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Camila Mendes1
Cristina Felipe Frison2
Tatiane Superti3
DOI: 10.25110/akropolis.v25i2.6415
cesso histórico (KONDER, 2008). Ou seja, é ne- métodos e princípios do materialismo histórico
cessário transformar as matérias para construir dialético a solução dos paradoxos científicos
as ideias, a realidade é o movimento, e é por fundamentais com que se defrontavam seus
meio da história que construímos nossa subjeti- contemporâneos” (COLE; SCRIBNER, 2000, p.
vidade. Na dialética o que promove o movimento 8). Com a Revolução de 1917 e os problemas
é a contradição, que se refere, em suma, na su- sociais da Rússia nesse período deu-se o pon-
peração e na conservação. Porém, transforma- ta pé inicial da teoria de Vygotski, quando ele
da, dos opostos, assim, é na síntese que está a lançou seu olhar indagador acerca das necessi-
superação do velho, ao mesmo tempo em que dades de tal país, pesquisando respostas para
este continua ali. É preciso matéria/condições os problemas que enfrentavam os homens des-
objetivas para ser possível o desenvolvimento sa época, sendo estes relacionados aos distintos
do homem e da sociedade (KONDER, 2008). interesses relacionados aos meios de produção
A sociedade não é algo natural, ela é e a propriedade privada (TULESKI, 2008).
construída e modificada pelo homem, e está Foi então após a Revolução de Outubro
sempre em constante movimento e transfor- de 1917 que se destacou a necessidade de bus-
mação. Além disso, ela possui uma base ma- car uma nova expressão relacionada à arte, uma
terial, sua estrutura e organização material, da vez que a arte burguesa expressava apenas va-
qual surge a estrutura social que nos possibilita lores que precisavam ser superados, ou seja,
produzir nossa própria condição de vida, com a esta nova arte, então, deveria buscar revelar
força produtiva e o trabalho (KONDER, 2008). “o homem contemporâneo”, assim, a proposta
Compreende-se a sociedade a partir da sua es- desta nova arte surgiu a partir da necessidade
trutura social, em como se produz as vidas, ana- de formação de um novo homem. Lênin (1870-
lisando qual é o trabalho dessa sociedade, em 1924), Gorki (1868-1936), Korin (1892-1967),
como se trabalha, e suas relações sociais. É o dentre outros, acreditavam na superação dessa
trabalho, como produção de vida, que determi- arte burguesa através do “realismo socialista”,
na dialeticamente a cultura dessas sociedades, este que apresentaria “uma nova possibilida-
bem como, é a maneira desigual que se vende e de de existir, uma nova consciência, ou ainda,
compra a força produtiva que possibilita consti- a consciência. Deveriam ser cultivados novos
tuir as classes sociais (KONDER, 2008). valores, verdadeiros, posto que direcionados
Por sua vez, para entender o homem a ao germe do coletivo”. O realismo socialista foi
partir do materialismo histórico dialético é pre- a abertura dos anos pós-revolucionários, consti-
ciso analisar a relação deste com a sociedade, tuindo a “superação do individualismo burguês,
pois o homem é construído/constituído numa em favor da divulgação de uma vida coletiviza-
profunda relação social. Não que o homem seja da” (BARROCO, 2007, p. 40). Este foi o projeto
como uma cópia da sociedade, mas este é trans- político da Psicologia Histórico-Cultural, o qual
formado por ela, trata-se de uma relação dialé- defendia que sem a superação da arte burguesa
tica, onde o homem é ativo nessa relação, pois não haveria um novo homem (BARROCO; SU-
transforma a si e a sociedade (KONDER, 2008). PERTI, 2014). Sendo assim, conforme explana-
Deve-se ainda levar em consideração a objeti- do por Superti:
vidade (condições concretas – sociedade) e a
subjetividade (psiquismo), os quais são construí- Dessa forma, podemos entender a arte, em
dos e transformados a partir das relações de tra- sua função, como um objeto cultural a favor
balho e das relações sociais (KONDER, 2008). da humanização, de modo que o psicólogo
Em suma, pode-se dizer que para enten- pode lançar mão dela para promover desen-
volvimento psicológico e ampliação da cons-
der tanto o homem quanto a sociedade a partir
ciência [...] Assim, entendemos que a arte
deste método é preciso perceber as condições pode tanto apontar quem é o homem atual,
concretas e subjetivas que a estes pertencem, como também ser um instrumento para a
suas relações de trabalho e sociais, analisando construção de um novo homem (SUPERTI,
o movimento e transformações que ali ocorrem. 2013, p. 14).
Buscando compreender qual é e como é a pro-
dução de vida dessa sociedade e em como isso No cenário da Revolução Russa (1917),
implica para a constituição do homem. Vygotski busca desenvolver aparatos teóricos
Vygotsky (1896-1934), então, “viu nos que amparem a Psicologia Histórico-Cultural,
bem como, a psicologia da arte (SUPERTI, Para Vygotski, a psicologia marxista não
2013), e sobre esta afirma que: pode e não deve construir-se sobre frag-
mentos de autores, pois assim não passaria
Não se pode nem imaginar que papel caberá de uma cópia do que a psicologia burguesa
à arte nessa refusão do homem, quais das vinha fazendo, isto é, amontoando inúmeros
forças que existem mas não atuam no nosso fragmentos e citações e eliminando, ideologi-
organismo ela irá incorporar à formação do camente, as contradições contidas nos auto-
novo homem. Só não há dúvida de que, nes- res e, consequentemente, sua origem históri-
se processo, a arte dirá a palavra decisiva e ca (TULESKI, 2008, p. 102).
de maior peso. Sem a nova arte não haverá o
novo homem (VIGOTSKI, 2001, p. 329). Permite-se dizer, então, que a palavra,
ao intitular um fato, é capaz, além de apresentar
Para isso, Vygotski em suas obras pro- sua filosofia, clarificar sua teoria e sua estrutura
põe a superação da “velha psicologia” por uma, (VYGOTSKI, 1991, apud TULESKI, 2008). Par-
como intitulada por ele, “nova psicologia”, que tindo disso, Vygotski considera que a transfor-
posteriormente efetivou-se como Psicologia His- mação de tal contexto não se faz somente nos
tórico-Cultural, “que fosse capaz de eliminar a nomes, mas sim nas relações entre as coisas,
dicotomia entre corpo e mente e realizar a sín- bem como na maneira em como tais relações
tese”, compreendendo-os assim em relação se explicam e no que estas contém (TULESKI,
dialética (TULESKI, 2008, p. 81). Assim, tal su- 2008).
peração só seria realizável com uma psicologia
que compreendesse o homem e a natureza a Pode-se entender a sua preocupação com
partir de uma concepção histórica, a qual enten- a origem social da linguagem, no sentido de
desse o homem como um ser ativo na relação fazer chegar ao outro uma mensagem, um
significado. Se este significado se perde, se
com a natureza, ou seja, que fosse “produto e
uma mesma palavra pode significar infinitas
produtor de si e da própria natureza” (TULES- coisas ou relações, perde-se a função de
KI, 2008, p. 91). Psicologia esta que Vygotski comunicação e a linguagem se torna autis-
denomina de Psicologia Geral, a qual possuiria ta (só que fala compreende) ou restrita a um
um princípio explicativo único para tratar-se dos pequeno grupo que compartilha os mesmo
fenômenos humanos, “seria a criação do novo significados. Portanto, para entender as pa-
a partir e contra os elementos antigos” (TULES- lavras, para atingir seu significado, é preciso
KI, 2008, p. 91), eliminando assim a dicotomia recuperar sua historicidade, isto é, quais re-
e as explicações reducionistas existentes nas lações homem-natureza elas refletem. Sem
teorias psicológicas de tal período. A psicolo- esta concretude, as palavras não passam de
gia, então, precisa deixar de ser uma ciência abstrações (TULESKI, 2008, p. 103).
pura, desconectada das reais necessidades, e
metamorfosear-se em uma ciência que consiga Dessa forma, permanece claro que os
compreender os impasses gerados pela vida em fatores fundamentais para a constituição do in-
sociedade (TULESKI, 2008). divíduo social e a construção dos significados,
As demandas da prática social nortearam baseiam-se na historicidade e na cultura, prin-
a construção desta nova psicologia, acoplando cípio este que funda a Psicologia Histórico-Cul-
teoria e prática e desenvolvendo uma metodolo- tural, a qual entende a constituição do homem
gia única, tais fatores impediram que essa nova como síntese de sua relação com o meio, ou
visão se configurasse de maneira ideológica e seja, a partir do momento que o indivíduo modifi-
separada da realidade, para Vygotski, não se ca a natureza, produz a cultura e apreende esta,
trata de praticidade, mas sim de uma atuação re- humanizando-se e, é por meio dessa relação
volucionária e transformadora da vida em socie- que o homem eleva-se do ser animal e torna-se
dade (TULESKI, 2008, p. 94). “A vida necessita humanizado, assim como, através das relações
da psicologia e de sua prática e a consequência sociais que o sujeito constrói a si e a sociedade
desse contato com a vida é esperar o auge da (ENGELS, 1876).
psicologia” (2VYGOTSKI, 1991, p. 359 apud TU- Buscando construir uma psicologia que
LESKI, 2008, p. 94). fosse coexistente com as transformações histó-
ricas requeria-se, então, excluir a determinação
2
VIGOTSKI, L. S. Problemas teóricos y metodológicos de la psico-
logía. Madri: Visor, 1991. (Obras escolhidas, 1).
biológica e fazer o homem como ativo nessas
a continuidade de um processo histórico. A hu- autores Vygotski (2001), Leontiev (2004), Tuleski
manidade, então, teria de recomeçar, a cultura, (2008), Superti (2013), e Barroco (2007), sendo
os instrumentos, a linguagem, e todo o resto até elaborado através de discussões norteadas por
então construído, perderiam o seu significado suas contribuições na Psicologia Histórico-Cul-
(LEONTIEV, 2004). tural.
Entendendo que o desenvolvimento do Diante dessa pesquisa e do objeto apre-
homem, das forças e das aptidões são produ- sentado, dispomos como objetivo geral: inves-
tos da evolução sócio-histórica, cabe aqui res- tigar a arte enquanto um objeto cultural que pos-
saltar que nem todos possuem acesso a estas sibilita a reflexão dos sentimentos, provocando
aquisições, em consequência das “enormes saltos qualitativos na consciência, e como ob-
diferenças e condições do modo de vida, da ri- jetivos específicos: apreender a concepção de
queza da atividade material e mental, do nível arte para a Psicologia Histórico-Cultural; explicar
de desenvolvimento das formas e aptidões inte- a visão de homem proposta pela teoria; clarificar
lectuais” (LEONTIEV, 2004, p. 293). Sendo que, os conceitos de sentimento e emoção de acordo
em suma, tais diferenças são geradas pela des- com os princípios teóricos; compreender a arte
igualdade econômica, diferenças de classes, e, como uma técnica social.
então, consequentemente, as aquisições históri- O assunto tratado no artigo se faz de
cas acabam por separar-se, construindo a partir grande importância, uma vez que, em se tra-
daí a “alienação econômica dos meios e produ- tando da área acadêmica, não há muitas publi-
tos do trabalho em face dos produtores diretos”, cações acerca do tema, podendo assim contri-
que surge com a divisão do trabalho, da proprie- buir para a Psicologia apropriar-se da arte como
dade privada e da luta de classes, ou seja, “não um instrumento potencializador, como uma téc-
dependem da consciência ou da vontade dos nica social capaz de, através da reflexão crítica,
homens” (LEONTIEV, 2004, p. 294). transformar sentimentos, bem como, socialmen-
te, a possibilidade da própria humanização atra-
A divisão social do trabalho tem igualmente vés da arte.
como consequência que a atividade material
e intelectual, o prazer e o trabalho, a pro- REFLEXÕES SOBRE SENTIMENTO E
dução e o consumo se separem e pertença a EMOÇÃO À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRI-
homens diferentes. Assim, enquanto global-
CO CULTURAL
mente a atividade do homem se enriquece
e se diversifica, a de cada indivíduo tomado
à parte estreita-se e empobrece. Esta limi- Antes das conferências e elucidações
tação, este empobrecimento podem torna-se de Vigotski, diversas teorias que buscaram
extremos, sabemo-lo bem, quando um ope- compreender as emoções as concebiam como
rário, gasta todas as suas forças para realizar reações instintivas, comparando-as com as
uma operação que tem de repetir milhares de reações animais, e, os sentimentos, tendo so-
vezes [...] Como a maioria dominante possui mente o aparato biológico-animal como gênese.
não apenas os meios de produção material, Além disso, a emoção compreendida como uma
mas também a maior parte dos meios de pro- parte separada do psiquismo e apenas como
dução e de difusão da cultura intelectual e se
condição orgânica limitava-se ao desenvolvi-
esforça para os colocar a serviços os seus in-
teresses, produz-se uma estratificação desta mento desta (última), ou seja, conforme afirma
mesma cultura (LEONTIEV, 2004, p. 294). William James, emoções “associadas aos ór-
gãos internos, pouco ou nada variáveis no deco-
As aquisições históricas da humanidade rrer do desenvolvimento humano” impossibilitan-
não são inatas do homem, e sim são adquiridas do, assim, a manifestação de outras emoções e
ao longo da vida em meio à sociedade, contu- o próprio desenvolvimento emocional (MACHA-
do, infelizmente, para a grande maioria das pes- DO; FACCI; BARROCO, 2011, p. 650).
soas, o acúmulo dessas aquisições “só é possí- Vigotski, porém, distancia-se dessas
vel dentro de limites miseráveis” (LEONTIEV, compreensões, uma vez que entende os senti-
2004, p. 301) mentos e emoções como funções psicológicas
Os encaminhamentos metodológicos superiores, formadas e transformadas pelo meio
para o presente trabalho se deram de forma bi- social e pela historicidade; em distintas épocas
bliográfica, tendo como principais referências os históricas permeiam diferentes sentimentos e
emoções, estes diferenciam-se pois se modifi- cativas na transição da filogênese para a on-
cam conforme o desenvolvimento da cultura, da togênese e para o desenvolvimento históri-
educação e as condições objetivas das classes co, o que era simplesmente consequência de
sociais existentes, alterando assim os significa- reações fisiológicas, adquire características
culturais e históricas que se expressam no
dos sociais e sentidos pessoais dos sentimentos
comportamento do indivíduo e nas relações
e emoções (MACHADO; FACCI; BARROCO, estabelecidas com o outro (LEITE; SILVA,
2011). De acordo com Barroco (2007, p. 247): TULESKI, 2013, p. 43).
Por Funções Psicológicas Superiores [...]
A arte, como objeto cultural, pode provo-
entendem-se aquelas de origem social, que
só passam a existir no indivíduo ante a re- car emoções contraditórias que quando supera-
lação mediada com o mundo externo (com das possibilitam um salto qualitativo na estrutura
as pessoas e com aquilo que eles criam: ob- psicológica, sendo estas remodeladas em sen-
jetos, ferramentas, processos de criação e timentos, alterando, assim, a consciência (BA-
de execução) [...] funções que permitem uma RROCO; SUPERTI, 2014). A arte, então, objeti-
conduta geneticamente mais complexa e su- va os sentimentos e outras faculdades humanas.
perior a dos animais, posto que planejada, Destaca-se que não há uma distinção
consciente e intencional. rigorosa entre os termos sentimento e emoção
nos escritos de Vigotski (2001), caracterizando
Sendo assim, ao afirmar que sentimento muitas vezes os dois como sinônimos. O autor
e emoção são funções psicológicas superiores, declara que, emoção é um ato de reflexo diante
estas são entendidas como dispositivos capazes de estímulos mediados externamente no meio,
de sistematizar, desenvolver e transformar pro- os quais instigam diferentes comportamentos,
cessos mentais exclusivamente humanos, atra- caso contrário, se fossem atos desprovidos de
vés da mediação que essas funções realizam emoção, a reação indiferentemente não afetará
com intencionalidade para alcançar determina- qualitativamente o comportamento (BARROCO;
dos fins, de forma voluntária e não instintiva, SUPERTI, 2014). Já o sentimento é uma função
que, objetiva promover, uma nova organização psicológica superior que se relaciona dialetica-
psicológica que amplie a consciência do indiví- mente com as outras funções psíquicas (BA-
duo, no sentido de reconhecer a si e o mundo RROCO; SUPERTI, 2014).
em constante relação. E, é neste processo que, Ainda, para compreender a distinção dos
a condição psíquica do homem se eleva da con- conceitos de emoção e sentimento, Barroco &
dição natural através das relações sociais, das Superti nos dizem que:
apropriações de instrumentos constituídos de
características humanas que estão cristalizados [...] a primeira corresponde mais às neces-
na sociedade, como a educação, arte e a cul- sidades orgânicas, ligadas às sensações,
tura, alcançando, assim, uma condição psíquica enquanto o sentimento corresponde às ne-
social e histórica, sendo esta tipicamente huma- cessidades culturais e sociais lapidadas ao
na e que possibilita o desenvolvimento acima longo do processo histórico e do trabalho.
da condição biológica, permitindo funções psi- No entanto, no homem, vivente em socie-
dade, nenhuma das funções psíquicas são
cológicas superiores ainda mais desenvolvidas,
puramente orgânicas e instintivas, por isso,
uma vez que estas estão em constante transfor- mesmo as emoções guardam caráter cultural
mação (SUPERTI, 2013). (2014, p. 27).
A teoria de Vigotski, então, aborda as
emoções e os sentimentos de modo entrelaçado Compreende-se, então, que os fenô-
com as outras funções psíquicas, e seguindo a menos emocionais não se limitam apenas nas
base materialista e dialética, juntamente à sua reações aos estímulos externos, uma vez que
teoria, o desenvolvimento não se dá separado nossa estrutura psíquica contém sensações que
da realidade material e social, e suscita, assim, também nos influenciam, ou seja, “todo senti-
mudanças tanto quantitativas como qualitativas mento possui além da manifestação externa,
(SILVA, 2011) no próprio psiquismo. Diante dis- corpórea, uma expressão interna que se mani-
so, se pode dizer que: festa na seleção de pensamentos, imagens e
impressões” (VIGOTSKI, 2001, p. 21), sendo
a emoção passa por transformações signifi-
que estes impulsos emocionais externos e inter- te ato criativo e na resposta estética (SUPERTI,
nos, quando apropriados pelo homem transfor- 2013, p. 24). Sendo assim:
mam-se de forma qualitativa em sentimentos.
Diante de tais fatores, cabe ressaltar a produção artística, como toda produção
que, como dito por Teplov, a arte é um impor- humana, apreende as relações sociais, por
tante meio para a constituição da personalida- meio dos materiais e técnicas empregadas,
de humana, uma vez que esta impacta dema- pela temática, forma e estilo. Não constitui,
então, uma reprodução perfeita da realidade,
siadamente os processos psicológicos, como
mas uma criação a partir dela, na qual se ob-
também, implica claramente na percepção e nos jetiva características humanas. Entendemos
sentimentos (SILVA, 2011). De maneira mais su- que a exposição de conteúdos a respeito da
cinta, ainda de acordo com Teplov, pode-se con- história permite deixar mais claro em que
cluir que a arte é um instrumento poderoso para chão os autores pisaram e quais rumos vis-
o desenvolvimento dos sentimentos, pois pro- lumbram para o homem e a sociedade (SU-
porciona experiências emocionais que além de PERTI, 2013, p. 24).
trazer a tona os sentimentos já existentes no ho-
mem, possibilita que este entre em contato com Dessa forma, é possível compreender a
outros sentimentos que até então desconhecia, arte como um dos alicerces para a objetivação
sendo que esses sentimentos e emoções pos- das funções psicológicas superiores, uma vez
sibilitam que o homem desenvolva sua própria que essas funções precisam ser mediadas, e
humanidade (SILVA, 2011). para isso se pode utilizar da arte como instru-
Assim, entende-se que, em relação às mento que estrutura a síntese psicológica. A
funções psicológicas superiores, emoção e sen- arte opera em um campo do psiquismo huma-
timento as duas tem raiz na história e socieda- no responsável pelos sentimentos (VIGOTSKI,
de humana, ou seja, tem como fundamento as 2001), assim, a arte constituída representa as
relações sociais permeadas pela realidade his- apropriações já feitas pelo homem, envolven-
tórica, contudo, concebendo-as como caracte- do sentimentos e emoções, e não apenas rela-
rísticas psicológicas, emoção e sentimento pos- cionadas ao artista ou a quem dela se apropria
suem diferenças. No sentido de que, o indivíduo (SUPERTI, 2013). Podemos dizer, então, que a
é afetado pela emoção por diferentes fontes, admiração da arte possui ligação com a interpre-
como a arte, por exemplo, e por outro lado, o tação psicológica que dela realizamos (SUPER-
sentimento é sentido de forma mais duradou- TI, 2013), assim, “a arte é uma técnica social do
ra pelo homem e, devido a isso, pode compor sentimento, um instrumento da sociedade atra-
inclusive sua personalidade, como também, se vés do qual incorpora ao ciclo da vida social os
vivenciado através da arte, pode o mesmo ser aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser”
transformado e impactar todo o psiquismo (SU- (VIGOTSKI, 2001, p. 315).
PERTI, 2013). Concebendo a arte como uma técnica
social, por mais que a interpretação ocorra de
A ARTE ENQUANTO TÉCNICA SOCIAL DE forma individual, todo o processo é construído
HUMANIZAÇÃO: OBJETO CULTURAL ME- em essência pelo coletivo, ou seja, a arte é o
DIADOR PARA O DESENVOLVIMENTO E social em nós, assim, o social não se trata ape-
TRANSFORMAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICO- nas da pluralidade de pessoas, pois pode exis-
LÓGICAS SUPERIORES (SENTIMENTO E tir em um único homem em relação com suas
EMOÇÃO) emoções pessoais (VIGOTSKI, 2001).
No movimento em que a arte se proces-
Vigotski (2001) nos traz a necessidade sa no homem decorre-se a catarse, essa po-
de se investigar a correlação entre psicologia e dendo ser entendida como a transformação de
arte, uma vez que a arte possui um caráter social emoções, não em simples contágio destas, mas
e é uma criação tipicamente humana, assim, tra- em sua superação, que antes estando fora do in-
ta-se de algo unicamente humano que expressa divíduo são apropriados. Sendo, então, a catar-
“concepções, valores e opiniões de determinada se um choque entre a vivência emocional e sen-
classe social”, e que requer, então, a atenção da timental expressados pela obra com a emoção e
psicologia, a qual busque descobrir os proces- sentimentos do próprio indivíduo. A catarse pro-
sos psicológicos que se fazem necessários nes- move, através da vivência indireta e incomum, a
A arte, como um objeto cultural mediador, Conclui-se, então, que a arte, como um
permite o contato com experiências, sentimen- objeto cultural mediador, é de grande eficácia
tos e emoções incomuns até então, nos quais para o desenvolvimento psíquico do homem,
se entra em contato com aspectos emocionais pois é a objetivação e a mediação entre o ho-
distintos que promovem o desenvolvimento de mem, a sociedade e a historicidade desta, sen-
outras funções no psiquismo, nesta vivência o do, assim, indispensável para a transformação
indivíduo, ao apropriar-se da obra, está se apro- do psiquismo e da constituição/desenvolvimento
priando também da objetivação realizada por das funções psicológicas superiores. Contudo,
outro sujeito, sendo possível sentir o que foi ob- quando carregada de um valor de mercadoria
jetivado na produção artística. Esse processo de em um sistema capitalista, visando ao lucro e
catarse permite, além de superar os sentimentos acúmulo de poder, perde significativamente o
já existentes no psiquismo, instigar o ato criador seu potencial transformador, impossibilitando a
e até mesmo a humanização através da arte; o reflexão, a conscientização e a própria humani-
homem ao realizar a síntese deste processo ci- zação que se é possível ao entrar em contato
tado apropria-se de produções humanas que o com a arte, num processo mediado e de apren-
desenvolvem como ser social. dizagem (SUPERTI, CRUZ; BARROCO, 2011),
Assim, a arte pode possibilitar reflexões enfatizando que é através desta relação dialé-
acerca da constituição psíquica intrinsecamen- tica que o homem constitui sua humanidade,
te com as funções psicológicas superiores, de apropria-se da potência de transformação da
modo conscientizador, diferenciando de um pro- arte e modifica a si e sua realidade.
cesso alienador, levantando as relações que
estão envolvidas nestes processos e como as REFERÊNCIAS
mesmas impactam na construção do homem. É
possível por meio da arte objetivar o que está BARROCO, S. M. S. Psicologia educacional e
subjetivo no homem, seus pensamentos e sen- arte: uma leitura histórico-cultural da figura
sações, esses ficando materializados na reali- humana. Maringá: Eduem, 2007.
dade concreta, permitindo que organize, reflita
e se conscientize acerca da essência destes BARROCO, S. M. S.; SUPERTI, T. Vigotski e o
processos, como são constituídos e como são estuda da psicologia da arte: contribuições
apropriados na relação dialética entre homem e para o desenvolvimento humano. Belo Hori-
sociedade. zonte: Psicologia & Sociedade, 26(1), 22-31,
Contudo, é preciso mediação para que 2014.
haja a apropriação de uma obra artística, pois
COLE, M.; SCRIBNER, S. Introdução. In: VI-
tal apropriação não se dá instantaneamente,
GOTSKI, L. S. A formação social da mente.
necessita de relações sociais que possibilitem
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
transferir o significado da obra para quem a vi-
vencia, “no sentido deste recriar em si o que foi
ENGELS, F. O Papel do Trabalho na Trans-
superado na criação da obra. O processo de ca-
formação do Macaco em Homem. 1. ed. Neue
tarse implica em colocar em contradição o que
Zeit: Marxists Internet Archive, 2004.
já estava apropriado pelo sujeito com a nova vi-
vência suscitada pela arte, este choque poderia GOMIDE, D. C. O materialismo histórico-
resultar em transformação psíquica” (SUPERTI, -dialético como enfoque metodológico para
2017). a pesquisa sobre políticas educacionais. Dis-
Outro ponto a destacar é que a arte, ponível em: < http://www.histedbr.fe.unicamp.
como produção humana e perpetuada na socie- br/acer_histedbr/jornada/jornada11/artigos/2/
dade, se torna um objeto voltado para o lucro e artigo_simposio_2_45_dcgomide@gmail.com.
carrega o objetivo desmedido de manter o con- pdf>. Acesso em: 10 maio 2017.
trole/alienação da população em se tratando de
um sistema capitalista e, para tal, acaba por li- KONDER, L. O que é dialética. São Paulo: Bra-
mitar o acesso da sociedade e restringe, assim, siliense, 2008.
a potência de reflexão e desenvolvimento que
as diversas formas de arte podem suscitar no LEITE, H. A.; SILVA, R.; TULESKI, S. C. A emo-
homem (SUPERTI, CRUZ; BARROCO, 2011). ção como função superior. Disponível em: