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Aprendizagem significativa subversiva 1

Subversive meaningful learning


Marco Antonio Moreira
Doutor em PhD in Science Education Cornell University, C.
U. Estados Unidos. Coordenador do Curso de Pós-gradua-
ção do Instituto de Física da UFRGS.
e-mail: moreira@if.ufrgs.br

We can, after all, learn only in relation to what we already know. Again, contrary to common
misconceptions, this means that, if we don’t know very much, our capability for learning is not very
great. This idea - virtually by itself - requires a major revision in most of the metaphors that shape
schools policies and procedures (POSTMAN and WEINGARTNER, 1969, p.62).

Resumo
Com base nas idéias desenvolvidas principalmente por Neil Postman e Charles Weingartner (1969) em seu
livro Ensino como uma atividade subversiva e também em alguns pensamentos expressos por Postman
em suas recentes publicações (Tecnology, 1993 e O fim da Educação, 1996), o ponto de vista que defendo
neste artigo é de que, nestes tempos de drásticas e rápidas mudanças, a aprendizagem deveria ser não
apenas significativa mas também subversivamente significativa. Minha posição é a de que a aprendiza-
gem significativa subversiva é uma estratégia necessária à sobrevivência na sociedade contemporânea.
Sem dúvida, devo muito a Weingartner e Postman por basear-me nas suas idéias e reflexões, mas como
dizem eles, somos todos “percebedores”. Assim, o que apresento neste artigo é a minha percepção das
idéias e pensamentos deles traduzidos nas minhas representações acerca de como a aprendizagem
significativa poderia ser subversiva.
Palavras-chave
Aprendizagem significativa; aprendizagem subversiva; princípios facilitadores da aprendizagem.

Abstract
Based upon ideas developed mainly by Neil Postman and Charles Weingartner (1969) in their book
Teaching as a subversive activity and also on some thoughts expressed by Postman in his recent books
(Technopoly, 1993 and The End of Education 1996), my argument in this paper is that, in these times of
drastic and rapid changes, learning should not only be meaningful but also subversively meaningful. My
point is that subversive meaningful learning is a necessary strategy for survival in contemporary society. Of
course, I am very much in debt to Weingartner and Postman for their ideas and thoughts which have been
my basis, but as they say we are all perceivers. Thus, what is in this paper is my perception of their ideas
and thoughts translated into my representation on how meaningful learning could be subversive.
Key words
Significant learning; subversive learning; principles for facilitating learning.

Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB.


Campo Grande-MS, n. 21, p.15-32, jan./jun. 2006.
Introdução mação, do que aquela que promovesse
conceitos e atitudes como esses da lista.
No último capítulo de seu livro Dessa educação, resultariam personalida-
Teaching as a subversive activity, Postman des passivas, aquiescentes, dogmáticas, in-
e Weingartner (1969, p.217) diziam que em- tolerantes, autoritárias, inflexíveis e conser-
bora devesse preparar o aluno para viver vadoras que resistiriam à mudança para
em uma sociedade caracterizada pela mu- manter intacta a ilusão da certeza
dança, cada vez mais rápida, de conceitos, (POSTMAN e WEINGARTNER, 1969).
valores, tecnologias, a escola ainda se ocu- Ao contrário, as estratégias intelec-
pava de ensinar conceitos fora de foco, dos tuais de sobrevivência nessa época de ener-
quais os mais óbvios eram: gia nuclear e de viagens espaciais depende-
1. O conceito de “verdade” absoluta, fixa, riam de conceitos como relatividade, proba-
imutável, em particular desde uma pers- bilidade, incerteza, função, causalidade múl-
pectiva polarizadora do tipo boa ou má. tipla (ou não-causalidade), relações não-si-
2. O conceito de certeza. Existe sempre uma métricas, graus de diferença e incongruên-
e somente uma resposta “certa”, e é abso- cia (ou diferença simultaneamente apropria-
lutamente “certa”. da). Tais conceitos deveriam ser promovidos
3. O conceito de entidade isolada, ou seja, por uma educação que objetivasse um no-
“A” é simplesmente “A”, e ponto final, de vo tipo de pessoa, com personalidade in-
uma vez por todas. quisitiva, flexível, criativa, inovadora, toleran-
4. O conceito de estados e “coisas” fixos, te e liberal que pudesse enfrentar a incerte-
com a concepção implícita de que quan- za e a ambigüidade sem se perder, e que
do se sabe o nome se entende a “coisa”. construísse novos e viáveis significados pa-
5. O conceito de causalidade simples, úni- ra encarar as ameaçadoras mudanças am-
ca, mecânica; a idéia de que cada efeito bientais. Todos esses conceitos constituiriam
é o resultado de uma só, facilmente iden- a dinâmica de um processo de busca, ques-
tificável, causa. tionamento e construção de significados que
6. O conceito de que diferenças existem so- poderia ser chamado de “aprender a apren-
mente em formas paralelas e opostas: der” (POSTMAN e WEINGARTNER, 1969).
bom-ruim, certo-errado, sim-não, curto- Isso foi há mais de 30 anos, quando
comprido, para cima-para baixo, etc. a chegada do homem à lua e a chamada
7. O conceito de que o conhecimento é era nuclear simbolizavam grandes mudan-
“transmitido” emana de uma autoridade ças. Hoje, tais mudanças parecem até pe-
superior e deve ser aceito sem questio- quenas frente as que nos atropelam diaria-
namento. mente. A educação, no entanto, continua a
Concluem, então, dizendo que seria promover vários dos conceitos que Postman
difícil imaginar qualquer tipo de educação e Weingartner criticavam e classificavam
menos confiável para preparar os alunos como fora de foco. Ainda se ensinam “ver-
para um futuro drasticamente em transfor- dades”, respostas “certas”, entidades isola-

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das, causas simples e identificáveis, estados Parafraseando Postman e Weingartner
e “coisas” fixos, diferenças somente dicotô- (1969), talvez a “Aprendizagem significati-
micas. E ainda se “transmite” o conheci- va como atividade subersiva”.
mento, desestimulando o questionamento.
O discurso educacional pode ser outro, mas Aprendizagem significativa subversiva
a prática educativa continua a não fomen-
tar o “aprender a aprender” que permitirá à Sabemos que a aprendizagem sig-
pessoa lidar frutiferamente com a mudan- nificativa caracteriza-se pela interação en-
ça e sobreviver. tre o novo conhecimento e o conhecimen-
Em vez de ajudar os alunos a cons- to prévio. Nesse processo, que é não-literal
truir significados para conceitos como rela- e não-arbitrário, o novo conhecimento ad-
tividade, probabilidade, incerteza, sistema, quire significados para o aprendiz e o co-
função, assimetria, causalidade múltipla, nhecimento prévio fica mais rico, mais dife-
graus de diferença, representações, mode- renciado, mais elaborado em termos de sig-
los, a educação agregou novos conceitos fora nificados, e adquire mais estabilidade (ver,
de foco à lista de Postman e Weingartner por exemplo, Moreira, 1999).
(1969). Por exemplo: Sabemos, também, que o conheci-
1. O conceito de informação como algo mento prévio é, isoladamente, a variável
necessário e bom; quanto mais informa- que mais influencia a aprendizagem. Em
ção, melhor, estamos em plena era da última análise, só podemos aprender a par-
informação. tir daquilo que já conhecemos. Ausubel já
2. O conceito de idolatria tecnológica; a tec- nos chamava atenção para isso em 1963.
nologia é boa para o homem e está ne- Hoje, todos reconhecemos que nossa mente
cessariamente associada ao progresso é conservadora, aprendemos a partir do que
e à qualidade de vida. já temos em nossa estrutura cognitiva.
3. O conceito de consumidor cônscio de Na aprendizagem significativa, o
seus direitos; quanto mais consumir me- aprendiz não é um receptor passivo. Longe
lhor, quanto mais objetos desnecessários disso. Ele deve fazer uso dos significados
comprar melhor, mas deve fazer valer que já internalizou, de maneira substantiva
seus direitos de consumidor. e não arbitrária, para poder captar os signifi-
A escola, por exemplo, ainda trans- cados dos materiais educativos. Nesse pro-
mite a ilusão da certeza, mas procura atua- cesso, ao mesmo tempo que está progressi-
lizar-se tecnologicamente, competir com vamente diferenciando sua estrutura cogni-
outros mecanismos de difusão da informa- tiva, está também fazendo a reconciliação
ção e, talvez não abertamente, ou inadver- integradora de modo a identificar semelhan-
tidamente, preparar o aluno para a socie- ças e diferenças e reorganizar seu conheci-
dade do consumo. Tudo fora de foco. mento. Quer dizer, o aprendiz constrói seu
Mas qual seria o foco? Qual seria a conhecimento, produz seu conhecimento.
saída? Além de saber o que é aprendizagem

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significativa, conhecemos princípios progra- mesmo tempo, estar fora dela. Trata-se de
máticos facilitadores – como a “diferenciação uma perspectiva antropológica em relação
progressiva, a reconciliação integradora, a or- às atividades de seu grupo social que per-
ganização seqüencial e a consolidação” mite ao indivíduo participar de tais ativida-
(AUSUBEL et al. 1978, 1980, 1983) – e algu- des mas, ao mesmo tempo, reconhecer
mas estratégias facilitadoras – como os “or- quando a realidade está se afastando tan-
ganizadores prévios, os mapas conceituais e to que não está mais sendo captada pelo
os diagramas V.” (NOVAK e GOWIN, 1984, grupo. É esse o significado subversivo para
1988, 1996; MOREIRA e BUCHWEITZ, 1993). Postman e Weingartner (1969, p.4), mas en-
Outro aspecto fundamental da apren- quanto eles se ocupam do ensino subver-
dizagem significativa, também de nosso sivo, prefiro pensar em aprendizagem sub-
conhecimento, é que o aprendiz deve apre- versiva e creio que a aprendizagem signifi-
sentar uma pré-disposição para aprender. cativa pode subjazer a esse tipo de subver-
Ou seja, para aprender significativamente, são. É por meio da aprendizagem signifi-
o aluno tem que manifestar uma disposi- cativa subversiva que o aluno poderá fa-
ção para relacionar, de maneira não arbi- zer parte de sua cultura e, ao mesmo tem-
trária e não literal, à sua estrutura cognitiva, po, não ser subjugado por ela, por seus ri-
os significados que capta dos materiais tos, mitos e ideologias. É por meio dessa
educativos, potencialmente significativos, aprendizagem que ele poderá lidar constru-
do currículo (GOWIN, 1981). tivamente com a mudança sem deixar-se
Mas se já sabemos o que é aprendi- dominar por ela, manejar a informação sem
zagem significativa, quais são as condições sentir-se impotente frente a sua grande dis-
para que ocorra e como facilitá-la em sala ponibilidade e velocidade de fluxo, usufruir
de aula, o que falta a nós professores para e desenvolver a tecnologia sem tornar-se
que possamos promovê-la como uma ati- tecnófilo. Por meio dela, poderá trabalhar
vidade subversiva? com a incerteza, a relatividade, a não-cau-
Na verdade, nos falta muito. A come- salidade, a probabilidade, a não-dicotomi-
çar pela questão da predisposição para zação das diferenças, com a idéia de que o
aprender. Como provocá-la? Muito mais do conhecimento é construção (ou invenção)
que motivação, o que está em jogo é a rele- nossa, que apenas representamos o mun-
vância do novo conhecimento para o aluno. do e nunca o captamos diretamente.
Como levá-lo a perceber como relevante o Creio que somente a aprendizagem
conhecimento que queremos que construa? significativa pode, subversivamente, subja-
Talvez devêssemos primeiro questio- zer à educação de pessoas com essas ca-
nar nosso conceito de conhecimento. Mas racterísticas. O ensino subversivo de
antes é preciso esclarecer o que está sendo Postman e Weingartner (1969) somente
entendido aqui como aprendizagem sub- será subversivo se resultar em aprendiza-
versiva: é aquela perspectiva que permite gem significativa subversiva.
ao sujeito fazer parte de sua cultura e, ao

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A facilitação da aprendizagem professor nas provas, não é subversivo e
significativa subversiva tende a gerar aprendizagem não subversi-
va, em geral mecânica. Ao contrário, um en-
Analogamente aos princípios progra- sino centrado na interação entre professor
máticos de Ausubel para facilitar a apren- e aluno enfatizando o intercâmbio de per-
dizagem significativa, serão aqui propostos guntas tende a ser subversivo e suscitar a
alguns princípios, idéias ou estratégias fa- aprendizagem significativa subversiva. Co-
cilitadores da aprendizagem significativa mo sugerem os autores em foco: “Uma vez
subversiva, tendo como referência as pro- que se aprende a formular perguntas – rele-
postas de Postman e Weingartner (1969), vantes, apropriadas e substantivas – apren-
porém de maneira bem menos radical. Tudo de-se a aprender e ninguém mais pode im-
que será proposto a seguir me parece viável pedir-nos de aprendermos o que quiser-
de ser implementado em sala de aula e, ao mos” (POSTMAN e WEINGARTNER, 1969).
mesmo tempo, subversivo em relação ao O que mais pode um professor fazer
que normalmente nela ocorre. por seus alunos do que ensinar-lhes a per-
1 Princípio da interação social e do ques- guntar, se está aí a fonte do conhecimento
tionamento. Ensinar/aprender perguntas em humano?
vez de respostas Quando o aluno formula uma per-
gunta relevante, apropriada e substantiva,
A interação social é indispensável pa- ele utiliza seu conhecimento prévio de ma-
ra a concretização de um episódio de ensi- neira não-arbitrária e não-literal, e isso é
no. Tal episódio ocorre quando professor e evidência de aprendizagem significativa.
aluno compartilham significados em rela- Quando aprende a formular esse tipo de
ção aos materiais educativos do currículo questões sistematicamente, a evidência é
(GOWIN, 1981). O compartilhar significados de aprendizagem significativa subversiva.
resulta da negociação de significados en- Uma aprendizagem libertadora, crítica,
tre aluno e professor. Mas essa negociação detectora de bobagens, idiotices, engana-
deve envolver uma permanente troca de ções, irrelevâncias.
perguntas em vez de respostas. Como di- Consideremos, por exemplo, a propa-
zem Postman e Weingartner (1969, p.23) lada disponibilidade de informações na in-
“o conhecimento não está nos livros a es- ternet. Ora, na internet qualquer um disponi-
pera de que alguém venha a aprendê-lo; o biliza a informação que bem entender. Para
conhecimento é produzido em resposta a utilizar essa enorme disponibilidade de infor-
perguntas; todo novo conhecimento resul- mação é preciso estar munido daquilo que
ta de novas perguntas, muitas vezes no- Postman e Weingartner chamam de detec-
vas perguntas sobre velhas perguntas”. tor de lixo (crap detector) e que me parece
Um ensino baseado em respostas ser uma decorrência imediata da aprendiza-
transmitidas primeiro do professor para o gem significativa subversiva. Esse tipo de
aluno nas aulas e, depois, do aluno para o aprendizagem também permitirá detectar,

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por exemplo, as falsas verdades e dicoto- nhecimentos documentados em materiais
mias, as causalidades ingênuas. Claro que intrucionais.
a aprendizagem significativa subversiva A utilização de materiais diversifica-
não decorre só de aprender a perguntar, dos e cuidadosamente selecionados, em
pois aí estaríamos caindo exatamente no vez da “adoção” de livros de texto é tam-
que criticamos, isto é, na causalidade sim- bém um princípio facilitador da aprendiza-
ples, facilmente identificável. Há outros prin- gem significativa subversiva. Educação para
cípios facilitadores dessa aprendizagem. a diversidade é uma das narrativas defen-
didas por Neil Postman (1996) em seu li-
2 Princípio da não adoção do livro de vro mais recente — The end of education:
texto. Uso de documentos, artigos e redefining the value of school — para dar
outros materiais educativos. um fim à educação na escola. Aqui estou
defendendo a diversidade de materiais
O livro de texto simboliza aquela
instrucionais em substituição ao livro de
autoridade da qual “emana” o conhecimen-
texto, tão estimulador da aprendizagem
to. Professores e alunos se apóiam em de-
mecânica, tão transmissor de verdades, cer-
masia no livro de texto. Parece, como di-
tezas, entidades isoladas (em capítulos!), tão
zem Postman e Weingartner, que o conhe-
“seguro” para professores e alunos. Não se
cimento está ali à espera de que o aluno
trata, propriamente, de banir da escola o
venha a aprendê-lo, sem questionamento.
livro didático, mas de considerá-lo apenas
Artigos científicos, contos, poesias, crônicas
um dentre vários materiais educativos.
relatos, obras de arte e tantos outros mate-
riais representam muito melhor a produção 3 Princípio do aprendiz como perceptor/
do conhecimento humano. São maneiras representador
de documentar de maneira compacta o co-
nhecimento produzido. Descompactá-lo Muitas práticas escolares têm sido
para fins instrucionais implica questiona- criticadas por considerarem os alunos como
mento: Qual o fenômeno de interesse? Qual receptores da matéria de ensino. Na teoria
a pergunta básica que se tentou respon- da aprendizagem significativa argumenta-
der? Quais os conceitos envolvidos? Qual se que a aprendizagem receptiva, isto é,
a metodologia? Qual o conhecimento pro- aquela em que o novo conhecimento é re-
duzido? Qual o valor desse conhecimento? cebido pelo aprendiz, sem necessidade de
Estas perguntas foram propostas por Gowin descobri-lo, é o mecanismo humano por ex-
(1981, p.88). Seu conhecido Vê epistemoló- celência para assimilar (reconstruir interna-
gico (MOREIRA e BUCHWEITZ, 1993) é mente) a informação (AUSUBEL et al., 1978,
uma forma diagramática de responder tais 1980, 1983; AUSUBEL, 2000), porém ela
questões. Os mapas conceituais de Novak não implica passividade; ao contrário, é um
(1998, 2000; MOREIRA e BUCHWEITZ, processo dinâmico de interação, diferencia-
1993) são também úteis na análise de co- ção e integração entre conhecimentos

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novos e pré-existentes. Mas a questão não mente de quantas vezes nos disserem que
é essa, pelo menos no momento atual. A estamos “errados”, se elas “funcionam” para
questão é que o aprendiz é um perceptor/ nós, isto é, se alcançam nossos objetivos
representador, isto é, ele percebe o mundo representacionais. Por outro lado, isso não
e o representa. Quer dizer, tudo que o alu- significa que necessariamente alteraremos
no recebe ele percebe. Portanto, a discus- nossos modelos (percepções) se eles não
são sobre a recepção é inócua, o importan- forem funcionais, mas sim que temos dispo-
te é a percepção. E o que se percebe é, em nível a alternativa de mudar nossas percep-
grande parte, função de percepções prévias. ções. Nesse sentido, a capacidade de apren-
Parafraseando Ausubel, poder-se-ia dizer der poderia ser interpretada como a capaci-
que, se fosse possível isolar um único fator dade de abandonar percepções inadequa-
como o que mais influencia a percepção, das e desenvolver novas e mais funcionais
dir-se-ia que seria a percepção prévia. Em (POSTMAN e WEINGARTNER, 1969, p.90).
outra palavras, o perceptor decide como A idéia de percepção/representação
representar em sua mente um objeto ou nos traz a idéia de que o que “vemos” é
um estado de coisas do mundo e toma produto do que acreditamos “estar lá” no
essa decisão baseado naquilo que sua mundo. Vemos as coisas não como elas
experiência passada (isto é, percepções an- são, mas como nós somos. Sempre que dis-
teriores) sugere que irá “funcionar” para ele. sermos que uma coisa “é”, ela não é. Em
Uma das suposições básicas da Psi- termos de ensino, isso significa que o pro-
cologia Cognitiva é a de que seres huma- fessor estará sempre lidando com as per-
nos não captam o mundo diretamente, eles cepções dos alunos em um dado momen-
o representam internamente. Johnson-Laird to. Mais ainda, como as percepções dos
(1983), por exemplo, diz que essas pessoas alunos vêm de suas percepções prévias, as
constróem modelos mentais, isto é, análo- quais são únicas, cada um deles perceberá
gos estruturais de estados de coisas do mun- de maneira única o que lhe for ensinado.
do. A fonte primária para a construção de Acrescente-se a isso o fato de que o profes-
tais modelos é a percepção e seu compro- sor é também um perceptor e o que ensina
misso essencial é a funcionalidade para o é fruto de suas percepções. Quer dizer, a
construtor (perceptor). Isso significa que é comunicação só será possível na medida
improvável que mudemos nossos modelos em que dois perceptores, professor e aluno
mentais, com os quais representamos o no caso, buscarem perceber de maneira se-
mundo a menos que deixem de ser funcio- melhante os materiais educativos do currí-
nais para nós. Mas isso é o mesmo que di- culo. Isso nos corrobora a importância da
zer que é improvável que alteremos nossas interação pessoal e do questionamento na
percepções a menos que frustrem nossas facilitação da aprendizagem significativa.
tentativas de fazer algo a partir delas. É tam- Certamente, a idéia de que a aprendi-
bém o mesmo que dizer que não modifica- zagem significativa é idiossincrática não é
remos nossas percepções, independente- nova, mas considerar o aprendiz como um

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perceptor/representador em vez de um re- Cada linguagem, tanto em termos de
ceptor é um enfoque atual que vem da Psi- seu léxico quanto de sua estrutura, represen-
cologia Cognitiva contemporânea que não ta uma maneira singular de perceber a rea-
é a Psicologia Educacional de Ausubel e que lidade. Praticamente tudo o que chamamos
nos explicita, de maneira gritante, a inutili- de “conhecimento” é linguagem. Isso signifi-
dade de ensinar respostas certas, verdades ca que a chave da compreensão de um
absolutas, dicotomias, simetrias, localizações “conhecimento”, ou de um “conteúdo” é co-
exatas, se o que queremos promover é a nhecer sua linguagem. Uma “disciplina” é
aprendizagem significativa subversiva que uma maneira de ver o mundo, um modo
pode ser entendida aqui como a capacida- de conhecer, e tudo o que é conhecido nes-
de de perceber a relatividade das respostas sa “disciplina” é inseparável dos símbolos
e das verdades, as diferenças difusas, as pro- (tipicamente palavras) em que é codificado
babilidades dos estados, a complexidade das o conhecimento nela produzido. Ensinar Bio-
causas, a informação desnecessária, o logia, Matemática, História, Física, Literatura
consumismo, a tecnologia e a tecnofilia. A ou qualquer outra “matéria” é, em última
aprendizagem significativa subversiva impli- análise, ensinar uma linguagem, um jeito
ca a percepção crítica e só pode ser facilita- de falar e, conseqüentemente, um modo de
da se o aluno for, de fato, tratado como um ver o mundo (POSTMAN e WEINGARTNER
perceptor do mundo e, portanto, do que lhe (1969, p.102).
for ensinado, e a partir daí um representador Claro está que aprender uma nova
do mundo, e do que lhe ensinamos. linguagem implica novas possibilidades de
A percepção, no entanto, é em gran- percepção. A tão propalada ciência é uma
de parte, muito mais do que se pensava, extensão, um refinamento, da habilidade
função das categorias lingüísticas disponí- humana de perceber o mundo. Aprendê-la
veis ao perceptor. Isso nos leva a outro prin- implica aprender sua linguagem e, em con-
cípio, o da linguagem. seqüência, falar e pensar diferentemente
sobre o mundo.
4 Princípio do conhecimento como Novamente, entra aqui a idéia de
linguagem uma aprendizagem significativa subversi-
va. Aprender um conteúdo de maneira sig-
A linguagem está longe de ser neutra no
processo de perceber, bem como no proces- nificativa é aprender sua linguagem, não
so de avaliar nossas percepções. Estamos só palavras — outros signos, instrumentos e
acostumados a pensar que a linguagem procedimentos também — mas principal-
“expressa” nosso pensamento e que ela mente palavras, de maneira substantiva e
“reflete” o que vemos. Contudo, esta cren-
não-arbitrária. Aprendê-la de maneira
ça é ingênua e simplista, a linguagem
está totalmente implicada em qualquer e subversiva é perceber essa nova linguagem
em todas nossas tentativas de perceber a como uma nova maneira de perceber o
realidade (POSTMAN e WEINGARTNER, mundo. O ensino deve buscar a facilitação
1969, p.99). dessa aprendizagem e, aí, entra a cena o

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princípio da interação social e do questio- WEINGARTNER, 1969, p.106). Sempre que
namento: a aprendizagem da nova lingua- dissermos que uma coisa é, ela não é. A
gem é mediada pelo intercâmbio de signi- palavra significa a coisa, representa a coisa.
ficados, pela clarificação de significados, É preciso, também, ter consciência de
enfim, pela negociação de significados fei- que é variável a correspondência entre pala-
ta pela linguagem humana. “Não existe vras e referentes verificáveis, ou seja, há ní-
nada entre seres humanos que não seja veis de abstração variáveis. Algumas pala-
instigado, negociado, esclarecido, ou misti- vras são mais abstratas ou gerais, outras
ficado pela linguagem, incluindo nossas são mais concretas ou específicas. Relacio-
tentativas de adquirir conhecimento” nado com isto está o que se pode chamar
(POSTMAN, 1996, p.123). A linguagem é a de direção do significado: com palavras ca-
mediadora de toda a percepção humana. da vez mais abstratas ou gerais, isto é, cada
O que percebemos é inseparável de como vez mais distantes de referentes variáveis,
falamos sobre o que abstraímos. a direção do significado é de fora para den-
tro, ou seja, mais intensional (interna), sub-
5 Princípio da consciência semântica jetiva, pessoal; com palavras cada vez mais
concretas e específicas, isto é, com referentes
Este princípio facilitador da aprendi- cada vez mais facilmente verificáveis, a dire-
zagem significativa subversiva implica vá- ção do significado vai de dentro para fora,
rias conscientizações. A primeira delas, e isto é, mais extensional, objetiva, social. Sig-
talvez a mais importante de todas, é tomar nificados intensionais, subjetivos, pessoais,
consciência de que o significado está nas são ditos conotativos; significados extensio-
pessoas, não nas palavras. Sejam quais nais, objetivos, sociais são considerados
forem os significados que tenham as pala- denotativos (POSTMAN e WEINGARTNER,
vras, eles foram atribuídos a elas pelas pes- 1969, p.107).
soas. Contudo, as pessoas não podem dar Outro tipo de consciência semântica
às palavras significados que estejam além necessária à aprendizagem significativa é
de sua experiência. Observa-se aí, outra vez, o de que, ao usarmos palavras para no-
a importância do conhecimento prévio, isto mear as coisas, é preciso não deixar de
é, dos significados prévios na aquisição de perceber que os significados das palavras
novos significados. Quando o aprendiz não mudam. O mundo está permanentemente
tem condições, ou não quer, atribuir signifi- mudando, mas a utilização de nomes para
cados às palavras, a aprendizagem é me- as coisas, tende a “fixar” o que é nomeado.
cânica, não significativa. Quer dizer, a linguagem tem um certo efei-
A segunda conscientização neces- to fotográfico. Com as palavras tiramos “fo-
sária, e muito relacionada à primeira, é a tos” das coisas. Estas “fotos” tendem a difi-
de que as palavras não são aquilo a que cultar a percepção da mudança. Tendemos
elas ostensivamente se referem. Quer dizer, a continuar “vendo” a mesma coisa na
“a palavra não é coisa” (POSTMAN e medida em que damos um nome a ela.

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Algo similar ocorre quando usamos nomes nhecimento à estrutura cognitiva). Porém,
para classes de coisas: é dificultada a na medida em que o aprendiz desenvolver
percepção de diferenças individuais entre aquilo que chamamos de consciência se-
membros da classe nomeada. Por exem- mântica, a aprendizagem poderá ser signi-
plo, quando usamos o nome “adolescente” ficativa e subversiva, pois, por exemplo, não
para uma determinada classe de indivíduos, cairá na armadilha da causalidade simples,
tendemos a percebê-los como se fossem não acreditará que as respostas têm que
todos iguais. O preconceito é uma manifes- ser necessariamente certas ou erradas, ou
tação comum da falta desse tipo de cons- que as decisões são sempre do tipo sim ou
ciência semântica. A supersimplificação, ou não. Ao contrário, o indivíduo que apren-
seja, a atribuição de uma única causa a deu significativamente dessa maneira, pen-
problemas complexos também o é sará em escolhas em vez de decisões
(POSTMAN e WEINGARTNER, 1969, p.109). dicotômicas, em complexidade de causas
O princípio da consciência semânti- em vez de supersimplificações, em graus de
ca, embora abstrato, é muito importante certeza em vez de certo ou errado.
para o ensino e aprendizagem. Talvez seja
mais fácil falar em significados. Como diz 6 Princípio da aprendizagem pelo erro
Gowin (1981), um episódio de ensino se
É preciso não confundir aprendiza-
consuma, quando aluno e professor com-
partilham significados sobre os materiais gem pelo erro com o conceito de aprendi-
educativos do currículo. Para aprender de zagem por ensaio-e-erro, sujo significado é
maneira significativa, o aluno deve relacio- geralmente pejorativo. Na medida em que
nar, de maneira não-arbitrária e não-literal, o conhecimento prévio é o fator determi-
à sua estrutura prévia de significados aque- nante da aprendizagem significativa, ela,
les que captou dos materiais potencialmente automaticamente, deixa de ser o processo
significativos do currículo. Mas nesse pro- errático e ateórico que caracteriza a apren-
cesso, professor e aluno devem ter consciên- dizagem por ensaio-e-erro. A idéia aqui é a
cia semântica (isto é, o significado está nas de que o ser humano erra o tempo todo. É
pessoas, as palavras significam as coisas da natureza humana errar. O homem
em distintos níveis de abstração, o signi- aprende corrigindo seus erros. Não há nada
ficado tem direção, há significados cono- errado em errar. Errado é pensar que a cer-
tativos e denotativos, os significados mu- teza existe, que a verdade é absoluta, que
dam). No ensino, o que se busca, ou o que o conhecimento é permanente.
se consegue, é compartilhar significados O conhecimento humano é limitado
denotativos a respeito da matéria de ensi- e construído pela superação do erro. O mé-
no, mas a aprendizagem significativa tem todo científico, por exemplo, é a correção
como condição a atribuição de significados sistemática do erro. Basta dar uma olhada
conotativos, idiossincráticos (é isso que sig- na história da ciência. Claro, “sabemos coi-
nifica incorporação não-literal do novo co- sas, mas muito do que sabemos está erra-

24 Marco Antonio MOREIRA. Aprendizagem significativa subversiva


do e o que o substituirá poderá também de verdades. Postman (1996, p.120), no
estar errado. Mesmo aquilo que é certo e entanto, sugeriria outra metáfora: professo-
parece não necessitar correção é limitado res como detectores de erros que tentas-
em escopo e aplicabilidade” (POSTMAN, sem ajudar seus alunos a reduzir erros em
1996, p.69). seus conhecimentos e habilidades. Quer
O conhecimento individual é tam- dizer, tais professores buscariam ajudar seus
bém construído superando erros. Por exem- alunos a serem também detectores de er-
plo, a moderna teoria dos modelos men- ros. Isso nos remete, outra vez, à idéia de
tais (JOHNSON-LAIRD, 1983; MOREIRA, aprendizagem significativa subversiva: bus-
1996) supõe que quando compreendemos car sistematicamente o erro é pensar criti-
algo (no sentido de sermos capazes de des- camente, é aprender a aprender, é apren-
crever, explicar e fazer previsões) é porque der subversivamente rejeitando certezas,
construímos um modelo mental desse algo. encarando o erro como natural e aprenden-
Mas a característica fundamental do mo- do pela superação.
delo mental é a recursividade, ou seja, a
7 Princípio da desaprendizagem
capacidade de auto-correção decorrente do
erro, da não funcionalidade do modelo Este princípio é importante para a
para seu construtor. Quer dizer, construímos aprendizagem significativa por duas razões.
um modelo mental inicial e o corrigimos, A primeira delas tem a ver com a aprendiza-
recursivamente, até que alcance uma fun- gem significativa subordinada. Nesse pro-
cionalidade que nos satisfaça. cesso, como já foi dito, o novo conhecimen-
A escola, no entanto, pune o erro e to interage com o conhecimento prévio e,
busca promover a aprendizagem de fatos, de certa forma, ancora-se nele. É por meio
leis, conceitos, teorias, como verdades du- dessa interação que o significado lógico dos
radouras (Professores e livros de texto aju- materiais educativos se transforma em sig-
dam muito nessa tarefa.) Parece nonsense, nificado psicológico para o aprendiz. Tal me-
mas a escola simplesmente ignora o erro canismo, que Ausubel chama de assimila-
como mecanismo humano, por excelência, ção, é o mecanismo humano, por excelência,
para construir o conhecimento. Para ela, para adquirir a vasta quantidade de infor-
ocupar-se dos erros daqueles que pensa- mações que constitui qualquer corpo de co-
vam ter descoberto fatos importantes e ver- nhecimento. Para aprender de maneira sig-
dades duradouras é perda de tempo. Ao nificativa, é fundamental que percebamos
fazer isso, ela dá ao aluno a idéia de que o a relação entre o conhecimento prévio e o
conhecimento que é correto, ou definitivo, novo conhecimento. Porém, na medida em
é o conhecimento que temos hoje do mun- que o conhecimento prévio nos impede de
do real, quando, na verdade, ele é provisó- captar os significados do novo conhecimen-
rio, ou seja, errado. to, estamos diante de um caso no qual é
Nessa escola, os professores são con- necessária uma desaprendizagem. Por
tadores de verdades e os livros estão cheios exemplo, há muita gente que aprende ma-

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pa conceitual como um quadro sinóptico estratégias e conceitos. No entanto, quando
de conceitos ou um organograma de con- o meio está em constante, profunda e rápi-
ceitos ou, ainda, um diagrama de fluxo con- da transformação, ocorre o inverso: a so-
ceitual. O que ocorre aí é uma forte aprendi- brevivência depende crucialmente de ser
zagem significativa subordinada derivativa, capaz de identificar quais dos velhos con-
de modo que o mapa conceitual é visto ceitos e estratégias são relevantes às no-
como uma mera corroboração ou exempli- vas demandas impostas por novos desa-
ficação do conhecimento prévio (quadro si- fios à sobrevivência e quais não são. Desa-
nóptico, organograma ou diagrama de flu- prender conceitos e estratégias irrelevantes
xo). Para aprender de maneira significativa passa a ser condição prévia para a apren-
o que é um mapa conceitual seria, então, dizagem (POSTMAN e WEINGARTNER, 1969,
necessário desaprendê-lo como quadro si- p.208). Desaprendizagem tem aqui o senti-
nóptico, organograma ou diagrama de flu- do de esquecimento seletivo. É preciso es-
xo. Desaprender está sendo usado aqui quecer (no sentido de não usar, tal como
com o significado de não usar o subsunçor no caso da aprendizagem significativa su-
que impede que o sujeito capte os significa- bordinada derivativa referida antes) concei-
dos compartilhados a respeito do novo tos e estratégias que são irrelevantes para
conhecimento. Não se trata de “apagar” al- a sobrevivência em um mundo em transfor-
gum conhecimento já existente na estrutu- mação, não só porque são irrelevantes, mas
ra cognitiva o que, aliás, é impossível se a porque podem se constituir, eles mesmos,
aprendizagem foi significativa, mas sim de em ameaça à sobrevivência. Aprender a
não usá-lo como subsunçor. Outro exem- desaprender, é aprender a distinguir entre
plo é o da aprendizagem da Mecânica o relevante e o irrelevante no conhecimen-
Quântica: muitos alunos parecem não cap- to prévio e libertar-se do irrelevante, isto é,
tar os significados de conceitos da Física desaprendê-lo. Aprendizagem desse tipo é
Quântica, porque não conseguem desa- aprendizagem significativa subversiva. Sua
prender (isto é, não utilizar como ancora- facilitação deveria ser missão da escola na
douro) certos conceitos da Física Clássica sociedade tecnológica contemporânea.
(GRECA, 2000; MOREIRA e GRECA, 2000).
8 Princípio da incerteza do conhecimento
A segunda razão pela qual é impor-
tante aprender a desaprender está relacio- Este princípio é, de certa forma, sínte-
nada com a sobrevivência em um ambien- se de princípios anteriores, em particular
te que está em permanente e rápida trans- daqueles que têm a ver com a linguagem.
formação. Quando o ambiente é estável, “Definições, perguntas e metáforas são três
ou muda muito lentamente, a sobrevivên- dos mais potentes elementos com os quais
cia depende fundamentalmente da apren- a linguagem humana constrói uma visão
dizagem de estratégias e conceitos desen- de mundo (Postman, 1996, p.175). A apren-
volvidos no passado. A missão da escola dizagem significativa destes três elementos
nesse caso é a de transmitir e conservar tais só será da maneira que estou chamando

26 Marco Antonio MOREIRA. Aprendizagem significativa subversiva


subversiva, quando o aprendiz perceber que tada para alguma finalidade e que talvez
as definições são invenções, ou criações, definições alternativas também servissem
humanas, que tudo o que sabemos tem para tal finalidade (POSTMAN, 1996, p.172).
origem em perguntas e que todo nosso O conhecimento expresso por definições é,
conhecimento é metafórico. então, incerto. Quer dizer, poderia ser dife-
Perguntas são instrumentos de per- rente, se as definições fossem outras.
cepção. A natureza de uma pergunta (sua As metáforas são igualmente instru-
forma e suas suposições) determinam a mentos que usamos para pensar. “Metáfo-
natureza da resposta. “Poder-se-ia dizer ra é muito mais do que uma figura poética.
que as perguntas constituem o principal Não só os poetas usam metáforas. Biólo-
instrumento intelectual disponível para os gos, físicos, historiadores, lingüistas, enfim,
seres humanos” (POSTAMAN, 1996, p.173). todos que tentam dizer algo sobre o mun-
Nosso conhecimento é, portanto, incerto, do usam metáforas. A metáfora não é um
pois depende das perguntas que fazemos ornamento. É um órgão de percepção. A
sobre o mundo. Mais ainda, para respon- luz, por exemplo, é onda ou partícula? As
der, muitas vezes observamos o mundo, moléculas são como bolas de bilhar ou
mas a observação é função do sistema campos de força?” (POSTMAN e
de símbolos disponível ao observador. WEINGARTNER, 1969, p.173-174). A Psico-
Quanto mais limitado esse sistema de sím- logia Cognitiva contemporânea tem como
bolos, essa linguagem, menos ele é capaz um de seus pressupostos fundamentais a
de “ver” (POSTMAN e WEINGARTNER, metáfora do computador, isto é, a mente
1969, p.121) (Já no primeiro princípio des- como um sistema de cômputo. A Física
ta série foi destacada a extrema importân- deve ter também algumas metáforas em
cia do questionamento crítico para a seus fundamentos; a energia talvez seja a
aprendizagem significativa subversiva.) principal delas. Os modelos físicos são me-
Definições são instrumentos para tafóricos. Há modelos que supõem que as
pensar e não têm nenhuma autoridade fora entidades físicas se comportam como se
do contexto para o qual foram inventadas. fossem partículas perfeitamente elásticas ou
No entanto, os alunos não são ensinados que tenham partículas de massa nula. Cam-
de modo a perceber isso. Desde o início da pos elétricos que se comportam como se
escolarização até a pós-graduação, os alu- fossem constituídos por linhas de força ima-
nos, simplesmente, “recebem” definições co- ginárias. Na verdade, todas as áreas de
mo se fossem parte do mundo natural, co- conhecimento têm metáforas em suas ba-
mo as nuvens, as árvores e as estrelas. ses. Entender um campo de conhecimento
Aprender alguma definição de maneira sig- implica compreender as metáforas que o
nificativa subversiva não é apenas dar-lhe fundamentam. Mas novamente aí não se
significado por meio da interação com al- trata apenas de aprender significativamente
gum subsunçor adequado, é também per- a metáfora no sentido de ancorá-la em al-
cebê-la como uma definição que foi inven- gum subsunçor. Ninguém vai entender

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Psicologia Cognitiva se não entender a preciso mudar o foco da aprendizagem e
metáfora do computador de maneira sub- do ensino que busca facilitá-la. Meu argu-
versiva, quer dizer, ao mesmo tempo que mento, parafraseando Postman e
dá significado à idéia de mente como sis- Weingartner (1969) é que esse foco deveria
tema de cômputo, por meio da metáfora estar na aprendizagem significativa subver-
do computador entende que, justamente siva, aquela que permitirá ao sujeito fazer
por se tratar de uma metáfora, a mente não parte de sua cultura e, ao mesmo tempo,
é um computador. Consideremos também estar fora dela, manejar a informação, criti-
o caso da metáfora do sistema planetário camente, sem sentir-se impotente frente a
usada para o átomo: o átomo é metaforica- ela; usufruir a tecnologia sem idolatrá-la;
mente um sistema planetário, mas enten- mudar sem ser dominado pela mudança;
der que, justamente por isso, os elétrons não conviver com a incerteza, a relatividade, a
são planetóides e o núcleo não é um pe- causalidade múltipla, a construção meta-
queno sol é ter consciência de que o conhe- fórica do conhecimento, a probabilidade das
cimento humano é metafórico e, portanto, coisas, a não dicotomização das diferen-
incerto, depende da metáfora utilizada. ças, a recursividade das representações
O princípio da incerteza do conheci- mentais; rejeitar as verdades fixas, as certe-
mento nos chama a atenção para o fato zas, as definições absolutas, as entidades
de que nossa visão de mundo é construí- isoladas.
da primordialmente com as definições que
criamos, com as perguntas que formulamos Para isso é preciso:
e com as metáforas que utilizamos. Natu- 1. Aprender/ensinar perguntas em vez de
ralmente, estes três elementos estão inter- respostas (Princípio da interação social e
relacionados na linguagem humana. do questionamento).
2. Aprender a partir de distintos materiais
Conclusão educativos (Princípio da não adoção do
O fator isolado mais importante para livro de texto).
a aprendizagem significativa é o conheci- 3. Aprender que somos perceptores e
mento prévio, a experiência prévia, ou a per- representadores do mundo (Princípio do
cepção prévia, e o aprendiz deve manifestar aprendiz como perceptor/representador).
uma predisposição para relacionar de ma- 4. Aprender que a linguagem está totalmen-
neira não-arbitrária e não-literal o novo co- te implicada em qualquer e em todas as
nhecimento com o conhecimento prévio2. tentativas humanas de perceber a reali-
Mas isso não basta, pois dessa maneira se dade (Princípio do conhecimento como
pode aprender significativamente coisas fo- linguagem).
ra de foco como foi dito na introdução, mes- 5. Aprender que o significado está nas pes-
mo envolvendo as mais modernas tecnolo- soas, não nas palavras (Princípio da cons-
gias. Por uma questão de sobrevivência, é ciência semântica).

28 Marco Antonio MOREIRA. Aprendizagem significativa subversiva


6. Aprender que o homem aprende corri- Carmen, Rafael, Ester, Marta, Susana, Sonia, Evelyse,
gindo seus erros (Princípio da aprendi- Ana, Consuelo, Rodrigo, Luís, Margarida Neves, Ma
Jesús, Beatriz, Margarida Graça, Carlos, Silvia, Vicky e
zagem pelo erro). Maite, doutorandos da primeira promoção do Progra-
7. Aprender a desaprender, a não usar concei- ma Internacional de Doutorado em Ensino de Ciên-
tos e estratégias irrelevantes para a sobrevi- cias da Universidade de Burgos, Espanha. Publicada
vência (Princípio da desaprendizagem). nas Atas do III Encontro Internacional sobre Aprendi-
8. Aprender que as perguntas são instru- zagem Significativa, p.33-45.
mentos de percepção e que definições e 2
Na Figura 1, a título de síntese diagramática apre-
metáforas são instrumentos para pensar. senta-se um mapa conceitual para a aprendizagem
(Princípio da incerteza do conhecimento). significativa, isto é, um diagrama conceitual hierár-
quico envolvendo os principais conceitos desse tema
Notas e as principais relações entre esses conceitos. As
palavras sobre as linhas procuram dar uma idéia
1
Conferência proferida no III Encontro Internacional da relação existente entre determinados pares de
sobre Aprendizagem Significativa, Lisboa (Peniche), conceitos. Em alguns casos foram usadas flechas
11 a 15 de setembro de 2000. Dedicada a Rita, Ma del para dar direção à leitura da relação.

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APRENDIZAGEM
30

SIGNIFICATIVA CRÍTICA

instrumento
intelectual
principal
PERCEPÇÃO Instrumento de PERGUNTA Instrumento de REPRESEN

realidade
Marco Antonio MOREIRA. Aprendizagem significativa subversiva

realidade

gera
LINGUAGEM como CONHECIMENTO como METÁFORA

Instrumento para
Superação do
Significados
Sistema de

pensar
CONSCIÊNCIA SEMÂNTICA ERRO DEFINIÇÃ

Podem requerer
MATERIAIS EDUCATIVOS DESAPRENDIZAGEM

Figura 1. Um mapa conceitual para a aprendizagem significativa crítica (M.A. Moreira, 2000)
Referências

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Recebido em 8 de fevereiro de 2006.


Aprovado para publicação em 11 de abril de 2006.

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