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UPM ANO - 2019

CURSO UPM 2019: O ESPÍRITO SANTO ALMA DA IGREJA E DO MUNDO


2ª aula – O Espírito Santo nos Atos dos Apóstolos

Gèrard Rossé

Pediram para falar-lhes


lhes do Espírito Santo nos Atos dos Apóstolos. Devo ime
imediatamente fazer
uma observação: não posso falar do Espírito Santo nos Atos, sem acenar ao Evangelho de
Lucas, porque os dois livros constituem uma única obra, mesmo se hoje, são separados pelo
Evangelho de João.

Faço uma constatação geral:: o autor da obra llucana


ucana (o chamarei Lucas), não diz nunca ao
leitor o seu conceito de Espírito Santo, não o apresenta, não faz uma teologia
teologia: mas ele o faz
falar, coloca-o
o no palco, o faz atuar na história.

E, portanto, o leitor se quer saber quem é o Espírito Santo através de Lucas, deve entender
seu trabalho, enquanto fala sobre ele e o faz agir.

Então desde o início


cio do Evangelho, o Espírito Santo, num ato criador, cobre Maria com a sua
sombra, de modo que quem nasce dela
dela, seja o Filho de Deus, em sentido único isto é, cristão.

No Batismo de Jesus, o Espírito desce sobre ele e uma voz celeste confirma tal identidade. De
agora em diante o Espírito Santo move os passos de Jesus que é “pleno do Espírito Santo”
(4,1-14).

E a mesma Escritura, por meioeio de Isaías, proclama, quando Jesus inaugura o seu ministério:
“O Espírito do Senhor está sobre mim” (4,18).

Na ótica do evangelista, somente Jesus, antes da sua morte, possuirá em plenitude o Espírito
Santo.

Quando Jesus manda os seus discípulos numa missão pré-pascoal,


pascoal, dá a eles a autoridade
sobre os demônios e o poder de curar, mas não os comunica (explicitamente) o Espírito Santo.

O evento que abre aos “últimos dias” e no qual o Espírito Santo vem comunicado é a morte
ressurreição de Jesus.

O Espírito Santo é em estreita relação com o Ressuscitado, e vem dado a todos os crentes. E
como para toda etapa importante no caminho da Igreja, Lucas compõe uma ampla história
para sublinhar a novidade do evento isto é do dom do Espírito.

O autor escolher a festa judaica do Pentecostes; naquele dia, o núcleo inicial da futura igreja
igreja;
encontravam-se
se todos reunidos, juntos no mesmo lugar.

Acontece o dom do Espírito Santo que Lucas apresenta como uma experiência teofânica: a
erupção na casa de um vento impet
impetuoso
uoso e a aparição de línguas de foto que pousa sobre cada
um; e o autor prossegue: Todos ficaram plenos do Espírito Santo e começaram a falar em
outras línguas como o Espírito Santo dava a eles de exprimir-se (2,4).

Note o detalhe: Lucas não escreve: todos começaram a falar em línguas, referindo-se ao
carisma da glossolalia (um falar estático e incompreensível), mas começaram a falar em outras
línguas. Tem-se a impressão que os apóstolos se tornaram poliglotas.

Em seguida Lucas se explica: cada um dos presentes (isto é a multidão que assiste a cena)
ouvia falar os apóstolos na própria língua (2,6); isto é, o Evangelho como Palavra anunciada
será compreensível em todas as línguas e nações, e, portanto acessível a cada um que a
acolhe.

O dom do Espírito Santo é o dom feito por Jesus ressuscitado a Igreja. Eram necessárias duas
condições para que o Espírito Santo pudesse ser dado em plenitude também aos discípulos: a
ressurreição de Jesus e o seu estar juntos.

O Espírito dado inaugura “os últimos dias” como Lucas faz Pedro dizer, citando o profeta
Joel: nos últimos dias, diz Deus, “infundirei o meu Espírito sobe toda carne e profetizarão os
vossos filhos e as vossas filhas...” (2,17).

Portanto a plenitude do Espírito possuído só por Jesus no Evangelho, agora vem comunicado
não somente aos apóstolos, mas a todos os crentes; é um Espírito de comunhão, e ele
inaugura os últimos dias que, para Lucas não indica mais o momento iminente do fim, mas o
tempo que dura da ascensão até a Parusia: é o tempo da missão da Igreja, da difusão da
Palavra até a extremidade da terra (1,8), conforme ao programa que o mesmo Ressuscitado
antes de ascender ao Céu deu aos apóstolos: “Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo
que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria, e
até os confins da terra”.

Portanto ao longo de toda a história, os apóstolos, anunciando a Palavra, atuam o compito


messiânico de Jesus ressuscitado que é de anunciar a luz ao povo e aos pagãos (26,23).

O Espírito Santo inaugura, portanto um tempo qualitativamente novo que já traz em si a


marca do Escaton e isto é, para Lucas, da salvação para levar ao mundo.

O dom do Espírito enviado pelo Ressuscitado como hóspede perene da comunidade cristã é a
grande novidade. Certamente, o Espírito age já na história de Israel e falava através da boca
dos profetas. Mas agora é o Espírito do cumprimento, que traz a término as esperas já
profetizadas.

Lucas o faz entender com uma formulação um pouco curiosa, no diálogo de Paulo com um
grupo de discípulos do Batista em Éfeso. O apóstolo pede: “Recebestes o Espírito Santo quando
abraçastes a fé”? Eles responderam: “Mas nem ouvimos dizer que haja um Espírito Santo”
(19,2).

Obviamente conheciam os profetas do A.T., e, portanto a existência do Espírito de YHWH, mas


não o dom escatológico do Espírito em Pentecostes.

João, no seu Evangelho, se exprime de modo igual: comentando a palavra de Jesus sobre o rio
de água viva, escreve: Isto, Jesus o diz do Espírito que haveria recebido os que acreditavam
Nele.
De fato, não tinha ainda o Espírito porque Jesus não tinha ainda glorificado (Jo 7,39). “Os
últimos dias” não são, portanto uma indicação cronológica, mas exprime a novidade
qualitativa do tempo da Igreja na história, caracterizado exatamente pelo dom do Espírito de
Deus

Lucas, portanto, construiu um amplo e solene cenário, para narrar à entrada na história da
humanidade do Espírito escatológico, enviado pelo Ressuscitado.

É uma novidade radical em relação ao tempo, que precede a vinda de Jesus no mundo, e que
liga estritamente a comunidade cristã ao Jesus ressuscitado.

E este Espírito vem imediatamente caracterizado como Potência, comunicada aos apóstolos,
para testemunhar a Palavra, até a extremidade da terra.

O Espírito de Pentecostes é a origem da missão, vista como elemento constitutivo e perene da


Igreja no mundo.

Algum estudioso1 colocou em luz outra característica lucana do dom do Espírito.

Observa-se que a história do Pentecostes não termina narrativamente com o discurso de Pedro
e o seu apelo a conversão, mas com a menção do crescimento em número dos crentes:
“Aqueles, pois, que acolheram sua palavra, fizeram-se batizar.

E acrescentaram-se à eles aquele dia, cerca de três mil pessoas” (2,41); segue um sumário que
apresenta um quadro da vida da comunidade: “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos
apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações... todos que tinham abraçado a fé
reuniam-se e punham tudo em comum...” (2,42ss).

O autor sagrado liga a história de Pentecostes também aos efeitos do dom do Espírito: a
comunhão fraterna, a vida de unidade vivida numa igreja nascida da Palavra.

A inteira seção narrativa se apresenta então como uma unidade literária que vê o Espírito
Santo a obra e na Palavra testemunhada que reuni os crentes em comunidade, e a origem da
koinonia fraterna na sua dimensão espiritual e material.

Vocês entenderam que, nos Atos, o Espírito Santo é essencialmente a serviço da difusão da
Palavra. Escreve Marguerat: “Nenhum autor do N.T. diz tão fortemente o papel fundador do
Espírito que constrói a Igreja come uma comunidade missionária e lhe dá a sua unidade” (p. 173).
E pouco antes: “O Espírito em Lucas é uma Espírito inaugurador, é o agente dos inícios, das
criações da comunidade, dos impulsos que fazem nascer a Igreja” (p. 153).

Ele é, portanto um Espírito fundador da obra nas etapas importantes da Igreja.

Quando Pedro anuncia o Evangelho ao centurião Cornélio e, portanto inaugura a missão da


Igreja rumo as nações, Lucas escreve: “Pedro estava ainda dizendo estas coisas, quando o
Espírito Santo desceu sobre todos aqueles que escutavam a Palavra. Os fiéis circuncisos se
maravilharam (...). De fato, os ouviam falar em línguas e engrandecer a Deus“ (10,44ss).

1
Daniel MARGUERAT, in La première histoire du christianisme. Les Actes des Apôtres, “Lectio Divina” 180, Labor et
Fides/Cerf, Genève/Paris 1999, pp. 149 ; me refiro a este estudo.
O Espírito Santo não espera que Pedro supere os seus temores e se decida batizar-lhes; Ele
tem sempre a iniciativa..., também para ajudar Pedro a abrir-se sem medo ao universal! Uma
cena igual se reproduz em Éfeso quando Paulo batiza discípulos do Batista: “E quando

Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito Santo veio sobre eles e falavam em línguas e profetizavam”
(19,6).

Repete-se toda vez o mesmo fenômeno (carismático) como em Pentecostes. Fala-se de boa
vontade de “pequena Pentecostes”.

E toda vez Lucas escreve que falavam em línguas e profetizavam, em sintonia com a profecia
de Joel citado por Pedro em Pentecostes: e profetizarão os vossos filhos e as vossas filhas.

Como comenta Marguerat: “O Espírito não conduz a êxtases, mas a comunicação de uma
palavra”.

O Espírito é a Força que deve ajudar os apóstolos a realizar o programa que o Ressuscitado
lhes deu: Ele é a serviço do testemunho dos apóstolos de Jerusalém atém aos confins da terra.
Como Jesus durante o seu ministério, agora também os discípulos são “plenos de Espírito
Santo” e conduzidos por Ele nas suas atividades.

E agora procuremos seguir esta sua atividade no livro dos Atos.

Precisa dizer que Ele se mostra particularmente ativo na missão de Paulo o apóstolo das
nações.

Se inicialmente, Lucas apresenta o Espírito, sobretudo como a força dada para testemunhar,
com a missão do apóstolo das nações, ele num certo sentido toma corpo, se torna pessoa
ativa: toma decisões, escolhe, fala, dirige, guia os autores humanos, os move rumo novas
etapas.

E uma etapa é a história da primeira missão organizada em terra pagã, segundo os Atos, a
assim chamada primeira viagem missionária (At 13-14). Escreve o autor: “Celebrando eles o
culto em honra do Senhor e jejuando, disse-lhes o Espírito Santo: Separai para mim Barnabé e
Saulo, para a obra à qual os destinei” (13,2).

Como vêem, é o Espírito Santo que decide e escolhe os missionários; é sempre uma ação em
plena liberdade, mais também sempre eclesial.

Ele fala no contexto de uma liturgia; também na história sucessiva do concílio de Jerusalém, as
decisões são tomadas em comum.

Recordam a famosa fórmula; “o Espírito Santo e nós decidimos...” (15,28).

São sempre para manter unidos estes elementos: plena liberdade do agir inovador do Espírito
que não pode ser manipulado, mais sempre também no contexto da Igreja.

Outra etapa é a segunda viagem missionária de Paulo.

Quase cômica é a descrição da intervenção do Espírito Santo.

Paulo e companheiros (Silas e Timóteo) querem dirigir-se a oeste rumo a Éfeso, mais o
Espírito Santo os impede de falar a Palavra na Ásia.
Então se dirigem rumo ao norte: tentavam chegar a Bitínia, mais o Espírito de Jesus não os
permitiu. Então, ultrapassada a Mísia, desceram em Trôades (16,6-8).

Eis onde os quer o Espírito Santo!

Lucas dá a impressão que os missionários não sabiam aonde ir, sem finalidade precisa.

Na realidade o Paulo histórico tinha uma finalidade bem precisa em mente: ir a Europa onde
funda as igrejas de Filipe, Tessalônica e Corinto.

Mas o autor dos Atos, para sublinhar a importância da chegada do Evangelho na Europa, que
inculcar no leitor que a decisão de passar na Europa corresponde exatamente ao querer divino,
e não é devida a qualquer caso ou capricho humano.

Em resumo é o Espírito Santo o verdadeiro promotor da missão; e a história narrada por Lucas
se faz história da salvação.

Porém, já no final de livro, a partir da viagem de Paulo a Corinto a Jerusalém, no fim da


terceira viagem, para levar a coleta (que Lucas não menciona, mesmo conhecendo-a), o
Espírito Santo em parte muda função e vem colocado em relação com os passio Pauli.2

Lucas fez o possível para narrar esta viagem para Jerusalém em synkrisis com o caminho de
Jesus da Galileia a Jerusalém.

Como Jesus, Paulo, inocente, se dirige com decisão rumo um destino de sofrimento na cidade
santa onde será preso pelos judeus e entregue aos pagãos, como Lucas faz dizer ao Espírito
por meio do profeta Àgabo (21,11).

Como Jesus também na última ceia, o apóstolo faz um discurso de adeus aos presbíteros de
Éfeso e anuncia: agora eis que, conquistado pelo Espírito, estou indo a Jerusalém, não
sabendo aquilo que lá me poderá acontecer. Sei somente que o Espírito Santo de cidade em
cidade, me adverte que me espera correntes e tribulações (20,23ss).

Notem o verbo escolhido.

Paulo se sente conquistado isto é acorrentado pelo Espírito Santo como um prisioneiro
obrigado a ir onde não gostaria.

Talvez o autor sagrado queira recordar ao leitor Saulo o perseguidor que quer conduzir os
seguidores de Jesus acorrentados a Jerusalém (9,2).

Agora é o apóstolo, ex-perseguidor, que vem acorrentado (pelo Espírito Santo) e arrastado
para o sofrimento. Lucas gosta destes contrastes.

O narrador insiste sobre a constante presença do Espírito neste caminho de sofrimento, não
somente porque tal presença faz entender que o destino de Paulo não é um destino absurdo,
mas é conforme ao querer divino como aquele de Jesus, mas o Espírito faz entrar este
caminho do apostolo em comunhão com aquele de Cristo, assim que no aos pagãos (cf.
26,23).

2
Antonio LANDI, “Avvinto dalla Spirito” (At 20,22). Paulo e o Espírito nos Atos dos Apóstolos, in Riv. Bib, testemunho
de Paulo, servo sofredor, Jesus ressuscitado continua a anunciar a luz ao povo e. 64(2016), pp. 447ss., sobretudo pp.
460ss.
Precisa também dizer que Lucas não teme as contradições (aparentes). De um lado, o autor
insiste sob o destino de sofrimento que o Espírito Santo impõe ao apóstolo como querer divino,
todavia quando Paulo chega a Tiro (21,4), os crentes da cidade, sempre inspirados pelo
Espírito Santo suplicam Paulo de não ir a Jerusalém! Portanto o mesmo Espírito que impulsiona
o apóstolo a ir ao encontro do seu destino de sofrimento em Jerusalém impulsiona a
comunidade de Tiro a impedir Paulo de ir à cidade santa.

Não se trata de um descuido do narrador.

Ele segue um método literário aonde o protagonista da história vai decididamente e com
coragem rumo a morte, enquanto os seus amigos se esforçam em vão para desiludi-lo.

Serve para sublinhar a coragem ou a fatalidade do herói que assume o seu destino até o
fundo.

Penso também, para Lucas, a um possível referimento a palavra de Jesus no horto do


Getsemani: não a minha, mas a tua vontade seja feita!

Numa situação de sofrimento e de angústia, são presente, e em tensão, como duas vontades
diante uma da outra, e cada uma é boa, mas prevalece a vontade superior.

Assim Paulo. Mediante o Espírito testemunha Cristo não somente com a palavra, mas com a
vida.

Em resumo, para concluir, parece que o Espírito Santo é o verdadeiro autor na obra lucana, do
início ao fim.

Ele é ativo desde a concepção de Jesus no início do evangelho, até o final do livro de Atos.

E é essencialmente um Espírito missionário que move Jesus assim como a Igreja ao


testemunho; é o Espírito dos “últimos dias” como tempo da salvação, Aquele que move a
Igreja até os confins da terra, e isto é a Igreja de todos os tempos.

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