alguns degraus da es-: na massa do meu sangue. Estou cansado, de milho, uma vez me pegou pelo braco
cada e mandava Mr. Braga descer, pre- quero parar, engordar, morcer." e exclamou à paraibana: "Esèe homem
guiçazinha, nao acreditar em mentira de Conversa! se lhe pedirem hoje uma diz que não lê quase nada mas sabe
vagabundo; descia esfregando os olhos e reportagem sobre o Dalai Lama/depois tudol' q
começava sonolentamente a dar sua lição J de amanhã ele estará no Tibete, • Já me revelou uma vez os livros que
de verbos irregulares. Quando acabava a Foi como jornalista que chegou em São considerava mais importantes no Brasil, !
aula, a gente encomendava no armazém Paulo com 20 anos e 30 mil réis; como bem, há um bom tempo: Os Sertões de
um pedaço de queijo e um litro de vinho ' jornalista fundou a Folha do Povo em Re- Euclides; Casa Grande & Senzala de Gil­
Gatào- ,!H; cife; como jornalista político, foi depor- berto Freire; Viagem ao Brasil de Hans
Deitado na rede, falava de mulheres, tado de Porto Alegre; como jornalista as- Staden; Pedro I de Otávio Tarquínio de
da raridade de um cotovelo bonito, , de sistiu à rendição de uma divisão alemã na Sousa; Caçando e Pescando por Todo o
paixões, de frivolidades, mas a conversa Itália, acompanhou a queda de Vargas Brasil de Francisco de Barros Júnior; A
acabava quase sempre no mato, onde ele em 1945 de dentro do Ministério da Pesca na Amazônia deJosé Veríssimo,
gostaria de viver pescando e caçando. Cuerra, fez a cobertura da primeira elei- Em matériade poema, o que mais o to-
Uma vez, entrando numa loja para com- ção de Perón e da segunda de Eisenho- cou foi o Cântico dos Cânticos, cujos
prar uma gravata, sentiu vergonha de es- ;wer; como jornalista entrevistou Picasso versículos costuma recitar, com ênfase,
tar escolhendo um pano colorido para e outros grandes, ou transfigurou acon- entre os íntimos. Não é bom leitor de
amarrar no pescoço; nenhuma boate lhe teclmentos humildes por todos os cantos romances, e o que mais o impressionou
deu prazer parecido ao que sentiu na , do mundo, no Brasil, na Argentina, no foi As Aventuras de fúlio de furenito de
choupana de um velho caboclo do Acre, Chile, no Paraguai, na Colômbia, em llia Ehremburg, tendo se decepcionado,
onde partilhou da cachaça e do peixe Cuba, no México, nos Estados Unidos, para indignação de JoeJ Silveira, com
moqueado do seringueiro entre vozes ; em Portugal, na França, na Itália, na In- uma obra-prima que poucos leram — O
distantes de bichos noturnos. /;.i glaterra, na índia. Fundou a revista Dire- Vermelho e o Negro de Stendhal. Não é
Já antecipadamente cheio das obriga- trizes, com Samuel Wainer e Azevedo de teatro por ter horror aos entreatos e
ções urbanas, ele suspirava um evasivo Amaral, e o semanário Comício com Joel contribui pouco para a bilheteria do ci-
verso colombiano: Trabajar era bueno en Silveira e Rafael Correia de Oliveira. nema, lembrando-se apenas com emoção
el Sur! Fechava os olhos e dormia com ; , de q Anjo, Luzes da Cidade, O Coura-
facmdade, embora às vezes saltasse da . jn eventualidade da direção do Escritó- çado Potemkin, Les Visiteurs du Soir e
rede em transe sonambúlico e começasse ; rio Comercial do Brasil em Santiago um documentário alemão: Bali, a Ilha das
a "matar" as saúvas da sala. Decidida- do Chile não apaga o homem de jornal, e Virgens Nuas.
Em seu apartamento de cobertura que é hoje um dos marcos de Ipanema, o poeta cultiva frutas, flores, legumes e estátuas.

Mestre da arte de conversar por escrito, Rubem Braga


chama a essa sabedoria bem filtrada de humanismo de meio-fio
HOMEM de muitos amigos, arrola entre pé como Balboa para vê-lo, é o outro mo­ Falando num grupo de estranhos, é
seus "representantes autorizados", com tivo plástico constante. E quase sempre uma Intima, quase ininteligível, e já fui
poderes para resolver quaisquer proble­ mulher e mar se misturam neste prosa­ seu inttéVprete num bar do Pina, entre jo­
mas seus, econômicos e sentimentais, dor que, embora enxuto, tem suas ex­ vens escritores de Recife, até o quinto
Newton Freire, losé Augusto de Cesário pansões à Augusto Frederico Schmidt: uísque, quando ele passou a ser enten­
Alvim, Cícero Dias, João Leite Sobrinho, "O oceano amanhecia como um pode­ dido somente por Deus. E, numa justa
Luís Lopes Coelho, Carlos Reverbel, Ca- roso trabalhador, a resmungar, ou como autocrítica, já confessou que fala francês
ribé, Lourdes Lessa, Valdemar Bombo- grande, vasta mulher, entre murmúrios." como quem cospe pedras.
natti e Carlos Drummond de Andrade. Existe ainda a infância entre os temas Mas é uma flor. Uma orquídea que
Começou em Belo Horizonte a ami- renitentes do poeta, e as árvores, mas atende pelo nome de Physosiphon Bra-
y.aôe com o poeVa mtncWo e é CSte que também para essas paisagens mortas, gae Kuschi, classificada e nomeada pelo
recorda: "Lembro-me muito do cronista com cajueiros, pitangueiras, piaus e pas­ naturalista Augusto Ruschi, que o ecolo­
jovem, esquivo e desconcertante. Ele sarinhos do brejo, ele costuma carregar gista amador Rubem Braga tanto admira.
namorava uma mocinha loura da Secreta­ as mulheres amadas. Um lírico sem dú­
ria do Interior, e não era raro ver o relato vida, apesar do focinho de lobo solitário. ORANDE escritor. Capaz de transmitir o
dos tristes ou alegres passos do seu idí- Um lírico que se corrige com o humo­ alto lirismo do paladar, um sentido sem
lio, sob forma de crônica. Braga se tor­ rista, autor de famosas páginas vadias e maior prestígio literário: "O lombo era o
nou o menestrel de todos os namorados engraçadas, como a aula de inglês, a his­ essencial, e a sua essência era sublime. A
sem expressão artística, e até dos que tória do corrupião, a aventura em Casa­ faca penetrava nele táo docemente como
haviam namorado há muito tempo e vol­ blanca, o caminhão que lhe entregou a alma de uma virgem pura entra no céu.
tavam a sentir o gosto da coisa através do uma fábula em cédulas bancárias. A polpa se abria, levemente enfibrada,
lirismo dele." Também seu traço humorístico é ve- muito branquinha, desse branco leitoso e
Não fosse cronista ou poeta (tem seu loz:: "Parece q ue a dinastia Ming era doce que têm certas nuvens às quatro e
departamento à parte para o jornalista muito trabalhaq ora e passava o tempo a meia da tarde na primavera/'
propriamente dito), creio que o Braga se­ fazer vasos." — "É bem inseguro o des­ E escritor capaz de renovar também a
ria desenhista, uma espécie talvez de tino de uma família que não tem no po­ pungente perplexidade do homem aníe
Tiepolo de Cachoeiro do Itapemirim, de rão, empoeirado, mas vigilante, um re­ uma menina de dez anos — ferida por es­
traços apenas sugestivos e líricos. Não é trato do Marechal de Ferro, impertérrito, tilhaços de uma granada nazista: "A ca­
sem razão que sempre andou pensando frio, a manter na treva e no caos, entre beça de Silvana descansava de lado,
em fazer um curso de desenho. Como baratas, ratos e aranhas, a dura ordem entre cobertores. A explosão estúpida
sua vontade é grande, mas a mão é mo­ republicana." — "Passa o vassoureiro. É poupara aquela pequena cabeça cas­
rosa, desenha com palavras, mulheres grande, grosso e tem bigodes grossos tanha, aquele perfil suave e firme que Da
principalmente, habilidade que em nossa como todos os de seu ofício. Aos 50 anos Vinci ou qualquer gênio da Renascença
literatura compartilha com o requintado darei um bom vassoureiro de bairro." — amaria desenhar. Lábios cerrados, sem
desenhista que é Machado de Assis. Uma "Achei desagradável aquele rapaz de ar uma palavra ou gemido, ela apenas tre­
ondulação, uma sombra, uma cor, e con­ eficiente que veio depressa pela calçada, mia um pouco — quando lhe tocavam
segue estampar um retrato tocante: "Jo- com uma pasta debaixo do braço, e en­ num ferimento, contraía quase impercep-
aquina dormia inocente dentro de seus trou na igreja ali ao lado. Deu-me a im­ tivelmente os músculos da face. Mas
olhos azuis; e o pecado de sua carne era pressão de ter um negócio rápido a tratar tinha os olhos abertos — e quando sentiu
perdoado por uma luminescência mansa com Deus — talvez uma conta a cobrar." a minha sombra, ergueu-os um pouco.
que se filtrava nas cortinas antigas. Havia — "Começam a chegar a Paris os primei­ Nos seus olhos não vi essa expressão de
um tom de opala. Adormeci." Outra ros peregrinos brasileiros do Ano Santo, cachorro batido dos estropiados, nem
amostra: "Os ombros são subitamente que, depois de receberem grandes in­ essa luz de dor e raiva dos homens co­
fortes, para suster os braços longos; mas dulgências papais em Roma, vêm gastá- lhidos no calor do combate, nem essa
os seios são pequenos, e o corpo esgalgo las um pouco por aqui." impotência dolorosa de tantos feridos,
foge para a cintura breve; logo as ancas O inimitável Braga, dizia Bandeira, "pa­ ou o desespero dos que acham que vão
readquirem o direito de ser graves, e as recendo não prestar atenção a nada, não morrer. Ela me olhou quietamente. A dor
coxas são longas, as pernas desse es- perde nada, anota nos escaninhos do seu contraía-lhe, num pequeno tremor, as
corço de corça, os tornozelos de raça, os subconsciente os mil detalhes da vida pálpebras, como se a luz lhe ferisse um
pés repetindo em outro ritmo a exata me­ enorme". A essa sabedoria bem filtrada, pouco os olhos. Ajeitei-lhe a manta sobre
lodia das mãos." em estilo de mestre da arte de conversar a cabeça, protegendo-a da luz, e ela vol­
O mar, que lambe a imaginação do po- por escrito, o próprio Braga chama de tou a me olhar daquele jeito quieto e
a desde a infância, quando jornadeou a humanismo de meio-fio. firme de menina correta."

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ESTADO DE MINAS
Gabarito Sexta-feira, 5 de julho de 1991 • 3

Rubem Braga

Um andarilho dos caminhos da liberdade EM


Cachoeiro do Itapemirim (ES) é musical para o jornal. Ligou-se mais,
uma cidade privilegiada, é berço de
um dos maiores cronistas da literatu­
■ -. ' m ..... porém, a Antônio de Alcântara Ma­
chado, o excelente contista da imigra­
ra brasileira de nosso tempo: Rubem .-ri
ção italiana em São Paulo em Brás, Be­
Braga. Nascido em 12-01-1913, filho :?• • p.
xiga e Barrafunda (destaque para o
de Francisco Carvalho Braga e de Ra­ conto “Gaetaninho”, antológico),
chel Coelho Braga, foi um andarilho com quem foi para o Rio, em 1935,
por estes brasis e por este mundo, qua­ para trabalhar no “Diário da Noi­
se pode-se dizer um cosmopolita. Em­ te”, o que acabou não acontecen­
punhando a pena, pregou a liberdade do por causa da morte prematura
e lutou tenazmente por ela. Em crô­ . ' . do contista no início daquele ano.
nicas sutis e originais, criticou e com­ Aí, passou a escrever, durante al­
bateu toda e qualquer forma de opres­ ... gum tempo, uma crônica diária pa­
•» Òj V•
são, o que lhe rendeu perseguições e ra “O Jornal”, transferindo-se, em
prisões em diversas e diferentes oca­ :: t
seguida, para Recife, onde assumiu
siões. Já alfabetizado em casa, o filho a última página do “Diário de Per­
SALA DE
do primeiro prefeito municipal de Ca­
choeiro matriculou-se na escola no se­ a-, a * LEITURA
nambuco”, a crônica policial, que
ele inovou, publicando, depois de
gundo ano primário. Chamava-se sua W-- ferr—’ mais de cem anos de conservadoris­
primeira escola “Centro Operário e de mo daquele órgão, pela primeira vez
Proteção Mútua”, que ficava em frente ••.*• A ar •0k; uma notícia de suicídio. Por incompa­
de sua casa, passando, depois, para o tibilidade com Assis Chateaubriand,
“Ginásio Pedro Pallacios”, onde foi Ir •

fundador dos “Diários Associados”,
um aluno médio, preferindo, como era
natural da idade, praia e futebol aos
.
SsS) cria a “Folha do Povo” para defender
a Aliança Nacional Libertadora. Com
estudos. O fato explica (não sei se jus­ W o golpe comunista de 1935,' seu jornal

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tifica) uma reprovação no ginásio e ' .'-Y ;\Y- . •' ' ,
: é fechado, e ele se vê perseguido, ten­
dois exames de segunda época (hoje & do de esconder-se. Em 1936 estréia em
exames de recuperação), um em Ca­ livro com O Conde e o Passarinho, se­
choeiro e outro em Niterói, para on- L \ ' leção de crônicas publicadas em diver­
de foi a fim de concluir o Curso em •A.
sos jornais, livro que teve muito boa

m
1928. Concluído o ginásio, ingressou aceitação, a despeito de tempos não fa­
na Faculdade de Direito do Rio de Ja­
neiro, onde foi colega de Antônio Bal- J&iL. . voráveis no Pais. Nesse mesmo ano,
vem para Belo Horizonte, onde traba­
bino, posteriormente governador da •T« ■
■ V.. lha na “Folha de Minas” e se casa, vol­
Bahia. Do Rio, onde cursou os dois pri­ tando, em seguida, para o Rio.
meiros anos, veio para Belo Horizon­
te, aqui bacharelando-se em 1932. Os - Texto elaborado por Jairo Veloso Vargas,
quatro anos de Faculdade de Direito chefe do Departamento de Letras dó
Rubem Braga criticou e combateu toda e qualquer forma de opressão Instituto Newton Paiva
(deveria o curso durar cinco anos)
explicam-se pelos tempos agitados
por duas revoluções, as de 30 e 32. RUBEM BRAGA
Ainda acadêmico de Direito, aos Rubem
dezenove anos passou a publicar
Braga ftecado de Primavera '/fj

uma crônica diária no “Diário da


Tarde”, além de produzir reporta­ '
! CRÔNICAS DA .
gens para o mesmo jornal, inician­
ri® ~ Jp® GUERRA NA ITALIA

m
do, assim, a brilhante carreira de
l
jomalista/escritor que o acompanha ■>

ao longo de sua vida.


Cronista de guerra, fez a cober­
\
JWàfflir i

tura da Revolução Constitucionalis-


ta para os “Diários Associados”,
BB \
f

tendo ido para a “frente do Túnel”


e, depois, para a “linha de frente le­
ADOBE) à i
,
galista”, com autorização de Gus­ na
tavo Capanema, então secretário de
Segurança de Minas. Por suspeita
de espionagem, foi preso em Manacá
e enviado para Divinópolis, onde co­
Fragmentos do cotidiano
Vivendo de prisões e esconderijos du- Depois de muitos atropelos na vida, flagrantes do cotidiano, pedaços de sua
nheceu Benedito Valadares, então cen­ infância em Cachoeiro, recordações poé­
sor e chefe de Polícia das tropas de rante o Estado Novo de Getúlio, Rubem em 1944 foi mandado à Itália, como cor-
Braga (escondeu-se uma vez no sítio de respondente de guerra, pelo jornal “Diá- ticas da mocidade, fixação de um mo-,
operação na Mantiqueira, Otacílio Ne­ Carlos Lacerda) foi para São Paulo rio Carioca”. Nesse mesmo ano saiu seu mento ou de estados de espirito, pode (e
grão de Lima, comandante do Bata­
lhão de Engenharia do lado mineiro,
e Juscelino Kubitschek, médico da For­
ça Pública Mineira. Por seu desassombro como jornalista, atuação como jornalista na campanha CIDADE A ROÇA, CEM CRÔNICAS
Bacharel em Direito, não exerceu a chegaram a tal ponto as perseguições que ^ Itália o credenciou para novas e im- ESCOLHIDAS, AI DE TI, COPACABA-
advocacia, optando por continuar a ele se afastou da imprensa por quase um portantes missões internacionais, como HA, etc.
atividade jornalística. Assim, em ano. Retomando sua atividade-fim, fun- a cobertura da eleição de Perón na Ar- Rubem Braga passeou, eventualmen-
1933, tomou-se cronista e repórter do dou, com Samuel Wainer, o criador do Rentina, em 1946, e a da de Eisenhower, te, pelo conto e pela poesia, tendo parti-
jornal “Ultima Hora”, a revista mensal nos USA, em 1956. cipado da ANTOLÒGIA DE POETAS
“Diário de São Paulo”, onde conheceu “Diretrizes”, no Rio. Foi, depois, para ’ BISSEXTOS, de Manuel Bandeira. En-
Mário de Andrade, o grande autor de Porto Alegre, onde trabalhou nos jornais Sua atividade intelectual, crônicas de tre suas traduções, destaca-se a de TER-
Macunaíma e líder do Movimento Mo­ “Correio do Povo’ e “Folha da Tarde”, lirismo envolvente enfocando pequenos RA DOS HOMENS, de Saint-Exupéry.
dernista Brasileiro, que fazia crítica
RUBEM: "
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escrevería muito menos."
Chacrinha — Como vai, vai bem? jazz-band acadêmico em 35. Ti­ desde 36 ou 37, que eu aprendi fazer, é outra. Eu acredito que
Rubem — Não tão bem como nha Noel Nutels, o Fernando a sentir as coisas. Se a gente ninguém faz ninguém.
você. Mas é um prazer conhecê- Lobo... vai num cabaré, se a gente vai Rubem Isso é claro. Mas
lo pessoalmente. Porque êsse Chacrinha — Pois é, o Noel num dancing, se a gente vai nu- lançar em seu programa aju­
atraso todo? Nutels, o Pedro Malta. ma boate, acaba verificando que da, não é?
Chacrinha — Bem, foi só uma Rubem Eu morei em Per­ a música é a mesma. O que to­ Chacrinha — Vá lá que seja.
meia horinha. Eu quero lhe pe­ nambuco em 35. Morei com Lou- ca no Sacha’s e no Zum-Zum é Quem primeiro trouxe Van-
dir desculpas. Não se pode fa­ renço Barbosa, o Capiba. a mesma coisa que se toca no derlei Cardoso ao Rio de Ja­
zer esperar uma personalidade Chacrinha — Morou com o Ca­ cabaré Nôvo México. É tudo neiro fui eu. O Jerry Adriani
como Rubem Braga... piba, é? Êle é o maior compo­ igual. e o Jair Rodrigues também.
Rubem — Veio a pé ou veio de sitor do Norte. Sabe que êle é Rubem — Não é. No Le Bateau Quem botou o primeiro disco
trem? meu primo? toca diferente. Lá toca o ié-ié. No do Roberto Carlos para gravar
Chacrinha — Essa é boa. Eu não Rubem — Êle era funcionário Sacha’s, não. fui eu. Fui eu, é uma maneira
vim a pé, nem vim de trem. O do Banco do Brasil. Chacrinha — Mas, em tese, a reT de dizer — fui eu por acaso.
negócio é que foi uma dificul­ Chacrinha — E ainda é. E ga­ gra geral é que a música que to­ Num programa meu é que o
dade imensa para encontrar a nhou outra vez o carnaval dês- ca no Le Bateau daqui toca tam­ Jair Rodrigues lançou aquela
sua casa. te ano lá no Recife. Todo ano bém no Le Bateau de Campina música da mãozinha. Como é
Rubem — Como vai a Terezi- êle ganha o carnaval. Grande, que era?
nha? Rubem — Me lembro daquele Rubem — Ahn? Rubem — “Eu não estou fa­
Chacrinha — Êste teu aparta­ frevo de 1935: “pa-pa-papare...” Chacrinha — Eu fui passar o zendo nada, você também...”
mento de cobertura é uma Chacrinha — “Pare, olhe, es­ carnaval dêste ano em Per­ Chacrinha — Isto mesmo. Mas
autêntica maravilha. cute...” nambuco e o sucesso de Recife mudando de assunto — voce
Rubem — Você acha? Rubem — Isso mesmo. foi Ângela Maria com Juvenal escreve só o que gosta ou es­
Chacrinha — E como acho. Pa­ Chacrinha — Mas voltando ao e o Palhaço que Chora com creve para ganhar dinheiro?
lavra de Chacrinha que se po­ band. Quem o fundou foi o Car- Caubi Peixoto, independente da Rubem — As duas coisas. Para
de dizer que você mora perto nera, que depois saiu do grupo : música do Nélson Ferreira e do dizer a verdade, escrevo, prin­
do céu. Mora no céu mesmo. com o Pedro Malta; e eu, de­ Capiba. Outra opinião minha é cipalmente, para ganhar dinhei­
Que visão esplêndida — o mar, pois de um certo tempo, entrei f a de que a música da juventude ro. Se não precisasse escre­
as ilhas, aquêles dois navios naquele bôlo,- depois de ter to­ i americana é a música caipira do ver para viver, escreveria a
cruzando ali pertinho. cado bateria no band acadêmico. americano. A música da nossa décima ou centésima parte do
Rubem — Mas tem a favela aqui Aquêle era o ano da Glória juventude é a nossa própria mú­ que escrevo. Você compreende,
atrás também. Jean, do Mickey Ronney, da : !

sica caipira. A melodia da ju­ quem escreve muito, faz mui­
Chacrinha — Deixe que eu con­ Judy Garland... Naquele tem­ ventude de hoje — pergunte a to bagulho. Quem vive disso
tinue a admirar êste mar tão po, o Carnera já fazia aquêles qualquer maestro — é a mesma tem de ser humilde. Sei que
verde como meus olhos nunca arranjos especiais para o band da embolada do Manèzinho muitas vêzes o leitor começa a
viram, nem se cansam de ver... tocar. Então, quando o band se Araújo. Só que mudou o jeito ler uma crônica minha e pára
Qual é o nome daquela ilha do encontrava com o outro, o aca­ de tocar. no meio dizendo ou pensando:
farol? dêmico, êste levava sempre Rubem — Pan-pan-pan... o Braga hoje está fraco... ou
Rubem —. É a Rasa. vantagem embora o jazz-band ti­ Chacrinha — Essa é a música do está chato. É normal. Em todo
Chacrinha — E essas outras ali vesse 40 figuras e o outro ape­ cego de Campina Grande. O cego caso espero que no dia seguin­
perto? nas doze. Acontece que o Car­ ! cantando é assim mesmo, Ru­ te ou na semana seguinte êle
Rubem — São as Cagarras., nera fazia arranjos especiais bem bem. volte a me ler. Afinal de con­
Chacrinha — Quer dizer que em ao gosto do público. Então o Rubem — Parece incrível. tas é do leitor que eu vivo...
contraste com êste cenário ma­ jazz-band tocava aquelas parti­ Chacrinha — Existem hoje dois Chacrinha — Você assiste tele­
ravilhoso você tem a miséria turas americanas de 35 páginas tipos de juventude. Uma juven­ visão, Rubem?
atrás. e o salão permanecia vazio. Mas tude encabeçada pelo Roberto Rubem — Bastante. Vejo fute­
Rubem — É, a favela do Canta- quando o band acadêmico to­ Carlos, e a outra, a juventude bol, vejo o Chacrinha, vejo tu­
galo. cava, o salão se enchia como por que tem como papas Simonal e do. Acho que a televisão dis-
' Ellis Regina. É música moderna. trai, mas. às vêzes enche um
Chacrinha Mesmo assim é milagre.
tudo impressionante. O mar de Rubem — E você era o bateris­ Entre êsses dois tipos estão os pouco, não é? Acho também
um lado, a favela do outro. É ta do band. outros, os que se agarram e que- qüe a televisão deve ter, ao la-
aqui que você escreve suas crô­ Chacrinha Tocava bateria, rem ir de qualquer maneira na do da parte recreativa, uma
nicas? maracaxá, tudo, enfim. Mas foi onda. parte educativa maior. Vejo sem-
Rubem — Não só escrevo, como êsse fato que me chamou a aten­ Rubem — Em sua opinião, qual pre os programas daquele rapaz
também leio, vejo televisão, as­ ção: o pequenino band vencia o é o melhor cantor nôvo, dêsses que faz uma parte educativa,
sisto ao seu programa. poderoso jazz-band graças ao que andam por aí? Confesso que como é que êle se chama, o Al-
Chacrinha — Você não assiste trabalho coordenado do Carnera, não sou muito entendido no as- fredão...
ao meu programa! Assiste? que escolhia com o máximo cui­ sunto. Chacrinha — O Alfredo Souto de
Rubem — Palavra de honra que dado seus arranjos para apre­ Chacrinha — É o Roberto Car- Almeida.
assisto. Não todos, é claro; às sentar ao público. Assim, tam­ los. Rubem — Êsse mesmo. Êle faz
vêzes mudo de estação. Como é bém procurei fazer o mesmo em Rubem — Você sabe de onde programas sobre arte, literatura,
que você aprendeu a saber do meus programas: escolher o me­ êle é? Da minha terra, Ca- etc. O Gilson Amado faz uma
que o público gosta? Você tem lhor para mostrar. cheiro do Itapemirim. Capixa- coisa estupenda com a Univer-
uma sensibilidade tôda especial. Rubem — Por isso, repito, é que ba de quatro costados. E é Bra- sidade do Ar. Vou lhe confessar
Chacrinha — Não tenho e vou você é tão visto e ouvido. ga- uma coisa: às vêzes assisto uma
explicar. Hoje eu tenho um pou­ Chacrinha — Não. Essa ques­ Chacrinha — Se é Braga é bom! aula de história natural ou de
co da audiência na televisão... tão de ter mais ou menos audiên­ Rubem — Só pode ser... matemática do comêço ao fim.
Rubem — Um pouco, quer dizer: cia, eu lhe confesso com tôda Chacrinha — Temos o Jerry Sou fã também da Glorinha, a
a maior audiência da televisão sinceridade, isso é coisa de Deus. Adriani que é muito bom tam­ Maria da Glória, da TV Tupi,
carioca. Você não acha isso uma Rubem — Você acha que Deus bém, o Vanderlei Cardoso. da Edna Savaget, da Norma
coisa fabulosa? assiste televisão? Mas em minha opinião, o mais Blum... Afinal, a televisão tem
Chacrinha — Deixa essa maior Chacrinha — Bem, Deus não as­ inteligente de todos êles é o muita gente boa. O diabo é a
audiência pra lá. O que eu que­ siste a televisão... Roberto Carlos, que além de parte do humorismo. Cada pia­
ro explicar é o seguinte: você me Rubem — Não precisa de apa­ cantor é um ótimo compositor. da de arrepiar! Dá pena ver um
fêz uma pergunta muito inte­ relho, não é? É, portanto, uma honra e gló­ rapaz de tanto talento como o
ressante. Eu não tenho essa sen­ Chacrinha — ... mas Deus aju­ ria para a sua Cachoeiro do Golias ter de fazer tanta por­
sibilidade a que você fêz men­ da a gente. Eu cheguei aqui no Itapemirim êle ter nascido lá. caria. Por falar nisso, gosto mui­
ção. Quando eu era estudante, Rio, em 39. Mas que diabo, só Rubem — Êta, Cachoeiro! Mas to daquele tipo da Carminha
lá em Recife, tomei parte no eu que estou falando! Você pre­ de todos êsses que você citou, Verônica, a grã-fina que orga­
band acadêmico... Foi exata­ cisa dizer alguma coisa também. quais os que você lançou no seu niza festas de caridade. Mas pa­
mente em 1937. Nessa época eu Rubem — Ora, você é quem fa­ programa? ra falar com franqueza, o bom
nem pensava que ainda iria exis­ la, eu estou entrevistando você. Chacrinha — Rubem, é o se­ mesmo da televisão é a gente
tir televisão no Brasil. E muito Afinal de contas, o jornalista guinte: dezenove nunca foi ver futebol em casa. Agora me
menos que a minha buzina iria aqui sou eu. vinte. Vou explicar. Há [duas diga uma coisa, essa música de
se tomar famosa... Chacrinha — Então o negócio é maneiras de se projetar um Roberto Carlos, de que tipo é?
Rubem Pois eu conheci o o seguinte. Foi dessa época, cantor: lançar é uma coisa; Não é samba, não é marcha...
32 . V
« UlIA dizer a verd.v liça, H. laia, nina .senhora gor­
» de, RubemV ila, que falava alto e que obri­ “Horrível é a solidão a dois” j

gava o afilhado rebelde à ceri­


— Deus me livre. mônia do beija*mão: E raro um fuzilado ser cor* choeiru. D. (V i .Martins. Pois i
* varde. Tá do frente. Sabe quo lá foi o Rubem estudar piano, *
Sou um homem — Eu fiz algumas coisas que
mais ou menos bem educado, não gostaria de fazer. Todo mun­ vai morrer mesmo. Então mor­ que os paia adiavam bonito, >
portanto nunca digo a verdade. do é obrigado. Mas também sem- re sendo herói. Gritando pala­ “nào sei o <iue deu neles”. Pa- •
Detesto que ma digam a ver­ pro tive uma resistência passiva vrão. Levantando os braços o garam ate adiantado, mas D. Ce- J
dade. e ativa muito grande às coisas. dizendo "Vive la France". (i sentiu la os seus pruridos do j
I Três driades brincavam de Aturar chato — eu sou vitima honestidade e devolveu até o úl-
I roda perto do pé-dc-pitanga de perseguições —, ir a lugar — E os oulros medos? O liuio centavo: V
I quando Rubem Braga pigarreou, que eu não quero ir. Não vou. medo da solidão, por exemplo. — Nào adianta ium. Esse
I bebeU um gole de uísque e co- Crio uma certa fama de estaba­ menino nào tem ouviao ne- ^\
1 meçou a falar. E, do repente, r.li nado, de mal-educado. É uma — Bem, eu vivo aqui sozi­ nhum.
I estava o Rubem Braga meio boa fama que se cria: "Mas, Ru­ nho. Eu e Deus. Eu comprei o Dai aconteceu que Rubem .
I moleque, deixando D. Ceei Mar- bem, fica feio." Pois deixa ficar. apartamento, pago o condomí­ Braga gosta de música como to- ,
I Uns quase doida coln a sua an- Não vou. Então dizem: "O Ru­ nio e Deus não deixa o prédio do mundo. Um pouco popular. -
I tlmusicalidade, seu desrespeito bem é assim mesmo." E eu con­ cair. Sinto uma certa solidão, Cm pouco erudito. Gosta de Gal, i
I pela sisudez das fusas e semi- sigo me isolar. Deixa falar que sim. Mas eu acho horrível é a Caetano, Gil, Chico, Tom Jobim:
I fusas: “Esse menino não distin- eu sou antipático, esquisito, solidão a dois. Estão os dois jun­
I gue um dó de um fá.” De rc- chato, bestalhão, metido a bes­ tos e. . . "Vamos sair?" Cada — Mas nao me amarro. P
I pente estava ali o Rubis sentin- ta. E muito bom. Dá uma tran­ cm tem vontade de sair só, en­ Agora, em pintora ninguém mo Jf.
I do modo das balas assoviando quilidade. Mas nào sou isolado- contrar outra pessoa. Ai dá engana. Tenho vocação para
I nos seus ouvidos, o medo das nista. Tenho curiosidade. Gosto aquele constrangimento. Uma gostar de pintura. Para ver qua-
I .minas de madeira no chão da de conhecer pessoas, andar nas melancolia sem fim. Isso não me dros. Eu ter'??T dado vrr»
Itália, o medo de sondar o des­ ruas. Não gosto é da sensação pega mais. Tenho horror da so- tico de pintura se tivesse esfru- ^
conhecido, o medo da solidão. lidão. Mas tenho muitos amigos, dado na hora certa. Gosto de ci-
de obrigatoriedade. Não gosto
De repente, estava o Rubis cn- que me balancem na rede. Gos­ graças a Deus. Gostaria que ain­ nema também. De violência ur- ^
carapitado nas arquibancadas to de me balançar sozinho, na ho­ da tivesse mais. E aí vai-se vi­ bana. Gangsters, mefraíhado- ^
do circo em Cachoeiro, olhando ra que bem entender. vendo. Todo homem gosta do ras. A Máfia. 3
C\j arregalado para Júlio Tempe- "Não tenho medo da morte muita mulher.
rani, o Homem-Bala. E, enquan- Tenho da dor. "0 resto é história Uma violência escondida '
Os to as driades cirandavam no Todo sujeito que morre fuzilado è conversa fiada. cm ltubem, que a placidez dos á
V terraço de Ipanema, Rubem morre bem." E literatura pós-fabricada." geslos não deixa notar. No prin- p
Braga juntou as peças de Ru- Lá se foi o Rubem Braga co­ cipio de todas as suas coisas, a
I (N hem Braga e montou a si mes- mo correspondente de guerra, Dos Sete Pecados Capitais, sua esscncia vital é o amor i
s mo, sendo menino e homem, pelo Diário Carioca, para o front o (pie Rubem Braga mais come­ constante e fiel ã Liberdade:
** criança e amante, intempestivo, na Itália. Tinha uma certa no­ teu com gosto foi a Luxaria, • •P
sensual, solitário, casmurro e lí­ ção do que ora aquilo, dos tem­ “evidentemente”. Nos seus olhos __ Essa minha Liberdado 6 -
rico. D tehio e meigo. E foi fa- pos da revolução paulista, “uma claros brinca um sátiro mole­ o que mais prezo no mundo*
^ lando de bêbados e chatos, “o Juta brava”. Topou. Foi: que, meio maroto: Contribuiu eu não ter nunca
* mundo anda cheio de chatos”, — Guerra é coisa triste. E acreditado nessas coisas da re- ^
— Mulher pra mim é a que licião. Quando eu era pequeno,
y de céu e inferno, de amor e li- monótona. Brincadeira de ho­
Deus dá. Quando é Deus que dá,
herdade, de literatura e guer- mem. Só tem homem na guer­ queria saber de brincar, <te su- >I
claro. Que nem sempre é Deus. bir em árvore, soltar pipa. a fu- <3
^ ra, de vida, morte e dor. En- ra. O que se sente lá é medo.
Eu sofri muito por causa de
» quanto as driades brincavam de Um medo real. Nào o medo da do isso que criança faz. Nunca u
amor. Ih! Demais. Sou muito me preocupei com o inferno. E
j* esconder entre as pitangas, Ru­ artilharia pesada, aquele baru-
J bem Braga fez de uma conver­ Ihào. Aquilo é um medo geral,
burro. Muito bobo. Muito infan­
til. Padeci como um cão. Hoje
uma noçao horrível, a do snfer*» ■. »
sa á toa uma “aventura de tal em que todo mundo está mais
estou mais velho. E a idade é no. O infinito. Do purgatório vo- .
modo inconsequente, que Joa­ ou menos envolvido. Agora,
fogo. Nao tenho mais coragem cò ainda se safa. Do inferno não* -
$ na, a touca de Espanha, rainha quando você sente que estão ati­
agora. Tive poucas mulheres. Acho uma grande coisa a pes* •
e falsa demente, veio a ser con- rando em você, numa mudança
Mas, graças a Deus, alguma
traparente da nora que nunca de posição. . . e você ouve a ba­ soa nao ter educação religiosa.
maravilhosas. Gostaria de ter ti­ Excelente. Sem conceito do pe­
tive.” la assoviando no seu ouvido.
do muitas mais. A verdade é es­
"Escrever, pra mim, Aquele "ssst. . ." É uma coisa. cado.
foi como dormir com a esposa. sa. O resto é bobagem.
É até gentil o barulho da bala.
A gente acaba achando gostoso. Aí dá medo. E o medo é uma
Rubem Braga. Apaixonado Saltando da sua infância t
Mas é uma obrigação." coisa que desgasta você. Enve­ sem heróis, “nunca tive herói*
Faz dois anos, ou um pou­ lhece. Cansa. Cinco minutos de
Vivendo a vida no que tinha de
mais vibrante. Grandes vícios. Eu também não sou herói”, Ru­
co mais, que Rubem Braga lar­ medo te deixa com o corpo doí­
gou de escrever. As sobran- Grandes virtudes. Anjo e demo- bem faz presente de uma leni-
J celhas cerradas, um jeito de lo-
bo do mar, Rubem prefere ficar
do. E a desgraça é a do corres­
pondente de guerra. É um medo
gratuito. Ele podia não estar
nio convivendo nele de mãos da­
das, brincando de esconde-es­
1.rança. A família Temperani,
circense ' i gerações:
modorrando em casa, s’imba- a li. Podia estar mais recuado. conde. Das suas paixões, o jogo
lando na rede, tomando ba­ Podia estar do outro lado. En­ não foi a mais inexpressiva: — Eu tive uma emoção
nhos de mar, ou simplesmente tão é um desamparado. E isso muito grande, há milhões do
andando nas ruas, esbarrando é chato. — 0 dinheiro do jogo é o anos. Uma vez, aqui no Rio,
nas pessoas que passam ao sol Um dia Rubem resolveu dar mais delicioso do mundo. Aht num feri o baldio dá Júlio do
X de Ipanema: uma espiada nos soldados ale­ Nao há nada melhor que ganhar Castilho, acampou um circo.
— Nesses dois anos nào es­ mães mortos. Ele e um amigo um dinheirinho na roleta. Por­
creví uma única linha. Nada. chofer. Foram indo pelo campo. Uma solteirona histórica recla­
Deve ter enchido o saco es­ De repente olhou em volta, re­ que é o dinheiro que Deus dá mou. Ai o pessoal do circo rno
crever longamente, por obriga- conheceu e tremeu. Terreno mi­ pra você. Não é suor do rosto pediu pra ajudar. Escreví uma
-JJ çào que, agora que não sou obri- nado: de ninguém. Dinheiro de Deus. crônica e nos saímos vitoriosos. .
^ gado, não escrevo. Na verdade, Minha Nossa Senhora. Purinho. Você gasta aquilo com Fizeram uma homenagem espe­
eu nunca vivi a coisa literária. Eram as chamadas arranca-pé,
uma alegria, uma leveza d'a!ma. cial pra mim. Chego lá e vejo
J Sempre fiz jornalismo. Escrevia porque não eram feitas pra ma­
para sair publicado no dia se- tar, e sim oara pôr fora de com­ Tive uma fase da minha vida o nome de Júlio Temperani, o
? guinte. Escreví pra viver e vivi bate. Saí pisando por acaso. Isso em que eu era viciado em cam­ Homem-Bala. E ele fez um nú­
\
disso durante 30 anos. Mas lite­ é medo. Quando se está na guer­ pista, pavuna, carteado, jogo do mero fabuloso, que me saiu da
ratura nunca fiz. Fui como o ra, teu amigo é o chão. Num azar. Tive grandes prejuízos, mais remota infância. Eu tinha
marido que tem que dormir bombardeio, dá vontade de ca- grandes atrapalhadas. Perdi no seis anos. E lá estava o Júlio,
com a esposa. Pode estar achan­ vucar o chão e se enfiar oela
jogo o dinheiro conseguido a du­ ainda atlético, fazendo o mes­
do gostoso, mas é uma obriga­ terra a dentro. Mas, quando o
ção. Já que estamos aí, vamos chão é o teu inimigo, você está ras penas para o registro do mo número, de canhão e tudo.
fazer da melhor maneira possí­ contra a força da gravidade. E meu diploma. Até hoje nunca Depois uma meninazinha ma
vel. Agora estou querendo vol­ quer-se voar. E pisar sem ter foi registrado. Agora desisti. trouxe umas flores e eu me sen- -
tar a escrever. Quero viajar, ir peso. Só jogo uma vez ou outra. E na ti o próprio astronauta da im­
ao Norte antes que o turismo Medo: sentimento de inquie­ Loteria Esportiva. Mas modesta­ prensa brasileira. O Amigo Nú­
organizado estrague aquilo por tação, resultante da idéia de pe­ mente. Ainda espero ganhar em
lá. rigo real ou aparente. Apreen­ mero Um do Circo Brasileiro.
Sempre teve, o Rubem, são. Susto. Terror: breve.
urna resistência às coisas que — Não tenho medo da mor­ "Podem pôr um gatinho E Rubem Braga continuou
não gostava de fazer. Até hoje te. Tenho da dor. O medo da cm cima do piano e dizer falando, surpreendendo a geu
o anel de formatura, presente que c Debussy
morte é instintivo. A gente su­
que cu acredito."
te com seus raros mrrisos. mis*
do padrinho de crisma, deve prime mais ou menos por racio­ lurandvi sentimentos e lembran­
andar no estojo de veludo. Ru­ cínio. O medo do sofrimento,
Tinha uma solteirona em ças pela íiuúe a tora. Enquanto
bem não foi buscá-lo para não da dor, é que é horrível. Você
üc chatear com a madrinha pos- vê que todo fuzilado morre bem. i rente â casa de Rubem, em Ca- as driades cirandavam.
:t ! • -j::

5U3

Imagens da crônica
3
0 poder do Braga
Carlos Drummond de Andrade
RIO, !! - abai. 1 .irr^i-n,-^ nhum preço. E n liberdade con­
cinquonln bolbHk^h eit><íu<:W!£ es­ siste. de saída, em ver c sentir
voaçam cm /orno do embaixador por nossa própria conta.
Euboin l»rr>/ri. que prccisameme Passou-me o Braga, há tempos,
mssn data, cm 1913, nascia em a carta de uma admiradora sua
Cachooiro do ltnpcmirim. dc 23 anos, que Xortuitamenle mo
0 fofo dc serem amarelas não citava. Começa dizendo: "Por que
as (orna monos festivas. Antes eseolhi a madrugada para lhe
de tudo, são borboletas, que já escrever?" E explica: Não foi es­
praticavam o balé antes que essa colha, foi vontade. Padecia dessa
arte lasse aprendida pelos huma­ vontade há muitos meses, quando
nos. o lembram ao nosso diploma- num acesso de solidão leu suas
a graça da vida. crônicas e ficou profundamente
Aliás, o Braga nem carece ser tocada. “Lia ora num ônibus api­
lembrado. Elo sabe. Oculto por nhado. ora num banco da praça
' rés do seu indiferente e às vezes da República, ou em pé nas in­
antipático semblante, há um Jar­ termináveis filas paulistas; e nes­
dim de afetos e JntelecçOes. que ses momentos mo ilhava de tudo.
lorne bom o simples o alo de com esse consolo, essa alegria".
viver. Pu a estética nos conduz a E a moça pergunta ao Braga:
observar o pó dc milho, nascido "Não sabe que suas palavras fo­
contra a lei, em plena cidade. E ram terapêutica infalível? Você
esse pé de milho nos dá força e ao menos calcula o poder que
esperança, alem dc mostrar que tem?" Ela não lhe pede nada, .só
a poesia não está só nas gliíinlas. quer agradecer: o nem assina s
enrfn. Se a assinasse, poderio, su­
1 onge mora o homem, porem por-se que desejava manter um
muitos aqui o tèm presente, na romance mais ou menos posta!
U-itura fiel dc seus escritos, c re­ imenos) com o escritor famoso.
clamam ciuando cie os faz dema- Nada disso: era mesmo para agra­
•' do curtos ou raras. Porque o decer "com a maior humildade na
1Ra prefere seguir a borboleta alma".
;/ui pela rua c contá-la. Sua Todo o sujeito que escreve para
qualidade maior vem mesmo, cm Jornal recebe frequentemente car­
' p. rtr. dai. O que ele nos conta tas de louvaçâo, de xingamento,
r o seu dia, o seu expediente de do amor e outras, assinadas, com
homem, apanhado no essencial, pseudônimo ou som qualquer as­
narrativa direta c econômica. sinatura, e considera isso de ofí­
Sua novidade perene está nessa cio. Esta de que falei, entretanto,
adesão no vivo. sob aparência de ,me chamou r. atenção pola per­
soulio e alienação. É o poeta do gunta grave e torna: "Você ao
r-í-.l, do palpável, que se vai di­ menos calcula o poder que tem?”.
luindo cm cisma. Dá o sentimento Aí está a maior homenagem que,
da realidade e o remédio para a meu ver, se poderia prestar a
Ha. Qualquer um pode ser livre, Rubem Braga, tanto mais quanto,
desde que saiba construir sua li­ como se sabe, esse poder não é
berdade e não a venda por ne­ temporal.
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Rubem Braga: os 65 anos e DE ESTU1

as 200 melhores crônicas NA


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NINGUÉM MELHOR DO QUE ELE FALA DE UMA
ARVORE, DE UMA BORBOLETA, DE UMA MULHER
ALEMANK
OU DE UMA SAUDADE.

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Rubem Braga

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O elogio é do poeta O professor e escritor


Carlos Drummond de An- Antônio Houaiss e o poe-
drade e "ele” é o cronista ta Drumraon — "fãs in-
Rubem Braga que, neste condicionais” do cronista
més de janeiro, fez 65 — falaram sobre ele- no
anos de Idade, sem come- dia do seu aniversário —
morações nem reverên- 12 de janeiro. Houaiss:
cias. Aos seus leitores, "Tem-se ressaltado o
não deu entrevistas nem fato de que Rubem Bra-
fez as habituais reavalia- ga é cronista dos maiores
ções da vida. Em compen- de nossa Ungua. Nossa
sação, permitiu que o lingua tem, entre brasilei-
amlgo Fernando Sabino ros e portugueses, para
reunisse suas melhores mais de 10 grandes cro-
crônicas, para lançar um nlstas >— vejam-se Ma-
novo livro — "200 Cròni- chado de Assis e Carlos
cas Escolhidas”, da Edito- Drummond de Andrade,
ra Record. Não aceitou Rubem Braga é mais do
homenagens e, para eví- que um grande cronista:
tá-las, tratou, rapidamen- é um homem de um estl-
te. de viajar para Recife, lo, de (uma clareza sem
onde pretende, passar o par e assuntos pensados
carnaval. com coragem e riqueza de
As confidências de sua informação. Rubem Bra-
vida reservou a si mes- ga é um grande mestre
mo o privilégio de revelá- da lingua e do pensamen-
las, através das crônicas, to.”
Por exemplo, confessou-se PHILCO POPCOLOk 17 •
“um pavoroso tlmldo” em De Drummond: Tecla-AFT, sintonia firia automática,
Sobre a Morte. Um homem .Elimina a necessidade de ajustes
simples em Os Jornais, "O velho Braga tem a . contínuos. Totalmente
onde criticava os jornais idade de suas crônicas,
"porque noticiam tudo, que são sempre novas. E transistorizado, circuitos integrados.
tudo, menos uma coisa o segredo dessa novidade Controle automático da côr,
tão banal de que ninguém permanente é o seguinte: desmagnetizaçao automática.
se lembra: a vida..De Rubem é simples, no meio 43 cm (17"). 110, 127 e 220 v.
sua casa, apenas alguns de tanta gente sofisticada,
detalhes: Rubem Braga Ele conta o que vê e o que '-'Gabinete compacto, dupla antena
mora num apartamento sente, sem mistificação, telescópica, alça retrátil.
de cobertura, em Ipane- Há nele um cidadão vlgi-
ma, no Rio, onde convive, lante que, sob r. aparên-
gostosamente, com laran- cia do tédio, quando acha
jelras. pés de romã, o ca- necessário, diz as verda-
navlal e os aipins que des valentes que ficam na
trouxe de Cachoelro de garganta dos outros. En?
Itapemlrlm, 6ua terra na- fim, o capitão Braga é
tal. uma parada.”

1
v.
S » III
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ARTIGO DE CAPA
uma procuradoria da Caixa Econômica
de São Paulo, resistiu à procuradoria e
à respeitabilidade da advocacia, prefe­
rindo continuar um poeta em passeio

0 BÜLGARO DO CACHOEIRO pelo mundo sem encaminhar petições.


O emprego no Estado de Minas
durou uma namorada, uma amante e
uma briga com o gerente. Quando êste
o botou na rua, Braga tomou o noturno
para São Paulo com duzentos mil réis
No sábado passado, no Super-Shopping Center de Copacabana, a Editora do Autor no bolso e duas malas.
lançou o seu primeiro livro: "Furacão sobre Cuba" - série de reportagens que Sartre es­ Desembarcou sem conhecer a
creveu para o "Paris Soir". Trata-se de um lançamento relâmpago: a traduçao e a revi­ cidade e sem emprego. A derrota na
são do texto foram completadas em seis dias, graças a uma equipe de escritores e jorna­ revolução estava ainda amarga na alma
listas convocada às pressas. O editor Borsoi suspendeu todos os trabalhos em andamento dos paulistas. Todo sujeito que vinha
e imprimiu o livro a jato, a fim de que Sartre pudesse comparecer ao lançamento. O autor do Norte — e Minas era também Norte
abriu mão de seus direitos, a fim de ajudar a nova editora, que nasceu de uma idéia de — ohegava como invasor em terra con­
Rubem Braga e Fernando Sabino, associados a Walter Acosta. O intuito da editora é per­ quistada. Indicaram a Rubem uma
mitir que os autores se editem por conta própria. Entre os seus próximos lançamentos fi­ pensão barata, de um casal de consti-
guram: "Antologia Poética", de Vinicius de Moraes; "O Cego de Ipanema", de Paulo Mendes tucionalistas ferrenhos. Lá, o "nortista”
Campos; "O Homem Nu", de Fernando Sabino; e "Ai de Ti Copacabana!", de Rubem Braga. não tinha vez. Pedia manteiga, não ti­
O velho Braga chega assim à condição de editor com aquela sua carranca de sempre nha. Ovos estrelados, também não. Não
e o mesmo jeitão largado de quem não conheceu outra profissão na vida senão escrever
adiantava reclamar ainda que a man­
teiga e os ovos aparecessem para o vi­ Com Mascarenhas de Moraes e Raul Brandão, em 1944, antes de a feb partir
crônicas. Quando se fala em crônica, no Brasil, a memória de tôda gente evoca, instinti-
vamente, alguma coisa triste, alegre, passional ou poética que êle escreveu. E sua própria zinho do lado. O vizinho era um pau­
lista e estivera até no front .do Túnel bem atravessava a fase do jovem co­ Exército das índias: José Tavares de
vida é um livro de crônicas. Como o Braga não possui tendências autobiográficas, VISÃO munista escarlate e achava os grã-finos Miranda.
resolveu contar um pouco de suas andanças e de sua carreira. da Mantiqueira. Tinha direitos. O nor­
tista, só deveres, como o de pagar a muito chatos, embora fôsse de opinião * *
conta em dia. que bonita mesmo era grã-fina, de São O Rio de Janeiro de 1935 não
Rubem Braga saiu catando em­ Paulo ou de qualquer lugar, ponto de era ancoradouro seguro para um jovem
Era um grupo internacional que cando com seu ami­ vista que até hoje cultiva. Nas festas intelectual com inclinações comunistas.
go José Carlos Lap- prego pelas redações dos jornais. Foi
se reunira no Deux Magots, Boulevard aos Diários Associados falar com Cha- paulistas Rubem tomou o gôsto pelo E quase todos os jovens intelectuais,
Saint Germain, em meados de 1948. A port. O peixe mor­
deu firme e pulou teaubriand. uísque escocês e pelo champanha fran­ nessa época, tinham inclinações comu­
moça loura dizia ser sueca, outra era cês. Do uísque é freguês até hoje.
italiana, várias francesas. Viraram-se fora da água. Era "Olha, meu filho, na redação não nistas. Os que não fugiram do Rio fo­
enorme, de mais de tem vaga não. Se você quiser, tem um Champanha, como cerveja, bebe de vez ram presos. Rubem, avisado de que a
para o sujeito de bigodes pretos, que
desconfiavam ser búlgaro, e pergunta­ vinte quilos. Rubem lugar na revisão,” disse-lhe Chateau- em quando, mas só um copo. Dessa revolução, puramente militar, ia estou­
passou hora e meia briand. época festeira, lembra de um baile on­ rar, andou escondido uns dias e depois
ram de onde era. de havia um bar imenso, redondo, com
“Je suis de Cachoeiro de Itape- lutando, sangrando “Eu sou redator, não quero tra­ fugiu para uma fazenda em Minas. Os
mirim,” respondeu Rubem Braga, com a mão, suando de­ balho de revisão, não senhor,” respon­ bebidas de tôdas as partes do mundo. moradores de sua pensão, no Catete,
todo seu ardor bairrista. baixo do sol forte. deu o Braga, que sempre foi pobre Os convidados iam mudando de banco que não conseguiram escapulir a tem­
Cachoeiro de Itapemirim é a ter­ O ôlho-de-boi che­ soberbo. para uma viagem alcoólica à volta da po, foram transferidos para a Detenção
ra dos Braga, como qualquer pessoa gava perto do barco “Mas como é que você saiu do Terra. Rubem lembra-se do bar, mas e muitos acabaram na ilha Grande.
razoàvelmente bem informada tem e corria de novo. Estado de Minas?” não lembra se caiu no chão depois de A ditadura botou o Braga atrás
obrigação de saber. Foi lá que nasceu, Quando estava para “Briguei com o gerente.” deixar a Europa ou se já a caminho das grades quatro vêzes, mas nunca
há quarenta e tantos anos, em um ca­ ser finalmente em­ "Brigou com aquêle cretino? do Japão. por mais de quinze dias. Sua guerra
sarão grande rodeado de gaiolas de barcado, o mar Aquilo é uma bêsta. Fêz muito bem!” São Paulo, Rio, Recife, Porto particular contra Getúlio Vargas durou
passarinhos, perto do rio. O pai era ta­ ameaçou jogar a Chatô já estava para arrumar Alegre, Santiago do Chile, Roma, Paris vinte anos e só acabou com o 24 de
belião e tinha um bando de filhos. No lancha nas pedras. uma vaga de qualquer maneira para — por tôdas essas cidades o velho Bra­ agôsto de 1954. Getúlio gostava de es­
rio dava cascudo, lambari, canoa e ba­ Lapport deu partida aquêle cachoeirense que brigara com ga já andou e viveu. No Recife largou critores, mas Rubem não queria saber
nhos às escondidas. Os vizinhos tinham no motor e a hélice seu gerente de Belo Horizonte, quando um lugar importante no Diário de Per­ de histórias. Era ditador, pau nêle.
árvores de fruta que a molecada assal­ cortou a linha. lhe vieram dizer que um dos redato­ nambuco para ser redator-chefe da Quando havia um período de imprensa
tava de noite. A culpa era sempre dos O nobre nome res pedira demissão. Rubem ficou com Folha do Povo, jomalzinho comunista livre, de censura mais liberal, o Braga
sanhaços. dos Braga não ficou o lugar. que vendia muito mais quando êle es­ se aproveitava. Com o Govêrno Café
O gôsto pelas frutas e pelas pes­ gravado na tabela Ganhando o emprêgo, Rubem crevia crônicas. Além de crônicas, Ru­ Filho experimentou a carreira de fun­
carias ficou até hoje. Rubem devora internacional de re­ mudou-se da pensão e vingou-se dos bem escrevia quase tudo: futebol, ma­ cionário público, como ohefe do Escri­
cachos de banana ouro, no verão re­ cordes de pesca, maus tratos. Deixou a conta por pagar. nifestos políticos, conselhos culinários tório Comercial do Brasil no Chile.
cebe cajus do Nordeste que chupa to­ mas a história cor­ A gerente constitucionalista foi pro­ e só não fazia horóscopo porque con­ Durante sua temporada de burocrata,
mando cachaça, consome caixas de la­ reu de bôca em bo­ curá-lo no jornal, mas não conseguiu sultar os astros pelas páginas dos jor­ fêz três coisas: escandalizou o funcio­
ranja lôda semana e não pode ouvir di­ ca, o que talvez seja nada. Uma semana de casa e comida nais não estava ainda em moda. Era o nalismo dos escritórios comerciais tra­
zer que em Santa Luzia do Mato a até melhor, porque Em 1954 Rubem estreou como burocrata cruzando os Andes era até pouco para compensar tanto ■único funcionário pago da redação, que balhando muito, pegou uma grande
Dentro está dando pitanga e jabuticaba o tamanho do peixe desafôro e tanta recusa de manteiga e vivia ameaçada de fechar por falta de ternura pelo Chile e pagou várias dívi­
que arruma um jeito de ir para lá. aumenta cada vez que ela é contada. Estado de Minas, jornal da cadeia dos ovos estrelados. A conta está por pa­ dinheiro. Morava na pensão de Dona das históricas.
Em matéria de pescaria, topa tô­ * * Diários Associados. gar até hoje. Berta Nutels, mãe de Noel Nutels, hoje Nos seus quase 30 anos de im­
das, de rio ou de mar, em lancha grã- Rubem deixou Cachoeiro de Ita- O emprêgo no Estado de Minas Mas a passagem por São Paulo médico, fundador das Unidades Sani­ prensa, Rubem fêz a ronda das reda­
fina ou nas baleeiras do Marimbás. Só pemirim quando o bigode ainda era não tinha nada de sinecura. Rubem co­ não foi longa. Rubem tinha bicho car- tárias Aéreas, mas naquele tempo ape­
não pesca de mergulho, mas é por falta uma promessa de buço. Foi estudar em meçou escrevendo três reportagens por ções dos principais jornais do Brasil. Já
pinteiro no corpo. São Paulo não tinha nas dançarino da Jazz Band Acadêmi­ ■trabalhou em quase todos e mantém
de fôlego e não por falta de vontade. Vitória e começou sua vida de vira- dia e ainda ajudava a corrigir matérias. mar, não servia para um filho de Ie- ca, de Pernambuco. Um dos mais assí­
No verão passado, estêve perto de ba­ mundo. Mil novecentos e trinta e dois, Acabou bacharel de terceira mas cro­ ainda sua coluna no O Globo, na Fôlha
manjá. -E além disso Chateaubriand duos colaboradores da Fôlha do Povo de S. Paulo, no Correio do Povo, de
ter o recorde mundial de pesca de ano da revolução paulista, foi encontrá- nista de primeira, tendo começado am­ estava querendo transformá-lo em cro- era um pernambucano magro, linha
ôlho-de-boi com linha fina. Estava ao lo em Belo Horizonte, estudante de Di­ bas as carreiras em terra mineira. Ape­ nista social. Levava-o a tôdas as festas, Pôrto Alegre, e em um punhado de ou­
justa, que depois virou paulista e dei­ tros jornais espalhados pelo país. Êle
largo de Búzios, em Gabo Frio, curri- reito e candidato a um emprêgo no sar de uma vez ter recebido oferta de apresentava-o a todos os grã-finos. Ru- xou crescer bigodes de ex-coronel do se julga um velho mágico, com sua
20 VISÃO, 23 DE SETEMBRO DE 1960 VISÃO, 23 DE SETEMBRO DE 1960
21

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Correio da Manhã, resolveram fazer
uma inspeção da retirada. Tomaram
namoravam as italianas. Levavam sô-
bre as outras tropas a vantagem de ar­
men-to de dois edifícios vizinhos, é
oheio de lembranças. Um pote de bar­
deiras ocupam o resto do espaço. En­
tremeadas com os volumes nas estan-
ba, que o Braga joga extremamente
mal, pois esquece de marcar as cartas
1 um jipe e saíram estrada a fora. Sem ranhar a língua da terra, o que lhes ro com pés de pimenta vermelha e dois tes, há lembranças de viagens: garra- e não acredita em comprar o bagaço
1 saber, ultrapassaram as linhas aliadas. permitia assomos de galanteria. Mas pés de orquídea são o amor das plan­ fas de licor de jenipapo compradas no para tirar o jôgo do adversário. Perde
I Ao voltar, deram de cara com uma co- de tôdas as proezas _galantes, a do Bra- tas e das flores. O caniço, o molinete, Convento da Lapa do Destêrro, em quase sempre, joga baratinho e chora
luna inimiga. Os alemães metralharam ga foi talvez a mais surpreendente: na- I alguns corricos, o velho chapéu de pa­ Salvador, um samburá do Recife, a có­ sistemàticamente.
J o jipe, que pulou da estrada e foi cair morou um tenente americano. Só que o lha e a japona azul-marinho que ga­ pia de uma estátua grega, comprada A vida intensa de Rubem Braga,
* dentro de uma vala à beira de um tri- tenente se chamava. Alice e era um pi- nhou de presente são o amor do mar, no Louvre. cronista-mor, é cheia de histórias. Não
f gal. Rubem, que estava no banco de téu de enfermeira, assim como o cheiro de maresia que O telefone tem um fio compri­ cabe em um artigo de revista, porque
trás, foi cuspido longe, desmaiou, mas * * * entra pela janela. Uma gaveta da cô­ do — é a ligação do Braga com o mun­ o Braga é um sujeito importante. Não
não sofreu nenhum ferimento grave. Minha alma é solteira, dis$e o moda guarda os retratos de amigos e do. De noitinha, êle vai ficando aflito, é que êle até nomeou um prefeito de
I Raul Brandão quebrou a bacia e até Braga em uma crônica. E apesar dêsse amadas. Sôbre o armário, há duas es­ olhando o telefone, esperando o con­ São Paulo? Só que não era de São Pau­
hoje tem no andar a marca de seu en- celibato e da cara de poucos amigos culturas em gêsso, cabeças de mulher. vite de algum amigo ou a voz de al­ lo, Brasil, quase quatro milhões de
a contro com as tropas nazistas. Êle con- (cara de búlgaro, como se descobriu As paredes não têm mais lugar para os guma moça combinando o jantar. A te­ habitantes. Foi de São Paulo D'Enza,
ta que, para animá-lo, Rubem dizia: em Paris), o coração feminino trata bem quadros. O Braga ama também a pin­ levisão serve para ver futebol e sofrer na Itália. Ali chegando como o primei­
“Mas, seu Raul, nós quase que avaca- o velho Braga. Talvez porque êle ama tura; é uma espécie de crítico não ofi­ com o Flamengo. E também para sa­ ro oficial aliado, depois de aclamado
lhamos esta guerra.” generosamente e amor chama amor. O cial de artes plásticas. Caribé pintou ber o que dizem os políticos. Fim de pelo povo, beijado pelas ragazzas, re­
Mas nem tudo na guerra era tiro Braga é dado a paixões, não só pelas seu pequeno bar com bichos, demô­ semana é feito para ser passado fora cebeu uma intimação: dar posse ao
e morte. Na retaguarda, em Roma, ha- mulheres como pelas coisas. Seu apar- nios e baianas. Dorival Caymmi numa do Rio, pois a praia aos domingos fica síndaco. Fêz o que lhe pediam, em­
via um quarto de hotel de luxo para o tamento de Ipanema, uma água-furta- tarde de domingo fêz um retrato seu, cheia de gente, de jogadores de peteca bora hoje não saiba o que é feito do
. Capitão Braga. Em Roma, os brasilei- da de quarto e sala, cuja vista para o com pinheiros e o mar ao fundo. Os e de raqueta. Fim de semana é para homem, nem da cidade. Foi sua expe­
tos bebiam o vinho da Wehrmacht e mar está sendo roubada pelo cresci- livros, um sofá, uma mesa e três ca- pescaria ou fazenda, e para jogar biri- riência de político e de ditador.

vêzes, como já notei em um circo, êle )


dê a paca?” Foi Deus que fêz o domin- gode, a cujo braço acabou-se agarran- Somos gente da terra, sem nenhuma
costuma abanar com uma graça in­ evasão nem mistério. Conversamos. Eu
Faáas do Braga fantil.
go, foi o brasileiro que armou a rêde
debaixo da mangueira e foi o Diabo
do. Não era o meu braço aue ela
apertara, mas um braço de homem, conto histórias do mar, como se fôsse
Terminadas as minhas observa­ que inventou a paca. ser de misteriosos atributos de fôrça um velho pescador. Ela me interrompe
Fernando Sabino confia em sua editora O gastrônomo: Acima de tudo, ções, voltei-me para a professora e dis­ e proteção.’ para contar uma coisa — uma coisa ter­
pairava o divino lombo de porco com se convictamente: i O carnavalesco: “Implorar / rena, acontecida na terra, dentro de
mala já gasta e os truques quase todos tutu de feijão. O lombo era macio e tão “No, it*s notr < Só a Deus / Mesmo assim às vêzes não O sentimental: Linda como a uma casa na terra, com lâmpada elétri­
conhecidos, indo de circo para circo. suave que todos imaginamos que o seu Ela soltou um pequeno suspiro, sou atendido / Eu amei...” areia que a onda ondeou. Saíra grande! ca, onde os homens se atormentam. E
Foi o que disse em sua primeira crô­ primitivo dono devia ser um porco ex­ satisfeita: a demora de minha resposta £ um profundo samba orfeônico Na adolescência me torturaria; mas sou eu ouço, me interesso. Desci a vela.
nica no O Globo, quando para lá vol­ tremamente gentil, expoente da mais a havia deixado apreensiva. .. para as amplas massas. As amplas mas- um homem maduro. Ainda assim às vê- Vou remando, remando tão bêstamente
tou, há um ano. fina flor de espiritualidade suína. O sas imploram. As implorações não se- zes é como um bando de sanhaços bi- como se os músculos de quem rema
❖ * 'r tutu era um tutu honesto, forte, pode­ O meteorologista: Vieram al­ rão atendidas. As amplas massas ama- cando os cajus de meu cajueiro; um não tivessem alma, como se a água
Quando a guerra estourou e o roso e saudável. (...) E do prato in­ guns amigos. Um trouxe bebida, outros ram. As amplas massas hoje estão arre- cardume de peixes dourados avançan- rompida pelo remo não tivesse mús­
Brasil tomou posição, Rubem estava no teiro, onde havia um ameno jôgo de trouxeram bôca. Um trouxe cigarros, pendidas. Mas amanhã outra vez as do, saltando ao sol, na piracema; um culos e alma, como se eu jamais tivesse
Diário Carioca. Precisavam de um cor­ côres cuja nota mais viva era o verde outro apenas seu pulmão. Um de itou- amplas massas amarão... As amplas bambual com sombra fria, onde ouvi sentido pulsar, nas minhas veias rolan­
respondente no front, junto à feb. De­ molhado da couve — do prato inteiro, se na rêde, e outro telefonava. E Joa- massas agora batucam... Tudo avan­ silvo de cobras, e eu quisera tanto dor­ do ondas, a vertigem calma do mar...
pois de marchas e contramarchas com que fumegava suavemente, subia para quina, de mão no queixo, olhando o ça batucando. mir. Tanto dormir! Preciso de um sos-
o dip, o Braga acabou embarcando em a nossa alma um encanto abençoado céu, era quem mais fazia: fazia olhos sêgo de beira de rio, com remanso, com
um comboio que caranguejava pelo de coisas simples e boas. azuis. O panfletário: Aos operários cigarras. Mas você é como se houvesse
Atlântico, rumo à Itália. Era o encanto de Minas. Já do Observatório me haviam da construção civil: Companheiros — demasiadas cigarras cantando numa
A viagem foi longa e a experiên­ telefonado: “Vento Leste, águas para que Deus e Vargas estejam convosco. pobre tarde de homem.
cia da guerra marcou fundo o homem O aluno: “Is this an elephant?" o sul, atenção, senhores cronistas dis­ A mim, ambos desamparam; mas o mo­
que contava, em seis vias de papel exi­ Minha tendência imediata foi tritais, o diretor avisa que Joaquina mento não é de queixas, e sim de O domingueiro: O êrro das pes­
gidas pela censura aliada, a vida dos responder que não; mas a gente não se hoje está fazendo olhos azuis.” luta... soas que saem à rua numa tarde de do- I
pracinhas na frente italiana. deve levar pelo primeiro impulso. Um Ouvi-me, pois, insensatos; ouvi- mingo é esperar que aconteça algo: do­
A guerra quase que lhe vale sete rápido olhar que lancei à professôra O geógrafo: Eu, 1003, me li­ f me a mim e não a essa infame e hor- mingo não é um acontecimento, é um
palmos de terra no/ cemitério de Pis- bastou para ver que ela falava com se­ mito a leste pelo 1005, a oeste pelo renda serra que a vós e a mim tanto estado dos sêres e das coisas... Hoje,
tóia. Duas vêzes, pelo menos, escapoú riedade, e tinha um ar de quem pro- * 1001, ao sul pelo oceano Atlântico, ao azucrina. Vamos para a praia. E se o é claro, não há o menor perigo. Os la-
pela tangente. Uma tarde, na Lombar- põe um grave problema. Em vista dis­ norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e proprietário vier, se o banqueiro vier, drões, como é sabido, não trabalham
dia, saltou do jipe e deu um passeio so, examinei com a maior atenção o ob­ embaixo pelo 903 — que é o senhor. 1 se o govêrno vier, e perguntar com fe- aos domingos. Uns porque são muito j
fora da estrada. Quando estava no jeto que ela me apresentava. Todos êsses números são comportados rocidade: “Estais loucos?,,, nós respon- religiosos, e guardam o preceito do Se- I
meio do campo, viu os fios e a tampa Não tinha nenhuma tromba visí­ e silenciosos; apenas eu e o oceano deremos: Não, senhores, não estamos nhor. Outros não sei porque; talvez I
de uma mina. Gelou. O campo era mi­ vel, de onde uma pessoa leviana po­ Atlântico fazemos algum ruído e fun­ loucos; estamos na praia jogando pe- porque os jornais, domingo, são muito
nado e qualquer passo em falso equi­ dería concluir às pressas que não se tra­ cionamos fora dos horários civis... teca- grandes e êles começam a ler os jor- ■
valería a comprar passagem direta para tava de um elefante. Mas se tirarmos a E êles recuarão, pálidos e con- nais, ficam com sono e dormem a sesta. f
i o outro mundo. Parou e procurou a tromba de um elefante, nem por isso O caçador: Então há uma grande trafevtos. Ê a casta volúpia dos domingos! I
marca de seus passos sôbre a relva. Fa­ deixa êle de ser um elefante; e mesmo discussão, era uma paca, eram duas pa-
zia frio mas êle suava como se estivesse que morra em consequência da brutal cas, mas ninguém viu paca; o moral da A âncora: ... O avião já estava O velho Braga e o mar: Uma
no verão carioca. Rubem diz que levou operação, continua a ser um elefante; história é que havia cachaça demais fazendo sua ronda dentro de um ne­ claridade pastosa, débil, vem lá do fun­
uma hora para chegar à estrada, en­ continua, pois um elefante morto é, em para caçar paca e então erramos o ca­ voeiro fechado. Procurei acalmar a se­ do sôbre o qual o seu corpo deitado se
charcado de suor e de mêdo. princípio, tão elefante como qualquer minho e acabaram os fósforos, volta­ nhora. (...) balança. E nós conversamos, animada-
A outra vez que driblou a morte outro. Refletindo nisso, lembrei-me de mos subindo o morro, paramos no mato Havia certamente pilôto e co-pi- mente, como se estivéssemos em um
\ lôto e também vários homens no avião.
foi durante a derrocada alemã. As tro­ averiguar se aquilo tinha quatro patas, sem saber onde está a camioneta, sim bonde, fôssemos a um cinema. Não es-
pas nazistas se retiravam em massa, quatro grossas patas, como costumam havia cachaça demais e gasolina de Mas eu era o homem ao lado, o homem tamos sozinhos, no mundo, em uma ca-
mas em colunas organizadas e armadas ter os elefantes. Não tinha. Tampouco menos, temos de voltar a pé, chegamos vistvel, próximo, que ela podia tocar. noa no meio do mar. A nossa vida não
de muita metralhadora. Rubem Braga consegui descobrir o pequeno rabo que de madrugada e as mulheres ainda rin­ E era nisso que ela confiava: nesse ser é apenas esta velha canoa, esta vela
e Raul Brandão, o correspondente do caracteriza o grande animal e que, às do de nós, perguntando: “Como é, ca- \ de casimira grossa, de gravata, de bi- encardida e pequena, êste remo úmido.
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22 VISÃO, 23 DE SETEMBRO DE 1960 VISÃO, 23 OE SETEMBRO DE 1960

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FAÜINA my
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Jorge AMADO
(Especial para FOLHA DE MINAS) I
Ha no Brasil actual,uma geração de • et que tem um bom livro dellas, “Mar-
romanclstas c uma geração de soclo- «•ha a ré”. Também Antonio de Alcan-
logos. E' inútil'repetir nomes já tão ‘ara Machado deixou inéditos dois
conhecidos: os romancistas Rachel d<* -olumes de chronlcas. Porem tanto
Queiroz, Amando Fontes, Erico Vc m como outro não foram cxclusiva-
rissimo, José Lins do Rego, Graci- oente chronistas e Scrgio Millct pic- '
liano Ramos, Oswaldo de Andrade, al­ jara agora mesmo dois romances.
guns outros, os sociologos GUbevíu Chronista mesmo é Rubem Bragp«
Freyre, Edison Carneiro, Arthur Ra­ ’2sse já' é da mais nova geração, não
mos, muita gente mais. Porem ao lad. fez o modernismo, veio depois delle.
destes romancistas c socioicgos vem B eu croio que sc pode dizer que Ru­
apparecendo uma tuima notável de bem Braga 6 o maior nome entro cs
chronistas. Uma turma rcaLnente ba­ chronistas do Brasil, juntando mesmo
tuta. os do passado, juntando tambem João
Ora, a chromca jã teve sua popula­ do Rio. Não havia surgido ainda en­
ridade no Brasil. Basta lembrar o sue- tre nos tão humano c vivo chronista,
ccsso de João do Rio, o maior dos chro cheio dc um dengue e uma ternura
que antes do seu surgimento eram
nistas de um passado que é recente.
Mas ha alguns annos a chronica es­ coisas desconhecidas na nossa litera­
tava abandonada, em melo ã poesia e tura. E’ um encanto lel-o., Recordo-ms
que mandei para uma revista argenti­
o conto que dominaram o movimento na (andava cu pelo Peru’, parece-me)
modernista. Ninguém 11a mais os chro­
nistas, esses comcgaranPa escassear c uma chronica sua. O successo segun­
do mc escreveram foi enorme e man­
morreram tristemente esqV.cc idos.
Hoje a chronica estárvoltando c do­ daram-me pedir outras para que fos­
minando. FazenQo publico, comcfçando de sem transcriptas. Dono dc um gran­
publico Rubem Braga tem nos da­
a pular das paginas-dos jornacs para
ai; paginas dos livros. Tendo editores. sas algumas
do das paginas mais fabulo­
da nossa jovem literatura.
Para lembrar o nome dos chronistas Mas, alem do nome consagrado de
de hoje, devemos evidentemente co­ Rubem Braga, outros estão surgindo
meçar pelo de Álvaro Moreyra, que com uma força que annuncia uma
sendo thcatrologo, poeta, memorial lst-a turma de chronistas como nunca ti­
c antes dc tudo chronista. Como chro- vemos.
nlsta ícz seu melhor publico c obteve Quero citar Sangirardi Junior, chrc-
seus maiores triumphos literários. Já nista dc radio paulista, quo c uma
sc disse que Álvaro Moreyra é toda gostosura.- Suas chronicas teem uma
uma escola literaria no Brasil, um graça c uma certa humanidade ‘que
homem que íoi imitadissimo c a quem quasi attingem á brutal força lyrica
ninguém conseguiu imitar bem. E isso de Rubem. E’ verdade que em Sangi-
c uma verdade. Ellc não pode ser op- rardi Junior temos principalmente uin
proximado dc ninguém cm- nenhuma crcador de ambientes. Tenho que seu
literatura. E’ Álvaro Moreyra, com um nome quando sc espalhar pelo paiz
geito todo seu c assim se collocou en­ será dos mais conhecidos c amades pe­
tre as mais altas íiguras intellcctuacs lo publico.
do paiz. O Rio Grande do Sul nos dá Rlva-
Entre os que fizeram modernismo davla dc Souza ,que ha pouco publi­
outro quo fez chronicas fòl Scrgio Mil- cou “Pé de Moleque”, um volume do
cxcellcntes chronicas. Este é vivo e
ogil, tem um vocabulário delicioso, é
uni verdadeiro cscriptor. • Fiquel en­
cantado com as suas primeiras coisas
que li cm jornal c esse' encantamento
continuou depois que li seu livro.
Uni menino veio dc Sergipe e an­
corou no “Dom Casmurro” no Rio de
l
Janeiro. Jocl Silveira é o seu nome o
muito moço. Alcm disso tem muito ta­
lento c do repente sc collocou entro
os nossos primeiros chronistas. Todos
que leem uma chronica sua ficam seus
leitores. De tedos é o mais proxnno
de Rubem Braga, não querendo isso di­
zer que não tenha personalidade. Quer
dizer apenas que é muito moço. O fu­
turo está deante delle e creio quc vJeel
Silveira está fadado a uma brilhante *
carreira lntellcctual. Hoje já ncin pa­
l rece aquclle menino que cm 1936 mo
foi visitar numa çidadezinha dc Ser­
gipe, autor dc uma má novclla. Ficou
litcrarinmentc adulto. E, com poucos
niezes de vida literaria, já tem o que
multo pouca gento possuo: publico.
Para que melhor prova do successo?
Acho que essa relação de nomes'dá
para mostrar quo a chronica volta a
occupar um logar na nossa literatura.
Se não dá para isso serve pelo me­
nos, leitor, para mostrar que diaria­
mente apparcccm novas e interessan­
tes figuras na nossa Jovem literatura.
' //
o 5<2 Òtc*. c^a (Ssujsyi^cgc^**) "* "0)4nOcOo
. ^ ”

OítlSCÍiZ* ^ /Vo’fctCtCi*t> '/& •■ 4* > 5~t>~ <g> relo da Manhã”, onde continua'
até hoje De uma nversa gran­

Q BRILHO ENXUTO diloquentemente cívica que êste


cronista mantém, na varanda do
Jóquei Clube,- com próceres da
política, nasce a Idéia do sema­
nário “Comício”, Imediatamente
f^oei Silveira apoiada por Rafael Correia de
Oliveira. Rubem Braga adere ao
plano, e logo os trés estão se-
manalmenle de pé pelo Brasil nas
VJAO sei ae fuf eu ou se foi <J> para São Paulo, já é glorioso em bancas de jornais. "O Comício"
Xi Paulo Mendes Campos, quem 35, em 36 está no Rio, como pen- se aguenta seis meses, viaja por
cer*a vez chamou Rubem sionista das pensões do Catete, mares procelosos, é atingido mor­
Braga de “o sabiá da crônica". (numa delas encontra o mestre talmente a bombordo pelo Im­
Recordo a definição, que é per- Gracillano Ramos, recém-saido da pacto de uma gerência airosa,
feita (deve ter sido do ?aulo), cadela), sofre prisões, é seguido vai a pique no 23? número —
ao reler “A Borboleta amarela", por “tiras” e atravessa todo o mas não antes do Braga pôr
agora à disposição do grande pú- Estado Novo sem rendiç&o, es* abaixo uma lenda que a ligeireza
bllco, numa bela edição da José crevendo aqui e all, em revistas nacional tecera a seu respeito: a
Olímpio, após uma "vemissage” e jornais. Está no “Diário Cario* de que não se podia contar com
cara, aberta a apenas quinhentos ea", em 44, quando é enviado à êle como “pé de boi" ou homem
privilegiados. Itália como Correspondente de de responsabilidade. Trabalhan­
« « ■
Guerra. O então coronel Lima do no “Comido” das sete da
Um sol agou'za e morre, em Figueiredo não quer que èle vá, manh& às sete da noite, Bragá
34, no Largo do Machado: Hum­ o general Dutra também não, provou suflcíentemente ser um
berto de Campo». Lágrimas . ’n- mas afinal dá-se um jeito e o o ovino responsável e cioso.
gum dos olhos dos seus admira­ Braga vai. Fica oito meses na • « •
dores. tôda. uma legião de sensi­ guerra, bate furioso.na “herraes Cronista, Rubem Braga diz
bilidade fácil que o maranhense baby” da vanguarda, bebe o co­ • exatamente o que a maioria de
empolga e domina com o seu nhaque falsificado da retaguar­ nós quer dizer e não- sabe; é de
martirológio literário. Mas já da,' piora da bronquite, vê de um equilíbrio de matar de in­
um sol novo vem nascendo, lá perto a tomada de Montese e a veja; e tem sempre, a propósito
para as bandas de Belo Horizon­ rendição da 148* Divisão Alemã de tude (desde um “show" do
te: Ru em Braga. Brara é o às tropas brasiletr* e, no pe- Casablanca ao último desatino do
ami-Humbei to de Campos por núltimo dia da guerra, vem pela ; govêrno) uma palavra justa e
tatureza: sincero, enxuto, som estrada num jipe, com Raul exata. Escrevo à máquina numa
iruques nem passes de mágica. Brandão (do “Correio da Ma­ velocidade sincopada e num jeito
Capichaba ("Sou. modéstia a nhã"). quando é alvejado pelos meio Irritado que lhe arranca
parte, de Cachoelro do Itapeml- alemães; o jipe capota, o Braga suspiros, fuma meio “caporal
rim"), o adolescente Braga mu- quebra um dedo e Brandão par­ douradinho" para cada frase, e
da-ro para Belo Horizonte, em te o fêmur. gosta de parar no meio da es­
32. e já na Revolução Constltu- De volta da Itália, o correspon­ critura para conversar fiado. A
cionaiista é repórter de um jor­ dente Braga reúne as crônicas sua maior Invenção: morar no
nal mineiro na frente de com­ num livro, “Com a FEB na Itá­ Leblon e trabalhar em casa, sem
bate. Trabalha no “Diário de lia", muda-se do "Diário Cario­ precisar lr à cidade. O seu maior
Minas", o “Associado" local, as­ ca" para o “Diário de Noticias", desespéro: amar e não ser ama­
sina as primeiras crônicas, vai transfere-se depois para o “Cor- do, o que raramente acontece.
c>rz> /fS- -. /)&£?*S 0% - (^ &0?á?aéLJ^ //rr>icmz&L J fyf^SS)

LUX Folha de Minas


belo horizonte i
JORNAL Minas Gerais
•:
“A BORBOLETA AMARE-
LA”
O-.
u-^ISgSWSSPaôÇO DE CRITICA
LUX ra” —• A crônica è Rubem
Braga vsão realidades que sef#
JORNAL A Noite completam. Poucas vezes, em
nossa l?*eratura, um escritor
se identificou tanto com o
A BORBOLETA AMARELA"
kb--ii7í/77‘Tõ
RIO DE JANEIRO
gênero» quanto neste caso.
Machado de Assis foi cronis­
ta modelar, porém maior ro­
E
mancista e contista.
Ao que sabemos, Rubem .
"VIAGEM"
Braga escreve crônicas há Qm Apesar de serem crônicas es-
_
de povos psicologicamente tao
quarto de século. Lembramo- Parsas, todas elas situam-se diferentes de nós.
nos dele. talvez no “Diário da em clima de unidade — uni- O outro aspecto do ltf*o
Tarde”, recem-formado, anun- da<3e resultante da maneira refere-se & política, ou mais
ciando o empenho do anel de de ser» do temperamento e propriamente, á ideologia co-
gráu e oferecendo o diploma das concepções do autor. Es- munista. O autor, indo, á
de bacharel a preço módico, tamos assinalando esta cir- Rússia, procurou prcmunlr-se I
Da mesma época era o "Gri- cunstancia nâo sô porque não contra a tendencia de encon- |
fo 7”, num de nossos matu- a surpreendemos no livro an- trar aH um Daraiso e, tam-
i Unos, seeçáo de crônioas que terior de Rubem Braga, “30 bem, contra a predisposição

Do/fto e dotnur u
ffAUIT
i
era lida com inegável prefe- Crônicas Escolhidas”, como
t rencia.' ainda por desconfiarmos de
No Rio, na Europa, por to- que o autor caminha para tor-
da parle, Rubem Braga e a nar-.se clássico no gênero —
crônica vôo vivendo as suas entendendo-se aqui por clás-
vidas de altos e baixos, pois slco o escritor que se toma
de só lá ver fracassos, dcsar-
ronjos. opressões e males so-
ciais,
E» verdade que, conhecida
sua posição ideológica.^ Grá­
ciliano Ramos não fugiu á
o gênero é ingrato, nâo se dono de si mesmo. apologia, á propensão para
; ::! PERSQN ALIDA DE . t ••hY ■ entrega todo. Um dia sai a
crônica «rxpr-ssiva, outro su« zer.
Nada mais será preciso di- justificar e defender o regi-
me soviético. Fê-lo, porém,
! y IMPRENSA f: SEMPRE UM BENERCI0; VONTADE DE SER PINTOR gestlva, mais outra dialética. fóra daquelas linhas de extre-
O melhor, ás vezes, lhe esca- “VIAGEM”, Gracilíano Ra.» mações, do pró e do contra,
í 1>VBEM BRAGA, natural de Cachociro do Itapcmirim (Es­ na; embora esteja vivo o as- mos. Livraria José Olímpio que se nâo revestem de eon-
pirito Santa), quarenta <? dois a nos, jornalista, cronis­ sunto no intimo do autor; de Editora — Há neste livro pós sistencia.
ta, escritor <0 Conde è o Passarinho- O - Morro do Isolo men­ outra feita» com um nada, ela tumo de Graclüano Ramos* Cai-se, assim, nesta parte
I' 9 to, Com a FEH va Itália, Um pó dc milho, 0 homem rouco.

mmm Cinquenta crônicas escolhidas, ctc.),

resplandece. dois aspectos fundamentais-
Nestc livro, Rubem Braga que se podem separar para e-
revela aspectos novos de sua feito de incidência da critica,
do livro, numa ordem de idé-
ias p sentimentos que refogem
ao problema especificamente
■m ' REPÓRTER — Acha nossa Imprensa, escandalosa? — RU-
H ..............
'/< ,
BEM — Acho que qualquer malefício que possa ser atribuído
ã imprensa c menor que o produzido pela falta de liberdade.
personalidade de oscritoT, nos Mesmo em se tratando de
momentos reiterados em que livro de viagem — estadas nà
literário,
A obra, muito bem reaM*»- ;
— 'lera alguma mania? — Gosto de pescar c caçar; mas a substitui o comentário pela Checoslováquia e Rubsís — o da, significa como que uma I

j
■ wmém Wm
caca c dificil e complicada. — Qual c seu ideal? — E’ uma
pergunta difícil: meti-me nessa história de escrever e agora
não há jeito. — Gostaria de fazer outra coisa? — Qncría ser
pintor. — Tem religião? — Nenhuma. — Acha que a Igreja
. c indispensável à civilização? — Já foi. Hoje. ela não é mais
confidencia. Uma grave e se- estilo do autor mantem a mes-
rena confidência, dc tranquila ma preocupação de rigor,
audiência da própria voz. Os circunspecção, clareza e pre-
mesmos fatos e acontecimen- cisão, que se encontra na sua
aventura do espirito no tem- |
po e no espaço. O homem da !
ficção levou para a viagem !
muito de seu espirito critico
IHI uma fòrca preponderante, sóbre a sociedade. — Qual a mulher tos se impregnam do pensa- obra de flcclonista. e observador, mas, se
feÉí mais bela que já viu? — Sei quem é, mas é melhor não mc.ver monto, do sentimento e do A narrativa é entrecortada conclusões nâo conferem ooxn
jgggíj nisso. Mulher dá raiva na gente. — Gosta de feyjorte? — Sou lirismo do autor. '' de discreto colorido e há sem- a realidade, flca-se com a taa-
Pp Flamengo. — Pratica esporte? — Estou velho. No tempo do O estilo, carregado de ✓ida, pre elegancla em sua maneira pressão de que o escritor, pe-
Ijjl moço jogucl volel. Hoje, levo meu corpo até â praia e é tudo. serve ao autor como se fos- peculiar de descrevr as «d- lo menos para com ele «nes­
— Quais os nossos melhores poetas vivos? — Manoel Bandei­ se um órgão, tal a afinidade sas e observar os homens* ao. foi honesto
ra e Carlos Drummond. —- E entre os mortos? — Castro Alves.
— E os melhores cronistas? — Elsle Lessa, Fernando Sablno. Henrique Pongettl, Raquel de existente entre o que pensa Verificam-se facilmente <» WiÜoxi Cesieio B*a«»co
,Queiroz, Antônio Maria, Paulo M. Campos, Carlos Drummond. Álvaro Moreyra e outros, que e expressa, dizendo tudo a- esforços e castigos a que se Remessa de Erro»;
n&o me lembro. — E o melhor repórter brasileiro? — Joel Silveira. ~ Que gostaria de fazer rnj Hirptamente, ali com submeteu o escritor, a fim de Rua Padre Marinho, —
na Imprensa? — Já tive vontade de dirigir “O Mundo Ilustrado”, com uma equipe dirigida j aiicçs ? suw.|õ?s, nrolá sem retratar ficimente paisagens, Santa Eflgênfa — Belo Horf-
por mhn; no momento, quero sosségo, em Santiago. —. Se pudesse viver outra. vida. quem
—*+ a» w? — Gostaria de viver nesta época, sendo filho da pai rico. í mesmo dizê-lo. costumes e mesmo sentimentos zonte-
(s/ÇÇS)
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?ra 0 CRONISTA
»*a- RUBEM BRAGA
"o
ilv
jto Rubèm Braga ó essenciaímeu-
ite
Ic um cronista de jornal. No
’0-
jornal há de tudo; desde o fa-
e to-diverso1 ao editorial e á re­
fe". portagem. Todos têm de ser uma
;.is. obra de arte ou então não há
tn- sornal:sTno. Porque, se nem to­
do o homem de letras ê jorna­
fo lista. o bom jornalista deve eer
o4 uri homem de letras.
i'^> A crônica ocupa um lugar sa­
(ÍH grado. no periodico. Isso de pas­
ro-^ sar. todos nós passamos. Isso de
ser efenierp. todos nós c somos.
laO A- sensação do efemero literário,
CCS- daqueles que talvez aspiraram,
uni dia,uma'grande duiaç.ão; e
passaram tambrm, cooio o ru-
c^V mor das azas dê um Inseto, nós
a tivemos, bem, ao passear ao
longo dos «bouquinistess do cáís
do Sena; e no ver pilhas e pi­
1 lhas de. livros, empoeirados « "
mofados. Todos passaram. Tive-
ram a dvraçã das ròsas de Ma- ¥
T

ue!^ lherbe. Carlyie não encontrou^


nos livros de Voltaire ur.i só peiOçY1-^
im
sarnento profundo. Que é isso. '
senão a sensação do efemero?
d3 Dentro do que c efemero — e
Foi ‘ nada dnrn neste mundo — Ru­
bem Braga é um grande cro­
nista de jornal. O ■'"ornai c o seu
çvi- cíima favorito. O dia-a-dia, tudo '•J
*itS o. que passa c o que acoiT^^a^
tece nele encontra o seu cronis-
fà: o incomparável, aquele quo
ninguém arrancará ao jornalis- -
mo, porque é do iornal que elo
vive; para o jornal c que ele es- x
creve.- princinalmente: c toda«i
aquelas grandes qualidades do
cronista, as possue; as que Mar­
V
1
* 2! rei Sç.lnvob acentua, no- seu
liei- «Tratado do jornalismos ou s«-
mos tanv uma fatura sugestiva *e sa­
ecl- borosa; conhecer o seu publico;
ics com mão da mestre traçar um t
'tos pequeno editoris1; ser, ao mes­ ♦
ode mo tem.eo. Inquietante e como* *
ma venie; fixar uma atitude; e ter
ria uma palavra de espirito: *o
en- mesmo, tempo a nota realista «
sss idealista: variar as ambiencias;
na- cobrir as atmosferas: rodear ©
sao" Insignificante quotidiano de um

é
TB tom. que ao longo das colunas
3 os capte; passar do epteo ao gra­
r!a- cioso — eis o que é Rubem Bra­
•no ga; e eis o que é o perfeito cro­
sa- nista de fòrnal; o que1 no jornal
•re fica, a despeito do livro; que,
de como tudo, é efemero e passa­
e geiro; carregado para dentro da
da noite eterna, sem ref.om‘o, da.
elegia dc Lamarfln?. — 7* /

*2*2., 3* 55"

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