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Ministério Público

Gabinete do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

Excelentíssima Senhora Ministra-Presidente do Tribunal de Contas da União

Com fundamento no art. 81, inciso I, da Lei nº 8.443/1992, e no art. 237,


inciso VII, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, o Ministério
Público junto ao TCU vem oferecer

REPRESENTAÇÃO,

com o propósito de que esta Corte de Contas, pelas razões a seguir


expostas, no cumprimento de suas competências constitucionais de controle
externo de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da
Administração Pública Federal, decida pela realização das medidas necessárias a
conhecer e avaliar os motivos da nomeação de Flávia Arruda (PL-DF), deputada
de primeiro mandato, suspeita de corrupção na ONG que presidiu, para o cargo de
ministra da Secretaria de Governo, pelo Presidente da República, ante os indícios
de sobreposição de interesses particulares ao interesse público e desvio de
finalidade do ato administrativo, com ofensa aos princípios constitucionais da
legalidade, impessoalidade e da moralidade.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gab. do Subprocurador-Geral
LUCAS ROCHA FURTADO

- II –
Em 08/04/2021, o site da revista Veja divulgou matéria com o título
“Acusações do passado envolvem ONG administrada por Flávia Arruda”, nos
seguintes termos:
Acusações do passado envolvem ONG administrada por Flávia Arruda
A aliança de Jair Bolsonaro com o chamado Centrão avança em etapas. Primeiro, o
presidente abandonou sua promessa de campanha de não negociar com os partidos desse
grupo, que eram considerados por ele a essência do fisiologismo. Depois, ele distribuiu
cargos às legendas e apoiou a eleição de um expoente do bloco, o deputado Arthur Lira
(PP-AL), para a presidência da Câmara. O ato mais recente foi ainda mais ousado.
Bolsonaro levou o Centrão para dentro do Palácio do Planalto ao nomear Flávia Arruda
(PL-DF) para o cargo de ministra da Secretaria de Governo, pasta que cuida da
articulação política e da relação com o Congresso. Deputada de primeiro mandato,
Flávia tomou posse na terça-feira 6, numa solenidade reservada, diante do olhar atento
dos principais responsáveis por sua indicação, entre eles o ex-deputado e mandachuva
do PL Valdemar Costa Neto, que, apesar de ter passado uma temporada na cadeia após
ser condenado no processo do mensalão, se tornou o mais novo aliado de Bolsonaro.

Ao escalar Flávia para a sua equipe, o presidente desatou vários nós. Com 42 deputados,
o PL reclamava de não ter uma pasta na Esplanada dos Ministérios. Essa questão foi
superada. A escolha da deputada também ajudou a baixar a fervura de outro ponto
considerado crucial. Havia tempos que o Centrão queria que um dos seus quadros
assumisse a Secretaria de Governo e a coordenação de uma de suas principais
atribuições: a distribuição de cargos e emendas parlamentares. Com a passagem de
bastão para o Centrão, Bolsonaro deu mais um passo em sua tentativa de amarrar o
grupo a seu projeto de reeleição. A aliança está bem encaminhada, mas há obstáculos
pelo caminho. Uma das primeiras missões de Flávia agora é tentar costurar um acordo
entre seus colegas parlamentares, sobretudo os colegas de Centrão, e o Ministério da
Economia, que duelam sobre o montante de emendas parlamentares que deve ser
preservado no Orçamento da União deste ano.

Apesar de novata na Câmara, Flávia conhece bem as delícias e as agruras da vida


política. Ela é casada com o ex-senador e ex-governador do Distrito Federal José
Roberto Arruda. Graças a esse relacionamento, o PL injetou 2,4 milhões de reais na
campanha de Flávia em 2018, quase o dobro do valor destinado ao líder do partido na
Câmara, Wellington Roberto (PB). Mas, graças a esse relacionamento, a ministra
também tem de lidar com um passado incômodo. Em outubro de 2009, Arruda, uma
estrela em ascensão na política, era cotado para disputar as eleições do ano seguinte
como candidato à Vice-Presidência da República. Uma investigação do Ministério
Público, porém, fulminou a carreira política do governador, que foi preso e teve o
mandato cassado. Durval Barbosa, um ex-assessor, contou às autoridades que Arruda e
uma ONG comandada por Flávia, a primeira dama, se beneficiavam de um esquema de
corrupção. Contra o ex-governador, o delator entregou um vídeo em que Arruda aparece
recebendo um maço de notas. Contra a primeira-dama, não apresentou nenhuma prova,
mas a investigação prosseguiu.

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O esquema recolhia propina de empresas prestadoras de serviços e a repassava ao


próprio governador. Em depoimento ao Ministério Público, Barbosa disse que, por
determinação de Arruda, pagava as despesas do Instituto Fraterna, a ONG da primeira-
dama que funcionava no mesmo endereço de um escritório político do marido, o que
gerou a suspeita de que a entidade também era usada para lavar o dinheiro. A Polícia
Federal chegou a fazer buscas na sede do instituto. Em um relatório, os agentes
registraram ter encontrado apenas móveis vazios e gavetas reviradas, além de um
sistema de videocâmeras sem a central de gravação. A quebra de sigilo bancário da
ONG, que funcionou por apenas oito meses, mostrou a entrada de quase 1 milhão de
reais nas contas da ONG, sendo 228.000 reais em depósitos em dinheiro.

Flávia não foi formalmente investigada por “falta de indícios suficientes” para processá-
la, segundo promotores do DF. Na verdade, nem ela nem o marido foram indiciados ou
ouvidos para esclarecer os fatos envolvendo o Instituto Fraterna. “Ao final de toda a
investigação se percebeu que alguns fatos apontados pelo delator não tinham prova
nenhuma”, disse a VEJA o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende a família do
ex-governador. Em nota, a ministra afirmou que “as investigações do Ministério Público
do Distrito Federal não apontaram qualquer irregularidade, motivo pelo qual o caso foi
arquivado”. O ex-governador foi condenado a onze anos de prisão por corrupção e
falsidade ideológica em dois processos, mas recorre em liberdade. Sua carreira sofreu
um sério abalo. Mas a da sua mulher, definitivamente, está em franca ascensão.1

Conforme noticiado pela revista Veja, a nova ministra da Secretaria de


Governo, pasta que cuida da articulação política e da relação com o Congresso possui
suspeita de envolvimento com atos de corrupção praticados em conjunto com seu
marido, José Roberto Arruda, na ONG que presidia.
Também a revista Isto É, noticiou, em matéria intitulada “Uma senhora
encrenca”, o seguinte, envolvendo a citada nomeação:
Uma senhora encrenca
Bolsonaro demonstra total incapacidade política. Ao nomear a deputada Flávia Arruda
para a Secretaria de Governo, criou outro problema. Ela chega ao Palácio do Planalto na
condição de ter sido a presidente da Comissão do Orçamento que provocou um rombo
fiscal de R$ 31 bilhões, lambança que pode levar o presidente a cometer crimes de
responsabilidade, mas mesmo assim foi contemplada pelo capitão, atendendo à
imposição de Arthur Lira. Ocorre que o governo já tem 4 ministros deputados e o
Senado, sem nenhum, esperava ter um dos seus membros indicados para o ministério. O
mandatário desprezou nomes indicados pela Casa, como o de Davi Alcolumbre. Em
represália, o Senado pode dificultar a vida do governo, inclusive abrir a CPI da Saúde
para pegar o mandatário e o general Pazuello.
Perigo
Além do mais, Flávia é casada com o ex-governador do Distrito Federal José Roberto
Arruda, que foi preso depois de flagrado recebendo dinheiro de propinas na Operação
1
Disponível em: < https://veja.abril.com.br/politica/acusacoes-do-passado-envolvem-ong-administrada-por-flavia-
arruda/>. Acesso em 12.04.2021.
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Caixa de Pandora, o que abre antecedentes perigosos, sobretudo num período em que o
governo tenta acabar com a Lava Jato e afrouxar o combate à corrupção. Não é um bom
sinal.
Valdemar
Além de ser bancada por Lira, réu por corrupção, Flávia é do PL, partido comandado
por Valdemar da Costa Neto. O ex-deputado esteve preso até recentemente por causa do
mensalão, acusado de embolsar verbas públicas para apoiar Lula. Sua ex-mulher,
Christina Mendes Caldeira, está escondida nos EUA desde 2017, temendo ser morta: ela
sabe muito.
Até tu, Lira
Não convidem Paulo Guedes e Arthur Lira para a mesma mesa. O ministro está batendo
de frente com o presidente da Câmara, repetindo as trombadas com Rodrigo Maia. Lira
já reclamou do ministro a Bolsonaro, dizendo que ele perdeu as condições de gestão da
economia. Pede sua cabeça, dizendo que o fracasso da economia será fatal para a
reeleição.
Retrato falado
O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara, entende que a
tentativa de Bolsonaro de fazer uso político das Forças Armadas é mais um motivo para
ele sofrer processo de impeachment, além dos inúmeros crimes de responsabilidade
cometidos pela inação no combate à pandemia. Já são quase 100 pedidos de
impedimento contra ele na Câmara. “Se o Congresso não propuser sua saída, será
cúmplice da desgraça que se abate sobre Brasil”, diz o deputado...2

Se, por um lado, as notícias divulgadas, não se relevam, por si sós, como
atos flagrantemente ilegais - haja vista a possibilidade de ao menos formalmente se
enquadrarem nas hipóteses admitidas no ordenamento jurídico. Por outro lado,
demonstram total afronta aos princípios administrativos e desvio de finalidade no ato
praticado, uma vez que a nomeação de pessoa suspeita de corrupção demonstra
claramente a tentativa do presidente da república de agradar o presidente da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira, réu por corrupção, que pode a qualquer momento colocar
em votação na Câmara assuntos que desagradam Bolsonaro, como os quase 100
pedidos de impedimento contra ele.
Sendo assim, por mais que se possa defender que a Secretaria de Governo é
um cargo de livre nomeação e de confiança do Presidente da República, a
discricionariedade dessa decisão não pode ser confundida com total liberdade de
decisão.
No âmbito público, não há de existir espaço para vontades particulares. O
agente público deve sempre agir buscando o interesse público e respeitando o
disposto em lei. Desse modo, o princípio da legalidade não serve para engessar o
administrador público, mas serve para guiá-lo na consecução do interesse público.

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Disponível em: < https://istoe.com.br/uma-senhora-encrenca/>. Acesso em 12.04.2021.
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Além disso, há que se lembrar que, conforme art. 37 da Constituição Federal de 1988,
a administração pública obedecerá ao princípio da legalidade, da impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência 3.
Dessa forma, no momento em que o Presidente da República nomeia como
ministra da Secretaria de Governo, para interlocução do governo com o congresso,
uma deputada de primeiro mandato, com suspeitas de corrupção ainda não
esclarecidas, para agradar interesses do presidente da Câmara dos Deputados, a meu
ver, existe claro desvio de finalidade no ato praticado, além de afronta ao princípio da
impessoalidade.
Cumpre notar que as notícias afirmam inexistir provas no âmbito judicial.
Contudo, tal decisão não vincula o Tribunal diante da independência das instâncias.
Conforme reiteradas decisões dessa Corte, a absolvição do responsável na esfera
penal por ausência de provas não repercute necessariamente na esfera
administrativa, uma vez que a inexistência dos pressupostos para a configuração
do tipo penal não implica a não configuração do tipo administrativo. A conduta
residual pode ser suficiente para a responsabilização do agente perante o TCU.
Cabe relembrar que suposta sentença absolutória em âmbito judicial
somente teria repercussão na instancia administrativa do TCU quando declarada a
inexistência do fato ou que o responsável não concorreu para a infração penal. E
sendo assim a insuficiência de provas na esfera judicial não impede a
responsabilização do gestor perante o TCU.
Nesse contexto, os acontecimentos acima relatados reclamam, a meu ver, a
pronta atuação do TCU, de modo a conhecer e a avaliar a nomeação da Deputada
Flávia Arruda como ministra da Secretaria de Governo, ante os indícios de
sobreposição de interesses particulares do Sr. Bolsonaro ao interesse público,
praticando ato em desvio de finalidade e com ofensa aos princípios constitucionais da
legalidade, da impessoalidade, moralidade e eficiência.
Reclamam ainda a investigação das suspeitas de corrupção no Instituto
Fraterna, ONG presidida pela então primeira-dama do DF, Sra. Flávia Arruda.
- III -

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal


de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e nos
3
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte: [...]

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artigos 237, inciso VII, do Regimento Interno do TCU, aprovado pela Resolução
155/2002, requer, pelas razões acima aduzidas, que o Tribunal conheça desta
representação para, no cumprimento de suas competências constitucionais de controle
externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
Administração Pública Federal, decida pela adoção das medidas necessárias a
conhecer e a avaliar:
a) a nomeação da Deputada Flávia Arruda como ministra da Secretaria de
Governo, ante os indícios de sobreposição de interesses particulares do
Sr. Bolsonaro ao interesse público, praticando ato em desvio de
finalidade e com ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, da
impessoalidade, moralidade e eficiência e;
b) em caso de existência de recursos públicos federais envolvidos, as
suspeitas de corrupção no Instituto Fraterna, ONG presidida pela então
primeira-dama do DF, Sra. Flávia Arruda.

Ministério Público, 12 de abril de 2021.

Lucas Rocha Furtado


Subprocurador Geral

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