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Ensino religioso na escola pública

Ensino religioso na escola pública: o retorno


de uma polêmica recorrente

Carlos Roberto Jamil Cury


Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação
Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação

Introdução trole no que toca à especificidade do religioso e se


libera do controle religioso. Isso quer dizer, ao mes-
O ensino religioso é mais do que aparenta ser, mo tempo, o deslocamento do religioso do estatal para
isto é, um componente curricular em escolas. Por trás o privado e a assunção da laicidade como um concei-
dele se oculta uma dialética entre secularização e to referido ao poder de Estado.
laicidade no interior de contextos históricos e cultu- Já a secularização é um processo social em que
rais precisos. os indivíduos ou grupos sociais vão se distanciando
Nas sociedades ocidentais e mais especificamente de normas religiosas quanto ao ciclo do tempo, quan-
a partir da modernidade, a religião deixou de ser o to a regras e costumes e mesmo com relação à defini-
componente da origem do poder terreno (deslocado ção última de valores. Um Estado pode ser laico e, ao
para a figura do indivíduo) e, lentamente, foi ceden- mesmo tempo, presidir a uma sociedade mais ou me-
do espaço para que o Estado se distanciasse das reli- nos secular, mais ou menos religiosa. Grupos sociais
giões. podem professar-se agnósticos, ateus, outros prefe-
O Estado se tornou laico, vale dizer tornou-se rem o reencantamento do mundo, muitos continuarão
eqüidistante dos cultos religiosos sem assumir um seguindo várias e variadas confissões religiosas e to-
deles como religião oficial. A modernidade vai se dis- dos podem convergir na busca da paz (Zanone, 1986
tanciando cada vez mais do cujus regio, ejus religio. apud Bobbio et al., p. 670-674).
A laicidade, ao condizer com a liberdade de expres- Por outro lado, não é menos real verificar-se a
são, de consciência e de culto, não pode conviver com existência de polêmicas com fundo religioso explíci-
um Estado portador de uma confissão. Por outro lado, to: é o caso da proposta de afirmação do cristianismo
o Estado laico não adota a religião da irreligião ou da na Constituição da União Européia, cujo texto não
anti-religiosidade. Ao respeitar todos os cultos e não incluiu o patrimônio cristão como um valor da Europa,
adotar nenhum, o Estado libera as igrejas de um con- a presença dos crucifixos em prédios públicos da Itália,

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dos véus das moças de grupos islâmicos nas escolas haver campos de mútua cooperação em prol do inte-
francesas e a recente polêmica entre criacionismo e resse público, como é o caso de serviços filantrópicos.
evolucionismo nos currículos das escolas estaduais Além disso, o art. 1º, inciso III, põe como funda-
do Rio de Janeiro, em nosso país. mento da República “a dignidade da pessoa huma-
O ensino religioso é problemático, visto que en- na”. Já o art. 3º, inciso IV, coloca como objetivo da
volve o necessário distanciamento do Estado laico ante República a promoção do “bem de todos, sem pre-
o particularismo próprio dos credos religiosos. Cada conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais-
vez que este problema compareceu à cena dos proje- quer outras formas de discriminação”. Se a cidada-
tos educacionais, sempre veio carregado de uma dis- nia é fundamento da República, a prevalência dos
cussão intensa em torno de sua presença e factibilidade direitos humanos é um dos princípios de nossas rela-
em um país laico e multicultural.1 ções internacionais. Portanto, há aqui, à luz da digni-
dade da pessoa humana, o repúdio a toda e qualquer
O ensino religioso no Brasil forma de discriminação e a assinalação de objetivos
maiores como a cidadania em nível nacional e os di-
Em nosso país, o ensino religioso, legalmente reitos humanos em nível internacional.
aceito como parte dos currículos das escolas oficiais Não contente com esses dispositivos, a Consti-
do ensino fundamental, na medida em que envolve a tuição Federal explicita no longo e detalhado art. 5º
questão da laicidade do Estado, a secularização da uma pletora de direitos e deveres individuais e coleti-
cultura, a realidade socioantropológica dos múltiplos vos entre os quais se pode citar os incisos:
credos e a face existencial de cada indivíduo, torna-
se uma questão de alta complexidade e de profundo VI – é inviolável a liberdade de consciência e de cren-
teor polêmico (Cury, 1993). ça, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
No caso do Brasil, antes de mais nada, cumpre e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e
recordar dispositivos constitucionais que remetem à a suas liturgias;
problemática em discussão e que permitem maior VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
amplidão da temática. Assim, diz o art. 19 da Consti- assistência religiosa nas entidades civis e militares de
tuição Federal de 1988: internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
Municípios: salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a to-
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subven- dos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa,
cioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com fixada em lei.
eles ou seus representantes relações de dependência ou alian-
ça, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse Esse conjunto de princípios, fundamentos e ob-
público; jetivos constitucionais,2 por si sós, dariam amplas
condições para que, com a toda a liberdade e respei-
A laicidade é clara, o respeito aos cultos é tadas todas as opções, as igrejas, os cultos, os siste-
insofismável e quando a lei assim o determinar pode

2
Princípios são concepções de mundo fundantes de um as-
1
Tal polêmica ocorreu em outros diversos países, sendo o sunto; fundamentos são as regras básicas que legitimam e autori-
caso mais emblemático o da França (cf. Poulat, 1987, especial- zam a existência de uma organização e objetivos são metas a se-
mente o capítulo VIII). rem atingidas e efetivadas.

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mas filosófico-transcendentais possam, legitimamen- Em parecer normativo relativo ao assunto, ainda


te, recrutar fiéis, manter crentes, manifestar convic- na vigência da primeira redação do art. 33, o Conse-
ções, ensinar seus princípios, fundamentos e objeti- lho Nacional de Educação (CNE), através do parecer
vos e estimular práticas em seus próprios ambientes e CNE nº 05/974 se pronunciou a fim de dirimir a ques-
locais. Afinal, hoje mais do que ontem, as igrejas dis- tão relativa aos ônus financeiros da oferta desta disci-
põem de meios de comunicação de massa, em espe- plina pelo poder público já que “haveria violação do
cial as redes de televisão ou programas religiosos em art. 19 da Constituição Federal que veda a subvenção
canais de difusão. a cultos religiosos e a igrejas”. E afirmava também:
No caso do Brasil, a Constituição Federal de
1988, seguindo praticamente todas as outras consti- [...] por ensino religioso se entende o espaço que a escola
tuições federais desde 1934 e atendendo a pressão de pública abre para que estudantes, facultativamente, se ini-
grupos religiosos, inclui o ensino religioso dentro de ciem ou se aperfeiçoem numa determinada religião. Desse
um dispositivo constitucional como disciplina3 em seu ponto de vista, somente as igrejas, individualmente ou as-
art. 210, § 1º: “O ensino religioso, de matrícula facul- sociadas, poderão credenciar seus representantes para ocu-
tativa, constituirá disciplina dos horários normais das par o espaço como resposta à demanda dos alunos de uma
escolas públicas de ensino fundamental”. determinada escola. (p. 2)
Há que se destacar aqui que o ensino religioso é
de matrícula facultativa. Trata-se de um dispositivo Essa redação não agradou várias autoridades re-
vinculante. Logo, é um princípio nacional e abrange ligiosas, em especial as católicas, cujo objetivo ini-
o conjunto dos sistemas e suas respectivas redes pú- cial era pressionar a presidência da República a fazer
blicas e privadas. uso do seu direito de veto. O próprio Executivo assu-
A lei nº 9.394/96, Diretrizes e Bases da Educa- miu, então, o compromisso de alterar o art. 33 me-
ção Nacional (LDB), em sua versão original, dizia, diante projeto de lei, daí resultando a lei nº 9.475/97.
no art. 33: Por ela, o art. 33 passou a ser expresso nos seguintes
termos:
O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de en- O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte inte-
sino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os co- grante da formação básica do cidadão e constitui disciplina
fres públicos, de acordo com as preferências manifestadas dos horários normais das escolas públicas de ensino funda-
pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: mental, assegurado o respeito à diversidade cultural e reli-
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do giosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os proce-
orientadores religiosos preparados e credenciados pelas res- dimentos para a definição dos conteúdos do ensino religio-
pectivas igrejas ou entidades religiosas; ou so e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão
II – interconfessional, resultante de acordo entre as dos professores.
diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, cons-
elaboração do respectivo programa. tituída pelas diferentes denominações religiosas, para a de-
finição dos conteúdos do ensino religioso.

3
É sempre discutível que uma Constituição obrigue a ofer-
4
ta de uma disciplina, sobretudo de presença tão tradicional quanto Disponível em: <www.mec.gov.br/cne/pareceres> (pare-
polêmica ante seus desdobramentos e o mandamento do art. 19. ceres normativos do Conselho Pleno). Acesso em: jun. 2004.

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Mantido o princípio constitucional da oferta obri- mênico e a confirmar o desenvolvimento de “um cur-
gatória e matrícula facultativa para todos da discipli- rículo com 840 (oitocentas e quarenta) horas anuais,
na nos horários normais, no ensino fundamental, a o que propicia, com grande facilidade, o cumprimen-
nova versão é omissa quanto à anterior vedação de to do preceito legal do ensino religioso”. Além disso,
ônus para os cofres públicos, abrindo a possibilidade no histórico do parecer, o relator enuncia que a nor-
de recursos públicos dos sistemas para essa oferta, matividade vigente implica na oferta regular, “para
mas vedando explicitamente qualquer forma de pro- aqueles alunos que não optam pelo ensino religioso,
selitismo e impondo o respeito à diversidade cultural nos mesmos horários, outros conteúdos de forma-
religiosa no Brasil. Esses dois últimos dispositivos ção geral [...]”.
não só combinam com os princípios constitucionais Por sua vez, o Conselho Pleno do CNE pronun-
já citados como permitem uma articulação com os ciou-se sobre a formação de professores para o ensi-
princípios de “respeito à tolerância e apreço à liber- no religioso por meio do parecer CP/CNE nº 097/99,
dade”, expostos no inciso IV do art. 3º da LDB. na medida em que a nova redação incumbe ao poder
Ao mesmo tempo, a nova redação introduz um estatal a definição das normas para habilitação e ad-
novo aposto: o ensino religioso “é parte integrante da missão dos professores desta disciplina. Diz o pare-
formação do cidadão”. Salta à vista a inadequação cer, em vários trechos importantes:
dessa introdução num assunto que toca diretamente
ao direito à diferença e à liberdade. Em contrapartida, Nesta formulação [da lei nº 9.475/97] a matéria pare-
os dois parágrafos postos na nova versão deixam como ce fugir à competência deste Conselho, pois a questão da
incumbência do poder público regulamentar “os pro- fixação de conteúdos e habilitação e admissão dos profes-
cedimentos para a definição dos conteúdos do ensino sores fica a cargo dos diferentes sistemas de ensino. Entre-
religioso”. Como se sabe, procedimentos são formas tanto, a questão se recoloca para o Conselho no que diz
estabelecidas em ordenamento legal para cumprir os respeito à formação de professores para o ensino religioso,
trâmites de um processo administrativo (Di Pietro, em nível superior, no Sistema Federal de Ensino. [...] A Lei
2004, p. 530-531). Cabe ainda aos poderes públicos nº 9.475 não se refere à formação de professores, isto é, ao
de cada sistema de ensino estabelecer as normas para estabelecimento de cursos que habilitem para esta docência,
a habilitação e admissão dos professores. mas atribui aos sistemas de ensino tão somente o estabele-
Através do parecer CNE nº 12/97, a Câmara de cimento de normas para habilitação e admissão de profes-
Educação Básica se pronunciou sobre a inclusão do sores. [...] Considerando estas questões é preciso evitar que
ensino religioso para efeito da “totalização do míni- o Estado interfira na vida religiosa da população e na auto-
mo de 800 horas”. O parecer diz que “a resposta é nomia dos sistemas de ensino. [...] Esta parece ser, real-
não”, devido ao fato de a matrícula ser facultativa e a mente, a questão crucial: a imperiosa necessidade, por par-
disciplina fazer parte da liberdade das escolas.5 te do Estado, de não interferir e, portanto, não se manifes-
A mesma Câmara, em resposta à solicitação da tar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou daquela
Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina posição religiosa, de decidir sobre o caráter mais ou menos
que pedia maior explicitação do assunto âmbito das ecumênico de conteúdos propostos [...] (p. 3)
800 horas obrigatórias no ensino fundamental, se pro-
nunciou, através do parecer nº 16/98, de modo a in- E conclui:
centivar o ensino religioso interconfessional e ecu-
[...] não cabe à União determinar, direta ou indiretamente,
conteúdos curriculares que orientem a formação religiosa
5
Pessoalmente, entendo que essa liberdade também faz par- dos professores, o que interferiria tanto na liberdade de cren-
te das liberdades individuais e do teor do art. 210 da Constituição. ça como nas decisões do estados e municípios referentes à

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organização dos cursos em seus sistemas de ensino, não lhe tras, sempre se chocou com a consideração do outro
compete autorizar, nem reconhecer, nem avaliar cursos de como um igual. O relato bíblico de Caim e Abel é
licenciatura em ensino religioso, cujos diplomas tenham emblemático. À fraternidade originária se segue o
validade nacional. (p. 4) fratricídio e daí a busca dos múltiplos caminhos de
recuperação da irmandade perdida. Algo semelhante
Outro ponto, posto na lei nº 9.475/97, refere-se à se pode depreender do relato mítico grego de Chronos,
oitiva obrigatória de “entidade civil, constituída pe- que chegava mesmo a devorar seus filhos. Também o
las diferentes denominações religiosas, para a defini- jusnaturalismo, na versão hobbesiana, rechaça a idéia
ção dos conteúdos do ensino religioso”. de um homem naturalmente social, como queriam os
Portanto, o que transparece é a necessária articu- clássicos e os medievos, e advoga o homo homini
lação do poder público dos sistemas com essa entida- lupus. Busca-se um novo elo de ligação entre os hu-
de civil multirreligiosa que, a rigor, deveria represen- manos, iguais entre si. A estes caminhos de religação,
tar um fórum de cujo consenso emanaria a definição muitos nomes foram dados, daí nascendo também
dos conteúdos dessa disciplina. Nesse caso, é com- múltiplas maneiras de religações, civis, laicas ou
plicado que um texto legal imponha a existência de sacrais. Entre outras denominações pode-se citar a via
uma entidade civil, sendo que alguma denominação de reconstrução racional da vida social e política pelo
religiosa pode não aceitá-la. pacto ou contrato racionais, a fraternidade universal
Vê-se, pois, que o ensino religioso ficaria livre realizada, a humanidade altruísta, o reino da liberda-
dessa complexidade político-burocrática caso se man- de, a justiça na igualdade, o abraço do lobo com a
tivesse no âmbito dos respectivos cultos e igrejas em ovelha nos novos céus e nas novas terras, a paz perpé-
seus espaços e templos. Mas, dada a obrigatoriedade tua e também a ligação do homem com a divindade.
da oferta nas escolas públicas e o caráter facultativo Tal dimensão da religação, contudo, supõe um
de sua freqüência para o conjunto dos alunos, impor- vetor crítico que elimine, gradualmente ou de vez, o
ta refletir um pouco sobre aspectos da religiosidade fratricídio ou seus resquícios e seqüelas. Este vetor
que podem ser úteis em favor da tese da importância ora se denominou o fim das desigualdades, das dis-
da religião. criminações de qualquer natureza pelo reconhecimen-
to da essência universal igualitária entre todos os en-
Religião tes humanos, ora se denominou o fim da exploração e
opressão alheias. Vários são os documentos de cará-
A etimologia do termo religião, donde procede o ter internacional que expressam a dignidade igualitá-
termo religioso, pode nos dar uma primeira aproxi- ria da pessoa humana através de declarações univer-
mação do seu significado. Religião vem do verbo la- sais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em
tino religare (re-ligare). Religar tanto pode ser um vários artigos, principalmente nos cinco primeiros,
novo liame entre um sujeito e um objeto, um sujeito e endossa, de modo inconcusso, a dignidade da pessoa
outro sujeito, como também entre um objeto e outro humana e o caráter igualitário dos seres humanos.
objeto. Obviamente, o religar supõe ou um momento Todo ente humano é, em sua individualidade,
originário sem a dualidade sujeito/objeto ou um elo uma pessoa moral, e neste ponto reside o caráter ao
primário (ligar) que, uma vez desfeito, admite uma mesmo tempo universal e igualitário de todos.
nova ligação (re-ligar). É da consciência dessa realidade fundante, ne-
A presença entre os homens de situações indica- gada pelas inúmeras formas opressivas de vida e de
doras e reveladoras de guerra e violência, de fratura relações sociais, que nascem os combates aos mais
social, dos desastres ecológicos e das formas de desi- diferentes modos de dominação, desigualdade, dis-
gualdade, discriminação e opressão, entre muitas ou- criminação e exploração. Surgem também dimensões

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afirmativas e propositivas da pluralidade de caminhos religião e nação e/ou etnias, já conduziram a inúmeras
no afã do reconhecimento universal do parentesco formas de violência e de guerras religiosas. O oposto
humano e sua religação fraterna e livre. da religação, o oposto da religião.
Ao lado deste reconhecimento de novo congra- A contemporânea celebração do ecumenismo,
çamento entre os homens, múltiplos também são os dentro e fora das religiões, repudia o dogmatismo e a
caminhos pelos quais os homens vão à cata de sua intolerância, além de se bater pelo respeito recíproco,
origem comum. pela liberdade de consciência, de crença, de expres-
Para uns, a religação é um retorno ampliado a são e de culto, tende à busca de uma efetivação histó-
uma comunhão cósmica e telúrica. Para outros, o sur- rica do reconhecimento da igualdade essencial entre
gimento da vida, o encantamento com o céu estrela- todos os seres humanos.
do e com a consciência interior de cada qual inspira- Todas as tradições religiosas, tenham elas ori-
ram postular a passagem do universo terreno ao gens em quaisquer regiões ou povos da terra, mere-
universo da transcendência ou, em outros termos, no cem respeito e, portanto, devem contar com a plurali-
encontro do outro com o Outro. Esta passagem – para dade cultural dos diferentes modos de se buscar a
uns, uma questão de argumento lógico, para outros religação.
um salto na fé – significou o aparecimento de múlti- Estes princípios são, hoje, componentes inarre-
plas modalidades de expressar a religação do homem dáveis da Constituição Federal de 1988 e expressa-
com o Transcendente. Ao mesmo tempo, tal religação mente reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da
foi a oportunidade para que muitos também expres- Educação Nacional e nos pareceres do Conselho Na-
sassem um humanismo radical no âmbito exclusivo cional de Educação relativos à educação básica.
da terrenalidade e da temporalidade.
Dentro desta multiplicidade, historicamente ob- Um pouco de história
jeto de afirmações contundentes a favor ou contra a
liberdade de religião e de expressão religiosa, as de- Com a contribuição diversa e diversificada que o
nominadas religiões do “livro” (Bíblia, Tora e Alco- constituiu, o Brasil, por meio de suas elites, nem sem-
rão) e do monoteísmo enunciam a afirmação do en- pre se pautou pelos princípios mencionados anterior-
contro entre o Deus Único e sua ligação criadora com mente. Negros escravizados, índios reduzidos e bran-
o mundo e com os seres humanos. E a religião seria, cos conflitantes em lutas religiosas se encontraram em
ante o distanciamento dos homens entre si e deles com um quadro de intolerância, desrespeito e imposição
o seu Criador, um caminho de reencontro e de religa- de credos. As sofridas experiências históricas, nem
ção mútuos. sempre superadas pela prática no reconhecimento da
Outras manifestações de caráter religioso, místi- igualdade essencial de todos e da liberdade religiosa,
co, cósmico ou transcendental também aspiram por impulsionaram a afirmação da igualdade e a busca do
um reencontro do ser humano e do conjunto dos seres direito à diferença também no campo religioso.
humanos vivos ou já mortos com a Totalidade. Contu- De um país oficialmente católico pela Constitui-
do, a realização histórica de tentativas de re-encontro ção Imperial, nos fizemos laicos pela Carta Magna
nem sempre se deu à luz do respeito mútuo e nem da de 1891 com o reconhecimento da liberdade de reli-
visada do outro como radicalmente humano e igual. gião e de expressão religiosa, vedando-se ao Estado
Crispações fundamentalistas, comunitarismos iden- o estabelecimento de cultos, sua subvenção ou for-
titários exarcebados, intolerâncias advindas da auto- mas de aliança. Essa primeira Constituição Republi-
atribuição de um “povo eleito” a um segmento huma- cana, ao mesmo tempo em que reconhece a mais am-
no ou até mesmo a autoafirmação de uma versão pla liberdade de cultos, pune também a ofensa a estes
“verdadeira”, concepções de liames intrínsecos entre como crimes contra o sentimento religioso das pes-

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soas. O ensino oficial, em qualquer nível de governo A Constituição apenas reconhece a importância do
e da escolarização, tornou-se laico, ao contrário do ensino religioso para a formação básica comum do período
Império em que a obrigatoriedade do ensino religioso de maturação da criança e do adolescente que coincide com
se fazia presente. o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as
Entretanto, desde a proibição do ensino religio- partes, desde que estabelecida em vista do interesse públi-
so nas escolas oficiais em 1891, a Igreja católica se co e respeitando – pela matrícula facultativa – opções reli-
empenhou no restabelecimento desta disciplina ora giosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de freqüência de
no âmbito dos estados, ora no âmbito nacional, so- tal ensino na escola. (p. 2)
bretudo por ocasião de mudanças constitucionais. Tí-
midos retornos nos estados, forte na proposição da O caráter facultativo de qualquer coisa implica o
Revisão Constitucional de 1926, bem-sucedida por livre-arbítrio da pessoa responsável por realizar ou
ocasião da reforma educacional do ministro Francisco deixar de realizar algo que se lhe é proposto. A facul-
Campos na década de trinta, a disciplina retornou às dade implica pois a possibilidade de poder fazer ou
escolas públicas através de decreto, inicialmente fora não, de agir ou não como algo inerente ao direito sub-
do horário normal das outras disciplinas e depois den- jetivo da pessoa. Ora, para que o caráter facultativo
tro do mesmo horário. Com efeito, o ensino religioso seja efetivo e a possibilidade de escolha se exerça
aparece em todas as constituições federais desde 1934, como tal, é necessário que, dentro de um espaço
sob a figura de matrícula facultativa. Mas tal perma- regrado como o é o das instituições escolares, haja a
nência não se deu sem conflitos, empolgando sempre oportunidade de opção entre o ensino religioso e ou-
seus propugnadores e críticos, fazendo com que os tra atividade pedagógica igualmente significativa para
debates, no âmbito da representação política, bem tantos quantos que não fizerem a escolha pelo pri-
como no interior da sociedade civil, se revestissem meiro. Não se configura como opção a inatividade, a
de contenda e paixão. Os argumentos pró e contra fa- dispensa ou as situações de apartamento em locais
zem parte de um capítulo próprio da história da edu- que gerem constrangimento. Ora, essa(s) atividade(s)
cação brasileira, nas mais diferentes legislações so- pedagógica(s) alternativa(s), constante(s) do projeto
bre o ensino. Mas é importante ressalvar que, desde o pedagógico do estabelecimento escolar, igualmente
decreto sobre o ensino religioso de 1931 até hoje, tal ao ensino religioso, deverão merecer, da parte da es-
disciplina sempre foi caracterizada como de matrícu- cola para os pais ou alunos, a devida comunicação, a
la facultativa para uma oferta obrigatória, embora sob fim de que estes possam manifestar sua vontade pe-
as leis orgânicas do Estado Novo até 1946 ela tam- rante uma das alternativas. Este exercício de escolha,
bém fosse de oferta facultativa. então, será um momento importante para a família e
os alunos exercerem conscientemente a dimensão da
O caráter facultativo liberdade como elemento constituinte da cidadania.
Recentemente saiu um livro com um diálogo
O caráter facultativo da oferta do ensino religio- magnífico entre Norberto Bobbio e Mauruzio Viroli
so merece uma pequena reflexão. Ser facultativo é (2002). Nele, os dois intelectuais agnósticos conver-
não ser obrigatório na medida em que não é um de- sam sobre o sentido da República. O sexto capítulo
ver. O caráter facultativo caminha na direção de sal- do livro se intitula “Temor a Deus, amor a Deus”.
vaguardas para não ofender o princípio da laicidade. Partindo do capítulo anterior, sobre “Direitos e deve-
O mesmo pode-se dizer da vedação de quaisquer for- res”, no qual ambos constatam o desaparecimento do
mas de proselitismo e do fato de deixar a uma entida- sentimento de vergonha, conseqüente ao arrefecimen-
de civil multirreligiosa a definição de conteúdos. to da consciência moral, passam a discutir sobre as
Como diz o parecer CP/CNE nº 05/97: diferenças entre caridade leiga e caridade cristã, os

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limites do mistério e outros trechos estupendos. De todo modo, os princípios constitucionais e


Reproduzo um trecho em favor de uma educação re- legais obrigam os educadores todos a se pautar pelo
ligiosa que, conduzida nos espaços próprios das igre- respeito às diferenças religiosas, pelo respeito ao sen-
jas, abriria espaço para um ensino extra-escolar mais timento religioso e à liberdade de consciência, de cren-
pleno de sentido. ça, de expressão e de culto, reconhecida a igualdade
e dignidade de toda pessoa humana. Tais princípios
Os católicos [diz Viroli] falam de solidariedade, de conduzem à crítica todas as formas que discriminem
caridade e de compaixão, e além de falar, praticam. E nós, ou pervertam esta dignidade inalienável dos seres
laicos? Temos uma concepção de caridade, da compaixão e humanos.
da solidariedade distinta daquela dos católicos? Creio que
exista uma diferença importante entre a caridade laica e a CARLOS ROBERTO JAMIL CURY, doutor em educação
caridade cristã. A caridade cristã é Cristo que compartilha pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e com pós-
com você o sofrimento; é partilhar o sofrimento. A carida- doutorado na França (Paris V e École des Hautes Études) é profes-
de laica também é partilhar o sofrimento, mas é também sor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e professor
desprezo contra aqueles que são responsáveis pelo sofri- no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Uni-
mento. É o desprezo que promove a força interior para lu- versidade Católica de Minas Gerais. Foi membro do Conselho
tar contra as causas do sofrimento. É exatamente porque Nacional de Educação no período 1996-2004. Publicações mais
quem não possui uma fé religiosa não vê qualquer valor no importantes: Ideologia e educação brasileira (São Paulo: Cortez,
sofrimento que os homens padecem devido a outros ho- 1978); A relação educação-sociedade-estado pela mediação jurídi-
mens e porque não acredita na possibilidade ou no valor de co-constitucional (em colaboração com José Silvério Baía Horta
um prêmio em outra vida, que a caridade laica procura, se e Osmar Fávero, In: A educação nas constituintes brasileiras,
pode, o remédio para o sofrimento, além de lenir o sofri- 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996, p. 5-30); Medo
mento do oprimido. Impele os oprimidos a combater a cau- à liberdade e compromisso democrático: da LDB ao Plano Na-
sa da opressão. (p. 67-68) cional de Educação (com José Silvério Baía Horta e Vera Lúcia
Alves de Brito. São Paulo: Ed. do Brasil, 1977); Cidadania repu-
Bobbio continua: “Creio que você esteja contra- blicana e legislação educacional (Rio de Janeiro: DP&A, 2001);
pondo a justiça à caridade. Este é um grande tema da Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença (Cader-
cultura laica”. nos de Pesquisa, nº 116, jul. 2002, p. 245-262). E-mail:
A ausência de ensino religioso nas escolas não crjcury.bh@terra. com.br
impede que a cultura religiosa (caridade), ministrada
nos seus espaços próprios, se expanda para “um servi- Referências bibliográficas
ço desinteressado, humanamente desinteressado, ain-
da que inspirado na idéia de que o serviço é uma boa BRASIL, (1988). Constituição: República Federativa do Brasil.
obra, que merecerá a glória do Senhor” (Bobbio in Brasília: Senado Federal, Serviço Gráfico.
Bobbio & Viroli, 2002, p. 69) e, nesse sentido, se apro- , (1996). Lei nº 9.394/96, estabelece as diretrizes e
xime do senso de justiça da caridade laica que não bases da educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União,
pode “prometer nada, senão a satisfação da consciên- 20 de dezembro de 1996, seção I.
cia” (idem, ibidem). E ambas, de acordo com esses BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1997). Lei nº 9.475/
intelectuais, podem unir-se na necessidade de “haver 97, dá nova redação ao artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 de
direitos sociais sustentados por leis da República e dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
financiados com recursos públicos sem que se dis- educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 23 de
pense a caridade praticada pelas associações voluntá- julho e 1997, seção I.
rias” (Viroli in Bobbio & Viroli, 2002, p. 73). BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CONSELHO NACIO-

190 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


Ensino religioso na escola pública

NAL DE EDUCAÇÃO, Parecer CP/CNE 05/97, sobre for- CURY, Carlos Roberto Jamil, (1993). Ensino religioso e escola
mação de professores para o ensino religioso na escola públi- pública: o curso histórico de uma polêmica entre a Igreja e o
ca do ensino fundamental. Estado no Brasil. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da
. CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, Parecer 012/ UFMG, Educação em Revista, nº 17, jun., p. 20-37.
97, esclarecendo dúvidas sobre a Lei nº 9.394/96, em comple- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, (2004). Direito administrati-
mento ao parecer CEB/05/97. vo. São Paulo: Atlas.
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gioso no ensino fundamental. Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor.
. CONSELHO PLENO, Parecer 097/97, sobre a for- POULAT, Émile, (1987). Liberte, Laicïcité: la guerre dês deux
mação de professores para o ensino religioso na escola públi- France et le príncipe de la modernité. Paris: Cerf & Cujas.
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BAUBÉROT, Jean, (1990). Vers um nouveau pacte laïque? Paris: Fundamentales de la Unión Europea. Valencia: Tirant lo Blanch.
Seuil. ZANONE, Valerio, (1986). Verbete sobre o laicismo. In: BOBBIO,
BOBBIO, Norberto, VIROLI, Maurizio, (2002). Diálogo em tor- Norberto et al. (orgs.). Dicionário de política. 2ª ed. Brasília:
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Rio de Janeiro: Campus.
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tituição de 1988 e a LDB. Brasília: André Quincé. Aprovado em junho de 2004

Revista Brasileira de Educação 191


Resumos/Abstracts

Um paradoxo está presente na atual insertion of individuals), making different Brazilian constitutions and their
constituição material, enredando a fun- capitalism parasitical (since it can no relation to this dilemma. The author also
ção docente e a natureza da educação longer dominate the structure of the discusses some official statements issued
de muitos modos. O discurso das refor- work process unilaterally by the division by the National Council of Education on
mas educacionais o manifesta em mui- between manual and intellectual labour) the discipline of Religious Education and
tos contextos. É o paradoxo da nossa and resulting in the brain of those who related topics.
condição: de um lado, a servidão vo- work being considered the most Key-words: religious education; public
luntária proposta pelo pós-fordismo, de important fixed capital. If we suppose school; religious freedom
outro, um quantum de liberação pleno the equality of intelligence despite its
de possibilidades. A atividade docente multiplicity, we can understand that Carlos Roberto Jamil Cury
está lançada entre, ou no meio desse within the established ground of the Ensino religioso na escola pública:
paradoxo. Pois ela é afetada de diver- present material constitution, which is o retorno de uma polêmica
sas maneiras no momento em que se the place of the future, the sense of recorrente
rompe o laço entre o trabalho e a pro- formation gains urgency. O texto objetiva refletir sobre a
dução da riqueza (o que muda a inser- Key-words: formation; slavery; liberty rumorosa questão que envolve o ensino
ção produtiva dos indivíduos), tornan- religioso em escolas públicas. Esse en-
do o capitalismo parasitário (pois não Evaldo Luis Pauly sino religioso, ainda que facultativo,
pode mais dominar unilateralmente a O dilema epistemológico do ensino vem revelando-se problemático em Es-
estrutura do processo do trabalho, pela religioso tados laicos, perante o particularismo e
divisão entre trabalho manual e intelec- Este texto analisa e debate o dilema a diversidade dos credos religiosos.
tual) e fazendo com que o capital fixo epistemológico decorrente da inclusão Cada vez que tal proposta compareceu
mais importante seja o cérebro das pes- da disciplina ensino religioso no currí- à cena dos projetos educacionais, veio
soas que trabalham. Supondo a igual- culo das escolas públicas de ensino carregada de uma discussão intensa em
dade das inteligências, que não deixam fundamental. Insere esse debate nos di- torno de sua presença e factibilidade
de ser múltiplas, compreendemos que lemas epistemológicos dessa disciplina em um país laico e multicultural. No
no terreno conflagrado da constituição em relação à liberdade de religião caso do Brasil, o conjunto de princí-
material do presente, que é enfim o lu- numa federação republicana, retoman- pios, fundamentos e objetivos constitu-
gar do porvir, o sentido da formação do o debate político acerca da separa- cionais, por si só, garante amplas con-
ganha urgência. ção entre Igreja e Estado. Analisa as dições para que, com a toda a liberdade
Palavras-chave: formação; servidão; diversas constituições brasileiras e a e respeitadas todas as opções, as igre-
liberdade relação que foram estabelecendo com jas, os cultos, os sistemas filosófico-
The paradox of formation: voluntary esse dilema. Analisa, posteriormente, transcendentais possam, legitimamente,
slavery and liberation alguns pareceres do Conselho Nacional recrutar fiéis, manter crentes, manifes-
There is a paradox in the present mate- de Educação sobre a disciplina ensino tar convicções, ensinar seus princípios,
rial constitution, which involves the religioso e temas correlatos. fundamentos e objetivos e estimular
teaching function and the nature of Palavras-chave: ensino religioso; práticas em seus próprios ambientes e
education in many forms. Discourse on escola pública; liberdade religiosa locais. Além disso, hoje mais do que
educational reform is manifest in The epistemological dilemma of ontem, as igrejas dispõem de meios de
numerous contexts. It constitutes the religious education comunicação de massa, em especial as
paradox of our condition: on the one This article discusses and analyses the redes de televisão ou programas religi-
hand, there is the voluntary slavery epistemological dilemma arising from osos em canais de difusão, para o ensi-
proposed by post-fordism and, on the the inclusion of Religious Education as namento de seus princípios.
other, a quantum of liberation full of a discipline in the curriculum of Palavras-chave: ensino religioso;
possibilities. Teaching as an activity is elementary public schools. It situates laicidade; religião
situated between and in the middle of this debate within the epistemological Religious education in public
this paradox. It is affected in different dilemmas related to religious freedom in schools: the return of the recurrent
ways from the moment in which it breaks a federal republic and continues the polemic
the tie between work and the production political debate on the separation of The article seeks to reflect on the
of wealth (which changes the productive church and state. It analyses the thorny question of religious education

212 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


Resumos/Abstracts

in public schools. Although optional, channels, for transmitting their Palavras-chave: França; ensino públi-
religious education has become principles. co; laicidade
problematic in secular states, when Key-words: religious education; The secularity of public education in
faced by the particularity and diversity secularity; religion France
of religious creeds. Whenever such a The text presents a brief history of
proposal appears on the scene of Maria José Garcia Werebe secularity in French public education,
educational projects, it comes charged A laicidade do ensino público na introduced in 1880 when Jules Ferry
with an intense discussion concerning França organized the primary school, making
its presence and viability in a secular O artigo historia brevemente a laicidade it public, free and obligatory. From
multicultural country. In the case of do ensino público francês, introduzida then on crucifixes were removed from
Brazil, the set of constitutional desde 1880, quando Jules Ferry organi- the classrooms and all religious and
principles, motives and objectives zou a escola primária, tornando-a públi- political propaganda was forbidden in
alone guarantees ample conditions to ca, gratuita e obrigatória. Desde então, schools. The text also recuperates the
enable the churches, cults and os crucifixos foram retirados das salas polemic which has raged in that
philosophical- de aula e toda propaganda religiosa e country since 1989 and above all
transcendental systems, with all política foi proibida nas escolas. O tex- since 2003, concerning secularity,
liberty, and respect for diverse options, to recupera a polêmica que vem ocor- triggered off by the prohibition of the
to recruit followers legitimately to rendo naquele país desde 1989 e sobre- use of religious symbols by students,
maintain their beliefs, demonstrate tudo em 2003, em torno do laicismo, in particular the islamic veil used by
convictions and teach their principles, desencadeada pela proibição do uso de students from muslim families. It
motives and objectives and stimulate símbolos religiosos pelos alunos, espe- extends the discussion to other
practices in their own places and cialmente o véu islâmico usado pelas european countries, considering the
spaces. Besides this, today more than alunas de famílias muçulmanas. Amplia present political situation marked by
ever before, the churches have at their a discussão para outros países europeus, conflicts provoked by terrorist
disposal means of mass communicati- considerando o momento político atual movements.
on, in particular television networks or marcado por conflitos provocados pe- Key-words: France; public schooling;
religious programmes on broadcasting los movimentos terroristas. secularity

Revista Brasileira de Educação 213

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