Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Karen Brustolin1
Tarine Bacarin Alves2
Tatiane Superti3
BRUSTOLIN, K.; ALVES, T. B.; SUPERTI, T. A construção da
personalidade no período da adolescência da classe trabalhadora na
perspectiva da psicologia histórico cultural. Akrópolis Umuarama, v.
26, n. 1, p. 45-57, jan./jun. 2018.
DOI: 10.25110/akropolis.v26i1.6418
É marcado pelo início do uso de instrumentos e por sua presença, já os homens dominam a na-
pelas primeiras formas de trabalho e sociedade, tureza, fazem as modificações nela que julgam
ainda que iniciais. O homem ainda era regido necessárias. Os animais agem para satisfazer
por leis biológicas, transformando-se anatomi- as suas necessidades e os homens para produ-
camente e transmitindo essas mudanças atra- zir os meios de satisfazer as suas necessidades.
vés da hereditariedade, mas, ao mesmo tempo, E é o trabalho que determina essa diferença
aparecem novos elementos na história do seu (ENGELS, 2000).
desenvolvimento. Começava-se aí, a partir do Com essa base material exposta por En-
desenvolvimento do trabalho, a necessidade de gels (2000) e Marx (LESSA; TONET, 2008), em
comunicar-se pela linguagem, portanto, ocorre- que é por meio das relações de trabalho que o
ram modificações na constituição biológica do homem se constrói e constrói a natureza, que
homem, tais como em seu cérebro, órgãos do Vigotski utiliza-se do materialismo histórico dia-
sentido, sua mão, os órgãos da linguagem e etc. lético para subsidiar a formação de uma visão
Resumindo, o desenvolvimento biológico do ho- de homem para psicologia. Foi então que ele,
mem passa a se tornar dependente do desen- juntamente com Lúria e Leontiev formam um
volvimento social. Assim, nasce o homem, em grupo de pesquisa, na Universidade de Moscou,
primeiro lugar regido por leis biológicas, com a aperfeiçoando estudos na psicologia e pedago-
adaptação dos órgãos às condições e necessi- gia. Sendo assim, Vigotski e seus companheiros
dades de produção e, depois, por leis sócio-his- destacam a consciência embasados por Marx e
tóricas, que regem o desenvolvimento da própria Engels, concluindo que as estruturas da cons-
produção e todos os fenômenos que a compõe ciência humana são formadas pelas relações
(LEONTIEV, 2004). sociais e as condições expostas a ela (BRAGA,
Observa-se, então, que todas as ações 2010).
realizadas pelo homem advindas do trabalho re- Marx afirma que os homens só existem
querem um conjunto de componentes orgânicos se transformam a natureza, por meio do traba-
e sociais para que haja, então, uma relação com lho, sendo assim, sem o trabalho, a reprodução
a natureza, nos processos de formação social, social não seria possível. Mesmo a natureza
de modo que o homem transforma a natureza, e sendo dependente da reprodução social, isso
a natureza o transforma e o constrói por meio do não quer dizer que as leis que regem a natureza,
trabalho. (ENGELS, 2000). regem também o homem. A vida social não é de-
No último estágio da transição do ma- terminada por fatores biológicos, e sim por fato-
caco em homem, é onde surge o homem atu- res sociais. O trabalho não só permite a transfor-
al – Homo Sapiens, sendo o momento em que mação da natureza em sociedade, mas também
a evolução do homem se liberta totalmente das permite que o homem se construa como indiví-
leis biológicas. Isso quer dizer que não há mais duo. Por meio do trabalho, o homem se torna um
mudanças biológicas significativas. O desen- ser social, regido por leis de desenvolvimento
volvimento do homem, a partir desse momento, completamente distintas das leis que regem os
é regido por leis sócio-históricas (LEONTIEV, processos naturais. Sendo o trabalho do homem
2004). um processo consciente, diferentemente, dos
animais que produzem suas ações por meio da
Embora Vigotski concorde com a idéia hereditariedade (LESSA; TONET, 2008).
da evolução, ele separa o comporta- A distinção entre a evolução biológica e
mento dos animais e dos homens pela a evolução da história humana é baseada nos
emergência da cultura e atribui um papel escritos de Marx e, principalmente, de Engels,
limitado à base genética do comporta-
com a explicação da transição do macaco em
mento humano. Enquanto as leis bioló-
gicas explicam a evolução das espécies, homem, a partir da teoria de Darwin. Percorren-
são leis sócio-históricas que explicam o do a história da evolução até o momento em que
desenvolvimento do homem com inicio surge o Homo Sapiens (BRAGA, 2010).
da cultura. (BRAGA, p. 22, 2010) Para Braga (2010), as funções psicológi-
cas superiores ou culturais a partir de Vigotski,
As diferenças entre os animais e os ho- bem como a linguagem, capacidade de plane-
mens são que os animais apenas utilizam a na- jamento, atenção voluntária, fala, pensamento e
tureza e produzem modificações nela somente entre outras funções, são construídas e trans-
formadas qualitativamente. Já as funções, ditas cias: Marx e Engels (2000; 2002; 2003), Engels
elementares se determinam na evolução biológi- (1988), Vigotski (1996), Leontiev (2004), Leal
ca. Sendo assim “[...]segundo Vigotski, não po- (2016), Braga (2010), Facci (2004), Martins
dem ser aplicados os mesmos princípios expli- (2004) e Netto (2011), contendo aspectos rela-
cativos para os dois tipos de processo” (BRAGA, cionados à construção da personalidade no perí-
p. 22, 2010), desta forma Vigotski se baseou nos odo da adolescência, impactando no adolescen-
processos de mudanças, a partir da natureza so- te da classe trabalhadora.
cial e da mediação por meio de signos. A formação da personalidade é decorren-
É na mediação em que temos um com- te de uma relação dialética entre fatores internos
portamento indireto e mediado por meio de ins- e externos, através de relações entre as condi-
trumentos e signos, ou seja, se não houver me- ções objetivas e subjetivas do indivíduo, que ao
diação, nosso comportamento será automatica- encontrar-se inserido nessa sociedade, se sin-
mente realizado por meio de reflexos, de forma gulariza e se diferencia. As condições objetivas
imediata e direta. se referem às relações sociais do indivíduo, seu
Comportamento mediado = E – M – R contato com outros indivíduos, com aquilo que
Comportamento não mediado = E – R é externo. E as condições subjetivas se referem
E= estímulo; M= mediação; R= resposta ao aparato biológico e à materialidade psicológi-
(BRAGA, 2010). ca dos indivíduos, que se desenvolveram atra-
Quando falamos em instrumentos as- vés da atividade social dele (MARTINS, 2001
sociamos às estruturas materiais, porém as apud SILVA, 2009).
próprias funções superiores podem ser instru- Sendo assim, a personalidade de cada
mentos umas das outras, como por exemplo, indivíduo não se forma isoladamente, mas sim,
acredita-se que a fala é um instrumento do pen- a partir do resultado da atividade social, não
samento, então pode se dizer que a fala é um dependendo dos indivíduos individualmente ou
instrumento de mediação para que haja uma separadamente, e sim das relações que se esta-
resposta: o pensamento (BRAGA, 2010), bem belecem entre eles (MARTINS, 2004).
como, temos o machado como instrumento ma- A adolescência é caracterizada por uma
terial, que é utilizado para a execução da ativida- passagem da etapa infantil para a etapa da ado-
de humana: o trabalho (LESSA, TONET, 2008). lescência, de modo que os adolescentes pas-
Os modos de mediação são fundamen- sam por crises entendidas como crise dos 13
tais para a formação das funções psicológicas (puberdade – 14 aos 18 anos) e crise dos 17.
superiores, porém devemos salientar que vi- As crises podem alterar a personalidade do indi-
vemos em constante desenvolvimento social e víduo, bem como causar mudanças bruscas em
natural, de modo que a natureza do homem se seu comportamento, marcadas pelo negativismo
altera, o psiquismo se transforma, e a relação nas exigências a serem cumpridas, entrando,
entre homem e sociedade vive em uma cons- por vezes, em conflito com os adultos. As crises
tante metamorfose, acarretando na mutação dos são identificadas como um processo dialético
instrumentos e do uso deles (BRAGA, 2010). pelo qual se apresentam como uma necessida-
A partir do breve exposto teórico a res- de de mudanças internas que se originam na su-
peito da formação do homem, esta pesquisa tem peração de uma etapa e contradição do modo
por objeto de estudo a formação da personali- de vida (FACCI, 2004).
dade na adolescência da classe trabalhadora. É no período da adolescência em que
Assim temos como objetivo geral: compreender, ocorrem inúmeras mudanças biológicas e físi-
na perspectiva da Psicologia Histórico Cultural cas no corpo do indivíduo, porém não se pode
a construção da personalidade na adolescência reduzir o entendimento a esta etapa apenas por
da classe trabalhadora. E como objetivos espe- essas mudanças, segundo a Psicologia Históri-
cíficos: 1) Investigar o processo de formação da co Cultural. O adolescente é visto, a partir dessa
personalidade; 2) Estudar o período da adoles- perspectiva, como um ser social e histórico, pois
cência para a Psicologia Histórico Cultural; 3) “[...] as leis biológicas e as características deter-
Compreender as classes sociais a partir do Ma- minantes do desenvolvimento humano pautadas
terialismo Histórico Dialético. na hereditariedade não são mais as forças motri-
Este estudo será pautado na pesquisa zes do desenvolvimento humano, pois cederam
bibliográfica, tendo como principais referên- lugar às leis sócio-históricas.” (ANJOS, 2014, p.
É então na psicologia histórico cultural a partir disso, nascem novos motivos, levando-
que surge a necessidade de superação de al- -a a uma nova interpretação de suas ações do
gumas teorias voltadas a modelos adaptativos. passado. A atividade que antes era determinada
Sendo o homem como ser histórico e cultural como atividade principal passa a ser segundo
(FACCI, 2004; ELKONIN, 1987 apud LEAL, plano, dando lugar a uma nova atividade domi-
2016) . nante que vai dar início ao novo estágio do de-
Todavia, o indivíduo no período da ado- senvolvimento (LEONTIEV, 1998 apud FACCI,
lescência passa por mudanças biológicas, físi- 2004).
cas e, essencialmente, por mudanças sociais. Neste período, o indivíduo começa a se
Como estas relações são mediadas e de que interessar por novas coisas, ter novos hábitos,
maneira refletem em seu psiquismo? (ELKO- tendo mudanças muito visíveis em seus compor-
NIN, 1987 apud LEAL, 2016). tamentos, sendo o que determina este período.
Bem como, a psicologia em uma série de Dessa forma, o adolescente deverá internalizar
teorias reduz a adolescência a uma fase matu- esse novo processo, ao qual antes era externo,
racional (puberdade), ocorrendo mudanças bio- desenvolvendo seu pensamento. “Os novos es-
lógicas e fisiológicas, o que por vezes não se tímulos surgidos nessa etapa impulsionam o de-
deve deixar de lado, entretanto deve-se analisar senvolvimento e os mecanismos do pensamen-
o que há por trás desses aspectos, quais fatos to” (LEAL, p. 27, 2016).
externos podem favorecer para uma investiga- Na adolescência, o indivíduo passa por
ção eficaz desse período, não analisando como esses processos descontentes e conflituosos,
um conjunto de sintomas pertencentes a certo nesse período de crise, entre um estágio de de-
período (VYGOTSKI, 1996 apud LEAL, 2016) . senvolvimento e outro, sendo estes ocorrentes
Segundo Facci (2004), o desenvolvimen- de forma dialética, superando as contradições,
to é marcado por estágios, cada um deles é de- constituindo uma etapa em que o indivíduo cria
finido por uma atividade principal, que é a princi- suas críticas revolucionárias, construindo assim
pal forma de relacionamento do indivíduo com a a sua personalidade (LEAL, 2016).
realidade. Através dessas atividades principais, É por meio das relações sociais em que
a criança se relaciona com o mundo a sua volta o indivíduo transforma seu conteúdo social em
e em cada um dos estágios se formam necessi- individual, ou seja, na passagem de uma idade
dades específicas em seu psíquico. para a outra, a consciência se modifica, por meio
Apesar de cada período do desenvolvi- das diferentes formas de atividade, compostas
mento ter uma atividade principal, no próximo por um conjunto de dinâmicas de desenvolvi-
período, ela não deixa de existir, ela apenas dá mento (LEAL, 2016).
o lugar de atividade principal a outras atividades. A chegada da adolescência acontece
Novos motivos surgem e, a partir disso, é preci- com a atividade principal de comunicação íntima
so que uma nova atividade se estabeleça, para pessoal entre os adolescentes. Ocorre uma mu-
que o desenvolvimento dê continuidade (ELKO- dança com relação à posição que o adolescente
NIN, 1987 apud REIS; FACCI, 2015). ocupa em relação ao adulto, junto aos conheci-
O que marca essa passagem de um perí- mentos que ele possui e suas capacidades. Em
odo para outro são as crises. E é a crise que de- alguns casos, colocam-no como igual aos adul-
limita, quando um período se encerra e quando tos e, em alguns casos em particular, até como
dá-se início a outro (ELKONIN, 1987 apud REIS; alguém superior aos adultos. O adolescente
FACCI, 2015) . torna-se crítico, com as exigências que lhe são
A passagem de um estágio do desen- impostas, modos de agir, qualidades pessoais
volvimento para outro ocorre quando a criança dos adultos e com os conhecimentos teóricos.
começa a se dar conta que o lugar que ocupava Ele busca, na relação com os outros adolescen-
nas relações sociais ao seu redor e que esse tes um posicionamento diante das questões que
espaço não corresponde mais às suas potencia- realidade impõe a sua vida (FACCI, 2004).
lidades naquele momento e, movimentando-se O estágio da adolescência é o mais crí-
para modificar, surgem as contradições. Ela tem tico, pois, nessa idade, a atividade principal é a
consciência das relações sociais que estabe- relação pessoal íntima, que os adolescentes ao
lecia anteriormente e isso faz com que busque se relacionarem entre si encontram uma forma
uma mudança na motivação de sua atividade e, de reproduzir as relações entre os adultos. A in-
teração com o grupo é mediada e determinada vidade dominante profissional de estudo, que
por normas e regras do grupo. O estudo ainda é possibilitará que o adolescente pense sobre sua
considerado uma atividade importante para esse escolha profissional. (PETROVISKI, 1979 apud
período e ocorre o domínio da estrutura geral da REIS; FACCI, 2015) .
atividade de estudo naqueles que são alunos, a Na idade escolar avançada, a atividade
formação do caráter voluntário, tomada de cons- de estudo é utilizada para o adolescente como
ciência das particularidades individuais de traba- um meio de orientação e preparação para a pro-
lho e a utilização dessa atividade para organizar fissão futura. O adolescente possui o domínio
as interseções com os outros alunos (FACCI, dos meios de atividade de estudo autônomo,
2004). com uma atividade cognoscitiva e investigativa
É nessa fase do desenvolvimento que se criadora. E a etapa final do desenvolvimento
produz no adolescente um avanço no desenvol- acontece quando o indivíduo torna-se trabalha-
vimento intelectual, formando os conceitos. O dor (DAVIDOV; MÁRKOVA, 1987 apud FACCI,
pensamento por conceito proporciona para os 2004).
adolescentes uma consciência social, e o co- Quando estiver inserido no mundo do
nhecimento da ciência, arte e diversos outros trabalho, o adolescente se tornará adulto. O tra-
conhecimentos na esfera cultural podem ser as- balho torna-se sua nova atividade dominante.
similados. Através do pensamento por conceito, O adulto, por meio do trabalho, possui um novo
o adolescente consegue compreender a realida- lugar na sociedade, e suas relações ocorrem e
de em que ele vive, as pessoas ao seu redor e se processam de modo diferente das anterio-
a si. O pensamento concreto passa a dar seu res. Ocupa o lugar central da estrutura social e
lugar ao pensamento abstrato e o conteúdo do evolutiva da sociedade, pois é o principal equi-
pensamento do adolescente se transforma em pamento de transmissão do mecanismo estatal,
convicção internalizada, orientação de seus in- social e econômico. E, apesar de o trabalho ser
teresses, em normas, em sentido ético, em seus a sua atividade dominante, nem sempre a rea-
desejos e seus objetivos. (VYGOTSKI, 1996 lização desse trabalho se dá de maneira iguali-
apud FACCI, 2004) tária nas sociedades capitalistas (PRETOVISKI,
A adolescência é um período muito im- 1979; TOLSTIJ, 1989 apud REIS; FACCI, 2015).
portante no desenvolvimento do indivíduo, pois
é nela que se formam as funções psicológicas CLASSES SOCIAIS: PRIMEIRAS REFLEXÕES
superiores, a formação dos conceitos, o pensa-
mento abstrato, que vão permitir com que o ado- Para Netto (2011), pautado no Mate-
lescente compreenda a realidade e também que rialismo Histórico Dialético, acredita-se que as
forme uma concepção do mundo e de si (LEAL, classes sociais surgem desde o feudalismo, de
2016). modo que havia uma divisão de afazeres e lu-
cro, ou seja, os senhores feudais permaneciam
Por meio da comunicação pessoal com com a maior parte da produção, executada pelos
seus iguais, o adolescente forma os pon- homens que usufruíam se suas terras. Posterior-
tos de vista gerais sobre o mundo, sobre mente, o conceito de classes fica mais nítido, por
as relações entre as pessoas, sobre o
meio da divisão de poderes advindas do capita-
próprio futuro e estrutura-se o sentido
pessoal da vida. Esse comportamento lismo, a partir dos modos de produção, quando a
em grupo ainda dá origem a novas ta- propriedade privada ganha espaço socialmente,
refas e motivos de atividade dirigida ao e surge a necessidade da divisão do trabalho.
futuro, e adquire o caráter de atividade
profissional/de estudo. (FACCI, 2004 p. [...] neste novo modo de produção a divi-
71) são do trabalho se dá entre quem conce-
de e quem executa o trabalho, ou seja,
Por meio da socialização e da comuni- entre quem tem a posse da proprieda-
cação, o adolescente desenvolve opinião acerca de e os meios de produção e quem vai
operar diretamente na produção de tais
do mundo, das relações e do futuro. E a partir
mercadorias. (NETTO, p. 5, 2011).
disso, que em grupo, por meio da linguagem,
surgem novas tarefas e motivos que dizem res- Entretanto, essa divisão causa impacto
peito ao futuro. Estabelecendo-se então a ati- na classe trabalhadora. A manufatura, exercida
pelo atual proletariado não é mais interessante Neste sentido, a classe burguesa, que-
para o capitalismo, pois a execução desta pro- bra todo e qualquer vínculo cultural em prol do
dução era lenta demais comparada à indústria capitalismo, bem como o sentimento de família,
moderna, a qual executava o trabalho em menor na qual desde cedo, os filhos saiam de casa
tempo e custo (MARX; ENGELS, 2003). É neste para sua sobrevivência futura, artimanha uti-
momento em que a burguesia utiliza-se do Esta- lizada pela indústria moderna, em que recorre
do, como um instrumento de domínio de outras à a força de trabalho como arma de produção
classes, organizando os negócios comuns para (MARX; ENGELS, 2003).
toda a burguesia. Neste sentido, percebe-se o Levando em consideração esses aspec-
reflexo do capitalismo na definição de classes, tos, entende-se, portanto, que as classes so-
pois, “Há sempre uma relação de oposição entre ciais, são diferenciadas, a partir do lugar em que
duas classes, de modo que uma não existe sem cada indivíduo ocupa socialmente e historica-
a outra” (NETTO, p. 5, 2011). mente, através da divisão do trabalho e a obten-
Podemos entender esta divisão de clas- ção de capital adquiridas por ele, diferenciando-
ses, observando as duas classes opostas, des- -se o seu espaço no sistema econômico (LÊNIN,
de processo criado por meio do capitalismo. 1980).
Sendo então a classe burguesa, a detentora de Marx e Engels (2003) criticam o capita-
capital, dona de propriedades que empregam o lismo, pois há uma relação antagônica de inte-
proletariado. Entende-se por proletariado, aque- resses e exploração entre classe trabalhadora e
les pertencentes à classe trabalhadora, “não burguesia, pois enquanto o proletariado busca
tendo meios próprios de produção são obriga- por melhores condições de trabalho e sobrevi-
dos a vender sua força de trabalho para sobre- vência, a burguesia procura meios para o au-
viverem” (ENGELS, 1888 apud MARX; ENGELS mento de capital. Assim sendo, se os burgueses
p. 26, 2003) . atenderem aos ideais do proletariado, a classe
Assim, surgem conflitos entre a classe burguesa não almejará o capital esperado.
burguesa e proletariado, devido às ideais, aos
objetivos e às diferentes necessidades, sendo CONSIDERAÇÕES FINAIS
entendidas como a luta de classes, pois a classe
dominante fazia da classe dominada um objeto Levando-se em consideração os as-
de alienação, por meio da produção, havendo pectos apresentados anteriormente, pode-se
uma contradição muito grande daquele que pro- observar que o homem é síntese das relações
duz e daquele que consome (NETTO, 2011). sociais de determinado momento histórico, pois
Com o desenvolvimento da burguesia, se constrói por meio de suas relações sociais
isto é, do capital, desenvolve-se também o pro- e contexto em que está inserido. Desse modo,
letariado, a classe dos operários modernos, cada indivíduo, se constrói de maneira diferente,
que só podem viver se encontrarem trabalho, e devido às formas de mediação apresentadas a
que só encontram trabalho na medida em que ele, ou seja, ocorrerão apropriações diferencia-
este aumenta o capital. Esses operários obriga- das de indivíduo para indivíduo. Assim, entende-
dos a vender-se diariamente, são mercadoria, -se a construção de homem através do traba-
artigo de comércio, como qualquer outro; em lho, diferenciando-o dos animais, pois o homem
consequência, estão sujeitos a todas as vicissi- transforma a natureza, produzindo instrumentos
tudes da concorrência, a todas as flutuações do a partir da sua necessidade, tornando-o um ser
mercado. (MARX; ENGELS, 2000). social; já os animais apenas saciam suas neces-
Dessa forma, os homens dessa classe sidades, agindo por reflexos/instintos, sem ter
deveriam se adaptar às condições em que os consciência.
meios de produção e a classe burguesa execu- A partir do Homo Sapiens, as mudanças
tavam sobre eles, com o intuito de crescer seu morfológicas não são mais significativas. Não
capital e reduzir os salários a níveis extrema- é mais o biológico que dita o desenvolvimento,
mente baixos, aumentando assim a carga de tra- deixa de ser algo inato, hereditário, por seleção
balho devido à concorrência de mercado o que e adaptação dos animais (das espécies) e pas-
“[...] torna a condição de vida do operário cada sa a ser um desenvolvimento a nível histórico
vez mais precária [...]” (ENGELS; MARX, p. 48 e social, não há mais mudanças biológicas sig-
2002). nificativas. O homem age de forma intencional,
transformando a natureza por meio do trabalho. Sendo assim, ocorrem diferenças no processo
A partir da transformação do meio, criamos a de desenvolvimento dos adolescentes da classe
cultura e assim toda a nossa história fica regis- trabalhadora com relação aos adolescentes da
trada por meio da cultura. classe burguesa.
O homem é um considerado um ser his- Para entendermos essa diferença, preci-
tórico cultural devido as suas apropriações ad- samos responder a pergunta: Quais são as ri-
quiridas ao longo da história. A apropriação é o quezas culturais garantidas aos adolescentes da
contato de forma mediada, por meio das rela- classe trabalhadora? Os adolescentes da classe
ções sociais, e ativa com a cultura. A atividade burguesa têm acesso a todas as apropriações
humana se encarna em objetos e é necessário necessárias para o desenvolvimento pleno das
que o indivíduo tenha uma atividade com esses funções psicológicas superiores, tendo acesso
objetos para poder se apropriar. A organização à educação formal de qualidade, cultura, lazer,
interna desses conteúdos se dá pela generali- saúde e etc.? Enquanto a adolescência da clas-
zação, que é a transposição dos vínculos - uma se trabalhadora é marcada por apropriações
abstração ligada a outras abstrações - da reali- que garantem apenas a reprodução da força de
dade concreta para a realidade interna, é a cate- trabalho barata, pois a sociedade capitalista em
gorização da realidade. Sendo assim, a função que vivemos empurra esses adolescentes para
da generalização é categorizar internamente a o mundo do trabalho, de maneira que são colo-
realidade externa. Só nos tornamos humanos cados no meio de uma busca por condições de
quando temos generalizado o processo histórico sobrevivência e a educação formal. Não sendo
acumulado. E esse processo de apropriação e possível aproximar-se da segunda opção, pois
generalização acontece de forma dialética. há a necessidade do trabalho e no que tange
Essas apropriações ocorrem por meio à esfera das políticas públicas lhe é ofertado o
das formas de mediação proporcionadas a cada mínimo para que ocorra a manutenção de sua
indivíduo, ou seja, havendo um estímulo advin- força de trabalho e para que esses adolescen-
do da necessidade de algo, o indivíduo será ex- tes continuem com a necessidade de vender sua
posto a alguma forma de mediação através de mão de obra barata por questões de sobrevivên-
instrumentos, posteriormente ocorrendo uma cia.
resposta (E – M – R), entretanto, não de uma Assim, o adolescente da classe burgue-
maneira mecanicista e sim dialética, pois a natu- sa encontra-se no desenvolvimento pleno das
reza se transforma constantemente, bem como suas funções psíquicas superiores, por meio
o homem. Como por exemplo, no período da da atividade principal de relação íntima pessoal
adolescência os adolescentes sentem maior ne- e a educação formal, formando o pensamento
cessidade de apropriações voltadas ao mundo por conceitos e preparando-se para entrar no
adulto, de como manejar diferentes tipos de res- mundo do trabalho na fase adulta. Já o adoles-
ponsabilidades, portanto, o estímulo seria esta cente da classe trabalhadora tem sua atividade
necessidade. Para este estímulo, são necessá- principal substituída pela atividade do trabalho,
rias formas de mediação, podendo ser identifica- não entrando em contato com os conceitos cien-
do para este período como instrumento a educa- tíficos que a educação formal oportuniza. Isso
ção formal: escola, livros, utensílios voltados ao prejudica o desenvolvimento de suas funções
estudo, tendo como resposta o pensamento por psíquicas superiores, pois nesse estágio do de-
conceito, porta de entrada para diferentes tipos senvolvimento dos adolescentes está formando-
de apropriações. Entretanto, devemos destacar -se o pensamento por conceitos. Porém ele não
que este processo ocorrerá de formas diferentes entra em contato com todas as apropriações ne-
para cada adolescente, devido à sua realidade cessárias para que desenvolva seu pensamento
e condições que subsidiem os modos inserção crítico.
social/cultural. A personalidade se forma então, median-
Negamos então a adolescência como te a pobreza cultural, que é destinada à esta
um processo natural e a compreendemos como classe, suscitando a dificuldade de pensar so-
uma reposta histórica, pois como dito anterior- bre si mesmo, os demais, e a própria socieda-
mente o homem é um ser histórico e cultural, de. Isso constrói um adolescente alienado, ou
que desenvolve-se à partir das apropriações melhor, um trabalhador alienado. Porém, apesar
dos objetos culturais que lhe são ofertados. da alienação ser ordem na formação dos adoles-
centes dessa classe, ela é passível de mudan- colar e Constituição da Consciência: Um es-
ça, por meio da ressignificação, e entrando em tudo sob a perspectiva da Psicologia Histórico-
contato com novos conceitos, esse adolescente -Cultural. Editora da Universidade Estadual de
poderá se tornar um sujeito consciente e crítico Maringá, 2016.
acerca da sociedade, das suas condições con-
cretas de trabalho e de vida. LÊNIN, V. I. Uma grande iniciativa. Vol. 3. São
Paulo: Editora Alfa Omega, 1980.
REFERÊNCIAS
LUCCI, M. A. A proposta de Vygotsky: a psico-
ANJOS, R. E. Aportes teóricos da Psicologia logia sócio – histórica. Profesorado. Revista
Histórico-Cultural à educação escolar de ado- de currículum y formación del profesorado,
lescentes. 2014. Disponível em: <http://www. 10, 2 (2006). Disponível em: <http://www.ugr.
histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/ es/~recfpro/rev102COL2port.pdf>. Acesso em:
jornada11/artigos/3/artigo_simposio_3_671_ri- 5 maio 2017.
cardo.eleuterio@hotmail.com.pdf> Acesso em:
15 jun. 2017. LESSA, S.; TONET, I. Introdução à filosofia de
Marx. São Paulo, Expressão Popular, 2008.
BRAGA, E. S. História da Pedagogia. Revista
Educação. São Paulo: editora Segmento, p. 20- LEONTIEV, A. L. Desenvolvimento do psiquis-
29, 2010. mo. São Paulo: Centauro, 2004.
CONSTRUCCIÓN DE LA PERSONALIDAD EN EL
PERÍODO DE LA ADOLESCENCIA DE LA CLASE
TRABAJADORA EN LA PERSPECTIVA DE LA
PSICOLOGÍA HISTÓRICO CULTURAL