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TESTES DE VIDA

Estudos em 1 João
LIÇÃO 15 – CAIM E JESUS: O TESTE DO AMOR
1 JOÃO 3.11-16
O alvo desta lição é estabelecer a natureza do amor que João menciona em
sua carta como teste do verdadeiro Cristianismo. Esse estabelecimento se fará
mediante uma comparação entre Caim e Jesus Cristo

INTRODUÇÃO
Vimos no estudo anterior que João terminou a aplicação de mais uma instância do
teste moral declarando que não procedem de Deus os que não praticam a justiça e nem
amam seu irmão (3.10). Isto mostraria aos cristãos da Ásia Menor, destinatários
originais desta carta, que os pregadores recentes que estavam se infiltrando nas
igrejas, e ensinando doutrinas diferentes daquela que haviam recebido dos apóstolos,
realmente não procediam de Deus, mas do diabo, o pai da mentira.

JUSTIÇA E AMOR
Notemos que naquela passagem João equipara “praticar a justiça” com “amar o
irmão”, um conceito oriundo do Antigo Testamento. O profeta Miquéias, por
exemplo, equipara as duas coisas quando resume o dever que Deus requer do homem,
“Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que
pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus”
(Mq 6.8). A prática da justiça é vista também no Novo Testamento como encontrando
cumprimento no amor ao irmão: toda lei se resume no mandamento “amarás ao teu
próximo como a ti mesmo” (cf. Rm 13.8-10; Gl 5.14; Tg 2.8). A relação entre a
prática da justiça e o amor ao irmão em 1 João 3.11 funciona como uma transição
natural do teste moral para o teste social, que João apresenta em 3.12-18.

O apóstolo estabelece a autoridade sobre a qual ele reafirma o dever de amar o irmão
como cumprimento da justiça: porque a mensagem que ouvistes desde o princípio é
esta: que nos amemos uns aos outros (3.11). Várias vezes na carta João relembra
aos seus leitores que eles tinham ouvido muitas coisas da parte dos apóstolos e
pastores que lhes pregaram a Palavra de Deus, como a vinda do anticristo (2.18; 4.3),
a divindade de Cristo (2.24) e o mandamento do amor ao irmão (2.7). Os apóstolos –
entre eles o apóstolo João – por sua vez ouviram estas coisas do próprio Senhor (1.1-
5). Desta forma, João apela para a autoridade da tradição apostólica, que remonta ao
próprio Cristo, para estabelecer firmemente a mensagem que eles haviam recebido. O
conteúdo da mensagem é que os cristãos devem amar uns aos outros.

O OPOSTO DO AMOR
Caim, o assassino do seu irmão
Em seguida, João esclarece de que modo devemos amar os irmãos. Primeiro, ele
esclarece de forma negativa: não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a
seu irmão (3.12a). João está citando o episódio registrado em Gênesis em que Caim
assassinou seu irmão Abel, uma história que seus leitores certamente conheciam (Gn
4.3-8). O amor que devemos ter para com os irmãos em Cristo é o oposto da atitude
de Caim para com seu irmão, que culminou com a sua morte. O ódio assassino de
Caim o identifica como sendo do Maligno, que foi o primeiro assassino (Jo 8.44). Da
mesma forma que Caim era do Maligno, os falsos mestres que estavam invadindo as
igrejas da Ásia Menor também eram (1Jo 3.8,10), pois sua doutrina levava à falta de
amor para com os outros. Intencionalmente João traça um paralelo entre Caim (filho
do diabo) e Abel (filho de Deus), e os mestres gnósticos (filhos do diabo) e os cristãos
verdadeiros (filhos de Deus).

Esta comparação visa explicar o motivo pelo qual os falsos mestres procuravam
destruir a fé dos cristãos. O motivo é similar ao que levou Caim a matar Abel: e por
que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas
(3.12a). Aqui o apóstolo interpreta a narrativa de Gênesis, dando o motivo do crime:
as boas obras de Abel despertaram o ódio do ímpio Caim, cujas obras eram más. Abel
era homem de fé (Hb 11.4), justo (Mt 23.35) e Deus dele se agradou (Gn 4.4). Caim,
por sua vez, não era nascido de Deus e suas ofertas e seu culto a Deus eram uma
mera formalidade (Gn 4.5). Sua religião era falsa (Jd 11). Seu ódio assassino contra
Abel foi movido pela inveja, que se desenvolveu em ira e finalmente assassínio (Gn
4.5,8). A inveja nos ensina a odiar e perseguir aquilo que deveríamos amar e imitar.

O ódio do mundo contra os cristãos


O ódio do mau Caim para com seu irmão justo serve de explicação para o ódio
injustificado do mundo para com os cristãos, de forma que estes não deveriam se
surpreender com a sua hostilidade: Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos
odeia (1Jo 3.13). Eles não deveriam esperar melhor tratamento do mundo do que
aquele que Caim deu a seu irmão Abel. Da mesma forma como o mundo odeia a
Cristo (Jo 7.7; 15.18), odeia também, e sem causa, aos verdadeiros cristãos. O motivo
é o mesmo: ódio provocado pelas boas obras dos cristãos. Inimigos de Deus nunca são
verdadeiros amigos dos homens. Portanto, os crentes da Ásia Menor não deveriam
ficar admirados com a persistência dos pregadores gnósticos, que eram do mundo (1Jo
4.5), em perverter-lhes a fé; e nem mais tarde, quando teriam de ser martirizados pela
fé em Cristo. O conflito entre os cristãos da Ásia e os mestres gnósticos era parte de
um conflito muito maior, antiqüíssimo, cuja origem antecedia o jardim do Éden. Os
inimigos dos cristãos eram movidos pelo ódio milenar do diabo contra Deus, do
mundo contra Cristo, e dos falsos mestres contra a verdade de Deus.

Aplicando o teste do amor


Em seguida, João retoma o teste do amor. O teste é colocado agora em termos do
contraste entre morte e vida eternas: Nós sabemos que já passamos da morte para a
vida, porque amamos os irmãos (3.14a). Em contraste ao mundo cheio de ódio, os
cristãos desfrutam do gozo proveniente da certeza da vida eterna. O que lhes assegura
que não estão mais debaixo do juízo de Deus e condenados à morte eterna é que
amam seus irmãos. Esta passagem da morte para a vida não é decorrente de suas
obras e nem do seu amor, mas da fé em Cristo e acontece já aqui neste mundo (cf. Jo
5.24). O amor aos irmãos é apenas uma evidência interna de que isto aconteceu, e
serve de base para a certeza de que desfrutarão plenamente a vida eterna que já lhes
foi concedida.

Em contraste, aquele que não ama permanece na morte (3.14b). Permanecer na


morte é a mesma coisa de andar ou estar nas trevas (1.6; 2.9), não ter a verdade (2.4),
não saber para onde vai (2.11), ser mentiroso (2.4; 2.22) e ser do diabo (2.8,10). São
os termos empregados por João para descrever a verdadeira situação dos que não
conhecem a Deus. Eles permanecem na morte, pois nasceram espiritualmente mortos
em ofensas e pecados e nunca verdadeiramente se arrependeram e creram em Cristo,
para que tivessem vida (Jo 1.11-13) e, portanto, caminham para a morte eterna. O que
indica que ainda estão mortos espiritualmente e que sofrerão a morte eterna é a falta
de amor aos irmãos, a maior evidência da vida espiritual.

A prova que João apresenta para seu raciocínio tem como pano-de-fundo novamente a
figura de Caim: Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis
que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si (3.15). O seu
argumento se baseia em dois pontos:
1. O ódio de Caim por seu irmão terminou em assassinato. O que odeia é um
assassino em potencial. Esaú odiou seu irmão Jacó e planejou matá-lo (Gn
27.41). Absalão odiava seu irmão Amnom e veio a matá-lo (2Sm 13.22-28).
Herodias odiava João e desejava matá-lo (Mc 6.19). Este ponto foi ratificado
pelo Senhor Jesus: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem
matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que
sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem
proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem
lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo” (Mt 5.21-22).
2. Caim foi o patriarca antidiluviano do mundo sem Deus, da humanidade
decaída, impenitente e condenada à morte eterna. Como assassino que nunca
se arrependeu de seu crime (ver Gn 4.9) ele tornou-se na história bíblica o
símbolo dos perdidos, daqueles que não herdarão a vida eterna.

A inferência é clara: quem odeia seu irmão é um assassino em potencial; como tal,
não tem a vida eterna. Portanto, a falta de amor é uma evidência de que a pessoa não é
regenerada, não é nascida de Deus, e não tem a vida eterna. Desta forma os leitores de
João poderiam perceber que a doutrina dos gnósticos era do mundo e não de Deus.

A NATUREZA DO AMOR
Cristo, exemplo do verdadeiro amor
Em seguida, João passa a demonstrar, de forma positiva, o que é o amor. E desta feita
ele usa o exemplo de Cristo: Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida
por nós (3.16). João e seus leitores já tinham conhecido, e ainda conheciam, o amor
que Deus ordena aos cristãos. Tal amor havia sido plenamente manifestado e
exemplificado em Jesus Cristo, mais especificamente no motivo pelo qual ele morreu.
Para o mundo, Jesus morreu porque se proclamava rei de Israel e havia provocado
assim a ira dos líderes judeus e romanos, que o puniram com a morte. Ainda hoje, os
não-cristãos acreditam que Jesus havia sido apenas mais um dentre as centenas de
condenados à morte pelo Império Romano por motivos políticos. Os próprios fariseus
o classificavam como mais um revolucionário, entre as dezenas que surgiam
regularmente no meio do povo (At 5.35-39; 25.19). Entretanto, os cristãos sabiam que
o drama humano externo havia sido determinado e controlado por Deus para a
execução de sua vontade, que era dar seu Filho como sacrifício pelos pecados do seu
povo (Jo 3.16). O amor de Deus determinou, de forma misteriosa e incompreensível
para nós, a armação toda que levou Jesus a padecer (At 4.26-28; 13.27). Jesus morreu
voluntariamente. Como Filho de Deus, poderia ter evitado a sua morte e se recusado a
padecer. Porém, movido por imenso amor aos seus, ele deixou-se levar como ovelha
ao matadouro, e na cruz do Calvário deu a sua vida por nós, os que cremos em seu
nome (Jo 10.15,28). Ele, sendo inocente, recebeu o justo castigo que merecíamos, e na
cruz provou a morte física e espiritual pelo seu povo.

É nesta atitude de Jesus que o amor aparece em sua plenitude, pois ele deu a sua vida
por nós, pecadores indignos de qualquer favor (Rm 5.6-8). Ao contrário de Caim, ele
foi movido pelo amor e não pelo ódio, e em vez de tirar a vida de seu irmão, a deu
pelos seus. É nisto que temos conhecido o que é amar. Como resultado, devemos dar
nossa vida pelos irmãos (3.16b). Este é o dever decorrente da nossa condição de
cristãos. Quem tem conhecido o amor de Cristo não poderá agir diferente (Jo 15.13).
É evidente que João não está dizendo que nosso martírio tenha algum valor vicário
pelos pecados dos outros. Mesmo se morrermos fisicamente no lugar de outros, nosso
sangue, manchado pelo pecado, não tem valor para pagar a culpa deles. Estaremos
apenas recebendo o salário dos nossos próprios pecados (Rm 6.23). A única coisa que
podemos imitar no sacrifício de Cristo é o amor pelos seus (veja Rm 16.4). Nada
mais. Existe uma diferença fundamental entre ele e nós: ele é o Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo (Jo 1.29). Mas, de que modo, então, podemos dar a vida pelos
irmãos no viver diário? Veremos a explicação de João na próxima lição.

CONCLUSÃO

1. O amor que a Bíblia determina não é mera conversa “da boca para fora”, mas
ações concretas de renúncia e sacrifício em prol dos irmãos. A indiferença de
muitos membros professos das igrejas evangélicas para com os necessitados e
carentes que existem nestas mesmas igrejas revela que muitos destes membros
não são de fato regenerados, mas que ainda permanecem na morte.
2. O motivo pelo qual existem guerras, conflitos, contendas neste mundo é o ódio
que reina nos corações humanos. Corações não regenerados desconhecem o
perdão, a compaixão e o amor verdadeiro. Membros de igrejas que professam
ser cristãos, mas que vivem com ódio, amargura, rancor e desejo de vingança
em seus corações, nunca receberam uma nova natureza, não conhecem o amor
do Pai e nem tiveram este amor derramado em seus corações. Examinemos a
nós mesmo com seriedade e honestidade.
3. A certeza da nossa salvação não é uma coisa que nos vem naturalmente. Ela é
o resultado de percebermos em nós determinadas evidências de que fomos
regenerados. Umas destas evidências é o amor pelos irmãos. Se não há em nós
a firme disposição de nos sacrificarmos pelos demais irmãos em Cristo,
quando necessário, ainda que tenhamos de renunciar a coisas preciosas para
nós, como podemos dizer que somos salvos?

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