Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Alfabetizacao Hoje Onde Estao Os Metodos
Alfabetizacao Hoje Onde Estao Os Metodos
através do livro didático. Assim, se dentro da política do Plano Nacio- livros, os procedimentos metodo-
em algum momento histórico, nal do Livro Didático, tem ocorri- lógicos ficam visíveis ou são
método e livro de alfabetização do uma tendência pela escolha de melhor percebidos apenas por pro-
passam a ter uma vinculação livros menos recomendados. Tal- fessores que já sabem o que fazer,
estreita, pode-se compreender por- vez estes apresentem procedimen- para fora do livro, em outras ativi-
que muitos professores esperam tos metodológicos que as professo- dades.
encontrar nos livros de alfabetiza- ras reconhecem com mais clareza. Cabe ressaltar, aqui, um
ção de hoje a permanência de pro- Analisando, por exemplo, as comentário de Emília Ferreiro
cedimentos sistemáticos e explíci- mudanças ocorridas entre cartilhas (2001) , afirmando que a forma de
tos para ensinar a ler. Assim, a ou pré-livros e os hoje chamados alfabetizar, nas tendências inova-
escolha de livros menos recomen- livros de alfabetização, percebe-se doras, não se encontra no livro,
dados de alfabetização, nos últi- uma ruptura com a ligação entre mas no saber do professor. A pes-
mos anos, pode ter outras explica- livro e método. Isso se torna mais quisadora conta que, no início da
ções, considerando este horizonte problemático quando quase não divulgação de seus trabalhos, foi
de expectativas. Uma pesquisa distinguimos um livro para alfabe- procurada por editores brasileiros
realizada em 2001, pelo CEALE tizar de outro livro de leitura. que queriam saber se ela queria
(Centro de Alfabetização, Leitura Assim, quando se rompe com um acabar com os livros de alfabetiza-
e Escrita) demonstra que, na esco- formato editorial/pedagógico, co- ção no Brasil. Emília afirmou na
lha de cartilhas pelos professores, locando o método para fora dos ocasião que “os melhores livros
didáticos são boa literatura, boas
enciclopédias, bons dicionários.
Estes sim, são os melhores livros
didáticos” (p. 4). Em seguida a
pesquisadora faz a pergunta:
Quantos são os educadores que
sabem alfabetizar com materiais de
boa qualidade, com materiais que
não foram feitos para ensinar a ler,
mas que foram feitos para ler? Com
materiais que não foram pensados
para ensinar a escrever? mas que
ajudam a escrever. E também com
materiais diversos ? (p.4)
serem lidos estão por todo lado, pedagógicas emanadas do discur- de outros parâmetros relativos à
desde que saibamos procurá-los, so científico e dos órgãos oficiais. cultura escrita. O que dizer então
resolvem os problemas do “ler Assim, pode-se dizer que, depen- da “velha” decodificação?
para aprender a ler?” Nesse caso, dendo da história de formação do O processo de legitimação e
deveríamos perguntar: se a desco- professor e de sua memória peda- deslegitimação de algumas práti-
berta da relações entre letras e gógica, este poderá contar com cas ocorre como se houvesse uma
sons não necessitaria de ensino recursos diferenciados na sala de forma única e poderosa para alfa-
explícito? Qual o sentido que os aula. O problema é que não temos betizar, que irá romper com as
professores e as pesquisas vêm dado a visibilidade necessária a outras. Através de pesquisas histó-
dando às necessidades pedagógi- esses procedimentos, no sentido ricas, sabemos que alfabetizar
cas de ensinar a decodificação e às de construir modelos de ação, para sempre foi um problema difícil,
necessidades do leitor de aceder a os professores que não dispõem que não se esgota num material
ela, para se tornar cada vez mais desses recursos nem na memória, nem apenas em um tipo de condu-
autônomo? nem no livro de alfabetização, ta metodológica. Mas, se são
O fato é que alguns professo- nem nos cursos de formação. encontradas soluções particulares,
res têm tentado hoje conciliar os Por outro lado, temos ainda por que a caça às bruxas?.
métodos que conheceram antes, novos problemas . Mediante o pro- Na tentativa de tornar visíveis
para garantir o trabalho com a cesso de discussão atual do letra- algumas práticas atuais de alfabe-
decodificação, com inovações mento, amplia-se sobremaneira a tização, sem perder a dimensão
noção de significado da leitura, histórica de nossos problemas,
ganhando destaque não apenas o escolhi alguns episódios para ana-
significado que se pode buscar no lisar. Pretendo, com eles, eviden-
âmbito do texto, mas fora dele. ciar elementos de um saber de tipo
Isso envolve a compreensão de pedagógico, que é mobilizado
diferentes suportes, de diversas numa ação competente dos profes-
sociabilidades criadas em torno do sores e que precisa ser descrito. A
livro, dos gêneros, dos usos, mais análise de algumas práticas ditas
que no ato de leitura propriamente “inovadoras” e/ou “conservado-
dito. Assim, os processos de signi - ras”, pode contribuir para a cons-
ficação dos textos vão ganhando trução de alguns modelos de ação,
novas camadas, fazendo com que herdados de uma certa tradição
o próprio conteúdo textual se torne pedagógica ou adquiridos com
um pouco “rarefeito” em função novas práticas.
ajudam a recuperar a abstração das dos, encontrei em alguns cursos de Os alunos dispunham de habi-
unidades da fala (palavras) repre- formação, a adesão a um método lidades mínimas para exercer a
sentadas na escrita. Sendo assim, denominado “musical”, que tem escrita mecânica, a cópia. E não
alguns procedimentos para tomar obtido sucesso com alguns alunos. se justificava lançar mão desse
consciência dessa sonoridade liga- A suspensão do sentido pode recurso, pois o que necessitavam
da ao sentido não poderiam ser provocar um movimento para a era tomar consciência fonológica
ensinados? decodificação. Mas isso não impe- do processo da leitura. A cons-
Quem não conhece o sucesso de que o sentido venha em primei- ciência fonológica auxiliava a
das parlendas e trava-línguas na ro lugar e mesmo que sirva de compreensão de que a escrita ( a
alfabetização dita inovadora, hoje? suporte para a decodificação após nível da palavra) é a representa-
Nota-se que se apela para a memo- memorização, como demonstrou ção da forma sonora da fala e que
rização no contexto de uso do uni- Jéan Hébrard (1999) em texto a criança precisa tê-la desenvolvi-
verso infantil, ao mesmo tempo sobre o autodidatismo. da para representá-la na escrita.
que uma certa sonoridade e repeti- Quando desenhava no quadro
ções, presentes nos textos, pode O episódio dos uma panela e escrevia o nome ao
provocar um deslocamento/sus- jogos fonéticos lado (panela) perguntava: existe
pensão do sentido para permitir pa na palavra boneca? Palhaço?
uma análise de elementos fonoló- Em relato de experiência, a Copo? Lobo? Em seguida dese-
gicos da escrita. Da crítica a “o professora Rosimeire R. R. da nhava no quadro outro objeto. Por
bebê é bobo e baba” - presente em Costa (1998) apresenta uma série exemplo, bola e perguntava: exis-
cartilhas silábicas - a certas repeti- de atividades em que trabalha com te bo na cola, lata, peteca?
ções de palavras presentes em tex- nomes significativos e com proje- Nos primeiros jogos as crian-
tos do método global, textos do tos nos quais ler e escrever estão ças começavam a fazer associa-
repertório infantil, percebemos presentes em diversos suportes, ções. Algumas paravam para refle-
uma mudança fundamental. Entre- salientando que as crianças sa- tir. Já diminuía o número das que
tanto, o procedimento de desloca- biam que estavam aprendendo a não se manifestavam. Era possível
mento do uso para uma análise da ler para saber o que está escrito observar algumas repetindo a
sonoridade mais distanciada do em placas, revistas e livros de his- sílaba baixinho e comparando.
sentido é permamente e se faz, tórias. No conjunto de atividades, Enquanto isso outras não com-
hoje, com canções, poemas, par- uma é intitulada “jogos fonéti- preendiam como o processo se
lendas. E se, possível, com textos cos”, que foram descritos da dava. Com o decorrer do tempo
curtos... Com princípios pareci- seguinte forma: surgiram outros desafios como:
das. Não é o método que vem pri- nos. Esse é um dos perigos de registro de palavras, de letras, que
meiro, mas o processo de Laura e métodos fechados de alfabetiza- faz que seja possível compartilhar
da turma. Assim, decidir o ponto ção. informações. Isso se constrói com
de partida vai depender do tipo de Pode-se verificar que é o con- o registro do alfabeto, de palavras
análise que a aluna necessita. Não texto de troca com os colegas e a conhecidas, de textos, tanto nos
é necessário fixar-se em apenas intervenção da professora que pos- cadernos como em locais públi-
uma estratégia porque isso pode sibilitam que Laura amplie suas cos, como murais e cartazes.
impedir o processo de alguns alu- competências. Assim, ela é incen- Assim, essa interação não ocorre
tivada a lembrar-se de no vazio, mas a partir de observa-
outras palavras conhe- ção sistemática das relações entre
cidas, que já são refe- letras e sons, mediante uma base
rência na classe, a ver de conhecimentos trabalhados em
nelas parcelas menores classe. E em situações especial-
como as sílabas (no mente planejadas para esse fim.
caso de identif icar Outro fato importante é que se
casa, apóia-se na pala- parte de um texto qualquer que
vra cavalo, tendo que tenha significado para os alunos e
fazer um reconheci- não é preciso apresentar letras e
mento de sílaba inicial sílabas em determinada seqüência,
ca) Para separar o na como nas cartilhas. Estas vão apa-
da palavra casa, apóia- recendo no decorrer do trabalho,
se na sílaba final da em momentos e situações diferen-
outra palavra conheci- tes, dependendo dos temas e textos
da como o na de trabalhados em cada turma. As
Marina. Assim, algu- referências que servem de apoio
mas palavras de refe- para uma turma não são as mes-
rência, ou palavras mas em outra. No entanto, é pre-
estáveis, ajudam a es- ciso que a professora domine um
crever outras. conhecimento metodológico, para
É fácil constatar aproveitar, com segurança, as
que as crianças já vive- situações que aparecem em sala
ram um processo de de aula.
Temos hoje novos problemas tante na formação e no ofício de ou a favor, em torno de alguma
mudança pedagógica, não expres-
e tempo razoável para analisar as professor: o como fazer.
nossas alterações nos processos de Quando alguns professores sam somente posições pessoais,
alfabetização. Acredito que luta- insistem em permanecer com mas um conjunto de saberes que
mos e continuaremos lutando por determinados procedimentos não herdam e modificam, em função
práticas inclusivas (como o res- privilegiados nos discursos cientí- de resultados pedagógicos. Felizes
peito às diversidades e aos ciclos ficos e pedagógicos de inovação, os que têm memória ou passam
de formação) , mas não podemos seriam desinformados ou estariam por situações em que a memória
fazer uma relação direta entre as nos mostrando a força e a perma- pedagógica da alfabetização possa
políticas mais amplas e algumas nência de uma cultura pedagógica ser cultivada. •
práticas específicas e necessárias,
como a da alfabetização. Isso por- Referências bibliográficas / Sugestões de leitura
que já podemos constatar que BRESSON, François. A leitura e suas dificuldades. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas de leitura.
estas mudanças, por si, conse- São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
CHARTIER, Anne-Marie et al. Ler e escrever: entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: Artes
guem alterar diferentes aspectos Médicas, 1996.
da formação humana e são CHARTIER, Anne- Marie e HÉBRARD, Jean. Método silábico e método global: alguns esclare-
cimentos históricos. História da Educação. v.5, n. 10. Outubro 2001. Pelotas: Editora da UFPel.
imprescindíveis, do ponto de vista (p.141 a 154)
político, mas infelizmente, tam- COSTA, Rosemeire R. R. Alfabetização: muitas vozes e muitas mãos numa prática coletiva.
Cadernos do Professor. CERP/SEE/MG. N.3, Out/98.p.51/58
bém temos problemas permanen-
FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. Mudança e resistência à mudança na escola pública:
tes na alfabetização. Sabemos que análise de uma experiência de alfabetização “construtivista”. Belo Horizonte: Faculdade de
Educação/UFMG, 1993 ( dissertação de mestrado) .
temos vários alunos neste país que
FERREIRO, Emília. Leitura, bibliotecas, alfabetização. Jornal Proler. Ano . N. 20. Out;/nov. 2001.
passaram por oportunidades ricas Rio de Janeiro: Programa Nacional de Incentivo à Leitura – Fundação Biblioteca Nacional.
e não aprenderam a ler e escrever P.4/5
HÉBRARD, Jean. O auto-didatismo exemplar. Como Jamerey-Duval aprendeu a ler? In:CHAR-
somente por imersão em eventos TIER, Roger. (org.) Práticas de leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. P. 35 a 74
de letramento. MACIEL, Francisca. Alfabetização em Minas Gerais: adesão e resistência ao método global.
In: FARIA, Luciano M. e PEIXOTO, Ana Maria Casasanta (orgs.) Lições de Minas: 70 anos de
Defendo a idéia de que preci- Secretaria de Educação. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Minas Gerais, 2000.
samos recortar e descrever, no MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: INESP/CON-
PED/INEP, 2000.
conjunto de práticas de letramen-
MOURÃO, Sara. Exercícios para compreensão do sistema e escrita. O caso “Letra Viva”. Belo
to, aspectos específicos que pro- Horizonte; Faculdade de Educação. 2001 ( dissertação, mestrado)
vocam um certo sucesso no traba- REVISTA EDUCAÇÃO. Questão de método. Ano 28, n. 244. p.48/58, 2001.
lho com decodificação, para SILVA M.A.S e ESPINOSA R.C.M (1990) A leitura e a escrita numa abordagem interacionista:
uma experiência em sala de aula. Revista ANDE, São Paulo: Cortez, 1990 (15) - p.17-24.
torná-los públicos, sem receio de
SOARES, Magda. Alfabetização: em busca de um método?. Educação em Revista. Belo Hori-
que uma discussão metodológica zonte: Faculdade de Educação da UFMG, n. 12. P.. 44-50, dez. 1990.
seja considerada um retrocesso. SOARES, Magda. Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.