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Inclusão:
Reitor
José Jackson Coelho Sampaio
Vice-Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares saberes, reflexões e possibilidades de uma prática em construção
Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz
Bruna Gabriela Garcia Figueiredo Porto
Francisca Nilça Vieira
Conselho Editorial
Geandra Cláudia Silva Santos
Antônio Luciano Pontes Lucili Grangeiro Cortez
Iêda Maria Maia Pires
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes Luiz Cruz Lima
Ilana Leila Barbosa de Lima
Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso Manfredo Ramos
Joan Rios de Oliveira
Francisco Horácio da Silva Frota Marcelo Gurgel Carlos da Silva Maria Angelica Pires de Souza
Francisco Josênio Camelo Parente Marcony Silva Cunha Maria de Fátima Almeida de Sousa
Gisafran Nazareno Mota Jucá Maria do Socorro Ferreira Osterne Maria de Lourdes B. de Magalhães
José Ferreira Nunes Maria Salete Bessa Jorge Maria Stela Oliveira Costa
Liduina Farias Almeida da Costa Silvia Maria Nóbrega-Therrien Marisa Pascarelli Agrello
Raimunda Cid Timbó
Conselho Consultivo Renata Rosa Russo Pinheiro Costa Ribeiro
Antônio Torres Montenegro | UFPE Maria do Socorro Silva Aragão | UFC Rosa Maria Goes Sampaio
Eliane P. Zamith Brito | FGV Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça | UNIFOR Soraya Eli Lyra Pinto
Homero Santiago | USP Pierre Salama | Universidade de Paris VIII Tarcileide Maria Costa Bezerra
Ieda Maria Alves | USP Romeu Gomes | FIOCRUZ Telma Regina Pessoa Holanda
Manuel Domingos Neto | UFF Túlio Batista Franco |UFF
Fortaleza
2015
Inclusão: saberes, reflexões e possibilidades de uma prática em construção SOBRE AS AUTORAS
© 2015 Copyright by Geandra Cláudia Silva Santos, Renata Rosa Russo Pinheiro
Costa Ribeiro, Rosa Maria Goes Sampaio e Soraya Eli Lyra Pinto
(Organizadoras) Bruna Gabriela Garcia Figueiredo Porto. Graduada em Fonoau-
diologia na Universidade de Fortaleza – UNIFOR, Especialista em
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional Desenvolvimento Infantil na Universidade Federal do Ceará – UFC,
Fonoaudióloga do Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce –
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
NUTEP.
Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE Email: brunaporto@gmail.com
Av. Paranjana, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
CEP: 60740-000 – Tel: (085) 3101-9893. FAX: (85) 3101-9893
Geandra Cláudia Silva Santos. Pedagoga, com Mestrado em Educa-
Internet: www.uece.br – E-mail: eduece@uece.br / editoradauece@gmail.com
ção Especial e Doutorado em Educação pela Universidade de Brasília
– UnB, Professora Adjunta da Universidade Estadual do Ceará – lo-
tada no Centro de Educação Ciências e Tecnologia da Região dos
Inhamuns; Pesquisadora e líder do grupo de pesquisa em Educação
Coordenação Editorial Especial CNPq/UECE, Membro da Associação Brasileira de Pesqui-
Erasmo Miessa Ruiz sadores em Educação Especial – ABPEE, Membro da Redestrado –
Rede Internacional de Pesquisadores sobre o trabalho docente, atua
Projeto Gráfico e Capa
Carlos Alberto Alexandre Dantas com formação de professores e gestores, desenvolve assessoria nas
áreas de Avaliação Educacional e Educação Inclusiva/especial.
Revisão de Texto
Ana Maria Remígio Osterne
E-mai: geandra.santos@uece.br.
Normalização Bibliográfica Iêda Maria Maia Pires. Filosofa, Pós -Doutora em Andragogie e
Ana Maria Remígio Osterne
Psicopedagogia – Universidasde de Montreal – Paris V – Sorbon-
ne, Doutora em Ciências da Educação. Membro do Grupo Gestor
da Rede da Primeira Infância do Ceara e do Fórum de Educação,
Catalogação na Publicação professora do curso de executivos escolares do Conselho Estadual
Inclusão: saberes, reflexões e possibilidades de uma prática em construção de Educação.
/ Geandra Cláudia Silva Santos, Renata Rosa Russo Pinheiro Costa E-mail: iedamp@live.com
Ribeiro, Rosa Maria Goes Sampaio e Soraya Eli Lyra Pinto [organi-
zadoras] Bruna Gabriela Garcia Figueiredo Porto et al... – Fortaleza:
EdUECE, 2015. Ilana Leila Barbosa de Lima. Psicóloga, Universidade de Fortaleza
– UNIFOR; Mestre em Educação Especial, Universidade Estadual
322p.: il.
do Ceará- UECE.
Isbn: 978-85-
E-mail: ilanalima2605@hotmail.com
1. Inclusão 2. Formação 3. Necessidades educacionais especiais
I. Título Francisca Nilça Vieira. Doutora em Educação-UPAP-PY; Mestra
CDD: 370.1 em Educação Especial-UECE; Em Formação Psicanalítica(SCOPSI);
Pedagoga-UFC; Professora convidada da Universidade Estadual do Maria de Lourdes B. de Magalhães. Profissional graduado em psico-
Ceará (UECE) e Ex-Coordenadora, atualmente professora de aten- motricidade e/ou profissional da área de saúde e educação (titulado
dimento educacional especializado do Núcleo de Atividades de Al- pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade-SBP/RJ), que pesqui-
tas Habilidades/Superdotação NAAH/S-CE/CREAECE – Secretaria sa, ajuda, previne e cuida do Homem na aquisição do desenvolvimen-
de Educação-SEDUC. to e nos distúrbios da integração somatopsíquica (SBP, 2013).
E-mail: nilavieira@yahoo.com.br E-mail: lurdesmag5@yahoo.com.br
Joan Rios de Oliveira. Psicóloga – Universidade de Fortaleza- Maria Stela Oliveira Costa. Dra. em Ciências da Educação (Uni-
-UNIFOR (1991), Mestre em Educação (UFC, 1999), Docente de versidade Americana); Mestre em Educação Especial (UECE); Es-
cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Estadual do pecialista em Literatura Luso brasileira (UFC) e em Deficiência
Ceará, Universidade de Fortaleza, Centro Universitário Christus e Mental (UNIFOR); Em formação Psicanalítica (SCOPSI); Graduada
Centro Universitário Estácio/FIC, coautora do livro Imaginando Er- em Letras (Português/Inglês) (UFC); Professora Secretaria de Edu-
ros (Casa José de Alencar, 1997). cação Básica (SEDUC); Professora convidada da Universidade Vale
E-mail: joanrios@unifor.br do Acaraú (UVA) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Especial CNPq/UECE.
Maria Angelica Pires de Souza. Especialista em Pesquisa Cientí- E-mail: mariastelaoc@hotmail.com.
fica (UECE); Em Formação Psicanalítica (SCOPSI); Especialista
em Psicopedagogia e Deficiência Mental (UNIFOR); Graduada em Marisa Pascarelli Agrello. Pedagoga; Especialista em Psicomotrici-
Economia Doméstica-UFC; Graduada em Nutrição-UECE; Pro- dade; Mestre em Educação: Área de Concentração “Educação Espe-
fessora convidada da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e cial e Psicopedagogia”; Doutoranda em Educação pela Universidade
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA/IDEEC); Professora de TRÁS – OS – MONTES E ALTO DOURO. Pró-Diretora de De-
da Faculdade Darcy Ribeiro/PLUS; Ex-Coordenadora atualmente senvolvimento Institucional das Faculdades INTA – Sobral.
professora colaboradora do Núcleo de Atividades de Altas Habilida- E-mail: marisagrello@gmail.com
des/Superdotação NAAH/S-CE/CREAECE-Secretaria de Educação
Básica(SEDUC); Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Es- Raimunda Cid Timbó. Mestre em Educação Especial (UECE); Es-
pecial CNPq/UECE. pecialista em Psicopedagogia (UECE); Formação Continuada em
E-mail: angepires2005@yahoo.com.br Pesquisa Científica (UECE); Em Formação Psicanalítica(SCOPSI)
Graduada em Pedagogia (UECE); Professora convidada da Univer-
Maria De Fátima Almeida de Sousa. Graduada em Serviço So- sidade Estadual do Ceará (UECE) e Universidade Estadual Vale do
cial, com pós-graduação em Administração de Recursos Humanos Acaraú (UVA/IDJ);Professora da Faculdade Darcy Ribeiro/PLUS;
e Gerência Geral. Atua na inclusão de pessoas com deficiência, des- Professora-Secretária de Educação Básica (SEDUC). Membro do
de 1991, no SINE/IDT, onde desempenha a função de gerente do Grupo de Pesquisa em Educação Especial CNPq/UECE.
Atendimento Especializado à Pessoa com Deficiência, assessorando E-mail: rcidtimbo@hotmail.com
toda a Rede de Atendimento do Estado do Ceará. Ministra palestras
sobre a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Rosa Maria Goes Sampaio. Doutora em Ciências da Educação-
E-mail: fatimaalmeida@idt.org.br. -UPAP-PY; Mestra em Educação Especial-UECE; Especialista em
Controle de Qualidade no Ensino Aprendizagem-UFC; Especialista
em Deficiência Visual-SEDUC; Facilitadora de Biodança-EBC; Gra- Telma Regina Pessoa Holanda. Mestre em Educação Especial
duada em Filosofia-FAFIFOR; Ex Professora, Vice-Diretora e Direto- (UECE); Especialista em Psicopedagogia (UECE) e em Tecnologia
ra do Instituto dos Cegos-SEDUC; Professora do Curso de Educação Educacional (FAFIFOR); Graduada em Pedagogia (UECE); Gradu-
Inclusiva (UECE); Professora da Faculdade Darcy Ribeiro/PLUS; anda em Psicologia (UNIFOR); Professora Secretaria de Educação
Professora da UNIAMÉRICAS; Integrante do Grupo de Estudos de Básica (SEDUC); Professora da Universidade Estadual Vale do Aca-
Educação Inclusiva da Universidade Estadual do Ceará-(UECE). raú/ Instituto Dom José (UVA/IDJ) Professora convidada da Uni-
Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Especial CNPq/UECE. versidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do grupo de Pesqui-
E-mail: rmgsampaio@gmail.com. sa em Educação Especial CNPq/UECE.
E-mail: telmarph@uol.com.br.
Renata Rosa Russo Pinheiro Costa Ribeiro. Mestre em Educação
Especial (UECE). Especialista em Educação Brasileira. Professora
Assistente da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Vice-dire-
tora do Centro de Educação (CED/UECE). Membro do grupo de
Pesquisa em Educação Especial CNPq/UECE.
E-mail: renata.russo@uece.com
APRESENTAÇÃO
Soraya Eli Lyra Pinto.........................................................................................15
PARTE I
Marcos Legais e Fundamentos Teóricos para a Inclusão
PARTE II
Necessidades Educacionais Especiais
EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO
NO ESPAÇO INCLUSIVO INCLUSIVO
Francisca Nilça Vieira Raimunda Cid Timbó.......................................................................................291
Maria Angelica Pires de Souza......................................................................180
ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO FACILITADOR NA FORMAÇÃO DOCENTE NO
PARTE III ESPAÇO INCLUSIVO
Ações Estratégicas para a Inclusão Raimunda Cid Timbó
Maria Angelica Pires de Souza......................................................................308
RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Iêda Maria Maia Pires.....................................................................................199
Caro leitor
d 15
O livro está dividido em artigos, que por sua vez com- Raul Seixas, sonho que se sonha só, é mais um sonho que se sonha só,
põem as unidades, a fim de constituir uma cronologia e uma mas sonho que se sonha junto... é realidade!
organização temática. Leia, envolva-se, acredite que este sonho pode tornar-se
Na primeira unidade estão os artigos voltados aos mar- realidade com a sua participação.
cos legais e fundamentos teóricos para a inclusão, contendo os Boa leitura!
temas, HIstória e Política, Desenvolvimento Psicológico, De-
senvolvimento Psicomotor e Neurociência. Soraya Eli Lyra Pinto
Coordenadora do Curso
Na segunda unidade, versa sobre as Necessidades Educa- de Especialização em Educação Inclusiva
cionais Especiais que contempla a Estimulação precoce; Defi-
ciência Visual, Deficiência Auditiva, Deficiência Intelectual e
Altas Habilidades/Superdotação.
Na terceira, Ações Estratégicas para a inclusão onde estão
relacionados temas como Relações familiares, Comunicação
Alternativa, Adaptações curriculares, Atendimento Educacio-
nal Especializado – AEE e Mercado de Trabalho.
Na quarta e última unidade, discorre-se sobre Estágio e
Pesquisa na formação de professores.
Embora o livro apresente uma ordem temática, você
pode começar pela unidade que mais lhe interessar.
Nesta edição buscamos contemplar vários temas relati-
vos às pessoas com deficiência. Entretanto informamos que as
temáticas ausentes, serão abordadas nas futuras edições, pois
falar sobre Inclusão engloba não só os assuntos históricos e
informativos do passado, mas, principalmente, assuntos perti-
nentes ao nosso cotidiano.
Ressalte-se que, uma sociedade só poderá ser realmente
inclusiva quando todos os segmentos que a integram possam
ser usufruídos por todos. Por todos e para todos.
O grupo que se propôs a elaborar os artigos integran-
tes deste livro busca contribuir para a realização dessa utopia
sustentada na possibilidade de uma prática inclusiva em cons-
trução no contexto brasileiro, e, para finalizar, parafraseando
16 d d 17
PARTE I
Introdução
d 21
pessoas com deficiência nos múltiplos âmbitos sociais, princi- o reconhecimento de alguns direitos desta camada populacio-
palmente no sistema regular de ensino. nal, como elementos integrantes de políticas sociais, aconte-
Quando nos reportamos à inclusão escolar, nos referin- ceu apenas em meados do século XX. Entretanto, a sonegação
do a garantia de uma educação para todos, incluindo sujeitos destes direitos deve-se, sobretudo ao fato da falta de enten-
que ainda se encontram à margem da escola, provenientes dimentos sobre os aspectos conceituais das deficiências, uma
dos diversos coletivos sociais, étnicos, raciais, geracionais, vez que as noções a respeito das concepções dos deficientes,
do campo e outros. Neste contexto, no que diz respeito às eram ligadas ao misticismo e ocultismo. Em decorrência des-
pessoas com deficiência, é de fundamental importância que ta visão deturpada diante das pessoas com deficiência, estas
se faça uma análise sobre o tratamento a elas dispensado ao eram marginalizadas, ignoradas, tratadas como verdadeiro
longo da história, que vai desde a prática do extermínio entre lixo social.
alguns povos, passando por uma perspectiva assistencialista- Na Grécia antiga, bebês que nasciam com deficiência,
-caritativa associada à igreja, enveredando pela patologização eram comumente sacrificados ou escondidos, conforme re-
da deficiência, oriunda do discurso médico, ingressando pelas lato de Platão apud Gugel (2007, p.63): “Quanto aos filhos
práticas integrativas, com o intuito de adaptar a pessoa com dos sujeitos sem valor e aos que foram mal constituídos de
deficiência para viver em sociedade, chegando aos dias atuais. nascença, as autoridades os esconderão, como convém, num
Atualmente, almeja-se a consolidação das práticas inclusivas, lugar secreto que não deve ser divulgado”. Na sociedade ate-
na tentativa de eliminar toda e qualquer forma de discrimina- niense, Aristóteles apud Gugel (2007, p. 63), pregava que
ção e exclusão. Ainda existem muitas barreiras a transpor para “deve existir uma lei que proíba educar a criança disforme”.
que a sociedade se torne, de fato, inclusiva, entre elas, a oferta Pessotti (1984) informa que em Esparta, crianças com defici-
de uma educação de qualidade para todos. ências eram consideradas sub-humanas, portanto, eliminadas
Nessa abordagem, o artigo tem como objetivo discutir ou abandonadas à própria sorte. As antigas leis romanas tam-
sobre a história da educação especial adentrando no cenário bém não eram nada favoráveis ao convívio social das pessoas
mundial e brasileiro, considerando os aspectos sociais e políti- que nasciam com deficiência, permitindo aos pais eliminar os
cos, refletindo sobre formação de professores para o exercício filhos com deformidades físicas, para isto usavam a prática do
da atividade docente na perspectiva da educação inclusiva. afogamento (SILVA, 1986).
Nos séculos IV e V, vamos encontrar nos ensinamentos
Contextualização Histórica da Educação Especial e Inclusiva: Passos de Santo Agostinho, que atribuía à deficiência mental toda a
Lentos e Contínuos culpa, punição e expiação de pecados dos antepassados. Seis
séculos mais tarde, São Tomás de Aquino, tinha uma percepção
A defesa da cidadania e do direito à educação da pes- mais amena quando entendia que as pessoas com deficiência
soa com deficiência constitui atitudes recentes na sociedade, sofriam de uma espécie de demência natural, não consideran-
conforme Mazzotta (1999). O autor lembra que a conquista e do seus males um pecado, propriamente dito. (BRASIL, 1977).
Interpretando esta passagem, entendemos que é com- É oportuno pontuar que a citada lei, foi uma das pri-
provada a responsabilidade do Estado em promover uma meiras políticas a tratar da educação especial para as pesso-
educação para todos e de qualidade, pois julgamos que seja as com deficiência, apontando o direito dos “excepcionais” à
essencial para o desenvolvimento e a construção do indivíduo educação enquadrando-os no sistema geral de ensino. (BRA-
de modo holístico, bem como para o crescimento do país. Sob SIL, 1961). Vale ressaltar, que no Título X: Da Educação de
este prisma à educação é atribuída uma importância incontes- Excepcionais, encontramos referências nos artigos: Art. 88: “a
tável, esta passa a ser a mola propulsora das várias transforma- educação de excepcionais, deve, no que for possível, enqua-
ções ocorridas na sociedade. drar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na
Recordando as Leis de Diretrizes e Bases da Educação comunidade” e no Art. 89: “toda iniciativa privada considera-
Nacional (LDB), mencionamos a de no 4.024, de 20 de de- da eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa
zembro de 19611, que “Fixa as Diretrizes e Bases da Educação à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos
Nacional”, apresenta a seguinte estrutura: possui XIII Títulos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos
com 120 artigos. Em relação a educação, temos capítulo III: da e subvenções”.
Educação, da Cultura e do Desporto , na Seção I: da Educa- Em 1971, a LDB no 5.692, de 11 de agosto de 1971, que
ção, o Art. 2o, reza que: “a educação é direito de todos e será “Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1o e 2o graus e dá
dada no lar e na escola”. Identificamos no Título II, no Art. 3o, outras providências”, foi publicada em 11 de agosto de 1971,
que o direito à educação é assegurado: durante o regime militar pelo presidente Emílio Garrastazu
Médici, tem a seguinte estrutura: possui VIII capítulos, distri-
1
buídos 92 artigos. Em relação a educação, temos o Capítulo I:
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define e regulariza o sistema
de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. Foi do Ensino de 1o e 2o graus, o Art. 1o, que pontua: “O ensino
citada pela primeira vez na Constituição de 1934. O primeiro projeto de lei foi de 1o e 2o graus tem por objetivo geral proporcionar ao edu-
encaminhado pelo Poder Executivo ao Legislativo em 1948, e levou treze anos de
debates até o texto chegar à sua versão final. A primeira LDB foi publicada em 20 cando a formação necessária ao desenvolvimento de suas po-
de dezembro de 1961 pelo presidente João Goulart, seguida por outra versão em tencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
1971, em pleno regime militar, que vigorou até a promulgação da mais recente em
1996. (www.helb.org.br/index.php?option. Acesso: abril de 2012). para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cida-
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
40 d TARCILEIDE MARIA COSTA BEZERRA • TELMA REGINA PESSOA HOLANDA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 41
acordo com Campos (1987) à ela foi dado o nome de Intera- pessoas se desenvolvem através de interações com seus pares,
cionismo. O Interacionismo refere-se a um modo de entender ao mesmo tempo em que seus organismos oportunizam novas
o ser humano considerando que o desenvolvimento é fruto leituras de suas vivências a partir do progresso maturacional.
tanto de fatores orgânicos quanto de fatores ambientais. Den- Segundo o Construtivismo, o desenvolvimento se constituiria:
tre as correntes de estudo que concordam com estes pres- [...] pela interação do indivíduo com o meio físico e
supostos está o Construtivismo de Piaget e a Teoria Sócio- social, com o simbolismo humano, com o mundo das
-histórica de Vigotsky. relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não
No intuito de compreender o desenvolvimento huma- por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou
no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes
no e, sobre este, apreender as nuances do desenvolvimento
da ação não há psiquismo nem consciência e, muito
de pessoas que tenham necessidades educativas especiais é menos, pensamento (BECKER, 2001, p.88).
que estas teorias serão doravante alvo de atenção. A fim de
elucidar melhor as propostas inclusivas da educação deve-se Portanto, o Construtivismo parte do princípio de que o
considerar que estes aspectos são devera importantes visto desenvolvimento é determinado pelas ações entre o indivíduo e
que não é possível ocorrer um adequado processo de inclusão o meio. A ideia é que o homem não nasce pronto, mas também
sem o conhecimento do processo de desenvolvimento. não é passivo sob a influência do meio. Ao contrário, responde
Desta forma, as teorias Construtivista e Sócio-histórica aos estímulos externos de forma ativa, agindo sobre eles para
serão expostas brevemente a fim de arregimentar o profis- construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma
sional interessado nesta temática ou a quaisquer outros que cada vez mais elaborada. Tais pressupostos se coadunam com
queiram aprofundar o tema contribuindo assim para uma me- a proposta inclusiva haja visto que desenvolver a autonomia é
lhor compreensão destes indivíduos e visando à adequação às um dos objetivos da Inclusão e isto só pode ser possível se pen-
suas necessidades, notadamente educativas. sar em um indivíduo ativo, que se transforma constantemente.
Ao final, são apresentadas algumas contribuições para O Construtivismo busca conceber o desenvolvimen-
uma prática inclusiva mais bem fundamentada. Espera-se as- to através de sua gênese; é a partir desta ideia que Piaget
sim contribuir para o enriquecimento de todos os interessa- interessou-se pela Epistemologia Genética, ou seja, pelo estudo
dos no tema Inclusão, assim como, oportunizar um novo olhar do nascimento da inteligência (BATTRO, 1976). Sua posi-
sobre o desenvolvimento de pessoas com necessidades edu- ção epistemológica rompe assim com a perspectiva empirista,
cativas especiais. a qual acredita que o conhecimento está fora do indivíduo,
ou seja, através dos sentidos o sujeito poderá ter acesso ao
Construtivismo conhecimento; e apriorista que considera que o sujeito traz
consigo uma estrutura pronta que lhe propiciará conhecer.
A abordagem Construtivista preconiza que todo proces- Para Piaget (1996), a criança é um ser ativo que age
so de desenvolvimento é um processo de construção, ou seja, as espontaneamente sobre o meio e possui um modo de fun-
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
42 d JOAN RIOS DE OLIVEIRA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 43
cionamento intelectual próprio que a leva a adaptar-se a esse A partir disto, pode-se pensar que o ser humano é ativo
meio e a organizar suas experiências. Pelo contato com obje- no processo de construção do conhecimento e é esta ação
tos e pessoas, a criança construirá seu conhecimento do mun- de atuar sobre o objeto de conhecimento que garantirá seu
do e abrirá possibilidades de aprendizagem. Castro (1991, p. desenvolvimento. Mediante este fato, não se pode pensar em
25) diz que a aprendizagem “[...] é um processo de aquisição um sujeito com necessidades especiais a partir de seus limites
(de conhecimentos ou de ações) em função da experiência e mas, ao contrário, na busca por expandir estes limites oportu-
desenvolve-se no decurso do tempo”. Além disso, a aprendi- nizando ao máximo experiências que deem a ele a condição
zagem está relacionada a processos de abstração, assimilação, de estabelecer novas relações.
acomodação e equilibração – processos estes que são regula- Quanto ao processo de Adaptação, este acontece me-
dos pela inteligência. diante o funcionamento de dois mecanismos: a assimilação
Quando mediante uma criança com déficit intelectual e a acomodação. Na assimilação o indivíduo usa as estrutu-
(grau de Q.I. abaixo de 70) parte destas relações e combina- ras psíquicas que já possui. Caso elas não sejam suficientes
ções pode ser prejudicada mas, ainda assim, algumas delas é preciso construir outras novas; isso é Acomodação. Assi-
serão feitas já que o desempenho deficiente e os repertórios milar significa, portanto, incorporar determinado objeto do
comportamentais limitados podem ser estimulados na busca conhecimento dando-lhe contornos próprios. Kamii (1990)
por uma aprendizagem mais complexa visto que alguns auto- aponta como exemplo, uma criança diante de um novo brin-
res questionam a estabilidade do quociente intelectual. quedo. Uma primeira criança ao contemplar este brinquedo
Piaget (1990) menciona que todo ser vivo, para s obreviver pode ficar muito empolgada porque possui cores vibrantes e
às condições ambientais, desenvolve a inteligência que deve ser chamativas; já uma criança não vidente, diante deste mesmo
definida enquanto Organização – parte do nível menos comple- brinquedo, poderá ficar com medo, pois o mesmo possui um
xo ao mais complexo, e enquanto Adaptação – função adaptativa barulho estranho para ela. Ainda uma terceira criança não vi-
ao meio. O sujeito age e se adapta às mais diversas situações dente poderá ficar curiosa, pois este brinquedo lhe chama a
a partir de uma organização, ou seja, em função de uma coe- atenção pelo tato. Visto desta forma, um mesmo objeto teve
rência, de um conhecimento que foi construído e que sempre diferentes assimilações sob diferentes pontos de vista para
poderá ser reconstruído. É desta forma que um indivíduo com cada criança, ou seja, o brinquedo, para estas três crianças,
necessidades especiais ou não se desenvolve. Dentro de suas assumiu diferentes significados, independente de ter ou não
possibilidades, o indivíduo constrói e reconstrói continuamen- uma necessidade especial.
te as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio. A acomodação, por sua vez, é um aspecto antagônico e
Garakis (1998, p.17) complementa: “[...] o conhecimento é o complementar à assimilação. Acomodar refere-se a quando um
resultado de um processo dialético, na medida em que para objeto de conhecimento, ao atuar sobre o sujeito, modifica-o
conhecer os objetos o sujeito necessita organizá-los ao mesmo assim como a seus esquemas de ação ou pensamento, permi-
tempo em que é organizado, cognitivamente, por eles”. tindo a este uma compreensão melhor do objeto explorado.
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
44 d JOAN RIOS DE OLIVEIRA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 45
Um exemplo é retornar à questão do brinquedo e imaginar cessária para assegurar à criança uma interação eficiente dela
uma criança que ao ver este objeto passa a explorá-lo a fim com o meio”. É desta forma que indivíduos com necessidades
de compreender como o mesmo funciona. Poderá pensar que especiais recorrem aos seus sistemas preservados a fim de al-
é um brinquedo igual aos que possui, porém, no processo de cançar a auto-regulação.
acomodação, depois de algumas tentativas frustradas para fa- Por outro lado, este processo pode sofrer algumas di-
zê-lo funcionar, perceberá diferenças em relação aos brinque- ficuldades no caso de pessoas com déficit cognitivo. Nelas as
dos com os quais já brincou e desenvolverá então um novo disfunções mais patentes são as que ocorrem nas estratégias
esquema mental no qual percebe que há novas categorias de ou nos procedimentos gerais com que abordam a informa-
brinquedos diferentes dos seus. Decorre novamente aqui a ção, a experiência e as tarefas e também na dificuldade de
necessidade de propiciar ao sujeito a vivência e o contato com generalizar, transferir e aplicar as estratégias já aprendidas em
vários e diferentes estímulos a fim de lhe dar a possibilidade situações e problemas diferentes daqueles em que foram ad-
de criar um repertório rico e vasto para suas analogias e ela- quiridos (COLL et al., 2004b).
boração de seus novos esquemas mentais, especialmente para Outro aspecto importante da teoria piagetiana é a com-
aqueles com necessidades especiais pelo fato de fazerem uso preensão de que os processos de assimilação e acomodação
de outras habilidades mediante algumas de suas limitações. tornam-se cada vez mais complexos oportunizando pensar no
No caso da exploração de novos objetos, cada indiví- desenvolvimento a partir de estágios. Para Deheinzelin (1996)
duo fará uso das capacidades que possua a fim de assimilar e o conflito cognitivo leva a pessoa a um nível mais elevado de
acomodar as novas informações. As crianças cegas, por exem- conhecimento, sendo que a transição entre um estágio de de-
plo, por terem o sistema visual prejudicado, recorrem a seus senvolvimento cognitivo e o seguinte é resultado do processo
demais sistemas sensoriais na apropriação do mundo como de equilibração no desenvolvimento da criança.
vias alternativas. Via de regra, tato e audição são os mais uti- Ao longo da infância e adolescência os estágios de de-
lizados. O tato ajuda o indivíduo a fazer coletas mais precisas senvolvimento piagetiano se dão em uma mesma sequência
de informação, apesar de ser mais lento que a visão. Já a au- devido ao material genético responsável pela maturação. “Esta
dição ajuda o indivíduo na comunicação verbal e tem função constitui fator necessário e indispensável para compreender a
telereceptora para localização e identificação de objetos e pes- ordem invariante em que se sucedem os diferentes estágios;
soas no espaço (COLL et al., 2004b). contudo não pode ser considerada como a única responsável
Para Piaget, de acordo com Correia et al. (2001), quan- por todo o desenvolvimento, mas sim como um fator entre
do o sujeito não consegue assimilar novos conhecimentos aos os outros” (SALVADOR et al., 1999, p. 90) quais sejam a ex-
seus esquemas surgem os conflitos cognitivos, fato que o leva periência com os objetos físicos, a experiência e a interação
a buscar uma nova equilibração, com o objetivo de adaptar-se com outras pessoas e o mecanismo de equilibração cuja meta
ao meio. Segundo Wadsworth (1997, p. 28), a equilibração é articular a ação e coordenar e regular a influência dos três
“[...] é considerada como um mecanismo autorregulador, ne- aspectos anteriores.
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
46 d JOAN RIOS DE OLIVEIRA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 47
Vê-se aqui que, no caso de crianças com Paralisia Cere- A importância deste estágio está que a criança típica
bral, o seu déficit de comunicação acarreta limitações para o nasce biologicamente equipada para realizar uma grande va-
seu desenvolvimento cognitivo visto que as crianças com Pa- riedade de respostas motoras, que constituem a armação para
ralisia Cerebral têm dificuldade em produzir mudanças con- os posteriores processos de pensamento. Este estágio também
tingentes no comportamento de outras pessoas para ganhar se constitui em uma fase extremamente importante no desen-
e manter sua atenção, obter efeitos sobre o ambiente com a volvimento da criança, pois esta já atua no mundo através de
mediação dos outros, transmitir e trocar informações (COLL suas ações e percepções. Tal aspecto é de relevância visto que
et al., 2004b). a criança nesta idade, quando começa a falar, só pode fazê-lo
Os estágios de desenvolvimento piagetianos foram di- porque constituiu este mundo mentalmente.
vididos de acordo com o surgimento de novas qualidades do Neste período de desenvolvimento chama a atenção o
pensamento, o que, por sua vez, altera o desenvolvimento glo- caso de crianças não ouvintes já que as diferenças entre bebês
bal do indivíduo. Cada período é caracterizado por aquilo que ouvintes e surdos pode ser observada já nos primeiros meses
melhor o sujeito consegue fazer e seu início e término depen- de vida. A surdez provoca a redução da emissão de sons (cho-
dem das características biológicas, do indivíduo e de fatores ros e balbucios) já a partir dos quatro aos seis meses e este
educacionais e sociais aos quais está submetido e será variável fato aumenta a dificuldade em se alternar o papel na interlo-
em períodos e aquisições a depender da necessidade especial cução (conversação) por falta de feedback auditivo. Diante
que uma criança possa ter. disto, a mãe não consegue regular a atenção da criança pelas
Piaget (1995) estabeleceu que há quatro estágios na vocalizações o que provoca uma redução da relação entre o
evolução cognitiva e, apesar de sua apresentação em períodos rosto da mãe com seus sons e comunicação. Como consequ-
etários, esta divisão é apenas uma referência e não uma norma ência destes aspectos, os adultos podem ter um controle mais
rígida, conforme Gadotti (2001). Uma vez alcançado um novo direto da atenção da criança (girando seu rosto, por exemplo)
patamar, este abre possibilidades de evolução para o estágio gerando passividade na criança que espera orientação sobre o
seguinte, porém este pode ou não ser alcançado. Os estágios que atentar (COLL et al., 2004b).
piagetianos são: Sensório-motor, Pré-operatório, Operatório Outra situação refere-se ao caso das crianças cegas.
Concreto e Operatório Formal. Estas apresentarão a coordenação audiomanual muito mais
O estágio Sensório-motor ocorre aproximadamente en- tardiamente que a visomanual (em videntes), pois esta só se
tre 0 e 2 anos e é marcado pela construção das noções de obje- produz ao final do primeiro ano de vida, diferentemente das
to, espaço, causalidade e tempo; a criança toma consciência da crianças videntes que já a apresentam em torno de 5 a 7 me-
realidade física e social que a cerca. Segundo Franco (1997), ses. A falta de visão também dificultará a aquisição da per-
as noções de espaço e tempo são construídas pela ação, confi- manência de objeto (típica deste período) já que as crianças
gurando assim, uma inteligência essencialmente prática. Por tal cegas construirão primeiro a permanência de objetos táteis
razão, este período também é chamado de Inteligência Prática. e, a partir do segundo ano de vida, começarão a coordenar
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imagens táteis e a procurar os objetos pelo som que emitem quisas recentes dizem que comparando-se crianças ouvintes e
(COLL et al., 2004b). não ouvintes, mesmo no primeiro ano de vida, estas possuem
Desta forma, este período de desenvolvimento que se um desenvolvimento bem semelhante.
centra na ação prática de exploração do meio pela criança Quanto ao jogo simbólico, característico do período
pode sofrer limitações como no caso das crianças surdas e ce- pré-operatório, considera-se que nas crianças surdas não há
gas e com isso limitar ainda mais o desenvolvimento desta fase. alterações significativas nas dimensões de descentração (capa-
Há ainda o caso das crianças com Paralisia Cerebral. Nelas cidade de realizar ações simbólicas e assumir o ponto de vista
as experiências sensório-motoras são limitadas visto que têm de outrem), na substituição (capacidade de utilizar objetos
dificuldade de manipular, controlar e explorar livremente seu com uma função determinada para outra função distinta) e
ambiente físico. O baixo desenvolvimento nesta esfera pode na integração de ações (capacidade de organizar a ação de
dificultar o desenvolvimento do raciocínio operatório e formal. forma sequenciada). Por outro lado, foram percebidas dife-
O segundo estágio piagetiano é o Pré-operatório e renças importantes nas dimensões de identidade (capacida-
ocorre entre 2 e 7/8 anos. Este é marcado pelo desenvolvi- de de atribuir um papel aos bonecos e de realizar com eles
mento da capacidade de substituir um objeto ou situação por ações próprias do personagem designado) e no planejamento
uma representação, cujos comportamentos mais comuns são (capacidade de realizar um planejamento prévio de um jogo,
os desenhos, o brincar de fazer de conta, o reconhecimento por exemplo) (COLL et al., 2004b). Estes fatores, no entanto,
no espelho, a imitação. Por tal motivo, este estágio é também dependem do grau de estruturação e internalização da lin-
conhecido como o estágio da Inteligência Simbólica. guagem em nível mais ou menos avançado oportunizado pelo
Nele o desenvolvimento mental é caracterizado pelo entorno, principalmente educacional.
egocentrismo intelectual e social, mas ainda assim, apresenta- O terceiro estágio denomina-se Operatório Concreto e
-se neste período a possibilidade de uma fala mais articulada este período tem início por volta dos 7 até 11 – 12 anos quan-
através da qual a atividade sensório-motora não é abandona- do a criança já consegue organizar seu pensamento através da
da, mas melhorada. Também o desenvolvimento da lingua- lógica. Enquanto na fase sensório-motora a criança baseava-se
gem irá acarretar modificações no aspecto intelectual, afetivo na ação e no período pré-operatório tinha esta ação interioriza-
e social da criança. da, no operatório concreto ela tem a ação interiorizada reversí-
A linguagem ganha ênfase, pois agora a criança já inter- vel, que significa pensar sua ação e sua anulação sem cometer
nalizou os objetos e passou a nomeá-los, representá-los men- contradições. Esta é uma das grandes conquistas deste está-
talmente. Porém, no caso de crianças surdas, devido às dificul- gio: a capacidade de reversibilidade.
dades de comunicação via oral, principalmente nos casos de Para Piaget (1975), este estágio não se limita a uma re-
perda profunda, a visão converte-se no principal vínculo com presentação imediata, mas ainda depende do mundo concreto
o mundo exterior e no primeiro canal de comunicação. Po- para chegar à abstração, por este motivo é conhecido como o
deria se pensar que este fato as limitaria demais, porém, pes- período da Inteligência Concreta.
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No caso das crianças surdas, estas apresentam evolu- Neste período, no caso de adolescentes não videntes,
ção similar neste estágio à das ouvintes, mas com um atraso sabe-se que não existem diferenças na resolução de tarefas do
de duas a quatro áreas em função do nível de abstração re- chamado pensamento formal. Neste caso, cabe à linguagem e às
querido neste período: classificação, seriação, conservação e formas de pensamento hipotético dedutivo que dela decorrem
representação espacial. Já a criança com déficit cognitivo tem serem usadas como ferramentas alternativas para o desenvolvi-
dificuldades especiais na aquisição de conhecimentos, tendo mento cognitivo das pessoas cegas (COLL et al., 2004a).
tais dificuldades a ver com os processos cognitivos e parâ- Quanto ao pensamento hipotético dedutivo de adoles-
metros de inteligência. Se se considera que a inteligência se centes surdos, devido à importância da linguagem e do meio
caracteriza em termos tanto de velocidade quanto de efici- social, estes apresentam algumas dificuldades, seja pela falta
ência de processamento, de aprendizagem e de aquisição de de busca ativa de uma solução para o problema, seja pelo tipo
conhecimentos, isso significa que os sujeitos com deficiência de ensino que eles recebem: concreto e literal demais.
mental são mais lentos e também menos eficientes em proces- Como visto, para Piaget, no início da vida a criança de-
sar e aprender. pende de conteúdos hereditários para realizar seus compor-
Por outro lado, se na eficácia de novas aprendizagens tamentos reflexos. Com o passar dos primeiros momentos de
são relevantes tanto a base quanto a organização de conheci- vida, ela passa a depender de suas capacidades cognitivas para
mentos prévios como as estratégias de processar e aprender, aprender aquilo que deve ser aprendido; a partir de então
nos sujeitos com deficiência mental supõe-se que há déficit aquilo que a criança aprende estará relacionado ao seu desen-
não apenas nas destrezas e nos saberes prévios, mas também volvimento (CASTRO, 1991).
nas estratégias. Estes aspectos fazem com a adequada inclu-
são na área escolar seja crucial para as crianças com déficit Teoria Sócio-Histórica
cognitivo, pois dependendo do nível em que se encontrem,
ficará cada vez mais limitada a sua capacidade de absorver e Vygotsky (apud VALSINER e VAN DER VEER, 1996)
articular novas informações (COLL et al., 2004b). teve como foco de sua teoria a ênfase nos processos de pensa-
O último estágio piagetiano é o Operatório Formal o mento e linguagem como responsáveis pelo desenvolvimento
qual constitui-se em torno dos 12 anos em diante e permite humano. Em seus estudos, observou que o sujeito nasce com
um raciocínio com total abstração. Ao alcançar este estágio, a reflexos inatos, mas é somente a interação deste sujeito com o
criança desenvolve a capacidade de lidar com questões com- meio físico e social que o fará desenvolver outras habilidades.
pletamente lógicas que não precisam estar relacionadas com Tal visão faz-se especialmente importante naquilo que
algo concreto, tais como o conceito de liberdade, justiça etc. se refere ao desenvolvimento do indivíduo autista. Autismo
Segundo Wadsworth (1997), é neste momento que as estru- refere-se àquela pessoa para a qual as outras pessoas são opa-
turas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de cas, que vive mentalmente ausente a pessoa presente e que,
desenvolvimento. por isso, sente-se incompetente para regular e controlar sua
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conduta por meio da comunicação. Neste caso, a interação Na evolução do homem, as primeiras interações comu-
destes sujeitos com seu meio social é imprescindível, haja vis- nicativas entre o bebê e o adulto se dão principalmente atra-
to que nenhuma forma de evolução nestes casos seria possível vés das expressões faciais, formato do rosto, contrastes de cor
se a interação social não se constituísse (COLL et al., 2004b). e brilho. Apesar de se supor que isto afetaria as relações em
De acordo com Barros (2002), para compreender o de- crianças não videntes, sabe-se que os bebês cegos driblam
senvolvimento humano, Vygotsky decidiu focar o seu olhar suas limitações visuais apoiando-se nas vozes de seu entorno,
em quatro domínios genéticos: o desenvolvimento filogenéti- além do cheiro exalado pelas pessoas a sua volta, principal-
co, ontogenético, sociogenético e microgenético. mente o da mãe, giram o corpo em direção à voz da mãe e
O desenvolvimento filogenético tem relação com a evo- as interações comunicativas se dão por sons, ritmos, contatos
lução da espécie humana. Frente a isto, Vygotsky fez estudos corporais e movimentos. Vê-se assim que a evolução ontoge-
acerca de uma inteligência prática a qual estaria presente tan- nética é também realizada fazendo uso, neste caso, dos recur-
to nos animais como nos seres humanos. São os chamados sos disponíveis aos bebês cegos (COLL et al., 2004b).
processos psicológicos elementares quais sejam: sensação, atenção No desenvolvimento ontogenético sobrepõem-se dois
não consciente, memória natural e reações emocionais básicas planos de desenvolvimento: a linha natural, determinada pe-
tais como o medo (SALVADOR et al., 1999). las características biológicas da espécie e cujo surgimento se
Sob a ótica do desenvolvimento filogenético, pensa- dá de acordo com o processo maturacional; e a linha cultural
mento e linguagem foram se modificando, independentemen- do desenvolvimento, a qual por meio da linguagem e de ou-
te um do outro. Até que, num certo ponto da evolução da es- tros sistemas simbólicos oportuniza a aquisição de funções
pécie humana, esses dois processos se uniram: o pensamento psicológicas superiores, tipicamente humanas, como o pensa-
tornou-se verbal e a linguagem, racional ou intelectual. Por- mento, percepção, memória, raciocínio.
tanto, a união do pensamento com a linguagem foi de extrema A ausência de linguagem ou uso estranho desta, apenas
importância para que então, o homem fosse capaz de articular como uma ferramenta para receber ou transmitir mensagens
os vários estímulos a que estava submetido e se reorganizar significativas, faz com que os autistas apresentem ecolalia (re-
internamente possibilitando uma nova forma de pensar. Nas- petição de sons), compreensão literal das palavras, inversão
ce assim o homo sapiens. de pronomes pessoais, falta de atenção à linguagem, aparência
Por outro lado, o desenvolvimento ontogenético, aque- de surdez, falta de relevância das emissões de flexibilidade
le que diz da evolução do homem desde sua gênese até seu mental e comportamental. Por esta razão, a aquisição das fun-
envelhecimento e morte, vem mostrar que, embora os seres ções psicológicas superiores pode ocorrer de forma rudimen-
humanos pertençam à mesma categoria, cada um tem sua in- tar nestes indivíduos (COLL et al., 2004b).
dividualidade mesmo vivendo em coletividade, e o convívio Vygotsky (1991) ainda focou sua atenção em dois outros
nesta é que faz com que o sujeito tenha a possibilidade de processos os quais são de extrema importância para a constitui-
aprimorar suas capacidades. ção intelectual dos indivíduos: a sociogênese e a microgênese.
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Na sociogênese sua atenção recaiu sobre a influência que os humano, o homem deve estar inserido no ambiente social. É
indivíduos recebem a partir de seu convívio com o contexto só- necessário ainda destacar que, mesmo estando junto ao meio
cio-cultural. Para ele: “[...] os processos psicológicos superiores social, este desenvolvimento não é dado de pronto, nem se
têm sua origem na vida social, nas interações que se mantém processa de forma linear e previsível, e sim de forma dinâmica
com outras pessoas e na participação em atividades reguladas e dialética, sempre relacionado ao contexto sócio-cultural no
culturalmente” (COLL et al., 2004a, p. 97). A participação ati- qual cada pessoa se encontra.
va no ambiente social daria origem aos processos intermentais Assim, apenas no período inicial da vida, é que os as-
cujas trocas possibilitariam a transformação do sujeito para que pectos biológicos teriam preponderância sobre os aspectos
esses processos se internalizem e passem a ser intramentais, ou sociais, sendo a atividade psicológica do ser humano muito
seja, não mais regulados pelo meio exterior, mas agora regula- limitada. À medida que a criança interage com o seu gru-
dos e controlados pelo próprio sujeito. Tais processos só são po social e com os elementos da sua cultura, estas interações
possíveis em decorrência do mecanismo de internalização:
contribuiriam para delinear o comportamento e alavancar o
É o mecanismo responsável pela transição entre o fun- desenvolvimento do pensamento infantil.
cionamento intermental e o funcionamento intramental
Entretanto, nos indivíduos com déficit cognitivo, a ri-
[...] processo mais ou menos lento, parcial, gradual e
progressivo, no qual criamos e modificamos o funciona- gidez comportamental é o traço mais visível, o que se carac-
mento intramental, graças à reconstrução que a pessoa teriza por serem capazes de persistir muito mais tempo que
faz das formas de mediação e dos processos utilizados outros em determinada tarefa, mesmo que repetitiva. Devido
na atividade conjunta ou intermental (SALVADOR et à baixa inteligência a capacidade de adaptação é reduzida e
al., 1999, p. 107).
implica em insegurança e ansiedade frente ao novo limitando,
Especificamente no caso de pessoas com deficiência via de regra, seu desenvolvimento.
mental, a limitação cognitiva aumenta a necessidade das rela- Em seus estudos, Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1990)
ções interpessoais provocando dependência afetiva e compor- defende a importância da relação e da interação com outras
tamental com relação a outras pessoas. Por isso, geralmente pessoas como origem dos processos de desenvolvimento hu-
apresentam formas afetivas mais infantis e dificuldade para mano, havendo uma relação dialética entre indivíduo e socie-
desenvolver comportamentos autoreferidos como auto-obser- dade. Para mediar as relações entre os seres humanos e destes
var-se, autoconhecer-se e cultivar a autoconsciência limitando com o mundo estaria a linguagem. A fala acompanha as ações
seu papel autoregulador (COLL et al., 2004b). e, posteriormente, dirige, determina e domina o curso da ação
Por outro lado, a microgênese pousa seu olhar sobre com sua função planejadora e reguladora. A fala desenvolve
as experiências pessoais e como estas evoluem à medida que então um papel fundamental no desenvolvimento das fun-
o sujeito se aperfeiçoa e tem a possibilidade de expandir o ções psicológicas superiores sendo considerada por Vygotsky
seu modo de ver e compreender o que ocorre a sua volta. (apud GADOTTI, 2001) como essencial para o desenvolvi-
Para Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1991), para produzir o ser mento do ser humano.
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Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1991) ainda focou sua Nesse contexto, o autor considera a ZDP responsável
atenção na fala egocêntrica. A fala egocêntrica da criança elu- pela progressão contínua da aprendizagem, a qual, segundo
cida o pensamento da mesma, o início de um planejamento ele, é subjacente ao desenvolvimento. Oliveira (1991, p. 97),
para executar uma ação e, por fim, a resolução do problema afirma que para Vygotsky “[...] a aprendizagem é motor do
que a criança se encontra ou até mesmo o alívio de tensões e desenvolvimento”. Em outras palavras, Vygotsky (1987) en-
emoções vividas naquele momento. tende que para que haja desenvolvimento é necessário que
Por outro lado, Vygotsky (1987) destaca a importân- exista aprendizagem. Por ser o social um componente fun-
cia da linguagem enquanto instrumento psicológico ou signo, damental do desenvolvimento psicológico a aprendizagem é
tendo esta o papel de organizar a atividade prática e as fun- responsável pela transformação do sujeito em decorrência da
ções psicológicas humanas, sendo este o motivo pelo qual ele interação com o meio.
se empenhou em pesquisar o desenvolvimento da inteligência A aprendizagem, mesmo que limitada, também ocorre
prática da criança quando ela começa a falar. junto àqueles que têm déficit cognitivo. Apesar de ser carac-
No caso do desenvolvimento da linguagem das crianças terizado por um funcionamento intelectual significativamente
cegas este pode ser considerado adequado, porém elas podem inferior à média, percebe-se como de extrema importância as
ter dificuldades na adequada utilização de pronomes pessoais experiências vivenciadas pela criança com deficiência mental
(eu, você, meu, seu) devido à incompreensão das mudanças de no seu cotidiano, destacando-se, também, sua interação com
papéis que se produzem na conversação (COLL et all, 2004b). pessoas mais experientes. Dentro de suas possibilidades, a
Além da linguagem, a aprendizagem também tem um criança irá operar sobre todo o material cultural com o qual
papel fundamental para o desenvolvimento do sujeito. Rela- tiver contato, sejam ideias, valores, conceitos ou objetos con-
tivo a isto, um dos pontos altos da teoria sócio-histórica é a cretos e, antes mesmo de iniciar sua vida escolar, poderá ter
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), a qual possibilita a construído uma vasta gama de conhecimentos e relações sobre
interação entre os indivíduos na busca pela construção de um o mundo que a cerca, fundamentais para a compreensão deste.
conhecimento novo através de trocas e, consequentemente, A aprendizagem também é destacada na escola. Ao en-
de influências sócio-culturais. trar na escola, segundo Vygotsky (1987), as crianças come-
A Zona de Desenvolvimento Proximal consiste na di- çam a processar um tipo diferente de conhecimento. Este au-
ferença entre o nível real de desenvolvimento determinado tor estabelece que há uma distinção entre os conhecimentos
pela capacidade de resolver problemas individualmente, e o que a criança constrói a partir da sua experiência concreta do
nível de desenvolvimento potencial, a partir da capacidade dia-a-dia, os quais ele chamou de conceitos cotidianos ou espon-
de aprender com as outras pessoas e resolver problemas sob tâneos e os conhecimentos elaborados na escola, por meio do
orientação de outros indivíduos mais desenvolvidos. A dis- ensino sistemático, chamados de conceitos científicos.
tância entre o desenvolvimento real e o potencial cria as cha- Segundo Vygotsky (1987), apesar de diferentes, os
madas zonas de desenvolvimento proximal (COLL et all, 2004a). conceitos cotidianos e os científicos têm estreita relação entre
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si influenciando um ao outro e integrando um mesmo pro- imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Esta
cesso, qual seja, o desenvolvimento da formação de conceitos. evolução se dá através de saltos qualitativos ou processos de
Deparando-se com um conceito sistematizado desconhecido, mudança revolucionários os quais demarcam as novas formas
a criança tentará significá-lo buscando aproximá-lo de outros de mediação que agora o indivíduo é capaz de utilizar e tam-
que ela já conseguiu elaborar e internalizar, e assim relacioná- bém as novas formas de inter-relação que estes processos pro-
-lo a experiências concretas. piciam. Franco (1997) enfatiza que tais evoluções provocam
Apesar de aparentar ser simples, o processo de forma- uma reorganização global do funcionamento da consciência,
ção de conceitos não se efetiva de maneira rápida e fácil, pois portanto, é de extrema importância que a criança inserida na
lida com operações intelectuais que são dirigidas pelo uso da família, na escola e em outros meios diversificados, com ou
linguagem, atenção deliberada, memória lógica, abstração e sem necessidades especiais, encontre novas formas de conhe-
capacidade para comparar e diferenciar. Desta forma, o pro- cimento que a auxiliem no seu desenvolvimento.
cesso de formação de conceitos é imprescindível para o de-
senvolvimento dos processos psicológicos superiores. Considerações Finais
É importante, ainda, ressaltar que para aprender um
conceito a criança precisa de informações oriundas do exte- A partir do olhar sobre as teorias de Piaget e Vygotsky
rior e de uma grande atividade mental, pois não se aprende são afloradas reflexões que se fundamentam na concepção de
conceitos através de um treinamento mecânico e nem da sim- que nada é dado, nada está pronto, especialmente no que con-
ples transmissão do professor, por exemplo. Por outro lado, cerne ao conhecimento, pois este se faz em função de relações
Vygotsky (apud REGO, 2001) ressalta que as formas de ativi- de troca entre o sujeito e objeto, como também entre sujeito e
dade intelectuais típicas do adulto, as quais envolvem o pen- sociedade. Pensar desta forma reforça a viabilidade da Inclu-
samento conceitual, já estariam presentes no pensamento da são e o seu poder de transformação.
criança, só que de maneira embrionária, vindo a amadurecer Estes teóricos influenciaram de forma decisiva as áreas
na puberdade através de um meio ambiente desafiador e es- da Educação e da Psicologia, inspirando assim novas metodo-
timulante do intelecto do adolescente. Se isto não acontecer, logias e posturas educativas. Na área da inclusão, a orientação
este processo pode atrasar ou mesmo não se efetivar, impe- educativa adequada é relevante e favorece a superação das
dindo o adolescente de conquistar estágios mais elevados de limitações que as necessidades educativas especiais impõem.
raciocínio, apesar do seu esforço individual. Isto só é possível mediante o olhar sobre o desenvolvimen-
Por fim, Vygotsky (1991) destaca a importância da cul- to destes indivíduos, principalmente naquilo que tanto Piaget
tura que através do outro fornece ao indivíduo um ambiente quanto Vygotsky pensam: o desenvolvimento do indivíduo
estruturado com elementos significativos, assim como a aqui- implica não somente em mudanças quantitativas, mas sim,
sição da linguagem que modifica suas funções mentais su- em transformações qualitativas do pensamento (COLL et al.
periores, define o pensamento, possibilita o aparecimento da 2004a).
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Nogaro e Granella (2012, on line) reconhecem que As alterações motoras, mentais e/ou sensoriais em indi-
Vygotsky tem uma visão do desenvolvimento com ênfase no víduos com necessidades educativas especiais interferem na
papel do ambiente social no desenvolvimento e na aprendi- habilidade de manejar instrumentos e materiais didáticos e
zagem; para ele a aprendizagem se dá em colaboração entre na compreensão de conteúdos necessitando de suporte peda-
as crianças e entre elas e os adultos. Já Piaget coloca que a gógico adequado para efetivar seu potencial intelectual. Tais
aprendizagem se produz pela interação do indivíduo com os medidas associadas a outros indicativos podem levar a um
objetos da realidade, onde a ação direta é o que gera o desen- melhor desenvolvimento cognitivo, a uma boa adaptação e a
volvimento dos esquemas mentais. um rendimento escolar coerente com suas possibilidades. É
Colocando de outra forma, tanto Piaget quanto Vygotsky necessário, portanto, que estas crianças percebam os próprios
(apud LA TAILLE et al, (1992) afirmam que o desenvolvimen- êxitos como resultado de sua habilidade e competência e não
to é resultado de uma atividade mediada. Mediador é aquele da benevolência dos outros; que as atividades dirigidas à elas
que ajuda a criança a alcançar um desenvolvimento que ela sejam adaptadas em seu nível de exigência e adequadas às
ainda não atinge sozinha. O(a) professor(a) e os colegas com suas potencialidades, mas também abrindo-lhes novos desa-
maior experiência são os principais mediadores na escola, fios, desafiadores e mantenedores de seu avanço.
acredita Libâneo (2003). Coerente com este pensamento, en-
contra-se aqui um enorme reforçador das possibilidades que Referências
a inclusão escolar acarreta. Portanto, independente da neces-
sidade educativa especial, quanto mais precoce as interven- AQUINO, Júlio G. Erro e Fracasso na escola. São Paulo: Editora
ções ocorrerem, melhores resultados poderão ser colhidos. Summus, 1997.
Em suma, o professor é o mediador da aprendizagem do BARROS, Célia Silva Guimarães. Psicologia e Construtivismo.
aluno, facilitando-lhe o domínio e a apropriação dos diferentes São Paulo: Editora Ática, 2002.
saberes. Mas, a ação docente somente terá sentido se for rea- BATTRO, Antônio M. O Pensamento de Jean Piaget: Psicologia e Epis-
lizada considerando-se as necessidades especiais e reforçando temologia. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1976.
as potencialidades de cada um. Isto é, o professor constitui- BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Por-
-se na pessoa mais competente que precisa ajudar o aluno na to Alegre: Editora Artmed, 2001.
resolução de problemas que estão fora do seu alcance, desen- CAMPOS, Dinah Martins de Sousa. Psicologia e desenvolvimento
volvendo estratégias para que pouco a pouco possa resolvê-los humano. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1987.
de modo independente (AQUINO, 1997). Por isso, é preciso o CASTRO, A. D. de. Piaget e a pré-escola. 4. ed. São Paulo: Edi-
acompanhamento do desenvolvimento destas pessoas e de suas tora Pioneira, 1991.
respostas à intervenção educativa para distinguir claramente as COLL, Cesar; MARCHESI, A.; PALACIUS, Jesus. Desenvolvi-
deficiências de outros atrasos ou dificuldades, visto que estas mento Psicológico e Educação: Psicologia da Educação Escolar. 2.
se constituem em uma condição permanente, mas não imutável. ed., v. 2. Porto Alegre: Editora Artmed, 2004a.
DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
62 d JOAN RIOS DE OLIVEIRA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 63
COLL, Cesar; MARCHESI, A.; PALACIUS, Jesus. Desenvolvi- OLIVEIRA, Marta Kohl. A Teoria de Vigotsky. Revista Dois
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CORREIA, Mônica; LIMA, Anna Paula; ARAUJO, Claudia Ro- PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações
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DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO:
64 d JOAN RIOS DE OLIVEIRA
AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKY PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS d 65
PSICOMOTRICIDADE: MOVIMENTO, EMOÇÃO E COGNIÇÃO Para Levin (2001) a psicomotricidade ocupa-se de um
sujeito que fala por meio de seu corpo, suas posturas, seus
Maria de Lourdes B. de Magalhães movimentos, seus gestos, seu tônus muscular, seu eixo corpo-
ral. Fonseca (2007) acrescenta que a psicomotricidade visa à
Introdução expressão do psiquismo (impulsos, emoções, projeções, fan-
tasmas, sentimentos e pensamentos) por meio de uma motri-
Neste artigo, a Psicomotricidade surge como referência cidade expressiva, integrada e autorregulada, o que favorece
para a reflexão sobre a importância do brincar e do corpo na o potencial de adaptabilidade e de aprendizagem do sujeito
escola e na aprendizagem. Para tanto, pretende-se conceituar (FONSECA, 2007).
e caracterizar a Psicomotricidade, inicialmente, em sua rele- Considerando que a psicomotricidade vem de um per-
vância para o desenvolvimento infantil, bem como situar o curso evolutivo, enquanto prática iniciada no campo biomédi-
leitor sobre: como atua a psicomotricidade e como sua prática co, não se pode deixar de mencionar que esta ciência sofreu
evoluiu até os dias atuais; como se dá o desenvolvimento psi- grande influência do pensamento de Descartes, o qual ilus-
comotor normal no bebê, com foco no diálogo corporal com trava a teoria dualista corpo-alma. Segundo Ames (2010), o
a mãe, visando elucidar sobre como se estabelece a primeira ser humano era tratado de forma fragmentada, baseado nesse
forma de comunicação no ser humano, a comunicação psico- conceito cartesiano. Deve-se a este fator, no princípio, o vín-
motora, e suas implicações para o desenvolvimento do sujeito. culo da psicomotricidade ao modelo médico, que trabalhava
O jogo psicomotor, como também o papel do psico- nessa perspectiva.
motricista serão abordados de modo a tornar mais evidente
A Psicomotricidade é uma reação contra vinte séculos
a influência do brincar para a aprendizagem e para o desen- de cultura dualista, contra uma mística teológica que
volvimento cognitivo e emocional das crianças. Ao final, são culpabilizou o corpo separando da alma, contra a fria
apresentadas algumas experiências exitosas em psicomotrici- lógica cartesiana que pensou poder fazer do homem
um puro espírito racionalista (LAPIERRE, 1984, p. 31).
dade com crianças com necessidades educacionais especiais
(NEE), publicadas em anais de congressos ou em trabalhos É Wallon (1995) que se opõe ao reducionismo neuroló-
científicos na área, com o intuito de esclarecer sobre os bene- gico, fruto do dualismo corpo-alma, que predomina no mundo
fícios do trabalho psicomotor para essas crianças. ocidental. O autor sustenta que através do movimento consti-
tuímos um elemento de base no desenvolvimento que permi-
Psicomotricidade: Conceito e Evolução te comunicação do psiquismo com o corpo; o corpo racional
(com predomínio das atividades mentais) cede espaço para um
A psicomotricidade fundamenta sua prática no movi- corpo emocional (corpo mensageiro de ideias e sentimentos).
mento corporal e na relação do sujeito consigo mesmo, com o Mesmo com as teorias de Wallon, não se observa, na prá-
outro e com o ambiente à sua volta. tica, uma mudança de postura; a psicomotricidade continua a
Introdução
estudo de neurologia e aprendizagem. Os profissionais que Livros, revistas, sites, artigos indexados, dentre outros,
lidam diretamente com a aprendizagem cognitiva devem ad- veiculam o conteúdo sobre neurociência por se tratar de um
ministrar esses conceitos com certa tranquilidade e aplicá-los assunto tão alardeado na década passada, a chamada “década
quando necessário. do cérebro”. Compreender como a aprendizagem se processa
Neurologia que é a especialidade médica que estuda as no Sistema Nervoso Central (SNC) também deve ser função do
doenças do sistema nervoso central, periférico e autônomo mediador de aprendizagem.
subdivide-se em três subespecialidades: (1) a neuropedia- O educador pode iniciar seu trabalho relembrando e
tria, à qual, dadas as características especiais do desenvolvi- aprofundando estudos acerca do desenvolvimento humano e
mento nervoso infantil, correspondem a uma parte muito de- marcos da maturação cerebral. Neurônio, formado por corpo
licada da medicina, a do estudo da formação e das primeiras celular, axônio, dendrite, sinapse e neurotransmissores e suas
fases do desenvolvimento neuronal; (2) a neurologia clínica relações com a aprendizagem serão contemplados nesse estudo.
propriamente dita, que se ocupa da anatomia, da fisiologia e Para Rotta (2006), o avanço da neurociência, em es-
da patologia do sistema nervoso; e (3) a neurocirurgia, con- pecial da neurologia, é de suma importância para o enten-
junto de técnicas cirúrgicas destinadas à reparação de lesões dimento das funções corticais superiores envolvidas no pro-
do sistema nervoso, e que, em determinados aspectos, quan- cesso de aprendizagem. O indivíduo aprende por meio de
do útil para o tratamento de alterações mentais, se vincula à modificações funcionais do sistema nervoso central (SNC),
neuropsiquiatria. principalmente nas áreas da linguagem, das gnosias (reconhe-
Por se tratar de um assunto muito complexo, e este ar- cimento de objetos por meio de um dos sentidos) das praxias
tigo ser dirigido para educadores, a ênfase será na relação da (função que permite a realização de gestos coordenados e
Neurobiologia com a Aprendizagem Humana. Os autores que adequados), da atenção e da memória. As interligações entre
seguem buscam demonstrar a inter-relação entre neurologia e as diversas áreas corticais e delas com outros níveis do SNC
86 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 87
devem ser efetivas, para que o processo de aprendizagem se Sistema Nervoso Central e as Relações com a Aprendizagem
estabeleça corretamente.
Conhecer a célula nervosa (neurônio) que é conside- O Sistema Nervoso Central é composto pelo encéfalo
rada a unidade básica do sistema nervoso e saber que ela é e pela medula espinhal que por sua vez, transmite impulsos
constituída por um axônio que leva os dados do corpo celu- aferentes e eferentes do SNC. O tronco cerebral, área de pas-
lar adiante, um corpo celular e por dendrites, que são fibras sagem das informações aferentes e eferentes e outras demais
que colhem dados dos neurônios e células da vizinhança; as funções é composto por mesencéfalo, ponte e bulbo. Nessas
sinapses com seus minúsculos espaço entre o axônio de uma estruturas funcionam áreas vitais como centro respiratório,
célula e o dendrite de outra; neurotransmissor, veículo que sistema reticular ativador ascendente (SRAA), muito impor-
possibilita a passagem dos dados entre as células nervosas, tante no comando do ciclo sono-vigília e também na aten-
assim como, células receptoras que recebem o calor, o toque, ção. É claro que a estrutura é muito mais sofisticada e que os
a luz e outros estímulos internos e externos, não é suficiente. processos e sequências ocorridos de uma estrutura a outra é
Entender melhor como o cérebro aprende e codifica novas muito mais complexa.
habilidades é que vai fazer a diferença. Na tentativa de uma explicação mais literal, o cérebro
Quando estimulamos um neurônio através de experi- vai processar os dados recebidos através dos sentidos, vai jun-
ências sensoriais, motoras, afetivas, cognitivas, um impulso de tá-los às informações que possui provenientes de experiências
natureza elétrica é gerado e nesse momento Íons e substân- passadas e vai tomar suas decisões. Ele verificará o que é ne-
cias químicas são liberados e lançados nas sinapses. Novas cessário acontecer no dado momento: controlar a circulação,
conexões são estabelecidas sempre que um novo estímulo é a respiração, ativar funções de sono ou de vigília, atender as
possibilitado, gerando uma infinidade de respostas. necessidades físicas, intelectuais ou afetivas? O cérebro não
Os neurotransmissores (divididos em duas categorias:
excitadores e inibidores) relacionam-se diretamente com o
Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH).
Manter a atenção nas tarefas ou desviar o foco depende, den-
tre outros fatores, da ação dos neurotransmissores. Quando o
educador compreende esse processo ele olha diferente para
um sujeito que tem TDAH. Ele compreende que não se trata
de alguém “desinteressado”, “preguiçoso” ou que está agindo
propositalmente.
Com as novas descobertas sobre plasticidade cerebral,
as possibilidades de intervenção foram ampliadas, mas é pre- Figura 1 – Centros Nerviosos del Cerebro
ciso conhecer para melhor intervir. Fonte: www.zonagratuita.com
88 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 89
para, não dorme nem descansa. Intervir corretamente ainda é Hemisférios Cerebrais e Estruturas
a grande investida. O educador perceberá a grandiosidade da
sua prática junto aos aprendentes quando estes responderem Figura 2 Figura 3
adequadamente às demandas solicitadas.
Cérebro anterior, médio e posterior, por que estudar
esse assunto? O educador interfere diretamente nas possibi-
lidades do sujeito aprender. Suas ações devem estar voltadas
para potencializar o mais possível o crescimento neuropsi-
comotor e cognitivo dos sujeitos. Ao aumentar a capacidade
de processar dados no ser humano, durante o crescimento,
aumenta-se também o cérebro anterior que administra o pen-
samento, a memória, a fala, a análise de informações oriundas
de todo o corpo, a satisfação das necessidades perenes, como
o sono, a temperatura, a defesa e a reprodução. Já o cére- Fonte: hemisférios.bmp Fonte: poderdamente.blogspot.com
bro médio que administra certos dados sensoriais e alguns
O controle dos lados do corpo está sob a direção dos
músculos, diminui. E o cérebro posterior, por sua vez, que
hemisférios cerebrais. O hemisfério esquerdo controla a par-
controla a circulação, a respiração, a digestão, o equilíbrio,
te direita do corpo, e o hemisfério direito, a parte esquerda.
os reflexos, as funções vitais tende a permanecer do mesmo
Existe uma assimetria entre os hemisférios.
tamanho.
O inicio da maturação biológica também é diferente. O
O córtex que significa “casca” é quem nos dá condições
hemisfério direito amadurece antes do esquerdo. Estudiosos
de processar os dados. É a parte enrugada e repleta de dobras
apontam para uma maior frequência de disfunções hemisfé-
que aparece na superfície do cérebro. Essa é a área que mais
ricas direitas do que as esquerdas, pois o hemisfério direito
se desenvolveu ao longo da evolução humana. Todos os in-
tem um ciclo mais longo e fica mais tempo exposto aos insul-
vestimentos em conhecimento que foi dirigido à espécie fize-
tos que podem atingir o SNC. Eles apontam para uma sime-
ram com que essa região ficasse mais requintada. A excelência
tria hemisférica no cérebro do disléxico. Segundo Sternberg
do trabalho do educador está em preservar as vias orgânicas e Grigorenko (2003), há uma simetria incomum no planun
pré-estabelecidas e a formação de novas vias por ramificação temporale (uma estrutura cerebral localizada na parte poste-
e crescimento progressivo da arborização dendrítica e dos ter- rior do lobo temporal superior).
minais nervosos. O córtex é subdividido em quatro lóbulos: frontal, na
região da testa, (processa o planejamento de atividades com-
plexas, como a linguagem, a interpretação, e certos impulsos
90 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 91
motores precisos como os que são realizados na dança); parie- Figura 5 – Sistema Límbico
tais (processam dados referentes à administração da palavra
Giro
e dados relativos à superfície do corpo: posição, temperatu- cingulado Fórnix
ra, toques, movimento); temporais, logo acima das orelhas,
(processam dados auditivos); e occipitais, na parte posterior Glândula
pineal
(recebem e processam os dados visuais).
No interior do segmento anterior do cérebro, existe um
Amígdala Corpo
conjunto de células denominado tálamo: é aí que se encon- mamilar
tram as informações sensoriais que são enviadas à superfície Tálamo
do córtex. O tálamo participa também do sono e da vigília.
Existe no cérebro também o sistema límbico (significa Pituitaria
Hipocampo
Hipotálamo
“fronteira”): conjuntos de neurônios muito ligados entre si.
Esses conjuntos estão localizados exatamente nas fronteiras O Sentido do olfato está diretamente conectado com o sistema límbico,
que é o que regula as nossas emoções.
dos hemisférios cerebrais. Este sistema inclui o hipocampo, o Fonte: institutoautohipnose.blogspot.com
septo, a amígdala, o giro cingulado e partes do hipotálamo e
do tálamo. O hipotálamo, do tamanho de um grão de feijão, ocupa
O sistema límbico está muito envolvido nas emoções e o centro geográfico do sistema límbico e tem função de con-
em determinadas atividades subjetivas humanas: sono, sede, trolar a temperatura corporal, regular o apetite, o balanço de
fome, medo, hostilidade, brandura, sexo etc. Sua ação tem água no corpo, o sono, as emoções e o comportamento sexual.
interferência direta na aprendizagem. O cerebelo, localizado à base dos hemisférios, também
Córtex cerebral
recebe informações de todo o organismo, mas ao contrário do
Figura 4
Corpo caloso córtex (que nos dá a oportunidade de pensar o que fazemos),
o cerebelo age sem que saibamos, regulando nossa postura,
nossos movimentos e equilíbrio. Ele tem muita participação
Tálamo
nos eventos neurobiológicos do aprendizado, tanto na recep-
ção das informações quanto na modulação das respostas a
Hipotálamo elas, quer sejam de transito dentro do encéfalo, quer sejam
Ponte
motoras.
Cerebelo
Bulbo
Medula
Fonte: institutoautohipnose.blogspot.com
92 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 93
Figura 6 – Mecanismos da Aprendizagem
Figura 7
Córtex motor
Área de broca
Cerebelo
Fonte: umm.edu
Córtex auditivo
Giro angular
A formação reticular (significa “rede”) desempenha Área de Wenicke
94 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 95
a compreensão. As associações recíprocas, entre as diversas Figura10
corteza
áreas corticais, asseguram a coordenação entre a chegada Corteza motora surco
primaria central somatosensorial
de impulsos sensitivos, sua decodificação e associação, e a área premotora primaria
área del sabor
atividade motora de resposta. A isso chamamos de funções
área de asociación
nervosas superiores, desempenhadas pelo córtex cerebral somatosensorial
Área de Broca
Área de
área de Wernicke
associación auditiva
corteza auditiva
primaria
Fonte: amaludibel.blogspot.com
Área de Wernicke: área associativa auditiva. Compreensão da linguagem
falada, interpretação da linguagem falada, escrita e tateada. Função inter-
pretativa geral.
Giro angular: transforma as palavras ouvidas, lidas e tateadas em um único
código de linguagem.
Área de Broca: Íntima associação com a área de Wernicke. A área de Broca
situa-se anteriormente a área motora primária que controla a face, lábios e
língua. É responsável pela EXPRESSÃO da linguagem falada. Aqui as pala-
vras a serem pronunciadas serão formadas.
96 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 97
A complexa função de aprender envolve principalmente límbico”. O cerebelo, como coordenador do ato cognitivo, e
as atividades superiores, sediadas nas áreas corticais, o sistema límbico, quanto modulação afetiva, para que tal fun-
inter e multirrelacionadas, não só entre elas, mas com
ção seja executada.
as estruturas subcorticais importantes no recebimento
da informação e na resposta elaborada pelo cérebro. É pela plasticidade neuronal que o neurônio forma novas
É na compreensão dos processos e no conhecimento conexões a cada momento. Por este motivo é que as pessoas
acerca das intervenções corretas que o mediador atuará, de um modo geral, não somente aquelas que sofreram algum
favorecendo assim a aquisição de novos conhecimentos dano com perda de massa encefálica, déficits motores, visuais,
ou reorganização dos conhecimentos existentes por
auditivos e/ou cognitivos devem ser estimuladas corretamente.
parte do aprendente. (ROTTA, 2006, p.17).
Rego (2002) diz que não é qualquer escola nem qual-
Para que a função de aprender seja adequada, é neces- quer prática pedagógica que proporciona ao indivíduo a pos-
sário o envolvimento do tono muscular, da noção de esquema sibilidade de desenvolver suas funções psíquicas mais elabo-
corporal e do afeto. “Sabe-se que o indivíduo aprende por radas. A perspectiva histórico-cultural desenvolvida por Lev
meio de modificações funcionais de SNC, principalmente nas S. Vygotsky aponta claramente que o impacto da escolariza-
áreas da linguagem, das gnosias, das praxias, da atenção e ção dependerá da qualidade do trabalho realizado. É no des-
da memória” (ROTTA, 2006, p. 18). Para que o processo de dobramento dessa ideia que acreditamos que um profissional
aprendizagem se estabeleça corretamente, é necessário que que entende como o sujeito aprende, conhece minimamente
as interligações entre as diversas áreas corticais e delas com a estrutura neurológica e suas relações com a aprendizagem
outros níveis do SNC sejam efetivas. e desenvolvimento e maneja com propriedade as formas de
intervenção mais adequadas, poderá produzir resultados cada
Plasticidade Cerebral vez mais inclusivos.
A máxima em que acreditávamos antes sobre o desapa-
Plasticidade cerebral não diz respeito apenas à reorga- recimento e a morte de neurônio ao longo da vida do ser hu-
nização do SNC pós-lesão, mas também à sua capacidade de mano era que neurônios mortos não eram substituídos. Essa
permitir a flexibilidade do cérebro normal e da cognição. máxima cedeu lugar para outra que diz que existem áreas
Entende-se, dessa forma, que todas as funções corticais cerebrais que estão constantemente produzindo novos neurô-
superiores envolvidas na cognição, como gnosias, pra- nios e estes produzindo novos circuitos e a aprendizagem se
xias e linguagem, são expressões da plasticidade cere- potencializando constantemente. Ou seja, até mesmo as crian-
bral, considerando as modificações em todos os níveis,
ças mais comprometidas neurologicamente podem aprender,
do molecular ao cognitivo. (ROTTA, 2006, p. 453).
principalmente quando os estímulos são na ordem das poten-
Ainda segundo a autora (2006, p. 465), “[...] duas cialidades e não nas limitações.
porções do SNC têm grande importância na aprendizagem Vygotsky evidencia que o ensino só é efetivo e eficaz
relacionada à plasticidade neuronal, o cerebelo e o sistema quando se adianta ao desenvolvimento: a qualidade do tra-
98 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 99
balho pedagógico está, portanto necessariamente associada Referências
à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento
proximal. (REGO, 2002, p. 52). BEAR, M.F; Connors, B. W; Paradiso, M. A. Neurociências: des-
Assim se entende a escola, o professor e a família como vendando o sistema nervoso. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
mediadores por excelência na construção do ser humano e na CAMBIER, J. Manual de Neurologia. 2. ed. São Paulo: Atheneu,
luta contra qualquer tipo de exclusão. 1998.
FERREIRA, V. J. A. O que todo professor precisa saber sobre neuro-
Considerações Finais logia. São José dos Campos: Ed. Pulsos, 2005.
FONSECA, V. Aprender a Aprender – A educabilidade cogniti-
A prevenção de danos, estimulação adequada, ambiente va. Porto Alegre: Artmed, 1998.
favorável ao aprendizado são fatores que podem fazer parte ______. Psicomotricidade: Filogênese, Ontogênese e Retrogê-
da prática do educador que vislumbra uma efetiva inclusão nese. Porto Alegre: Artmed, 1998.
social. É evidente que somente esses conhecimentos acerca GARDNER, H. Estruturas da Mente – A teoria das Inteligências
do encéfalo não são suficientes para uma boa e responsável Múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 1994.
atuação profissional. O assunto é grande, denso, complexo e GRECO, Alessandro. Cérebro – A maravilhosa máquina de vi-
demanda reconhecimento de sua importância e funcionalida- ver. Terceiro Nome, 2006.
de. É no aprofundamento que compomos um repertório mais JUAN, F. Romero. Desenvolvimento Psicológico e Educação:
rico, capaz de fundamentar a prática. Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar/
Tomar posse dos conhecimentos sobre o desenvolvi- organizado por César Coll, Jesús Palacios e Alvaro Marchesi –
mento da neurobiologia humana, sobre o que pode dar erra- Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
do nesse processo e as múltiplas possibilidades de intervenção Luria, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de
são fundamentais para subsidiar uma prática mais eficiente e Luria. Porto Alegra:Artes Médicas, 1994.
eficaz. As contribuições de Lev S. Vigostsky, Lúria e Alexei MACHADO, A. Neuroanatomia Funcional. 2. ed. São Paulo:
Leontiev, dentre muitos, nos reportam a uma série de conhe- Atheneu, 2005.
cimentos acerca do funcionamento encefálico e suas relações REGO, T. Cr. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da
com a aprendizagem, além de chamar atenção para questões educação. Petrópolis: Vozes, 2002.
culturais, sociais e educacionais. Plasticidade cerebral é tema RELVAS, M. P. Neurociência e Transtorno de Aprendizagem: as
recorrente nessas teorias. Esses autores e muitos outros que múltiplas eficiências para uma educação inclusiva. 5. ed. Rio
na atualidade fazem links entre as diversas facetas da aprendi- de Janeiro: Wak Ed, 2011.
zagem e suas inter-relações podem contribuir para uma maior ROTTA, Newra Tellechea. Transtorno da Aprendizagem: abor-
reflexão sobre o funcionamento do ser humano, o ensino e a dagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Art-
aprendizagem na escola. med, 2006.
100 d ILANA LEILA BARBOSA DE LIMA NEUROCIÊNCIA: CONHECER PARA INCLUIR E INTERVIR d 101
STERNBERG, Robert J. e Grigorenko, Elena L. Crianças Ro-
tuladas: o que os pais e professores precisam saber sobre as
dificuldades de aprendizagem/ Robert J. Sternberg e Elena L.
Grigorenko, Porto Alegre: Artmed, 2003.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. Ed Ridendo
Castigat Mores, 2001. Versão para eBook eBooks Brasil.org
(www.jahr.org). Edição eletrônica.
PARTE II
Necessidades Educacionais
Especiais
Introdução
106 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 107
a criança nos aspectos psicoafetivo, social, motor, perceptivo, meses), baixo peso ao nascer, problemas durante o parto –
sensorial e cognitivo; orientar a prática da vida diária e apoiar parto pélvico (bebê sentado ou em pé), bebê com cordão
a família nos cuidados com essa criança. umbilical enrolado no pescoço, causando falta de oxigênio
Segundo Ramos e Ramos (1996, p.102): ou hemorragia (sangramento) cerebral. Icterícia grave (in-
[...] toda criança necessita da interação, direta e freqüen- compatibilidade do fator Rh sanguíneo: mãe com Rh- e
te, com adultos que lhe dispensam atendimento apro- filho com Rh+) etc.
priado individualizado, a fim de lhe mediar a exploração yyPós-natal – desnutrição e abandono infantil, doenças infec-
e a compreensão do mundo circundante, podendo assim ciosas (meningite, por exemplo), traumatismo craniano e de
desenvolver adequadamente suas capacidades.
olhos, intoxicação por drogas, remédio, irradiações, convul-
Os programas de estimulação precoce, também deno- sões frequentes e sem controle médico, dentre outros.
minados programas de intervenção, vão se tornando cada vez
De acordo com os estudos na área, medidas preventivas
mais indispensáveis não só às crianças com deficiências, como
podem ser tomadas para evitar de 30 a 40% dos casos. O pri-
também a grande população de alto risco – ou vulnerável –
meiro passo a ser dado é conhecer as causas das deficiências.
e, mesmo, as consideradas sem deficiência. Quando tais pro-
gramas são iniciados já na primeira infância, seus efeitos são Práticas Preventivas
mais intensos e duradouros do que aqueles implantados em
crianças maiores, ainda que em idade pré-escolar, pois, o que As práticas preventivas devem ser desenvolvidas antes
a criança vivencia nos seus primeiros anos de vida são fatores da gravidez, durante a gravidez, durante e após o parto e du-
determinantes para o desenvolvimento de suas capacidades rante a infância.
futuras. (RAMOS E RAMOS, 1996).
Período antes da gravidez
Realização de alguns exames pelos futuros pais: Hemo-
Que Criança Necessita de Intervenção Precoce? Quais as Medidas de grama (exame de sangue); Glicemia, exame de Sífilis;
Prevenção? Tipo de sangue; Urina; Toxoplasmose, hepatite e fezes;
a futura mãe deve tomar vacina contra rubéola (nos
três primeiros meses, a rubéola provoca má formação
A Intervenção Precoce é indicada às crianças de 0 a 3 fetal, aborto, deficiência visual e auditiva, microcefalia
anos que tiveram algum problema nas seguintes fases: e deficiência mental).
Durante a gravidez
yyPré-natal – rubéola, sífilis, síndromes, microcefalia, hidroce- Pré-natal bem orientado e com atenção especial às mães
falia, alcoolismo, fumo, uso de drogas, alguns medicamentos, com hipertensão, com diabetes, com doenças sexual-
mente transmissíveis, idade avançada e precoce, evitar
exposição ao Raio X e desnutrição da mãe, dentre outros. traumatismos, tentativas de aborto com chás caseiros,
yyPeri-natal – prematuridade (bebê nasce antes dos nove remédios, exposição aos raios X, ingestão de drogas,
meses), pós-maturidade (bebê que nasce depois de nove bebidas alcoólicas e cigarros.
108 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 109
Durante e após o parto yyA Altura: Uma medida muito fiel do fenômeno do cres-
Assistência médica adequada no momento do parto e cimento. A curva da altura de uma criança é uma excelente
atenção e avaliação das condições do bebê (condições fotografia de sua vida anterior e um testemunho da história
cardíacas, respiratórias, musculares e reflexas) realização
do teste do Pezinho: detecção de doenças que podem do seu crescimento. Contrariamente ao peso , que pode so-
comprometer o desenvolvimento mental e também estão frer variações importantes e rápidas, a altura é uma medida
relacionadas a problemas infecciosos, hematológicos e muito estável que não diminui, mas, é mais difícil de ser
de nutrição. Deve ser feito entre o 3o e 7o dia de vida,
medida que o peso.
o bebê deve tomar as vacinas previstas, mamar no peito
e receber o cartão da criança. yyO Perímetro Craniano: Sua medida apresenta interesse
Durante a infância até a idade de 2 anos aproximadamente. Permite avaliar o
Tomar as vacinas previstas, evitar doenças como menin- volume do cérebro e seu desenvolvimento, do qual é teste-
gite, sarampo; evitar traumatismo, ingestão de alimentos munho a expansão progressiva do contorno da cabeça. O
contaminados, intoxicação por medicamentos, acidentes
perímetro craniano, em média é 35 cm quando do nasci-
com fogo ou objetos cortantes; evitar desnutrição ali-
mentando-se de forma saudável e evitar os maus-tratos. mento, passa à 47 cm no final de um ano; 50 cm, aproxima-
(CEARÁ, 2005, p. 50). damente com 2 anos. O que corresponde a um aumento de
volume do cérebro, o qual é particularmente rápido durante
Desenvolvimento Infantil de Zero a Três Anos os 18 primeiros meses de vida.Os ossos cranianos do bebê
não estão ainda soldados e deixam entre eles, na parte fron-
O desenvolvimento de uma criança sem alteração deve tal, um espaço em forma de losango.
responder a certas exigências gerais que serão descritas a se- yyOs Dentes: Os primeiros dentes chamam-se dentes de lei-
guir baseado em Unesco (1987). te ou dentes temporários. Em número de 20, aparecem em
Quatro indicadores são considerados como os mais im- uma ordem determinada (mas com uma cronologia muito
portantes e os mais simples de se medir: o peso, a altura, o variada) em um período escalonado em média entre 6 e 30
perímetro craniano e os dentes, para acompanhar o desenvol- meses.
vimento da criança.
Desenvolvimento da Criança de Zero a Três Anos
yyO Peso: É um indicador muito sensível. Traduz o estado
atual da criança. Suas variações são rápidas e importantes. Cada criança é única. O esquema do desenvolvimento é
A medida do peso é, de longe, o método de vigilância mais comum a todas as crianças, mas as diferenças de caráter, pos-
comum e conhecido. O que nos dá mais informação não é sibilidades físicas, o meio e o ambiente familiar explicam que,
o peso num momento dado, mas a evolução deste peso no com a mesma idade, crianças perfeitamente “normais” possam
tempo. comportar-se de maneiras diferentes (Unesco,1987).
110 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 111
Segundo Gonçalves (2003, on line), algumas das prin- Como reage: Sorri ao reconhecer sua imagem no espe-
cipais etapas do desenvolvimento motor, social, emocional e lho. Pode reclamar ao ser deixado no berço ou no cercado;
cognitivo das crianças serão descritas a seguir: Como se comunica: Compreende o significado de al-
guns gestos. Balança a cabeça quando não quer alguma coisa,
De zero a 3 meses bate palmas e mexe as mãos para dar adeus. Pode apontar
O que faz: Leva as mãos à boca, suga os dedos, faz força com o dedo o que deseja pegar.
com braços e pernas. Abre e fecha as mãos. Tenta levantar a ca-
beça e o peito, enquanto suporta o próprio peso nos cotovelos; De 1 a 2 anos
Como reage: Para cada problema, o bebê desenvolve O que faz: Anda sozinho, sem apoio. Rabisca com lápis
um tipo diferente de choro, como o agudo e o intenso. Sorri e de cera. Aponta objetos e pessoas usando o indicador. Com 1
dá gritinhos quando está feliz ou agitado Como se comunica ano e meio, começa a correr, chutar bola e subir em móveis ;
vira a cabeça quando ouve a voz dos pais, especialmente a da Como reage: Ainda não entende bem as regras, mas
mãe. Começa a usar as mãos e os olhos de forma coordenada. sorri quando é elogiado e chora ao receber uma advertência.
Imita alguns sons de vogais. Zangado, atira objetos. É possessivo, não gosta de comparti-
lhar brinquedos.
De 4 a 7 meses Como se comunica: Reconhece o próprio nome. Sabe
O que faz: Deitado, é capaz de rolar de um lado para o quando uma ilustração está de cabeça para baixo. A partir dos
outro. Mantém o equilíbrio se for colocado sentado. Apanha 18 meses, começa a criar frases curtas. O vocabulário pode ter
um objeto, transfere-o de uma mão para a outra e coloca-o 50 palavras.
na boca;
Como reage: Pode sentir medo de estranhos. Ri de ca- De 2 a 3 anos
ras engraçadas, demonstra raiva quando tiram um brinquedo O que faz: Adora dançar, acompanha o ritmo da música
de sua mão. Imita as inflexões de voz das pessoas ao redor; batendo palmas. Está apto a começar o treinamento da higie-
Como se comunica: Tenta encontrar objetos que esta- ne, abandonando o uso de fraldas.
vam à sua frente e que foram escondidos. Ao explorar um Como reage: Testa com freqüência a autoridade. É a
brinquedo – olhando, chacoalhando, atirando-o ao chão – fase do não, não e não. Brinca sozinho, mas prefere compa-
está formando o conceito de causa e efeito. nhia. Oferece-se para participar das atividades da casa, como
arrumar a mesa.
De 8 meses a 1 ano Como se comunica: O vocabulário e a construção de
O que faz: Começa a engatinhar. Fica em pé apoiando- sentenças aumentam. Passa a reconhecer categorias: cães e
-se em móveis ou com a ajuda de uma pessoa. Usa polegares gatos são animais, bola e boneca são brinquedos. Entende as
e indicadores para segurar objetos; instruções que recebe, mas pode se recusar a segui-las.
112 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 113
Prováveis Alterações Devido às Deficiências Visual, Auditiva, Intelectual Atraso nas aquisições do desenvolvimento neuropsicomotor
e Motora no Desenvolvimento Infantil como arrastar, falar, andar, brincar;
Desatenção; dificuldade em memorizar e em realizar uma
Quando a criança se desenvolve de uma forma muito tarefa até o fim; dificuldade na retenção do aprendido e no
diferente de outras crianças da mesma idade, a família pode seu uso em diferentes situações;
supor que ela pode ter alguma deficiência ou atraso em seu Comportamentos estereotipados e repetitivos, às vezes de
desenvolvimento. Baseado em Unicef (2003) apud Ceará autoestimulação, como balançar a cabeça, bater os objetos,
(2005, p.51-52), alguns sinais de alerta em relação a: chupar ou morder a mão e os dedos, podem aparecer e
Deficiência Física estão frequentemente relacionados a distúrbios de saúde
Crianças que se apresentam molinhas (flácidas) ou com mental.
posturas e movimentos muito rígidos ou descoordenados;
Dificuldade na aquisição das habilidades motoras funcio- O que a família precisa fazer?
nais como sustentar a cabeça após quatro meses, abrir as Oferecer objetos diferentes da rotina da criança, ajudando-a
mãos voluntariamente ou segurar objetos, movimentar-se a explorar suas características e para que servem, nomeando
para rolar, arrastar, sentar, ficar de pé, andar, e, às vezes, todos os objetos, demonstrando como eles funcionam, mo-
com alterações também no sugar ou comer; tivando a criança a se interessar pelo ambiente, dividindo
Deformidades e malformações podem estar presentes. as tarefas em etapas simples e, sobretudo, sendo bastante
tolerante com os erros, a lentidão, a demora e a repetição no
O que as famílias precisam fazer processo de aprendizagem.
Oferecer oportunidades de aprendizado posicionando bem
as crianças com almofadas, rolinhos, cadeiras adaptadas, fa- Deficiência Auditiva
cilitando assim sua movimentação, contato com o ambiente Falta de reações a barulhos do ambiente como porta baten-
e maior alcance de objetos, que devem ser colocados bem do, voz da mãe, instrumentos musicais;
próximos e, às vezes, até na sua própria mão; Inicia balbucio e depois não o faz mais. Ignora os sons que
Ajudá-las para que consigam novos movimentos e posições produz;
evitará muitas deformidades e lhes dará mais confiança para Não atender quando se fala com ela, ou só responder quan-
arriscar ter novas experiências. do está olhando a pessoa que fala;
114 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 115
O que a família precisa fazer Quando a criança é cega, necessita fazer o uso das mãos
Buscar o máximo possível de contato visual com a criança, para conhecer melhor as coisas e é muito importante que
conversando muito e cantando com ela. Colocar-se à sua sempre lhe contem o que está acontecendo no ambiente
frente para falar, de forma mais pausada e articulada, e se ou lhe antecipem o que vai acontecer. Os móveis e objetos
necessário usar gestos, pode ser muito facilitador. dentro de casa devem permanecer o máximo possível nos
mesmos lugares para que a criança possa se deslocar ou
Deficiência Visual procurá-los com maior sucesso.
Grande dificuldade em fixar os olhos em objetos ou pes-
soas, podendo parecer desinteressada pelos brinquedos e As crianças com deficiência podem aprender, de acor-
pelo ambiente; do com suas potencialidades e ritmos próprios. Como toda
Levar a cabeça bem próxima dos objetos que deseja ver, ou criança, ela necessita de espaço e possibilidades de ação, de
trazê-las muito perto dos olhos; segurança, amor, compreensão e liberdade, é fundamental co-
nhecer suas responsabilidades relativas à criança, proporcio-
Dificuldade em iniciar sua mobilidade: rolar, engatinhar ou
nar um clima emocional saudável e ter tempo para atender
andar;
suas necessidades. Muitos desafios e situações difíceis serão
O olhar pode parecer vago e, às vezes, os olhos apresentam
enfrentados no atendimento das necessidades dessas crianças.
desvio ou movimentação irregular;
Superproteger a criança impede que ela participe das
Ocorrência de comportamentos estereotipados como aper- situações onde aprenda a resolver os problemas, a tomar de-
tar ou esfregar os olhos, franzir a testa, fixar o olhar em cisões e a ser mais autoconfiante, tornando-a dependente
pontos luminosos, passar a mão repetidamente à frente dos emocional e socialmente. É necessário desenvolver a consciência
olhos, manter os olhos fechados ou a cabeça baixa. individual da criança, ressaltando suas qualidades e pontos
fortes. E para que isso aconteça, é importante a criança participar
O que a família precisa fazer e conviver com todos os membros da família, na vizinhança,
Facilitar a exploração de um brinquedo ou face do cuida- na escola e na comunidade. É preciso participar de grupos onde
dor, por exemplo, aproximando-os muito do rosto da crian- possa receber o apoio e suporte recíproco para o seu fortale-
ça, em uma posição que ela demonstre melhor resposta; cimento, discutir e refletir sobre suas dificuldades.
Objetos grandes e de cores fortes, de alto contraste (preto e E, por fim, é importantíssimo ser paciente e tolerante com
branco, por ex.) são mais fáceis de serem percebidos; as dificuldades e a lentidão da criança, dando-lhe o tempo
necessário, e, nunca, jamais, comparar as aquisições de uma
Desenhar usando material colorido e de alto contraste, con-
criança com as de outra.
tornos bem grossos e de alto relevo ajudam a criança em
suas atividades escolares;
116 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 117
A Importância da Família Nesse Processo de Intervenção com Sua Criança enquanto a ação pedagógica encontra respaldo nos
princípios da Política Nacional de Educação Especial
(1994). (BRASIL, 1995, p.16).
A família que participa desde o nascimento de seu com
algum atraso em seu desenvolvimento de um programa de in- Na Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
tervenção precoce, ela adquire conhecimento sobre sua crian- tiva da Educação Inclusiva para as crianças:
ça e este conhecimento dá um empoderamento a essa família [...] do nascimento aos três anos, o atendimento educa-
para lidar com a real situação de seu filho, investindo em seu cional especializado se expressa por meio de serviços de
potencial para que ele possa se desenvolver ao máximo. intervenção precoce que objetivam otimizar o processo
Na convivência com outras famílias que vivem as mesmas de desenvolvimento e aprendizagem em interface com
os serviços de saúde e assistência social. (BRASIL,
situações, ela se fortalece e começa a procurar não mais uma es- 2008, p. 16).
cola especial para seu filho, mas sim, o ensino regular e a família
que desde cedo está na IP sabe como lidar com a sua criança e Segundo Roveda (2006, p.14- on line):
saberá que vai ser uma parceria na educação de seu filho. [...] apesar das recomendações a respeito do trabalho
de “estimulação precoce”, a formação oferecida aos
A Inclusão na Educação professores para o trabalho em sala de recursos, não
contempla a faixa etária do zero a três anos, público
Leis Que Regulamentam a Educação da Criança com Deficiência alvo deste serviço. Raramente encontramos cursos
específicos para formar profissionais para atuarem na
intervenção com bebês com atraso em seu desenvolvi-
As Diretrizes Educacionais Sobre Estimulação Precoce mento, seja na área motora ou sensorial. Geralmente,
(MEC/SEE, 1995, p. 16) registram: quando não há um serviço previamente organizado, ao
surgir a demanda, o órgão público responsável pela sala
O atendimento à criança desde o nascimento encontra de recursos realiza uma “formação em serviço”, a qual
amparo legal na Constituição da República Federativa serve como um paliativo para os atendimentos, pois não
do Brasil, especialmente no Inciso IV do Artigo 208”, é o suficiente para a formação do profissional.
entretanto, a obrigatoriedade da educação precoce é
expressa na LDB, de 1996, e nas Diretrizes Nacionais Baseado em Matsubara (1995), é indispensável que o
para a educação especial na educação básica, orientando
professor de educação precoce preencha as seguintes condições:
a interface com os serviços de saúde e assistência social
para o atendimento às necessidades específicas de crian- Conheça perfeitamente o desenvolvimento normal da
ças com qualquer tipo de deficiência. (BRUNO, 2006) criança de 0 a 3 anos (escala de desenvolvimento);
Saiba diferenciar o atraso simples do desenvolvimento,
Segundo ainda, as diretrizes do MEC: os sintomas de distúrbios psicomotores funcionais, os
[...] do ponto de vista da política educacional, esse aten- indícios de distúrbios de conduta (sinais de alerta);
dimento fundamenta-se no Plano Decenal da Educação Conheça a avaliação física e psicopedagógica de seus
Para Todos (1993-2003) e no programa Acorda Brasil, alunos;
118 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 119
Adquira paralelamente ao domínio das técnicas, um Manter-se atualizado dentro da sua área de atuação;
estado de espírito e um desembaraço que excluam toda Ajudar a família a compreender e trabalhar as dificul-
a aspereza, rigidez e o trabalho mecânico. dades da criança.
O professor ou, educador especializado é o grande res-
ponsável pelo êxito do prognóstico da equipe, permitindo
Quais os Aspectos Essenciais para a Eficácia da Intervenção Precoce?
a adaptação social da personalidade da criança através de
uma planificação de atividades visando à sua educação;
Cabe ao professor criar um ambiente de alegria, afeto Baseado na Cooperativa de Educação e Reabilitação
e segurança, que propicie à aceitação do próprio edu- de Crianças Inadaptadas – CERCIFAF – de Fafe, CRL (on
cador, fundamental, a da própria deficiência por parte line), tem sido feitas varias tentativas para identificar quais
da criança. Favorecer que a criança conheça a si mesma;
os aspectos mais importantes para garantir a eficácia da Inter-
Favorecer o equilíbrio afetivo da criança e sua família; venção Precoce. Verificou-se que existem alguns fatores que
Os períodos de ensino devem ser curtos, e terminar tão são comuns aos programas de Intervenção Precoce que obtém
logo comecem demonstrações de tédio e desinteresse
(professor deve ser firme); melhores resultados. A seguir, serão descritos alguns destes
Sempre ser positivo, encorajar a cada esforço, em vez fatores:
de criticar por ser desajeitado e desordenado;
Deve ter paciência e tempo, pois as respostas são lentas 1. A idade da criança à data do início da intervenção;
e difíceis; 2. O envolvimento dos pais;
Sempre manter o deficiente em posição adequada; 3. A intensidade e/ou estruturação do modelo do programa
Nunca falar sobre o quadro clínico na frente da criança; de Intervenção Precoce adaptado;
Quando escolher uma cadeira, não esquecer que a 4. Diversos estudos demonstram que quando mais cedo se
criança deve sentar-se com a parte inferior da coluna iniciar a intervenção maior é a sua eficácia. Quando a inter-
em contato com as costas da cadeira, os quadris fletidos
venção é iniciada logo após o nascimento ou pouco tempo
e sempre com os pés pousados no chão (assim evita-se
deformidades, equinísmos); após ser feito o diagnóstico de deficiência ou de alto risco,
Mesa na altura das axilas, pois relaxa os músculos peito- os ganhos ao nível do desenvolvimento são maiores e a pro-
rais e facilita os movimentos dos membros superiores; babilidade de se manifestarem outros problemas é menor;
Manter a cabeça na linha média, membros superiores e 5. O envolvimento dos pais na intervenção é também muito
membros inferiores simétricos; importante. As famílias de crianças, com deficiência ou em
Quando usar atividades no chão não deixar que a criança risco, necessitam de um maior apoio social e instrumental
sente em “W” pois levará à deformidade de quadril;
e de desenvolver as competências necessárias para lidar
Ter noções básicas sobre as etapas de desenvolvimento
com os filhos com necessidades especiais;
das crianças de 0 a 3 anos;
6. Os principais resultados da Intervenção com a família dizem
Ter conhecimento sobre o tipo e o grau de deficiência
do aluno; respeito ao aumento da capacidade dos pais para lidarem
120 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 121
com o problema da criança, que leva necessariamente à Hoje, este trabalho de Intervenção, que sempre foi da
redução do stress familiar. Estes factores aparentam desem- área da saúde, com a inclusão escolar, está sendo partilhado
penhar um papel importante no sucesso dos programas de em seu conhecimento com a Educação. Quando uma criança
intervenção junto da criança. com necessidade educacional especial em qualquer área do
7. A estruturação dos programas de Intervenção Precoce está desenvolvimento chega à escola com 1 ano, ou mesmo com
também relacionada com os seus resultados, independente- poucos meses, ela tem direito à um trabalho de qualidade, o
mente do modelo curricular utilizado. Os programas de maior qual contribua para seu desempenho acadêmico e social.
sucesso são geralmente os mais estruturados. Isto significa Conforme exposto neste artigo, podemos concluir que o
que os casos de sucesso registram-se em programas que: professor precisa ser qualificado para atuar nos berçários e cre-
A) Definem operacionalmente e monitorizam frequente- ches e estar atento não só para cuidar, mas também observar
mente os objetivos; se algo não está correspondendo aos parâmetros de desempe-
B) Identificam com precisão os comportamentos a desen- nho naquela criança. E quando esta criança já chega com um
volver e as atividades que serão desenvolvidas em cada diagnóstico da sua necessidade, o profissional deve estar apto
sessão; para contribuir no desenvolvimento de suas potencialidades.
C) Utilizam procedimentos de análise de tarefas; Quanto mais cedo as famílias estiverem em um centro
D) Avaliam regularmente o desenvolvimento da criança e de acompanhamento para seu bebe, e este ingressar na cre-
utilizam os registros de progressão no planejamento da che, poderemos, aí sim, dizer que as chances dessa criança
intervenção; caminhar na escola será bem maior do que ela sair com 5,6 ou
E) A intervenção individualizada e dirigida às necessida- mais idade de sua casa para a escola, sem ter frequentado a
des específicas da criança também surge associada a um serviço de intervenção precoce e nem a educação infantil.
bons resultados, o que não significa necessariamente
um trabalho de um para um. As atividades de grupo Referências
podem ser estruturadas de forma a ir ao encontro das
necessidades educativas de cada criança. BRASIL. MEC – Ministério da Educação e do Desporto. Di-
retrizes Educacionais Sobre Estimulação Precoce: o portador de
Considerações Finais necessidades educativas especiais / Secretaria de Educação
Especial – Brasília: MEC, SEESP, 1995.
Ter tido o privilégio de trabalhar na intervenção preco- BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Es-
ce atuando como estimuladora visual com bebês com baixa pecial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclu-
visão é algo inexplicável. Você tem a oportunidade de contri- siva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado
buir na qualidade de vida não só da criança em acompanha- pela Portaria Ministerial no 555/ 2007, prorrogada pela Porta-
mento, como também da família dessa criança. ria no 948/2007, Brasília, janeiro de 2008.
122 d SORAYA ELI LYRA PINTO INTERVENÇÃO PRECOCE: PRIMEIRO PASSO PARA UMA INCLUSÃO DE SUCESSO d 123
BRUNO, M.M.G. Educação infantil: saberes e práticas da inclu- DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO
são: dificuldades de comunicação sinalização: deficiência vi-
sual. [4.ed.] elaboração profa Marilda Moraes Garcia Bruno Rosa Maria Goes Sampaio
– consultora autônoma. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem…
CEARÁ. Educação com Saúde: noções básicas de educação/Se-
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido!
cretaria da Educação Básica do Ceará, Coordenação de De- (RUBEM ALVES).
senvolvimento Técnico- Pedagógico. Fortaleza: Secretaria da
Educação Básica do Ceará, 2005. Introdução
CERCIFAF – Cooperativa de Educação e Reabilitação de
Crianças Inadaptadas de Fafe, CRL. http://mvdeficiencia.co- Este artigo tem como objetivo compreender como se
munidades.net/index.php?pagina=1343064873_18>. Acesso dá o processo de aprendizagem em crianças com deficiência
em: 06 jun. 2013. visual, partindo do princípio que a inclusão é uma realidade,
GONÇALVES, A.C. O que esperar do seu filho. Veja Edição Es- e, que as crianças com visão normal, cegas ou com baixa visão,
pecial – Maio de 2003.http://veja.abril.com.br/especiais/ têm direito a uma educação que perceba as suas característi-
crianca/p_014.html>. Acesso em: 06 jun. 2013. cas e particularidades.
MATSUBARA, M. M., Educação precoce – Área de Deficiência Contempla a discussão acima referenciada, e acrescenta
Visual – Universidade Estadual de Maringá – Paraná, 1995 – questões pertinentes ao tema abordado, apresentando aspec-
Apostila – Curso de Formação de Professores em Educação tos pedagógicos essenciais ao trabalho do professor com essa
Especial. clientela. A necessidade de conhecimento e reflexão sobre o
RAMOS, A. M. Q. P., RAMOS, J. P., Estimulação Precoce: Servi- assunto permeia todo este estudo.
ços, Programas e Currículos – (3a ed.) Brasília: CORDE, 1996.
ROVEDA, Patrícia Amélia. Pedagogia do significado: contribui- Considerações sobre a Deficiência Visual (DV)
ções à intervenção precoce em bebês com deficiência visual.
– Porto Alegre, 2006. Oh, paixão, que fazes com meus olhos que não enxergam o que veem?
Diss. (Mestrado em Educação) – Fac. de Educação,PUCRS. (William Shakespeare)
http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/10/TDE-2007-04-
02T084005Z-466/Publico/388463.pdf>. Acesso em: 04 nov. Com a convivência ensinada pela profissão, aprende-
2012. mos que a pessoa cega é essencialmente “normal”, faltando-
UNESCO – O Desenvolvimento da Criança do Nascimento -lhe apenas um dos sentidos. É um ser com possibilidades de
aos Seis Anos. Conhecê-la Melhor para Melhor Ajudá-la. 3. ed. educação integral, e não é a sua limitação sensorial que deve
Série Cadernos de Educação. São Paulo: Livraria Pioneira Edito- contar em primeiro lugar no plano educativo. Certamente a
ra, 1987. visão é o órgão sensorial de maior abrangência na captação
124 d SORAYA ELI LYRA PINTO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 125
de informações, e, sua falta acarreta inúmeros prejuízos e difi- os olhos dos cegos”, pois o manuseio é uma forma de leitura,
culdades, porém, nunca impossibilidades no aprendizado, na e, pelo tato, entenda-se de forma ampla, uma vez que não se
convivência social, nem na realização pessoal e profissional. restringe às mãos, mas às sensações que perpassam por todo
A palavra “CEGO” vem do grego TYFLÓS e significa corpo torna-se possível a percepção e o sentir-se no mundo
escuro, escuridão. principalmente com pessoas com essa limitação. O tempo de
Na Proposta Curricular para Deficientes Visuais, do Mi- trabalho e de experiência com pessoas cegas, só me ampliam a
nistério da Educação e Cultura, in Brasil (1979), Samuel Kirk admiração pela capacidade adquirida, principalmente, quando
(1972) apresenta as definições que atendem aos objetivos bem trabalhada precocemente na leitura e escrita do Sistema
educacionais: Braille.
É comum ouvirmos opiniões sobre dons sobrenaturais
yyDeficiente Visual é aquele que pode ler em imprensa. e sobre compensações sensoriais à cegueira. Há quem consi-
yyCego é aquele que não pode ler em imprensa e que dere, e este é um pensamento antigo, que, a ausência da visão
necessita de instrução em Braille. proporciona poderes fantásticos no que se refere às possibi-
lidades de sucesso nas letras, nas artes, no intelecto. Outra
Farrell (2008), diz que quando a cegueira é referida forma de pensar, também habitual no censo comum, é que,
especificamente, ela descreve o nível de perda de visão de devido à falta da visão, os outros sentidos tornam-se mais
crianças que dependem principalmente de métodos táteis de aguçados… O que podemos pensar sobre isso? Será que sem
aprendizagem. A expressão ‘visão reduzida’ é usada com refe- os devidos estímulos, esses sentidos brotam milagrosamente?
rência a crianças cuja aprendizagem e ensino envolvem prin- Onde podemos situar a importância do Professor nesta etapa
cipalmente métodos que dependem da visão. inicial da aprendizagem?
O mundo onde vivemos, é rico em atrativos para serem Ao receber em sua sala de aula uma criança com defici-
percebidos com os olhos. São cores, formas, luzes, uma infi- ência visual, os professores precisam de um diagnóstico acer-
nidade de motivações visuais, chegando a quase a totalidade ca de sua real condição visual, para, a partir daí, elaborar o seu
das impressões que temos. Esta marca pode nos levar a pensar plano de trabalho. Na ausência do diagnóstico, o atendimento
que a visão é o nosso principal sentido, e que, a sua ausência, oferecido tanto pode ser correto dentro de suas necessidades,
poderia impedir a aquisição de conhecimentos, o que não se- como pode ser equivocado, causando prejuízos. O diferencial
ria verdade. Sem o olfato, o paladar, a audição, a visão, senti- será a habilidade e a preparação do docente.
dos aqui colocados em ordem crescente, as dificuldades por Segundo Bruno (2009), dois tipos de avaliação devem
mais que existam, podem ser superadas. ser realizadas inicialmente com o aluno com DV: uma clínica
O impedimento real seria a ausência do tato, em caso de realizada por oftalmologista e uma funcional realizada por pe-
uma grave lesão cerebral. Felizmente, esse caso é raríssimo. É dagogo especializado em baixa visão, levando em conta:
muito comum, pessoas sem visão, declararem: “As mãos são
126 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 127
Avaliação Clínica quantidades adequadas de hormônios), a fenilcetonúria (do-
Diagnóstico e prognóstico; Avaliação da acuidade visual ença do metabolismo) e as hemoglobinopatias (doenças que
para perto e longe; afetam o sangue – traço falcêmico e doença falciforme), es-
Avaliação do campo visual; Avaliação da sensibilidade aos quecendo-se de indagar sobre “Teste do Reflexo Vermelho”,
contrastes e visão de cores; conhecido como “o teste do olhinho” que permite diagnosticar
doenças facilmente diagnosticáveis, como o retinoblastoma,
Prescrição e orientação de recursos ópticos especiais.
um tumor que surge nos olhos até o terceiro ano de vida.
128 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 129
Segundo Brasil (2003), em nosso meio, a baixa visão Uma ação preventiva indicada para medir a acuidade vi-
ainda passa muitas vezes despercebida a pais e professores, sual de crianças em idade escolar é o Teste de Snellen. É fun-
manifestando-se, com frequência, no momento em que au- ção da Escola e do Atendimento Educacional Especializado,
mentam na escola os níveis de exigência quanto ao desempe- a aplicação sistemática do teste de Snellen, em especial, aos
nho visual da criança para perto. Por sua vez, a cegueira é mais alunos que demonstram condutas e/ou sintomas acima men-
facilmente detectada e geralmente diagnosticada mais cedo. cionados. Devendo então: Aplicar testes para triagem ocular
A detecção precoce de quaisquer dos problemas, pode de pré-escolares para verificação da acuidade visual; Encami-
constituir fator decisivo no desenvolvimento global da crian- nhar a criança com urgência ao médico oftalmologista, quan-
ça, desde que sejam propiciadas condições de estimulação do necessário; Proporcionar orientação quanto à higiene e à
adequada às suas necessidades de maturação, favorecendo o prevenção dos problemas oculares; Buscar junto aos pais e ou
desenvolvimento máximo das potencialidades, minimizando comunidade recursos para o melhor atendimento da criança.
as limitações impostas pela incapacidade visual. O método de avaliação e triagem de pré-escolares e es-
Em todas as situações escolares os professores têm, colares mais simples e eficaz é o da Escala Optométrica de
normalmente, oportunidade de observar sinais, sintomas, Snellen ou teste do E (ou ganchos) que pode ser aplicado em
posturas e condutas no aluno que indicam a necessidade de crianças a partir de quatro anos.
encaminhamento a um exame clínico apurado. A observação Segundo Brasil (2008), o teste recebe o nome de seu
constante a esses aspectos podem evitar problemas futuros, inventor, Dr. Hermann Snellen e consiste em um cartão que
proporcionar um melhor aprendizado, e, consequentemente, representa um conjunto de letras facilmente conhecidas e que
uma vida mais feliz para o aluno, para a família e para a Escola. denuncia a existência ou não de problemas visuais. Este car-
tão deverá ser colocado a uma distância de 5 – 6 metros do
yy Sintomas: Tonturas, náuseas e dor de cabeça; Sensibilidade indivíduo testado, e, este, deverá ler as letras ou símbolos até
excessiva à luz (fotofobia); Visão dupla e embaçada. o máximo de sua capacidade visual. O teste de Snellen não é
yy Condutas: Aperta e esfrega os olhos; Irritação, olhos aver- adequado para avaliação de acuidade visual de crianças com
melhados e/ou lacrimejantes; Pálpebras com as bordas visão subnormal é aconselhável apenas para triagem da popu-
avermelhadas ou inchadas; Estrabismo; Nistagmo (olhos em lação escolar.
constante oscilação); Crosta na área de implante dos cílios; Para a aplicação do Teste de Snellen, deve-se primei-
Franzimento da testa ou piscar contínuo para fixar perto ou ramente, selecionar o material necessário que consta de: uma
longe; Dificuldade para seguimento de objeto; Cautela exces- escala optométrica de Snellen ou Light House, um ponteiro
siva ao andar; Tropeço e queda frequentes; Desatenção e falta ou lápis preto, uma fita métrica, giz, uma cadeira, o modelo do
de interesse; Inquietação e irritabilidade; Dificuldade para “gancho” confeccionado em cartolina ou papel cartão preto,
leitura e escrita; Aproximação excessiva do objeto que está um cartão para cobrir o olho e a lista nominal dos alunos para
sendo visto; Postura inadequada; Fadiga ao esforço visual. registro dos resultados.
130 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 131
A seguir, deve-se providenciar o local adequado para a Causas Mais Frequentes da Deficiência Visual
aplicação do teste, devendo ter no mínimo cinco metros, ser
bem iluminado, mas sem ofuscamento – a luz deve vir de trás Dirão, em som, as coisas que, calados,
ou dos lados da criança que será testada e ser sem barulho e no silêncio dos olhos, confessamos?
(JOSÉ SARAMAGO).
sem estímulos que desviem a atenção do aluno.
Ilustração 1 — Escala de Sinais de Snellen. Segundo Brasil (1999), dados da Organização Mun-
dial de Saúde revelam a existência de aproximadamente 40
milhões de pessoas deficientes visuais no mundo, dos quais
75% são provenientes de regiões consideradas em desenvol-
vimento. O Brasil, segundo essa mesma fonte, deve apresentar
uma taxa de incidência de deficiência visual entre 1,0 a 1,5%
da população. Sendo a estimativa da cegueira infantil de uma
entre 3.000 crianças e de uma entre 500 crianças para a baixa
visão. Observando-se que esta corresponde a 80% dos casos
e a 20% de pessoas totalmente cegas, calcula-se que os dados
estimados poderiam ser reduzidos pelo menos à metade, se
fossem tomadas medidas preventivas eficientes. As causas de
Fonte: <http://www.portal.saude.gov.br>
origem genética e familiar como retinite pigmentosa, glauco-
Se a criança usar óculos, testar primeiro com eles e de- ma e catarata congênita podem ser evitadas com aconselha-
pois sem eles; Testar sempre o olho direito (O.D.) primeiro e mento genético.
depois o esquerdo (O.E.), para evitar confusão nas anotações; As causas podem ser congênitas ou adquiridas.
Começar de cima para baixo indicando dois ou três sinais de Congênitas: Retinopatia da Prematuridade, grau III,
linha, sem estabelecer rotina; Mudar de um sinal para o outro, IV, V, (por imaturidade da retina em virtude de parto prema-
ritmicamente, evitando apressar o aluno, mas sem demorar turo ou por excesso de oxigênio na incubadora); Corioretinite
demasiadamente; Mostrar o maior número de sinais das li- por toxoplasmose na gestação; Catarata congênita (rubéola,
nhas 0,9 e 1,0; Encaminhar ao oftalmologista, prioritariamen- infecções na gestação ou hereditária); Glaucoma congênito
te, o aluno que obteve no teste resultado igualou inferior a 0,8 (hereditário ou por infecções); Atrofia óptica por problema
em qualquer olho ou que apresente diferença de duas linhas de parto (hipoxia, anoxia ou infecções perinatais); Degenera-
ou mais entre os resultados de um e de outro olho. Antes de ções retinianas (Síndrome de Leber, doenças hereditárias ou
fazer o encaminhamento realize o reteste usando a mesma diabetes); Deficiência visual cortical (encefalopatias, alteração
técnica descrita. de sistema nervoso central ou convulsões).
132 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 133
Adquiridas: Por doenças como diabetes, descolamen- A criança cega não passa com tal naturalidade por essas
to de retina, glaucoma, catarata, degeneração senil e traumas experiências enriquecedoras. Falta-lhe a condição de imitar,
oculares. [e ela] acaba, por essa razão, não tendo reais oportunidades
Dentre as causas congênitas, destacam-se como fatores de aprendizagem. O ato da escrita tão simples e prazeroso
mais frequentes: gestação precoce; desnutrição da gestante; para uma criança vidente transforma-se numa lacuna para ela
infecções durante a gravidez (rubéola, sífilis, AIDS, toxoplas- nos primeiros anos de sua vida. (ALMEIDA, 2002, p. 22).
mose e citomegalovirus); drogas lícitas e ilícitas, tão prejudi-
ciais quanto as mais consideradas. Ilustração 2 — Alfabeto Braille.
Existe alta incidência de deficiência visual associada à
múltipla deficiência, em nosso meio, em vista da falta de pre-
venção (vacinação de meninas contra a rubéola) o que evita-
ria o nascimento de crianças com catarata congênita, surdez e
deficiência mental. Toda mulher deve ser vacinada antes de
engravidar ou, de preferência, no início da adolescência, pois
o vírus da rubéola materna atravessa a placenta, alterando o
processo de formação embrionária. A prevenção depende ape-
nas das Políticas Públicas devendo a investigação epidemioló-
gica ser realizada pelos governos Estaduais e Municipais.
134 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 135
des. Podem apresentar atraso no desenvolvimento global. Isto podem necessitar de mais tempo para adquirir habilidades
se deve em grande parte à dificuldade de interação, apreen- sensório-motoras, simbólicas e pré-operatórias. O desenvol-
são, exploração e domínio do meio físico. Importante lembrar vimento e refinamento da percepção tátil e o domínio de
o desenvolvimento da consciência corporal, coordenando e habilidades psicomotoras são essenciais para a facilitação do
dissociando movimentos e orientação no espaço. processo de leitura-escrita pelo Sistema Braille. A escolha dos
A criança incorpora hábitos de escrita e de leitura desde processos, dos métodos e técnicas adequados tem de estar
muito cedo. No entanto, a criança cega demora muito tempo a presente nas metas traçadas pelo professor, levando em conta
entrar no universo do “ler e escrever”. O Sistema Braille não a individualidade perceptiva do seu aluno. Dependendo do
faz parte do dia-a-dia, como um objeto socialmente estabele- grau de visão, o aluno aprenderá a ler e a escrever pelo Siste-
cido, porque somente os cegos se utilizam dele. A descoberta ma Braille ou escreverá e lerá por meio da letra impressa em
das propriedades e funções da escrita torna-se impraticável tinta ampliada.
para ela caso não tenha acesso a essa comunicação alternativa. De acordo com Brasil (2003) a habilidade de usar efi-
Por exemplo, hoje em dia, são raras as livrarias que dispõem cientemente os dedos para a leitura em Sistema Braille será
de livros em Braille para incentivar à leitura, uma pessoa com desenvolvida com a prática, pelo exercício funcional. De iní-
deficiência visual. cio, isso implica fazer as coisas com todo o corpo, depois com
Infelizmente as crianças cegas só tomam contato com a os braços, as mãos e os músculos grossos, e finalmente, utili-
escrita e a leitura no período escolar. Esse impedimento sabe- zar os músculos finos que fortalecem os dedos, tornando-os
-se, pode trazer prejuízos e atrasos no processo de alfabetiza- mais flexíveis e sensíveis.
ção. A educação precisa cumprir com seus reais objetivos: abrir O manuseio dos recursos pedagógicos específicos, como
frentes de conhecimento, suprir lacunas e minimizar carências. a reglete, o punção, o sorobã, os teclados, e, dos diversos
Não raro verifica-se despreparo do professor que des- jogos que farão parte de toda a sua/nossa vida, contribuem
conhece as necessidades dessas crianças neste período. É fun- significativamente com a aquisição desta habilidade, e, exigem
damental que o profissional esteja o mais preparado possível uma boa noção de espaço, lateralidade, limites, direção.
para que possa realizar uma tarefa eficiente, a fim de alcançar
os objetivos a que se propõe. Na última década tem havido Ilustração 3 — Reglete, punção e sorobã.
grandes incentivos para a formação de Professores em Cursos
de Formação Continuada, cursos à distância, voltados para a
Educação Inclusiva. Felizmente, tenho a sorte de conhecer,
conviver, e, de contribuir com professores que fizeram e fa-
zem a diferença na educação de muitas crianças cegas.
Independentemente da postura pedagógica adotada, o
alfabetizador de crianças cegas deve compreender que elas Fonte: <http://www.pinoquiobrinquedos.com.br>
136 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 137
O aluno que possui visão suficiente para ver letras im- Ilustração 5 — Plano Inclinado Imantado
pressas ou em tipos ampliados, precisa também de atividades
físicas e funcionais que possibilitem um nível satisfatório de
coordenação olho-mão necessário ao processo de leitura-es-
crita. A consulta ao médico oftalmologista irá determinar o
tamanho do tipo necessário à ampliação dos textos, podendo
ainda ser oferecidos a este aluno, recursos ópticos voltados
para um melhor desempenho escolar. Esses recursos tornam-
-se aliados no seu desenvolvimento.
Ilustração 4 — Lupas.
Fonte: <http://www.fmdptoys.com.br
138 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 139
tizar a leitura e apresentar mais dificuldade para a construção ou seja, um amadurecimento afetivo psicológico voltado para
da escrita. Alguns alunos podem mesmo não aprender a ler a compreensão da importância da missão escolhida. Missão sa-
e escrever. Isso é possível nos casos de alunos que possuem grada, eu diria, já que educar implica em cuidar, em contribuir
deficiências associadas à deficiência visual. Outros podem ad- com o futuro da vida de pessoas que nos são confiadas.
quirir com mais lentidão a habilidade de leitura-escrita. A criança cega precisa de mãos e corações firmes, para
superar as suas dificuldades, as suas limitações. Uma vez bem
Ilustração 6 iniciada no processo de compreensão das aprendizagens, ela
avança por si mesmo podendo tornar-se um ser humano re-
alizado, produtivo, útil à sociedade, à sua Pátria, e, essencial-
mente feliz.
As reflexões necessárias a um trabalho bem sucedido
exigem dedicação, competência, estudo permanente, e, acima
de tudo, a crença de o aluno com deficiência visual é capaz.
Razão pela qual é também sublime.
Fonte: <http://www.portaldaoftalmologia.com.br
Referências
O desafio específico está em encontrar o melhor cami-
nho pelo qual os alunos possam progredir. Eles poderão ser ALFABETO Braille. Disponível em: <http://biancasaveti.blo-
auxiliados a realizar muito mais se, de início, forem identifi- gspot.com.br/2010/04/alfabeto-em-braille.html>. Acesso em:
cadas e utilizadas suas potencialidades e progressos. Para es- 30 jul. 2013.
ses alunos, muitas das habilidades e capacidades necessárias ALMEIDA, Maria da Glória. Fundamentos da alfabetização:
à leitura podem e devem ser desenvolvidas, mesmo que uma uma construção sobre os quatro pilares. Benjamin Constant,
leitura efetiva não possa ser obtida. Todos os aspectos con- Rio de Janeiro, n. 22, 2002.
siderados necessários à leitura, em geral, são favoráveis para BRASIL. Proposta Curricular para Deficientes Visuais, do Ministé-
auxiliar o aluno a viver uma vida feliz e produtiva à sua ma- rio da Educação e Cultura, 1979.
neira, afinal, como diz Exupéry, “Só se vê bem com o coração, ______. Parâmetros curriculares nacionais: adaptações curricula-
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140 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 141
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142 d ROSA MARIA GOES SAMPAIO DEFICIÊNCIA VISUAL SOB A ÓTICA DA INCLUSÃO d 143
SURDEZ E INCLUSÃO: UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES Recortes da História dos Surdos
DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES
Ao longo de mais de 100 anos os surdos foram estereo-
Maria Stela Oliveira Costa tipados como inferiores e privados de conteúdos acadêmicos
e obrigados a treinar a fala, gerando algumas consequências,
Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são
entre elas, a dificuldade de escrever. A história da educação
tolas e sem sentido. (RUBEM ALVES)
dos surdos foi demarcada em quatro momentos: a exclusão
do sistema escolar, o atendimento especial no sistema escolar,
Introdução
a integração no sistema escolar comum e a inclusão no siste-
ma escolar comum. (BEYER, 2005).
O presente artigo se propõe a abordar vários aspectos
No primeiro momento os surdos eram mortos, sofreram
da surdez: recortes de sua história, vivências, experiências, sua
injustiças atrozes e tiveram que enfrentar grandes batalhas
língua, filosofias educacionais, a cultura surda e a sua inclusão
para conquistarem o direito de possuírem alma, serem capa-
nas salas de aula, enfatizando as dificuldades destes educan-
zes de proferir os sacramentos. Eles eram jogados do alto das
dos em relação a diversos aspectos tais como a aprendizagem
montanhas, queimados em fogueiras, apedrejados, abandona-
da Língua Portuguesa e a comunicação. Em relação à inclusão,
dos nas florestas, deixados em lugares misteriosos e desco-
abordaremos também o papel da formação do professor neste
nhecidos. (BIANCHETTI, 1998).
processo.
No segundo momento, a escola começou a receber as
O tema estimula a reflexões acerca da garantia dos di-
pessoas com necessidades educacionais especiais em salas
reitos dos surdos que foram marcados através da história por
criadas somente para alunos com deficiência “para atender
processos excludentes nas escolas comuns. Sabemos que “a
as especificidades da deficiência” (BIANCHETTI, 1998). Mas,
escola não é uma organização neutra, pois reflete uma con-
por estar separado dos alunos sem deficiência, este modelo
cepção de mundo e de uma sociedade de classes marcada
foi alvo de muitas críticas porque segregava os deficientes da
pela dominação”. (CARVALHO, 2010, p. 42). A exclusão e as
convivência com outras pessoas perpetuando o preconceito e
desigualdades nas escolas vêm sendo preocupação nos cursos
limitando as possibilidades de aprendizagem destas pessoas.
de formação e especialização, e por esse motivo, devemos re-
No terceiro momento, tanto os alunos surdos como os
pensar se a formação docente está cumprindo o seu papel em
alunos com qualquer tipo de deficiência que conseguiam se
relação aos surdos incluídos nas escolas.
destacar e ter melhores rendimentos, passaram a ser integra-
A escola não deve ser reprodutora das desigualdades
dos nas salas de aula comum. Mas estes enfrentavam muitas
sociais e sim, proporcionar a inclusão de todos os cidadãos
dificuldades na integração, pois a escola não dispunha dos
independente de suas diferenças ou dificuldades individuais,
recursos necessários para dispor a esta clientela e nem profes-
embora saibamos que isso ainda é utopia.
sores preparados, intérpretes e instrutores.
SURDEZ E INCLUSÃO:
144 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 145
O quarto momento foi a inclusão dos alunos com de- fácil. Para que as mudanças aconteçam, temos que assegurar
ficiência no sistema comum de ensino. A inclusão atravessou a diversidade e compartilhar com estratégias e critérios que
um longo caminho frente às mudanças tanto em relação à es- facilitem a prática em sala de aula.
cola quanto em relação à sociedade. Neste processo, a família, O momento ainda suscita muita luta para que todos
a escola e toda a sociedade deveriam adaptar-se às necessida- sejam incluídos e tenham uma educação de qualidade, e é
des de todas as pessoas, com deficiência ou não. O Brasil fez cabível esta preocupação devido ao grande percentual de pes-
a opção pela construção de um sistema educacional inclusivo soas com deficiência no Brasil, no Nordeste e principalmente
ao concordar com a Declaração Mundial sobre Educação para no Ceará. Foram constatados dados significativos do Censo
Todos e ao mostrar consonância com os postulados produ- Demográfico do IBGE do ano de 2010 e que consta numa
zidos em Salamanca (Espanha). Merece destaque o seguinte publicação do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica
trecho da declaração: do Ceará (IPECE) e publicado no Enfoque Econômico que é
Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação uma publicação do IPECE.
Especial, representando 88 governos e 25 organizações Nesta publicação, consta o percentual de pessoas com
internacionais relacionadas à educação em assembléia algum tipo de deficiência no Brasil, no Nordeste e no Ceará.
aqui em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho Verificou-se nesta pesquisa que 27,69 % da população resi-
de 1994 reafirmamos o nosso compromisso para com
a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade
dente no Ceará apresenta algum tipo de deficiência, percentu-
e urgência do providenciamento de educação para as al esse acima do nacional (23,92%) e do Nordeste (26,63%).
crianças, jovens e adultos com necessidades educa- Consta também nesta pesquisa, uma tabela com dados
cionais especiais dentro do sistema regular de ensino preocupantes, mostrando o percentual de pessoas por tipo de
e re-endossamos a Estrutura de Ação em Educação
deficiência no Brasil, no Nordeste e no Ceará, porém fizemos
Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e
recomendações governo e organizações seja guiados. um recorte somente sobre a deficiência auditiva. Nesta tabela
Nós congregamos todos os governos e demandamos que consta o total geral de deficientes no Brasil que corresponde
eles: adotem o princípio da educação inclusiva em forma a 190.755.799 distribuídos nos diversos tipos de deficiências.
de lei ou de política, matriculando todas as crianças em Temos 9.722.163 que corresponde a 5.10% de pessoas com
escolas regulares, a menos que existam fortes razões
deficiência auditiva no Brasil e 3.075.000 que corresponde
para agir de outra forma. (DECLARAÇÃO, 1994, apud
FREITAS, 2012, p.13). a 5.79% de pessoas com deficiência auditiva no Nordeste e,
526.838 que corresponde a 6.23% de pessoas com deficiência
A inclusão não está ainda adequada e resolvida em ne- auditiva no Ceará.
nhuma parte do mundo, pois é uma opção ideológica de valo-
res, de vida, é um sentimento. O importante é ter o compro-
misso com essa causa. (BLANCO, 2002). A inclusão educativa
implica em mudanças culturais da escola e isso não é tarefa
SURDEZ E INCLUSÃO:
146 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 147
Tabela 1 – Percentual (%) de pessoas por tipo de deficiência – Língua natural, a Libras, tendo que se submeter primeiramen-
Brasil, Nordeste e Ceará, 2010. te ao Oralismo, que encarava a surdez como uma patologia a
ser curada, depois a Comunicação Total e finalmente o Bilin-
Tipos de
Brasil % Nordeste % guismo. Para entendermos o processo educacional dos surdos
Deficiências Ceará %
Total 190.755.799 53.081.950 8.452.381 e as dificuldades que tiveram que enfrentar, faz-se necessário
Pelo menos uma conhecer um pouco estas filosofias.
45.623.910 14.133.713 2.340.150
das deficiências A filosofia Oralista encarava a surdez como uma patolo-
23.92 % 26.63% 27.69%
Investigadas gia a ser curada, e não era permitido ter identidade surda, por
Deficiência 9.722.163 3.075.000 526.838
isso o surdo tinha que aprender como se fosse ouvinte. Assim,
Auditiva 5.10% 5.79% 6.23%
Fonte: BRASIL (2010) IBGE. Censo Demográfico 2010 – Enfoque E
conômico). ele tinha que oralizar, não podendo usar sinais, ou seja, tinha
que falar através da leitura orofacial. (AZEREDO, 2006).
Diante do quadro apresentado, não podemos fechar os Acreditava-se que por meio da língua oral, o surdo fi-
olhos nem cruzar os braços. O Brasil, o Nordeste e o Ceará caria integrado a comunidade ouvinte e se nivelaria a uma
precisam acolher essa população com algum tipo de deficiên- criança ouvinte. Surgiu então o termo ouvintismo, que segun-
cia, com políticas públicas de inclusão, e, ampliar as discussões do Skliar (1998, p. 15) “Ouvintismo é um conjunto de repre-
acerca das necessidades desta clientela no sistema educacio- sentações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado
nal, com escolas abertas que os valorizem e saibam trabalhar a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”.
com uma pedagogia heterogênea. De acordo com Sacks (1998, p. 45), com o oralismo, au-
Na história dos surdos há relatos de suas experiências, mentou a grande quantidade de surdos iletrados funcionais:
seus desejos, suas mágoas, sua luta pela identidade surda e “o oralismo e a supressão do sinal resultam numa deterioriza-
suas vitórias, mas, esta história não acaba aqui, e sim, é apenas ção dramática das conquistas educacionais das crianças surdas
o começo, onde os sujeitos surdos ainda escreverão muitas e no grau de instrução do surdo em geral, pois muitos dos
páginas de conquistas nesta grandiosa história de superação surdos hoje em dia são iletrados funcionais”.
da segregação e discriminação. Na busca de se igualar ao ouvinte, o surdo passava ho-
ras da sua escolarização tentando falar diante do espelho, e,
Filosofias Educacionais dos Surdos: Oralismo, Comunicação Total e isso o levava a se desmotivar prejudicando-o mais ainda.
Bilinguismo A Comunicação Total surgiu no final da década de 60,
e início da década de 70, tendo como objetivo fundamen-
O ser humano estrutura seu pensamento através da lin- tal, privilegiar toda e qualquer forma de comunicação com a
guagem e, se comunicando constrói sua identidade e se insere criança surda. Esta filosofia educacional utilizava gestos ma-
culturalmente. Porém, os surdos para se comunicar tiveram nuais, alfabeto digital, expressão facial e a fala escutada. O
que percorrer um longo período de lutas para defender sua objetivo era usar todos os recursos possíveis para transmitir
SURDEZ E INCLUSÃO:
148 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 149
ideias, vocabulário, linguagem e conceitos com o intuito de repartições públicas e nos congressos. Há poucos programas
atingir a conversação. A Comunicação Total não privilegia a televisivos transmitidos em língua de sinais. Há poucos pro-
língua de sinais, mas já difere do oralismo por não achar que o fessores ouvintes que dominam a língua de sinais. Há poucos
surdo tenha uma patologia clínica. Os defensores desta filoso- familiares que dominam a Língua brasileira de sinais (Libras)
fia delegam à família a decisão sobre a escolha do melhor pro- e, o mais agravante, “até alguns surdos que não dominam a
cedimento a ser usado com a criança. (GOLDFELD, 2002). própria língua” (COSTA, 2008, p. 03).
As pesquisas sobre as línguas de sinais começaram em
torno de 1960, porém, somente na década de 70 foi que apa- Formação Docente e Surdez
receu a filosofia bilíngüe. Isto aconteceu quando alguns países
tais como a Inglaterra e Suécia perceberam que a língua oral As Políticas Públicas postulam que a educação inclusiva
não deveria ser usada junto com as línguas de sinais respecti- acontece de forma eficiente quando os professores são formados.
vamente, e, este procedimento vinha acontecendo com a Co- Porém, muitos professores não sabem ensinar um aluno com
municação Total. (FERNANDES, 2006) surdez porque este aluno tem uma língua diferente, a Libras,
A proposta do bilinguismo foi um avanço na educação que deve ser sua primeira língua, por ser sua língua materna.
dos surdos, porque foi considerada como uma “oposição às O desconhecimento da Libras pelos professores é uma
práticas clínicas hegemônicas”. (SKLIAR, 2001, p. 86). Ainda das grandes dificuldades no manejo de sala de aula, porque
segundo o referido autor, os surdos têm direito de usar e se- a comunicação em qualquer relação é essência. Não se apren-
rem educados na língua de sinais, mesmo não sendo a língua de uma língua com um curso de poucas horas e, nos cursos
majoritária. Enfatiza ainda, que os surdos por intermédio da de formação não têm uma carga horária que dê condições
Libras, poderão “formular hipóteses sobre o mundo, criticar, ao professor de aprender uma língua estrangeira, por isso, os
dialogar, se emocionar e discutir” (SKLIAR, 2001, p. 93) professores devem procurar inicialmente, cursos básicos de
O Bilinguismo tem como pressuposto básico, a necessi- Libras com duração de cento e oitenta horas para aprender
dade do surdo adquirir a língua de sinais que é a sua primeira pelo menos os sinais que facilitem a comunicação.
língua, e como segunda, a língua do seu país, no nosso caso é Aprender a Libras é o primeiro passo para que os sur-
a Língua Portuguesa. Mas, por hipótese nenhuma estas duas dos se sintam acolhidos na inclusão. Isso se faz necessário
línguas devem ser usadas simultaneamente. O Bilinguismo porque a segunda língua do nosso país é a Libras. O uso da
parte do diálogo e da conversação, possibilitando a internali- Libras foi garantido pela lei no 10.436, ao ser sancionada no
zação da linguagem e o desenvolvimento das funções mentais dia 24 de abril de 2002 pelo Presidente da República Fernan-
superiores. do Henrique Cardoso. Esta lei foi muito importante porque
Existem vários fatores que dificultam a utilização do regulariza o uso da Libras, mas, o português escrito para o
Bilinguismo, prejudicando o desenvolvimento dos surdos surdo ainda é uma grande dificuldade porque eles se comuni-
tais como: poucos intérpretes nas escolas, nos hospitais, nas cam com uma língua e tem que escrever com outra.
SURDEZ E INCLUSÃO:
150 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 151
A falta de interação na relação professor-ouvinte X alu- Os métodos que o professor utliza podem fazer a dife-
no-surdo desfavorece a aprendizagem devido a inexistência rença na aprendizagem dos surdos e alguns destes métodos e
de uma língua comum na ação educacional. Esta lacuna pro- estratégias devem ser diferentes dos utilizados para a alfabe-
voca a superficialidade nas relações dialógicas, descaracteri- tização de ouvintes, porque nem sempre uma atividade pen-
zando a função do professor que deve mediar o conteúdo sada para ouvintes é apropriada para o surdo. É preciso uma
para os alunos surdos. atenção especial às suas características e uma organização de
A formação de professores deve contemplar saberes re- atividades que inclua a criança surda e que não a deixe à mar-
ferentes às especificidades dos alunos e conhecer os recursos gem (LACERDA, et al, 2000).
necessários para uma educação de qualidade. Para isso ele É necessário acompanharmos a evolução dos tempos e
deve compreender como os alunos aprendem e qual a me- Incluir é uma delas, para isso, sugere-se uma inclusão na sua
lhor forma de ensiná-los, de acordo com o “triângulo intera- plenitude, sem preconceitos, sem barreiras. Portanto, vale a
tivo” da concepção construtivista, que leva em conta a relação pena pensarmos na formação de professores como uma das
que se estabelece entre o professor, o aluno e o conteúdo da soluções para que os alunos com deficiência não tenham que
aprendizagem ou seja o saber propriamente dito (FREITAS, pagar um preço bem alto, ou seja, o preço de uma vida escolar
2012, p. 67). marginalizada, uma evasão de uma criança estigmatizada por
Muitas vezes os educadores participam de cursos de falta de meios acolhedores na escola.
formações de professores com a intenção de buscar receitas
prontas para o procedimento “correto” frente aos desafios de Adaptações Curriculares e Surdez
sua prática. Essas receitas não existem. Mas se a formação pro-
porcionar a troca de experiências e analisarmos a nossa fun- Cada ser humano é singular em sua forma de agir, pen-
ção de educadores sob o prisma crítico, já valeu a formação sar, nas suas características sociais, culturais, mentais e físi-
(CASTAMAN, 2009). cas. As características de cada ser determinam o seu modo de
De acordo com o Manual de Atendimento da Coor- aprender. Porém, um ensino eficiente contribui para respostas
denação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de educativas positivas na aprendizagem. “Adaptações Curricula-
Deficiência -CORDE (BRASIL, 2000) existem algumas dicas res, portanto, são respostas educativas que devem ser dadas
para facilitar a comunicação e a aprendizagem dos surdos tais pelo sistema educacional, de forma a favorecer a todos os alu-
como: ao falar com o surdo, deve-se ficar de frente para que nos e, dentre estes, os que apresentam necessidades educacio-
o mesmo visualize a boca da pessoa que está falando; não nais especiais” (BRASIL, 1999, p. 8).
precisa gritar, porque os surdos não ouvem o som da voz, mas Um ensino eficiente, portanto, deve considerar as ca-
é importante usar movimentos e fazer expressões, tais como racterísticas e as peculiaridades de cada aluno e assim, traçar
entusiasmo, espanto ou tristeza, pois as expressões faciais, os estratégias que melhor se adéquem as necessidades de cada
gestos e os movimentos complementam a comunicação. aluno. As Adaptações curriculares são as respostas educativas
SURDEZ E INCLUSÃO:
152 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 153
dadas pelo sistema educacional com o objetivo de favorecer aprender a Língua Portuguesa e não serão discriminados”.
a todos os alunos. Portanto, esta é a adaptação que o surdo adquire na inclusão.
As adaptações são divididas em duas: as de grande por- D’Angelis (1998 apud COSTA, 2009, p. 127) também indig-
te e as de pequeno porte. As estratégias que compreendem nado com esta condição, adverte dizendo “Mas a ninguém se
ações da competência político-administrativas superiores, que pede que mude de sexo ou de cor para não ser discriminado.
envolvem ações de natureza política, administrativa, financei- Que sentido tem, então, pedir a alguém que mude de língua?”
ra e burocrática, são denominadas de Adaptações Curricula- Com relação as adaptações, Aranha e Laranjeira (2000),
res de Grande Porte. As categorias de Adaptações de Grande advertem que deve-se considerar o estágio em que o aluno
Porte são: Adaptação de Acesso ao Currículo; Adaptação dos se encontra e afirma que o surdo poderá ter dificuldades de
Objetivos; Adaptação de Conteúdos; Adaptação do Método compreensão de textos, necessitando utilizar a língua de si-
de Ensino e da Organização Didática; Adaptação do Siste- nais ou outros códigos visuais. Caso contrário, o professor o
ma de Avaliação e, Adaptação de Temporalidade (BRASIL, estará excluindo.
1999). As Adaptações Curriculares podem se aplicar a classes
Quanto as Adaptações Curriculares de Pequeno Porte, especiais e a escolas regulares, quando os alunos especiais não
são “de atribuição e responsabilidade exclusivas do professor” tiverem condições de serem incluídos. Há sugestões de recur-
e constituem apenas pequenos ajustes nas ações planejadas a sos de acesso ao currículo para todos os tipos de alunos com
serem desenvolvidas no contexto da sala de aula. (BRASIL, necessidades especiais. As necessidades específicas da pessoa
2000, p. 22). As categorias destas Adaptações são: Adaptação com surdez são:
de Objetivos; Adaptação de Conteúdos; Adaptação do Méto- Materiais e equipamentos específicos: prótese auditi-
do de Ensino e da Organização Didática; Adaptação do Pro- va, treinadores de fala, tablado, softwares educativos
cesso de Avaliação; Adaptação na Temporalidade do Processo específicos, etc.;
de Ensino e Aprendizagem. Textos escritos complementados com elementos que
favoreçam a sua compreensão: linguagem gestual, língua
Um dos tipos de adaptação em sala de aula para alunos
de sinais e outros;
surdos é receber a tradução simultânea da Língua Portuguesa Sistema alternativo de comunicação adaptado às pos-
para a Libras, ou seja, o professor na medida que vai explican- sibilidades do aluno: leitura orofacial, gestos e língua
do o conteúdo, o intérprete vai traduzindo sua fala. Porém, de sinais;
uma das maiores dificuldades do surdo, é a inexistência da Salas-ambientes para treinamento auditivo, de fala,
Libras na forma escrita, e por isso, ele terá que fazer as provas rítmico etc.;
Posicionamento do aluno na sala de tal modo que possa
em Português e não em sua língua, a Libras.
ver os movimentos orofaciais do professor e dos colegas;
Felipe (2005, apud COSTA 2009, p. 127) ao abordar Material visual e outros de apoio, para favorecer a apre-
esse assunto, enfatiza a necessidade do surdo aprender a Lín- ensão das informações expostas verbalmente. (BRASIL,
gua Portuguesa para não ser discriminado: [...] “Assim, irão 1999, p. 70).
SURDEZ E INCLUSÃO:
154 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 155
É importante frisar que as adaptações não são fixas nem (6) A língua de sinais utiliza as referências anafóricas
rígidas e, devem se ajustar às respostas educativas, podendo através de pontos estabelecidos no espaço que exclui
ambiguidades que são possíveis na Língua Portuguesa.
ser um programa individual ou coletivo, dependendo do caso.
(7) A língua de sinais não tem marcação de gênero,
enquanto que na Língua Portuguesa o gênero é marcado
Escrita e Comunicação do Surdo a ponto de ser redundante.
(8) A língua de sinais atribui um valor gramatical às
O surdo apresenta dificuldades para interiorizar o códi- expressões faciais. Esse fator não é considerado como
go linguístico oral, apresentando bloqueios na comunicação, relevante na Língua Portuguesa, apesar de poder ser
substituído pela prosódia.
prejudicando a sua compreensão da realidade e inclusão so-
(9) Coisas que são ditas na língua de sinais não são
cial. Sua língua é a Língua Brasileira de Sinais (Libras), é uma
ditas usando o mesmo tipo de construção gramatical na
língua visual-espacial, é percebida pelos olhos e são expressas Língua Portuguesa. Assim, tem vezes que uma grande
sem som, no espaço, através das mãos, das expressões faciais frase é necessária para dizer poucas palavras em uma
e do corpo. ou outra língua.
A Libras tem um papel fundamental na aprendizagem (10) A escrita da língua de sinais não é alfabética.
do surdo e deve ser adquirida antes da Língua Portuguesa ou
É importante lembrar que o surdo não é alfabetizável
paralelamente.
porque alfabetizar pressupõe relacionar letras e sons, e isso
Existem muitas diferenças entre as duas línguas. Veja-
não ocorre com o surdo, pois ele não ouve para discriminar os
mos portanto dez diferenças citadas por Quadros (2002, p. 84).
diferentes sons da fala e correlacioná-los. (SÁNCHES, 2002,
(1) A língua de sinais é visual-espacial e a Língua Por- apud SILVA, 2002). A alfabetização é um dos processos de
tuguesa é oral-auditiva. letramento que deve ser associado apenas à aprendizagem lin-
(2) A língua de sinais é baseada nas experiências visuais
guística do ouvinte.
das comunidades surdas mediante as interações cultu-
rais surdas, enquanto a Língua Portuguesa constitui-se
baseada nos sons. Considerações Finais
(3) A língua de sinais apresenta uma síntese espacial
incluindo os chamados classificadores. A Língua Por- Neste artigo foram abordados assuntos variados que
tuguêsa usa uma síntese linear utilizando a descrição envolvem a inclusão e a aprendizagem dos surdos e, perseve-
para captar o uso de classificadores.
ramos que as políticas educacionais devem investir na forma-
(4) A língua de sinais utiliza a estrutura tópico-comen-
ção de professores e acenar com sensibilidade e flexibilização
tário, enquanto a Língua Portuguesa evita este tipo de
construção. no processo de inclusão para que não se torne um processo
(5) A língua de sinais utiliza a estrutura de foco através rígido e de exclusão.
de repetições sistemáticas. Este processo não é comum A escola contemporânea exige um professor diferen-
na Língua Portuguesa. ciado diante das diversidades de situações que ele enfrenta
SURDEZ E INCLUSÃO:
156 d MARIA STELA OLIVEIRA COSTA UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA, AS CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES d 157
diariamente no cotidiano escolar, pois ele é o elo fundamental Econômico. Disponível em: https://docs.google.com/viewer?a
para o sucesso da inclusão. A inclusão para o professor é uma =v&q=cache:bXEHtSCqZhIJ: www.ipece.ce.gov.br
situação desafiante, mas apesar das complexidades, não é algo BRASIL. Coordenação Nacional para Integração da Pessoa
negativo, ou impossível de realizar. Portadora de Deficiência. (CORDE). Manual de atendimento.
O desenvolvimento dos alunos surdos depende muito Secretaria de Estado dos direitos Humanos, 2000. Disponível
do papel e da relação que o professor estabelece com estes em: http://www2.transportes.gov.br/ascom/PasseLivre/
alunos na inclusão escolar. Propomos, neste artigo que não ManualAtend.htm. Acesso em outubro/2012.
só o professor, mas, toda a comunidade escolar e a sociedade BRASIL. Adaptações Curriculares de Grande Porte/Secretaria de
em geral, comecem a estudar a segunda língua deste país, Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. –
a Libras, para facilitar a comunicação dos surdos. Propomos Brasília: MEC/SEF/SEESP, 1999.
também, o conhecimento das leis que amparam os direitos BRASIL. Adaptações Curriculares de Pequeno Porte/ Secretaria de
das pessoas com necessidades especiais e das adaptações cur- Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Bra-
riculares que contribuirá para o crescimento dos surdos. sília: MEC/SEF/SEESP, 2000.
Sugerimos também que outras pesquisas sejam feitas nes- Contextualização da Trajetória do Indivíduo Surdo na Humanidade
ta área para que se verifique nas escolas inclusivas, como está o CARVALHO, Rosita Edler. Escola inclusiva: a reorganização
aprendizado, a participação e a construção da autonomia e o tra- do trabalho pedagógico. 3. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010.
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Somos seres privilegiados, especiais, por termos a oportu-
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de São Paulo, UNICID, 2012. mundo – únicos e fortes deixando na história de vida nossa
LACERDA,C.B. F . O intérprete de língua de sinais: no contexto de marca de amor e dedicação, de vitórias e conquistas, de criar
uma sala de aula de alunos ouvintes: problematizando a questão. e recriar. (MARISA PASCARELLI AGRELLO).
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tora, 2002. Era uma vez, um menino que mais se parecia uma pin-
QUADROS, R.M. O tradutor e intérprete de língua brasileira de tura, de tão lindo! Lindo por dentro e por fora. Veio com uma
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ção de surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2002. nas e de mostrar, que as coisas não possuem regras tão esta-
SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos sur- belecidas assim. Que temos uma maneira particular de “ser
dos. São Paulo: Cia das Letras, 1998. no mundo”, que nos tornamos pessoas únicas, que deixam
SKLIAR, Carlos. A Surdez: Um olhar sobre as diferenças. Por- nossas marcas. Este lindo menino ensinou-me a ver e enxer-
to Alegre: Editora Mediação, 1998. gar o mundo como repleto de possibilidades, até então por
______. Perspectivas políticas e pedagógicas da educação bi- mim desconhecidas.
língüe para surdos. In SILVA SHIRLEY; VIZIN MARLI (Org) Fez com que me tornasse realmente um “ser humano”,
Educação especial: Múltiplas leituras e diferentes significados. capaz de enxergar e não só ver, no outro suas possibilidades,
Campinas, SP. Mercado de Letras: Associação de Leitura do sua maneira própria de ser. Momentos de incerteza, de medo,
Brasil. 2001. de fuga, com certeza! Mas também, momentos de crer, de for-
SILVA, Roberval Teixeira. Português como segunda língua: Con- ça, de muito amor e valorização das pequenas conquistas, que
tribuições e implantação de um programa de ensino bilíngüe se tornam grandes e valiosas.
para surdos. PUC. Rio de Janeiro. 2002. Disponível em: http:// Hoje em dia, este menino-homem é um cidadão feliz,
www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/9924900_04_ que propiciou: o crescimento pessoal de cada membro de
cap_03. pdf. Acesso em Outubro/2012. nossa família tornando-nos todos “especiais”, pelas nossas
conquistas e qualidades. (Marisa Pascarelli Agrello, mãe de
Vinicius, ser humano muito especial pelas suas qualidades e
por tudo que nos ensinou com a grandeza da sensibilidade e
180 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 181
tros sobre a evolução histórica, legislação e política pública até então não estavam sendo vistos pelo poder público, pela
voltada para a pessoa com altas habilidades iniciada no Brasil sociedade, pela escola, enfim, pela própria família.
desde a década de 1920. No Brasil a trajetória do atendimento a pessoa com
Após a coleta de dados verificou-se a importância de o altas habilidades/superdotação iniciou desde 1924, sendo
professor compreender a evolução conceitual para que possa caracterizada pelo processo de “continuidade e descontinui-
identificar esses alunos e encaminhá-los aos serviços adequa- dade”, de iniciativas governamentais e não governamentais,
dos as suas necessidades, acadêmicas, sociais, artísticas e emo- quando foram realizadas as primeiras validações de testes de
cionais onde poderão desenvolver ainda mais suas habilida- inteligência americanos em Recife e no então Distrito Federal
des e competências. (DELOU, 2007, p. 27).
Com as reflexões e informações sobre o tema conti- Em 1929 aparecem os primeiros registros de superdota-
das neste artigo, espera-se poder contribuir para mudanças dos do país, trazendo como consequência no início da década
de natureza conceitual e atitudinal dos professores sobre a de 1930 as primeiras publicações sobre altas habilidades de
necessidade da formação continuada que contemple conteú- teóricos nacionais, já em 1945 segundo Novaes (1979, apud
dos importantes para a identificação, o encaminhamento e o DELOU, 2007, p. 28). “Antipoff reuniu alunos bem-dotados
atendimento específico no processo de inclusão escolar dos de escolas da zona sul do Rio de Janeiro, que, em pequenos
alunos com altas habilidades/superdotação. grupos desenvolveram estudos em literatura, teatro e música”.
Essa prática segundo Delou (2007, p. 28) pode ser considerada
Altas Habilidades: Histórico Conceitual e Amparo Legal como “os primórdios do que hoje se conhece como atendimen-
to especializado para alunos” que apresentam altas habilidades.
Desde a antiguidade, a educação da pessoa que apresen- Das ideias inovadoras trazidas por Helena Antipoff para
ta altas habilidades/superdotação vem despertando interesse o Brasil estavam presentes à educação dos “excepcionais”. “No
em várias partes do mundo. No Brasil, problemas relaciona- termo excepcional estão incluídos aqueles classificados acima
dos às políticas públicas, aos mitos referentes ao superdotado ou abaixo da norma de seu grupo, visto serem portadores
e o reduzido investimento para esta área, mostram a necessi- de características mentais, físicas ou sociais que fazem de sua
dade de medidas para melhorar esses obstáculos. educação um problema especial” (ANTIPOFF, 1984, p.149).
O século XXI surge, trazendo prognóstico de um novo A influência de Antipoff surte reflexo para a educação
modelo onde manifesta a importância dos talentos humanos dos superdotados. Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da
como bens preciosos. A modernidade reclama posturas novas, Educação apresenta dois artigos, 8o e 9o, destinados à educação
de gestores e população. Ressignificar concepções e concei- de “excepcionais”, referindo-se aos deficientes mentais, aos que
tos acerca das altas habilidades/superdotação para responder apresentavam problemas de conduta e aos superdotados.
adequadamente as necessidades deste indivíduo, abrem es- Em 1967, o Ministério de Educação e Cultura criou
paço para compreender suas competências e habilidades que uma comissão para estabelecer critério de identificação e
182 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 183
atendimentos aos chamados superdotados. A Lei no 5.692 de Notável desempenho e/ou elevada potencialidade em
1971 previa que os superdotados deveriam receber tratamen- qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:
capacidade intelectual geral, aptidão acadêmica específica,
to especial, conforme as normas fixadas pelos competentes
pensamento criador ou produtivo, capacidade de lideran-
Conselhos de Educação (BRASIL, 1971). ça, talento especial para artes, música, ciências e plásticas,
No mesmo ano, foi criado o Projeto Prioritário no 35, e habilidade psicomotora. (BRASIL, 1994, p. 14).
que estabeleceu a educação de superdotados como priorida-
Esta concepção teórica também é adotada pelo Ministé-
de da Educação Especial no Brasil, para o período de 1972 a
rio da Educação do Brasil nas Diretrizes Gerais para o “Aten-
1974, fixando uma política de ação do Ministério da Educa-
dimento Educacional aos Alunos portadores de Altas Habi-
ção-MEC com relação ao superdotado (DELOU, 2007).
lidades/Superdotação e Talento” da SEESP/MEC (BRASIL,
A Constituição da República Federativa do Brasil
1995, p. 13).
(1988) em seu artigo 206 assegura a “igualdade de condições
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
para o acesso e permanência na escola”, no artigo 208, incisos
– LDBEN, em 1996, houve a organização da educação básica
II e V, garante acesso aos níveis mais elevados do ensino,
onde foram consideradas as diferenças de ritmos e estilos de
da pesquisa e da criação artística, levando em consideração
aprendizagem possibilitando avanço nos cursos e nas séries
a capacidade de cada um além do atendimento educacional
mediante verificação do aprendizado. Em seu Art. 59 a LD-
especializado preferencialmente na rede regular de ensino.
BEN assegura ao aluno com altas habilidades/superdotação, a
A Declaração dos Direitos Humanos de Viena (World
possibilidade de aceleração1 para concluir em menor tempo o
Conference on Human Rights, 1993) introduziu em seu Art.
programa escolar (BRASIL, 1996).
5o o Princípio da Diversidade:
A Resolução no 2/2001 que instituiu as Diretrizes Na-
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, cionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRA-
interdependentes e inter-relacionados. [...] é dever dos
SIL, 2001). Assegura serviços e recursos educacionais espe-
Estados promover e proteger todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais seja quais forem seus siste- ciais para alunos que apresentam necessidades educacionais
mas políticos, econômicos e culturais. (UNHR, 1993). especiais. Incluídos nesses recursos estão: o apoio aos alu-
nos, à complementação2, a suplementação3 e a promoção do
Por outro lado, a Declaração de Salamanca Espanha
(BRASIL. Ministério da Justiça CORDE, 1994) estabeleceu 1 Aceleração: conclusão em menos tempo da série ou etapa escolar para os
superdotados (Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
conceitos que ajudaram as pessoas com necessidades espe-
– Ministério da Educação, 2001).
ciais a conquistarem o direito de plena participação social. Es- 2 Complementação: atividades curriculares integradas ao currículo, desenvolvidas
ses documentos deram subsídios para publicação da Política por meio da ampliação de tempos, espaços e oportunidades de aprendizagem que
visam ampliar a formação do aluno. http://www.educacao.pr.gov.br/modules/
Nacional de Educação Especial. conteudo/conteudo.php?conteudo=151
3 Suplementação: atividades curriculares, que visam ampliar a formação do alu-
Conforme essa política, o termo superdotado é definido
no em nível mais elevado. http://www.educacao.pr.gov.br/modules/conteudo/
como aluno da educação especial que apresenta: conteudo.php?conteudo=151
184 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 185
desenvolvimento das potencialidades dos alunos (Art. 3o). Estas características podem ser percebidas pelo profes-
Essa Resolução identifica o aluno com altas habilidades/su- sor na identificação de alunos, e com isto, propor estratégias e
perdotação como aquele que apresenta “grande facilidade de atividades voltadas para suas necessidades bem como fazendo
aprendizagem que o leve a dominar rapidamente conceitos encaminhamentos ao atendimento educacional especializado
procedimentos e atitudes” (Art. 5o, III). E estipula ainda que nas salas de recursos onde são disponibilizados programas
os serviços oferecidos a esses alunos sejam organizados em de enriquecimento curricular4, ou seja, estratégias pedagógi-
salas comuns ou por serviços educacionais especializados. cas que estimulam cada vez mais as potencialidades existentes
A definição de altas habilidades/superdotação proposta nas áreas acadêmica, motora ou de talento, importantes no
por Renzulli e Reis (1986, p.11-12), no “Modelo dos Três processo de aprendizagem desses alunos.
Anéis”, consiste numa interação entre três grupamentos bási- Com relação à legislação brasileira verificou-se que esta
cos dos traços humanos: habilidades gerais e/ou específicas garante o acesso, a permanência, os serviços e os recursos
acima da média, elevados níveis de envolvimento e compro- na escola comum para atender os alunos com necessidades
metimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. especiais. Porém, para promover a efetivação da política de
No “Modelo das Inteligências Múltiplas”, Gardner inclusão educacional a Secretaria de Educação Especial do
(1994) afirma possuirmos várias inteligências que se mani- Ministério da Educação – SEESP/MEC desenvolveu o Pro-
festam quando precisamos de respostas, dentre elas: Inteli- grama Educação Inclusiva: Direito à Diversidade que visava
gência linguística, musical, lógico-matemática, espacial, corpo- disseminar, por meio de diversas ações, a política de inclusão,
ral cinestésica, intrapessoal, interpessoal e naturalista. Esses e apoiar o processo de construção e reorganização de sistemas
conceitos são concepções adotadas pelas políticas públicas de educacionais inclusivos nos estados e municípios brasileiros.
educação especial no Brasil. Referente à superdotação, a partir de 2005, a SEESP/
Com o avanço do modelo de inclusão no país foi cons- MEC investiu no desenvolvimento de políticas educacionais
tituído um grupo de trabalho para propor um novo texto da nacionais implantando os Núcleos de Atividades de Altas Ha-
política pública para educação especial, denominada Política bilidades/Superdotação – NAAH/S nos Estados e no Distrito
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Federal, iniciando com projeto piloto, nas Capitais e no Distri-
Inclusiva (2008). Neste documento é definido o perfil dos to Federal. Esses núcleos seriam compostos de três unidades
alunos com altas habilidades como sendo: para oferecer atendimento e acompanhamento ao aluno que
Alunos com altas habilidades/superdotação demons- apresenta altas habilidades bem como a família e seu professor.
tram potencial elevado em qualquer uma das seguintes O NAAH/S-CE procurando ajustar-se a proposta da
áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, política de inclusão planejou e vem executando desde então,
liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam
ações voltadas para atividades de enriquecimento curricular4
elevada criatividade, grande envolvimento na aprendi-
zagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. 4Enriquecimento Curricular: estratégia pedagógica indicada no atendimento às
(BRASIL, 2008, p. 15). necessidades educacionais de alunos com altas habilidades/superdotação, prevista
186 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 187
junto aos alunos, no próprio núcleo, através de equipe multi- mamente valorizada pela escola e o produtivo-criativo, onde
disciplinar composta por professores nas diversas áreas do co- vemos suas habilidades relacionadas com áreas de estudo de
nhecimento e talento, pedagogos, psicopedagogos e psicólogo interesse pessoal, utilizando a criatividade para resolução de
além de formação continuada para professores e orientação problemas. O Ministério da Educação através da Política Na-
aos pais. Por meio de parcerias, alunos são encaminhados a cional de Educação Especial (1994) propõe os seguintes tipos:
realizarem também atividades em instituições que promovem Tipo Intelectual – apresentam flexibilidade e fluência
e estimulam as habilidades e competências nas áreas do co- de pensamento, capacidade de pensamento abstrato
nhecimento e talento. para fazer associações, produção ideativa, rapidez do
Com a implantação das políticas públicas de educação pensamento, compreensão e memória elevada, capaci-
dade de resolver e lidar com problemas.
inclusiva e a evolução conceitual, no Brasil a Secretaria de
Tipo Acadêmico – evidencia aptidão acadêmica espe-
Educação Especial-SEESP, passa a fazer parte da Secretaria de
cífica atenção, concentração; rapidez de aprendizagem,
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão boa memória, gosto e motivação pelas disciplinas
(SECADI) cujo objetivo é: acadêmicas de seu interesse; habilidade para avaliar,
sintetizar e organizar o conhecimento; capacidade de
Contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos siste-
produção acadêmica.
mas de ensino, voltado à valorização das diferenças e
da diversidade, a promoção da educação inclusiva, dos Tipo Criativo – relaciona-se às seguintes característi-
direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental cas: originalidade imaginação, capacidade para resolver
visando à efetivação de políticas públicas transversais e problemas de forma diferente e inovadora, sensibilidade
interssetoriais. (BRASIL, 2011). para as situações ambientais, podendo reagir e produzir
diferentemente e, até de modo extravagante; sentimento
Diante dessa mudança percebe-se que a política para de desafio diante da desordem de fatos; facilidade de
a inclusão está buscando sustentabilidade com um olhar na auto expressão, fluência e flexibilidade.
diversidade e no respeito às necessidades de cada aluno, e a Tipo Social – revela capacidade de liderança e carac-
SEESP não poderia ficar isolada, como sistema de ensino. teriza-se por demonstrar sensibilidade interpessoal,
atitude cooperativa, sociabilidade expressiva, habilidade
de trato com pessoas diversas e grupos para estabelecer
Características dos Alunos com Altas Habilidades/Superdotação relações sociais, percepção acurada das situações de
grupo, capacidade para resolver situações sociais com-
Vários autores têm pesquisado os diferentes tipos de plexas, alta poder de persuasão e de influência no grupo.
altas habilidades/ superdotação. Renzulli (1986, p. 4) pro- Tipo Talento Especial – pode-se destacar tanto na área
põe dois tipos: o acadêmico, as habilidades geralmente con- das artes plásticas, musicais, como dramáticas, literárias
ou cênicas, evidenciando habilidades especiais para
centram-se nas áreas linguística ou lógico-matemática, extre- essas atividades e alto desempenho.
188 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 189
denciando desempenho fora do comum em velocidade, psicológica ou de personalidade não vinculadas a este com-
agilidade de movimentos, força, resistência, controle e portamento; e g) mitos sobre atendimento que, muitas vezes, são
coordenação motora. (BRASIL, 1995).
a causa da precariedade ou ausência de serviços públicos efi-
cientes para esta população.
Dificuldades dos Educadores na Identificação das Altas Habilidades
Esta classificação mostra as dificuldades reveladas pela
sociedade, em compreender a pessoa superdotada que está
Os avanços nas teorias da inteligência, tais como: Teoria
presente na escola. Principalmente os professores que ainda
Triárquica e a Teoria Pentagonal (STERNBERG, 1986, 1991)
não participaram de formação referente ao tema.
e a Teoria das Inteligências Múltiplas (GARDNER, 1994) tra-
Apesar das políticas públicas voltadas para esses alunos,
zem fortes indícios para questionar a identificação do aluno
o conceito de superdotação ainda significa para muitos, alto
com altas habilidades levando em conta apenas o Quocien-
nível de inteligência e desenvolvimento acelerado das funções
te Intelectual (QI), pois muitas vezes os testes padronizados
identificam apenas as habilidades, lógico-matemática, linguís- cerebrais. Essa realidade mostra a necessidade da formação
tica, geralmente valorizadas pela escola, mas deixam de obser- continuada em nível médio e superior para educadores com
var outras habilidades como: criatividade, capacidade cinesté- vistas a minimizar ou transpor esses equívocos no espaço da
sica, artística, intra e interpessoal que podem ser indicadores escola. Outras reflexões também devem ser consideradas em
de altas habilidades/superdotação. torno da formação dos professores, para assegurar o devido
Essa reflexão nos leva a crer que a concepção de inte- atendimento à diversidade.
ligência está se ampliando no decorrer do tempo, com impli- No contexto das altas habilidades a atuação do MEC/
cações importantes na prática pedagógica do professor, espe- SEESP ao implantar em 2005 os NAAH/S em parceria com os
cialmente no que se refere à identificação das necessidades Estados e Distrito Federal tinham como propósito em médio
específicas dos alunos. prazo modificar o quadro acima citado, pois, um dos objetivos
Ao considerar a existência de mitos referentes às altas desses núcleos era “promover a formação de professores para
habilidades, que contribuem para a não identificação desses atender os desafios acadêmicos, sócio emocionais dos alunos
alunos (PÉREZ, 2008) classificou sete categorias: a) mitos so- com altas habilidades/superdotação”. (DUTRA, 2007, p. 5).
bre constituição, que vinculam características e origens; b) mi- Apesar dos dispositivos legais existentes sobre altas
tos sobre distribuição, que adjudicam distribuições específicas habilidades (PÉREZ, 2002) ressalta que um dos fatores que
às altas habilidades; c) mitos sobre identificação, que buscam ainda impedem visualizar a necessidade de inclusão desses
omitir ou justificar a desnecessidade desta identidade; d) mi- alunos é o fato de já estarem “inseridos” na escola e “aparen-
tos sobre níveis ou graus de inteligência, originados de equívocos temente” atendidos por ela. Neste sentido, a dificuldade de
sobre este conceito; e) mitos sobre desempenho, que repassam inclusão educacional perpassa, pela pessoa que apresenta uma
expectativas e responsabilidades descabidas e irreais; f) mi- deficiência ou altas habilidades. Para muitos alunos o acesso
tos sobre consequências, que associam características de ordem à escola já é o bastante, ao superdotado é necessário ir além.
190 d FRANCISCA NILÇA VIEIRA • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA EVOLUÇÃO CONCEITUAL DAS ALTAS HABILIDADES E O PAPEL DO PROFESSOR NO ESPAÇO INCLUSIVO d 191
A este respeito, Pérez (2003) ainda comenta sobre a di- Portanto, cabe ao poder público oportunizar espaços
ficuldade dos educadores e da sociedade, não serem capazes de atendimento como também oferecer ao professor capaci-
de diferenciar mitos de realidade, sobre estes alunos fazendo tação que propicie a reorganização de paradigmas conceituais
com que permaneçam na invisibilidade não distinguindo as- buscando a compreensão do que seja alta habilidade/super-
sim as suas necessidades [...], para tanto é preciso aumentar a dotação e suas especificidades, para que possam garantir a
produção científica na área de altas habilidades, sob pena da identificação, o encaminhamento e o atendimento visando à
sua inclusão não ser possível. permanência deste aluno no espaço inclusivo.
Neste contexto, considera-se ser a formação continuada Espera-se ainda que mais pesquisadores despertem o
alternativa viável para todos os professores terem acesso às interesse pela produção científica voltada ao estudo desta par-
orientações que lhes permitam aprender e/ou aprimorar seus cela valiosa da população. Essa busca possivelmente irá be-
conhecimentos para identificar o aluno superdotado e atendê- neficiar os alunos que ainda não foram identificados e que
-lo de forma eficaz. necessitam de uma escola mais preparada para recebê-los.
Algumas alternativas que podem favorecer a inclusão
da pessoa com altas habilidades/superdotação são: uso de Referências
atividades extracurriculares no espaço da escola, encaminha-
mento para salas de recursos, prática do modelo de enrique- ANTIPOFF, H. O bem-dotado e seu atendimento na Fazenda
cimento escolar de Renzulli (1997), bem como parcerias com do Rosário. In: GUENTHER, Z. et al. (Org.). Dez anos em prol do
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PARTE III
Ações Estratégicas
para a Inclusão
Introdução
200 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 201
próprias condições de sobrevivência, isto é, muito precárias. O era “caritativa” e excludente, com caráter de discriminação
agravante é que as pessoas com deficiências se tornavam um exacerbada.
fardo e, mais ainda, para a sociedade. Por isso, desprezá-las e, Na Idade Moderna, momento em que o homem passou
consequentemente, “condená-las” à morte fosse, talvez, mais a ser mais “valorizado”, a visão que se tinha dos deficientes
conveniente e perversamente efetivado. era patológica. Isso prejudicava a participação dessas pessoas
A estigmatização imposta à família do deficiente, “por no meio social, pois muitos as tachavam como “incapazes”.
contaminação”, da sociedade excludente e elitista, que ide- Evidentemente as mudanças econômicas, sociais e cul-
aliza uma pessoa “perfeita”, “normal”, também, rotula ou turais no Brasil, no início do século XX, período em que se
identifica essa pessoa por estereótipos e por diversas crenças, exigia mão de obra “qualificada”, foram fatores que contribu-
nas supostas impossibilidades de desenvolvimento. Também íram para aumentar a discriminação.
identifica a sua própria condição de dependente, o que le- Assim, os deficientes foram caracterizados inadequada-
vava, antigamente, o deficiente a ser muito mal tratado, sem mente como excepcionais, um problema para o capitalismo,
nenhum amparo de leis eficazes que o protegessem. para a família e para a sociedade em geral. Tanto era constran-
Muitas famílias decepcionadas e “gestantes” de senti- gedor para essas pessoas, como para a família, pela ausência
mentos e de emoções dolorosas e conflitantes, em relação à de atendimento qualificado.
deficiência passaram a agir inconsciente ou propositadamen- No período da Modernidade, foram criadas as escolas
te, em virtude dos medos, das frustrações e das limitações, o “especiais”, cujo intuito era oferecer à pessoa deficiente uma
que se resume em ambivalência de sentimentos, no passado. educação à parte, isso também afastou essa população das
Na família, de épocas passadas, como afirmado anterior- pessoas que não eram denominadas com deficientes, estigma-
mente, não existiam sanções e aparatos legais, isto é, não havia tizando-as socialmente.
os instrumentos legais como os que existem, atualmente, para Embora diversos estudiosos afirmem que a deficiência
proteger todos os cidadãos. Foram muitas as atrocidades para era entendida como desvio da normalidade, isso provocava
com as pessoas deficientes, violando muitas vezes o próprio atitudes de preconceito e de discriminação. As famílias, por
desejo de protegê-las. sua vez, reagiam a essa influência negativa, porque recebiam
No final da Idade Média, as pessoas com deficiências influência direta e, cada vez mais, elas se constrangiam, quan-
eram consideradas como improdutivas inúteis e incapazes, do afetadas emocionalmente.
fardo pesado ou uma cruz a ser carregada pela família e pela No passado, mais que hoje, muitas famílias desejavam
sociedade (CARVALHO; ROCHA; SILVA, 2006). incluir seus filhos nas escolas regulares, só que o acesso era
Sabe-se que as organizações cristãs influenciaram o muito difícil. Na década de 70, iniciou-se um grande movi-
surgimento de movimentos assistencialistas, para que todos mento de institucionalização da educação especial, mas o foco
pudessem cuidar das pessoas denominadas como desprovi- foi direcionado mais para a deficiência mental (MENDES,
das, infelizes e classificadas como “possuídas”. Essa prática 1995). As outras deficiências foram relegadas ou esquecidas.
202 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 203
Sabe-se que os movimentos de luta pelos direitos dos O reconhecimento e a problematização dos direitos das
deficientes e pela população marginalizada tiveram um gran- pessoas com deficiência pode ser encarado, num primeiro mo-
de avanço, após a promulgação da Constituição Federal de mento, como extremamente penoso e desgastante. Em muitas
1988. O artigo 208 garantiu o atendimento aos deficientes, circunstâncias, a família e a sociedade precisaram construir ou
preferencialmente, na rede regular de ensino. Anteriormente, compreender novos conhecimentos sobre a pessoa com defi-
à década de 70, o movimento da Integração e a utilização ciência; só que isso sempre foi um obstáculo, principalmente
do conceito de normalização expressaram o desejo de que o para as famílias pobres.
deficiente tivesse as mesmas condições oferecidas às outras Como os inúmeros problemas acarretados pelas defi-
pessoas que não tinham deficiências. ciências são exaustivos, complexos ou mesmo arrasadores, a
Em meados da década de 90, no Brasil, começaram as necessidade de se valer da legislação tem sido pressuposto
discussões em torno do novo modelo de atendimento básico para mudanças qualitativas no atendimento.
escolar denominado Inclusão Escolar. Esse novo para- Infelizmente, nem mesmo alguns profissionais, inseri-
digma surge como uma reação contrária ao princípio de dos na Educação Especial, ou os que tratam dessa temática
integração, e sua efetivação prática tem gerado muitas
controvérsias e discussões1.(MIRANDA, 2003, p. 6).
conhecem a legislação, e esse desconhecimento, também se
demarca nos familiares e na sociedade em geral, o que, certa-
A história da luta das famílias dos deficientes sempre mente, dificulta o reconhecimento e a efetivação de ações pro-
foi marcada por desafios, determinação, desespero, exclusão, ativas que beneficiem a acessibilidade e o respeito aos direitos
mas, sobretudo, por atitudes afirmativas, no sentido de inse- integrais dos cidadãos.
rir seus familiares com deficiências, nos espaços públicos e, Vale destacar que muitos caminhos foram e ainda estão
principalmente, nas escolas regulares. O impulso desse movi- sendo trilhados para que efetivamente as famílias com defi-
mento surgido na década de 70 e a legalização preconizada cientes possam ter seus direitos assegurados com plenitude.
com a Constituição Federal de 1988 foram decisivos para o Quando se menciona a temática da educação especial,
surgimento de “novos olhares”. historicamente, como já falado anteriormente, naturalmente,
Nos extremos, alguns meninos e meninas excluídos se se organizam atendimentos especializados, substitui-se o ensi-
transformam em invisíveis, quando lhes denegam seus no comum e se criam algumas instituições especializadas, clas-
direitos, quando passam completamente despercebidos ses e escolas especiais, fundamentadas no conceito de “nor-
em suas comunidades, quando não podem ir à escola
malidade/anormalidade, com atendimento clínico, ancorado
ou quando estão longe do alcance das autoridades de-
vido a sua ausência nas estatísticas, nas políticas e nos em testes psicométricos, definindo, assim, as práticas escolares
programas. (UNICEF, 2005, p. 7). para os deficientes”. (BRASIL, 2007).
O fato é que o Estado foi muito omisso, durante anos,
1 MIRANDA, Arlete Aparecida Bertoldo, Doutora em Educação – Reflexões em relação às ações efetivas de cuidado e de educação de for-
desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos
com Deficiência Mental, Unimep, 2003. ma indissociável para as pessoas com deficiências.
204 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 205
A história da Educação Especial no Brasil tem como nam mudanças sociais importantes para a integração e a in-
marco fundamental a criação do “Instituto dos Meninos Ce- clusão. Integrar, incluir, excluir e deficiência, são termos que
gos”. Miranda (2003) citando (JANNUZZI, 1992; BUENO, provocam muitas discussões. De acordo com determinados
1993 e MAZZOTTA, 1996) explica que isso foi desenvolvido contextos são inconsistentes, sem história e sem referências,
com ações isoladas, principalmente dando prioridade às defi- perdem sentido e são distorcidos. (PLAISANCE, 2010).
ciências visuais, auditivas e, em menor quantidade, às defici-
ências físicas. Enquanto que em relação à deficiência mental Conceituações sobre Família e a Chegada de uma Criança com Deficiência
houve silêncio em demasia.
Insatisfeitos e afetados socialmente com o déficit de No âmbito da análise de publicações sobre a família
ações concretas para atenderem às demandas relacionadas de pessoas com deficiências, autores como Batista e França
aos filhos, aos parentes e aos demais familiares deficientes, a (2007) procuram conceituar a palavra “família”. Sabe-se que
sociedade civil passou a se organizar e a criar as sociedades os conceitos de família são polissêmicos e “incorporam inú-
Pestalozzi (1932) e a Associação de Pais e Amigos dos Excep- meros componentes: união matrimonial, reprodução, unidade
cionais (APAE) em 1954. doméstica, residência comum e permanência temporal”.
Houve uma expansão significativa desta sociedade e Esses autores, baseados em Magalhães (1997), falam
da APAE, resultando na criação da Federação Nacional das que existem vários tipos de famílias: as rígidas, as desorgani-
APAES (FENAPAES) que, em 1963, realizou seu primeiro zadas, as aglutinadas, as laissez-faire e a família saudável. Isso
congresso (MENDES, 1995). Em relação à este tipo de luta e tudo para explicar sobre a dimensão afetiva ou não que cada
movimento social Junior ( 2010, p.15) explica: família atribui à chegada de uma criança com deficiência.
É possível perceber, no movimento das pessoas com defi-
Sobre a família “rígida”, por serem perfeccionistas e por
ciência, unidade e divisão, consensos e dissensos, amor e aplicarem muitas sanções, geralmente têm dificuldades de
ódio. Partes desses conflitos são criados pelo fato de que equilibrar cada crise que, por ventura, ocorra com seus filhos.
novos movimentos sociais são, também, movimentos que A família desorganizada, sem coesão familiar e com autono-
buscam criar uma identidade coletiva para determinado mia exacerbada, torna-se vulnerável, no sentido de se permitir
grupo, seja em oposição a outros segmentos, seja em
descasos e abandonos sentimentais.
oposição à sociedade. Um dos objetivos dessa afirmação
identitária é dar visibilidade e alterar as relações de força A família aglutinada, muito difusa, isolada da sociedade,
no espaço público e privado. O sentimento de pertenci- muitas vezes não tem identificação e individuação. A família
mento a um grupo é elemento discursivo importante para laissez-faire não estabelece limites aos filhos.
mobilizar qualquer luta política. Os movimentos sociais são Para Batista e França, o mundo passa pela ótica dos sen-
formados pela diversidade de identidades, porém, unifica-
timentos da intimidade familiar e que, para um educador, a
das nas experiências de coletividade vividas pelas pessoas.
empatia com a família é necessária para encorajar e dar supor-
Esses movimentos afirmativos, incluindo a participação te emocional para o enfrentamento das dificuldades advindas
das famílias dos deficientes, são ações proativas, proporcio- do nascimento de um filho deficiente.
206 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 207
Sempre existiu uma complexidade enorme quando se de predicados “positivos e aceitos socialmente”. Imagine-se,
fala sobre a família. Atualmente tende-se a considerar “famí- portanto, a chegada de uma criança totalmente diferente do
lia” qualquer convivência sob o mesmo teto, sem outras espe- padrão esperado.
cificidades, além da existência de algum tipo de afetividade Como afirma Batista e França (2007) existe um grande
que ligue as pessoas. impacto na chegada de uma criança “diferente”, que poderá
Ora, se hoje convivemos com vários tipos de famílias, causar uma visão patológica prejudicial ao desenvolvimento
especialmente em relação à intimidade e às características de integral de qualidade dessa criança.
afeto, subjetividade, amorosidade, isto indica um novo dire- Sabe-se que as adaptações e acomodações impostas à
cionamento e necessidade de estudos e de pesquisas apro- família pela presença de um filho, filha ou parente com ne-
fundadas sobre as inúmeras famílias que convivem com as cessidades especiais podem gerar transformações de caráter
deficiências (ZAGO; ROMANELLI; NOGUEIRA, 2007). afetivo, temporal e econômico, como afirma Glat (2004, p. 6):
Neste sentido, afirma-se que os vários desdobramentos É importante que o indivíduo com necessidades espe-
que envolvem a família da pessoa com deficiência é seme- ciais ocupe um espaço na dinâmica familiar que não seja ex-
lhante em qualquer tipo de família, se levar em considera- clusivamente “o deficiente”, “o problemático”, “o incapaz”, “o
ção que uma família geralmente cria expectativas positivas, dependente”, mas sim participe na medida de suas possibilida-
quando uma futura mãe espera seu bebê. Geralmente todas des, na vida familiar cotidiana, inclusive nas situações sociais.
têm as predições e as fantasias baseadas nos estereótipos de
“qualidade”.2 Família, Legislação, Avanços e Retrocessos?
Peter Moss (2002, p.17) afirma que “qualidade” é um
modo específico de observar o mundo, as coisas e as pessoas. Atualmente, algumas oportunidades sociais são ofere-
Este conceito está permeado de valores e de pressupostos, cidas para os deficientes e sua família, bem como um aparato
se observarmos, atentamente, a sociedade por si mesma, que legal, nacional e internacional. O próprio movimento de luta
classifica o belo, o “normal” e uma série de adjetivos especí- para afastar atitudes preconceituosas e rótulos, aos quais es-
ficos para as pessoas, classificando-os como os aceitos social- ses cidadãos estão sujeitos nas suas relações sociais e familia-
mente. Não temos respostas, nem argumentos concretos, mas res, ajuda-os a superar barreiras. Muitas pessoas ainda sofrem
podemos afirmar que existe um risco grande por parte das consequências nefastas que são marcadas pelo resto da vida.
famílias com pessoas deficientes, em manifestarem traumas na Urge, portanto, a necessidade de efetivação e de orien-
hora do nascimento de seus filhos. tação de ações nas escolas, nos bairros, nas associações, nos
Ora, a família deseja um filho “idealizado”, bonito, sem estabelecimentos públicos, como ajuda às famílias, para lida-
defeitos e esse desejo envolve uma gama de sentimentos e rem com os parentes e com os filhos deficientes. Caso isso
2
aconteça, certamente, ajudará a família a construir alternativas
Para Zabalza (1998, p.31) qualidade poderá estar vinculada aos valores, à
afetividade e à satisfação das pessoas. de aceitação, de adaptação e de integração, cuidados e educa-
208 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 209
ção de qualidade, em ação integrada, como explicita a Consti- podem desaparecer deste ambiente, para facilitar a mediação
tuição Federal de 1988. de problemas que afetam os filhos com deficiências.
Divulgar amplamente a legislação, como o direciona- Nessas circunstâncias, a família e a sociedade necessi-
mento de caminhos que possam orientar as famílias para ob- tam construir um novo conhecimento sobre a pessoa com de-
ter de fato seus direitos, é responsabilidade social de todos os ficiência, desenvolver padrões de interação e um conjunto de
cidadãos. ações favoráveis, sejam para os filhos deficientes ou não.
Felizmente, nas últimas duas décadas, a Educação In- O fomento dessas interações precisa ser fortalecido por
clusiva ganhou força, sobretudo a partir da segunda metade todos e, especialmente, pelos profissionais que lidam com a
da década de 90, com a difusão da conhecida Declaração de pessoa e com a família do deficiente. Isto certamente opor-
Salamanca (UNESCO, 1994, p. 2). Nela, está explícito o que tunizará alternativas ligadas à qualidade do atendimento à
os delegados proclamam: acessibilidade.
[...] encorajem e facilitem a participação de pais, co- Temos clareza de que muitos desafios e enfrentamentos
munidades e organizações de pessoas portadoras de já foram trilhados e bem sucedidos, favoreceram a convivên-
deficiências nos processos de planejamento e tomadas cia humana e o respeito à diversidade de muitas pessoas com
de decisão concernentes à provisão de serviços para deficiências. Muitas famílias conseguiram atuar de forma posi-
necessidades educacionais especiais.
tiva como mediadora, adaptada aos seus próprios sentimentos
Isso demanda a continuidade e a exigência de um rom- em relação à deficiência de seus filhos e parentes.
pimento com paradigmas excludentes produzidos ao longo O mais importante é saber que muitas famílias de pes-
da história e que, ainda hoje, infelizmente fundamentam a soas com deficiências buscam informações significativas e
práxis do homem atual em relação a este segmento social. concretas quanto ao seu papel no atendimento às necessida-
Diante de tais considerações, não se pode, pois, en- des físicas, psíquicas e educativas de seus filhos. Mas sabe-se,
tender as pessoas com necessidades educativas especiais em igualmente, que muitos pais e mães ficam confusos, limitados,
sua integridade, sem se considerar o contexto familiar do frustrados e vazios com a falta de informações necessárias que
qual cada uma faz parte. Especialmente, porque a família é possam esclarecer os diagnósticos médicos e educacionais de
a primeira e a mais importante instituição social e precisa ser seus filhos.
orientada e respeitada permanentemente em processos huma- A família tem direito ao apoio, à consideração e à inte-
nos, com a formação dos vínculos afetivos, aos quais poderão ração com médicos, professores e com outras famílias que têm
repercutir ou não, no desenvolvimento da personalidade de crianças com deficiências, segundo consta no documento do
seus entes queridos. Ministério de Educação. (BRASIL, 2004, p. 7 e 8):
A família precisa viver relações de reciprocidade plena Cabe ao poder público garantir um sistema de serviços
e favorecer a solidariedade social, a cooperação entre os entes que promova a saúde física e mental das famílias, em
queridos e a coletividade. Com isso, o conflito e a violência geral, e das crianças e jovens e adultos, em {especial}.
210 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 211
É essencial que se invista na orientação e no apoio à Contudo, como afirmado no texto acima, a sociedade
família, para que esta possa melhor cumprir com seu ainda precisa se apropriar do conhecimento e da legitimação
papel educativo junto a seus filhos.
desses direitos. Esse processo requer ação de múltiplos esfor-
As condições de existência das pessoas com deficiência, ços e a participação de todos os segmentos da sociedade, para
ao longo da história, tiveram diferentes modelos de tratamen- que se promova, urgentemente, uma verdadeira mudança cul-
to. Não se pode mais admitir os modelos do extermínio ou do tural, em relação ao estímulo e ao envolvimento da família,
abandono às pessoas com deficiência e estendê-lo à família. No como um fator decisivo no processo de inclusão de pessoas
entanto, o governo insiste em perpetuar a não garantia do aces- com necessidades especiais.
so, da permanência e o sucesso de todos os alunos do ensino es- A família ainda enfrenta inúmeros obstáculos quando
pecial na escola. A sociedade continua muito omissa para cobrar se trata de incluir seus filhos com deficiências, na escola e
e efetivar seus direitos e, consequentemente, cumprir deveres. em todos os espaços sociais. De acordo com sua história, suas
Ainda existe no interior da escola, a carência de recur- representações, suas crenças, seus valores culturais e suas con-
sos pedagógicos e a fragilidade da formação dos professores dições objetivas e materiais a facilitação ou o impedimento do
para lidar com os alunos deficientes e com as famílias dessas processo de integração social tem características próprias.
pessoas, consideradas diferentes das normais. Diversas possibilidades devem ser disponibilizadas
para minimizar as ansiedades frente aos obstáculos que ainda
Considerações Finais enfrentam as pessoas com necessidades especiais. A promoção
de reuniões com associações de pais, ou a estimulação para a
A Constituição Federal de 1988 elencou a educação criação de uma rede de apoio, de troca de experiências e de
como o primeiro dos direitos sociais. Em razão dessa legalida- ajuda mútua são tarefas de todos, especialmente, do poder
de, não se admite, que às pessoas com deficiências, sejam ne- público, nas instâncias que o representam.
gados os direitos da ação das políticas públicas que legitimam
especialmente a acessibilidade à educação escolar. Referências
O Art. 227 da CF, um dos mais importantes sobre essa
temática, afirma a obrigação da família, da sociedade e do BATISTA, S. M.: FRANÇA, R. M. de. Família de pessoas com
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214 d IÊDA MARIA MAIA PIRES RELAÇÕES FAMILIARES NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL d 215
COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR Para a escola alcançar tais objetivos, precisará estar dis-
posta e capacitada para lidar com as necessidades individuais
Bruna Gabriela Garcia Figueiredo Porto de cada aluno, e assim realizar a inclusão de forma eficiente e
eficaz de todas as crianças, principalmente das que possuem
Introdução
necessidades educacionais especiais.
Cada criança terá sua demanda pedagógica a ser supri-
A comunicação é uma característica do ser humano en-
quanto participante de um meio essencialmente social. da pela escola e desse modo, pode necessitar desde adequa-
Tal comunicação pode se realizar nas mais diversas for- ção do ambiente com estratégias de acessibilidade, a recursos
mas utilizando a fala, o gesto, a escrita; dentre outros como mais ou menos elaborados para desempenhar com sucesso as
meio facilitador. atividades que lhe serão propostas.
Entretanto, algumas pessoas por condições variadas
que impedem o uso da fala como meio prioritário de comuni- Comunicação Alternativa
cação, necessitam de outros mecanismos que permitam uma
comunicação eficaz. A Comunicação Alternativa foi introduzida na Brasil na
A Comunicação Alternativa surgiu nesse contexto com década de 70, momento em que também surgem os primeiros
o objetivo de suprir as dificuldades de expressão oral através sistemas pictográficos de comunicação que iriam se somar as
de outras possibilidades que possam fornecer condições para primeiras pranchas de comunicação e os sistemas de sinais
uma comunicação funcional de seus usuários. manuais.
Temos como objetivo nesse artigo, propor uma forma A terminologia utilizada é bastante variada, Comunica-
de comunicação mais adequada para as crianças com dificul- ção Aumentativa e Alternativa, Comunicação Ampliada, Siste-
dades de usar a fala como forma prioritária de comunicação mas Aumentativos e Alternativos, Comunicação Suplementar
inseridas na escola, de maneira que elas possam expressar e/ou Alternativa, Comunicação Alternativa; todos com obje-
seus desejos, necessidades e serem participantes efetivas nos tivo de definir um conjunto de sistemas de acesso a comuni-
diversos ambientes (escola, família e sociedade). cação e escrita para pessoas com dificuldades para usar a fala
como meio prioritário de comunicação.
Comunicação Alternativa e Escola Comunicação suplementar ou ampliada enfatiza formas
alternativas de comunicação visando dois objetivos:
O ambiente escolar proporciona ao indivíduo além do promover e suplementar a fala, e garantir um meio
alternativo de comunicação para o indivíduo que não co-
aprendizado formal, desenvolver sua socialização, autonomia,
meçou a falar (MANZINI e DELIBERATO, 2004, p.05).
habilidades para lidar com situações diferentes da que está
acostumado em seu meio familiar e assim construir-se en- Quando a literatura coloca o termo comunicação su-
quanto sujeito. plementar e/ou alternativa, o termo “suplementar” está se re-
216 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 217
ferindo a uma comunicação com meios alternativos por um Contudo, lembramos sempre que a nossa prática clíni-
período determinado ou transitório. Entretanto a comunica- ca e pedagógica é uma grande fábrica de possibilidades para
ção será dita alternativa quando ela for uma forma de comu- geração de novos recursos e meios facilitadores. Até um meio
nicação permanente. que aparentemente não oferece muitas possibilidades para
Embora a literatura coloque diversas nomenclaturas geração de recursos, pode ser adequado de forma criativa e
como comunicação alternativa, comunicação aumentativa, co- ser transformado em um rico ambiente comunicativo.
municação ampliada, comunicação suplementar e/ou alterna-
tiva; porém o termo mais utilizado refere-se à Comunicação Identificando Recursos
Alternativa (CA).
Vários sujeitos com dificuldades de comunicação po- O primeiro passo ao se trabalhar com uma pessoa que
dem se beneficiar da CA de forma transitória e/ou permanen- apresenta dificuldades comunicativas é definir quais estraté-
te como pessoas com paralisia cerebral, autismo, disartria, afa- gias são mais eficientes para se comunicar com ela e quais re-
sia, deficiência intelectual, esclerose lateral amiotrófica, dentre cursos serão utilizados. Precisamos ainda identificar quais as
outros quadros. Neste artigo faremos referência à população estratégias e os recursos comunicativos que já são utilizados
de crianças em idade escolar que apresentam dificuldades pela criança em seu ambiente familiar, pois serão de grande
para se comunicar utilizando a fala, contudo, o conteúdo aqui importância para uma melhor interação com a mesma.
tratado não se restringe a esse grupo. São definidos como recursos de CA sem ajuda, os meios
Passaremos agora a relacionar as possibilidades de re- que utilizam o corpo do usuário, não necessitando de apoio
cursos que estão disponíveis utilizando apenas o corpo do ou instrumentos auxiliares. Já os recursos com ajuda necessi-
próprio usuário ou recursos de baixa e alta tecnologia. tam de meios que possam dar suporte a comunicação.
Alguns modelos de recursos sem ajuda são os gestos de
Recursos Comunicativos uso comum que são de fácil identificação pelas pessoas e au-
xiliam em uma etapa inicial de intervenção (ex. afirmação ou
Quando nos propomos a trabalhar com pessoas que apre- negação com movimentos de cabeça). Já os gestos idiossin-
sentam dificuldades para comunicação, devemos estar atentos cráticos são formas desenvolvidas pelo usuário e seus familia-
às possibilidades e dispostos a nos ajustar e adequar o ambien- res, e permitem uma forma de comunicação mais rápida (ex.
te de forma a maximizar as potencialidades de cada sujeito. abrir a boca de forma acentuada para indicar fome ou sede,
A seguir, trataremos sobre exemplos de recursos, com e piscar os olhos repetidas vezes para sinalizar sono); dentre
sem ajuda, mais utilizados na nossa prática. Mencionando ainda outras formas de sinalização (BULTÓ e ALMIRAL, 2003).
os recursos menos elaborados e os mais tecnológicos que es- Entretanto, poderemos necessitar de recursos facilita-
tão cada vez mais eficientes; porém o custo ainda é um ponto dores que correspondem ao auxílio técnico ou suporte exter-
bastante delicado quando se trata de usuários de baixa renda. no que permitam uma melhor comunicação. São exemplos de
218 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 219
tais recursos: sinais tangíveis, imagens, sistemas pictográficos pictográficos que representam palavras e conceitos mais utili-
e escrita ortográfica. zados no cotidiano. Seu uso é indicado para diferentes grupos
Sinais tangíveis são objetos ou parte destes, miniatu- etários e de deficiência e possui seis categorias representadas
ras que relacionadas ao que se deseja comunicar, oferece um por cores diferentes. As cores são colocadas como plano de
sinal para comunicar algo (ex. pedaço de esponja para indi- fundo ou ao redor dos pictogramas e são representados da
car banho, uma colher para indicar fome). As imagens são seguinte forma: pessoas e pronomes na cor amarela; os verbos
desenhos ou fotografias que representam uma possibilidade na cor verde; os adjetivos e advérbios na cor azul; lugares,
comunicativa e possuem indicação também para pessoas com comidas, objetos, animais na cor laranja; artigos, alfabeto, nú-
dificuldades cognitivas. Os sistemas pictográficos como o Blis meros na cor branca e termos sociais na cor rosa.
e Picture Communication Symbols (PCS) são sistemas de co-
municação que utilizam sinais ou desenhos de fácil identifi- Figura 2 – Prancha com símbolos PCS
cação (icônicos) que podem ser utilizados em pranchas de
comunicação impressas ou em computadores, por exemplo. A
escrita ortográfica também pode ser utilizada como mecanis-
mo de comunicação para indivíduos alfabetizados utilizando
alfabeto móvel, pranchas de comunicação ou ainda programas
computadorizados adequado a cada usuário (BULTÓ e AL- Precisamos estar atentos a cada criança ao selecionar os
MIRAL, 2003). recursos com ou sem apoio, ou ambos; os tipos de estímulos
O Blis foi desenvolvido por Charles Blis e teve como (objetos, miniaturas, símbolos, figuras, gestos ou expressões),
protótipo o idioma chinês. Possui 100 sinais básicos em dese- além da quantidade de estímulos de acordo com as possibili-
nhos lineares que combinados podem formar palavras novas dades de cada usuário.
e é indicado para usuários que necessitam de uma linguagem No momento de confeccionar pranchas de comunicação
extensa e complexa. também precisamos observar de que forma serão utilizadas,
se, em pastas, pranchas fixas, temáticas, com estímulos remo-
Figura 1 – Prancha com Símbolos Bliss víveis; sempre de acordo com a necessidade comunicativa de
cada sujeito, com ajuda da família e pensando nos parceiros
Hospital Teatro Rua Madeira Árvore Janela
de comunicação que irão utilizar.
As pastas são uma forma de armazenar as diversas pran-
chas de comunicação. Podem ser utilizados para esse fim cole-
cionadores, álbuns, fichários, etc.
O Sistema PCS (Mayer Johnson, 1992) é formado por As pranchas podem ser fixas em paredes na altura do
um vocabulário que conta com aproximadamente 3000 sinais usuário ou em suas cadeiras de rodas. Já as pranchas temáti-
220 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 221
cas com estímulos removíveis referem-se a suportes e figuras furos correspondentes às teclas), teclados de membrana com
com velcros, ou imantados que possam ser utilizados de acor- programas que podem ser alterados de acordo com as condi-
do com a demanda (MANZINI e DELIBERATO, 2004). ções de manuseio do usuário, etc.
No caso de utilização de pranchas de comunicação o Há ainda uma infinidade de acionadores por pressão
usuário poderá fazer a seleção direta das figuras para se co- com diversos tamanhos e formatos, acionadores por tração,
municar, ou de forma indireta, necessitando do auxílio de acionadores controlados por sopro e com piscar de olhos.
um parceiro de comunicação que faça a seleção da figura por Entretanto poderemos criar de forma artesanal alguns
meio de varredura por linha ou coluna das mesmas. recursos como brinquedos adaptados e acionadores simples
Essa seleção de figuras ou até mesmo uma comunicação com caixas de papelão, utilizar recursos de acessibilidade
através da escrita, para indivíduos alfabetizados, poderá ser disponíveis no próprio computador e softwares gratuitos na
realizada através de recursos de tecnologia que serão explora- internet que podem ser bastante úteis para desenvolver habi-
dos nesse artigo mais adiante. lidades comunicativas.
O computador dispõe de algumas ferramentas de aces-
Recursos de Software e Hardware sibilidade como, por exemplo: retardar o efeito de repetição
das letras, substituir a pressão simultânea de várias letras,
O mercado disponibiliza vários produtos de alta tecno-
substituir o mouse pelo teclado numérico e deixar o mouse
logia para os componentes físicos do computador (hardware)
mais lento; além de simuladores de teclado e mouse.
e programas para facilitar o seu uso (software) que o tornam
Todas essas opções disponíveis são ferramentas que
uma excelente ferramenta de comunicação.
podem auxiliar em uma comunicação mais eficiente, porém
O computador pode ser totalmente adequado de acor-
nem sempre os recursos mais tecnológicos serão os mais in-
do com as necessidades de cada indivíduo com mouses e te-
dicados (ex:crianças em fases iniciais de desenvolvimento do
clados adaptados, acionadores diversos; além de softwares de
processo de comunicação e algumas crianças com graves di-
comunicação que permitem controlar a máquina com o mais
ficuldades cognitivas). Assim como, em alguns casos serão
sutil movimento manual, facial, de pé, pressão ou até um leve
de relevante importância em uma comunicação mais eficien-
movimento ocular.
Estão disponíveis mouses adaptados com esferas gigantes te e de acordo com as necessidades de cada criança, pode-
que não necessitam de tanto controle motor fino, mouses adap- rão auxiliar em um melhor desempenho comunicativo (ex:
tados ao toque dos dedos que não necessitam do movimento crianças em fases mais avançadas de comunicação ou que já
das mãos; assim como alternativas ao mouse que fazem o con- foram alfabetizadas). Cabendo sempre avaliações periódicas
trole do computador com movimentos de cabeça ou de olhos. das necessidades de cada aluno e a busca de orientação de
Os teclados também possuem suas versões adaptadas profissionais especializados.
com o uso de colméia (suporte de acrílico transparente e com
222 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 223
Identificando Necessidades Entretanto, pequenas modificações já fazem toda di-
ferença e nem sempre são necessários recursos tecnológicos
Pensando em uma realidade que não nos oferece tantos mais elaborados. Uma órtese, um atril (suporte inclinado que
recursos, podemos utilizar nossa criatividade para geração de pode ser usado sobre a mesa do aluno e deixar o conteúdo a
meios que viabilizem uma alternativa de comunicação. Para ser explorado em um plano mais verticalizado), assim como
tal, primeiro devemos identificar a necessidade de cada sujei- uma melhor postura sentada em cadeira e mesa adaptada vão
to de acordo com suas condições físicas, psíquicas e socioe- permitir que a criança possa se concentrar melhor.
conômicas, para então pensar no que será mais apropriado e O uso de acionador artesanal (feito com caixas de pa-
efetivo. pelão, madeira, etc.); softwares gratuitos disponibilizados pela
Quando por exemplo, pensamos em uma criança com internet, associado à criatividade em modificar as tarefas de
dificuldade motora importante, bom nível cognitivo e que si- acordo com a possibilidade de cada criança já fará toda dife-
naliza com o olhar suas necessidades iremos obter interação rença em seu desempenho pedagógico (OLIVEIRA, 2010).
e respostas por meio dessa sinalização. Utilizar como estraté-
gia a seleção direta (apontar com mão, pé, ponteira, etc.) ou Figura 3 – Acionador Artesanal
224 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 225
Postura Comunicativa que muitas vezes não correspondem ao seu real desejo co-
municativo e passamos a conhecer de fato suas verdadeiras
Precisamos adequar nossa conduta ao nos comunicar necessidades.
com uma pessoa que apresenta dificuldades comunicativas
e nos lembrar de algumas sugestões que podem facilitar a Referências
comunicação.
Falar devagar e com frases curtas é muito importante ALMIRAL, C. B.; SORO-CAMATS, E; BULTÓ, C. R. Sistemas
quando queremos nos comunicar com uma criança com difi- de sinais e ajudas técnicas para a comunicação alternativa e a escrita.
culdades expressivas. Controlar a velocidade e conteúdo de Trad. Magali de Lourdes Pedro. São Paulo: Santos, 2003.
fala proporcionará uma melhor compreensão do que é dito. BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabe-
Quando fizermos perguntas, sempre que possível, de- lece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial
vemos construir sentenças que ofereçam poucas opções de [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n.
resposta para que usuário de CA tenha mais facilidade em 248, 23 dez. 1996.Seção I, p. 27834-27841.
responder. Assim como precisamos ter paciência em aguardar DUTRA, C. P. Sala de recursos multifuncionais: espaço para atendi-
as respostas e só então fazer um novo questionamento, caso mento educacional especializado. Brasília: Ministério da Educação
necessário. Secretaria da Educação Especial, 2006.
Precisamos ser bons interlocutores, pois nossa parceria FERREIRA, L. P.; BEFI-LOPES, D.; LIMONGI, S. C. O. Trata-
é de extrema importância para que a comunicação se faça de do de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004.
maneira eficiente. Nessa interação, a mensagem é transmitida, LIMA, C. L. A.; FONSECA, L. F. Paralisia cerebral. Rio de Ja-
interpretada e alcança seu objetivo principal que é comunicar. neiro: Medsi, 2004.
MANZINI, E. J. DELIBERATO, D. Portal de ajudas técnicas para
Considerações Finais educação:recursos para comunicação alternativa. Brasília: Ministé-
rio da Educação Secretaria da Educação Especial, 2004.
Quando não conseguimos nos comunicar, mesmo que OLIVEIRA, A. I. A. Integrando tecnologias para leitura em crianças
por um período transitório, percebemos sua importância em com paralisia cerebral na educação inclusiva. 2010. 140 f. Tese
nossas vidas. Essa condição, por vezes permanente na vida (Doutorado em Teoria e Pesquisa do Comportamento) – Nú-
de uma pessoa em formação, tem um grande impacto na sua cleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade
constituição enquanto sujeito de um meio que possuí a comu- Federal do Pará, Belém. 2010.
nicação como um de seus maiores recursos de interação. PUYELO, M.; RONDAL, J. A. Manual de desenvolvimento e altera-
Ao proporcionar uma alternativa para essas pessoas, es- ções da linguagem na criança e no adulto. São Paulo: Artmed, 2007.
tamos dando a elas condições de expor suas ideias, desejos e SOUSA, D. C. Educação Inclusiva: um sonho possível. Fortaleza:
vontades. Deixamos de fazer aproximações ou adivinhações Edições Livro Técnico, 2004.
226 d BRUNA GABRIELA GARCIA FIGUEIREDO PORTO COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA E INCLUSÃO ESCOLAR d 227
A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS xibilidade curricular uma das vias para que isso se torne uma
PARA O DEBATE realidade na escola. As formas de avaliação da aprendizagem
devem ser revistas, incorporando a avaliação formativa como
Geandra Cláudia Silva Santos mecanismo de conhecimentos e superação das dificuldades
dos alunos. O documento também entende a relevância da
Introdução criação de uma rede contínua de apoio pedagógico especiali-
zado nas salas de aula comuns e nos outros espaços da escola.
A inclusão de alunos com desenvolvimento atípico no A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
contexto da escola comum brasileira tem estimulado a neces- LDB N° 9.394/96, no Capítulo V, Art. N° 59, Inciso I, preconi-
sidade de reflexões que iluminem a construção teórica e as za que os sistemas de ensino deverão garantir aos educandos
práticas no campo educacional, haja vista as inúmeras trans- com necessidades educacionais especiais, “currículos, méto-
formações exigidas para se concretizar as definições propos- dos, técnicas, recursos educativos e organização específicos,
tas em documentos, com grande peso político mundialmente, para atender às suas necessidades”.
como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), No documento Parâmetros Curriculares Nacionais –
e a Declaração de Salamanca (1994). PCN – Adaptações Curriculares: estratégias para a educação
Segundo a Declaração de Salamanca (1994), a educa- de alunos com necessidades especiais (BRASIL, 1998), as
ção inclusiva deve primar pela inclusão dos alunos, nas esco- adaptações curriculares são apresentadas como um mecanis-
las comuns, em todos os seus níveis e modalidades; chamando mo que resguarda “[...] o caráter de flexibilidade e dinamici-
atenção para as responsabilidades dos sistemas de ensino que dade que o currículo escolar deve ter, ou seja, a convergência
devem adequar-se às necessidades dos alunos, independen- com as condições do aluno e a correspondência com as fina-
te de suas características orgânicas, psicológicas e socioeco- lidades da educação na dialética de ensino e aprendizagem”
nômicas. Essa perspectiva suscita respostas pedagógicas que (BRASIL, 1998, p. 16). Desse modo, as adaptações represen-
exigem um aparato integrado de aspectos físicos, materiais, tam atitudes favoráveis à flexibilização do processo pedagó-
culturais, políticos, curriculares e didáticos, que acabam por gico, materializadas na “[...] adoção de currículos abertos e
colocar em xeque, as políticas educacionais desenvolvidas his- propostas curriculares diversificadas, em lugar de uma con-
toricamente, nos espaços institucionalizados. cepção uniforme e homogeneizadora de currículo” (BRASIL,
Os Procedimentos Padrões das Nações Unidas para a 1998, p. 32).
Equalização de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Em consonância com o documento acima referido, a
Deficiências, que orienta os governos na implementação da Política Nacional de Educação Especial numa perspectiva in-
Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), prevêm a adoção clusiva (BRASIL, 2008) entende que o currículo da escola
de sistemas de ensino mais flexíveis e adaptativos, capazes de deve ser flexível e dinâmico para favorecer a aprendizagem
considerar as diferentes necessidades das crianças, sendo a fle- dos alunos.
228 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 229
As ações de adaptação do currículo incidem sobre a seguirão aprender ou não alguns conteúdos escolares. Arroyo
definição dos objetivos, o tratamento dos conteúdos, o incre- (2008) ao discutir a respeito da diversidade na escola básica
mento dos procedimentos e recursos didáticos, a avaliação, na e na universidade, defende que para garantir a participação
temporalidade e organização do processo pedagógico, para dos coletivos diversos no processo de escolarização, torna-se
que ocorra, efetivamente, o reconhecimento da existência da insuficiente a adequação e flexibilização dos currículos, tem-
diversidade dos alunos e a necessidade de respeitá-la e aten- pos e cargas horárias.
dê-la educacionalmente. Os argumentos dos autores citados expressam reflexões
Em face dessa conjuntura, a educação especial passa a significativas que nos convidam a pensar, nas construções a
atuar como mecanismo complementar à educação geral, or- seguir, que conceito de inclusão, de currículo e de projeto
ganizada como uma modalidade que perpassa toda a trajetó- político-pedagógico move as alternativas, em que a flexibili-
ria escolar, da Educação Básica ao Ensino Superior (BRASIL, zação é o marco central, materializada, na prática educativa,
2001), promovendo o atendimento às necessidades educacio- em adaptações/adequações dos elementos constitutivos do
nais de alunos com deficiência, transtornos globais de desen- currículo.
volvimento e altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008).
Observamos, por meio dessa breve incursão no univer- Flexibilização Curricular: Situando e Problematizando as Ideias
so das políticas educacionais, que há um entendimento evi-
dente do papel central que o currículo tem na organização e O destaque dado às adaptações curriculares como alter-
no funcionamento da escola para concretização da inclusão nativa à organização do trabalho pedagógico da escola, para
de alunos com desenvolvimento atípico, por meio das adap- tentar responder às necessidades de aprendizagem dos alu-
tações curriculares. No entanto, esse entendimento provoca nos com necessidades educacionais especiais – NEE, denota a
questionamentos e tensões que entram na pauta das discus- importância de situar a flexibilização do currículo no contexto
sões de pesquisadores e educadores, bem como se configura da política educacional atual e, com isso, entender as tensões,
um desafio à prática pedagógica da escola. relações e possibilidades constitutivas dessa nova tessitura,
Mantoan (1998) critica as adaptações do currículo, nem tão nova assim.
quando estas são justificadas pela incapacidade dos alunos Para justificar nossa opção em contextualizar a discussão
e não pela capacidade diversificada que cada aluno tem para sobre currículo, lançamos mão da clareza com que Silva (2010)
enfrentar e responder as exigências da escola. Moreira e Bau- explicita e valida essa questão. Segundo Silva (2010, p.10):
mel (2001) alertam para o risco da simplificação do conhe- Não por coincidência, o currículo é também um dos
cimento, criando um currículo de segunda categoria para os elementos centrais das reestruturações e das reformas
educacionais que em nome da eficiência econômica
alunos com necessidades especiais. Almeida (2003) assevera
estão sendo propostas em diversos países. Ele tem
que as adaptações curriculares reforçam a fragmentação do uma posição estratégica nessas reformas precisamente
processo de ensino e a predeterminação dos alunos que con- porque o currículo é o espaço onde se concentram e se
230 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 231
desdobram as lutas em torno dos diferentes significados tonomia, flexibilidade, criatividade, responsabilidade e capaci-
sobre o social e o político. É por meio do currículo [...] dade de comunicação, compõem os critérios necessários para
que os diferentes grupos sociais, especialmente dos
que o trabalhador se adapte às exigências da produção e, con-
dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto
social, sua “verdade”. sequentemente, do mercado de trabalho, para não ser excluí-
do. Apesar dos trabalhadores estarem inscritos em contextos
A flexibilização do currículo, tem se configurado com
organizacionais de participação e diálogo, isso é estritamente
um elemento decisivo da política educacional brasileira, nos
voltado para o aprimoramento da produção e da capacidade
últimos anos, expressando o impacto que as mudanças no
de ampliação dos lucros, atuando como um mecanismo de
processo produtivo capitalista, com o esgotamento do modelo
dominação forte e sutil. Desse modo, neutraliza-se a dimensão
fordista de produção e organização do trabalho, têm na educa-
político-social do processo produtivo, c onvertendo-a em um
ção escolar. Os modelos flexíveis de produção em vigor (pós-
quefazer meramente técnico-científico.
-fordista/toyotista) impõem novas exigências organizacionais
Helal (2006) reforça a tese de que a posição estratégica
e de qualificação do trabalhador, resultando assim, em novas
do diálogo nas organizações do trabalho fortalece a racionali-
demandas e orientações às instituições educativas, sejam em
dade instrumental, porque estimula e permite níveis elevados
espaços escolares ou não-escolares, seja na educação básica
de produtividade e lucratividade. Há uma exploração inten-
ou no ensino superior. Oliveira (2004, p. 1139) confirma que:
sa das capacidades dos trabalhadores, em função da produ-
[...] as mudanças mais recentes na organização escolar
ção e não dos sujeitos envolvidos. Assim sendo, não cabe ao
apontam para uma maior flexibilidade, tanto nas estru-
turas curriculares quanto nos novos processos de avalia- trabalhador engajado nesse novo contexto produtivo lançar
ção, corrobora a idéia de que estamos diante de novos questionamentos que possam se transformar em ameaças ou
padrões de organização também do trabalho escolar. contradições à organização vigente, mas alimentar com inves-
De acordo com Lopes (2008, p.10), o termo flexibiliza- timentos pessoais e profissionais a tarefa realizada, resultando
ção contempla a ideia da necessidade de “[...] conceder maior em maior produtividade para a instituição empregadora.
plasticidade, maior maleabilidade, ao que se quer flexionar, Esta situação remete ao que Freire (1976) chamou de
destituindo-o da rigidez tradicional [...]”. Essa plasticidade, “meias mudanças”, ou seja, são formas de mudar para manter
no contexto contemporâneo, propõe uma ruptura com o pa- o status quo, são mudanças puramente adaptativas ou ajustes
radigma moderno de pensamento e produção. Entretanto, para manter-se na condição atual. Essa ideia de “meias mu-
segundo Helal (2006), as formas organizacionais mais flexí- danças” ou, simplesmente, de não-mudança, coaduna com as
veis, na verdade, reforçaram a racionalidade instrumental da reflexões de Neves e Sant’Anna (2005) para quem o discurso
modernidade. e as políticas de inclusão funcionam como estratégia da lógica
O surgimento e a propagação de novas habilidades e neoliberal, com a finalidade de conseguir o difícil consenso
competências a serem aprendidas, com ênfase na formação do entre as classes sociais, mediante as profundas e crescentes
indivíduo como ser competente e qualificado, pautado na au- desigualdades da sociedade capitalista.
232 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 233
Skliar (2002) expressa sua preocupação sobre os pro- tida nas orientações educativas, em que todos devem obter os
cessos inclusivos deflagrados na sociedade, por meio do que mesmos resultados (positivos), por meio das mesmas alterna-
ele convencionou de pedagogia do outro, que consiste na tivas didáticas, cumprindo o mesmo tempo pedagógico.
simplificação e reificação do diferente, resultando na identi- Por isso, precisamos ter clareza para entendermos como
ficação/categorização da diferença, objetivando (re)situar o nos credenciar nesse processo nos posicionando como sujeitos
sujeito categorizado como diferente, no contexto da mesmi- que tomam decisões e justificam suas escolhas, exatamente,
dade, dentro de padrões aceitáveis e controláveis. porque entendeu a necessidade e assumiu os riscos de refletir
Essa perspectiva de inclusão, de fato, não é um anún- a respeito das alternativas criadas e repassadas para o chão da
cio de mudanças concretas e profundas, na base excludente escola, como respostas aos problemas enfrentados no cotidia-
do sistema educacional. Este sistema encontra-se calcado em no de sua prática educativa. Assim, continuaremos enriquecen-
uma cultura quantitativa, seletiva, classificatória, meritocrá- do nossa discussão, articulando diretamente com as questões
tica, em que os alunos vão sendo conduzidos a resultados concernentes à inclusão escolar dos alunos com NEE.
favoráveis ou não, dependendo do grau de aproximação dos
parâmetros definidos pela instituição escolar. Nesses termos Aonde Queremos Chegar com Essa Problematização?
Mitjáns Martínez (2005, p. 97), alerta que:
A escola para todos, veiculada no documento PCN –
Uma concepção restrita de inclusão escolar, como a
que infelizmente é dominante hoje, resulta perigosa Adaptações Curriculares (BRASIL, 1998), requer uma dina-
porque não contribui para enxergar a magnitude das micidade do currículo que consiga ajustar o fazer pedagógico
mudanças que devem ser promovidas na instituição às necessidades educacionais dos alunos. No âmbito do pro-
escolar para satisfazer as necessidades educacionais dos jeto pedagógico da escola, o currículo é entendido como um
mais diversos grupos de aluno e indiretamente dificulta
a adoção das estratégias de ação inovadoras necessárias
recurso que tem a finalidade de promover o desenvolvimento
para fazer a inclusão possível. e a aprendizagem dos alunos.
A concepção de currículo como ferramenta básica de
A conjunção de reflexões apresentada chama nossa escolarização identifica-se com uma perspectiva instrumental,
atenção para a importância da construção de um movimen- que coaduna com as reflexões pertinentes aos fundamentos
to que seja capaz de romper com a estrutura excludente da da ideia de flexibilização curricular, discutidas anteriormente.
escola. Portanto, não se trata de “[...] deixar a escola assim Esse entendimento restringe a natureza do currículo ao viés
como ela já era e como estar agora e de acrescentar algumas técnico-instrumental, ao passo que oculta o jogo de forças que
pinceladas de deficiência, alguns condimentos da alteridade determinam sua organização e efetivação na escola.
anormal” (SKLIAR, 2006, p. 27). Trata-se de assumir um pro- Mais que um instrumento capaz de dinamizar o co-
jeto pedagógico que questione efetivamente a padronização nhecimento, o currículo tem na relação escola-sociedade o
do conteúdo e da forma de ensinar e aprender na escola, con- eixo central de sua estruturação. Assim como o conhecimen-
234 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 235
to, o currículo é uma produção humana, tecido no bojo das dos pelos seus critérios de promoção. Com efeito, parece-nos
relações sociais, portanto, constitui-se como um campo de crucial que as ações no currículo leve os educadores a pensar
contestação, uma arena política (MOREIRA; SILVA, 1994). no papel que os sujeitos estão assumindo nessa construção
Para Apple (1994), o currículo não é um conjunto neutro político-pedagógica, visto que, na proposta de flexibilização,
de conhecimentos repassados na sala de aula no cotidiano por meio das adaptações curriculares, não se trata de cons-
das escolas. Ele é parte de uma “tradição seletiva”, em que o truir um currículo novo, mas operacionalizar, “[...] um currí-
conhecimento legítimo a ser transmitido é definido por um culo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que aten-
grupo. O currículo é, portanto, “[...] um produto das tensões, da realmente a todos os educandos” (BRASIL, 1998, p. 33).
conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que Em face do exposto, faz-se necessário mais que refor-
organizam e desorganizam um povo.” (APPLE, 1994, p. 59). mas instrumentais, uma mudança radical nas bases que sus-
Para Goodson (1995) o currículo é uma palavra-chave, tentam e delineiam o currículo escolar, ainda profundamente
exatamente, por ser um campo de reprodução social. Desse marcado por concepções apriorísticas e deterministas do ser
modo, “[...] os conflitos em torno da definição do currículo humano e de suas possibilidades de aprendizagem e desen-
proporcionam uma prova visível, pública e autêntica da luta volvimento. Esse posicionamento consiste em questionar os
constante que envolve as aspirações e objetivos de escolariza- padrões que aprisionam as pessoas em categorias que validam
ção.” (GOODSON, 1995, p. 105). científica e socialmente os problemas na aprendizagem esco-
Em face dessa compreensão, sem querer desqualificar o lar, identificados nos alunos, cujo estatuto de verdade, limita
papel que as adaptações curriculares têm no planejamento do ou nega outras formas de ser, fazer, pensar, aprender, sentir e
ensino, é mister considerar que a discussão e proposição de se expressar, como é o caso dos alunos com NEE.
alternativas pedagógicas inclusivas, não se limita a viabiliza- Os sujeitos implicados nessa problemática devem ter
ção de ações didáticas, concebidas como estratégias e critérios na operacionalização do seu direito à educação, não somente
a serem definidos pelo professor (BRASIL, 1998). O ato de oportunidades de inserção institucional e socialização, como
adaptar, ajustar, adequar o currículo para atender às diferen- também o acesso ao saber sistematizado, oriundos dos diver-
ças individuais dos alunos, encerra uma representação do que sos campos do conhecimento científico e social, proporcio-
o aluno é capaz de aprender na escola, pressupõe a seleção do nando múltiplas e significativas relações com o mundo, com
patrimônio cultural a ser apropriado, em condições e “dosa- os outros e consigo.
gens” específicas. Então, nos cabe pensar que possibilidades brotam des-
Historicamente, a estrutura e organização da escola fo- sas reflexões, diante da oportunidade que as adaptações cur-
ram direcionadas, exclusivamente, àqueles alunos com condi- riculares permitem de acesso e participação no currículo da
ções cognitivas, físicas, emocionais e sociais de corresponder educação básica, tentando ampliar a questão para além do
exitosamente às expectativas materializadas nos mecanismos caráter meramente burocrático e instrumental dessas ações.
pedagógicos, conduzindo ao fracasso os alunos descredencia-
236 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 237
Que Possibilidades de Participação e Aprendizagem podem Ser Geradas yyA atenção e as ajudas pedagógicas individualizadas fun-
para os Alunos com NEE? cionam como estratégias importantes para a promoção da
aprendizagem de todos os alunos, não somente dos alunos
Após as reflexões introduzidas sobre o currículo e a com NEE, sem que isso signifique isolamento e distancia-
educação dos alunos com NEE, no contexto das políticas in- mento da participação em atividades e momentos coletivos;
clusivas, precisamos pensar em possibilidades de ações peda- yyAs ações didáticas devem ser a expressão de um projeto pe-
gógicas na escola, devendo ter clareza a respeito de algumas dagógico centrado nas necessidades do aluno e no compro-
questões importantes: misso com sua aprendizagem e desenvolvimento socioedu-
cacional na escola, e, jamais, podem ser um mero expediente
yyAs necessidades educacionais dos alunos convertem-se em para ocupar o aluno, evitando que o mesmo atrapalhe a aula;
especiais, exclusivamente, porque todo o aparato epistemo- yyAs atividades individualizadas devem ser produzidas dentro
lógico e didático-pedagógico da escola desconsidera em sua da proposta curricular do ano/série em que o aluno está
gênese e organização as múltiplas estratégias e possibilida- matriculado, considerando as peculiaridades do aluno e as
des de aprendizagem das pessoas. Desse modo, o currículo exigências marcadas no currículo escolar;
tem sido um espaço improvável para contemplar os distintos yyAs adaptações curriculares não se configuram como seleção e
sujeitos e suas formas de ser relacionar com o conhecimento aplicação de qualquer atividade para o aluno fazer na sala de
e com o mundo; aula, dissociando-a dos objetivos e conteúdos curriculares;
yyAs ações pedagógicas, com ênfase nas adaptações curricula- yyDevem ser implicados nas adaptações curriculares todos os
res, implicam diretamente o trabalho do professor (BRASIL, elementos constitutivos do plano curricular e de ensino, evi-
1998), como também os outros profissionais da escola, exi- tando a supervalorização das estratégias e recursos didáticos
gindo, inclusive, uma articulação profunda entre o ensino desarticulados das definições dos objetivos, conteúdos e da
comum e o atendimento educacional especializado; avaliação da aprendizagem, considerando todas as áreas do
yyO trabalho pedagógico da escola precisa ser organizado ten- conhecimento.
do em vista a inserção dos questionamentos que a aproxima-
ção com este universo novo de ensino e aprendizagem traz à Para tanto, o delineamento político-pedagógico para a
experiente trajetória excludente da escola. É vital aprender concretização dessas ideias deve partir de um ato consciente,
com as fragilidades, as precariedades, o desconhecimento, a critico, reflexivo e coletivo dos segmentos da comunidade es-
incompetência e a deficiência do sistema de ensino diante colar, com destaque para os professores, gestores e técnicos,
da alteridade; frente aos desafios da prática pedagógica interpelada pela al-
yyFocar o olhar nas possibilidades de aprendizagem dos alu- teridade materializada nos alunos. Antes de ser uma imposi-
nos do que meramente em suas limitações, caracterizadas ção que orienta práticas padronizadas, o trabalho pedagógico
socialmente como incapacidades; comprometido com a educação dos alunos com NEE, precisa
238 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 239
se inscrever na historicidade e nas construções dos sujeitos e sam quando estão envolvidos em situações mobilizadoras da
das instituições escolares, que devem encontrar o caminho e aprendizagem escolar. As leituras e interpretações a respei-
os mecanismos mais adequados à assunção das demandas e to do processo de aprendizagem do aluno, que é singular,
exigências criadas nesse novo contexto. É salutar que os edu- dinâmico e transgressor, deverão marcar decisivamente a
cadores sejam sujeitos e se reconheçam partícipes de uma luta construção de um projeto pedagógico, em que as atividades
árdua, complexa, contraditória, porém legítima no enfrenta- planejadas sejam a expressão de oportunidades concretas de
mento das injustiças sociais, que passam pelo chão da escola. acesso, e apropriação dos conhecimentos e saberes escolares,
Com central importância devemos considerar que o alu- de acordo com as possibilidades dos alunos.
no, também como os professores, precisa ser prestigiado, de Deve-se, contudo, ter clareza que o limite e as caracte-
forma digna e ativa, como sujeito de seu processo de aprendi- rísticas dessas possibilidades têm relação direta com as limi-
zagem escolar, engajados em oportunidades que permitam a tações da escola para responder pedagogicamente às pecu-
clareza e a participação nas decisões pedagógicas planejadas. liaridades e demandas de aprendizagem dos alunos. Logo, a
Para González Rey (2006), sem o posicionamento da pessoa avaliação do que o aluno é capaz de aprender, depende de
como sujeito o desenvolvimento não ocorre, naturalizando uma análise crítica e criteriosa das condições, dos mecanis-
operações externas a ele, sem implicá-lo e, portanto, envol- mos, dos meios e dos profissionais que fazem a escola, sob
vê-lo. Sobre a emergência do sujeito, González Rey (2006, pena das possibilidades de aprendizagem dos alunos serem
20°9) assevera que esse processo se dá na provocação, que negadas ou se tornarem muito restritas.
instiga e ajuda a definir um caminho, de modo compartilhado. A avaliação (formal e informal) assume um papel es-
Importa mencionar que essa compreensão do processo truturante na organização do trabalho pedagógico da escola,
de aprender se aplica a qualquer pessoa em situação de apren- porque tem a capacidade de gerar informações que orientam
dizagem, e ganha maior relevância quando pensamos sobre os a tomada de decisões dos gestores e professores, frente à (in)
alunos em condições de desvantagem na escola, como é caso capacidade do aluno de aprender e obter êxito na escola. Des-
dos alunos com NEE. Assim, a experiência pedagógica deve se modo, a avaliação precisa ser constantemente avaliada, para
ser orientada por uma prática reflexiva e compartilhada pelo que seja capaz de provocar reflexões a respeito das dimensões
diálogo entre alunos e professores, reconfigurando o papel ética e política da prática educativa. Sobre essa questão, Es-
que eles ocupam no espaço social da escola. teban (2002) ressalta que a reflexão sobre a avaliação só tem
A aprendizagem deve ser o ponto de partida da ação sentido se estiver atravessada pela reflexão sobre a produção
pedagógica do professor, que para organizar as oportunida- do fracasso/sucesso escolar no processo de inclusão/exclusão
des de seu desenvolvimento, precisa produzir ajudas pedagó- social.
gicas coerentes com as necessidades educacionais dos alunos. A partir de uma avaliação que produz informações re-
Isso somente torna-se possível se houver esforços relaciona- lacionadas ao aluno, à família, à escola e ao contexto social,
dos à compreensão dos processos pelos quais os alunos pas- de forma articulada, reflexiva, generativa, contínua, pode-se
240 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 241
então, construir os caminhos pelos quais o processo de ensi- Referências
no conduzirá a aprendizagem escolar dos alunos com NEE.
Esses caminhos se materializam na seleção e definição dos ALMEIDA, D. B. Do especial ao inclusivo? Um estudo da proposta
objetivos a serem atingidos e, por consequência, na escolha de inclusão escolar da rede estadual de Goiás, no município de Goiâ-
e abrangência/profundidade dos conteúdos a serem aprendi- nia. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação, Universida-
dos, na perspectiva metodológica em que os procedimentos e de Estadual de Campinas, São Paulo, 2003.
recursos didáticos estarão cimentados. APPLE, M. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA,
A. F.; SILVA, T. T. de (Orgs). Currículo, cultura e sociedade. São
Considerações Finais Paulo: Cortez, 1994.
ARROYO, M. Introdução: Os coletivos diversos repolitizam a
Diante do exposto, compreendemos que os esforços formação. In: DINIZ-PEREIRA, J. E.; LEÃO, G. Quando a di-
dos educadores em rever os significados e sentidos que o vin- versidade interroga a formação docente.Belo Horizonte: Autêntica
culam a tarefa de educar os alunos com NEE na escola, de- Editora, 2008.
vem considerar, com gravidade, que as decisões sobre o que, BRASIL. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessida-
para que, por que, como ensinar/aprender, além de ser um des educativas especiais. CORDE. Brasília – DF, 1994.
ato técnico-pedagógico, é um posicionamento epistemológico, BRASIL. Lei N° 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
com profunda implicação político-social. Nacional. Brasília: Ministério da Educação – Imprensa oficial,
O ritual de organização pedagógica, expressa, indubita- 1996.
velmente, a relação que a escola, por meio do planejamento BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações curricu-
curricular e de ensino, cria entre o conhecimento/saber es- lares: estratégias para educação de alunos com necessidades educacio-
colar e os alunos com NEE. Assim, ao designarmos a parti- nais especiais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto;
cipação dos alunos com desenvolvimento atípico no projeto Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
pedagógico da escola, estamos contribuindo diretamente com BRASIL. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação
a efetivação de um projeto de sociabilidade e formação da básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001.
cidadania dessas pessoas. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial numa Perspectiva
Por último, mas não por fim, porque o presente texto se Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.
propõe a aquecer e alimentar essa discussão que está apenas ESTEBAN, M. T. O que sabe quem erra? Reflexões sobre avaliação e
começando, queremos dizer que toda e qualquer intervenção fracasso escolar. 3ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
curricular e pedagógica voltada aos alunos com ou sem NEE, FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz
deve ser um convite a pensarmos o nosso papel no projeto e Terra, 1976.
histórico vigente (e vigoroso) na sociedade. GONZÁLEZ REY, F. L. O sujeito que aprende: desafios do
desenvolvimento do tema da aprendizagem na psicologia e
242 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 243
na prática pedagógica. In: TACCA, M. C. V. R. (Org.). Apren- OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: pre-
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244 d GEANDRA CLÁUDIA SILVA SANTOS A QUESTÃO DO CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR INCLUSIVA: NOTAS PARA O DEBATE d 245
A IMPORTÂNCIA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO necessárias para sua efetiva aprendizagem. O documento se
(AEE) PARA A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS COM DEFICIÊNCIA propõe ainda garantir a formação de professores e demais
profissionais para atuarem a favor da inclusão escolar, possibi-
Maria Angélica Pires de Souza litando oportunidade aos educadores de buscarem qualifica-
Maria Stela Oliveira Costa
ção para o exercício da docência no Atendimento Educacional
Telma Regina Pessoa Holanda
Especializado – AEE.
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus Neste processo, o AEE é a mais expressiva diretriz da
sujeitos apesar das diferenças que o conotam, não se reduzem Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, uma vez que sina-
à condição de objeto, um do outro. (FREIRE, 2007). liza um serviço que potencializa a formação do aluno com de-
ficiência, contribuindo para a remoção de barreiras impostas
Introdução pela escola comum que limitam sua aprendizagem, indicando
um caminho que aponta não apenas para a universalização do
As dificuldades enfrentadas pelos sistemas de ensino acesso ao ensino, mas a uma educação de qualidade, o que só
em suas tentativas de viabilizar a educação para todos, deixam se torna possível quando se leva em conta as especificidades
claro que ainda é necessário combater as práticas discrimina- dos alunos.
tórias que permeiam o interior das escolas, criando alternati- Diante de tais argumentações, acreditamos ser neces-
vas para tentar superá-las no intuito de garantir este direito sário dialogar sobre o AEE, no que diz respeito à definição,
estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Neste cená- funcionamento, organização, estratégias educacionais, ligação
rio, a Educação Inclusiva vem assumindo um espaço central com a escola comum e ainda acerca da formação de profes-
nos debates em favor de diversos grupos que ao longo da sores para atuação neste campo profissional. O presente ar-
história humana vem sofrendo processos de discriminação e tigo objetiva realizar informações acerca deste novo espaço
segregação. educacional que se propõe acolher o aluno com deficiência,
A Educação Inclusiva é fruto de um movimento mun- implementando as condições necessárias para que este, em
dial em defesa do direito de todos os alunos, indistintamen- igualdade de condições com seus pares, sejam sujeitos partíci-
te, poderem atuar juntos, aprendendo e se desenvolvendo, pes da construção de seus conhecimentos.
através de participações efetivas que possibilitem o reconhe-
cimento e a valorização da diversidade. Atendimento Educacional Especializado: Definição, Papel do AEE e
No intuito de contribuir para alavancar o processo in- Funcionamento
clusivo, a publicação da Política Nacional na Perspectiva da
Educação Inclusiva traz em seu bojo, orientações aos sistemas Uma das inovações trazidas pela Política Nacional de
de ensino, visando garantir não só o acesso de todos os alu- Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
nos às turmas do ensino comum como oferecer as condições (2008) é o AEE, que é um serviço da Educação Especial,
rantir a qualidade deste atendimento uma vez que para traba- 6. Desenvolver atividades próprias do AEE, de acordo
com as necessidades educacionais específicas dos alu-
lhar com a inclusão e com os alunos que freqüentam este aten- nos: ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras para
dimento, deve-se adequar a nova realidade educacional, através alunos com surdez; ensino da Língua Portuguesa escrita
de uma especialização. Portanto, segundo o artigo no 18, § 2° e para alunos com surdez; ensino da Comunicação Au-
3o da Resolução do CNE/CEB 2/2001, o professor de AEE de- mentativa e Alternativa – CAA; ensino do sistema Braille,
do uso do soroban e das técnicas para a orientação e
verá ter formação específica, adquirida por meio de cursos de mobilidade para alunos cegos; ensino da informática
graduação, pós-graduação ou cursos de formação continuada. acessível e do uso dos recursos de Tecnologia Assistiva
Constituem atribuições do professor do AEE: – TA; ensino de atividades de vida autônoma e social;
orientação de atividades de enriquecimento curricular
1. Elaborar, executar e avaliar o Plano de AEE do aluno, para as altas habilidades/superdotação; e promoção de
contemplando: a identificação das habilidades e neces- atividades para o desenvolvimento das funções mentais
sidades educacionais específicas dos alunos; a definição superiores. (BRASIL, 2010, p. 4-5).
e a organização das estratégias, serviços e recursos
pedagógicos e de acessibilidade; o tipo de atendimento Segundo o texto da Política de Educação Especial, na
conforme as necessidades educacionais específicas dos Perspectiva Inclusiva (2008), o professor que vai atuar no
Pesquisa e Estágio
na Formação de Professores
PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO
CONTEXTO INCLUSIVO
Introdução
292 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 293
De acordo com Edler (2010, p.122) “As buscas de qual- sador. Não só se prender a esse argumento, Minayo (2011)
quer aluno são importantes e todos os achados são contri- acrescenta que o tema deve se apresentar com relevância so-
butivos na (re) construção do conhecimento respeitando os cial e acadêmica, se há fontes de pesquisa sobre ele.
ritmos e as modalidades de aprendizagem de cada um”. A partir da escolha do tema e sua contextualização vem
Ao iniciar atitudes científicas é necessário desenvolver à pergunta científica ou o problema que deve ter algumas
algumas competências. Furman (2010, p.30) orienta para esse características, segundo Gil, citado por Minayo (2011, p.41):
início. a) deve ser formulado como pergunta. Esta maneira
Pode-se começar com competências mais simples, como parece ser a mais fácil para se formular um problema,
a observação, a descrição, a classificação e a formula- além do que facilita sua identificação por quem consulta
ção de perguntas. Num segundo momento, abordar as o projeto de pesquisa.
que estão mais próximas do pensamento hipotético- b) o problema deve ser claro e preciso.
-dedutivo, como a realização de experiências, a análise c) deve ser delimitado a uma dimensão viável. O pro-
dos dados e a elaboração de conclusão. blema às vezes é formulado de maneira muito ampla,
impossível de ser investigado.
Aprender a pensar de forma científica é desenvolver a
capacidade de apurar a percepção sobre a realidade, ou seja, Embora seja difícil a elaboração do problema, ele é a
pensar sistemática e metodicamente sobre o que se vê. Nes- essência do projeto, primeira etapa da pesquisa.
te sentido a pesquisa contribui ampliando esse olhar para a Outra etapa dessa caminhada é desenvolver habilidade
construção da realidade. de localizar informações e interpretá-las. As informações po-
Minayo (2011, p.16) comunga com essa ideia: dem ser reconstruídas a partir da pesquisa bibliográfica e do-
[...] é a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a cumental, como também, na pesquisa empírica ou de campo
atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora (estudo de caso, pesquisa-ação, pesquisa participante).
seja uma prática teórica a pesquisa vincula pensamento O diálogo com os autores possibilita a autoria, sem
e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um deixar de parafrasear e também colocar citações diretas no
problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um
problema da vida prática. [...].
sentido de fortalecer o argumento do pesquisador. Quanto
mais insistente esse diálogo com os autores mais independen-
Daí a importância dessa observação da prática de for- te você vai ficando e efetivamente se tornando autor. Além
ma mais questionadora, para começar a delinear um possível disso, a informação buscada no campo possibilita um apro-
tema que passa a ser alimentado no cotidiano do profissional, fundamento entre teoria e prática.
até despertar realmente o interesse da investigação. Sobre a importância do campo pode-se encontrar em
Há um consenso entre os autores que para organizar Minayo essa reflexão:
uma situação de pesquisa, o primeiro passo é definir o tema
Pela sua importância, o trabalho de campo deve ser
que deve ser investigado partindo do interesse do pesqui- realizado a partir de referenciais teóricos e também de
294 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 295
aspectos operacionais. Isto é, não se pode pensar num teúdo como uma ferramenta mais utilizada na interpretação
trabalho de campo neutro. A forma de realizá-lo revela do conteúdo de um texto que se desenvolve e decompõe em
as preocupações científicas dos pesquisadores que se-
palavras, termos ou frases significativas de uma mensagem.
lecionam tanto os fatos a serem observados, coletados
e compreendidos como o modo como vai recolhê-los. Segundo Costa; Costa (2012, p.77):
Esse cuidado é necessário porque o campo da pesquisa A reprodução de textos parcial ou total, já publicados,
social não é transparente e tanto o pesquisador como como: impresso, mídia digital, internet, entre outros,
os seus interlocutores e observados interferem no co- sem a devida citação da fonte não é ético, além de ser
nhecimento da realidade. Essa interferência faz parte considerado crime, de acordo com a Lei do Direito
da própria natureza da pesquisa social que nunca é Autoral (Lei n. 9610, de 19 de fevereiro de 1998).
neutra. (2011, p.63).
Em se tratando de pesquisa, o pesquisador necessita
É recomendável, portanto, ao definir um objeto de es-
estar atento e planejar a metodologia, que significa o cami-
tudo que comece de imediato a fazer um levantamento biblio-
nho a seguir e se apresenta como possibilidade qualitativa ou
gráfico, pertinente ao tema escolhido. Na medida em que as
quantitativa. É preciso que se conheça e escolha instrumentos
leituras vão sendo assimiladas, surge a necessidade de afuni-
e métodos adequados, pensando no que pretende coletar e
lamento dos conteúdos. Nesse processo vai se percebendo as
categorias teóricas que podem ser definidas primeiramente a verificar.
partir de percepções do pesquisador sobre a realidade a ser Minayo sugere nessa reflexão quando esclarece:
estudada, ou posteriormente já com os dados disponíveis. A definição da metodologia requer dedicação e cuidado
Segundo Oliveira (2005, p.93) do pesquisador. Mais que uma descrição formal dos mé-
todos e técnicas a serem utilizados, indica as conexões e
[...] categoria está relacionado à classificação ou mais a leitura operacional que o pesquisador fez do quadro
precisamente, a um argumento de elementos que são teórico e de seus objetivos de estudo (2011, p.46).
sistematizados pelo pesquisador (a) após a pesquisa
de campo ou durante a análise de conceitos em livros A pesquisa qualitativa busca na sua essência compreen-
didáticos, textos e documentos. der o contexto onde o fenômeno ocorre, voltando-se para o
A interpretação de textos, por sua vez é a atividade mais processo e seu significado.
recorrente numa pesquisa. Através do contato com o objeto Segundo Canzonieri (2010, p.38) a modalidade quali-
textual se aprende determinado conteúdo que fundamenta o tativa se apoia em seis pilares importantes:
tema em estudo.
Os textos mais utilizados em pesquisa são documentos a) a busca da compreensão, da significação do fenômeno em
escritos nos seguintes portadores: livro, jornal, revista, artigos, si mesmo.
histórias de vida, dissertações, monografias, teses, transcrições b) o sujeito é o objeto da pesquisa, não há variáveis ou com-
de conferências ou relatos de entrevistas, questionários (CHI- parações entre grupos, há a significação dada pelo sujeito
ZZOTTI, 2008). O referido autor apresenta a análise de con- ou grupo.
296 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 297
c) o pesquisador faz parte do processo de pesquisa, suas ob- opção do método vai ser o problema que o pesquisador inves-
servações, manifestações, percepções e conhecimentos sobre tiu e decidiu investigar.
o tema pesquisado são de extrema importância e relevância Nesse movimento de compreensão da realidade social
para a realização da pesquisa. e aproximação do objeto de estudo Canzonieri (2010) e Oli-
d) a metodologia qualitativa trata exclusivamente de signi- veira (2005) apresentam os seguintes métodos de pesquisa:
ficados e processos e não de medidas, os resultados são dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético, fenomeno-
apresentados de forma descritiva, explicativa e não numérica. lógico e estudo de caso.
e) a validade ocorre por intermédio da descrição precisa da De acordo com as autoras citadas o método dedutivo
aproximação do pesquisador com o fenômeno. tem sido o mais aplicado ao longo da história, sendo bastante
f) a generalização se torna possível a partir da construção do utilizado na física e na matemática. A natureza da investigação
conhecimento, leva a pensar a refletir sobre os dados en- deve ser quantitativa, porque exige uma cadeia de raciocínio
contrados. O fenômeno pesquisado revela algo que instiga em ordem descendente de análise, do geral para o particular,
o pesquisador para a busca de novos conhecimentos. levando a uma conclusão final com possibilidades de genera-
lizar o resultado obtido.
Nessa modalidade de pesquisa se reduz a distância O método indutivo apresenta uma proposta contrária
entre a teoria e os dados entre o contexto e a ação possibi- ao método dedutivo, partindo do particular (micro) para a
litando a compreensão dos fenômenos através da descrição generalização (macro). É uma ferramenta que conduz o (a)
e interpretação. Dessa forma, são imprescindíveis que as ex- pesquisador (a) a observar a realidade, para fazer seus expe-
periências do pesquisador sejam elementos importantes na rimentos e tirar suas conclusões. Usa-se bastante nas ciências
análise e compreensão dos fenômenos estudados. (TEIXEI- em geral. A abordagem para a investigação também é quanti-
RA, 2008). tativa porque pede quantificação dos resultados para o proce-
Na abordagem quantitativa o pesquisador apresenta dimento da generalização.
uma descrição e análise objetiva da experiência, se distancian- Do mesmo modo o método hipotético-dedutivo apre-
do do fenômeno pesquisado (CANZONIERI, 2010). A referi- senta uma aceitação maior no campo da ciência. Esse método
da autora acrescenta: parte de um problema da realidade empírica, levanta hipóte-
[...] o uso da linguagem matemática ou estatística confere ses, que são testadas pela experimentação para chegar a deter-
segurança para provar uma realidade frente às hipóteses minadas conclusões. Para esse método as verdades científicas
formuladas. O objetivo é revelar dados indicadores e devem ser avaliadas, objetivamente independente do obser-
observações que promovam medidas confiáveis e sem vador. É utilizado na abordagem quantitativa porque pede
vieses. (2010, p. 37).
quantificação dos resultados.
Em síntese, não existe superioridade entre as aborda- Os métodos da abordagem qualitativa se caracterizam
gens qualitativa e quantitativa porque quem vai direcionar a pela preocupação do significado dado ao contexto compreen-
298 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 299
dendo e respeitando suas particularidades. O método dialé- O que pesquisar? (definição do problema, hipóteses,
tico que significa forma de discutir e debater é aplicado com base teórica e conceitual).
muita frequência nas pesquisas qualitativas porque não quan- Para que pesquisar? (propósitos do estudo, seus ob-
tifica como também, favorece a aproximação dos sujeitos. As jetivos).
observações importantes surgem do contexto pesquisado e Por que pesquisar? (justificativa da escolha do problema).
não dos dados numéricos. Como pesquisar? (metodologia).
O método fenomenológico significa mostrar-se a si Por quanto tempo pesquisar? (cronograma de execução).
mesmo. A fenomenologia trata de descrever fatos e não é seu Com que recursos? (orçamento).
foco a busca da verdade absoluta e definitiva. O fenômeno
A partir de quais fontes? (referências). (2011, p.38 e 39).
está em constante movimento, daí poderá ser (re) investigado
e obter uma nova interpretação. Não necessita de quantifica- Depois da escolha do tema é pensar nos objetivos que
ção, o resultado provém a partir da visão do pesquisador que servem para direcionar a ação do pesquisador e para definir a
se apoia no discurso do pesquisado. natureza do trabalho. Segundo Gonçalves (2003) é necessá-
Um dos métodos mais utilizados na pesquisa qualitativa rio distinguir os objetivos em geral e específicos. O objetivo
é o estudo de caso. Tem como objetivo compreender os fenô- geral é mais amplo e da conta de toda a questão da pesquisa,
menos sociais com profundidade, a fim de buscar explicações definindo o que se pretende alcançar com a realização do es-
para determinado fato ou fenômeno da realidade empírica. tudo. Os objetivos específicos são considerados secundários e
Na metodologia estão presentes as técnicas que são uti- definem aspectos mais específicos que contribuem para alcan-
lizadas para obter dados do contexto ou fenômeno pesquisa- çar o objetivo geral.
do. Matos e Vieira (2002) apresentam as seguintes técnicas: Segundo Minayo (2011, p.45):
observação, questionário e entrevista. Cada procedimento tem A utilização de verbos no infinitivo para a descrição
suas variações. dos objetivos deixa claro que estamos tratando das
ações de investigação propriamente ditas. Os objetivos
serão o guia para a escolha e construção dos métodos
Iniciação à Pesquisa Científica: o projeto de pesquisa e instrumentos. Espera-se que o desenho metodológico
viabilize a realização de cada um dos objetivos.
A partir dessas reflexões sobre a pesquisa científica
O quadro de verbos para a elaboração dos objetivos
apresenta-se com base em Minayo (2011), a sequência do é orientação de Santos. Os estágios cognitivos possibilitam
projeto de pesquisa, sendo que a primeira etapa da investiga- atividades intelectuais.
ção se caracteriza como um planejamento do que se pretende
fazer em relação ao estudo. Para a autora os elementos cons-
titutivos de um projeto de pesquisa seguem essa sequência:
300 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 301
Conheci- Compre- Aplicação Análise Síntese Avaliação próprio texto. A partir de quatro linhas coloca-se ano da pu-
mento ensão blicação, página, espaçamento simples entre linhas e a fonte
conhecer compre- aplicar de- analisar compor argumen-
definir ender, senvolver comparar construir tar avaliar diminuída, com recuo de quatro centímetros.
apontar concluir empregar criticar especificar contrastar, As paráfrases ou citações indiretas reproduzem ideias
citar deduzir estruturar debater esque- decidir
classificar demons- operar diferenciar matizar escolher
das fontes consultadas sem, no entanto transcrever o texto.
descrever trar de- organizar discri- formular estimar Não há necessidade de aspas e nem recuo. Coloca-se a fonte
identificar terminar praticar minar produzir julgar e data da publicação.
reconhecer diferenciar selecionar examinar propor medir
relatar discutir traçar investigar reunir selecionar Quanto à formatação, o texto deve ser digitado em pa-
interpretar averiguar sintetizar pel branco e impresso na cor preta, com exceção das ilustra-
localizar provar
ções. Recomenda-se para digitação a adoção de fonte 12, em
reafirmar
Fonte: (SANTOS, apud GONSALVES, 2003, p.57). espaço 1,5, configurado com as seguintes margens: esquerda
3,0 cm, direita 2,0 cm, superior 3,0 cm e inferior 2,0 cm.
Na metodologia se ressalta o espaço (local) que se reali- Na escrita do trabalho é, de grande valia, ter a dispo-
zará o estudo, as pessoas que farão parte da pesquisa. De acordo sição os principais conectivos que produzem ligações lógicas
com Gonsalves (2003, p.69) “os sujeitos da pesquisa se referem entre os parágrafos, alguns dos quais destacamos:
ao universo populacional que você privilegiará as pessoas que
fazem parte do fenômeno que você pretende desvelar”. a) adição: e, mais, além disso, também, em adição, some-se a isso,
Após esse percurso metodológico, é importante a or- a propósito, acrescentamos.
ganização do tempo para que o pesquisador não se perca, ou b) conclusão ou consequência: portanto, assim, dessa forma,
concluindo, em resumo, então, por isso, desse modo, enfim,
seja, organizar um cronograma das atividades a serem realiza-
por outro lado, ao passo que, dessa feita.
das. Para essa etapa Gonsalves (2003) e Michaliszyn (2009)
c) contraste ou concessão: mas, porém, entretanto, todavia, ao
sugerem um cronograma com as seguintes fases: revisão bi-
contrário, ao invés de, ainda que, por outro lado, ao passo que.
bliográfica, montagem do projeto, elaboração dos instrumen- d) espaço: ao lado de, sobre, sob, à direita, no centro, no fundo.
tos de pesquisa, coleta dos dados, análise do material coleta- e) exemplificação: por exemplo, isto é, como, decerto, provavel-
do, elaboração do relatório final, revisão do texto, entrega do mente, o referido.
trabalho final e apresentação. f) reafirmação ou resumo: em outras palavras, em resumo, de
Outras orientações necessárias como citações diretas fato, em síntese, na verdade, efetivamente, realmente.
e indiretas precisam ser lembradas. Citações são pensamen- g) semelhança e ênfase: do mesmo modo, igualmente, dessa
tos, conceitos, definições retirados das publicações consulta- forma, assim.
das com objetivo de esclarecer, fortalecer os argumentos do h) tempo: assim que, em seguida, até que, quando, por fim, depois,
pesquisador. As citações diretas reproduzem o texto original; antes que, de repente, mais adiante, durante, após.
até três linhas coloca-se ano da publicação e aspas dentro do Fonte: Inácio Filho (2007, p.121).
302 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 303
O Projeto de Pesquisa que é apresentado na Disciplina: Nesse espaço de inclusão, a pesquisa como estratégia
Metodologia do Trabalho Científico propõe-se que tenha as voltada para fundamentar o processo de ensino-aprendizagem
seguintes etapas: capa, folha de rosto ou folha de apresenta- vai se efetivando cada vez mais; de fato, no contexto inclusivo,
ção, sumário, introdução, pressupostos teóricos, metodologia, se espera que o profissional desenvolva várias habilidades e
cronograma, referências. saberes pertinentes às exigências atuais. É preciso que o pro-
fessor saiba renovar, reconstruir, cultivar a consciência crítica
O Professor e Sua Formação na Pesquisa como também saber intervir, adaptar situações de aprendiza-
gem, de conteúdos.
O professor passa a ser muito exigido em sua prática,
A formação do professor há muito vem sendo questio-
por isso, precisa desenvolver novos conhecimentos que favo-
nada. Destacando, os reclamos constantes sobre sua qualida-
reçam a compreensão da diversidade, do mesmo modo faça
de notadamente no contexto inclusivo. Dessa forma, pensar
suas intervenções refletindo sobre sua prática. Diante disso,
em formação, exige um olhar ampliado para muitas vertentes
a pesquisa se apresenta como estratégia que o mantém atu-
tais como: criar condições para o docente apurar sua visão da alizado às condições de vida e trabalho, possibilitando uma
realidade que o cerca passando a observar, questionar e redi- formação investigativa e questionadora. Nesse movimento seu
mensionar seu cotidiano. pensamento fica mais flexível e aberto a novas perspectivas.
Zaccur; Esteban, (2002, p.21) contribuem para essa re- Edler reforçando a importância da pesquisa em sala de
flexão: aula apresenta alguns itens que podem ser objetos do estudo
[...] tal movimento só se torna concreto através do per- de caso no espaço inclusivo:
manente diálogo prática-teoria-prática. A prática sinaliza [...] um determinado aluno com necessidades especiais
questões e a teoria ajuda a apreender estas sinalizações, (deficientes ou não) que se deseja conhecer melhor,
a interpretá-las e a propor alternativas, que se trans- sua família, a escola que frequenta sua sala de aula, a
formam em novas práticas, portanto, ponto de partida prática pedagógica adotada por sua professora, o sis-
para novas indagações, alimentando permanentemente tema educacional no qual a escola se insere, a gestão
processo reflexivo que motiva a constante busca pela político-administrativa da escola, dentre outros exem-
ampliação dos conhecimentos de que se dispõe. plos (2010, p.133).
O recorte que se faz dessa leitura evidencia a importân- São várias as possibilidades para se aplicar o método
cia da pesquisa como uma possibilidade que contribui na for- de estudo de caso, além do que a referida autora citou. Pode-
mação do professor. Em relação a esse aspecto, Demo (2009) -se fazer um estudo sobre como tem sido o processo de ava-
aponta a pesquisa como instrumento de emancipação e liber- liação dos discentes que apresentam deficiência e que estão
tação do professor porque somente sendo autor ele consegue no ensino comum, outro estudo pode ser voltado para as
intervir na realidade, enfrentando problemas reais, além disso, salas de recursos multifuncionais (SRM) com o atendimento
possibilitando vivenciar um ambiente de verdadeiros sujeitos. especializado.
304 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 305
A propósito, o mundo contemporâneo, apresenta mui- rozo da. Projeto de pesquisa: entenda e faça. 3. Ed. Petrópolis,
tas oportunidades para se levantar questões e pensar sobre o RJ: Vozes, 2012.
processo de inclusão em toda a sua dimensão. DEMO, Pedro. Coleção Educação pela Pesquisa. Belo Horizonte:
CEDIC, 2009.
Considerações Finais ______. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 2004.
Finaliza-se o estudo mostrando que a pesquisa cientí- ______. Ser Professor é cuidar que o aluno aprenda. Porto Alegre:
fica é um instrumento que exige um olhar questionador em Mediação, 2004.
relação à realidade exigindo para sua execução um procedi- EDLER, Carvalho Rosita. Escola Inclusiva: a reorganização do
mento metodológico. trabalho pedagógico. 3. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010.
A pesquisa contribui muito na formação do professor FURMAN, Melina. Mais que conceitos é preciso ensinar atitudes
que irá trabalhar no espaço de diversidade, porque oportu- científicas. In Nova Escola, n. 237, novembro, 2010.
niza a reflexão, para melhor compreender o que está sendo GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas Sobre Iniciação à Pesquisa
vivenciado. Científica. 3. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2003.
Além disso, o professor terá condições de reconstruir INÁCIO FILHO, Geraldo. Monografia sem complicações: méto-
novas formas de percepção da realidade revendo suas práticas dos e normas. Campinas, SP: Papirus, 2007.
a partir da vivência com os elementos que constitui o trabalho MATOS, Kelma Socorro Lopes de; VIEIRA, Sofia Lerche. Pes-
científico. quisa Educacional: o prazer de conhecer 2. Ed. rev. E atual.
A vivência cotidiana do professor pesquisador passa a Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
ser um estímulo para os questionamentos, sempre mediado MICHALISZYN, Mário Sergio. Pesquisa: orientações e normas
pela teoria. Nesse movimento o professor vai se transforman- para elaboração de projetos, monografias e artigos científicos.
do, ficando mais seguro, acreditando que ele faz parte da his- 5. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
tória como sujeito ativo para melhor entender o que se passa MINYO, Maria Cecília de Souza.(Org.); Suely Ferreira Des-
em sua sala de aula e redimensioná-la quando for necessário. landes; Romeu Gomes. Pesquisa Social: teoria, método e criati-
vidade. 30ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
Referências OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 2005.
CANZONIERI, Ana Maria. Metodologia da Pesquisa Qualitativa TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciên-
na Saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. cia e da pesquisa. 5. Ed.-Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas ZACCUR, Edwiges; ESTEBAN, Maria Teresa (orgs.). Profes-
e Sociais. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. sora Pesquisadora: uma práxis em construção. Rio de Janeiro:
COSTA, Marcos Antônio F. da; COSTA, Maria de Fátima Bar- DPEA, 2002.
306 d RAIMUNDA CID TIMBÓ PRÁTICA DA PESQUISA: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA REFLEXÃO NO CONTEXTO INCLUSIVO d 307
ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO FACILITADOR NA FORMAÇÃO pecialização em Educação Inclusiva – Universidade Estadual
DOCENTE NO ESPAÇO INCLUSIVO do Ceará – UECE.
Neste sentido, este texto convida-nos a uma reflexão
Raimunda Cid Timbó sobre o estágio, levando em conta o diálogo entre a Universi-
Maria Angelica Pires de Souza
dade e a escola como espaço de inclusão da diversidade.
A formação de professores tem se destacado na contem-
[...] os educandos vão se transformando em reais sujeitos da poraneidade através de estudos e pesquisas que mobilizam
construção e de reconstrução do saber ensinando ao lado do olhares para essa formação tão singular e desafiadora no que
educador, igualmente sujeito do processo. (FREIRE, 1997)
concerne mais diretamente a relação teoria e prática.
Com bases nessas pesquisas, e nas inquietações surgi-
Introdução das pelas experiências como mediadoras do estágio supervi-
sionado oferecido pelo Curso de Especialização em Educação
A crença de que, para ser professor não era preciso ter Inclusiva, do Centro de Educação (CED), da Universidade
preparação profissional perdurou por grande tempo. Muitos Estadual do Ceará (UECE), alguns questionamentos foram
acreditavam em dom para o ofício, a mulher tinha maiores surgindo tais como: Qual a contribuição do estágio no Curso
possibilidades principalmente nas séries iniciais do ensino, e, de Especialização em Educação Inclusiva? e O que poderia
o domínio do conteúdo tão valorizado possibilitou muitas das acrescentar para um estagiário que já exerce a docência?
vezes a admissão de profissionais fora do campo da pedago- As respostas a essas dúvidas podem esclarecer sobre os
gia, e, das licenciaturas que vieram tomar lugar dos profissio- benefícios do estágio que se propõe a oportunizar experiên-
nais do ensino. cias de observação e regência na sala de aula inclusiva.
Como o domínio do conteúdo ainda prevalece nos dias Espera-se que a prática exercitada pelo curso de Espe-
atuais, à formação em conhecimentos pedagógicos continua cialização em Educação Inclusiva possa ser vista como fator
mínima nos cursos de graduação contribuindo para uma prá- de relevância na formação continuada tanto para o docente
tica pedagógica que conduz à insegurança, principalmente no que já se encontra em um espaço de inclusão, como também
início da docência. para aqueles que esperam receber em suas salas de aula, alu-
Diante da realidade e buscando alternativas para a tender nos com necessidades específicas.
a proposta do movimento mundial da educação inclusiva pre-
tende-se mostrar a importância da formação inicial e conti- Considerações sobre Teoria e Prática: um Diálogo Necessário
nuada para atender à diversidade, através de uma reflexão.
Sobre o valor do Estágio Supervisionado como facilitador na O diálogo entre a teoria e a prática é necessário para o
formação docente, no espaço inclusivo, notadamente o estágio desenvolvimento da formação do professor. Segundo Campos
supervisionado proposto pelo Curso de Aperfeiçoamento/Es- (2007) há uma necessidade de romper com a concepção de
308 d RAIMUNDA CID TIMBÓ • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO FACILITADOR NA FORMAÇÃO DOCENTE NO ESPAÇO INCLUSIVO d 309
dicotomia entre teoria e prática. A mesma autora ressalta que cessário nos cursos de formação continuada para o magistério
o estágio supervisionado deve cessar a concepção equivocada (aperfeiçoamento, especialização), pois permite ao professor-
de disciplina “terminal”, ou de aplicação de conhecimento, ou -estagiário refletir sobre sua ação pedagógica de forma mais
seja, o momento de por em prática o que aprendeu durante consistente, haja vista que o profissional já possui uma vi-
o curso traduzido como à hora do confronto, o espaço para a vência, decorrente de experiências, conhecimentos, leituras e
experimentação do que foi aprendido. atitudes acumuladas em sua prática de sala de aula.
Conforme Pereira; Leão (2008, p. 8) “O contato dos Neste sentido, pode-se deduzir que a experiência é
professores com a realidade prática permaneceu (e ainda per- muito importante para o desenvolvimento de novas práti-
manece) confinada ao(s) último(s) ano(s) dos programas de cas possibilitando assim um diálogo mais intenso entre teo-
formação”. Isto significa que, enquanto houver por parte dos ria e prática. Concorda-se ainda com Campos que enfatiza,
estagiários o pensamento de comparar saberes somente no “consequentemente teoria e prática precisam se embricar
momento do estágio essa prática será vista como algo de pe- como forma de viabilizar a dialética ação-reflexão-ação”
nalidade, e, portanto, difícil de ser compreendida no processo (2007, p. 82).
de formação profissional para o magistério. Muitos alunos quando entram no curso de Especializa-
Diante desse impasse cremos ser importante refletir ção em Educação Inclusiva ainda trazem em seu imaginário a
sobre o estágio supervisionado desde o início da formação ideia da educação especial representada pela escola especial
docente, nesse processo de atitude reflexiva o estagiário tem ou sala especial. Essa compreensão nos remete à cultura da
a possibilidade de visualizar práticas do cotidiano da experi- exclusão e repercute em sala no momento em que questionam
ência docente, onde há uma verdadeira explosão de questio- a proposta do estágio ser realizado em sala comum. Essa rea-
namentos levantados pelos alunos em relação às concepções, lidade revela que os docentes estagiários não compreendem
perspectivas, contribuições e dilemas do estágio supervisiona- o valor do espaço inclusivo como ambiente da formação em
do. E a discussão torna-se ainda mais calorosa quando se fala educação inclusiva, pois na atualidade vive-se uma nova práti-
do estágio no espaço inclusivo. ca educacional, onde a diversidade é prioridade.
Com a concepção fragmentada sobre a formação em Ao pensar que a prática atual na formação docente apre-
docência, observa-se que muitos não compreendem ser o es- senta possibilidades para o estágio supervisionado em educa-
tágio curricular supervisionado elemento essencial e de inte- ção inclusiva ser realizado em classe comum, não se descarta a
gração teórico prático, que oportuniza ao estagiário vivenciar resistência dos alunos, devido aos paradigmas já consolidados
uma situação real nas unidades escolares. que não aceitam mudanças, haja vista, existir uma visão limi-
Conforme Fávero (2002) é preciso propor uma concep- tada de inclusão escolar observada ainda no contexto educa-
ção dialética a partir da articulação integrada entre teoria e cional vigente. Pode-se apresentar como exemplo a Política da
prática a ser desenvolvida no processo de formação. Isto nos Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, implantada desde
leva a crer que o estágio é indispensável na graduação e ne- 2008, ainda desconhecida e questionada por muitos profis-
310 d RAIMUNDA CID TIMBÓ • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO FACILITADOR NA FORMAÇÃO DOCENTE NO ESPAÇO INCLUSIVO d 311
sionais da educação causando impedimento para a consoli- Sob esta ótica, o estágio passa a ser um espaço em que
dação de transformações significativas essenciais a proposta o docente cria novos conhecimentos, produzindo assim, uma
inclusiva. formação mais sólida.
De acordo com Campos (2007), o estágio supervisiona- O aluno-estagiário, ganha possibilidades de ir construin-
do é atividade fundamental e significativa porque oportuniza do e experimentando seu papel de professor pesqui-
ao aluno estagiário a vivência do processo teórico-prático, ou sador exercendo sua capacidade de ler a realidade de
seja, a prática sinaliza as questões e, a teoria, facilita apreender visualizar ou detectar as necessidades e, no processo de
reflexão coletiva ir arriscando propostas e alternativas de
estes desafios para interpretá-los propondo alternativas. encaminhamentos. Na perspectiva de um professor em
Não há como deixar de enxergar que a prática é o pon- formação, pesquisando o cotidiano não aprende apenas
to de partida, é a partir dela que surgem as necessidades, os a “fazer”, mas, a “pensar sobre” e “decidir como” de
desafios, como também as possibilidades. forma articulada, ampla, contextualizada. Pois ele não
ficará restrito ou fechado a “sua” docência, na “sua”
Segundo Rian (apud CAMPOS, 2007, p. 84) “o estágio
sala de aula mais vai se envolver com toda a dinâmica
seria a síntese da teoria e da prática vivida experienciada, re- da instituição em que se dá o estágio. (OSTETTO;
vista e aplicada a sua vida profissional”. BATISTA apud CAMPOS, 2007, p. 91)
A formação continuada necessita tanto da prática quan-
Portanto, o estágio supervisionado não se limita apenas
to da teoria, porque é nesse espaço que o profissional renasce
ao fazer, mas objetiva constituir uma atividade de reflexão
para novos olhares, na construção de um ambiente favorável
que busca na teoria o suporte para suas ações.
à compreensão da diversidade, como destaca (LIMA; AROEI-
RA, 2011, p. 117)
O Estágio Superando a Divisão entre Teoria e Prática
O lugar do estágio em nossa vida de professores supe-
ra a limitação da “hora da prática”. Aqui está o início
Os estágios das turmas de Especialização da Educação
de uma profissão. E como somos sempre estagiários
da vida, este é um espaço onde continuamos a nascer Inclusiva da UECE, em sua essência, há quase uma década
profissionalmente e a aprender importantes lições de têm desenvolvido uma oportunidade de reflexão contextua-
vida e trabalho. lizada a realidade educacional atual como mostram em seus
Nesta perspectiva, a formação continuada requer uma discursos os estagiários:
conexão mais ampliada entre teoria e prática, entre ensino e
pesquisa como possibilidade de enriquecimento a formação yyO estágio foi de uma grandeza para nós do Curso de Edu-
e a teorização “[...] somente a prática bem conduzida, refle- cação Inclusiva, permitindo vivenciar com as diferenças e
tida, conduz a pesquisa de soluções eventualmente originais observar como são grandes os esforços desses alunos para
aos problemas da realidade cotidiana [...]” (FAZENDA apud garantir seu espaço e sua aprendizagem. Também contri-
CAMPOS, 2007, p. 89) buiu para verificar como esse processo inclusivo ainda está
312 d RAIMUNDA CID TIMBÓ • MARIA ANGELICA PIRES DE SOUZA ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO FACILITADOR NA FORMAÇÃO DOCENTE NO ESPAÇO INCLUSIVO d 313
crescendo e que há uma grande necessidade de profissio- produzidos saberes pelos diversos atores envolvidos
nais que abrace essa causa e ajude esses alunos a não só no processo formativo; alunos, estagiários, professores
orientadores, professores regentes da escola (LIMA;
ocupar seu lugar na sala de aula, mas que possa participar
AROEIRA, 2011, p. 119).
do processo de ensino e aprendizagem.
yyO Estágio Supervisionado em Educação Inclusiva foi uma Ressalta-se ainda que na mediação, o professor estimule
forma de perceber de maneira prática a importância de se a participação dos alunos, pois, o envolvimento de todos os
diversificar as metodologias aplicadas em sala de aula, de pares é relevante e justifica a proposta da educação inclusiva.
maneira a não só incluir o aluno com necessidade educacio- Além disso, deve existir o comprometimento na construção e
nal especial, mas que ele sinta-se como um membro atuante, execução de práticas educativas embasadas cientificamente e
participativo e mais que isso, sinta-se importante em qual- que certamente irão contribuir para a melhoria no processo de
quer atividade desempenhada em sala. ensino e aprendizagem principalmente dos alunos incluídos.
yyEnfim, foi de grande valia esse estágio, porque pudemos Desse modo não basta ter um projeto de estágio que
perceber que profissional que pretende trabalhar na área propicie condições de mudanças precisa haver o desejo e o en-
tem uma visão de como proceder em sala de aula, que me- volvimento de seus pares (LIMA; AROEIRA, 2011), neste con-
todologias são significativas, que postura adotar diante das texto reafirma Charlot, (apud LIMA; AROEIRA, 2011, p. 123)
eventualidades, é uma ferramenta que merece uma atenção afirma: “[...] o desejo é a mola da mobilização e, portanto, da
especial, e que não pode restringir às mesmices, ao que já atividade; não o desejo nu, mas, sim o desejo de um sujeito en-
foi feito, e sim buscar novas formas de se chegar ao aluno, gajado no mundo, em relação com os outros e com ele mesmo”.
tornando-o um admirador e defensor daquilo que acredita A proposta de formação continuada do Curso de Edu-
sem camuflar a realidade. cação Inclusiva ressalta a importância desse envolvimento na
proposta de inclusão, no entanto, cabe a cada estagiário esse
Conforme os depoimentos, o estágio propicia aprendi- compromisso na sua formação, aproveitando o espaço que lhe
zagens e reflexões sobre as diferenças e a compreensão sobre é concedido, procurando dar o melhor de si.
o esforço que as crianças apresentam para garantir seu desem-
penho escolar. O Estágio Supervisionado, a Diversidade e um Novo Olhar na Formação
Neste sentido, esse esforço não ocorre de forma solitá- Docente
ria, mas amplia possibilidades concretas de trabalho coletivo.
Ou seja, cada sujeito, disponibiliza o seu melhor desempenho A proposta metodológica do estágio supervisionado di-
para ajudar o outro a desenvolver suas potencialidades tanto reciona a reflexão sobre a diversidade como fator de mudança
como mediador (professor), quanto aluno incluído. no olhar para a formação docente, ou seja, a partir da teoria
podem-se vivenciar novas concepções sobre inclusão, com-
[...] portanto, o estágio supervisionado não é um
momento de aprendizagem solitária, nele podem ser preendendo o aluno como sujeito da sua história.
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No intuito de responder aos questionamentos levanta- 2. Entrega dos dados com estudo teórico sobre a realidade do
dos no início do artigo a disciplina Estágio Supervisionado educando com necessidades educacionais especiais -NEE
em Educação Inclusiva vem propor os seguintes objetivos: (falar sobre a deficiência e o processo de aprendizagem);
3. Planejamento com as devidas adaptações que serão apre-
Objetivo Geral sentadas ao professor mediador para agendamento da aula
na escola escolhida pelo aluno cursista;
Contribuir para o aperfeiçoamento do aluno estagiário
4. Relato de experiência do estágio supervisionado, (texto es-
através de um acompanhamento reflexivo visando um desem-
crito) a partir de dois instrumentos de pesquisa (Observação
penho de qualidade que possa favorecer a compreensão da
no espaço escolar, Entrevista com segmentos da escola) com
Inclusão Educacional.
suas devidas análises e considerações finais;
Objetivos Específicos 5. Entrega do relatório (pesquisa-ação) para avaliação final da
disciplina;
yyobservar o espaço escolar tendo em vista o movimento de 6. Socialização das experiências vivenciadas.
inclusão;
yypreparar atividades integradoras com suas devidas adapta- A segunda etapa o (a) estagiário(a) é encaminhado (a)
ções curriculares para atender as necessidades dos alunos para vivenciar a realidade da sala de aula inclusiva, mediada
incluídos na rede regular de ensino; pelo professor de estágio supervisionado. Neste espaço, o (a)
yyaplicar as atividades selecionadas com suas devidas adapta- estagiário(a) faz um diagnóstico da escola a partir das suas
ções de acordo com suas necessidades especiais; observações e coleta dos dados registrados nas entrevistas re-
yysensibilizar a comunidade escolar da importância da inclu- alizadas com os diversos segmentos da escola (gestores, pais
são, “sistema social” onde se discuta estratégias de enfrenta- e professores da sala comum).
mento das resistências e das contradições sociais; Outra atividade a ser realizada no espaço inclusivo é a
yyavaliar com o aluno estagiário sua práxis em relação à cons- regência, apresentando conotações relativas às teorias estuda-
trução na perspectiva da educação inclusiva. das, e, introduzindo adaptações que possibilitem aprendiza-
gem significativa na diversidade.
Os procedimentos metodológicos para a realização do Enfim, para a elaboração dos registros reflexivos se
estágio se efetivam em duas etapas, a primeira com apresenta- propõe o Portfólio, como instrumento avaliativo do estágio
ção dialogada entre professores (mediadores) e alunos, para supervisionado, uma vez que o mesmo dá condição ao aluno
refletir sobre o valor do estágio na formação docente e expor estagiário para desenvolver sua criatividade, estabelecendo
as atividades a serem realizadas tais como: relações com as disciplinas estudadas e respondendo aos con-
teúdos que foram significativos ao longo do curso.
1. Encaminhamento para escola inclusiva (diagnóstico, iden- Segundo Villas Boas (apud ALMEIDA; GOMES; T INÓS,
tificação da deficiência, dificuldade, transtorno); 2011, p. 206)
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Falar de portfólio requer que se fale da avaliação forma- como: o roteiro de entrevista e observação. O portfólio é fina-
tiva e do contexto educativo que ela cria e, também que lizado com as referências utilizadas ao longo do texto.
dela resulta. Nesse sentido, portfólio não é considerado
Após vivenciar a prática no contexto inclusivo e procu-
um simples “instrumento” de avaliação usado em deter-
minados momentos, mas um procedimento que pode rando refletir sobre a necessidade do diálogo entre a teoria
extrapolar sua função avaliativa inicial, consolidando-se e a prática, percebe-se que o estágio tem se mostrado como
como um eixo norteador do trabalho pedagógico. instrumento facilitador, proporcionando esse diálogo perma-
O portfólio deve ser organizado seguindo a estrutura nente que supera o olhar cristalizado de divisão, e, traz à tona
de um trabalho científico onde consta: capa, folha de apresen- um novo olhar para a formação docente.
tação, epígrafe e sumário como elementos pré-textuais. Nos
Considerações Finais
elementos textuais tem-se a introdução, a justificativa os obje-
tivos e a estrutura do trabalho, ou seja, as partes do relatório
Diante das reflexões trazidas percebe-se o valor do es-
abordando pontos de forma resumida.
tágio, onde são oferecidas oportunidades de exercícios para a
No percurso metodológico se caracteriza a escola como
formação, que, embora passageiro permita ao estagiário com-
campo do estágio. Explicam-se os procedimentos emprega-
preender a prática profissional, a partir da observação, das
dos, apresentam-se os sujeitos envolvidos, as técnicas utili-
adaptações necessárias para a regência e avaliação, procuran-
zadas (entrevista, observação, regência de classe) e os dados
do encontrar alternativas pedagógicas que respondam às es-
coletados por meio da memória de aulas, diário de campo e
pecificidades do aluno inserido no contexto inclusivo.
vivências. O texto apresentado deve ser reflexivo abordando
Nesse processo, deve existir o despertar do professor
as aprendizagens alcançadas durante o estágio bem como os para a necessidade do diálogo com a realidade da escola inclu-
desafios enfrentados. Este relato descritivo consta da expe- siva estimulando uma transformação com mudanças de para-
riência pessoal por meio da observação e regência de classe. digmas em relação à aprendizagem, contribuindo assim, para o
Na observação em sala de aula, devem-se contemplar os desenvolvimento da pessoa com necessidades específicas.
seguintes aspectos: ambiente, habilidades pedagógicas e rela- Ao refletir na ação, o docente estagiário torna-se um
cionamento do professor em relação ao aluno, planejamento, pesquisador no contexto prático, indo ao encontro do edu-
conteúdos ministrados, metodologia adotada, recursos didáti- cando e entendendo seu ritmo, seu processo de construção
cos e processo de avaliação. do conhecimento.
Com relação às considerações finais é importante des- Espera-se que o estágio supervisionado sob a orienta-
tacar as aprendizagens alcançadas, os desafios enfrentados e a ção do mediador possa despertar a observação, a escuta e a
contribuição do estágio para a sua formação profissional. sensibilidade para compreender que a diversidade contempla
Para finalizar o texto do Portfólio são apresentados os uma prática diferenciada exigindo, portanto, do docente um
elementos pós-textuais, ou seja, materiais complementares compromisso incondicional de respeito ao ser humano aluno,
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além disso, o professor assuma a pesquisa sendo capaz de
olhar para a escola de forma mais ampla, percebendo seus
espaços, suas práticas e suas formas de avaliação, enxergando
novas alternativas pedagógicas que possam atender com equi-
dade a todos os alunos.
Referências