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PREFÁCIO 15
INTRODI:ÇÃO 21
8. Um imperativo categórico 30
10. O incesto 34
11. O adultério 35
12. A prostituição 36
14. Onanismo 37
16. A castração 38
TERCEIRA PARTE
175
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA 216
PREFÁCIO
Enquanto isso, e juntamente com essas experiências, sentimos que era necessário
insistir em certos pontos fundamentais do nosso livro sobre a esfinge, principalmente no que
se refere aos uraeus frontal, à cabeça de serpente situada no nível da testa, entre os olhos ou
melhor, um pouco acima deles, na altura do famoso "terceiro olho". No decorrer de nossas
pesquisas sobre a esfinge e os querubins-esfinges, já havíamos notado a importância do
símbolo da serpente, ligado aos dragões, ao caduceu e, surpreendentemente, aos serafins, que
também eram serpentes aladas. Como acontece quase sempre em simbólica esotérica, os
menores detalhes são os mais importantes; em todo caso, é o que se pode afirmar quanto ao
uraeus; é sobretudo ele que nos leva aos ritos iniciáticos.
Pouco a pouco nos demos conta que nos achávamos diante de um aspecto
inteiramente inesperado para nós: sob a influência das lições de Ioga de que já falamos e de
nossa Psicanálise pessoal, surgiu um relacionamento entre o fenômeno da repressão sexual, a
simbólica da serpente alada, a Psicanálise e a experiência mística. As prováveis origens dos
tabus sexuais na nossa civilização judaico-crista estavam ao nosso alcance. A partir desse
momento, o aspecto simbológico de nosso trabalho tomou urna posição secundária e
meramente instrumental diante da importância de um assunto praticamente pouco sondado
até o presente. É o que explica que nós tenhamos começado a tratar do problema do pecado
sexual antes de discutir sobre a simbólica da serpente alada. Isso não impede que este prefácio
represente a chave essencial deste livro.
Com certeza não teríamos chegado a conclusões tão bem fundamentadas se não nos
achássemos diante do enorme problema criado pelo consumo em massa das "drogas"
chamadas alucinatórias e psicodélicas; a abundante literatura científica e profana contribui
igualmente para confirmar o que antes era apenas uma hipótese muito vaga, que nós
chamamos "hipótese energética', como explicação das origens da repressão sexual.
Durante a redação deste livro, fomos aos Estados Unidos em viagem de estudos e de
observação; a importância crescente atribuída à conscientização a que o homem chegou da
sua energia impressionou-nos particularmente; referimo-nos sobretudo aos trabalhos de
"Bioenergetic", às técnicas de Alexander e de Ida Ralph, cuja ênfase é dada pelo Esalen
Institute de Big-Sur, na Califórnia.
Ao voltar dessa viagem, estávamos mais bem preparados para tratar de problemas
como os que se ligam à sublimação e à transmutação da energia e à experiência mística
propriamente dita.
Quando um autor termina um ele é quase sempre invadido por uma certa ansiedade;
será que eu me fiz compreender bem? Eu não esqueci nada? Quais serão as críticas negativas?
Como acabamos de dizer, este livro constitui antes de tudo uma continuação do nosso
trabalho sobre a esfinge; inúmeras noções básicas expostas nesse trabalho, que permitem
uma melhor compreensão deste livro, não foram repetidas aqui, pois supomos que o nosso
leitor já as assimilou.
Poder-se-ia fazer a observação que nós deveríamos nos entender mais quando
tratamos dos fundamentos da correspondência entre as diferentes tradições ocidentais e
orientais. Esse argumento poderia ser aceito se não existissem trabalhos anteriores, a começar
pelo nosso sobre a esfinge. Nós mostramos nele como uma aproximação antropológica e
cultural universal permite esclarecer o assunto muito mais do que um estudo limitado a uma
só cultura ou religião; só se poderá se persuadir do nosso ponto de vista a partir do momento
em que se tomar conhecimento dos trabalhos de Mircea Eliade, que nos dá os fundamentos
de uma ciência das religiões, formada por estudos comparativos minuciosos entre as
diferentes tradições do mundo;-ao ler as suas pesquisas, pode-se dar conta de quanto são
árduos os esforços para por em correspondência, bem como em evidência, as semelhanças e
as diferenças. Como bem mostra Georges Dumezil na sua Introdução ao Tratado de história
das religiões de M. Eliade, se as primeiras tentativas ingênuas de redução das religiões a um
denominador comum "pescadas nos mares do Sul" não tiveram êxito e voltam ao domínio da
filosofia, pode-se colocar em evidência uma "morfologia do sagrado", que traduz toda uma
"dialética do sagrado"; esse esforço de explicação e de unificação confere uma certa
uniformidade e coerência de um continente a outro. São os mitos e os "símbolos arquetípicos
já evidenciados por Jung que constituem esse traço de união. No nosso trabalho, nós
mostramos que é justamente o mito da serpente alada ou do dragão como símbolos da
energia e da sublimação que constitui, além dos outros dados que tentamos reunir, o traço de
união entre as diferentes tradições do mundo, no que diz respeito à crença na existência do
urna possibilidade de obter uma experiência extática a partir da sublimação fia energia sexual.
Mas existe outro traço de união, que é a natureza do homem, sua estrutura fisiológica
e a energia que o anima, que são quase iguais em todos os continentes; seria com toda certeza
um erro supersticioso crer que a energia que anima os católicos, ou os protestantes é
diferente da que anima os maometanos ou os budistas; pela mesma razão pode-se afirmar que
o fenômeno dos níveis de consumo dessa energia é o mesmo em todo o planeta: motor,
sexual, emocional, intelectual; e se se provar a existência de níveis sutis ou "elevados"
chamados extáticos ou místicos, não haverá para que os fenômenos vividos não sejam os
mesmos.
Com efeito, nós ouvimos sempre objeções segundo as quais é impossível reduzir a
experiência mística de um santo católico à de um padre zen--budista, ou de um monge
tibetano: fala-se de "conceitos" diferentes e se afirmar até que os mesmos critérios de análise
não podem servir para a tradição oriental e ocidental; autores como Mayassis mostram-nos
que, muito pelo contrário, nós estamos diante de fenômenos idênticos.
No decorrer da leitura deste livro, o leitor não advertido pelas leituras de psicanálise,
de ciência das religiões, de simbologia esotérica ou de psicofisiologia deve perguntar-se aonde
nós queremos chegar. Vamos tentar fazer para ele um resumo das hipóteses e conclusões: —
— A princípio, essas técnicas não eram de modo algum obrigatórias, mas constituíam,
pelo contrário, uma opção voluntária para quem quisesse obter uma experiência mística de
iluminação.
Sob uma outra forma, aqui se encontra a ideia simbolizada pela cabeça humana e o
uraeus frontal na esfinge; o homem consciente da sua energia e canalizando-a para fins
superiores, humanos e, como o mostra Mircea Eliade quanto à Ioga, supra-humanos.
Outra observação que nós pressentimos que vamos receber é que só enfatizamos o
aspecto frustrante da religião, e mais particularmente na tradição judaico-crista, e que
omitimos as belezas do amor descritas na Bíblia; ou em outros termos, por exemplo, nós só
falamos do Levítico e passamos em silêncio o Cântico dos Cânticos, que é um canto à relação
amorosa; é claro; mas não esqueçamos que o objetivo deste estudo é a origem do sentimento
de culpabilidade sexual, isto é, a origem da noção de pecado; isso não desvaloriza de modo
algum os aspectos positivos da mensagem de amor que todas as religiões nos trazem; muito
pelo contrário, nós tentamos demonstrar a necessidade de revisar a noção de pecado sexual,
que é sem dúvida a fonte principal de grandes mal-entendidos e sofrimentos.
INTRODUÇÃO
Essa angústia é o sinal de interdição que nos é enviado por uma organização poderosa
e bastante complexa; trata-se de uma verdadeira polícia; mas de uma polícia diferente, pois
ela é constituída somente de nós mesmos, ou melhor, de uma parte de nós mesmos.
É uma força moral poderosa, tão poderosa que Kant chamou-a de "imperativo
categórico"; categórico porque a pessoa não discute com essa polícia. Ela tem as suas
punições, nossa polícia: a multa mínima é a angústia, o sentimento intolerável de
culpabilidade. Mas às vezes ela nos faz pagar bem caro: úlcera, enfarte, asma e até mesmo
câncer.
Durante muito tempo pensou-se que essa polícia era inata, que se nascia com ela.
Freud liquidou definitivamente essa superstição; nossa polícia vem do exterior; ela foi-nos
imposta na cabeça, no coração, no corpo todo. Já se desconfiava disso antes, pois era preciso
educar as crianças através de recompensas, de castigos e pelo exemplo. Freud demonstra-nos
que essa polícia, que ele designa, como se sabe, pelo termo de superego, é o produto de
"introjeções" do comportamento, dos hábitos e sistemas de valores dos nossos pais e
educadores.
Inatos são os nossos instintos, nossas pulsões que formam o que Freud chamou nosso
id: comer, beber, fazer amor e ter vontade de dar um tiro de revólver num rival fazem parte do
nosso equipamento inato; ele é programado com antecedência, em termos cibernéticos.
Elas constituem o que Hesnard chamou "o universo mórbido da culpa"; André Berge
agrupou essas manifestações patológicas sob um título bem significativo: "As Doenças da
Virtude".
Este livro não tem como objetivo descrever como nascem e se desenvolvem os
distúrbios psicológicos e psicossomáticos que se originam da repressão sexual. Queremos
ressaltar aqui apenas a sua importância e relembrar simplesmente a sua existência ao leitor,
pois esta lista de neuroses e psiconeuroses e a demonstração de sua origem na repressão
sexual foram, como veremos mais adiante, originadas de um outro grande mal-entendido, que
é a liberação sexual como reação à repressão: ela é também a prova da existência de urna
imensa força energética em nós mesmos, força esta que constitui justamente o objeto de
estudo deste livro. É o recalque, isto é, a repressão inconsciente dessa força, que pode levar-
nos a neuroses e psiconeuroses ou, utilizando uma classificação mais moderna de Laplanche e
Pontalis, a afecções psicossomáticas (como os distúrbios digestivos, a úlcera duodenal, as
nevralgias, as vertigens, certas alergias, paralisias, etc.), a neuroses (como a histeria, a
neurastenia, a neurose obsessiva, a neurose de angústia e a neurose de abandono) e a
psicoses (como a psicose maníaco-depressiva, a paranoia e a esquizofrenia.
O preço pago pela nossa civilização por causa desses conflitos é realmente muito
elevado, principalmente se levarmos em consideração o fato de que a neurose não é uma
exceção; somos todos, sobretudo nós que vivemos em cidades, mais ou menos sujeitos à
neurose.
Como mostra Roger Bastide, "se o número de psicoses não varia sensivelmente de
uma época para outra e de um povo para outro, o número de neuroses vai, pelo contrário, se
multiplicando com as transformações das estruturas sociais e subversão dos valores.
É nesse contexto de exame crítico de nossos valores e de suas origens que se inscreve
a nossa obra Freud mostrou-nos que nosso superego provém da influência de nossos
educadores que nos transmitem uma série de tabus e mais particularmente, a noção de
pecado sexual.
Tentaremos dar aqui um passo adiante, isto é, reencontrar as origens dessa repressão
sexual, o que representa em suma identificar as origens e as causas do pecado.
O problema que nos concerne aqui é o de saber de onde vêm os valores negativos com
respeito ao sexo, o que significa conhecer as origens do pecado sexual.
De qualquer forma, o sentido atual da palavra pecado refere-se antes de tudo a uma
transgressão de ordem religiosa; é por conseguinte na religião que devemos procurar a origem
da noção de pecado.
Entretanto, o fato de que a influência da religião sobre a vida sexual é uma evidência
para o homem comum, não deve nos impedir de tomarmos todas as precauções
metodológicas possíveis, tendo em vista uma demonstração científica desse fato. A
Psicanálise, por exemplo, é rica em casuística de neuroses de diferentes tipos que a história
acusa como sendo pressões de natureza religiosa ou tabus ligados historicamente a proibições
religiosas.
Poder-se-ia pensar que tais diferenças desaparecem no que diz respeito às relações
conjugais, em que a sexualidade é considerada como mais lícita; mas este não é o caso; certas
frequências de grupos não praticantes são 20 a 30% mais elevadas que as de indivíduos
praticantes, mesmo isolando certas variáveis como a idade ou o nível de instrução.
Temos aqui, por exemplo, as frequências médias das relações sexuais conjugais
obtidas a partir de uma população protestante sexualmente ativa, de nível de instrução
superior, em função da idade:
Trata-se aqui do dado mais importante para o nosso trabalho; como veremos mais
adiante, pode-se encontrar argumentos racionais para todos os tabus de natureza religiosa; a
permanência do tabu sexual no casamento entretanto exige urna análise mais profunda, que
nos levará a urna nova teoria explicativa do pecado sexual.
Poderíamos resumir tudo o que foi dito até o momento através do seguinte esquema:
É a partir de valores que os homens ditam suas leis e regras sociais; a transgressão
dessas regras leva a uma sanção; a punição, pelo medo que ela provoca, catalisa a formação
de nossa polícia interior. o superego; a angústia ou sentimento de culpabilidade é o medo da
punição do superego e o superego é a interiorização ou introjeção das autoridades exteriores
que nos punem.
No que concerne mais particularmente à noção de pecado sexual, o que nos interessa
é esclarecer mais as leis e regras sexuais e sua profunda razão de ser, isto é, os valores que
presidiram à sua elaboração.
Somente com esta condição é que cada ser humano poderá examinar
conscientemente sua posição pessoal em relação a esses valores e decidir quanto à
oportunidade de tal ou tal norma de comportamento sexual, com pleno conhecimento de
causa.
Com essa finalidade, evocaremos em primeiro lugar as normas sexuais existentes nas
principais tradições religiosas do mundo. Em seguida, passaremos em revista as diferentes
explicações clássicas quanto aos valores subjacentes e essas normas sexuais: explicações
religiosa, biológica, sócio-econômica e antropo-psicanalítica. Veremos então que todos esses
aspectos ainda não são suficientes para explicar e justificar o imenso tabu que envolve as
relações sexuais, mesmo quando elas parecem racionais, razoáveis ou aceitáveis. A explicação
antropo-psicanalítica será a porta de entrada do que constituirá a segunda parte do nosso
trabalho: as origens místicas da repressão sexual. Comecemos pela explicação religiosa
propriamente dita.
PRIMEIRA PARTE
EXPLICAÇÕES RACIONAIS
CAPÍTULO PRIMEIRO
NORMAS RELIGIOSAS
Existe uma imagem familiar à infância de muitas pessoas, imagem que tende a
desaparecer sob a influência da evolução da igreja católica; é a do padre que ameaça, do alto
do seu púlpito, todos aqueles que cometem pecados, de serem submetidos ao julgamento
divino e entregues às torturas e ao inferno. Eis aqui, a título de ilustração, um dos sermões
menos violentos, extraído de um manual religioso do século passado:
“Minhas caras crianças, a história conta-nos que um dia a infame esposa de Putifar,
querendo levar para o caminho do mal o casto José, colocou sua, inocência em armadilha. Mas
o virtuoso jovem, pensando que o pecado que queriam lhe levar a cometer iria imediatamente
matar a sua alma e fazer uma grande injúria a Deus, recua horrorizado. Preferindo sacrificar
sua reputação, sua liberdade e até mesmo a sua vida, ele gritou com indignação: Como eu
poderia consentir em vossos desígnios culpáveis, quando eles seriam um crime para mim e um
ultraje para Deus:
"Esta linguagem plena de fé que manteve esse jovem virtuoso solicitado ao qual é
aquela que vós devereis ter, vós mesmos, minhas crianças, quando vossas paixões ou alguma
criatura pérfida vos solicite ao pecado."
Todas essas ameaças se inspiram nos textos das escrituras e nas normas que se
apresentam em geral sob uma forma categórica, como veremos em seguida.
8. — Um imperativo categórico
Em geral, não há uma explicação da razão de ser dessas leis religiosas; elas existem
porque Deus quis assim; quem obedece a essas leis será recompensado, quem as desobedece
será punido.
"Se obedeceres fielmente à voz do Senhor, teu Deus, guardando cuidadosamente
todos os seus mandamentos que hoje te prescrevo, o Senhor, teu Deus, elevar-te-á acima de
todas as nações da terra."
“Mas se não obedeceres à voz do Senhor, teu Deus. . . Serás maldito. . ."
Esse tom autocrático encontra-se em outras religiões. Temos aqui, por exemplo, um
trecho extraído do Corão:
1. Este capítulo nos é enviado do céu. Ele contém a sanção das nossas leis e dos signos
cuja evidência deve vos abrir os olhos.
Mesmo entre os egípcios há mais de quatro mil anos pelo menos, encontra-se a
mesma tradição autocrática; Osíris, o deus supremo, é também o juiz final no que concerne os
pecados. Eis aqui um trecho da "confissão negativa" que se encontra no "Papiro Nu" do "Livro
dos Mortos":
O texto é seguido de uma longa lista de pecados, entre os quais alguns são de natureza
sexual, como o adultério, a homossexualidade ou mesmo a ausência de castidade.
O cristianismo retomou os temas do Antigo Testamento. Eis aqui, por exemplo, o que
diz São Paulo:
"Digo pois: Andai segundo o Espírito e não satisfareis aos apetites da carne, porque os
desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne:. . . Vos previno como já vos
preveni: os que praticarem (as obras da carne) não herdarão o reino de Deus" .
"Aqueles que fazem o mal, não me atingem, almas desgarradas, baixas na escala
humana; porque o conhecimento lhes é roubado por Mâyâ, e eles se dirigem à natureza do ser
do asura".
As mesmas ideias são encontradas ainda no Visnupurâna; eis aqui alguns trechos: "Se
o Senhor Hari, o deus sem começo, que traz consigo uma espada, uma concha e uma clava, o
ser inalterável está no coração desses homens, como o pecado estaria aí, já que ele não se
distingue do que causa a sua própria perda? Quando o sol está aqui, como teríamos as trevas?
"Aquele que rouba o dinheiro do outro, que violenta os seres, que diz falsidades, ou o
cruel, o ser de alma sórdida que se embriaga com sua perversidade O Eterno não está no seu
coração."
Poderíamos multiplicar infinitamente esse gênero de citações; elas todas têm uma
característica comum: a estreita ligação entre a atribuição de uma sanção divina e a prática da
virtude ou do pecado. A recompensa é em geral o acesso ao "reino dos céus" ou a descida de
Deus Ele mesmo. A punição oscila entre o inferno, uma nova reincarnação, ou simplesmente a
ausência de recompensa.
— Incesto;
— Prostituição;
— Pederastia;
— Sodomia;
— Homossexualidade;
— Onanismo;
— Exibicionismo;
— Castração;
— Travesti;
— Violação;
— Relações pré-conjugais.
— Gonorreia;
— Perdas seminais;
— Fluxo menstrual;
10. — O incesto
As relações sexuais entre pais e filhos e entre irmãos e irmãs são objeto dos tabus mais
antigos da humanidade. Como o mostra, por exemplo, Mali-nowski, "mesmo nas sociedades
mais licenciosas, não existe e nunca existiu nada que se pareça com a "promiscuidade". Em
toda cultura encontramos antes de tudo sistemas de tabus bem preciosos, destinados a tornar
certos indivíduos de sexos opostos inaccessíveis uns aos outros, a retirar de categorias inteiras
a possibilidade de se tornarem eventualmente companheiros conjugais. O mais importante
desses tabus proíbe totalmente a aproximação sexual entre homens e mulheres que já têm um
contato normal, natural, isto é, entre os membros da mesma família, entre pais e filhos, irmãos
e irmãs."
Há somente raras exceções durante alguns séculos em certas dinastias egípcias e entre
os sucessores de Alexandre Magno, em que o casamento entre irmãos e irmãs era, bem ao
contrário, uma regra para o acesso ao trono.
"Nenhum de vós se achegará àquele que lhe é próxima por sangue, para descobrir a
sua nudez. Eu sou o Senhor."
"Não descobrirás a nudez de teu pai, nem a de tua mãe. Ela é tua mãe: não descobrirás
a sua nudez."
"Nem a da tua irmã, filha de teu pai ou de tua mãe, nascida na casa ou fora dela."
"Não descobrirás a nudez da filha de teu filho ou da filha da tua filha; porque é tua
nudez."
11. — O adultério
Se a mulher de um cidadão é acusada de ter relações com outro homem, sem haver
sido surpreendida em flagrante delito, ela deve, em atenção ao seu marido, atirar-se no rio.
O Novo Testamento, apesar de ser mais tolerante quanto ao ato propriamente dito,
estende o princípio de adultério até mesmo às intenções: "Ouvistes o que foi dito aos antigos:
Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que lançar um olhar de cobiça para
uma mulher, já adulterou com ela em seu coração."
Mesmo o Corão, que admite, como sabemos, a poligamia, não admite o adultério.
"Infligireis ao homem e à mulher adúlteros cem chicotadas em cada um."
12. — A prostituição
O Antigo Testamento condena a prostituição: "Não prostituas tua filha, para que a
terra não se entregue à prostituição e não se encha de crimes."
O Novo Testamento reforça a ideia de impureza das relações com prostitutas: "Ou não
sabeis que o que se ajunta à prostituta faz-se um só corpo com ela? Está escrito: Os dois serão
uma só carne. . . Fugi da impureza. . . . mas quem comete impureza peca contra o seu próprio
corpo."
13. — Homossexualidade e pederastia
Como vimos mais acima, a homossexualidade era um pecado no Livro dos Mortos
egípcio.
"A mulher não se vestirá de homem, nem o homem se vestirá de mulher: aquele que o
fizer, será abominável diante do Senhor, teu Deus."
O texto Levítico é, por sinal, bem claro a esse respeito: "Não te deitarás com um
homem, como se fosse mulher: isto é uma abominação."
14. O onanismo
0 termo "onanismo" provém da história de Onan, filho de Judá. Onan tinha um irmão
que, segundo a Bíblia, morreu sob o efeito de um castigo divino. Judá pediu então a Onan que
se casasse com Tamar, sua cunhada, a fim de assegurar uma posteridade ao seu irmão. "Mas
Onan, que sabia que essa posteridade não seria dele, deixava cair o sémem por terra cada vez
que se unia à mulher do seu irmão, a fim de não dar a este posteridade. Seu comportamento
desagradou ao Senhor, que o feriu de morte também."
A Bíblia considerava portanto o onanismo como pecado mortal; daí vem a fonte da
angústia e do desespero de muitos adolescentes que se masturbam e, como mostra a
Psicanálise, uma das origens clássicas do sentimento de culpabilidade e da angústia sexual do
adulto.
" Far-lhes-á também, para cobrir a sua nudez, calções de linho indo dos rins até às
coxas. Aarão e seus filhos os levarão quando entrarem na tenda de reunião, ou quando se
aproximarem do altar para fazer o serviço do santuário, sob pena de incorrerem numa falta
mortal. Isto é uma lei perpétua para Aarão e sua posteridade."
Essas proibições, aliadas às outras já citadas quanto à nudez dos pais que não se deve
descobrir — que nós assinalamos a respeito do incesto —, representam provavelmente à
origem do pudor e da culpabilidade relacionada às práticas de nudismo até nossos dias.
16. — A castração
Os castrados eram, pois, banidos da assembleia, o que mostra que apesar de todas as
proibições, os órgãos sexuais eram considerados importantes; com a continuação deste livro
compreender-se-á melhor as razões dessa atitude.
"Se um homem encontrar uma donzela virgem, que não seja casada, e, tomando-a,
dormir com ela, e forem apanhados, este homem dará ao pai da donzela cinquenta siclos de
prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como ele a deflorou, não poderá repudiá-la em todos os
dias de sua vida."
"A respeito das pessoas, não tenho mandamento do Senhor mas dou o meu conselho
como um homem que recebeu da misericórdia do Senhor a graça de ser digno de confiança.
Julgo, pois, que em razão das dificuldades presentes, é bom ao homem ficar assim como é.
Estás casado? Não procures desligar-te. Não estás casado? Não procures mulher. Mas se te
casares não pecas; e, se a virgem se casar, não peca. Todavia padecerão a tribulação da carne;
e eu quisera poupar-vos".
A mesma coisa passa-se com relação ao fluxo menstrual: "Quando uma mulher tiver
seu fluxo de sangue, ficará impura sete dias: qualquer que a tocar será impuro até a tarde. . . .
Se alguém dormir com ela, e for tocado por sua impureza, será impuro durante sete dias, e
toda cama na qual se deitar será impura."
O tabu com respeito à menstruação era tão grande que o casal que mantinha relações
sexuais durante o ciclo menstrual era simplesmente banido: "Se um homem dormir com uma
mulher durante o tempo de sua menstruação e vir a sua nudez, descobrindo o seu fluxo e
descobrindo-o ela mesma, serão ambos cortados do meio de seu povo."
Até mesmo a mulher depois do parto e considerada impura: "Quando uma mulher der
à luz um menino, será impura durante sete dias, como nos dias de sua menstruação." "Se ela
der à luz uma menina, será impura durante duas semanas.. ."
Apesar da legitimidade das relações conjugais, do ponto de vista, sexual, ser um fato
indiscutível, encontramos nos textos relativos à sexualidade no casamento, expressões que
revelam as ideias culpabilizantes dos legisladores ou dos autores. Nós daremos detalhes desse
fato; se, como veremos mais adiante, todas as restrições precedentes encontram explicações
racionais, elas são insuficientes para explicar a extensão da noção de impureza nas relações
matrimoniais propriamente ditas. Torna-se pois importante que acumulemos dados sobre esse
assunto.
A vergonha sexual começa na Gênesis: "... Estai prontos para depois de amanhã, não
vos aproximeis de mulher alguma."
Essa ideia de impureza encontra-se reforçada por uma afirmação de Davi: em resposta
ao sacerdote Aquimelec, que só podia lhe oferecer pão consagrado para satisfazer a sua fome:
"Não tivemos comércio com mulher alguma desde que parti, há três dias. Todos os objetos
que pertencem aos meus servos estão (igualmente) puros. . ." Ora, só podia comer desse pão
em estado de graça. Na concepção do Antigo Testamento, as relações sexuais são, pois, algo
de "impuro", com relação ao sagrado.
Apesar de Jesus ter nascido de uma mulher, convém lembrar que se tratava de uma
virgem, portanto de uma mulher que era "pura" e não havia sido "desonrada" por um homem.
Pelo menos, é uma interpretação que nos vem à lembrança, ao escrever estas linhas.
Como diz Jacques Sarano, o sexo identifica-se com o pecado; essa noção se acha
explícita mesmo em "expressões como "Maria concebida sem pecado", no rito de
"purificação" prescrito pela lei mosaica ("purificação da Virgem") e até mesmo na noção de
Imaculada Conceição.. ."
Mas essa ideia de impureza sexual não é encontrada apenas dentro da tradição
judaico-cristã; outros povos possuem estereótipos equivalentes; na África Oriental, por
exemplo, às margens do lago Nyassa, os Nyakusa evitam todo contato com os resíduos
corporais; vejamos o que diz M. Wilson sobre o assunto:
"Ubanyali, a sujeira, provém, segundo eles, dos fluidos sexuais, das regras e do parto,
assim como dos cadáveres e do sangue de um inimigo vencido. Tudo isso é considerado
nojento e perigoso; os fluidos sexuais são particularmente perigosos para urna criança."
Existe uma vasta literatura sobre o símbolo da serpente e do dragão; ele encontra-se
praticamente em todas as grandes religiões ocidentais e orientais e aparece na inconografia da
maior parte dos templos e igrejas; nos textos sagrados ele é descrito ao lado de Deus ou de
enviados; ele está presente nos ritos secretos e sua frequência é maior quando se trata de
ritos de iniciação; enrolada nas árvores da vida e da ciência, a serpente aparece isolada ou a
duas; frequentemente munida de asas, ela é encontrada tanto nos templos hindus, chineses,
japoneses e mexicanos como nas igrejas medievais europeias.
Ela adorna a fronte das cabeças humanas das esfinges; foi analisando esse "uraeus"
que entramos em contato com o símbolo da serpente; nossa análise simbológica da esfinge
fez-nos chegar a conclusões idênticas às de outros autores, com respeito à serpente e ao
dragão ou serpente alada.
De início, resumiremos essa análise da esfinge, que nos levou a construir um modelo
de abordagem que simplificará nossa exposição do assunto e tornará mais clara a nossa
análise.
Ora, os antigos, até aos pré-socráticos, possuíam uma visão molar do cosmo, segundo
a qual tudo estava em relação com tudo; o que predominava era o velho princípio da pedra de
esmeralda de Hermes Trigenista: "O que está em cima está em baixo"; princípio que se
encontra também no budismo, em Lao Tsé e na Cabala judia. Deste modo, o macrocosmo e o
microcosmo (o homem) têm a mesma estrutura, que é a mesma dos deuses; falar de Deus, do
homem e do universo é, no fundo, a mesma coisa para os antigos; hoje dir-se-ia que tudo é
constituído por átomos.
Assim, um símbolo como a esfinge podia significar ao mesmo tempo uma divindade, o
macrocosmo e o homem considerado como microcosmo. Nós conseguimos formar um modelo
dessa concepção, modelo que fizemos ressaltar até o final da redação desse livro,
comprometendo-nos a utilizá-lo quando surgisse a oportunidade de fazer a próxima análise
simbológica; a análise da serpente alada representa, pois, essa ocasião. O modelo de que
falávamos é o seguinte:
Há uma interrelação entre esses quatro ângulos do retângulo, de tal modo que a
divindade simboliza ou impregna ao mesmo tempo o microcosmo e o macrocosmo; que o
microcosmo é constituído da mesma forma que o macfocosmo, e que o símbolo animal
representa todos três.
No Ocidente pensa-se comumente que o mito da serpente do Éden começa pela Bíblia;
na verdade, ela já existia na Índia da época pré-védica. Segundo a cosmogonia do Veda, Brama
fundou um jardim onde há Urna árvore cujo fruto dá a imortalidade. Os seis deuses menores
comem desse fruto para se tornarem eternos. Então a serpente, guardiã da árvore da vida,
espalha o seu veneno sobre a terra. Para salvar a humanidade, Shiva toma forma humana
(como Jesus) e bebe todo o veneno.
Vishnu dorme sobre uma serpente infinita num oceano de leite. hidra, deus da luz,
vence a grande serpente Ahi e mata o dragão celeste Vitra. A serpente simboliza também os
ciclos de Vishnu e Shiva. Mas ela simboliza igualmente a avó de Ramakrishna . Ela contorna
sete vezes o corpo de Buda.
No tantrisrno, ela simboliza a Sakti, que foi criada pelas energias ígneas de todos os
deuses.
No Egito, Atum era representado por uma serpente, o que é também o caso de Isis e
de Osiris e de Apofis. O deus Kueph era uma serpente soprando sobre a cabeça de uma águia.
No museu do Louvre encontra-se uma estatueta do deus Bes Panteu envolto e eriçado de
serpentes. aracus adorna a fronte da maior parte das estátuas divinas do Egito, e dos faraós,
representantes dos deuses na terra. Veremos mais adiante a importância desse uraeus, no que
diz respeito à hipótese energética.
Nas Antilhas, Damballa Queddo é o deus serpente do Vaudou. Na África há, por
exemplo, Nommo, deus das águas, representado por uma serpente.
Até o Islã não escapa da serpente. Deus significa, como mostra Guénon, EI Hay: ora, a
serpente é chamada El Hayah. E El Hayat significa vida. Aqui se encontra, em três termos
semelhantes, o retângulo do modelo que nós citamos mais acima: a serpente simbolizando a
divindade e ao mesmo tempo o microcosmo; no caso em questão, a vida humana e cósmica.
Ora, sabe-se que as divindades eram elas mesmas símbolos das forças cósmicas. Qual
é o papel que a serpente exerce aí? É ao estudarmos o simbolismo da serpente macro e
microcósmica que compreenderemos melhor porque ela foi escolhida como símbolo das
divindades. É o que faremos, começando pelo macrocosmo.
— Ela pode formar um círculo. E o círculo, como mostrou de modo magistral, entre
outros autores, Loeffler-Delachaux, é um símbolo dos ciclos zodiacais, das quatro estações, do
sol e da lua. Ele também representa a eternidade, o eterno retorno, o eterno como Deus, ou,
se se trata de um ovo, da fecundação ou do começo do universo (Fig. 4). Sua picada queima e
ela gosta dos lugares ardentes, fato que reforça ainda mais o seu valor como símbolo do sol e,
por conseguinte, do fogo.
— Mas ela vive também às margens e dentro d'água. Trata-se pois de um símbolo da
água.
— Quando ela se prepara para morder, ela se põe em espiral; é portanto um signo de
tensão e de reserva energética, explorado pelo tantrismo e pelo judaísmo, como veremos mais
adiante.
— Ela habita nas cavidades da terra; por isso, ela é encontrada também como símbolo
ctoniano, como símbolo da terra.
— Sua semelhança com o cogumelo torna-a companheira dessa planta que, como a
serpente, sai de uma cavidade da terra, assemelha-se a um falo e pode envenenar quem a
tocar; certos cogumelos provocam queimaduras. Daí vem a associação com o "fruto proibido'',
que seria o cogumelo sagrado, o "Amanita Muscaria"„John M. Allegro defende essa tese e até
nos mostra um afresco da igreja de Palincourault, que representa a tentação de Adão e Eva,
em que a serpente está enrolada numa árvore cogumelo (Fig. 5 e 58). Ora, como se sabe, o
cogumelo sagrado possui as propriedades de alargamento da consciência, ou propriedades
alucinatórias (segundo as correntes científicas atuais). Voltaremos a esse assunto no próximo
capítulo.
— Seu valor como símbolo energético é maior ainda, se se considerar a sua capacidade
hipnótica com relação às suas presas, capacidade que lhe confere poderes mágicos.
O círculo de que falamos é simbolizado pela serpente ou pelo dragão que morde a
própria cauda ou que é representado em espiral. Na índia, o desenvolvimento e a resorção
cíclicos, e o indefinido da existência universal são representados por Ananta. No tantrismo, a
Parakundalini é o desdobramento da emanação. Na tradição judia, o Zohar fala-nos de Leviatã,
a serpente que contorna o mundo e que segura a cauda com a boca. Ela simboliza, segundo
Guénon, o conjunto de ciclos da manifestação universal. No México, Siulcoatl acompanha o sol
e se encontra uma serpente enrolando um calendário mexicano. Na África, cada 72 anos uma
tribo talha uma serpente. Ora, esse número 72 traduz inúmeros ciclos em diversas tradições
religiosas e esotéricas. Na Assíria, uma serpente simboliza as fases da lua (Fig. 6). Na China, o
símbolo do ciclo Yin-Yang contém uma serpente inscrita no círculo do eterno retorno. No
Egito, numerosas serpentes e dragões mordendo a cauda mostram que se originaram deles
mesmos, como o universo, e que eles são auto-suficientes. Eles simbolizam a eternidade e o
universo. Entre os gnósticos, encontram-se serpentes como Ofis (daí vêm as seitas ofitas),
Ofiomorfos, Ofiochous; a mais conhecida é Oreboures, que morde a própria cauda e simboliza,
até mesmo entre os alquimistas, os ciclos, o infinito e o princípio fixo (Fig. 7). Há, finalmente, o
dragão universal. Katalikosofis, que é a imagem do "caminho através do tudo".
A bipolaridade dialética do positivo e do negativo encontra-se também em
praticamente todas as civilizações e religiões. Na Índia, diferencia-se a serpente de fogo e a
serpente de água. No judaísmo, a bipolaridade é simbolizada pela árvore e a serpente; o Zohar
fala de dois dragões. Na civilização greco-romana, o caduceu de Mercúrio (que já se encontra
na Índia) simboliza as forças contrárias que se equilibram em torno do bastão central
mediador. O dualismo aí é igualmente simbolizado pela oposição das asas — símbolo celestial
— e da serpente — símbolo ctoniano. Segundo a lenda, ao ver duas serpentes em luta,
Hermes-Mercúrio joga sobre elas sua vara de ouro; os dois animais enrolam-se nela, formando
o caduceu. No México, encontram-se serpentes aladas como símbolo do céu e da terra e como
a síntese dos poderes contrários. Entre os gnósticos, a serpente que morde a própria cauda é
representada frequentemente em duas cores opostas: negro e branco (Fig. 7). Em alquimia, a
serpente alada simboliza o combate dos corpos químicos, e mais particularmente do mercúrio
e do sulfureto, ou então do sol e da lua, como é o caso dos dois dragões em luta de Nicolas
Flamel. Trata-se, pois, da luta entre o princípio fixo e o princípio volátil. Na China, já vimos os
dois dragões do I-Ching que simbolizam as forças ativas e passivas, o verão e o inverno, sem
falar da serpente que divide as forças positivas e negativas do Yin-Yang, equilibradas pelo Tao.
A bipolaridade, nesse plano individual, é vista às vezes do ponto de vista moral do bem
e do mal, e às vezes do ponto de vista da masculinidade-feminidade. Na índia, a serpente
simboliza o bem ou o mal, dependendo da sua posição, se ao lado dos Devas ou dos Asuras.
Entre os judeus, a circuncisão é considerada pelo Zohar como um ato de separar dois
demônios simbolizados pelo prepúcio. "Um dos espíritos chama-se "Epheh" (víbora) c o outro,
"Nahasch" (serpente); todos dois formam apenas um". Trata-se aí de dois demônios, um
macho e o outro fêmea. Nas civilizações greco-romanas, o caduceu (que é também encontrado
na índia) encerra a bipolaridade sob duas formas: as duas serpentes enroladas em torno do
bastão, representando as forças positivas e negativas em nós, e a oposição entre a serpente e
o pássaro simbolizado pelas asas. Na Ilíada, encontra-se uma águia com a serpente entre as
garras: é o triunfo da masculinidade helênica sobre a feminidade asiática. A Babilônia
encontrou a imagem de um ser andrógino associada a duas serpentes, imagem
frequentemente citada por Jung com relação aos alquimistas. E entre estes, dois dragões em
luta simbolizam a "putrefação", isto é, a desagregação psíquica. Eles representam também o
"princípio fixo" ou macho e o "princípio volátil" ou fêmea, ou ainda dois "espermas masculinos
ou femininos". Nicolas Flamel assinala, entre outras significações, que os dois dragões de suas
figuras hieroglíficas simbolizam os pecados; eis o que ele nos diz a esse respeito:
"Os dois dragões unidos, e um dentro do outro, em negro e azul, em campo de areia,
isto é, em negro, dos quais um possui asas douradas e o outro não possui, são os pecados que
se sustentam mutuamente; porque um nasce do outro. Desses pecados, alguns podem ser
expelidos facilmente; pois eles voam o tempo todo em nossa direção. Mas aqueles que não
têm asas não podem ser expulsos, e assim é o pecado contra o Espírito Santo..." .
A semelhança da serpente com o órgão sexual masculino, como vimos acima, tornou-a
não apenas um símbolo fálico mas também um símbolo de energia sexual; esse último aspecto
da serpente deve-se a outros que já citamos, e mais particularmente àqueles que a tornaram
símbolo do fogo (picada ardente, preferência pelos lugares ensolarados).
Não será, portanto, uma surpresa o fato de se encontrar a serpente ligada a todas as
tradições religiosas ou esotéricas que se preocupam com os aspectos sublimatórios da energia
sexual.
É na índia que vamos encontrar a técnica de sublimação mais antiga, que é conhecida
justamente pelo nome de "poder da serpente" ou Kundalini, que constitui a base do ensino
das técnicas da Ioga, e mais especialmente da Ioga tântrica. Segundo o tantrismo, a energia
Kundalini está normalmente "enrolada" como uma serpente, localizada na base da nossa
coluna vertebral. Trata-se da energia cósmica ou Parakundalini, já citada mais acima, que se
encontra "enrolada", como um potencial que o homem pode "despertar", se o desejar; nesse
caso, a Kundalini desenrolar-se-á e subirá na direção do cérebro, enrolando-se em volta da
coluna vertebral, como uma serpente em torno a uma árvore. Aqui se veem as semelhanças
com a serpente enrolada na árvore da vida, e com o caduceu em que duas serpentes se
enrolam em torno de um eixo. A kundalini passa, aliás por dois canais laterais, os Nadis Ida e o
Pingala (Fig. 2).
No seu livro "O mistério das catedrais", Fulcanelli assinala-nos a estátua de São Miguel,
na igreja de Notre Dame de Paris; São Miguel "mata" um dragão com um toque do seu cajado.
O autor mostra-nos que na alquimia o sal mercurial, fornecido pelo resíduo da elevação dos
princípios puros e cobreados, era Chamado pelos antigos autores de "dragão babilônico". Ora,
tudo indica que a alquimia era um sistema de sublimação da energia, simbolizado pela
transmutação dos metais. Fulcanelli fornece-nos detalhes do dragão de São Miguel na sua
descrição, que nos lembra bastante as descrições da Kundalini:
1° — Uma faixa longitudinal saindo da cabeça e seguindo a linha das vértebras até a
extremidade da cauda;
"Quanto à sua significação, ela ser-nos-á dada pelos círculos das faixas da cauda: o
centro é indicado bem claramente sobre cada uma delas. E os hermetistas sabem que o rei dos
metais é ilustrado pelo signo solar, isto é, por urna circunferência com ou sem ponto central.
Parece-nos, pois, provável pensar-se que se o dragão está coberto pela profusão do símbolo
áurico ele o contém até às garras da pata dianteira —, é que ele é capaz de transmutar em
quantidade; mas ele só pode adquirir esse poder através de uma série de cocções ulteriores
com o enxofre ou ouro filosófico, o que constitui as multiplicações.".
"Para compreender estes símbolos, vejamos o que acontece quando a pessoa que
sonha sai de um combate vitorioso contra o Dragão da Porta. Eis aqui, por exemplo, um sonho
diurno de um psicanalista que eu chamarei de Gaetan, durante uma consulta didática. Na sua
terceira consulta, o sujeito, durante uma ascensão, vê um dragão alado que lhe tranca o
caminho. Armado com uma lança, ele precipita-se espontaneamente sobre o dragão e mata-o.
Nesse instante, ele vê ao seu lado uma moça que assistia à sua luta; ele continua sua ascensão
com ela mas quase instantaneamente um gigante lhe impede, por sua vez, de prosseguir o seu
caminho. Novo combate, novo triunfo de Gaetan, que sobe em seguida lhe pelo espaço com a
sua companheira.
"Seríamos tentados de só ver nessa estória a destruição das imagines do pai e da mãe,
isto é, uma reconstrução do superego e, como consequência dessa libertação, o acesso à vida
sexual normal do adulto.
Na realidade, o que é que Gaetan procura? Primeiro, ele é guiado por uma curiosidade
de ordem científica; mas essa própria curiosidade só poderá ser satisfeita na medida em que
ele tiver uma maior consciência de si próprio. Conscientemente ou não, Gaetan procura,
portanto, realizar um progresso espiritual. Suas ascensões durante seus sonhos diurnos são
uma ascese, conseguinte, nós podemos pensar, com C. G. Jung, que a imagem da bela jovem é
o símbolo da libido livre de investir-se nos objetos novos escolhidos conscientemente. Do
mesmo modo, o tesouro do folklore, defendido pelo dragão, deve ser considerado com o
símbolo de novas aquisições psicológicas e como um verdadeiro tesouro espiritual.
Nos seus comentários sobre os charras, C.G. Jung refere-se aos guardiães, aos dragões,
como sendo a Kundalini.
"O Dragão, diz Jung, é Kundalini. Vejam, em termos psicológicos, kundalini é o que lhes
conduz à maior aventura possível. Quero dizer, mas por que diabo eu entrei nessa estória? —
mas se eu voltar, a grande aventura ali de minha vida e minha vida não será mais nada,
perderá seu sabor. É essa busca que torna a vida possível de ser vivida, e isso é Kundalini. . ."
O dragão é portanto um símbolo da sublimação quando ele se apresenta como
obstáculo à obtenção do conhecimento e da libertação simbolizados pelo "tesouro", pelo
"ouro", pelo "Velocino de ouro", a "árvore da ciência", a "árvore da vida".
Mas ele contém em si mesmo. na sua própria estrutura, essa mesma simbologia da
sublimação: a maioria dos dragões são na verdade, serpentes com asas, Estas simbolizam
justamente a elevação espiritual, como o mostram os especialistas de símbolos, e como nós
mesmos já fizemos ressaltar no caso das asas das esfinges e dos querubins. As asas, que são
quase sempre os órgãos da águia, simbolizam a inteligência, a acuidade mental, o poder da
vontade, a evolução; elas constituem um veículo da luz solar e divina, um símbolo da lei, do
bem e do mal, do domínio dos instintos e, finalmente, um símbolo de liberdade.
Nessa mesma catedral, encontram-se dois anjos alados com cauda de serpente (Fig. 1).
Trata-se aí provavelmente de serafins que, como dissemos mais acima, eram na realidade
serpentes aladas. Nesse caso, trata-se também de um símbolo da evolução do homem, que
vai, de sua origem ctoniana representada pela serpente, para o céu, simbolizado pelas asas. Os
serafins são também, por conseguinte, um símbolo de sublimação da energia; em hebreu,
Saraf significa fogo, isto é, energia.
Aliás, há uma outra prova de intenção dos antigos ao utilizar a serpente como símbolo
de sublimação sexual: é o uraeus frontal dos faraós; ama cabeça de serpente adorna o centro
da testa, entre os olhos dos faraós, como da maior parte das esfinges egípcias. E é exatamente
nesse ponto que se situa o centro da terceira visão de que falam os hindus e mais
particularmente a Ioga; esse ponto corresponde à Ajna Chacra, que se localiza na glandula
pienal. Se examinarmos melhor o uraeus de Tutankamon (Fig. 11 ). observaremos que ele é
dividido em três cores: azul, vermelho e verde. Essas três cores representam o ar, o fogo e a
água, um ternário de três elementos. E esses três elementos estão ligados ainda hoje às "três
viagens" de iniciação maçónica. Aí se encontra, sem dúvida alguma, uma prova da existência
de toda uma ciência simbológica ligada ao uraeus. É a energia sexual que sobe ao nível do
cérebro, a fim de obter a iluminação libertadora, como já dissemos mais acima, há no museu
do Louvre, na secção de egiptologia, uma estatueta do deus Bais Panteu com o pênis em
ereção, rodeado de serpentes que saem das diferentes partes do corpo, inclusive no nível da
glândula pineal não se poderia representar melhor a sublimação numa estátua (Fig. 12). Aliás,
há também estátuas de Hermes em estado de ereção, que se aproximam do caduceu, outro
símbolo de sublimação, como já vimos (Fig. 13). Um amuleto representando um pênis alado
também enquadra-se sem dúvida nesta categoria (Fig. 14).
Por outro lado, como o mostra sobretudo Mircea Eliade, em toda mitologia religiosa,
as árvores simbolizam a totalidade da vida cósmica, a realidade absoluta, a regeneração, a
eterna juventude, o conhecimento mistico obtido graças ao seu fruto.
Após haver feito tais aproximações, Guénon demonstra-nos que a árvore da vida ou
árvore do mundo encontra-se intimamente ligada à bebida da imortalidade, chamada Soma,
no Veda da Índia.
Na realidade, o Soma é objeto de um culto nos Vedas; pode-se até mesmo afirmar que
se trata de uma veneração excepcional, pois o Soma é objeto de hinos como o seguinte:
"Purifica-te, Soma, na mais doce, na mais embriagadora de tuas ondas, espremido para
Indra, para que ele te beba”.
Um fato análogo se passa no México, onde até hoje os índios veneram um cogumelo, o
Teomanacatl ou "carne de Deus". Os descendentes dos astecas e dos maias transformaram-no
em objeto de uma cerimônia que os reconduz ao jardim primitivo. "Esta volta ao estado
primordial, atribuída ao cogumelo divino, é evocada num afresco descoberto em Tepantitla,
que representa urna alma visitando o Tlalocan ou Paraíso de Tlaloc, deus da chuva e dos
Teyuinti, isto é, dos ágares alucinogenios. Um rio atravessa a região; um fio d'água separa-se e,
como se testemunhasse a sua unidade essencial, une a alma ao rio. Mais ao longe, o gênio dos
cogumelos, sob a forma de um "hombrecito", está acocorado debaixo da árvore paradisíaca.
Acima dele, uma serpente aérea desenrola suas aspirais como para nos lembrar
que a árvore da vida é sempre guardada por um monstro." Eis aí novamente a
serpente que volta à árvore da vida, desta feita ligada ao cogumelo alucinogênio
dos mexicanos; e exatamente corno o Kundalini, ela está enrolada. Na
arqueologia mexicana há numerosos monumentos, testemunhos do culto do
cogumelo (Fig. 16).
No Zohar há um texto bem interessante; trata-se da estória de Rabbi Yossé que está
passeando com o seu filho Rabbi Haya. No caminho, eles encontram um homem que lhes
afirma que eles devem comer raízes como antídoto a uma erva que lhes teria picado e dado a
lepra; eles comem a raiz e passam muito tempo dormindo e transpirando. Quando se
acordam, o homem lhes mostra as propriedades de uma certa erva: ela estimula uma serpente
a matar um homem de duas cabeças, armado com uma espada, que sai de vez em quando de
um buraco. Comentando essa estória, Rabbi Simeão afirma: "Na verdade esse homem era um
sábio; pois ele sabe que não existe nenhuma erva na terra que não contenha enormes
propriedades e poderes que levam a uma grande sabedoria e ao poder do céu. Note-se, além
disso, que, para a purificação do homem, bendito seja ele, receitou o hissopo. Por que? Porque
essa erva tem a propriedade de expulsar o espírito impuro e purificar o homem". Eis-nos aqui
novamente diante de uma raiz cuja absorção acarretou provavelmente alucinações entre os
rabinos; e vemos a serpente reaparecer ainda.
A ambrosia era para os gregos o "licor da imortalidade" dos deuses. Ora, ambrosia é
também um nome de cogumelo.
Existe até hoje nos Estados Unidos a Christian Peyottl Church, onde o Peyottl
substituiu a hóstia. Ele recebe o nome de Wokow entre os comanches e seniquoiques de
Arkansas. Segundo Brau, ele era consumido ritualmente pelas principais tribos apaches,
kiowas, sioux, chayenes, arapahos, pawnees, fox e winnebagos.
Assim, as visões dos profetas teriam sido na realidade provocadas pelo cogumelo. É
também Allegro quem faz uma relação íntima entre a serpente, o falo e o cogumelo sagrado,
fato que nos leva diretamente a Adão e Eva. Eis o que esse autor nos diz a esse respeito e que
resume bem urna grande parte do seu livro:" ... A serpente é um elemento importante do
culto e da imagística dionisíacas. As Mênadas, nas "Bacchae" de Eurípedes, têm serpentes
enroladas nos cabelos e em volta dos membros, e a serpente era o emblema especial do
Sabadios (Sabadius) frígio que é identificado a Dionísio.
Não é difícil ver o raciocínio que se dissimula atrás da antiga ligação entre a serpente e
o cogumelo, que representou um papel tão importante no folclore e na mitologia deste último.
Toda essa estória do Éden é uma mitologia baseada no cogumelo, sobretudo no que se
relaciona à analogia entre a árvore e o cogumelo sagrado, como veremos.
Voltando ao jardim de Adão e Eva, segundo Allegro ele era um jardim de cultivo do
cogumelo sagrado, do mesmo modo que o "jardim de Adônis" ou o "jardim das delícias" do
Corão.
Para maiores detalhes, aconselhamos o leitor a consultar o livro de Allegro, que nos
demonstra, além disso, a origem filológica de muitos termos bíblicos que se relacionam ao
cogumelo, inclusive a Cristo, cuja carne se come para obter a "vida eterna", a "revelação" ou o
"reino dos céus".
CAPITULO TERCEIRO
Como acabamos de ver, a serpente alada e o dragão levam-nos diretamente aos ritos
de iniciação em todas as culturas religiosas. É fato conhecido que na maior parte das religiões
existe um aspecto exotérico, reservado ao grande público, à massa e um aspecto esotérico,
destinado a uma elite; esta transmite suas tradições sob forma oral ou simbólica (ritos,
monumentos, obras de arte, música, textos sagrados), a fim de preservar os segredos inici-
áticos das deformações devidas aos mal-entendidos, assim como de um em-prego contrário
aos interesses da humanidade, ou de urna destruição causada por eventuais perseguições. A
serpente faz parte dessas mensagens simbólicas secretas que nos che-gam até hoje sob forma
de dragões, serafins, caduceus, ou simplesmente aparece enrolada, na sua forma primitiva, em
volta da árvore da vida e da mor-te e da árvore da ciência. Já vimos que todos esses símbolos
são mensagens que significam a sublimação da energia a fim de obter a libertação e o conhe-
cimento da verdade suprema. Através de um estudo direto dos métodos sublimatórios nas
diferentes ddições esotéricas, mostraremos agora que essas tradições nos levam a con-i muar
nossa hipótese energética das origens do conceito de pecado. Analisaremos primeiramente os
objetivos traçados pelas diferentes esco-loi esotéricas ou tradições místicas. Em seguida,
descreveremos os métodos utilizados que visaram esse objetivo. Uma incursão no domínio das
pesquisas (ficas atuais permitir-nos-á de verificar o fundamento desses métodos e de
esclarecer alguns mecanismos psicofisiológicos em questão; finalmente, tentaremos esboçar
urna análise crítica do problema que nos parece capital: afilier se as percepções obtidas fazem
parte do real ou do imaginário, se se urdam de alucinações ou de uma realidade diferente da
ordinária.
TERCEIRA PARTE
A fim de dar ao leitor uma visão mais clara, tentemos resumir em algumas palavras
tudo o que analisamos até o presente momento.
De início, mostramos que a ideia de pecado sexual pode ter explicações racionais,
especialmente biológicas, antropológicas, psicanalíticas e socioeconômicas; entretanto, apesar
de todas essas explicações parecerem interessantes e satisfatórias, elas não são suficientes
para aclarar o tabu que envolve as relações sexuais, sobretudo quando estas se ligam aos
cultos religiosos; é como se tivesse acontecido uma burocratização de uma prática cujas
origens se perderam; os homens teriam perdido o espírito da lei, seguindo-a à risca,
automaticamente. O celibato dos padres é um exemplo marcante desse aspecto.
Trata-se de passar a energia dispensada antes, num dos planos, para o superior;
"matar" nosso corpo é antes de tudo matar nossa vida sexual.
— Manejo de símbolos;
— Silencio.
Antes, porém, é conveniente que tentemos definir melhor o que se entende por
experiências místicas e psicodélica.
TERCEIRA PARTE
CAPÍTULO PRIMEIRO
A meditação tem como objetivo fazer com que o indivíduo volte a uma percepção
sincrética da realidade deformada pela linguagem, pelo pensamento, pelas sensações e
sentimentos, dos quais é preciso se livrar.
Deikman tentou fornecer-nos alguns critérios que nos permitem de definir melhor o
que se entende em geral por "experiência mística". Para ele, a experiência mística caracteriza-
se por cinco aspectos diferentes:
1º - Sentimento de realidade
2º Percepções insólitas
3º - Unidade
Em todos os sujeitos, há uma percepção total do universo, assim com o sentimento de
formar um só com este universo, com a natureza, as árvores ou o mar.
4º - Caráter inefável
Certas experiências não podem ser descritas e esse fato presta-se a confusões
enormes. Certos estados considerados "Indiferenciados" são claramente de regressão à
primeira infância, ao amor difuso da mãe e à euforia das primeiras relações afetuosas com ela.
Certos fenômenos são realmente indescritíveis porque não corresponde a nenhum das
sensações, percepções ou sentimentos conhecidos. Trata-se provavelmente da percepção de
dimensões completamente diferentes da realidade que os nossos interesses levam-nos a
apreender.
— Unidade;
— Objetividade e realidade;
— Sentido do sagrado;
— Estado de ânimo sentido como profundamente positivo (Deeply felt positive mood);
— Paradoxo;
— Caráter inefável;
— Caráter transitório;
— Fenômeno estético;
"O êxtase é o estado no qual uma pessoa acha-se como que transportada para fora
dela e do mundo sensível, com a sensação de se unir a um objeto transcendente sentido como
o próprio princípio do ser: Deus, no êxtase religioso, o Universo, no êxtase cósmico. Em outras
palavras, o êxtase é o final da contemplação (ação de absorver-se na observação atenta de
pensamento ou de um objeto) e ele pertence ao misticismo (conjunto de crenças e de práticas
que têm por finalidade uma união íntima do Homem do princípio do ser).
"A psicodelia (de psique: alma, e delos: que torna manifesto, que revela, que dilata)
aspira a designar um estado de espírito que se estende até os confins do Universo e é, pois,
sinônimo de êxtase cósmico."
Além dos esforços por urna definição operacional, outros esforços feitos com o fim de
medir objetivamente as eventuais manifestações fisiológicas do êxtase. É desse aspecto que
trataremos em seguida.
CAPÍTULO SEGUNDO
Não é portanto de surpreender que certos autores tenham tido a ideia de aplicar esses
métodos de medida ou mesmo outros, como o eletrocardiograma e o eletroencefalograma, ao
estudo dos estados místicos de consciência.
O grau elevado de subjetividade que envolve as descrições desses estados, sem falar
da afirmação de que eles são simplesmente indescritíveis, constitui uma barreira para a ciência
ocidental; barreira que esses métodos talvez não possam transpor.
Segundo Thérèse Brosse, foi em 1935-1936 que a primeira missão francesa partiu
oficialmente para a Índia, e da qual participavam o Prof. J. R Marcault e ela própria. Os
primeiros registros foram feitos e constituíram objeto de breves publicações. Em 1952, novos
trabalhos sobre os jogues foram realizados por essa autora, apresentados pelo Harvard
Research Center in Creative Altruism, dirigido pelo Prof. Sorokin. Uma terceira missão foi
finalmente encorajada pela Escola Francesa do Extremo Oriente.
Na nossa opinião, ele aparece como uma confirmação, e não como uma descoberta,
evidentemente. Mas talvez essa confirmação não seja inútil se ela permite prosseguir com
mais precisão o caminho para o qual seria conveniente dirigir se não toda a pesquisa, mas pelo
menos uma parte dela.
Na verdade, os registros dão crédito aos exercícios que os iogues declaram fazer, tanto
no plano fisiológico como no plano psíquico. Eles permitem, por assim dizer, de segui-los, mais
ou menos como alguém que vira as páginas pode seguir o alcance do desenrolar de uma
execução musical. Os traçados respiratórios, os caracteres do eletrocardiograma e do pulso
autentificam os diferentes episódios de um pranayama e nos demonstram sua ordem rigorosa,
na qual a interferência dos bandha tem lugar, e com um pouco de hábito nós podemos
reconstituir na leitura as etapas evolutivas de um exercício cujo registro assinala o diagnóstico.
Tais como se apresentam até aqui, nossos métodos de registro podem ser capazes, se
eles são explorados corretamente, de inscrever um protocolo experimental que já adquire um
sentido para nós e nos familiariza pouco a pouco com o provável desenrolar das diferentes
etapas da prática.
O mesmo grupo foi classificado por um Mestre Zen, em função do estado mental dos
sujeitos do Zen. A classificação foi feita em três categorias: Fraco (F), Médio (M) e Elevado (E).
O grupo experimental acusou modificações de ritmo Alfa com os olhos enquanto que o
grupo de controle não acusou nenhuma modificação.
QUADRO 1
QUADRO 2
Tart procura saber porque os EEG dos sujeitos em Za-Zen são influenciados pelos
estímulos externos, o que não acontece com os dos iogues; sua hipótese é que o Budismo Zen
centraliza sua meditação nas estimulações sensoriais, numa abordagem fenomenológica do
"aqui e agora", MI passo que a Ioga tende a negar toda realidade fenomenológica e a
transcender o ilusório "Maya".
No que se refere à nossa hipótese energética, sabe-se que tanto os ioga como os
monges budistas Zen submetem-se a uma abstinência sexual completa; poder-se-ia concluir
que o "Tempo de experiência" dos três grupos primeira pesquisa corresponde também a um
tempo de abstinência sexual.
Essas conclusões poderiam nos proporcionar uma certa tranquilidade se não surgisse a
hipótese segundo a qual os estados de consciência alterada (ECA) seriam talvez o fruto do
condicionamento operante, no sentido atribuído por Skinner. Uma pesquisa realizada por Joe
Kamiya mostra na realidade que é possível submeter o ritmo Alfa a um "controle operante”.
Seus sujeitos foram submetidos a uma aprendizagem que lhes permite reconhecer
progressivamente quando eles se encontram ou não em ritmo Alfa; aliás, eles não sabem
porque eles reconhecem esses estados. A pesquisa pôs em evidência numa etapa posterior, a
possibilidade de provocar ou de suprimir voluntariamente o ritmo Alfa.
Não obstante, Kamiya reconhece que os iogues e os adeptos do Za-Zen, bem como os
psicoterapeutas especializados em Sensitivity-Training ou em 'métodos de evolução do tipo do
Esalen Instante, possuem uma maior
aptidão para controlar seu ritmo Alfa.
Além disso, o autor afirma que
atualmente há uma longa lista de sujeitos
que pedem para serem submetidos a
uma experiência de "High Alpha State"
(Estado de Alfa Elevado), ao passo que de
início ele pagava os sujeitos de
experiência. Eles acham no estado "Alfa"
algo importante que lhes atrai de um
modo extraordinário.
O fato é que milhões de seres humanos, entre os quais se estima vinte e cinco milhões
de americanos, tomam LSD ou fumam maconha.
Além dos seus efeitos alucinógenos, essas drogas provocam, como se sabe, estados
místicos; não insistiremos nesses estados, pois eles já foram descritos e definidos
operacionalmente num capítulo anterior.
Julgue você mesmo. Mais abaixo há sete narrações de experiências. Três delas são
passagens de narrativas de pessoas que tomaram um psicodélico químico e os outros quatro
são descrições ou discussões de experiências místicas sobrevindas sem a ajuda de uma
substância química. Marque com uma cruz o número colocado antes dos relatórios que você
julga que são inspirados pelo uso do LSD. As respostas se encontram no final.
1) "Se isto (o ego original) acontecesse, eu morreria pois ai se acharia tudo o que
restaria de mim. Neste vazio escuro só havia eu, que rezava para aceitar dessa
morte. Deus vinha em minha direção e eu gritava de alegria. Minha própria voz
parecia falar de sua vinda, mas eu não acreditava nela. De repente, e de um modo
completamente inesperado, o Zênite do vazio iluminou-se com a presença
deslumbrante do Único. Como eu o reconheci? Tudo o que eu posso dizer é que
não era possível ter dúvidas. Embaixo, abaixo; eu. Acima: o Único. De repente a
Luz de cima derramou-se sobre mim, para baixo. Então eu soube que só havia
Deus.
2) “Eu continuava a olhar as flores, e na sua luz viva, parecia-me que eu
captava o equivalente qualificativo de um sopro — mas de um sopro sem retorno
a um ponto de partida, sem refluxo periódico, somente uma onda de beleza
dirigindo-se a uma beleza maior, de profundidade a uma significação mais
profunda. Ocorreram-me palavras corno "graça" e "transfiguração" porque
naturalmente, entre as coisas, eram as que me convinham. Meus olhos
transportavam-se da rosa ao cravo e de sua ligeira incandescência às bordas lisas
de ametista que se achavam no lírio. A visão da Beatitude, o Sat Chit Ananda, A
alegria de estar Consciente, eu os compreendia pela primeira vez.”
3) “Um olho aberto para discernir os diferentes objetos intelectuais que a
sensação não compreende... a cena ilumina-se com uma luz que descobre as coisas
e objetos escondidos que o intelecto é incapaz de atingir... É como uma percepção
imediata, como se se tocasse os objetos com as mãos."
4) “... Então recebemos este conhecimento místico de Deus em nenhum
tipo de imagens, em nenhuma representação sensível que nossos espíritos
costumam empregar em outras circunstâncias. De acordo com esse conhecimento
no qual não intervém nem os sentidos nem a imaginação, não podemos retirar
nenhuma forma de expressão, nem tampouco podemos fazer nenhuma relação,
nem nenhuma semelhança, embora a sabedoria misteriosa e doce nos chegue tão
claramente das partes mais secretas de nossa alma. Imagine um homem que vê
um certo tipo de coisa pela primeira vez na sua vida. Ele pode compreendê-la,
empregá-la e desfrutar dela, mas não pode dar-lhe um nome, nem comunicar
nenhuma ideia sobre ela, mesmo se se tratar somente de uma simples
manifestação dos sentidos. Sua incapacidade será ainda maior se se tratar de uma
manifestação que ultrapassa os sentidos. Ai reside a dificuldade da linguagem
divina. Quanto mais penetrante ela for, mais íntima, espiritual e super-sensível,
mais ela ultrapassará os sentidos, no interior e no exterior ao mesmo tempo, e
imporá o silêncio. Quando a alma sente-se numa grande e profunda solidão, à qual
nada criado tem acesso, num imenso deserto sem limites, o deserto mais delicioso
é o mais solitário. Ai, nos abismos da sabedoria, a alma cresce e se nutre das
maravilhosas primaveras da compreensão do amor. . . e reconhece que os termos
que nós empregamos, mesmo que eles sejam sublimes e ensinados, são
completamente vis, insignificantes e impróprios, quando procuramos discutir as
coisas divinas com nossos pobres meios."
5) "Eu senti que era isso — que era o minuto de verdade. Soube que tudo
levava a isso — uma harmonia completa, um êxtase. Nós havíamos chegado,
estávamos unidos ao princípio da existência, já estávamos transfigurados —
mortos e ao mesmo tempo mais vivos tão intensamente como nunca. Eu fazia a
experiência do sentido da iniciação e da participação do grande mistério. Sentia-
me onipotente, dotado de poderes sobre humanos, divinos.
6) "... De repente, aquilo estava fora da intensidade da consciência da
individualidade: a própria individualidade parecia dissolver-se e desaparecer ao
longe numa existência sem limites, e não como um estado confuso mas como a
certeza mais clara, a mais segura, inteiramente além das palavras - lá onde a morte
era apenas uma impossibilidade risível. A perda da personalidade (tratava-se
exatamente disso) não parecia urna extinção, mas a verdadeira vida."
7) "... Repentinamente, sem nenhum aviso, de nenhum tipo, eu senti-me
aspirado por uma nuvem de cor de fogo. Por um instante eu pensei que havia
fogo... depois eu soube que esse fogo ardia no meu próprio interior. Logo depois,
eu fui tomado por um sentimento de triunfo, de alegria imensa, acompanhado ou
imediatamente seguido de uma iluminação intelectual impossível de ser descrita.
Entre outras coisas, eu não me contentava simplesmente em crer, mas via que o
Universo não era composto pela matéria morta, que ele era, pelo contrário, uma
presença viva. Eu tornei-me consciente da vida eterna em mim mesmo... Vi que
todos os homens eram imortais, que todas as coisas trabalhavam juntas para o
bem de cada um e de todos, que a felicidade de cada um e de todos era uma longa
busca absolutamente certa.”
RESPOSTAS
Vejamos, por exemplo, os dados obtidos por Janiger Mc Glothin através de 194
sujeitos sem preparação religiosa:
Item Porcentagem
Aumento de interesses morais e éticos 35
Aumento de interesses em outros conceitos universais 48
Mudança no sentido de valores 48
O LSD devia ser empregado para:
Tornar-se consciente de si mesmo 75
Obter uma nova concepção da vida 58
Obter que as pessoas se entendam 42
Uma experiência de benefícios extremos 58
3. A questão do ser humano, da sua natureza, da sua origem, da sua estrutura e função
(Anatomia e Fisiologia);
5. A questão do ego, sua natureza; que lugar o ego ocupa no plano? Que fazer?
(Psicologia Social);
Leary mostra como as experiências com o LSD conseguem dar as respostas objetivas
diretas, idênticas às respostas dadas pela ciência.
Apresentamos
um resumo dessas
correspondências no
próximo quadro feito
pelo próprio Leary.
Os sete níveis de
consciência energética,
as drogas indutoras, as
ciências religiões que
estudam cada nível,
segundo Th. Leary:
Todas as drogas
que Leary cita na coluna
correspondente (inclusive o álcool) são, segundo ele, meios para o que ele chama de
alargamento da consciência, o que se aproxima bastante das observações feitas por Huxley no
seu livro clássico sobre as portas da percepção.
Leary acha que a administração das drogas, sobretudo do LSD, deve ser o apanágio de
especialistas; estes deveriam ser licenciados em LSD pelas Universidades, pois é preciso uma
preparação das pessoas que se submetem à droga; essa preparação é de natureza espiritual e
foi assunto de um livro, aliás inspirado no Livro dos Mortos do Tibé. A administração do LSD
em hospital psiquiátrico, feita por psiquiatras não preparados e sem nenhuma experiência
pessoal da droga, é considerada por Leary como perigosa e conto uma das origens de
acidentes psicopatológicos.
Uma análise bibliográfica dos trabalhos realizados sobre o LSD neste últimos vinte e
cinco anos, feita por Robert E. Mogard, permite um visão de conjunto objetiva da questão.
Segundo esse estudo, a experiência com o LSD provoca não somente os estados classificados
como "Peak Experience" por Maslow, mas produz também mudanças importantes no
comportamento humano, no sentido de uma abertura maior, de melhores relação
interpessoais, de uma integração melhor de si mesmo, tanto no mundo interior como no
exterior. A eficácia terapêutica é atestada por centenas de pesquisas cuja unanimidade é uma
das características fundamentais, segundo o autor. As pesquisas de Maslow parecem indicar —
e esta é também a opinião de Mogar — que essas modificações devem-se principalmente
aspectos do que Mc Kinnon chama "transliminais" da experiência.
No que diz respeito ao nosso assunto, parece que as experiências o LSD não têm
nenhuma correlação com o grau de abstinência sexual; não encontramos dados sobre esse
aspecto na literatura; seria interessante saber, por exemplo, se a frequência de experiências
consideradas "Misticas" "transliminais" durante a ingestão do LSD é maior nos sujeitos
sexualmente sublimados; aí abre-se toda uma perspectiva para pesquisas futuras.
O problema é o mesmo com relação a outras técnicas extáticas também parecem ter
poucas relações com a sublimação sexual. A meditação experimental situa-se em primeiro
lugar entre elas.
Naranjo distingue três tipos diferentes de meditação, que ele dispõe num triângulo:
Existem numerosos pontos comuns entre as diversas técnicas de concentração e de
meditação, utilizadas pelas diferentes culturas religiosas do mundo. É o que Arthur J. Deikman
observou, esforçando-se, depois de um estudo bibliográfico comparativo, em aperfeiçoar os
métodos experimentais que permitem a verificação das seguintes hipóteses:
Certos fenômenos foram vividos apenas por alguns sujeitos; sensação de fusão entre o
vaso e o sujeito; sensação de desaparecimento do esquema corporal, percepção de irradiação
de partículas, percepção intensa de luz e de maravilhosos movimentos, transfiguração dos
objetos.
O autor reconhece que não se tratam aí de experiências místicas reais pois falta o
sentimento de sagrado, de inefável comunicação com o absoluto ou de fusão da Unidade ou
de iluminação da realidade. Mas ele insiste no fato de que suas experiências demonstram que
a meditação é instrumento importante na produção de experiências místicas.
A meditação foi muitas vezes confrontada com a hipnose. É o que trataremos agora.
68. - O papel da hipnose na produção de estados extáticos
Olwers e Glasner estudaram as técnicas da Cabala judia e até mesmo de textos por
profetas na Bíblia, chegando à conclusão que os profetas utilizavam técnicas de hipnose e de
auto-hipnose; as técnicas cabalísticas de Aboulafia, de que já falamos em algumas palavras,
que se baseiam em esforços de atenção para combinar letras, são também, para esses autores,
técnicas de auto-hipnose. O mesmo acontece com os talmudistas.
Tudo indica que esses resultados não tem relação com as privações sexuais; pelo
menos nenhuma menção, foi feita a respeito.
Como vimos, além das restrições sexuais que constituem um fundamento do pecado
sexual, existem igualmente "pecados alimentares"; se querer cair no lugar comum da gulodice,
podemos lembrar aqui os jejuns, como o Yom Kippour judeu, ou restrições alimentares
limitadas a certos alimentos como a carne na Índia ou o porco entre os semitas.
Além disso, segundo Hubert Larcher, "a inibição das funções digestivas parece
encontrar seu término na "imodia", isto é, na vida sem ingestão de alimentos nem de bebidas.
Esse síndrome não deve ser confundido com o da anorexia mental. . . A maior parte dos
médicos negam não apenas a sua existência; mas até mesmo a sua possibilidade." (Relatório
do Congresso Mundial das Religiões, Paris. 1966).
Como vimos nos capítulos anteriores, certas técnicas de estados místicos consistem
em isolar o aspirante numa sala escura; é o que acontece sobretudo nos ritos iniciáticos.
Pouco a pouco os períodos "em branco" começaram a alternar com visões em cores e
audições de sons; os sujeitos não conseguiam controlar nem parar esses fenômenos. O estado
de espírito começou a mudar; uma certa irritação e um certo comportamento regressivo
despontaram.
Foi então que surgiu um fenômeno inesperado. Os sujeitos começaram a ver imagens:
um rochedo com árvores, filas de bebés, pontos luminosos formas geométricas, animais pré-
históricos, filas de óculos, de homenzinhos de raça amarela. Os sujeitos não conseguiam
controlar as cenas que desfilava diante deles.
Ao sair da cabine, os sujeitos
queixaram-se de deformações da percepção
os objetos pareciam arredondados, os
quartos moviam-se e havia mudanças de
formas.
Sabe-se que as técnicas da Ioga, corno vimos nos capítulos precedentes, tem como
principal objetivo fazer com a energia da Kundalini suba pela coluna vertebral a fim de obter a
iluminação e a libertação.
Moshe Feldenkreis, que foi um dos primeiros deste século a elaborar tais métodos diz-
nos textualmente que a conscientização do nosso corpo permiti-nos-á "dirigir a energia em
benefício das forças criadoras". Através de uma remodelação da imagem que se tem de si
mesmo, ele consegue fazer com que as pessoas modifiquem suas posturas, de tal modo que
elas evitam gastos inúteis da energia de certos músculos e aumentam suas capacidades
criadoras; o autor consegue isso através de uma nova programação cerebral; se se deseja
modificar o movimento, é preciso antes de tudo, diz ele, modificar a imagem desse movimento
no cérebro.
Existem outros processos, especialmente nos Estados Unidos, que visam devolver ao
corpo o seu equilíbrio primordial, a reencontrar o seu centro de gravidade natural e
principalmente a eliminar os centros de tensão muscular, fruto de tensões psicológicas. Poder-
se-ia citar particularmente as técnicas de F. Matthias Alexander e de Ida Ralph. A educação. as
frustrações e as falsas noções da nossa posição "correta" inscreveram no nosso corpo uma
quantidade de deformações que impedem a circulação da energia. As pessoas que foram
submetidas a esses métodos afirmam em geral que elas sentem a energia subir pela coluna
vertebral.
Poder-se-ia supor que depois de tais exercícios e modificações posturais será facilitada
a subida de energia sexual acumulada nos centros inferiores, graças à abstinência sexual.
No seu célebre livro "Joy", 'William Schütz declara textualmente que o interesse pelo
LSD e pelas outras drogas psicodélicas está em relação direta com técnicas da alegria e que o
objetivo é semelhante: tornar a experiência da vida mais vital. Os métodos da alegria tentam
atingir esse objetivo com a droga.
Nós mesmos interrogamos um mestre de Ioga ocidental sobre a droga; ele afirmou
que na verdade as drogas produzem experiências análogas às que são vividas pelos iogues,
mas como se trata de experiências esporádicas, elas não permitem atingir a plena libertação
permanente dos iogues.
Há uma bela descrição desse conflito em pleno século vinte no livro de Gérad Borg;
apôs haver percorrido vários países do mundo onde reina o uso das drogas psicodélicas, o
autor revela uma preferência marcante pelo LSD em oposição a outras técnicas do êxtase. Eis
aqui alguns trechos do que ele nos afirma: “Como é preciso uns cinquenta anos de experiência
antes de atingir o Satori e como ninguém está seguro de chegar a ele, eu não podia desprezar
a priori uma substância capaz de me levar ao cume do monte Meru em quarenta e cinco
minutos e de me deixar lá sozinho durante dez ou doze horas ...
“O fim último do samâdhi, o êxtase ioga... eu passo várias horas por dia e, asânas, em
posições de meditação. O "hasch" às vezes ajuda, isso só é alguma coisa, mas eu tento
progredir cada vez mais fora de toda ajuda exterior ... eu trabalho com os chakras...”.
Mircea Eliade diz-nos que o cânhamo e as drogas desse mesmo tipo provocam o
êxtase e não o Samâdhi; segundo ele, o próprio Pantajâli admite o que chama de
“simples”(ausadhi), isto é, os narcóticos e as "ervas" como meio para obter os siddhi. Eliade
afirma, por outro lado, que esses “meios místicos” foram admitidos contra a vontade na esfera
da Ioga clássica.. .; a afirmação de Pantajali prova a pressão dos "extáticos", a vontade deles de
substituir as disciplinas da Ioga clássica pelos seus métodos." Parece, pois, haver existido aí
unia concorrência entre a Ioga e os partidário da droga.
Aliás entre os xamãs, o efeito das drogas levou à deterioração da tradição; o folklore,
diz M. Eliade, mostra a decadência dos xamãs atuais, que são incapazes de obter o êxtase
"como os Grandes Xamãs de antigamente;” as regiões em que o xamanismo está em
decomposição são justamente aquelas onde o "transe" é fictício e onde os xamãs tomam
drogas. Houve portanto uma decadência de uma capacidade superior, devido à droga.
Supomos que o leitor compreendeu a que ponto queremos chegar: é possível que a
geração dos Adão tenha possuído essa capacidade de obter estados de êxtase e que seus
gurus lhes tenham recomendado para não comer do cogumelo sagrado (pelo menos sem a
instrução deles); sob o efeito da preguiça de fazer enormes esforços de ascetismo, eles
preferiram o caminho direto com os perigos de degradação (a queda de Adão) num prazo mais
ou menos longo, pelo menos no que se refere ao tipo de "fruto proibido" em questão. Embora
sendo urna hipótese, essa ideia é muito plausível.
Assim, o fruto proibido não seria- talvez a vagina de Eva, como em geral se supõe, mas
um verdadeiro fruto: o cogumelo sagrado. Pode-se observar de passagem que o fato de comer
do cogumelo sagrado permite a repressão da atividade sexual, como acabamos de ver; o
pecado original (comer do cogumelo proibido) implica portanto um pecado secundário:
renegar o caminho da castidade pela obtenção do êxtase; os sacerdotes defensores desse
caminho devem ter-se sentido bem ameaçados pela droga que entrava em concorrência com
eles. São essas técnicas de sublimação que analisaremos à luz de dados modernos.
É interessante observar que foram justamente os dois autores que contribuíram mais
para a revolução sexual do século vinte que se ocuparam desse dilema da sublimação: Freud e
Kinsey; mas eles encontram-se em campos opostos enquanto Freud afirma a existência da
sublimação, Kinsey tende a demonstrar estatisticamente que não há nenhuma prova de
derivação da energia sexual em atividades úteis.
"Um exame destes casos de atividade pouco desenvolvida poderia fornecer indicações
relativas a incidência do que se chama "sublimação". Esse conceito, atribuído a Freud pelos
psicanalistas (Brill, Freud, 1939), dá a entender a possibilidade de um indivíduo desviar suas
energias sexuais para “níveis superiores" de atividade, tais como a arte, a literatura, a ciência e
outros derivativos mais aceitáveis para a sociedade. Esse conceito é, evidentemente, muito
mais antigo que Freud. Sua afinidade com o ascetismo cristão, hebreu, grego e ainda mais
antigo é demonstrada pelo fato de que ele reconhece os valores sociais; ela é confirmada pela
rapidez com a qual os chefes morais de qualquer convicção adotaram esse termo para
designar tudo o que Freud quis dizer, bem como a abstinência, o controle de si mesmo, a
austeridade rigorosa, e também as outras virtudes ascéticas. Só se pode protestar dificilmente
contra o fato que um conceito supostamente científico consistia, em primeiro lugar, mais ou
menos a dar uma nova forma a um princípio antigo pertencente a diversas religiões. Sua
apresentação original (Freud, 1938, em tradução) era puramente dogmática, sem nenhum
dado que a confirme, e a utilização subsequente que se fez dela consistiu geralmente em só
aceitar essa doutrina sem quase nenhuma discussão (por exemplo, Henrv 1938; Brown, 1940;
Allen, 1940; Yong, 1940; Brill, 1944).
"Nunca seria demasiado sublinhar a importância que poderia exercer uma crítica
científica sadia de toda teoria da sublimação. Grande número de pessoas tentaram buscar sua
vida sexual no princípio da possibilidade da sublimação e da utilidade do resultado. Nas
biografias de que dispomos para o presente estudo há um número elevado de casos de
indivíduos que fazem esforços precisos e bem definidos, às vezes até heroicos (v. também
Brockman, 1902) para controlar sua atividade sexual e que reduzem, com efeito, a frequência
de seus orgasmos consideravelmente abaixo do nível que eles teriam alcançado sem isso. Mas
sempre falta determinar se essas pessoas transformaram suas energias sexuais em coisas
"mais elevadas", considerando-se que sua energia nervosa foi desviada de um setor do sistema
nervoso para outro setor, ou que sua eletricidade foi posta em curto circuito para novos
caminhos ou novos derivativos. Se a sublimação fosse urna realidade, deveria ser possível
encontrar indivíduos cujo rendimento erótico tivesse sido reduzido ou suprimido sem que
hajam perturbações nervosas, como resultado de um consumo de energia aplicada a atividade
absolutamente não sexuais. Não basta citar artistas ou homens de estado, ou outras pessoas
diligentes como exemplos de sublimação, somente porque eles denotam energia no exercício
de suas atividades não sexuais. Certamente que nenhum dos que conhecem verdadeiramente
a vida sexual de certos artistas teria pensado em tomá-los como exemplos de pessoas
sublimadas do ponto de vista sexual. Não basta citar mulheres frígidas ou tormentadas pela
apatia sexual como exemplos de sublimação, sem levar em conta a incidência elevada de
mulheres relativamente sem reações sexuais, que nunca tiveram a mínima soma de energia
sexual a derivar. É preciso determinar, à base de exames objetivos e psicológicos
conscienciosos, psicanalíticos e fisiológicos, a incidência dos indivíduos possuidores de uma
capacidade demonstrada, que gastaram pelo menos uma parte desta energia em atividades
não sexuais, e cujas energias não forma simplesmente embotadas ou suprimidas."
"Não estamos qualificados no presente estudo para fazer todas essas análises
indispensáveis. Entretanto nos é possível chamar a atenção para os casos que poderiam ser
concebidos como suscetíveis de servir de base a uma sublimação, a demonstrar também a
presença de outros fatores que podem ser levados em consideração na análise das biografias
em questão. Os casos mais plausíveis são os de dois homens, cuja média de atividade sexual é
extra-ordinariamente baixa. Possuímos os historais clínicos de 179 machos de menos de trinta
e seis anos, cuja média foi de um ato cada quinze dias, ou menos durante períodos de pelo
menos cinco anos."
POPULAÇÃO
PARA TODO CASOS DE % DA
GRUPOS
ESTE MÉDIA BAIXA POPULAÇÃO
ESTUDO
NÍVEL DE INSTRUÇÃO
Primário de 0 a 4 173 19 11,0
5 a 8 129 45 6,2
Secundário 9 a 12 724 25 3,5
Universitário 13 a 16 1413 43 3,0
Professores 17 a mais 1063 47 4,4
OCUPAÇÔES
Zona 81 2 2,5
Jornaleiros 708 44 6,2
Trabalhadores semi-especializados 839 54 6,4
Operários especializados 287 21 7,3
Empregados inferiores 1116 41 3,7
Empregados superiores 1288 45 3,5
Profissionais 595 29 4,9
Comerciantes 26 1 3,8
Religião
Total de não praticantes 3049 108 3,5
Total de Praticantes 1071 70 6,5
De qualquer modo, Assagioli diz-nos que se pode muito bem deixar ai definir a energia
sexual, procurando ao mesmo tempo descobrir os métodos que permitem utilizar em fins
construtivos o excesso de energia sexual disponível no homem. Esse autor considera três
aspectos principais que permitem definir a natureza da sexualidade:
Trata-se de uma classificação empírica mas útil. A partir daí Assagioli distingue dois
tipos de transmutação:
A esse propósito, o autor faz uma observação importante para o nosso assunto. Ele
afirma que o fenômeno da transmutação vertical não significa que todos os fenômenos
místicos são simples fenômenos de transmutação sexual; existem pessoas sem atividade
sexual e sem experiência mística, e também certos indivíduos com verdadeiras experiências
místicas, que levam ao mesmo tempo uma vida sexual normal.
— A transmutação horizontal, que se opera no plano externo. Existe três níveis ou três
tipos de transmutação horizontal:
— A transmutação horizontal do prazer sexual na alegria do contato com a
natureza e no prazer estético visual e auditivo;
Essa análise muito fina de Assagioli permite-nos delimitar bem onde se situa o
processo de transmutação que conduz, à experiência mística: é transmutação vertical.
— Comunhão estreita com os grupos que tem os mesmos objetivos, grupos que
exercem a função de "catalisadores humanos".
Na Ioga tântrica existe um conjunto de técnicas do êxtase que parte das relações
sexuais propriamente ditas; num ambiente propício, na lua cheia, com incensos, o homem
escolhe uma companheira com a qual ele tem afinidade espirituais pronunciadas; o casal
enlaçado em posição de loto retarda o orgasmo, ficando numa imobilidade sexual completa; a
meditação acompanha esse processo chamado Maithuna, ou de êxtase a dois.
Trata-se sem dúvida alguma de um processo que torna as relações sexuais . completas
e realmente vivificantes; a separação espírito-matéria, alma-corpo, cultivada pela propaganda
sensual de nossa civilização industrial, desaparece completamente para dar lugar a uma
experiência de incomparável riqueza interior.
Rudolph von Urban, médico na Califórnia, conta que um dia, praticando o Maithuma,
ele viu sua mulher envolvida por um halo de luz azul esverdeada; ao aproximar seu dedo do
seio da sua mulher, uma faísca dolorosa surgiu de repente a dois centímetros dele. Teria
havido na verdade um acúmulo de energia elétrica, devido ao retardamento do orgasmo.
"A ideia que rege o maithuma e seu equivalente taoísta é que o amor sexual pode
transformar-se numa forma de adoração em que os parceiros são encarnações do divino para
ambos. Aliás, talvez seja preferível empregar as de "contemplação" e de "natureza", no
sentido profundo, aos termos 'duração" e "divino", estranhos a essas doutrinas. O abraço do
maithuma comporta também uma transmutação da energia sexual que ele provocou, e esse
processo é descrito simbolicamente como uma subida da energia dos rins a cabeça...
"No ponto culminante da relação, essas sensações que são chamadas o clímax do gôzo
são simplesmente a ananda, a felicidade extática que acompanha toda experiência de
comunhão cósmica.
".. . O apogeu da relação sexual, fundindo-se por si mesmo sobre nós, é ocasião para
uma das experiências mais completas de união que podemos conhecer.. .".
Há uma explicação que se relaciona bastante à hipótese energética numa teoria citada
pelo Dr. Hubert Larcher, que nos diz que "em todas as asceses místicas, o papel da continência
sexual e da castidade parece extremamente importante, embora se conheça poucas coisas
sobre as suas consequências biológicas. Entretanto, certos autores pensam que a diminuição
da função exócrina favorece a exaltação da função endócrina e a maturação cerebral
psíquica."
Veremos agora quais são as repercussões de todas essas descobertas que acabamos
de sintetizar nos últimos capítulos, sobre a evolução da civilização ocidental e sobre a vida
quotidiana do homem considerado "moderno".
CAPITULO QUINTO
Partindo da análise das origens do pecado sexual, fomos levados aventar uma
hipótese, segundo a qual o pecado sexual seria motivado, ente outras coisas, principalmente
por um grande mal-entendido; a princípio, os indivíduos que queriam chegar ao êxtase místico
tinham à sua disposição um conjunto de técnicas altamente elaboradas; uma das técnicas
fundamenta era a supressão de toda atividade sexual, tendo em vista uma ascensão
energética, uma sublimação ou mesmo uma transmutação. No decorrer dos tempos, a lei
inexorável de deterioração de toda tradição fez esquecer os objetive primordiais e
transformou em obrigação o que antes era só uma simples opção os aspectos sócio-
econômicos, biológicos, antropo-psicanalíticos vieram sobre determinar os motivos de
repressão sexual, cobrindo-os com um véu espesso de racionalizações, que só uma análise
aprofundada como a que acabamos de fazer chegaria a eliminar.
Essa hipótese energética, como vimos no decorrer desta obra, parece ter sido
amplamente demonstrada, tanto pela análise do símbolo teriomorfo da serpente alada e do
dragão em todas as tradições religiosas, como pela análise dos textos sagrados, dos
testemunhos de grandes místicos e das antigas técnicas do êxtase.
Os dados modernos que possuímos sobre estas últimas demonstram -nos que os
caminhos do êxtase são múltiplos, indo da privação alimentar, sexual ou sensorial até à
meditação, passando pelas técnicas corporais e pelas drogas, especialmente pelo LSD.
Passamos em revista as experiências realizadas sobre a eficácia dessas técnicas; e no que se
refere à teoria da sublimação e da transmutação energética, só podemos constatar uma
realidade fenomenológica que falta ser demonstrada no plano da metodologia científica
tradicional.
Um dia, uma cliente foi vê-lo para pedir um conselho; um de seus colegas médicos
tinha aconselhado a essa cliente solteira e neurastênica a encontrar um amante. Freud
chamou esse conselho de seu colega de análise selvagem, isto é, interpretação ou conselho
dado a um cliente sem que ele esteja preparado para recebê-lo. Se essa cliente tivesse
encontrado um amante, ela teria caído sem dúvida numa depressão maior sob a influência do
seu superego culpabilizante.
"É notável que uma boa parte da juventude ocidental atual, desamparada diante das
incertezas e dos constrangimentos de uma inserção nas estruturas rígidas da sociedade de
consumação, reage de um modo completamente diferente da angústia existencial resultante:
seja procurando um exutório numa revolta violenta que tem por fim a destruição da
sociedade; seja procurando escapar dessa sociedade pelo niilismo não violento e sua forma
mais recente, o psicodelismo, essa busca de uma dilatação da consciência, de uma expansão
do indivíduo sobre a onda cósmica até aos confins do Universo longe das realidades
quotidianas.
“... agora se propõe obter o êxtase cósmico sem técnicas místicas, sem droga
psicodélica e sem álcool em lugares como o Eletric Circus de Nova Iorque ou o Labirinto
Psicodélico de Montreal, onde só se toma milk-shakes, mas onde o excesso de som, de luz e de
vibrações proporcionam uma verdadeira embriaguez pela saturação das sensações."
“... Nosso único objetivo é encarar, do ponto de vista neurofisiológico que é o nosso, o
valor das técnicas utilizadas pela juventude ocidental para atingir o êxtase cósmico.
"... Queremos admitir que a Ioga e o Za-Zen contribuem para a serenidade dos sábios
hindus e para a ação refletida dos Presidentes-Diretores-Gerais, das grandes indústrias
japonesas; mas estamos inquietos em ver essas técnicas, propostas quotidianamente à
civilização ocidental, com o fim de nelhorar os feitos dos seus esportistas ou o estado mental
das suas crianças retardadas e sobretudo de abolir, em Ashram ou Mosteiros, a angústia
existencial de uma certa juventude. Mais do que a contemplação, é a meditação que deveria
ser proposta aos jovens ocidentais; não a meditação mística que significa oração mental e se
torna sinônimo de contemplação, mas a meditação na aceitação absoluta do termo (do latim
meditare: exercer-se), que designa a atividade intelectual no nível mais elevado, pois ela
implica o máximo de concentração de espírito em um pensamento e a incessante mobilidade
dose desse pensamento para iluminar todos os detalhes do objeto meditado, a fim de explica-
lo.
Não resta dúvida que, como o afirma Gastaut, o movimento psicodélico constitui um
grave perigo e ameaça a existência até da civilização industrial em que vivemos.
Eis-nos aqui nos antípodas do mundo dos hippies e dos adeptos das experiências
psicodélicas ou místicas.
Para quem tenta ver mais claro, o problema é que o conteúdo da experiência
psicodélica seria justamente uma revelação, uma percepção dos verdadeiros valores da
humanidade, valores dos quais se excluem definitivamente da nossa civilização industrial.
“ — Evidentemente que não, pois elas representam um perigo fantástico. Mas há uma
diferença: o verdadeiro perigo das drogas, enfim do que vocês chamam drogas, não ameaça
de modo algum os "drogados" mas vocês mesmo, as pessoas com poderes, os conservadores
do grande museu apodrecido da ordem estabelecida, sim, são vocês que nós drogamos e são
vocês que vão comemorar e no caso em que a finura da coisa lhes escape, permitam que eu
faça um desenho. Os militares foram, é claro, os primeiros a compreender que as "drogas"
seriam o começo do fim. Esses cabeças alertaram o governo americano: a liberalização
eventual ou mesmo o uso clandestino da maconha arriscava-se a acarretar no máximo uma
certa inércia, uma tendência à passividade da parte do conjunto da juventude americana. Siga
meu olhar, por favor. Não se constatou que os jovens que fumam a maconha são todos
pacifistas incondicionais?...”
“... Eu não sei se o futuro dos homens está na química do cérebro mas sei que fumar
um trago encontra-se no oposto do torpor que resulta dos seus alcoóis. Na verdade creio que
a química do cérebro explodirá tudo.
"Se você tivesse feito uma só, uma única viagem ao ácido você não duvidaria mais nem
um instante. A mescalina é um revelador extraordinário para muita gente. A psicoloeibina é
sete mil vezes mais forte do que a mescalina, o LSD é cem vezes mais forte que a psilocibina e
substâncias novas acabam de ser descobertas, depois das quais o LSD é um chá para doente!
Sabe-se justamente. Qual é a descoberta mais importante para o homem, que volta de
sua primeira viagem, que a de saber que nunca mais ele fará uma guerra, e que toda a sua vida
desenrolar-se-á com uma flor nos Iábios, e o Amor no coração? Enquanto vocês inventam
pílulas tranquilizantes que lhes permitirão não ver demais as monstruosidades que vocês
acabam de criar, nós procuramos, nós mesmos, ver, com o terceiro olho. Será que você já
ouviu falar disso? . . ."
"... O pior é que não se sabe como se desafogar, transmitir, explicar, comunicar. Não se
pode mais suportar ser o único a saber, a ter visto. E é preciso fingir crer nas suas estórias, nos
seus mitos, nas suas religiões infantis, no patriotismo.. ."
O próprio Gérard Gorg descreve a experiência que ele teve com o LSD; um dos
aspectos vividos é justamente sua descoberta de novos valores e do absurdo de certos
aspectos da nossa civilização:
Se tal decisão fosse apoiada por dados científicos definitivos, uma pedra seria posta
definitivamente também sobre a validez da experiência mística última razão de ser de toda
religião; não nos restaria nada mais, além da ciência experimental como critério de pesquisa
da realidade.
Embora o problema não esteja resolvido, poder-se-ia dar uma olhada no que os
psiquiatras e psicoterapeutas nos dizem a esse respeito, pois são eles que tem, atualmente,
mais experiência com as alucinações e os alucinogênos. E o que trataremos no próximo
capítulo; reservamos esse assunto para o último capítulo, pois, como acabamos de ver, trata-
se sem dúvida alguma do assunto mais importante e mais fascinante do nosso tempo; ele
situa-se no ponto de encontro da ciência, da religião e da filosofia metafísica.
CAPITULO SEXTO
Freud afirma sem hesitar que "a religião comporta entraves de natureza compulsional,
a tal ponto que só a neurose obsessiva do indivíduo os apresenta; por outro lado, ela implica
um sistema de ilusões criadas pelo desejo, com a negação da realidade, sistema tal que ele é
encontrado, em estado isolado, somente na psicose alucinatória, que é um estado bem
aventurado da confusão mental." (100). Convém observar que Freud descreve aqui sobre tudo
os aspectos institucionais, e mais particularmente rituais da religião, não da experiência
mística propriamente dita.
Não é menos verdade que a maior parte dos psiquiatras consideram a experiências
místicas como sintomas psicopatológicos e as drogas como "alucinogênios". Franz Alexander,
por exemplo, como lembra Klineberg, considera o misticismo hindu como uma forma de
catatonia artificial. Recordando que para a maior parte de nós a alucinação é uma forma de
anomalia, Klineberg chama-nos a atenção para o fato de que um jovem índio das planície
americanas esforça-se durante vários dias para encontrar seu espírito de guarda e consultá-lo
sobre o problema de sua vocação (242).
M. Eliade tratou dessa mesma questão com relação aos xamãs; depois de haver feito
uma revisão da bibliografia a esse respeito, ele constata que realmente inúmeros autores
acharam que há um grande número de epiléticos e de histéricos entre os xamãs; essas
doenças aparecem quase sempre em concomitância com a escolha da missão de "medicine-
man"; mas o autor observa em contrapartida que o xamã é um homem que aprendeu a
controlar suas crises; por outro lado, os indígenas saberiam fazer a diferença entre, uma crise
epilética e um transe de possessão; e em geral a iniciação equivale a uma cura. Ou mais ainda,
o exercício do xamanismo exige um conhecimento profundo e um domínio de si pouco
accessível a doentes (243). Nós mesmos tivemos a oportunidade de conversar longamente
com um mestre iniciado na seita Umbanda no Brasil; trata-se de um homem de uns quarenta
anos, que foi vítima de alucinações durante muito tempo; os psiquiatras não podiam fazer
nada. Ele se fez iniciar; nós mesmos o vimos em estado de transe; os espíritos de vários índios
e até de um iogue "baixaram" nele; ele afirmou-nos que a partir de então ele nunca mais teve
alucinações.
Hans Jacobs, por exemplo, fez urna seleção de depoimentos de doentes , anotados por
Karl Jaspers. Apresentamos alguns deles mais abaixo, que poderiam ser confundidos com os
dos santos e das pessoas com experiência do LSD, relatados por Alpert (V. parágrafo 64); não
há grande diferença:
"Outro esquizofrênico: "A vida é agora como um filme que passa, mas em imagens. Ela
passa e repassa e permanece sempre a mesma. Eu ignorava que a morte era isso. Agora eu
vivo eternamente. Por fora, as coisas continuam, as folhas se agitam, alguns vão e vêm, mas
para mim o tempo não passa... É, um tempo infinito, enfadonhamente longo." (Poder-se-ia
pensar aqui na "Roda da Vida" tibetana, onde, fundamentalmente, as mesmas coisas se
repetem sem cessar.) O sujeito acrescenta, com bastante a propósito: "Isso me puxa para trás;
onde então? De onde veio isso, onde isso estava outrora, no passado."
"E então o pensamento parou, tudo parou, como se o tempo não existisse mais. Eu me
via como um ser fora do tempo, excessivamente claro e transparente, como se eu pudesse
olhar na minha própria profundidade. Simultâneamente, eu ouvi uma música suave, vindo de
longe, e percebi esculturas pouco iluminadas; tudo isso no meio de uma corrente de
movimento incessante que a distinguia de minha própria condição."
Eis aqui os comentários de Hans Jacobs, que vão bem ao encontro do que nos
preocupa aqui:
Encontra-se uma ideia análoga em R.D. Laing; esse autor defende tese segundo a qual
a loucura é na realidade uma viagem ao mundo interior da pessoa, viagem mal dirigida e para
a qual não estamos preparados. Segundo ele, nossa civilização condiciona-nos a viver no
exterior de nós mesmos Laing põe em questão nossa própria experiência "egótica" do mundo;
todas as filosofias religiosas e existenciais convergem no sentido de negar a sua realidade, de
afirmar que se trata de uma ilusão, de um estado de sono pré-natal que é preciso suprimir ao
morrer para encontrar a realidade através de um novo nascimento:
"O indivíduo que passa pela experiência transcendental da perda do ego pode ou não
perder o equilíbrio, de diversos modos. Ele pode então ser considerado louco. Mas ser louco
não é necessariamente estar doente, mesmo se no nosso mundo os dois termos se tenham
tornado complementares. Parte--se do princípio que se uma pessoa é louca (qualquer que seja
o significado disso) ela está ipso facto doente (qualquer que seja o significado disso). Mas a
experiência que a faz considerar pelos outros como uma doente mental pode muito bem ser
para ela um verdadeiro mana celeste. Toda a sua vida pode ser transformada por isso, mas é
difícil de não duvidar do valor de tal visão. Além disso, nem todos voltam de uma tal viagem...
". .. Esse outro mundo não é em sua essência um campo de batalha onde forças
psicológicas, derivadas ou desviadas, deslocadas ou sublimadas a partir do seu contexto
objetivo de origem, se afrontam num combate imaginário (embora tais forças possam
escurecer essas realidades exatamente como elas podem escurecer as pretensas realidades
exteriores).. .
". . . Entre os médicos e os padres, deve haver guias, capazes de conduzir o indivíduo
fora deste mundo e no outro — de guiá-lo e trazê-lo de volta.. .
"Sendo assim, o psiquiatra moderno faz quase sempre o papel do cego que dirige os
passos de um meio-cego." (244)
Baseado nessa tese, Laing cita o depoimento de Jesse Watkins, escultor que teve um
acidente psicótico durante dez dias, nos quais esteve internado; o sujeito conta esse episódio
como se se tratasse de uma viagem ao seu próprio interior. A partir de um certo momento, ele
decide "voltar" de sua viagem, recusa-se a tomar os calmantes que lhe impediam de se
controlar, repete várias vezes o seu próprio nome até que tenha a sensação de que tudo
terminou. Mais tarde ele afirma a Laing: "Na minha opinião, se alguém deve lazer esse gênero
de experiência, é em dois planos. Para que ele sobreviva é preciso que ele mantenha contato
com o mundo onde ele está e com o que ele deixou, e isso exige um tremendo esforço do qual
nem sempre se é capaz. AIguns o são mais do que outros, mas de qualquer modo é preciso ter
uma espécie de âncora que os ligue ao presente e a eles próprios para ser capaz de portar
tudo o que lhes acontece... Outros. . . nos quais se tem confiança e que sabem que é preciso
que sejam cuidados, que não se deixam ir à deriva e naufragar. É simplesmente uma questão...
quero dizer que na minha opinião essa experiência consiste para o sujeito em reconstruir sua
própria alma. . ." (246)
Poder-se-ia observar por exemplo que a Psicanálise emprega uma postura da Ioga: a
postura estendida, em relax, que se chama postura do "Cadáver" em Ioga; é uma posição que
favorece não somente a associação livre, mas também a eliminação provisória do pensamento
que, como já vimos, constitui ui obstáculo para o êxtase.
A importância atribuída à libido por Freud encontra o seu paralelo apenas na ioga
tântrica, que, como já vimos, exalta a força da Kundalini, e na Cabala judia, onde temos o
Iesod, equivalente ao Mulhadara da Ioga.
Um discípulo de Freud, Wilhelm Reich, indaga sobre a fonte dessa energia; ele localiza-
a na cavidade abdominal, nos grandes centros do sistema nervoso autônomo, mais
especialmente no plexo solar, no plexo hipogástrico, no plexo lombar e no plexo pélvico; é o
Iesod dos hebreus (279).
A esse respeito, convém lembrar que Freud era judeu e que mesmo que ele tenha se
considerado ateu, ele foi educado num ambiente judeu do qual estava impregnado; é a tese
de Bakan, que nos demonstra certas ligações entre a Psicanálise e a Cabala, de um modo
bastante convincente. Eis aqui, entre outras, algumas de suas opiniões fundamentais:
"O complexo de Édipo é uma metáfora no sentido profundo que toca o grande
mistério da existência do homem. Que esse sentimento tenha sua origem na sexualidade, ai
reside uma das grandes descobertas de Freud. Mas essa descoberta que o ser tem suas origens
na sexualidade e portanto que a sexualidade é um todo com a metafísica e a teologia é uma
ideia fundamental da Cabala.
"O primeiro problema que lhe preocupa, de acordo com o seu desenvolvimento, não é
saber em que consiste a diferença dos sexos, mas o grande enigma: de onde vêm as crianças.
Sob um disfarce que se pode romper facilmente, esse enigma é o mesmo que o da Esfinge de
Tebas."
"Assim como Jones e outros mostraram, o complexo de Édipo foi uma das descobertas
mais importantes de Freud. Segundo a Cabala, é no momento em que o pai é visto que se
recebe o grande conhecimento (Kabbala significa recebido). Lembremos a esse respeito que
Freud assinalou que A Ciência dos Sonhos constituia uma reação à morte do seu pai e "que tal
conhecimento só acontece urna vez na vida de cada um". O Zohar diz falando de José, com
quem Freud se identificava abertamente:
"José viu assim, graças ao espírito da Sabedoria Eterna, o rosto do seu pai em todas as
ações que ele praticava; e é por isso que ele tinha mais êxito do que ninguém. Quando o ímpio
disse a José: "Eu via diante de mim um pé de vinha", ele foi tomado pelo horror pois ele não
compreendia a significação desse sonho; mas quando o seu interlocutor acrescentou: "E o pé
de vinha tinha três sarmentos". José recuperou o seu ânimo e seu rosto irradiou-se de alegria;
pois ele tinha visto o rosto do seu pai; o José pensou: "Esse sonho anuncia certamente uma
boa notícia."
"O Zohar fala várias vezes da união de Deus com a Shekinah, a “mãe celestial". As
principais forças de vida passam do Yesod para a Shekinah. Segundo Scholem, o autor do
Zohar estava fascinado pelo Yesod, e se se considerar a piedade que se manifesta no Zohar,
esse simbolismo fálico utilizado para discutir sobre o Yesod supõe um problema psicológico no
autor.
"A concepção da sexualidade como fonte de toda energia impregna Zohar e encontra
seu equivalente na doutrina freudiana da libido. Aliás, até mesmo o que pode ser considerado
como uma "singularidade" da doutrina. freudiana da libido encontra-se na Cabala; a
singularidade de que falamos o fato de que Freud concebe a libido como masculina." (2)
Sua enfermeira encontrou-o envolvido por um halo luminoso. Eis aqui um trecho de
sua descrição:
Como se sabe, J ung fez enormes esforços para penetrar na significação dos símbolos e
descobrir os "Arquetipos" na alquimia, no livro dos mortos Tibé, no I-Ching chinês; e, como já
vimos, ele interessava-se pelos chacras da Ioga é prefaciou o livro de Susuki sobre o Zen.
— Busca constante da verdade impedindo toda fuga (Koan ou análise dos mecanismos
de defesa);
"Eu sugeri que o método de revelação do inconsciente, levado até as suas últimas
consequências, poderia ser um passo para a iluminação com a condição que ele seja
considerado dentro do contexto filosófico que é expresso pelo Zen do modo mais absoluto e
realista. Só um grande número de experiências ulteriores mostrará até onde a aplicação desse
método pode levar. O ponto de vista expresso aqui indica apenas uma possibilidade e por
conseguinte tem só um caráter de hipótese ainda a ser provada."
"Mas pode-se dizer com mais certeza que o conhecimento do Zen e o interesse que se
tem por ele podem ter a importância mais frutuosa e mais iluminante sobre a teoria e a prática
da análise." (269)
Eis-nos aqui portanto no final de uma análise que começou com a noção de pecado e
nos levou ao êxtase místico e às técnicas que permitem chegar a ele.
Agora podemos afirmar com muita certeza que as origens reais e profundas da
repressão sexual encontram-se na metodologia do êxtase; a supressão da atividade sexual,
acompanhada sem dúvida de uma série de outras técnicas que descrevemos, favorece a
subida da energia para os centros cerebrais superiores, permitindo assim a abertura do
"terceiro olho". Pelo menos, é desse modo que os antigos o concebiam e que o percebem
ainda hoje aqueles que estão à procura do êxtase nas diferentes "escolas" esotéricas do
mundo.
Vimos que a desmistificação do pecado quanto às suas origens racionais, assim como o
aparecimento de meios anticoncepcionais e da profilaxia das doenças venéreas, provocaram
uma revolução sexual, facilitada pela emancipação feminina, e estão eliminando os principais
tabus ligados ao sexo.
Como o leitor prevenido já sentiu, as conclusões deste livro têm um alcance que
ultrapassa muito os limites do estudo a que nos propusemos, de fato, elas chegam a um
questionamento total das razões de ser da nossa civilização industrial.
Isto está intimamente ligado à questão fundamental posta por este livro, que já
assinalamos a propósito das relações entre a alucinação e a experiência mística: se as
experiências extáticas são de fato um alargamento do nosso campo perceptivo que nos faz
perceber a realidade de uma maneira sincrética e total; se o que percebemos no nosso estado
chamado “normal" é apenas uma percepção anormal e ofuscada por uma vida cada vez mais
artificial, será preciso concluir que a nossa vida "normal" é anormal; e que estamos
provavelmente em plena regressão em relação a outras épocas perdidas através dos tempos,
épocas em que teríamos tido essa percepção. Hoje nos são necessárias drogas para recuperá-
la artificialmente e muito provisoriamente. Como vimos, talvez seja o louco quem vê bem e o
normal quem está alucinado ou modelado pelas agências de controle da sociedade, como o
mostra Skinner.
Nossa concepção científica dos métodos que dão acesso à realidade estaria ao mesmo
tempo a ser reconsiderada: baseada na inteligência racional, ela nega na verdade qualquer
possibilidade de existência do que Guenon chama inteligência pura, isto é, uma inteligência
que é capaz de abranger totalmente e intuitivamente o campo total da realidade. Os métodos
antigos de transmutação da energia sexual no nível superior do sistema nervoso permitiriam,
graças a uma mobilização extrema de toda a nossa energia disponível, estimular centros
perceptivos insuspeitos pelo homem da nossa civilização ocidental. O LSD, produto da ciência
ocidental, coloca-a paradoxalmente diante de uma negação de sua capacidade de chegar à
descoberta ria verdade pelo uso limitado da inteligência racional.
A que nível se pode consagrar a energia disponível, eis o verdadeiro problema que
começa a surgir e que se agravará cada vez mais, à medida do desenvolvimento do que Joffre
Dumazedier chamou "civilização do lazer”.
Até que essa nova civilização futura se instale (se a bomba atômica o permitir), não há
dúvida que uma grande parte da energia dos homens continuará sendo canalizada em
atividades "socialmente úteis". Esquivar-se dessa forma de alienação é ao mesmo tempo
renunciar a uma intervenção médica rápida, um alívio quase imediato da dor de dentes, em
dar à luz uma criança sem o risco da febre puerperal, à iluminação elétrica, ao aquecimento
central ou ao ar condicionado, e até mesmo aos livros impressos e aos discos musicais; todas
essas vantagens são produtos da nossa sociedade industrial; trata-se aqui de uma renúncia à
qual poucas pessoas estão dispostas, mesmo entre os hippies.
Freud já havia tratado da questão) no seu livro "Malaise dans la Civilisation". Para ele,
a civilização se baseia na insatisfação dos instintos, na sua repressão, recalque e sobretudo
sublimação; é através da sublimação que o homem pode dedicar-se às atividades mais
elevadas e mais úteis para a sociedade como as atividades científicas. artísticas, literárias e
filosóficas. Para Freud. o homem busca constantemente seu prazer, ou pelo menos procura
evitar a dor causada pelos fatores internos ou sociais. Nessa busca da felicidade há o que
Freud chama um "problema de economia libidinal individual". Nenhum conselho é válido aqui
para todos, cada um deve procurar por si mesmo a maneira pela qual ele pode ser feliz". Trata-
se em suma de um problema de economia da energia sexual. Freud passa em revista os
diferentes caminhos escolhidos pelo homem para obter a felicidade. Dissecando seu texto, nós
encontramos onze meios. que citamos a seguir:
3 — Trabalhar com todos pela felicidade de todos, armado com as técnicas científicas
modernas;
Esses caminhos descritos por Freud continuam. no final do século vinte, a ser as
alternativas para a utilização da energia pelo homem moderno: eles representam as opções de
que o homem realmente dispõe.
Todavia Freud não possuía no seu tempo os conhecimentos suficientes dos dados
novos (e muitos antigos na tradição orienta) obtidos a partir das experiências com o LSD. Se é
verdade que ele redescobriu as propriedades de transformação da energia sexual, ele
interrompeu, no entanto, essa transformação no nível da ternura amorosa, mostrando-se
surpreendido com as emoções que ele mesmo chama "mais elevadas", como por exemplo a
emoção estética. Isso explica que ele veja no fenômeno religioso apenas um delírio coletivo,
uma mistificação e uma ilusão, como indica o título do seu livro, "Avenir d’une Ilusion". Isso
explica também que no caminho da droga ou da Ioga não há nenhuma referência ao
fenômeno do êxtase místico. Freud antecipa-se e se opõe aos argumentos de Leary e de Laing,
que citamos no nosso livro, afirmando como conclusão do "Avenir d’nine Ilusion" que "Não,
nossa Ciência não é uma ilusão. Mas seria uma ilusão crer que nós possamos encontrar em
outra parte o que ela não pode nos dar" (255). Jung abriu uma brecha nessa afirmação.
A partir dos dados que reunimos neste livro, poderíamos propor uma nova opção, a
título hipotético e experimental (tanto fenomenológico como positivista); chamaríamos essa
opção de utilização da energia acumulada nos centros superiores a fim de viver e conhecer
suas próprias fontes; seria a energia que se descobre por si mesma; em outras palavras,
seríamos nós mesmos como energia e identificados a ela, que nos viramos sobre ela para vivê-
la e conhecer suas próprias origens.
Se, pelo contrário, chegarmos a provar que a experiência mística é apenas uma
"mistificação", uma alucinação, só nos restará colocar-nos do lado de Jacques Monod que,
como Freud, nos anima a renunciar a qualquer forma de animismo, a qualquer espécie de
crença num outro reino que não seja do homem, fruto de um mero acaso, que não se repetiria
nunca mais; nesse caso, o homem estaria sozinho no universo, inteiramente responsável pelo
seu próprio destino e pelo destino do reino em que ele vive. Então. como diz Monod, "Como o
seu destino, o seu dever não está escrito em parte alguma. Cabe a ele escolher entre o Reino e
as trevas" (256). O verdadeiro pecado seria pois escolher as trevas.
De todo modo, nas duas hipóteses o verdadeiro pecado — e o único que exite
racionalmente — é sempre prejudicar o destino do homem, quer ele esteja nas mãos de um
conjunto de leis que lhe são exteriores, quer ele esteja nas suas próprias mãos. ]
Como vimos, o estudo do pecado sexual que nos levou a hipótese energética termina
no ponto de encontro entre a ciência, a religião e a metafísica; estas terão talvez uma resposta
no dia em que se terá a coragem de unir a perspectiva fenomenológica, que se baseia na
"inteligência pura" e constitui o apanágio da tradição oriental sincrética que produziu a Ioga, à
contribuição científica positivista baseada na inteligência racional, própria da civilização
ocidental de caráter analítico, que produziu o LSD. A Ioga e o LSD encontram-se, pois afinal de
contas o homem é o mesmo.
Assim o homem do fim do século vinte acha-se diante de três grandes opções
fundamentais, que reúnem todas as que expusemos até o presente:
Enquanto isso, novos métodos pedagógicos darão às novas gerações e até mesmo aos
adultos que o desejem. uma consciência maior das suas possibilidades energéticas; aos
psicólogos, psiquiatras, pedagogos, mestres nas diferentes técnicas orientais e ainda outros
especialistas caberá o trabalho de edificação de tais métodos. E desse assunto que trataremos
num dos nossos próximos livros, como consequência normal do nosso estudo sobre a esfinge
e do presente trabalho sobre a hipótese energética da repressão sexual.
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partir da revelação seria confirmada por todas as fontes antigas. Ela cita como fontes: Philon,
Vie de Moido, 2 (3), e é o Zohar, 111, 198, a. Nós buscamos esta última fonte em nosso
exemplar do Zohar e não encontra ruas nada a esse respeito. Isso devo•su talvez a diferenças
de edições; nossa edição é francesa; a de M. Choisy inglesa.
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280. Encontramos no livro de Yogananda (278), uma análise acurada do mito de Adão e Eva, à
luz da Yoga; esta análise confirma plenamente a nossa própria hipótese; mas vai muito além,
pois explica a queda de Adão e Eva como uma perda da Unidade provocada pelo ato sexual:
"A serpente representa a energia enrolada na base da espinha, a que estimula os nervos
sexuais. Adão é a razão, Eva é o sentimento, Quando o impulso sexual subjuga a emoção ou
consciência-de-Eva em qualquer ser humano, sua razão ou Adão também sucumbe.
"Deus criou a espécie humana materializando os corpos do homem e da mulher pela potência
de Sua vontade; Ele dotou a nova espécie com o poder de criar filhos de idêntica maneira
imaculada ou divina. Até ali, ao manifestar-se como alma individualizada, Deus se limitara aos
animais, regidos pelo instinto e desprovidos das potencialidades da razão plena; então, fez os
primeiros corpos humanos, simbolicamente chamados Adão e Eva. Para estes corpos, a fim de
prosseguirem vantajosamente na evolução ascensional, Ele transferiu as almas ou essência
divina de dois animais. Em Adão ou homem, a razão predominou; em Eva ou mulher, o
sentimento prevaleceu. Assim se manifestou a dualidade ou polaridade subjacente ao mundo
dos fenômenos. Razão e sentimento permanecem no paraíso da alegria cooperativa, enquanto
a mente humana não é iludida pela energia serpentina das propensões animais.
"O corpo humano, portanto, não resultou da evolução dos corpos animais; Deus o produziu
por um ato especial de criação. As formas animais eram muito rudes para expressar a
divindade em plenitude; somente ao homem e à mulher, desde a sua origem foram conferidos
centros ocultos na espinha e o lótus de mil pétalas, potencialmente onisciente, no cérebro.
"Ao perceberem que estavam nus perderam sua consciência de imortalidade, conforme a
advertência de Deus; colocaram-se sob a lei física, segundo a qual ao nascimento físico deve
seguir-se a morte física.
"O conhecimento do 'bem e do mal' prometido a Eva pela 'serpente' refere-se às experiências
dualísticas e opostas que todos os mortais sob o domínio de Maya devem gozar e sofrer.
Sujeitando-se à ilusão, pelo uso incorreto de sua razão e sentimento, ou consciência-de-Adão e
Eva, o homem renuncia a seu direito de entrar no jardim paradisíaco da divina auto-suficiência.
A cada ser humano cabe a responsabilidade de restituir seus pais ou natureza dual à harmonia
unificada ou Éden."
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1966.
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2. NO, não podemos garantir a exatidão de todo, o, desenhos, que foram realizados a partir de
fotografia, ou mesmo de outros desenhos. Os leitores interessados deverão recorrer às
própria, fontes; nossa intensão neste livro foi exclusivamente utilizar meios visuais para ajudar
o eitor a compreender melhor o texto.