Você está na página 1de 103

SUMÁRIO

PREFÁCIO 15

INTRODI:ÇÃO 21

A REPRESSÃO SEXUAL NO SÉCULO VINTE E SUAS ORIGENS

1. Nossa polícia interior 21

2. O universo mórbido da culpa e as doenças da virtude 22

3. Sim, mas de onde vem o pecado 24

4. Origens da palavra pecado 25

5. Provas estatísticas da pressão religiosa sobre a vida sexual 26

6. Como vamos proceder?

PRIMEIRA PARTE EXPLICAÇÕES RACIONAIS DAS ORIGENS DO PECADO SEXUAL

CAPÍTULO 1 -- AS NORMAS RELIGIOSAS

7. A ameaça dos sermões 29

8. Um imperativo categórico 30

9. Classificação das faltas sexuais 32

10. O incesto 34

11. O adultério 35

12. A prostituição 36

13. Homossexualidade e pederastia 36

14. Onanismo 37

15. Exibicionismo sexual 37

16. A castração 38

17. Violação e tabu da virgindade 38

18. A ideia de impureza e de mácula 39

CAPITUL0 II - EXPLICAÇÃO BIOLÓGICA: O PECADO COMO ATENTADO Á ORDEM


NATURAL.

19. A preservação das doenças venéreas 42

20. As origens do conceito de "mácula" 43

21. O viscoso e o pegajoso 43

22. A preservação da ordem cósmica 44

23. A luta contra a degenerescência 44


24. A procriação: uma finalidade biológica 4 5

CAPÍTULO III - EXPLICAÇÃO ANTROPO-PSICANALÍTICA

25. Do complexo de Édipo ao tabu do incesto 46

26. A profilaxia do parricídio e do fratricídio 46

27. Da natureza à cultura 48

28. A mulher: propriedade privada 48

CAPITULO IV - EXPLICAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA

29. Adultério e propriedade privada 49

30. Proteção do patrimônio 50

31. Preservação da família e da sociedade 50

32. Urna hipótese biológica 51

33. Urna outra defesa da propriedade privada 51

CAPITULO V - HIPÓTESE ENERGÉTICA

34. O problema da abstinência e o celibato dos padres 53

35. A abstinência sexual: uma economia de energia 54

36. Civilização e sublimação da energia 56

37. Sublimação da energia e ternura 51

TERCEIRA PARTE

AS TÉCNICAS DO ÊXTASE E A EXPERIÊNCIA PSICODÊLICA NO SÉCULO VINTE

CAPÍTULO I — O QUE É UMA EXPERIÊNCIA MÍSTICA?

57. Por uma definição operacional 140

58. Êxtase e experiência psicodélica

CAPÍTULO II — A MEDIDA OBJETIVA DOS ESTADOS MÍSTICOS

59. Por uma psicofisiologia dos estados de consciência alterada .. 144

60. Eletrocardiograma dos jogues 144

61. Eletroencefalografia na Ioga e no Za-Zen 146

62. Experiência mística: um condicionamento operante? 148

63. Uma defesa com relação ao controle encefalográfico 150

CAPÍTULO III — AS TÉCNICAS NÃO SEXUAIS DO ÊXTASE

64. Dados experimentais sobre as drogas psicodélicas

65. Os sete níveis de consciência energética 156


66. Urna visão de conjunto da droga 158

67. A meditação experimental 159

68. O papel da hipnose na produção de estados extáticos 161

69. Os efeitos da privação alimentar 162

70. O isolamento como fonte de visões 162

71. Modificações posturais e desencadeamento energético 165

CAPÍTULO IV — DADOS ATUAIS SOBRE A SUBLIMAÇÃO E TRANSMUTAÇÃO DA ENERGIA


SEXUAL.

72. O fruto proibido e a concorrência entre os "técnicos do êxtase". 166

73. A abstinência sexual e seus efeitos 168

74. Os métodos modernos de sublimação e transmutação da energia sexual. 172

75. A transmutação energética durante as relações sexuais. A Ioga sexual moderna

175

CAPÍTULO V — UM PROBLEMA PARA O ANO 2.000: O QUE FAZER COM A ENERGIA


DISPONÍVEL? 180

76. Libertação sexual e recalque do sublime: um novo mal-entendido 181

77. Psicodelismo e hippiefrenização: uma reação à alienação e à reificação sexuais. 183

CAPÍTULO VI — ALUCINAÇÕES OU PERCEPÇÕES DA REALIDADE? 189

78. Doença mental e experiência mística 189

79. Psicopatologia dos xamãs e iogues 190

80. A experiência mística dos doentes mentais 190

81. Os alucinados somos nós mesmos 193

82. A Psicanálise é um método iniciático que se ignora? 192

CONCLUSÃO

AS TRÊS OPÇÕES DA HUMANIDADE DO ANO 2.000 199

ÍNDICE DE CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS 207

ÍNDICE ICONOGRÁFICO 222

BIBLIOGRAFIA 216
PREFÁCIO

Quando começamos a fazer nossas pesquisas sobre a esfinge* não imaginávamos em


que aventura pessoal nos empenhávamos; é um estudo que absorve todas as nossas energias
e que transformou profundamente a nossa existência, e mais especialmente a nossa vida
íntima e profissional; o modelo da esfinge tornou-se para nós uma fonte inesgotável de
inspiração, no intuito de desenvolver uma nova síntese psicoterápica que estamos preparando
no Brasil, a partir de nossas primeiras experiências sobre o psicodrama da esfinge, cujo
primeiro resumo já publicamos nos Estados Unidos. Trata-se de um trabalho de longo fôlego,
que esperamos um dia poder publicar.

Enquanto isso, e juntamente com essas experiências, sentimos que era necessário
insistir em certos pontos fundamentais do nosso livro sobre a esfinge, principalmente no que
se refere aos uraeus frontal, à cabeça de serpente situada no nível da testa, entre os olhos ou
melhor, um pouco acima deles, na altura do famoso "terceiro olho". No decorrer de nossas
pesquisas sobre a esfinge e os querubins-esfinges, já havíamos notado a importância do
símbolo da serpente, ligado aos dragões, ao caduceu e, surpreendentemente, aos serafins, que
também eram serpentes aladas. Como acontece quase sempre em simbólica esotérica, os
menores detalhes são os mais importantes; em todo caso, é o que se pode afirmar quanto ao
uraeus; é sobretudo ele que nos leva aos ritos iniciáticos.

Pouco a pouco nos demos conta que nos achávamos diante de um aspecto
inteiramente inesperado para nós: sob a influência das lições de Ioga de que já falamos e de
nossa Psicanálise pessoal, surgiu um relacionamento entre o fenômeno da repressão sexual, a
simbólica da serpente alada, a Psicanálise e a experiência mística. As prováveis origens dos
tabus sexuais na nossa civilização judaico-crista estavam ao nosso alcance. A partir desse
momento, o aspecto simbológico de nosso trabalho tomou urna posição secundária e
meramente instrumental diante da importância de um assunto praticamente pouco sondado
até o presente. É o que explica que nós tenhamos começado a tratar do problema do pecado
sexual antes de discutir sobre a simbólica da serpente alada. Isso não impede que este prefácio
represente a chave essencial deste livro.

Com certeza não teríamos chegado a conclusões tão bem fundamentadas se não nos
achássemos diante do enorme problema criado pelo consumo em massa das "drogas"
chamadas alucinatórias e psicodélicas; a abundante literatura científica e profana contribui
igualmente para confirmar o que antes era apenas uma hipótese muito vaga, que nós
chamamos "hipótese energética', como explicação das origens da repressão sexual.

Durante a redação deste livro, fomos aos Estados Unidos em viagem de estudos e de
observação; a importância crescente atribuída à conscientização a que o homem chegou da
sua energia impressionou-nos particularmente; referimo-nos sobretudo aos trabalhos de
"Bioenergetic", às técnicas de Alexander e de Ida Ralph, cuja ênfase é dada pelo Esalen
Institute de Big-Sur, na Califórnia.

Ao voltar dessa viagem, estávamos mais bem preparados para tratar de problemas
como os que se ligam à sublimação e à transmutação da energia e à experiência mística
propriamente dita.

Quais são as relações entre o pecado sexual, a simbólica da serpente alada, a


sublimação da energia, a droga e a experiência mística? E a pergunta que o leitor intrigado
deve estar fazendo. Nossa resposta está neste livro; afinal de contas, um prefácio é um
prefácio: é o aperitivo que abre o apetite.

Quando um autor termina um ele é quase sempre invadido por uma certa ansiedade;
será que eu me fiz compreender bem? Eu não esqueci nada? Quais serão as críticas negativas?

Como acabamos de dizer, este livro constitui antes de tudo uma continuação do nosso
trabalho sobre a esfinge; inúmeras noções básicas expostas nesse trabalho, que permitem
uma melhor compreensão deste livro, não foram repetidas aqui, pois supomos que o nosso
leitor já as assimilou.

É possível que certos leitores pouco familiarizados com as exigências da pesquisa


científica e com a exposição de um trabalho deste gênero achem que não demos uma resposta
definitiva a muitos problemas planteados por nós, sobretudo no tocante à situação atual dos
trabalhos sobre a experiência mística e o êxtase; é claro que não podemos forçar uma
realidade: essas pesquisas ainda se encontram numa fase comparável à que precedeu a
descoberta da energia nuclear.

Não nos surpreenderíamos se este livro chegasse a suscitar um certo número de


objeções e a provocar uma polêmica. Não se faz impunemente uma tentativa de síntese entre
a Psicanálise e a religião, entre religiões que se creem quase todas donas da verdade e entre
seus aspectos exotéricos e esotéricos. Mesmo se se trata, como é o caso aqui, de um assunto
limitado à sublimação ou transmutação da energia na experiência mística.

Poder-se-ia fazer a observação que nós deveríamos nos entender mais quando
tratamos dos fundamentos da correspondência entre as diferentes tradições ocidentais e
orientais. Esse argumento poderia ser aceito se não existissem trabalhos anteriores, a começar
pelo nosso sobre a esfinge. Nós mostramos nele como uma aproximação antropológica e
cultural universal permite esclarecer o assunto muito mais do que um estudo limitado a uma
só cultura ou religião; só se poderá se persuadir do nosso ponto de vista a partir do momento
em que se tomar conhecimento dos trabalhos de Mircea Eliade, que nos dá os fundamentos
de uma ciência das religiões, formada por estudos comparativos minuciosos entre as
diferentes tradições do mundo;-ao ler as suas pesquisas, pode-se dar conta de quanto são
árduos os esforços para por em correspondência, bem como em evidência, as semelhanças e
as diferenças. Como bem mostra Georges Dumezil na sua Introdução ao Tratado de história
das religiões de M. Eliade, se as primeiras tentativas ingênuas de redução das religiões a um
denominador comum "pescadas nos mares do Sul" não tiveram êxito e voltam ao domínio da
filosofia, pode-se colocar em evidência uma "morfologia do sagrado", que traduz toda uma
"dialética do sagrado"; esse esforço de explicação e de unificação confere uma certa
uniformidade e coerência de um continente a outro. São os mitos e os "símbolos arquetípicos
já evidenciados por Jung que constituem esse traço de união. No nosso trabalho, nós
mostramos que é justamente o mito da serpente alada ou do dragão como símbolos da
energia e da sublimação que constitui, além dos outros dados que tentamos reunir, o traço de
união entre as diferentes tradições do mundo, no que diz respeito à crença na existência do
urna possibilidade de obter uma experiência extática a partir da sublimação fia energia sexual.

Mas existe outro traço de união, que é a natureza do homem, sua estrutura fisiológica
e a energia que o anima, que são quase iguais em todos os continentes; seria com toda certeza
um erro supersticioso crer que a energia que anima os católicos, ou os protestantes é
diferente da que anima os maometanos ou os budistas; pela mesma razão pode-se afirmar que
o fenômeno dos níveis de consumo dessa energia é o mesmo em todo o planeta: motor,
sexual, emocional, intelectual; e se se provar a existência de níveis sutis ou "elevados"
chamados extáticos ou místicos, não haverá para que os fenômenos vividos não sejam os
mesmos.

Com efeito, nós ouvimos sempre objeções segundo as quais é impossível reduzir a
experiência mística de um santo católico à de um padre zen--budista, ou de um monge
tibetano: fala-se de "conceitos" diferentes e se afirmar até que os mesmos critérios de análise
não podem servir para a tradição oriental e ocidental; autores como Mayassis mostram-nos
que, muito pelo contrário, nós estamos diante de fenômenos idênticos.

Se há diferenças, trata-se de diferenças de técnicas para atingir os níveis extáticos; são


diferenças de escolas esotéricas; também pode haver diferenças de nível de êxtase em função
das técnicas utilizadas, que ao que parece, são igualmente função de fenômenos como a
centração próprio ou exteroceptiva, assim como da duração. Nosso livro põe em relevo um
grande número dessas diferenças. Entretanto reconhecemos que do ponto de vista conceitual
resta um enorme trabalho a fazer no sentido de obter definições operacionais dos fenômenos
chamados místicos; é a razão pela qual nós citamos mais especialmente a definição de
Drilemane e de Gastaut; o mesmo se passa com relação a certos termos como libido, energia,
sublimação, repressão, supressão e transmutação, dos quais não se conhece as semelhanças e
as diferenças entre autores como Freud, Jung, Guénon ou Sri Aurobindo; tais tentativas foram
feitas por inúmeros autores; nós só citamos alguns, mais no intuito de mostrar ao leitor as
dificuldades de conceptualização do que para esclarecer a questão; no momento em que se
entra no domínio do subjetivo, sempre surge esse tipo de dificuldade, a começar pela
percepção das cores, que não são as mesmas para o olho direito e esquerdo da mesma
pessoa.. .

Por esta razão, esforçamo-nos em relatar as primeiras experiências e tentativas de


registro objetivo das manifestações fisiológicas, ou mais particularmente bioelétricas, dos
fenômenos de êxtase e sua indução bioquímica por meio de drogas. Trata-se de uma tentativa
de síntese, bastante incompleta, dado o grande número de publicações que são lançadas
atualmente e no momento mesmo em que escrevemos estas linhas.

No decorrer da leitura deste livro, o leitor não advertido pelas leituras de psicanálise,
de ciência das religiões, de simbologia esotérica ou de psicofisiologia deve perguntar-se aonde
nós queremos chegar. Vamos tentar fazer para ele um resumo das hipóteses e conclusões: —

— Em primeiro lugar, nós planteamos o problema da origem do sentimento de


culpabilidade sexual; ele vem do tabu provocado pela noção de pecado sexual. Mas de onde
vem, por sua vez, o conceito de pecado?

— Uma análise das causas normativas, biológicas, antropo-psicanalítica e sócio-


econômicas não basta para explicar certas passagens de textos bíblicos do Antigo e do Novo
Testamento referentes até às relações sexuais no casamento e as restrições sexuais periódicas
ou definitivas impostas aos sacerdotes de diferentes credos.

— É nas escolas esotéricas, na simbólica da serpente alada e na Psicanálise que se


encontra uma explicação que nós chamamos "hipótese energética".

— Nas escolas esotéricas, o principal objetivo é obter estados privilegiados de êxtase e


de iluminação, que consistiriam num alargamento da consciência e numa percepção direta da
realidade.
— Esses estados podem ser obtidos através das drogas, dos incensos especiais e
também das privações alimentares e dos jejuns. Uma das técnicas mais difundidas nos meios
ióguicos consiste numa sublimação progressiva da energia, simbolizada pela serpente
(Kundalini) ou pela serpente alada ou dragão que representa a energia sublimada (as asas,
símbolo de elevação). Esse símbolo é encontrado em todas as culturas e não se limita portanto
à Ioga.

— A princípio, essas técnicas não eram de modo algum obrigatórias, mas constituíam,
pelo contrário, uma opção voluntária para quem quisesse obter uma experiência mística de
iluminação.

— As religiões, que são o aspecto exotérico do esoterismo, apresentam essas mesmas


privações sob a forma de obrigação e toda transgressão constitui um pecado. Tudo se passa
como se tivesse uma burocratização do que era a princípio uma opção (jejuns obrigatórios,
privação de carne, celibato dos padres católicos, ideias de pecado ligadas a toda forma de
sexualidade não procriativa ou gratuita).

— Em termos freudianos, a origem histórica do recalque e da culpabilidade sexual


parece encontrar-se numa burocratização da sublimação, que apresenta toda a rigidez de uma
reificação. Essa origem viria sobredeterminar-se, unir-se a outras explicações do tabu sexual
(incesto e promiscuidade sexual como perigo social).

— Além do seu interesse teórico, essa tese apresenta um aspecto pragmático


extremamente importante: ela mostraria que os antigos descobriram certas propriedades da
sublimação da energia sexual, tais como a emergência fenômenos espiritualizados que vão da
ternura ao êxtase; o que viria simplesmente reunir-se em parte a uma afirmação de Freud
referente à necessidade do casal que quer conservar sua ternura de limitar suas relações
sexuais. Por outro lado, essa tese desmistificaria a noção de culpabilidade sexual(não
procriativa), dando aos homens a possibilidade de uma vida sexual mais espontânea e
permitindo-lhes ao mesmo tempo de sublimar sua energia sexual espontânea e permitindo-
lhes ao mesmo tempo de sublimar sua energia sexual de um modo consciente e voluntário, e
não sob o efeito de um condicionamento, e por conseguinte de uma alienação.

Sob uma outra forma, aqui se encontra a ideia simbolizada pela cabeça humana e o
uraeus frontal na esfinge; o homem consciente da sua energia e canalizando-a para fins
superiores, humanos e, como o mostra Mircea Eliade quanto à Ioga, supra-humanos.

A tese leva-nos a uma análise da experiência mística e das técnicas do êxtase no


mundo moderno, inclusive das drogas, bem como da utilização da energia disponível na futura
"civilização do lazer".

Entre negar totalmente a possibilidade de um alargamento do campo da consciência e


assimilar a experiência mística a uma simples alucinação por um lado, e, por outro lado,
renegar todos os conhecimentos da nossa civilização por meio de uma "hippiefrenizaçcio" do
mundo, existe, na nossa opinião, uma outra alternativa: a que consistiria em intensificar as
pesquisas sobre a natureza dos fenômenos conhecidos pelo nome de experiência mística ou
de êxtase, pesquisas das quais nosso ensaio de síntese dá um antegosto do que elas poderiam
ser. No plano da vida mental, essas pesquisas são tão importantes quanto as que se
relacionam às viagens espaciais e à energia nuclear.
Poder-se-ia também indagar se os conceitos terapêuticos, e mais especialmente
psicanalíticos, traduziriam todos os fenômenos observados; nosso livro sobre a esfinge
responde parcialmente a essa pergunta; por outro lado, já dissemos que o homem é o mesmo
em toda parte; o que varia são os aspectos sob os quais ele se examina, fragmentado na
totalidade do seu ser pelas ciências e técnicas de observação ou de educação; a mística
começa no nível em que termina a psicanálise; mas a energia que sobe é sem dúvida a mesma;
é justamente o que talvez provem as pesquisas que nós preconizamos e que já começaram.

Outra observação que nós pressentimos que vamos receber é que só enfatizamos o
aspecto frustrante da religião, e mais particularmente na tradição judaico-crista, e que
omitimos as belezas do amor descritas na Bíblia; ou em outros termos, por exemplo, nós só
falamos do Levítico e passamos em silêncio o Cântico dos Cânticos, que é um canto à relação
amorosa; é claro; mas não esqueçamos que o objetivo deste estudo é a origem do sentimento
de culpabilidade sexual, isto é, a origem da noção de pecado; isso não desvaloriza de modo
algum os aspectos positivos da mensagem de amor que todas as religiões nos trazem; muito
pelo contrário, nós tentamos demonstrar a necessidade de revisar a noção de pecado sexual,
que é sem dúvida a fonte principal de grandes mal-entendidos e sofrimentos.
INTRODUÇÃO

A REPRESSÃO SEXUAL NO SÉCULO VINTE E SUAS ORIGENS

1 - Nossa polícia interior

Um número incalculável de pessoas experimenta um sentimento desagradável de


angústia antes e depois de uma experiência sexual; um sabor indefinido de pecado gira em
torno das relações sexuais, mesmo no casamento, onde elas são oficialmente "autorizadas".

A literatura que trata desse assunto é abundante em "casos" de angústia de origem


sexual; não temos aqui a intenção de acrescentar outros a essa lista.

Trata-se de um sentimento de "má consciência", de ter feito alguma coisa de mal,


inconfessável, repreensível, de haver cometido uma falta vergonhosa. "Ah, se soubessem o
que eu acabei de fazer..." — Ah, se soubessem as ideias que me passam pela cabeça..." —
"Tenho vergonha de mim mesmo...É a última vez... não farei mais isso..."

Essa angústia é o sinal de interdição que nos é enviado por uma organização poderosa
e bastante complexa; trata-se de uma verdadeira polícia; mas de uma polícia diferente, pois
ela é constituída somente de nós mesmos, ou melhor, de uma parte de nós mesmos.

Essa polícia impede-nos de matar, de injuriar, de roubar ou de dormir com a mulher de


um amigo; é também ela quem nos faz cumprir nossos deveres quotidianos, trabalhar, ganhar
o pão para a nossa família, educar os nossos filhos, dar o bom exemplo, ajudar a um doente.

É uma força moral poderosa, tão poderosa que Kant chamou-a de "imperativo
categórico"; categórico porque a pessoa não discute com essa polícia. Ela tem as suas
punições, nossa polícia: a multa mínima é a angústia, o sentimento intolerável de
culpabilidade. Mas às vezes ela nos faz pagar bem caro: úlcera, enfarte, asma e até mesmo
câncer.

Durante muito tempo pensou-se que essa polícia era inata, que se nascia com ela.
Freud liquidou definitivamente essa superstição; nossa polícia vem do exterior; ela foi-nos
imposta na cabeça, no coração, no corpo todo. Já se desconfiava disso antes, pois era preciso
educar as crianças através de recompensas, de castigos e pelo exemplo. Freud demonstra-nos
que essa polícia, que ele designa, como se sabe, pelo termo de superego, é o produto de
"introjeções" do comportamento, dos hábitos e sistemas de valores dos nossos pais e
educadores.

Se você é católico, protestante ou israelita, é porque você introjetou a religião de seus


pais; e se você se sente culpado em fazer amor, é porque seus pais já o faziam às escondidas
ou porque as freiras lhe disseram para não olhar de frente para os rapazes, porque isso
provoca maus pensamentos.

Inatos são os nossos instintos, nossas pulsões que formam o que Freud chamou nosso
id: comer, beber, fazer amor e ter vontade de dar um tiro de revólver num rival fazem parte do
nosso equipamento inato; ele é programado com antecedência, em termos cibernéticos.

A. medida em que o nosso superego se forma, nós somos obrigados a comer em


determinadas horas, a urinar e a defecar em lugares especiais e não em qualquer parte;
quanto às pulsões sexuais, ensinam-nos que elas só existem no casamento e mesmo assim
com a finalidade única de ter filhos; e mais ou menos disso que as nossas avós estavam
convencidas; mas nos resta ainda uma pesada herança de culpabilidade.

2. — O universo mórbido da culpa e as doenças da virtude

As consequências dessa culpabilidade do sexo foram objeto de um longo capítulo da


psicopatologia moderna, com ramificações na medicina psicossomática e na psicoterapia.

Elas constituem o que Hesnard chamou "o universo mórbido da culpa"; André Berge
agrupou essas manifestações patológicas sob um título bem significativo: "As Doenças da
Virtude".

Como o escreveu incisivamente Laing Entralgo, "entre todos os problemas teóricos da


medicina, e apesar do silêncio observado a esse respeito nos tratados de patologia geral, não
existe nada mais profundo, mais permanente e mais sugestivo do que o problema da relação
entre a doença e o pecado; ou, se preferirmos, da ligação entre a desordem física e a
desordem moral na vida humana. Cada vez que a ciência patológica foi verdadeiramente
profunda, cada vez que a medicina quis ser uma "sabedoria" e não somente uma "técnica" —
o espírito do médico foi de encontro a esse problema inelutável".

Este livro não tem como objetivo descrever como nascem e se desenvolvem os
distúrbios psicológicos e psicossomáticos que se originam da repressão sexual. Queremos
ressaltar aqui apenas a sua importância e relembrar simplesmente a sua existência ao leitor,
pois esta lista de neuroses e psiconeuroses e a demonstração de sua origem na repressão
sexual foram, como veremos mais adiante, originadas de um outro grande mal-entendido, que
é a liberação sexual como reação à repressão: ela é também a prova da existência de urna
imensa força energética em nós mesmos, força esta que constitui justamente o objeto de
estudo deste livro. É o recalque, isto é, a repressão inconsciente dessa força, que pode levar-
nos a neuroses e psiconeuroses ou, utilizando uma classificação mais moderna de Laplanche e
Pontalis, a afecções psicossomáticas (como os distúrbios digestivos, a úlcera duodenal, as
nevralgias, as vertigens, certas alergias, paralisias, etc.), a neuroses (como a histeria, a
neurastenia, a neurose obsessiva, a neurose de angústia e a neurose de abandono) e a
psicoses (como a psicose maníaco-depressiva, a paranoia e a esquizofrenia.

É sotbretudo quanto há uma má administração da parte do ego, do superego e do id,


que se produzem os desequilíbrios psíquicos. Ou o superego domina completamente os
instintos, ou, pelo contrário, as pulsões instintivas não são.suficienternente "domesticadas".

A Psicanálise e outras psicoterapias têm por objetivo e função ajudar ao neurótico a


tomar consciência da existência do seu ego e da possibilidade de controlar-se a si mesmo.

O preço pago pela nossa civilização por causa desses conflitos é realmente muito
elevado, principalmente se levarmos em consideração o fato de que a neurose não é uma
exceção; somos todos, sobretudo nós que vivemos em cidades, mais ou menos sujeitos à
neurose.

Como mostra Roger Bastide, "se o número de psicoses não varia sensivelmente de
uma época para outra e de um povo para outro, o número de neuroses vai, pelo contrário, se
multiplicando com as transformações das estruturas sociais e subversão dos valores.

Foi sobretudo a Psicanálise que acentuou o papel das pressões sociais ,


particularmente, das pressões familiais na formação do superego; essas pressões implicam
valores e crenças nesses valores; a Psicanálise tornou bem patente o fato de que eles não são
inatos; que eles são adquiridos e que a família é o seu agente iniciador; ao mesmo tempo, ela
colocou em questão, através da desmistificação que ela operava, a legitimidade deles; toda
psicanálise chega a urna reconsideração de nossos valores e a uma tomada de posição pessoal
em relação a tudo o que é adquirido por um condicionamento alienante.

Esse questionamento individual atinge atualmente a esfera social, coletiva e, talvez


não seja exagerado afirmá-lo, universal. Já não é o superego individual que se coloca em
questão, mas o superego coletivo; com Fromm e Marcuse chega-se a uma Psicanálise da
civilização, reforçada pela revisão exposta pelo marxismo.

É nesse contexto de exame crítico de nossos valores e de suas origens que se inscreve
a nossa obra Freud mostrou-nos que nosso superego provém da influência de nossos
educadores que nos transmitem uma série de tabus e mais particularmente, a noção de
pecado sexual.

3. — Sim, mas de onde vem o pecado?

Tentaremos dar aqui um passo adiante, isto é, reencontrar as origens dessa repressão
sexual, o que representa em suma identificar as origens e as causas do pecado.

Freud mostra-nos como a noção de pecado se transmite de geração a geração: "O


superego deriva da influência exercida pelos pais, educadores, etc. Em geral, esses últimos
conformam-se, na educação das crianças, às prescrições do seu próprio superego (. . .) O
superego da criança não se forma portanto à imagem dos pais, mas sim à imagem do superego
destes; ele enche--se com o mesmo conteúdo, torna-se o representante da tradição, de todos
os julgamentos de valor que subsistem assim através das gerações."

O problema que nos concerne aqui é o de saber de onde vêm os valores negativos com
respeito ao sexo, o que significa conhecer as origens do pecado sexual.

Evidentemente Freud planteou também essa questão; para ele o sentimento de


culpabilidade precede à formação do superego; ele exprime o medo da punição infringida pela
autoridade paterna; na linguagem da análise do comportamento, de Skinner, o sentimento de
culpabilidade é uma forma de "síndrome de ativação" que se forma após urna punição.

A punição constitui portanto a origem da angústia que acompanha e caracteriza o


sentimento de culpabilidade.

Se procurarmos as origens da palavra pecado, como tentaremos fazê-lo, uma surpresa


nos aguarda.

4 - Origens da palavra pecado

Segundo o Dicionário Enciclopédico Larousse (24), pecado vem do latim "peccatum" e


significa transgressão de uma lei religiosa. Em hebreu, um dos significados de pecado é
"Pécha", que nos aproxima mais ainda da palavra em francês. Segundo Wirth, a quinta séfira
da árvore sefirótica da Cabala hebraica teria vários nomes e não somente o de Geburah, que
significa rigor ou justiça; um dos nomes seria o de "Pechad", que significa punição, temor. No
Dicionário Larousse de francês-hebreu encontra-se com efeito o termo “Pechad" para designar
o temor.
É interessante ressaltar que em hebreu duas raízes análogas à palavra pecado, ligam a
ideia de transgressão à de um sentimento, o temor, parente do medo e da angústia. Aqui se
encontra, sob forma linguística, a associação feita pelos psicanalistas entre a angústia e a
culpabilidade.

De qualquer forma, o sentido atual da palavra pecado refere-se antes de tudo a uma
transgressão de ordem religiosa; é por conseguinte na religião que devemos procurar a origem
da noção de pecado.

São evidentemente os tabus religiosos que se encontram à base da repressão sexual;


as leis civis fizeram apenas seguir os costumes modelados pelas pressões religiosas.

5. — Provas 'estatísticas da pressão religiosa sobre a vida sexual

Entretanto, o fato de que a influência da religião sobre a vida sexual é uma evidência
para o homem comum, não deve nos impedir de tomarmos todas as precauções
metodológicas possíveis, tendo em vista uma demonstração científica desse fato. A
Psicanálise, por exemplo, é rica em casuística de neuroses de diferentes tipos que a história
acusa como sendo pressões de natureza religiosa ou tabus ligados historicamente a proibições
religiosas.

Se a observação clinica é digna de nosso respeito, os dados estatísticos obtidos a partir


de um grande número de indivíduos representativos de uma determinada população, dar-nos-
ão ainda mais segurança. Nós encontramos esses dados no famoso levantamento de Kinsey
sobre o comportamento sexual do homem. Kinsey buscou as diferenças de frequência das
relações sexuais de diferentes tipos em três religiões: católica, protestante e israelita. Ele
dividiu essa população religiosa em praticantes e não praticantes; a hipótese básica a verificar
portanto era a seguinte: os praticantes acusam diferenças de frequência das relações sexuais
em comparação com os não praticantes, de tal forma que os praticantes têm uma frequência
mais baixa que os indivíduos não praticantes.

Com efeito, é o que acontece em todas as amostras da população analisada. Vejamos,


por exemplo, a classificação obtida com relação aos rapazes entre dezesseis e vinte anos, que
irão, ou que já estão na Universidade; a ordem começa pelos menos ativos do ponto de vista
sexual:

1. Israelitas ortodoxos 1,57


2. Católicos praticantes 1,70
3. Protestantes praticantes 1,83
4. Católicos não praticantes 2,19
5. Israelitas não praticantes 2,30
6. Protestantes não praticantes 2,37

Encontramos diferenças assim em todas as manifestações sexuais a partir da


masturbação até as relações conjugais, passando pelas relações pré-conjugais e pelas relações
homossexuais.

Poder-se-ia pensar que tais diferenças desaparecem no que diz respeito às relações
conjugais, em que a sexualidade é considerada como mais lícita; mas este não é o caso; certas
frequências de grupos não praticantes são 20 a 30% mais elevadas que as de indivíduos
praticantes, mesmo isolando certas variáveis como a idade ou o nível de instrução.
Temos aqui, por exemplo, as frequências médias das relações sexuais conjugais
obtidas a partir de uma população protestante sexualmente ativa, de nível de instrução
superior, em função da idade:

Trata-se aqui do dado mais importante para o nosso trabalho; como veremos mais
adiante, pode-se encontrar argumentos racionais para todos os tabus de natureza religiosa; a
permanência do tabu sexual no casamento entretanto exige urna análise mais profunda, que
nos levará a urna nova teoria explicativa do pecado sexual.

6. - Como vamos proceder

Buscar as origens da noção de pecado consistirá em conhecer não somente as


proibições religiosas que precedem e condicionam a punição, mas também os valores que
constituem a base dessas proibições.

Poderíamos resumir tudo o que foi dito até o momento através do seguinte esquema:

É a partir de valores que os homens ditam suas leis e regras sociais; a transgressão
dessas regras leva a uma sanção; a punição, pelo medo que ela provoca, catalisa a formação
de nossa polícia interior. o superego; a angústia ou sentimento de culpabilidade é o medo da
punição do superego e o superego é a interiorização ou introjeção das autoridades exteriores
que nos punem.

No que concerne mais particularmente à noção de pecado sexual, o que nos interessa
é esclarecer mais as leis e regras sexuais e sua profunda razão de ser, isto é, os valores que
presidiram à sua elaboração.

Somente com esta condição é que cada ser humano poderá examinar
conscientemente sua posição pessoal em relação a esses valores e decidir quanto à
oportunidade de tal ou tal norma de comportamento sexual, com pleno conhecimento de
causa.

Com essa finalidade, evocaremos em primeiro lugar as normas sexuais existentes nas
principais tradições religiosas do mundo. Em seguida, passaremos em revista as diferentes
explicações clássicas quanto aos valores subjacentes e essas normas sexuais: explicações
religiosa, biológica, sócio-econômica e antropo-psicanalítica. Veremos então que todos esses
aspectos ainda não são suficientes para explicar e justificar o imenso tabu que envolve as
relações sexuais, mesmo quando elas parecem racionais, razoáveis ou aceitáveis. A explicação
antropo-psicanalítica será a porta de entrada do que constituirá a segunda parte do nosso
trabalho: as origens místicas da repressão sexual. Comecemos pela explicação religiosa
propriamente dita.
PRIMEIRA PARTE

EXPLICAÇÕES RACIONAIS

DAS ORIGENS DO PECADO SEXUAL

CAPÍTULO PRIMEIRO

NORMAS RELIGIOSAS

7. - A ameaça dos sermões

Existe uma imagem familiar à infância de muitas pessoas, imagem que tende a
desaparecer sob a influência da evolução da igreja católica; é a do padre que ameaça, do alto
do seu púlpito, todos aqueles que cometem pecados, de serem submetidos ao julgamento
divino e entregues às torturas e ao inferno. Eis aqui, a título de ilustração, um dos sermões
menos violentos, extraído de um manual religioso do século passado:

“Minhas caras crianças, a história conta-nos que um dia a infame esposa de Putifar,
querendo levar para o caminho do mal o casto José, colocou sua, inocência em armadilha. Mas
o virtuoso jovem, pensando que o pecado que queriam lhe levar a cometer iria imediatamente
matar a sua alma e fazer uma grande injúria a Deus, recua horrorizado. Preferindo sacrificar
sua reputação, sua liberdade e até mesmo a sua vida, ele gritou com indignação: Como eu
poderia consentir em vossos desígnios culpáveis, quando eles seriam um crime para mim e um
ultraje para Deus:

"QUOMODO ERGO POSSUM HOC MALUM FACERE ET PECCARE IN DEUM MEUM!

"Esta linguagem plena de fé que manteve esse jovem virtuoso solicitado ao qual é
aquela que vós devereis ter, vós mesmos, minhas crianças, quando vossas paixões ou alguma
criatura pérfida vos solicite ao pecado."

Pode-se imaginar facilmente a angústia e os sentimentos de culpabilidade que um tal


sermão desencadeia numa igreja provinciana cheia de jovens e de adultos em plena
maturidade sexual.

Como mostra Michel Adam, um tema circula frequentemente na iconografia cristã: é o


que representa o pecado por leões que se lambem os beiços ao imaginar os pecadores que
eles vão devorar. Não se pode ilustrar melhor, simbolicamente, a ameaça que pesava sobre os
pobres pecadores que passavam diante de uma tal figura como a de um capitel da torre do
pórtico da abadia de Saint Benoite-sur-Loire.

Todas essas ameaças se inspiram nos textos das escrituras e nas normas que se
apresentam em geral sob uma forma categórica, como veremos em seguida.

8. — Um imperativo categórico

Na maior parte das religiões encontra-se um conjunto de normas relativas às


atividades sexuais; essas normas são consideradas divinas e não podem, por conseguinte, ser
discutidas. Elas tem um caráter categórico; toda transgressão a elas é considerada como
"pecado", sujeito a uma punição neste ou no outro mundo.

Em geral, não há uma explicação da razão de ser dessas leis religiosas; elas existem
porque Deus quis assim; quem obedece a essas leis será recompensado, quem as desobedece
será punido.
"Se obedeceres fielmente à voz do Senhor, teu Deus, guardando cuidadosamente
todos os seus mandamentos que hoje te prescrevo, o Senhor, teu Deus, elevar-te-á acima de
todas as nações da terra."

“Mas se não obedeceres à voz do Senhor, teu Deus. . . Serás maldito. . ."

A Bíblia está saturada de promessas para aqueles que seguem os mandamentos de


Deus e de ameaças para os pecadores. Seria inútil e enfadonho reproduzi-las aqui.

Esse tom autocrático encontra-se em outras religiões. Temos aqui, por exemplo, um
trecho extraído do Corão:

"Em nome de Deus Clemente e Misericordioso."

1. Este capítulo nos é enviado do céu. Ele contém a sanção das nossas leis e dos signos
cuja evidência deve vos abrir os olhos.

2. Os impudicos dos dois sexos serão punidos com cem chicotadas.

Mesmo entre os egípcios há mais de quatro mil anos pelo menos, encontra-se a
mesma tradição autocrática; Osíris, o deus supremo, é também o juiz final no que concerne os
pecados. Eis aqui um trecho da "confissão negativa" que se encontra no "Papiro Nu" do "Livro
dos Mortos":

"Saudações, deus grande, senhor da verdade e da justiça,


Mestre poderoso! Eis-me aqui chegando diante de ti!
Deixa-me pois contemplar tua radiosa beleza!
Eu conheço o teu nome mágico e os de quarenta e duas divindades
Que na vasta sala de verdade-justiça te rodeiam
No dia em que se presta contas dos pecados diante de Osíris;
O sangue dos pecadores lhes serve de alimento."

O texto é seguido de uma longa lista de pecados, entre os quais alguns são de natureza
sexual, como o adultério, a homossexualidade ou mesmo a ausência de castidade.

O cristianismo retomou os temas do Antigo Testamento. Eis aqui, por exemplo, o que
diz São Paulo:

"Digo pois: Andai segundo o Espírito e não satisfareis aos apetites da carne, porque os
desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne:. . . Vos previno como já vos
preveni: os que praticarem (as obras da carne) não herdarão o reino de Deus" .

Na Índia, o "Bhagavad-Gitr, um dos textos fundamentais do bramanismo, exprime a


mesma ideia de São Paulo:

"Aqueles que fazem o mal, não me atingem, almas desgarradas, baixas na escala
humana; porque o conhecimento lhes é roubado por Mâyâ, e eles se dirigem à natureza do ser
do asura".

As mesmas ideias são encontradas ainda no Visnupurâna; eis aqui alguns trechos: "Se
o Senhor Hari, o deus sem começo, que traz consigo uma espada, uma concha e uma clava, o
ser inalterável está no coração desses homens, como o pecado estaria aí, já que ele não se
distingue do que causa a sua própria perda? Quando o sol está aqui, como teríamos as trevas?
"Aquele que rouba o dinheiro do outro, que violenta os seres, que diz falsidades, ou o
cruel, o ser de alma sórdida que se embriaga com sua perversidade O Eterno não está no seu
coração."

Poderíamos multiplicar infinitamente esse gênero de citações; elas todas têm uma
característica comum: a estreita ligação entre a atribuição de uma sanção divina e a prática da
virtude ou do pecado. A recompensa é em geral o acesso ao "reino dos céus" ou a descida de
Deus Ele mesmo. A punição oscila entre o inferno, uma nova reincarnação, ou simplesmente a
ausência de recompensa.

Com referência às atividades sexuais, examinaremos em seguida as que foram alvo de


uma repressão religiosa.

9. — Classificação das faltas sexuais

Ao examinar os diferentes manuais de prescrições religiosas e, mais particularmente, o


Antigo e o Novo Testamento, pode-se estabalecer bem facilmente uma classificação das faltas
de natureza sexual, que são objeto de uma repressão mais ou menos severa, segundo o caso.

O conhecimento dessas faltas permitir-nos-á um estudo mais aprofundado dos


motivos que levaram à sua repressão. Eis aqui a lista a que chegamos:

— Incesto;

— Adultério ou desejar a mulher do próximo;

— Prostituição;

— Pederastia;

— Sodomia;

— Homossexualidade;

— Onanismo;

— Exibicionismo;

— Castração;

— Travesti;

— Violação;

— Relações pré-conjugais.

Existe ainda uma série de situações consideradas impuras. São as seguintes:

— Gonorreia;

— Perdas seminais;

— Fluxo menstrual;

— Mulher após o parto;

— Relações sexuais em geral antes de certos cultos;

— Relações sexuais dos padres.


Para cada um desses pecados, daremos agora alguns exemplos de proibições; nosso
objetivo aqui é antes de tudo, mostrar o caráter categórico de cada uma dessas proibições;
além disso, na medida de nossos conhecimentos, tentaremos também por em evidência que,
pelo menos no tocante a um grande número delas, essas proibições não eram o apanágio de
tradições judaico-cristãs, mas elas existem nas principais religiões do mundo.

10. — O incesto

As relações sexuais entre pais e filhos e entre irmãos e irmãs são objeto dos tabus mais
antigos da humanidade. Como o mostra, por exemplo, Mali-nowski, "mesmo nas sociedades
mais licenciosas, não existe e nunca existiu nada que se pareça com a "promiscuidade". Em
toda cultura encontramos antes de tudo sistemas de tabus bem preciosos, destinados a tornar
certos indivíduos de sexos opostos inaccessíveis uns aos outros, a retirar de categorias inteiras
a possibilidade de se tornarem eventualmente companheiros conjugais. O mais importante
desses tabus proíbe totalmente a aproximação sexual entre homens e mulheres que já têm um
contato normal, natural, isto é, entre os membros da mesma família, entre pais e filhos, irmãos
e irmãs."

Há somente raras exceções durante alguns séculos em certas dinastias egípcias e entre
os sucessores de Alexandre Magno, em que o casamento entre irmãos e irmãs era, bem ao
contrário, uma regra para o acesso ao trono.

O Antigo Testamento é categórico:

"Nenhum de vós se achegará àquele que lhe é próxima por sangue, para descobrir a
sua nudez. Eu sou o Senhor."

"Não descobrirás a nudez de teu pai, nem a de tua mãe. Ela é tua mãe: não descobrirás
a sua nudez."

"Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai: é a nudez de teu pai.

"Nem a da tua irmã, filha de teu pai ou de tua mãe, nascida na casa ou fora dela."

"Não descobrirás a nudez da filha de teu filho ou da filha da tua filha; porque é tua
nudez."

Seguem-se proibições idênticas a respeito da irmã, da tia, do tio, da nora, da cunhada,


de uma mulher e de sua filha e de seus netos. Todos esses pecados são punidos com a pena de
morte. Ë a lei da exogamia.

11. — O adultério

As proibições referentes ao adultério são igualmente muito antigas: "Se um cidadão


violar a mulher de outro que ainda é virgem e se ele for surpreendido, o homem será
executado; a mulher ficará impune."

Se a mulher de um cidadão é acusada de ter relações com outro homem, sem haver
sido surpreendida em flagrante delito, ela deve, em atenção ao seu marido, atirar-se no rio.

"Se a mulher de um cidadão é surpreendida em flagrante delito de adultério com outro


homem, eles serão amarrados juntos e jogados dentro d'água; se o marido perdoa a sua
mulher, o rei poderá suspender a execução do homem."
Poder-se-ia pensar que se tratam aqui de proibições da Bíblia; na realidade são trechos
de uma esteia que data da alta época babilônica de há mais de três mil e quinhentos anos, a
célebre estela de Hamurabi. Vimos acima que o adultério era pecado também no Egito.

A Bíblia é igualmente muito severa no que se refere ao adultério; o homem e a mulher


adúlteros são condenados à lapidação. Isso é uma aplicação do mandamento: "Não amarás a
mulher do próximo".

O Novo Testamento, apesar de ser mais tolerante quanto ao ato propriamente dito,
estende o princípio de adultério até mesmo às intenções: "Ouvistes o que foi dito aos antigos:
Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que lançar um olhar de cobiça para
uma mulher, já adulterou com ela em seu coração."

Mesmo o Corão, que admite, como sabemos, a poligamia, não admite o adultério.
"Infligireis ao homem e à mulher adúlteros cem chicotadas em cada um."

Nem é necessário assinalar que a extensão do adultério, pelo cristianismo, às


intenções e aos pensamentos é um dos grandes fatores do desenvolvimento de sentimentos
de culpabilidade, até nossos dias.

12. — A prostituição

Já se tornou lugar comum afirmar que a prostituição é tão velha quanto a


humanidade? Com efeito, as leis religiosas ou civis, ao proteger o casamento e restringir outras
práticas sexuais, provocaram a aparição da prostituição, como válvula de segurança para
aliviar as necessidades sexuais masculinas. A prostituição já é assinalada entre todos os povos
do Oriente há três mil anos A.C.

Longe de ser proibida, a História revela a existência de prostitutas em certos cultos


como o de Ishtar no culto de Anu entre os sumérios; mas essas práticas, bastante conhecidas
na Mesopotânia, parecem estar ligadas a ritos feitos para influenciar as estações do ano e mais
particularmente a chuva, que era vista como o esperma ejaculado por um grande pênis divino:
Os estudos etimológicos das línguas semitas a partir do sumério evidenciaram igualmente o
papel dessas mulheres no culto do cogumelo sagrado; os estudos de Allegro parecem
demonstrá-lo de um modo bem minucioso. Esses hieródulos, homens e mulheres, existiam
também nos templos egípcios de Isis e nos cananeus de Astarté; a prática se estendeu a certas
épocas entre os israelitas no templo de Jerusalém sob o poder de Manasses e Amon.
Voltaremos à relação das práticas sexuais nos templos quando nos referirmos às experiências
místicas.

O Antigo Testamento condena a prostituição: "Não prostituas tua filha, para que a
terra não se entregue à prostituição e não se encha de crimes."

A proibição se estende igualmente aos hieródulos: "não haverá mulher prostituta


entre as filhas ou entre os filhos de Israel. Seja qual for o voto que tiveres feito, não levarás à
casa do Senhor, teu Deus, o ganho de uma prostituta nem o salário de um cão; porque uma e
outra coisa são abomináveis diante do Senhor, teu Deus."

O Novo Testamento reforça a ideia de impureza das relações com prostitutas: "Ou não
sabeis que o que se ajunta à prostituta faz-se um só corpo com ela? Está escrito: Os dois serão
uma só carne. . . Fugi da impureza. . . . mas quem comete impureza peca contra o seu próprio
corpo."
13. — Homossexualidade e pederastia

Como vimos mais acima, a homossexualidade era um pecado no Livro dos Mortos
egípcio.

A homossexualidade era muito mal considerada já no Antigo Testamento, a tal ponto


que mesmo o fato de se vestir corno o sexo oposto era considerado como um pecado grave:

"A mulher não se vestirá de homem, nem o homem se vestirá de mulher: aquele que o
fizer, será abominável diante do Senhor, teu Deus."

O texto Levítico é, por sinal, bem claro a esse respeito: "Não te deitarás com um
homem, como se fosse mulher: isto é uma abominação."

Assim, o Antigo Testamento opõe-se de modo formal às práticas homossexuais e


pederastas que faziam parte dos costumes de muitos povos da antiguidade.

14. O onanismo

0 termo "onanismo" provém da história de Onan, filho de Judá. Onan tinha um irmão
que, segundo a Bíblia, morreu sob o efeito de um castigo divino. Judá pediu então a Onan que
se casasse com Tamar, sua cunhada, a fim de assegurar uma posteridade ao seu irmão. "Mas
Onan, que sabia que essa posteridade não seria dele, deixava cair o sémem por terra cada vez
que se unia à mulher do seu irmão, a fim de não dar a este posteridade. Seu comportamento
desagradou ao Senhor, que o feriu de morte também."

A Bíblia considerava portanto o onanismo como pecado mortal; daí vem a fonte da
angústia e do desespero de muitos adolescentes que se masturbam e, como mostra a
Psicanálise, uma das origens clássicas do sentimento de culpabilidade e da angústia sexual do
adulto.

15. — O exibicionismo sexual

A exibição pública da nudez era seriamente reprimida entre os judeus. Encontramos


textos bem claros sobre esse assunto no Antigo Testamento: "Não subirás ao meu altar por
degraus, para que se não descubra a tua nudez." E uma das proibições que se pode encontrar.
Há também uma recomendação de Deus a Moisés para os filhos de Aarão quanto ao seu
sacerdócio:

" Far-lhes-á também, para cobrir a sua nudez, calções de linho indo dos rins até às
coxas. Aarão e seus filhos os levarão quando entrarem na tenda de reunião, ou quando se
aproximarem do altar para fazer o serviço do santuário, sob pena de incorrerem numa falta
mortal. Isto é uma lei perpétua para Aarão e sua posteridade."

Essas proibições, aliadas às outras já citadas quanto à nudez dos pais que não se deve
descobrir — que nós assinalamos a respeito do incesto —, representam provavelmente à
origem do pudor e da culpabilidade relacionada às práticas de nudismo até nossos dias.

16. — A castração

A subestima da sexualidade poderia levar-nos a pensar que os que se privam


voluntariamente de qualquer vida sexual pela castração seriam recompensados. É no entanto
o contrário o que se constata no Antigo Testamento:
"O homem, cujos testículos foram esmagados ou cortado o membro viril, não será
admitido na assembleia do Senhor."

Os castrados eram, pois, banidos da assembleia, o que mostra que apesar de todas as
proibições, os órgãos sexuais eram considerados importantes; com a continuação deste livro
compreender-se-á melhor as razões dessa atitude.

17. — Violação e tabu da virgindade.

A virgindade era considerada como extremamente importante e os judeus tomavam-


na como um dever de honra. Essa tradição continua até nossos dias.

"Se um homem encontrar uma donzela virgem, que não seja casada, e, tomando-a,
dormir com ela, e forem apanhados, este homem dará ao pai da donzela cinquenta siclos de
prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como ele a deflorou, não poderá repudiá-la em todos os
dias de sua vida."

E se essa virgem é noiva, o homem será castigado com a morte.

A virgindade torna-se, no NOVO Testamento, um estado preferencial; São Paulo


recomenda a virgindade não somente às mulheres, mas aos homens:

"A respeito das pessoas, não tenho mandamento do Senhor mas dou o meu conselho
como um homem que recebeu da misericórdia do Senhor a graça de ser digno de confiança.
Julgo, pois, que em razão das dificuldades presentes, é bom ao homem ficar assim como é.
Estás casado? Não procures desligar-te. Não estás casado? Não procures mulher. Mas se te
casares não pecas; e, se a virgem se casar, não peca. Todavia padecerão a tribulação da carne;
e eu quisera poupar-vos".

Essa preferência pelo estado de abstinência e de virgindade mostra-nos a que ponto


pode chegar a repressão sexual na religião, apesar do fato que as relações sexuais no
casamento sejam permitidas; entretanto, existe sempre o sentimento de que no fundo,
sobretudo depois da opinião de São Paulo, as relações sexuais são apenas toleradas tendo em
vista a procriação. Aqui se encontra um ponto muito importante para a continuação do nosso
trabalho.

18. — A ideia de impureza e de mácula

Ao longo da Bíblia encontramos expressões como "impureza" ou "mácula", ligadas ao


ato sexual. O esperma é considerado como uma "polução": "O homem que tiver um
derramamento seminal, lavará em água todo o seu corpo, mas ficará impuro até a tarde. Toda
veste e toda pele sobre as quais cair o semem serão lavadas com água, e ficarão impuras até a
tarde. Se uma mulher dormir com esse homem, ela se lavará na mesma água que ele, e serão
impuros até a tarde."

A mesma coisa passa-se com relação ao fluxo menstrual: "Quando uma mulher tiver
seu fluxo de sangue, ficará impura sete dias: qualquer que a tocar será impuro até a tarde. . . .
Se alguém dormir com ela, e for tocado por sua impureza, será impuro durante sete dias, e
toda cama na qual se deitar será impura."

O tabu com respeito à menstruação era tão grande que o casal que mantinha relações
sexuais durante o ciclo menstrual era simplesmente banido: "Se um homem dormir com uma
mulher durante o tempo de sua menstruação e vir a sua nudez, descobrindo o seu fluxo e
descobrindo-o ela mesma, serão ambos cortados do meio de seu povo."

A gonorreia é posta no mesmo plano das perdas seminais e do fluxo menstrual.

Até mesmo a mulher depois do parto e considerada impura: "Quando uma mulher der
à luz um menino, será impura durante sete dias, como nos dias de sua menstruação." "Se ela
der à luz uma menina, será impura durante duas semanas.. ."

Apesar da legitimidade das relações conjugais, do ponto de vista, sexual, ser um fato
indiscutível, encontramos nos textos relativos à sexualidade no casamento, expressões que
revelam as ideias culpabilizantes dos legisladores ou dos autores. Nós daremos detalhes desse
fato; se, como veremos mais adiante, todas as restrições precedentes encontram explicações
racionais, elas são insuficientes para explicar a extensão da noção de impureza nas relações
matrimoniais propriamente ditas. Torna-se pois importante que acumulemos dados sobre esse
assunto.

A vergonha sexual começa na Gênesis: "... Estai prontos para depois de amanhã, não
vos aproximeis de mulher alguma."

Essa ideia de impureza encontra-se reforçada por uma afirmação de Davi: em resposta
ao sacerdote Aquimelec, que só podia lhe oferecer pão consagrado para satisfazer a sua fome:
"Não tivemos comércio com mulher alguma desde que parti, há três dias. Todos os objetos
que pertencem aos meus servos estão (igualmente) puros. . ." Ora, só podia comer desse pão
em estado de graça. Na concepção do Antigo Testamento, as relações sexuais são, pois, algo
de "impuro", com relação ao sagrado.

A ideia de mácula aparece também no tocante ao caso da mulher divorciada e viúva do


segundo marido, que retorna ao seu primeiro marido: "... se este segundo marido vier a
falecer, não poderá o primeiro marido, que a repudiou, tomá-la de novo por mulher, depois de
ela se contaminar, porque isto é uma abominação aos olhos do Senhor. . ."

Apesar de Jesus ter nascido de uma mulher, convém lembrar que se tratava de uma
virgem, portanto de uma mulher que era "pura" e não havia sido "desonrada" por um homem.
Pelo menos, é uma interpretação que nos vem à lembrança, ao escrever estas linhas.

Como diz Jacques Sarano, o sexo identifica-se com o pecado; essa noção se acha
explícita mesmo em "expressões como "Maria concebida sem pecado", no rito de
"purificação" prescrito pela lei mosaica ("purificação da Virgem") e até mesmo na noção de
Imaculada Conceição.. ."

Se se aceita a hipótese, quase inteiramente demonstrada atualmente por Dupont-


Sommer, segundo a qual Jesus era de origem essênia, pode-se compreender melhor ainda essa
repressão da vida sexual mesmo no casamento. Com efeito, essa famosa seita judia, retirada
em Qoumrân, onde foram descobertos os documentos do Mar Morto, praticava uma
abstinência sexual completa, Só se casava com uma mulher depois que ela tivesse provado sua
fecundidade através de três períodos de purificação. Como o mostra Josephe: "Eles se abstêm
de relações sexuais com suas mulheres quando elas estão em gestação, mostrando assim que
eles não se casam para satisfazer seus apetites, mas para procriar."

Mas essa ideia de impureza sexual não é encontrada apenas dentro da tradição
judaico-cristã; outros povos possuem estereótipos equivalentes; na África Oriental, por
exemplo, às margens do lago Nyassa, os Nyakusa evitam todo contato com os resíduos
corporais; vejamos o que diz M. Wilson sobre o assunto:

"Ubanyali, a sujeira, provém, segundo eles, dos fluidos sexuais, das regras e do parto,
assim como dos cadáveres e do sangue de um inimigo vencido. Tudo isso é considerado
nojento e perigoso; os fluidos sexuais são particularmente perigosos para urna criança."

Na Índia, todo o sistema de castas é baseado em uma hierarquia fundada sobre o


estereótipo espacial da pureza: tudo o que é puro está situado no algo, é superior; tudo o que
é impuro está situado em baixo, é inferior; o inferior corresponde pois às zonas anal e genital;
assim, um homem que teve relações sexuais com. uma mulher de casta inferior deve tomar
um banho ritual; por sinal, é melhor nunca dormir com uma mulher.

Poderíamos multiplicar infinitamente as citações de textos ou de exemplos de tabus


sexuais extraídos das religiões do mundo. Entretanto, esperamos haver reunido aqui o
essencial, sobretudo no que se refere à civilização judaico-cristã; como vemos, as interdições
são todas — ou quase todas categóricas: até mesmo o sexo no casamento é sujeito a
proibições; a vida sexual não é considerada como um motivo de prazer dos sentidos nem
mesmo espiritual, mas unicamente como um meio de reprodução; há mesmo alguns textos
cristãos que obrigam a preferir a abstinência total ao próprio casamento. Veremos que esse
fato é importante; se com efeito, como vamos mostrar no próximo capítulo, todas as
interdições podem encontrar urna explicação racional, na higiene, na medicina, na
antropologia ou na sociologia econômica, esse ponto não tem nenhuma explicação suficiente e
será objeto de um capítulo posterior. Mas comecemos, pois, pelo exame das explicações
racionais das proibições religiosas com respeito ao sexo: é o que faremos no próximo capítulo.
CAPITULO SEGUNDO

O SÍMBOLO DA SERPENTE E DO DRAGÃO

A noção de pecado está intimamente relacionada com a serpente. Segundo o Zohar, a


palavra "pecado" designa Samael, que é a serpente.

Existe uma vasta literatura sobre o símbolo da serpente e do dragão; ele encontra-se
praticamente em todas as grandes religiões ocidentais e orientais e aparece na inconografia da
maior parte dos templos e igrejas; nos textos sagrados ele é descrito ao lado de Deus ou de
enviados; ele está presente nos ritos secretos e sua frequência é maior quando se trata de
ritos de iniciação; enrolada nas árvores da vida e da ciência, a serpente aparece isolada ou a
duas; frequentemente munida de asas, ela é encontrada tanto nos templos hindus, chineses,
japoneses e mexicanos como nas igrejas medievais europeias.

Ela adorna a fronte das cabeças humanas das esfinges; foi analisando esse "uraeus"
que entramos em contato com o símbolo da serpente; nossa análise simbológica da esfinge
fez-nos chegar a conclusões idênticas às de outros autores, com respeito à serpente e ao
dragão ou serpente alada.

De início, resumiremos essa análise da esfinge, que nos levou a construir um modelo
de abordagem que simplificará nossa exposição do assunto e tornará mais clara a nossa
análise.

43. — Nossas pesquisas sobre a esfinge

No nosso livro sobre a esfinge, mostramos que ela é um símbolo da unidade e da


estrutura psicossomática e evolutiva do homem. Uma das dificuldades que encontramos para
dar essa denominação foi a existência de outras interpretações da esfinge; certos autores,
sobretudo os arqueólogos, demonstravam que a esfinge era um deus, enquanto que
numerosas tradições esotéricas situavam os animais que constituem as esfinges em
correspondência com a estrutura do cosmo, e mais particularmente com os quatro elementos
a terra, a água, o fogo e o ar.

O conhecimento dos símbolos, que possuímos atualmente, graças às contribuições da


Psicanálise e da Antropologia, pôs em evidência o caráter polivalente do símbolo: um mesmo
simbolizante pode ter vários simbolizados, ao mesmo tempo que esse critério é válido para
cada indivíduo isolado ou mesmo para cada sociedade.

Ora, os antigos, até aos pré-socráticos, possuíam uma visão molar do cosmo, segundo
a qual tudo estava em relação com tudo; o que predominava era o velho princípio da pedra de
esmeralda de Hermes Trigenista: "O que está em cima está em baixo"; princípio que se
encontra também no budismo, em Lao Tsé e na Cabala judia. Deste modo, o macrocosmo e o
microcosmo (o homem) têm a mesma estrutura, que é a mesma dos deuses; falar de Deus, do
homem e do universo é, no fundo, a mesma coisa para os antigos; hoje dir-se-ia que tudo é
constituído por átomos.

Assim, um símbolo como a esfinge podia significar ao mesmo tempo uma divindade, o
macrocosmo e o homem considerado como microcosmo. Nós conseguimos formar um modelo
dessa concepção, modelo que fizemos ressaltar até o final da redação desse livro,
comprometendo-nos a utilizá-lo quando surgisse a oportunidade de fazer a próxima análise
simbológica; a análise da serpente alada representa, pois, essa ocasião. O modelo de que
falávamos é o seguinte:

Há uma interrelação entre esses quatro ângulos do retângulo, de tal modo que a
divindade simboliza ou impregna ao mesmo tempo o microcosmo e o macrocosmo; que o
microcosmo é constituído da mesma forma que o macfocosmo, e que o símbolo animal
representa todos três.

Mostramos também que é necessário, no caso de uma confrontação intercultural do


mesmo símbolo, aplicar esse modelo sucessivamente a cada civilização ou religião.

É o que vamos tentar fazer no caso da serpente e da serpente alada ou dragão.


Analisaremos as relações 1, 2 e 3 do modelo, já que o resto é supérfluo, pois as relações entre
as divindades, o macrocosmo e o microcosmo são suficientemente demonstradas pela
antropologia religiosa (veja-se, por exemplo, toda a obra de Mircea Eliade). Entretanto, nós
assinalaremos essas relações, quando nos parecer necessário.

Comecemos por analisar as relações entre a serpente e as divindades das diferentes


religiões.

44. — A serpente e a divindade

É verdadeiramente impressionante constatar a que ponto a serpente está presente


junto aos deuses em todas as religiões, seja nas que são consideradas primitivas, ou nas
evoluídas.

No Ocidente pensa-se comumente que o mito da serpente do Éden começa pela Bíblia;
na verdade, ela já existia na Índia da época pré-védica. Segundo a cosmogonia do Veda, Brama
fundou um jardim onde há Urna árvore cujo fruto dá a imortalidade. Os seis deuses menores
comem desse fruto para se tornarem eternos. Então a serpente, guardiã da árvore da vida,
espalha o seu veneno sobre a terra. Para salvar a humanidade, Shiva toma forma humana
(como Jesus) e bebe todo o veneno.

Vishnu dorme sobre uma serpente infinita num oceano de leite. hidra, deus da luz,
vence a grande serpente Ahi e mata o dragão celeste Vitra. A serpente simboliza também os
ciclos de Vishnu e Shiva. Mas ela simboliza igualmente a avó de Ramakrishna . Ela contorna
sete vezes o corpo de Buda.
No tantrisrno, ela simboliza a Sakti, que foi criada pelas energias ígneas de todos os
deuses.

No judaísmo, há uma tradição segundo a qual a árvore do Éden representaria Adão,


enquanto que Eva seria simbolizada pela serpente. Segundo outra tradição, a primeira mulher
de Adão teria sido Lilith, a serpente, que seria urna emanação de Satã. Mas a princípio, Satã
era um Benei-Há Elehim, isto é, um filho de Deus que se tornou independente do seu pai, ao
mesmo tempo que ele encarnava o seu espírito. Tudo indica igualmente que outros Benei-Ha
Elohim, como os serafins, não eram anjos como os que as igrejas cristãs representam, mas
eram serpentes aladas. Há na Bíblia numerosos indícios a esse respeito; a palavra hebréia Saraf
significa queimadura e se refere às serpentes cuja picada queima como o fogo; ela designa
também as serpentes aladas. Nós mesmos encontramos, na catedral de Auch, uma figura
esculpida em madeira, que nos lembra essa descrição dos serafins (Fig. 1).

Na civilização greco-romana, Zeus transforma-se em serpente para efetuar sua união


com Proserpina, simbolizando assim a união da *alma e do espírito*. Atenas nasceu da
serpente da sabedoria. A serpente representa aqui também o espírito guardião. Apolo é
chamado deus da luz ou serpente de fogo. Mercúrio e Hermes são representados com o
caduceu que, como se sabe, é representado por duas serpentes entrelaçadas em volta de um
bastão dominado por um par de asas (Fig. 2).

No Egito, Atum era representado por uma serpente, o que é também o caso de Isis e
de Osiris e de Apofis. O deus Kueph era uma serpente soprando sobre a cabeça de uma águia.
No museu do Louvre encontra-se uma estatueta do deus Bes Panteu envolto e eriçado de
serpentes. aracus adorna a fronte da maior parte das estátuas divinas do Egito, e dos faraós,
representantes dos deuses na terra. Veremos mais adiante a importância desse uraeus, no que
diz respeito à hipótese energética.

No México, Quetzalcoatl, a serpente de pluma, simboliza um deus salvador que se


sacrificou pela redenção da humanidade (ainda outro Jesus), atirando-se ao fogo; seu coração
subiu ao céu e se transformou na estrela da manhã. Esse mesmo Deus é também Xiulcoatl,
simbolizado por uma serpente de fogo.

Nas Antilhas, Damballa Queddo é o deus serpente do Vaudou. Na África há, por
exemplo, Nommo, deus das águas, representado por uma serpente.

Poder-se-ia pensar que o cristianismo desfez-se do símbolo da serpente, ligado à


divindade. Na realidade, encontram-se representações de serpentes crucificadas (Fig. 3)
simbolizando Cristo na cruz, o que provém certamente da serpente de bronze de Moisés. São
João é representado às vezes também sob a forma de uma serpente.

Até o Islã não escapa da serpente. Deus significa, como mostra Guénon, EI Hay: ora, a
serpente é chamada El Hayah. E El Hayat significa vida. Aqui se encontra, em três termos
semelhantes, o retângulo do modelo que nós citamos mais acima: a serpente simbolizando a
divindade e ao mesmo tempo o microcosmo; no caso em questão, a vida humana e cósmica.

Ora, sabe-se que as divindades eram elas mesmas símbolos das forças cósmicas. Qual
é o papel que a serpente exerce aí? É ao estudarmos o simbolismo da serpente macro e
microcósmica que compreenderemos melhor porque ela foi escolhida como símbolo das
divindades. É o que faremos, começando pelo macrocosmo.

45. — A serpente como símbolo Macrocósmico

Foram certas propriedades da serpente que a tornaram um símbolo cosmológico.


Vamos descrevê-las para que se possa compreender melhor a escolha que foi feita através de
diversas religiões:

— A serpente pode se enrolar em espiral. E a espiral é um símbolo de evolução


bastante conhecido; a característica da evolução é a circularidade, ela é cíclica mas, ao voltar
ao mesmo ponto, ela chega a um símbolo de elevação.

— Ela pode formar um círculo. E o círculo, como mostrou de modo magistral, entre
outros autores, Loeffler-Delachaux, é um símbolo dos ciclos zodiacais, das quatro estações, do
sol e da lua. Ele também representa a eternidade, o eterno retorno, o eterno como Deus, ou,
se se trata de um ovo, da fecundação ou do começo do universo (Fig. 4). Sua picada queima e
ela gosta dos lugares ardentes, fato que reforça ainda mais o seu valor como símbolo do sol e,
por conseguinte, do fogo.
— Mas ela vive também às margens e dentro d'água. Trata-se pois de um símbolo da
água.

— Como existem serpentes venenosas e não venenosas, ela representa as forças


positivas e negativas da natureza, os contrários, reforçando ainda mais os dois opostos: fogo e
água.

— Quando ela se prepara para morder, ela se põe em espiral; é portanto um signo de
tensão e de reserva energética, explorado pelo tantrismo e pelo judaísmo, como veremos mais
adiante.

— Ela muda de pele periodicamente; essa mudança dá-lhe um caráter de renovação,


de renascimento, que reforça em todos os ritos da iniciação em que ela simboliza o novo
nascimento, depois da morte; com efeito, ela hiberna durante o inverno.

— A rapidez do seu ataque e a queimadura de sua picada lembra também o


relâmpago, o raio; além disso, ela se move em zig-zag, o que contribui para aumentar o seu
valor simbólico de raio, isto é, de faísca, de energia elétrica. A letra Z é uma serpente.

— Ela habita nas cavidades da terra; por isso, ela é encontrada também como símbolo
ctoniano, como símbolo da terra.

— Sua semelhança fálica transformou-se também em símbolo masculino de


fecundidade, além do símbolo feminino já citado a propósito do círculo; trata-se mais uma vez
de um símbolo de cosmogonia, de criação, de fecundação do universo ou dos universos por
meio de um grande falo cósmico ou divino. Ela é também um símbolo de energia sexual
cósmica ou humana, que emite chuva ou esperma.

— Sua semelhança com o cogumelo torna-a companheira dessa planta que, como a
serpente, sai de uma cavidade da terra, assemelha-se a um falo e pode envenenar quem a
tocar; certos cogumelos provocam queimaduras. Daí vem a associação com o "fruto proibido'',
que seria o cogumelo sagrado, o "Amanita Muscaria"„John M. Allegro defende essa tese e até
nos mostra um afresco da igreja de Palincourault, que representa a tentação de Adão e Eva,
em que a serpente está enrolada numa árvore cogumelo (Fig. 5 e 58). Ora, como se sabe, o
cogumelo sagrado possui as propriedades de alargamento da consciência, ou propriedades
alucinatórias (segundo as correntes científicas atuais). Voltaremos a esse assunto no próximo
capítulo.
— Seu valor como símbolo energético é maior ainda, se se considerar a sua capacidade
hipnótica com relação às suas presas, capacidade que lhe confere poderes mágicos.

Agora já se pode compreender melhor porque a serpente, muito mais do que os


outros animais, representa qualidades macrocósmicas e microcósmicas ao mesmo tempo.
Comecemos pela descrição do simbolismo macrocósmico em cada civilização e religião, apesar
dele estar intimamente ligado ao simbolismo do homem que, corno já se sabe, era
considerado pelos antigos como unia mera reprodução do macrocosmo.

O círculo de que falamos é simbolizado pela serpente ou pelo dragão que morde a
própria cauda ou que é representado em espiral. Na índia, o desenvolvimento e a resorção
cíclicos, e o indefinido da existência universal são representados por Ananta. No tantrismo, a
Parakundalini é o desdobramento da emanação. Na tradição judia, o Zohar fala-nos de Leviatã,
a serpente que contorna o mundo e que segura a cauda com a boca. Ela simboliza, segundo
Guénon, o conjunto de ciclos da manifestação universal. No México, Siulcoatl acompanha o sol
e se encontra uma serpente enrolando um calendário mexicano. Na África, cada 72 anos uma
tribo talha uma serpente. Ora, esse número 72 traduz inúmeros ciclos em diversas tradições
religiosas e esotéricas. Na Assíria, uma serpente simboliza as fases da lua (Fig. 6). Na China, o
símbolo do ciclo Yin-Yang contém uma serpente inscrita no círculo do eterno retorno. No
Egito, numerosas serpentes e dragões mordendo a cauda mostram que se originaram deles
mesmos, como o universo, e que eles são auto-suficientes. Eles simbolizam a eternidade e o
universo. Entre os gnósticos, encontram-se serpentes como Ofis (daí vêm as seitas ofitas),
Ofiomorfos, Ofiochous; a mais conhecida é Oreboures, que morde a própria cauda e simboliza,
até mesmo entre os alquimistas, os ciclos, o infinito e o princípio fixo (Fig. 7). Há, finalmente, o
dragão universal. Katalikosofis, que é a imagem do "caminho através do tudo".
A bipolaridade dialética do positivo e do negativo encontra-se também em
praticamente todas as civilizações e religiões. Na Índia, diferencia-se a serpente de fogo e a
serpente de água. No judaísmo, a bipolaridade é simbolizada pela árvore e a serpente; o Zohar
fala de dois dragões. Na civilização greco-romana, o caduceu de Mercúrio (que já se encontra
na Índia) simboliza as forças contrárias que se equilibram em torno do bastão central
mediador. O dualismo aí é igualmente simbolizado pela oposição das asas — símbolo celestial
— e da serpente — símbolo ctoniano. Segundo a lenda, ao ver duas serpentes em luta,
Hermes-Mercúrio joga sobre elas sua vara de ouro; os dois animais enrolam-se nela, formando
o caduceu. No México, encontram-se serpentes aladas como símbolo do céu e da terra e como
a síntese dos poderes contrários. Entre os gnósticos, a serpente que morde a própria cauda é
representada frequentemente em duas cores opostas: negro e branco (Fig. 7). Em alquimia, a
serpente alada simboliza o combate dos corpos químicos, e mais particularmente do mercúrio
e do sulfureto, ou então do sol e da lua, como é o caso dos dois dragões em luta de Nicolas
Flamel. Trata-se, pois, da luta entre o princípio fixo e o princípio volátil. Na China, já vimos os
dois dragões do I-Ching que simbolizam as forças ativas e passivas, o verão e o inverno, sem
falar da serpente que divide as forças positivas e negativas do Yin-Yang, equilibradas pelo Tao.

Assim, num plano macrocósmico, poder-se-ia resumir o simbolismo da serpente do


seguinte modo: ele representa a energia, a força primordial, o infinito do tempo, o eterno
retorno, os ciclos universais, o princípio dialético da síntese das forças contrárias, os metais e
os quatro elementos principais: a terra, a água, o fogo e o ar.

Podemos agora passar à descrição da serpente como símbolo do homem considerado


como microcosmo.

46. — A serpente como símbolo microcósmico

As propriedades da serpente, que descrevemos mais acima, aplicam-se também, como


dissemos, ao microcosmo, como aliás quase tudo o que foi descrito com relação ao
macrocosmo.

Como já se sabe, os antigos consideravam o homem como uma reprodução em


miniatura do universo; ele é, pois, um microcosmo que obedece a todas as leis do
macrocosmo. E a serpente que morde a própria cauda, por exemplo, que significava para os
gnósticos a evolução do tempo, simboliza igualmente, num plano individual, a perpetuidade
do ciclo individual.

A bipolaridade, nesse plano individual, é vista às vezes do ponto de vista moral do bem
e do mal, e às vezes do ponto de vista da masculinidade-feminidade. Na índia, a serpente
simboliza o bem ou o mal, dependendo da sua posição, se ao lado dos Devas ou dos Asuras.
Entre os judeus, a circuncisão é considerada pelo Zohar como um ato de separar dois
demônios simbolizados pelo prepúcio. "Um dos espíritos chama-se "Epheh" (víbora) c o outro,
"Nahasch" (serpente); todos dois formam apenas um". Trata-se aí de dois demônios, um
macho e o outro fêmea. Nas civilizações greco-romanas, o caduceu (que é também encontrado
na índia) encerra a bipolaridade sob duas formas: as duas serpentes enroladas em torno do
bastão, representando as forças positivas e negativas em nós, e a oposição entre a serpente e
o pássaro simbolizado pelas asas. Na Ilíada, encontra-se uma águia com a serpente entre as
garras: é o triunfo da masculinidade helênica sobre a feminidade asiática. A Babilônia
encontrou a imagem de um ser andrógino associada a duas serpentes, imagem
frequentemente citada por Jung com relação aos alquimistas. E entre estes, dois dragões em
luta simbolizam a "putrefação", isto é, a desagregação psíquica. Eles representam também o
"princípio fixo" ou macho e o "princípio volátil" ou fêmea, ou ainda dois "espermas masculinos
ou femininos". Nicolas Flamel assinala, entre outras significações, que os dois dragões de suas
figuras hieroglíficas simbolizam os pecados; eis o que ele nos diz a esse respeito:

"Os dois dragões unidos, e um dentro do outro, em negro e azul, em campo de areia,
isto é, em negro, dos quais um possui asas douradas e o outro não possui, são os pecados que
se sustentam mutuamente; porque um nasce do outro. Desses pecados, alguns podem ser
expelidos facilmente; pois eles voam o tempo todo em nossa direção. Mas aqueles que não
têm asas não podem ser expulsos, e assim é o pecado contra o Espírito Santo..." .

A semelhança da serpente com o órgão sexual masculino, como vimos acima, tornou-a
não apenas um símbolo fálico mas também um símbolo de energia sexual; esse último aspecto
da serpente deve-se a outros que já citamos, e mais particularmente àqueles que a tornaram
símbolo do fogo (picada ardente, preferência pelos lugares ensolarados).

Não será, portanto, uma surpresa o fato de se encontrar a serpente ligada a todas as
tradições religiosas ou esotéricas que se preocupam com os aspectos sublimatórios da energia
sexual.

47. — A serpente e a sublimação da energia sexual

É na índia que vamos encontrar a técnica de sublimação mais antiga, que é conhecida
justamente pelo nome de "poder da serpente" ou Kundalini, que constitui a base do ensino
das técnicas da Ioga, e mais especialmente da Ioga tântrica. Segundo o tantrismo, a energia
Kundalini está normalmente "enrolada" como uma serpente, localizada na base da nossa
coluna vertebral. Trata-se da energia cósmica ou Parakundalini, já citada mais acima, que se
encontra "enrolada", como um potencial que o homem pode "despertar", se o desejar; nesse
caso, a Kundalini desenrolar-se-á e subirá na direção do cérebro, enrolando-se em volta da
coluna vertebral, como uma serpente em torno a uma árvore. Aqui se veem as semelhanças
com a serpente enrolada na árvore da vida, e com o caduceu em que duas serpentes se
enrolam em torno de um eixo. A kundalini passa, aliás por dois canais laterais, os Nadis Ida e o
Pingala (Fig. 2).

O objetivo final da Ioga, nesse despertar do "poder da serpente", é a união dessa


energia microcósmica com a energia universal. Os que a conseguem obtêm a liberdade e a
consciência da totalidade. (veja-se o paralelo com a árvore da ciência). É o nirvana. Voltaremos
a abordar essa técnica no próximo capítulo.

O domínio da Kundalini encontra-se nos fundamentos de praticamente todos os


ensinos esotéricos; seu ponto de partida é o término de toda atividade sexual; é uma energia,
uma força que é preciso dominar. Daí provêm todos os mitos de heróis que dominam as
serpentes ou de dragões guardiães da "porta" ou da "árvore", que se encontram praticamente
em todas as civilizações. Na índia, é Indra que triunfa sobre a grande serpente Ahi e quebra a
cabeça de Vitra, o dragão celestial. Na civilização greco-romana, Cadmo mata o dragão, Perseu
mata os górgones. Para obter as maçãs de ouro, isto é, a Iluminação, Héracles mata o dragão
no jardim das Hespérides. Apolo mata o dragão Pitão depois de beber os licores da
imortalidade. No cristianismo, São Jorge e São Miguel matam os dragões. Outro dragão, Aji
Dahaka, é morto por Atar, filho de Ahoura Mazda, no culto de Zoroastro. No Egito, Rã vence o
dragão Apofis. Na Babilônia, Guilgamesh aparece às voltas com uma serpente.

No seu livro "O mistério das catedrais", Fulcanelli assinala-nos a estátua de São Miguel,
na igreja de Notre Dame de Paris; São Miguel "mata" um dragão com um toque do seu cajado.
O autor mostra-nos que na alquimia o sal mercurial, fornecido pelo resíduo da elevação dos
princípios puros e cobreados, era Chamado pelos antigos autores de "dragão babilônico". Ora,
tudo indica que a alquimia era um sistema de sublimação da energia, simbolizado pela
transmutação dos metais. Fulcanelli fornece-nos detalhes do dragão de São Miguel na sua
descrição, que nos lembra bastante as descrições da Kundalini:

1° — Uma faixa longitudinal saindo da cabeça e seguindo a linha das vértebras até a
extremidade da cauda;

2ª - Duas faixas análogas colocadas obliquamente, uma sobre cada asa;

3ª — Duas faixas mais largas, transversais, cercando a cauda do dragão; a primeira à


altura da plumagem, a outra acima da cabeça do rei. Essas faixas são adornadas com círculos
cheios que se tocam em um ponto de sua circunferência.

"Quanto à sua significação, ela ser-nos-á dada pelos círculos das faixas da cauda: o
centro é indicado bem claramente sobre cada uma delas. E os hermetistas sabem que o rei dos
metais é ilustrado pelo signo solar, isto é, por urna circunferência com ou sem ponto central.
Parece-nos, pois, provável pensar-se que se o dragão está coberto pela profusão do símbolo
áurico ele o contém até às garras da pata dianteira —, é que ele é capaz de transmutar em
quantidade; mas ele só pode adquirir esse poder através de uma série de cocções ulteriores
com o enxofre ou ouro filosófico, o que constitui as multiplicações.".

Nos sonhos de homens contemporâneos, encontra-se o mesmo símbolo do dragão,


guardião de uma porta ou de uma árvore. No seu método de psicoterapia do "sonho
acordado", Desoille pede aos seus pacientes para se imaginarem subindo pelo espaço. Muitas
vezes os pacientes encontram dragões alados no caminho. Vejamos o que Desoille nos diz a
propósito de um paciente, Gaetan:

"Para compreender estes símbolos, vejamos o que acontece quando a pessoa que
sonha sai de um combate vitorioso contra o Dragão da Porta. Eis aqui, por exemplo, um sonho
diurno de um psicanalista que eu chamarei de Gaetan, durante uma consulta didática. Na sua
terceira consulta, o sujeito, durante uma ascensão, vê um dragão alado que lhe tranca o
caminho. Armado com uma lança, ele precipita-se espontaneamente sobre o dragão e mata-o.
Nesse instante, ele vê ao seu lado uma moça que assistia à sua luta; ele continua sua ascensão
com ela mas quase instantaneamente um gigante lhe impede, por sua vez, de prosseguir o seu
caminho. Novo combate, novo triunfo de Gaetan, que sobe em seguida lhe pelo espaço com a
sua companheira.
"Seríamos tentados de só ver nessa estória a destruição das imagines do pai e da mãe,
isto é, uma reconstrução do superego e, como consequência dessa libertação, o acesso à vida
sexual normal do adulto.

Mas Gaetan não é em absoluto um doente; casado, pai de família, psicanalisado


durante um longo tempo, não se encontra nele nenhuma inibição que leve a suspeitar de um
conflito mal resolvido. Mesmo se admitimos que haja nesse sonho um resquício de antigo
conflito, isso não explica o caráter mitológico das imagens. É necessário procurar mais além
uma interpretação muito mais geral: Não esqueçamos, com efeito, que o guardião nesse
sonho, na qualidade de dragão, não tranca o acesso a um lugar definido, mas ele impede uma
ascensão. Ora, a ascensão segundo C. G. Jung, e a continuação deste livro vai prová-lo, é o
símbolo de uma ascese.

Na realidade, o que é que Gaetan procura? Primeiro, ele é guiado por uma curiosidade
de ordem científica; mas essa própria curiosidade só poderá ser satisfeita na medida em que
ele tiver uma maior consciência de si próprio. Conscientemente ou não, Gaetan procura,
portanto, realizar um progresso espiritual. Suas ascensões durante seus sonhos diurnos são
uma ascese, conseguinte, nós podemos pensar, com C. G. Jung, que a imagem da bela jovem é
o símbolo da libido livre de investir-se nos objetos novos escolhidos conscientemente. Do
mesmo modo, o tesouro do folklore, defendido pelo dragão, deve ser considerado com o
símbolo de novas aquisições psicológicas e como um verdadeiro tesouro espiritual.

A interpretação freudiana do combate contra o dragão vem portanto se substituir uma


interpretação mais geral. O dragão é sempre o símbolo objeto ao qual o sujeito se fixa; se ele
representa o desejo incestuoso da mãe, ele representa também, de um modo mais geral,
todos os entraves do instinto a sublimação. O que anima o ego não é mais, como no primeiro
caso, a necessidade de satisfazer normalmente o instinto sexual; é, ao contrário, algo que se
opõe a certas formas primitivas do instinto em geral. O si substitui-se aqui ao superego
construído sobre as imagines do pai e da mãe. O que anima o ego é urna aspiração profunda a
uma sublimação que ainda é apenas pressentida. Prosseguindo o seu trabalho de sublimação,
o sujeito tem a presciência de sentimentos inteiramente novos para ele, sem que ele já os
sinta verdadeiramente. Ele sente uma espécie de nostalgia das atitudes que tais sentimentos
lhe permitiriam tomar a fim de enfrentar as dificuldades da existência, se ele pudesse senti-los
diante da realidade quotidiana: parece-lhe que todos os seus problemas ficariam tão fáceis de
resolver!"

Nos seus comentários sobre os charras, C.G. Jung refere-se aos guardiães, aos dragões,
como sendo a Kundalini.

Ele conta a estória medieval do famoso "Hypnerotomachia" ou "Sonho de Polifemo".


Polifemo começa sua aventura como Dante. Em seguida ele apresenta-se perdido numa
floresta negra. Ele tem medo de um lobo que lhe aparece, mas segue o seu caminho até
encontrar uma fonte cuja água ele bebe, oque constitui uma maneira simbólica de representar
o batismo ou o renascimento; depois ele chega a uma antiga cidade romana com estátuas e
diferentes símbolos: De repente, ele quer regressar e um dragão lhe impede, ele não pode
mais voltar, é preciso continuar o seu caminho.

"O Dragão, diz Jung, é Kundalini. Vejam, em termos psicológicos, kundalini é o que lhes
conduz à maior aventura possível. Quero dizer, mas por que diabo eu entrei nessa estória? —
mas se eu voltar, a grande aventura ali de minha vida e minha vida não será mais nada,
perderá seu sabor. É essa busca que torna a vida possível de ser vivida, e isso é Kundalini. . ."
O dragão é portanto um símbolo da sublimação quando ele se apresenta como
obstáculo à obtenção do conhecimento e da libertação simbolizados pelo "tesouro", pelo
"ouro", pelo "Velocino de ouro", a "árvore da ciência", a "árvore da vida".

Mas ele contém em si mesmo. na sua própria estrutura, essa mesma simbologia da
sublimação: a maioria dos dragões são na verdade, serpentes com asas, Estas simbolizam
justamente a elevação espiritual, como o mostram os especialistas de símbolos, e como nós
mesmos já fizemos ressaltar no caso das asas das esfinges e dos querubins. As asas, que são
quase sempre os órgãos da águia, simbolizam a inteligência, a acuidade mental, o poder da
vontade, a evolução; elas constituem um veículo da luz solar e divina, um símbolo da lei, do
bem e do mal, do domínio dos instintos e, finalmente, um símbolo de liberdade.

A serpente dotada de asas é portanto um símbolo de


sublimação, de ascensão da energia sexual que é preciso dominar. Como
acabamos de ver, os símbolos de domínio da energia encontram-se nos
mitos dos heróis que matam os dragões ou serpentes aladas, dotadas
em geral de garras de águia. Mas é sobretudo nos ritos de iniciação,
como veremos mais adiante, que esse domínio do instinto se efetua.
Não é portanto um fato surpreendente que Quetzalcoatl, a serpente
alada mexicana, seja considerada como um símbolo de iniciação, de
morte acompanhada de renascimento. Em alquimia, existe também um
símbolo de "sublimação filosófica" como o caduceu alado (Fig. 2), que se
encontra aliás no átrio de Notre Dame (Fig. 8).

Essa ideia de domínio do animal pelo e no homem aparece


em toda a mitologia religiosa sob a forma de deuses ou deusas
caminhando ou em pé sobre animais (Fig. 9); até o Cristo está em pé
sobre dois pequenos leões no átrio de Notre Dame. Existem também
numerosas estátuas e imagens da virgem espezinhando serpentes.

Encontramos na catedral de Auch, nos revestimentos de madeira do coro do século


XVI, entre São Lucas e São João, uma estátua apertando uma serpente com a
mão; a serpente sai de uma torre; segundo o vigário Canelo, que anotou em
1860, essa estátua simboliza a força. Ora, as torres, a começar pela torre de
Babel, simbolizam a elevação da terra para o céu; a torre é o veículo de elevação
espiritual; a estátua de Auch mostra-nos que é preciso dominar a força ou energia
da serpente a fim de podermos nos elevar espiritualmente. É um equivalente da
serpente alada (Fig. 10).

Nessa mesma catedral, encontram-se dois anjos alados com cauda de serpente (Fig. 1).
Trata-se aí provavelmente de serafins que, como dissemos mais acima, eram na realidade
serpentes aladas. Nesse caso, trata-se também de um símbolo da evolução do homem, que
vai, de sua origem ctoniana representada pela serpente, para o céu, simbolizado pelas asas. Os
serafins são também, por conseguinte, um símbolo de sublimação da energia; em hebreu,
Saraf significa fogo, isto é, energia.
Aliás, há uma outra prova de intenção dos antigos ao utilizar a serpente como símbolo
de sublimação sexual: é o uraeus frontal dos faraós; ama cabeça de serpente adorna o centro
da testa, entre os olhos dos faraós, como da maior parte das esfinges egípcias. E é exatamente
nesse ponto que se situa o centro da terceira visão de que falam os hindus e mais
particularmente a Ioga; esse ponto corresponde à Ajna Chacra, que se localiza na glandula
pienal. Se examinarmos melhor o uraeus de Tutankamon (Fig. 11 ). observaremos que ele é
dividido em três cores: azul, vermelho e verde. Essas três cores representam o ar, o fogo e a
água, um ternário de três elementos. E esses três elementos estão ligados ainda hoje às "três
viagens" de iniciação maçónica. Aí se encontra, sem dúvida alguma, uma prova da existência
de toda uma ciência simbológica ligada ao uraeus. É a energia sexual que sobe ao nível do
cérebro, a fim de obter a iluminação libertadora, como já dissemos mais acima, há no museu
do Louvre, na secção de egiptologia, uma estatueta do deus Bais Panteu com o pênis em
ereção, rodeado de serpentes que saem das diferentes partes do corpo, inclusive no nível da
glândula pineal não se poderia representar melhor a sublimação numa estátua (Fig. 12). Aliás,
há também estátuas de Hermes em estado de ereção, que se aproximam do caduceu, outro
símbolo de sublimação, como já vimos (Fig. 13). Um amuleto representando um pênis alado
também enquadra-se sem dúvida nesta categoria (Fig. 14).

Medusa, símbolo de discernimento superior, aparece frequentemente com uma


grande gota entre os olhos, além das serpentes que saem de todas as partes da cabeça. Há
também serpentes que saem da cabeça de Demétrio, o instrutor da humanidade .

48. — A serpente, a árvore e o fruto proibido


Como vimos, a Kundalini ou energia da serpente enrola-se em torno da coluna
vertebral ou Susumna em dois Nadis ou correntes, que se chamam Ida e Pingala.

No fim do último capítulo dissemos que se conseguíssemos demonstrar que a serpente


é um agente de ligação entre a simbologia tântrica da Índia e a simbologia judaico-cristã,
poderíamos confirmar nossa "hipótese energética" das origens do pecado.

No Sefer Ha Zohar, que é o tratado clássico da tradição cabalística judia, encontram-se


várias descrições de todo um sistema de sublimação que se assemelha, de modo estranho, aos
chakras da Ioga, como veremos no próximo capítulo. Além disso, porém, como já assinalamos,
no Zohar encontram-se também analogias entre Ida e Pingala da Ioga e as duas serpentes
Epheh e Nehash. E mais ainda, a serpente associa-se diretamente à coluna vertebral num texto
que descobriremos nesse tratado. Com efeito, existe um fragmento do Zohar que não deixa
transparecer nenhuma dúvida quanto, a associação entre a serpente e a coluna vertebral;
exatamente como na ioga tântrica, a Kundalini, fogo da serpente, envolve o Susumna que se
localiza na coluna vertebral. "Se não se curvar durante a recitação da liturgia "Landamus.", a
espinha dorsal transformar-se-á em serpente." Evitar de a coluna 'Vertebral curvada se se
deseja obter o despertar da Kundalini é justamente o que a Ioga recomenda; mantê-la reta é
também uma condição indispensável para a obtenção do satori no Za-Zen. As famosas
bastomadas dosmestres Zen exercem justamente a função de alertar o discípulo quando ele
curva a espinha dorsal. O Zohar aconselha mantê-la curvada sem dúvida para evitar o
despertar da Kundalini, que pode provocar queimaduras, como se sabe na tradição da ioga. É
provavelmente deste modo que se explica a seguinte passagem: "Aquele que olha e vê ficará
cego; aquele que não olha verá e terá os olhos abertos. Quando a árvore de dezoito
articulações estiver curvado, a má serpente comê-lo-á."

Os textos do Zoar, como esse que acabamos de citar, falam


constantemente em árvore e em coluna do centro. E a árvore aqui associa-se à
colune vertebral. Como se sabe, existe todo um sistema micro e macro
cosmológico no Zohar, chamado árvore sefirótica, que se encontra, como já
dissemos, no nosso livro sobre a esfinge, simbolizada pelo candelabro de sete
velas do tabernáculo e do templo de Salomão (Fig. 15).

Assim, a árvore do jardim do Éden é provavelmente a árvore sefirótica que, como


veremos no próximo capítulo, constitui um sistema análogo ao dos chakras, pelos quais a
energia da serpente deve passar a fim de obterem iluminação. E como vimos, a serpente se
associa frequentemente às árvores.

Por outro lado, como o mostra sobretudo Mircea Eliade, em toda mitologia religiosa,
as árvores simbolizam a totalidade da vida cósmica, a realidade absoluta, a regeneração, a
eterna juventude, o conhecimento mistico obtido graças ao seu fruto.

O que é então esse "fruto" que dá o conhecimento da Verdade e da imortalidade?


Agora que começamos a conhecer melhor os efeitos da mescalina e do LSD, podemos ter uma
ligeira suspeita; o fruto proibido não seria simplesmente o que chamamos (talvez sem razão)
um dos "alucinogênios" existentes na antiguidade? Não somos o primeiro a levantar o
problema, como se verá logo em seguida.
49. — O fruto proibido: um produto psicodélico?

Na tradição hindu, assim como no Zohar, encontram-se inúmeras referências à árvore


como uma árvore de luz; na Cabala hebraica, um orvalho de luz emana da árvore da vida.

Após haver feito tais aproximações, Guénon demonstra-nos que a árvore da vida ou
árvore do mundo encontra-se intimamente ligada à bebida da imortalidade, chamada Soma,
no Veda da Índia.

Na realidade, o Soma é objeto de um culto nos Vedas; pode-se até mesmo afirmar que
se trata de uma veneração excepcional, pois o Soma é objeto de hinos como o seguinte:

"Purifica-te, Soma, na mais doce, na mais embriagadora de tuas ondas, espremido para
Indra, para que ele te beba”.

Um fato análogo se passa no México, onde até hoje os índios veneram um cogumelo, o
Teomanacatl ou "carne de Deus". Os descendentes dos astecas e dos maias transformaram-no
em objeto de uma cerimônia que os reconduz ao jardim primitivo. "Esta volta ao estado
primordial, atribuída ao cogumelo divino, é evocada num afresco descoberto em Tepantitla,
que representa urna alma visitando o Tlalocan ou Paraíso de Tlaloc, deus da chuva e dos
Teyuinti, isto é, dos ágares alucinogenios. Um rio atravessa a região; um fio d'água separa-se e,
como se testemunhasse a sua unidade essencial, une a alma ao rio. Mais ao longe, o gênio dos
cogumelos, sob a forma de um "hombrecito", está acocorado debaixo da árvore paradisíaca.
Acima dele, uma serpente aérea desenrola suas aspirais como para nos lembrar
que a árvore da vida é sempre guardada por um monstro." Eis aí novamente a
serpente que volta à árvore da vida, desta feita ligada ao cogumelo alucinogênio
dos mexicanos; e exatamente corno o Kundalini, ela está enrolada. Na
arqueologia mexicana há numerosos monumentos, testemunhos do culto do
cogumelo (Fig. 16).

No Zohar há um texto bem interessante; trata-se da estória de Rabbi Yossé que está
passeando com o seu filho Rabbi Haya. No caminho, eles encontram um homem que lhes
afirma que eles devem comer raízes como antídoto a uma erva que lhes teria picado e dado a
lepra; eles comem a raiz e passam muito tempo dormindo e transpirando. Quando se
acordam, o homem lhes mostra as propriedades de uma certa erva: ela estimula uma serpente
a matar um homem de duas cabeças, armado com uma espada, que sai de vez em quando de
um buraco. Comentando essa estória, Rabbi Simeão afirma: "Na verdade esse homem era um
sábio; pois ele sabe que não existe nenhuma erva na terra que não contenha enormes
propriedades e poderes que levam a uma grande sabedoria e ao poder do céu. Note-se, além
disso, que, para a purificação do homem, bendito seja ele, receitou o hissopo. Por que? Porque
essa erva tem a propriedade de expulsar o espírito impuro e purificar o homem". Eis-nos aqui
novamente diante de uma raiz cuja absorção acarretou provavelmente alucinações entre os
rabinos; e vemos a serpente reaparecer ainda.

Na tradição avéstica, encontra-se também um licor, o Haoma, extraído da árvore


paradisíaca do mesmo nome, a Haoma: como observou Guénon, esse nome aproxima-se
bastante de Soma.

A ambrosia era para os gregos o "licor da imortalidade" dos deuses. Ora, ambrosia é
também um nome de cogumelo.
Existe até hoje nos Estados Unidos a Christian Peyottl Church, onde o Peyottl
substituiu a hóstia. Ele recebe o nome de Wokow entre os comanches e seniquoiques de
Arkansas. Segundo Brau, ele era consumido ritualmente pelas principais tribos apaches,
kiowas, sioux, chayenes, arapahos, pawnees, fox e winnebagos.

Nossa descrição talvez se interrompesse aqui se não fosse a recente publicação de um


trabalho importante de um dos tradutores dos documentos do Mar Morto sobre as relações
entre o cogumelo sagrado e a religião judaico-cristã, John M. Allegro dá-nos provas de que as
religiões israelita e cristã baseavam-se num culto da fertilidade, o culto do cogumelo sagrado
ou Amanita Muscaria de copa vermelha. Numerosas narrações da Bíblia, analisadas sob o
prisma etimológico a partir do sumério, revelam-se como mitos inspirados no culto do
cogumelo que se praticava em todo o Oriente.

Assim, as visões dos profetas teriam sido na realidade provocadas pelo cogumelo. É
também Allegro quem faz uma relação íntima entre a serpente, o falo e o cogumelo sagrado,
fato que nos leva diretamente a Adão e Eva. Eis o que esse autor nos diz a esse respeito e que
resume bem urna grande parte do seu livro:" ... A serpente é um elemento importante do
culto e da imagística dionisíacas. As Mênadas, nas "Bacchae" de Eurípedes, têm serpentes
enroladas nos cabelos e em volta dos membros, e a serpente era o emblema especial do
Sabadios (Sabadius) frígio que é identificado a Dionísio.

Não é difícil ver o raciocínio que se dissimula atrás da antiga ligação entre a serpente e
o cogumelo, que representou um papel tão importante no folclore e na mitologia deste último.

A serpente e o cogumelo emergem do solo de um modo que lembra a ereção do pênis,


e encerram em suas cabeças um veneno corrosivo que podia, pensavam os antigos, ser
transferido de um para o outro.. .

O primeiro exemplo de relação entre a serpente e o cogumelo é, naturalmente, a


estória do jardim do Éden no Antigo Testamento, O réptil astucioso consegue persuadir Eva e
Adão a comer o fruto da árvore que os tornará "como deuses, que conhecem o bem e o mal".

Toda essa estória do Éden é uma mitologia baseada no cogumelo, sobretudo no que se
relaciona à analogia entre a árvore e o cogumelo sagrado, como veremos.

Uma lembrança dessa velha tradição ficou entre os


cristãos, pelo menos até o século XII, se julgamos por um afresco da
parede de urna igreja em ruínas, em Plaincourault, perto de
Mérigny, no Indre (Fig. 5). Nele vemos o Amanita Muscaria em todo
o seu explendor, enrolado por uma serpente, enquanto que Eva se
encontra nas proximidades, segurando o ventre."

Allegro demonstra-nos que a morte e a ressureição de Cristo pertencem, na verdade, a


um mito de morte e de ressureição, que se encontra realmente em todos os ritos iniciáticos,
como o mostram, entre outros, M. Eliade, 'Mayassis e Guénon. Como ele diz: "A droga contida
na carne do cogumelo sagrado dava aos iniciados, segundo seus desejos, não apenas esta
ilusão de ressureição espiritual, de vitória sobre a morte, mas eles podiam ver no nascimento e
no crescimento do cogumelo um microcosmo de toda a ordem natural.
Dentro de algumas horas o ciclo da vida e da morte representava-se diante deles. O
Amanita Muscaria era um meio de regeneração espiritual, ao mesmo tempo que ele constituía
por si mesmo o exemplo supremo do processo recriador do mundo natural.

Não é portanto surpreendente que o cogumelo sagrado tenha grangeado tanto


respeito misturado com o medo entre os antigos, ou que ele tenha inspirado algumas das
grandes epopéias da literatura."

Voltando ao jardim de Adão e Eva, segundo Allegro ele era um jardim de cultivo do
cogumelo sagrado, do mesmo modo que o "jardim de Adônis" ou o "jardim das delícias" do
Corão.

Para maiores detalhes, aconselhamos o leitor a consultar o livro de Allegro, que nos
demonstra, além disso, a origem filológica de muitos termos bíblicos que se relacionam ao
cogumelo, inclusive a Cristo, cuja carne se come para obter a "vida eterna", a "revelação" ou o
"reino dos céus".

Voltemos agora à serpente, depois desta visão de conjunto macro e microcósmica.


Como acabamos de ver, a serpente é realmente um laço que une todas as religiões e tradições
esotéricas, e mais particularmente as tradições hindu e judaico-cristã. A serpente simboliza
antes de tudo a energia -tanto no plano do universo como no plano humano —, que se
encontra enrolada como uma serpente em aspirais em volta da nossa coluna vertebral; o
despertar dessa serpente leva-nos à revelação de um conhecimento, a uma iluminação
alcançada por meio de uma iniciação que, como veremos, consiste sobretudo no domínio da
energia simbolizada pela serpente alada e pelo dragão; ela pode seguir-se ou não ao uso de
drogas psicodélicas. De qualquer modo, a ligação entre a serpente e o cogumelo sagrado
reforça nossa hipótese de simbolismo iniciático, pois a ingestão de drogas cria e favorece os
estados extáticos. É um desses estados de que nos ocuparemos no próximo capítulo.

CAPITULO TERCEIRO

A ASCENSÃO DA ENERGIA E A EXPERIÊNCIA MISTICA

Como acabamos de ver, a serpente alada e o dragão levam-nos diretamente aos ritos
de iniciação em todas as culturas religiosas. É fato conhecido que na maior parte das religiões
existe um aspecto exotérico, reservado ao grande público, à massa e um aspecto esotérico,
destinado a uma elite; esta transmite suas tradições sob forma oral ou simbólica (ritos,
monumentos, obras de arte, música, textos sagrados), a fim de preservar os segredos inici-
áticos das deformações devidas aos mal-entendidos, assim como de um em-prego contrário
aos interesses da humanidade, ou de urna destruição causada por eventuais perseguições. A
serpente faz parte dessas mensagens simbólicas secretas que nos che-gam até hoje sob forma
de dragões, serafins, caduceus, ou simplesmente aparece enrolada, na sua forma primitiva, em
volta da árvore da vida e da mor-te e da árvore da ciência. Já vimos que todos esses símbolos
são mensagens que significam a sublimação da energia a fim de obter a libertação e o conhe-
cimento da verdade suprema. Através de um estudo direto dos métodos sublimatórios nas
diferentes ddições esotéricas, mostraremos agora que essas tradições nos levam a con-i muar
nossa hipótese energética das origens do conceito de pecado. Analisaremos primeiramente os
objetivos traçados pelas diferentes esco-loi esotéricas ou tradições místicas. Em seguida,
descreveremos os métodos utilizados que visaram esse objetivo. Uma incursão no domínio das
pesquisas (ficas atuais permitir-nos-á de verificar o fundamento desses métodos e de
esclarecer alguns mecanismos psicofisiológicos em questão; finalmente, tentaremos esboçar
urna análise crítica do problema que nos parece capital: afilier se as percepções obtidas fazem
parte do real ou do imaginário, se se urdam de alucinações ou de uma realidade diferente da
ordinária.
TERCEIRA PARTE

AS TÉCNICAS DO ÊXTASE E A EXTERIÊNCIA PSICODÉLICA NO SÉCULO VINTE

A fim de dar ao leitor uma visão mais clara, tentemos resumir em algumas palavras
tudo o que analisamos até o presente momento.

De início, mostramos que a ideia de pecado sexual pode ter explicações racionais,
especialmente biológicas, antropológicas, psicanalíticas e socioeconômicas; entretanto, apesar
de todas essas explicações parecerem interessantes e satisfatórias, elas não são suficientes
para aclarar o tabu que envolve as relações sexuais, sobretudo quando estas se ligam aos
cultos religiosos; é como se tivesse acontecido uma burocratização de uma prática cujas
origens se perderam; os homens teriam perdido o espírito da lei, seguindo-a à risca,
automaticamente. O celibato dos padres é um exemplo marcante desse aspecto.

Em seguida, expusemos a hipótese energética: o objetivo último das práticas


religiosas, na sua origem e na sua forma esotérica, era a obtenção de estados extáticos
provisórios e, se possível, permanentes. A Ioga apresenta-se ainda hoje como uma técnica de
transmutação da energia sexual, visando à liberação do homem. Se se conseguisse demonstrar
que a mística judaico--cristã era apenas, em sua origem, uma técnica de Ioga ou análoga, essa
hipótese energética poderia ser confirmada; nossa análise da serpente alada como símbolo
intercultural da sublimação sexual, assim como a correspondência entre a tradição da Ioga por
um lado e as tradições cabalistas judias e místicas cristãs por outro (sem falar dos ritos
iniciáticos de todas as épocas e culturas), permitem-nos de afirmar, com uma grande margem
de certeza, que a repressão sexual das religiões — sobretudo na tradição judaico-cristã — tem
por origem as técnicas de sublimação e transmutação sexual que visam à obtenção de estados
místicos.

Trata-se de passar a energia dispensada antes, num dos planos, para o superior;
"matar" nosso corpo é antes de tudo matar nossa vida sexual.

Mostramos também que o jejum sexual acompanha-se geralmente de uma ou de


várias técnicas "coadjuvantes" que são aconselhadas simultâneamente ou por fases;
resumimos abaixo essas técnicas, acrescentando algumas que não Pifam tratadas nas
descrições anteriores:

— Privações alimentares, que vão de jejum total às restrições específicas,


principalmente de carne ou de certas espécies de animais;

— Exercícios respiratórios Posturas e movimentos do corpo quase sempre incluindo a


dança; Períodos de isolamento total em lugares escuros;

— Administração de incenso ou de perfumes; administração de ervas ou de drogas de


diversos tipos; Concentração e meditação, visando à eliminação do pensamento e das
sensações;

— Emprego de "Mandalas"; Prece, incluindo principalmente a repetição de frases, de


palavras ou do sons vibratórios;

— Acompanhamento musical ativo ou passivo;

— Administração do sofrimento físico em certos casos;

— Manejo de símbolos;
— Silencio.

A Ciência moderna começou a estudar todas essas técnicas; veremos no próximo


capítulo quais são as observações e experiências relativas a esse assunto, o que talvez nos
permitirá de notar até que ponto a repressão sexual é necessária para se atingir os estados
extáticos.

Antes, porém, é conveniente que tentemos definir melhor o que se entende por
experiências místicas e psicodélica.
TERCEIRA PARTE

AS TÉCNICAS DO EXTASE E A EXPERIENCIA PSICODELICA NO SÉCULO VINTE

CAPÍTULO PRIMEIRO

O QUE É UMA EXPERIÊNCIA MISTICA?

57. — Por uma definição operacional

A expressão 'experiência mística" provoca em cada um de nós uma série de


associações de ideias que nos mostram que ela abrange um conjunto de fenômenos cujas
implicações não são bem conhecidas. Para Arthur Deikman, "a experiência mística é o produto
de um estado de consciência não habitual (unusual state of conseiousness). Esse estado é
induzido por uma série de medidas, entre as quais a desautomatização (de-automation), que
exerce uma função primordial. Trata-se antes de tudo de desarticular todas as estruturas
mentais que poderiam desviar nossa atenção, isto é, nossa energia, normalmente concentrada
em fins pragmaticamente úteis como a nossa subsistência e a defesa da integridade de nossa
pessoa. Para chegar a essa desestruturação, as diferentes escolas "místicas" empregam dois
tipos principais de métodos, que têm como objetivo essa desautomatização: a meditação
contemplativa e a renúncia.

A meditação tem como objetivo fazer com que o indivíduo volte a uma percepção
sincrética da realidade deformada pela linguagem, pelo pensamento, pelas sensações e
sentimentos, dos quais é preciso se livrar.

A renúncia, que abrange a pobreza, a castidade, o isolamento e o silêncio, vem


reforçar a meditação, evitando todo desvio da energia: voltamos aqui à tese energética, vista
de um prisma mais amplo, pois ele ultrapassa a noção de energia sexual, que nos interessa
aqui mais especialmente.

As drogas como O LSD, ou a psicose, provocam também uma desautomatização


favorável ao aparecimento da experiência mística.

Deikman tentou fornecer-nos alguns critérios que nos permitem de definir melhor o
que se entende em geral por "experiência mística". Para ele, a experiência mística caracteriza-
se por cinco aspectos diferentes:

1º - Sentimento de realidade

A experiência e tudo o que é vivido e percebido acompanha-se de uma convicção


absoluta da realidade; alguns veem nisso uma realidade diferente da quotidiana, mas insistem
no fato de que se trata de fenômenos verdadeiros.

2º Percepções insólitas

Os sujeitos veem cores diferentes, percebem a energia infinita, as , estrturas atómicas


das iluminações e têm visões tão diferentes de um dia para o outro que é impossível descrevê-
las numa linguagem comum.

3º - Unidade
Em todos os sujeitos, há uma percepção total do universo, assim com o sentimento de
formar um só com este universo, com a natureza, as árvores ou o mar.

4º - Caráter inefável

Certas experiências não podem ser descritas e esse fato presta-se a confusões
enormes. Certos estados considerados "Indiferenciados" são claramente de regressão à
primeira infância, ao amor difuso da mãe e à euforia das primeiras relações afetuosas com ela.

No entanto, há um segundo tipo de estados, que longe de serem regressivos,


traduzem-se por uma compreensão simultânea dos diferentes níveis da realidade existencial e
do universo no qual vivemos. Esses estados são muito frequente sob o efeito de certas drogas.

5º - Fenômeno que transcende os sentidos (Trans-sensate Phenomena)

Certos fenômenos são realmente indescritíveis porque não corresponde a nenhum das
sensações, percepções ou sentimentos conhecidos. Trata-se provavelmente da percepção de
dimensões completamente diferentes da realidade que os nossos interesses levam-nos a
apreender.

Outros autores também tentaram definir a experiência mística, sobretudo quando a


onda psicodélica que invade o inundo atualmente. Walter N. Pahnke e William A. Richards
adotaram critérios bem parecidos quanto à experiência mística durante a administração do
LSD; a definição deles é reforçada pela descrição, de experiências que não são de natureza
mística. Seus critérios são os seguintes:

— Unidade;

— Objetividade e realidade;

— Transcendência do espaço e do tempo;

— Sentido do sagrado;

— Estado de ânimo sentido como profundamente positivo (Deeply felt positive mood);

— Paradoxo;

— Caráter inefável;

— Caráter transitório;

— Mudanças positivas de atitudes ou de comportamento para consigo mesmo ou com


os outros, a vida e a consciência mística.

As experiências consideradas não místicas são as seguintes:

— Fenômeno estético;

— Fenômeno psicodinâmico (psicanalítico);

— Fenômeno psicótico; Fenômeno cognitivo;

— Fenômenos diversos como "fótico" (luzes), elétrico (sentir a energia no corpo),


evolutivo (visão da própria evolução), parapsicológico)
— Fenômeno de mudança somática;

— Fenômeno de alteração da percepção do tempo.

58. — Êxtase e experiência psicodélica

Esta série e classificação de fenômenos limitam a experiência mística praticamente ao


êxtase místico e à experiência chamada psicodélica. H. Gastaut dá-nos uma definição bastante
clara a esse respeito:

"O êxtase é o estado no qual uma pessoa acha-se como que transportada para fora
dela e do mundo sensível, com a sensação de se unir a um objeto transcendente sentido como
o próprio princípio do ser: Deus, no êxtase religioso, o Universo, no êxtase cósmico. Em outras
palavras, o êxtase é o final da contemplação (ação de absorver-se na observação atenta de
pensamento ou de um objeto) e ele pertence ao misticismo (conjunto de crenças e de práticas
que têm por finalidade uma união íntima do Homem do princípio do ser).

"A psicodelia (de psique: alma, e delos: que torna manifesto, que revela, que dilata)
aspira a designar um estado de espírito que se estende até os confins do Universo e é, pois,
sinônimo de êxtase cósmico."

E a experiência extática que consagraremos este capítulo; limitar-nos-emos portanto à


descrição de experiências e de observações científicas feitas durante o século vinte, ao êxtase
e à psicodelia, que constituíam, como vimos o objetivo das privações sexuais.

Além dos esforços por urna definição operacional, outros esforços feitos com o fim de
medir objetivamente as eventuais manifestações fisiológicas do êxtase. É desse aspecto que
trataremos em seguida.
CAPÍTULO SEGUNDO

A MEDIDA OBJETIVA DOS ESTADOS MISTICOS

59. — Por uma psicofisiologia dos estados de consciência alterada

O desenvolvimento dos métodos de medida das diferentes funções fisiológicas, e até


mesmo psicofisiológicas, permitiu que no decorrer do século vinte se fizesse progressos bem
marcantes quanto ao problema da objetivação dos fenômenos psicológicos.

O estudo da emotividade, por exemplo, avançou consideravelmente o registro das


reações emotivas respiratórias, circulatórias e eletro-cutâneas. Graças a tais métodos, nós
chegamos até a construir uma "escala métrica" da emotividade, difundida com o nome de
"Afetivo Diagnóstico".

Não é portanto de surpreender que certos autores tenham tido a ideia de aplicar esses
métodos de medida ou mesmo outros, como o eletrocardiograma e o eletroencefalograma, ao
estudo dos estados místicos de consciência.

60. — Eletrocardiograma dos iogues

O grau elevado de subjetividade que envolve as descrições desses estados, sem falar
da afirmação de que eles são simplesmente indescritíveis, constitui uma barreira para a ciência
ocidental; barreira que esses métodos talvez não possam transpor.

Segundo Thérèse Brosse, foi em 1935-1936 que a primeira missão francesa partiu
oficialmente para a Índia, e da qual participavam o Prof. J. R Marcault e ela própria. Os
primeiros registros foram feitos e constituíram objeto de breves publicações. Em 1952, novos
trabalhos sobre os jogues foram realizados por essa autora, apresentados pelo Harvard
Research Center in Creative Altruism, dirigido pelo Prof. Sorokin. Uma terceira missão foi
finalmente encorajada pela Escola Francesa do Extremo Oriente.

Os trabalhos de Thérèse Brosse constituem um conjunto de dados tome dos sobretudo


a partir de medidas eletrocardiográficas e outras, entre os iogues em pleno exercício das
diferentes técnicas da Ioga. A autora chegou conclusão, da qual apresentamos alguns trechos
mais abaixo, depois de analizar a questão levantada por Sri Ramana Maharishi sobre as
relações entre o controle do pensamento e o controle da respiração do homem: se o controle
da atividade mental acarreta um controle da respiração, o contrário também seria verdadeiro?

"Diante dessa questão primordial como se situa o modesto testemunho experimentaI,


cujos elementos principais acabamos de apresentar?

Na nossa opinião, ele aparece como uma confirmação, e não como uma descoberta,
evidentemente. Mas talvez essa confirmação não seja inútil se ela permite prosseguir com
mais precisão o caminho para o qual seria conveniente dirigir se não toda a pesquisa, mas pelo
menos uma parte dela.

Na verdade, os registros dão crédito aos exercícios que os iogues declaram fazer, tanto
no plano fisiológico como no plano psíquico. Eles permitem, por assim dizer, de segui-los, mais
ou menos como alguém que vira as páginas pode seguir o alcance do desenrolar de uma
execução musical. Os traçados respiratórios, os caracteres do eletrocardiograma e do pulso
autentificam os diferentes episódios de um pranayama e nos demonstram sua ordem rigorosa,
na qual a interferência dos bandha tem lugar, e com um pouco de hábito nós podemos
reconstituir na leitura as etapas evolutivas de um exercício cujo registro assinala o diagnóstico.

Do mesmo modo, do ponto de vista psíquico, a afinação do mecanismo dos períodos


lentos e da sua significação, mesmo que ela seja imperfeita, permite também verificar pelo
menos a continuidade de uma dharana e presumir a sua qualidade psíquica. E é a razão pela
qual nós dedicamos tanto tempo ao seu experimento e tantas páginas aqui também para
expor o problema. Estamos convencidos agora do papel primordial da respiração e da precisão
de sua linguagem, assim como do papel das ondas de periodicidade respiratória que traduzem
um mesmo estado funcional neuro-vegetativo em relação a função psíquica. Num sentido
contrário, tendo registrado tantas vezes as perturbações consideráveis que o pranayama
impõe ao ritmo respiratório, imaginamos sem dificuldade que as funções corticais e
subcorticais associadas à vida psíquica recebem incitações próprias para desarticular os
condicionamentos da vida subjetiva.

Tais como se apresentam até aqui, nossos métodos de registro podem ser capazes, se
eles são explorados corretamente, de inscrever um protocolo experimental que já adquire um
sentido para nós e nos familiariza pouco a pouco com o provável desenrolar das diferentes
etapas da prática.

O processo das interferências entre os diferentes níveis da constituição humana corre


o risco de pertencer muito tempo ainda ao domínio criptogenético. Mas as modificações
biológicas concomitantes ou determitentes, segundo os casos, devem poder, até um certo
limite, ser captadas por detetores apropriados. Quais são esses detetores?

O exame dos eletrocardiogramas e a análise de suas transformações com relação aos


dados da biologia contemporânea levam-nos a supor que o fenômeno fundamental reside no
plano das permutações eletrolíticas referentes aos exercícios respiratórios. A nova ciência
eletroquímica está começando a descobrir métodos de detecção que vão brevemente nos
permitir de gravar, sob forma de energia no nível das permutações orgânicas, as colossais
transformações funcionais que essa ciência subjetiva da "energia" realiza, sob tantos aspectos
diferentes, em todos os níveis que a yoga representa.

Na verdade, vemos surgir, num sem número de comunicações científicas, métodos de


medidas eletroquímicas, cargas elétricas levadas pelos colóides tissurais. Por outro lado, a
medida do consumo elétrico de nossas permutas respiratórias permite deduzir que os
fenômenos elétricos são primordiais nas modificações do potencial de membrana, que a
ionização exerce uma importância capital nos fenômenos de difusão e que o mecanismo situa-
se na dinâmica eletrônica. Os mesmos autores lembram-nos que nosso consumo mais
importante de eletricidade liga-se à respiração e que esta última permite--nos de retirar do
meio ambiente a recarga necessária para servir até os confins de nossa matéria cinzenta cujo
influxo já é demonstrado como sendo um influxo elétrico."

61. — Eletroencefalografia na Ioga e no Za-Zen

Os trabalhos de Thérèse Brosse são atualmente considerados como clássicos. Eles


mostram-nos que é possível registrar, reconhecer e diagnosticar o estado no qual se encontra
um iogue. A autora mede o resultado de longo anos de preparação e de sublimação
energética, que, como ela própria afirma, acha-se no nível cerebral e é de natureza elétrica. A
possibilidade que a elétro-encefalografia nos dá de medir diretamente a atividade elétrica
cerebral, graças ao registro de encefalogramas (E.E.G.), levou alguns autores à ideia de
submeter ao E.E.G. os sujeitos em exercício da Ioga ou do Za-Zen. Akira Kasamatsu e Tomio
Hirai submeteram 48 padres e discípulos do Budismo Zen ao E.E.G. antes, durante e após a
meditação Zen, Esse grupo foi dividido em três sub-grupos, de acordo com a quantidade de
anos de prática.

Grupo I: de 1 a 5 anos de experiência (20 discípulos)

Grupo II: de 5 a 10 anos de experiência (12 discípulos)

Grupo III: de mais de 20 anos de experiência (16 padres)

O mesmo grupo foi classificado por um Mestre Zen, em função do estado mental dos
sujeitos do Zen. A classificação foi feita em três categorias: Fraco (F), Médio (M) e Elevado (E).

Um grupo de controle formado por 18 sujeitos não tinha experiência de Zen.

O grupo experimental acusou modificações de ritmo Alfa com os olhos enquanto que o
grupo de controle não acusou nenhuma modificação.

Além disso, o grau de experiência e a qualidade da atividade mental estão em relação


direta com as modificações observadas, como o mostram os seguintes dados:

QUADRO 1

Relação entre o grau de modificações EEG e o número de anos de treino em Za-Zen.

QUADRO 2

Relação entre o grau de modificações EEG e a avaliação da competência dos discípulos


em meditação pelo Mestre Za-Zen.

Os autores comparam os traçados dos sujeitos em meditação com traçados sob a


influência de hipnose ou de sono. Tudo indica que se trata de fenômenos diversos, pois os
primeiros traçados são muito diferentes dos que são obtidos durante o sono ou a hipnose.
B. K. Arnaud, G. S. Chhina e Baldev Singh realizaram pesquisa análogas sobre quatro
sujeitos em estado de Samadhi durante a prática de Raja Ioga. Eles observaram igualmente um
aumento da amplitude das ondas Alfa durante o Samadhi. Enquanto que na pesquisa dos
autores precedentes os estímulos externos bloqueavam o ritmo Alfa, os sujeitos jogues não
acusam nenhuma perturbação do ritmo Alfa durante o Samadhi.

Tart procura saber porque os EEG dos sujeitos em Za-Zen são influenciados pelos
estímulos externos, o que não acontece com os dos iogues; sua hipótese é que o Budismo Zen
centraliza sua meditação nas estimulações sensoriais, numa abordagem fenomenológica do
"aqui e agora", MI passo que a Ioga tende a negar toda realidade fenomenológica e a
transcender o ilusório "Maya".

No que se refere à nossa hipótese energética, sabe-se que tanto os ioga como os
monges budistas Zen submetem-se a uma abstinência sexual completa; poder-se-ia concluir
que o "Tempo de experiência" dos três grupos primeira pesquisa corresponde também a um
tempo de abstinência sexual.

62. — Experiência mística: um condicionamento operante?

Essas conclusões poderiam nos proporcionar uma certa tranquilidade se não surgisse a
hipótese segundo a qual os estados de consciência alterada (ECA) seriam talvez o fruto do
condicionamento operante, no sentido atribuído por Skinner. Uma pesquisa realizada por Joe
Kamiya mostra na realidade que é possível submeter o ritmo Alfa a um "controle operante”.
Seus sujeitos foram submetidos a uma aprendizagem que lhes permite reconhecer
progressivamente quando eles se encontram ou não em ritmo Alfa; aliás, eles não sabem
porque eles reconhecem esses estados. A pesquisa pôs em evidência numa etapa posterior, a
possibilidade de provocar ou de suprimir voluntariamente o ritmo Alfa.

Não obstante, Kamiya reconhece que os iogues e os adeptos do Za-Zen, bem como os
psicoterapeutas especializados em Sensitivity-Training ou em 'métodos de evolução do tipo do
Esalen Instante, possuem uma maior
aptidão para controlar seu ritmo Alfa.
Além disso, o autor afirma que
atualmente há uma longa lista de sujeitos
que pedem para serem submetidos a
uma experiência de "High Alpha State"
(Estado de Alfa Elevado), ao passo que de
início ele pagava os sujeitos de
experiência. Eles acham no estado "Alfa"
algo importante que lhes atrai de um
modo extraordinário.

Uma experiência complementar


em dez sujeitos mostra também a
possibilidade de controlar a frequência do
ritmo Alfa, de aumentá-lo ou de diminuí-
lo (V. Fig. 19) à vontade dos sujeitos.
Esses últimos dados apresentam uma
importância fundamental no que se
refere à possibilidade de produzir estados
"transliminais" voluntariamente, e sob rigoroso controle experimental.
63. — Uma defesa com relação ao controle encefalográfico

Sem pretender diminuir a importância das experiências de Kamiya ou dos seus


predecessores, dos quais citamos alguns trabalhos, é preciso que levemos em consideração
uma recente conferência realizada sob a presidência de H. Gastaut, decano da Faculdade de
Medicina de Marselha, que anula conclusões desses trabalhos. Eis aqui o que ele nos diz a esse
respeito:

"Vários especialistas orientais e ocidentais da Neurofisiologia reuniram-se em


Marselha, sob nossa presidência, em setembro de 1968, quando da IIIª Instituição de Estudos
Superiores de Eletroencefalografia Humana organizada sob os auspícios da Federação Mundial
de Neurologia (dentro do quadro das Instituições de Estudos Superiores da Organização do
Tratado Atlântico Norte) para apreciar as eventuais modificações do eletroencefalograma
durante os êxtases místicos naturais ou artificiais. Eles chegaram as seguintes conclusões: a
contemplação e o êxtase místico natural dos iogues e dos monges Zen e dos seus discípulos
ocidentais não se expressam apenas por uma sincronização neurônica cortical lenta
(diminuição do ritmo Alfa e aparição do ritmo Theta, mesmo quando os olhos estão aberto, o
que tem geralmente com efeito dessincronizar o eletroencefalograma) que revela um
relaxamento psicomotor comparável ao de um training autógeno ou de uma hipnose auto
sugerida; a contemplação e o êxtase místico artificiais não se manifestam no
eletroencefalograma ou se exprimem por uma sincronização cortical lenta (aceleração do
ritmo alfa e aparição do ritmo beta, mesmo quando os olhos estão fechados, o que tem
geralmente como efeito reforçar os ritmos mais lentos) que revela um estado de hiper
excitabilidade cortical idêntico ao que é regularmente provocado pelas drogas alucinógenas,
mesmo quando elas são utilizadas em laboratórios e não levam ao êxtase. Os detalhes
suplementares relativos a essas pesquisas e os resultados de outras pesquisas realizadas desde
então sobre os efeitos encefalográficos e psíquicos do cânhamo serão apresentados na
Conferência sobre a Meditação e a Ciência (Florência, 25-28 de outubro de 1970)."

Neste parágrafo, nós só podemos nos limitar a constatar as conclusões antagônicas de


diversos autores ou grupos de pesquisadores, obrigando a deixar o leitor na dúvida, que é,
aliás, a atual posição do autor.

Além da preocupação de medir as reações psicofisiológicas da experiência mística,


pode-se ventilar a questão do grau de realidade dessa experiência, no que se refere aos
conteúdos mentais registrados; em outras palavras, a experiência mística não é assimilável a
uma simples alucinação? Aí reside um problema ligado à Psiquiatria e à Psicoterapia, que será
tratado no Ultimo capítulo deste livro.

O fato é que a descoberta das drogas consideradas "psicodélicas" tornou-se um meio


de provocar e de controlar experimentalmente os estados similares ao êxtase, como veremos
no próximo capítulo.
CAPITULO TERCEI RO

AS TÉCNICAS NÃO SEXUAIS DO ÊXTASE

O aparecimento das drogas consideradas "Psicodélicas" deve-se por um lado à


pesquisa científica de remédios psiquiátricos e, por outro lado, a uma necessidade de evasão
da alienação da civilização industrial, e sem dúvida também a uma necessidade de satisfazer a
uma curiosidade quanto às verdades fundamentais de nossa existência. Não discutiremos aqui
sobre o aspecto nocivo ou inócuo desses produtos; existe um excelente estudo de Durand
Dassier a esse respeito.

O fato é que milhões de seres humanos, entre os quais se estima vinte e cinco milhões
de americanos, tomam LSD ou fumam maconha.

Além dos seus efeitos alucinógenos, essas drogas provocam, como se sabe, estados
místicos; não insistiremos nesses estados, pois eles já foram descritos e definidos
operacionalmente num capítulo anterior.

Há no entanto um dado que nos parece importante que precisamos acrescentar; é o


fato de que as comparações entre as descrições feitas pela pessoas que tiveram experiências
místicas e as que tomaram LSD são semelhantes em todos os aspectos, a tal ponto que não se
pode diferenciá-lo. Reproduzimos aqui sete relatórios de experiências selecionadas por
Rieltard Alpert , da Universidade de Harvard:

Julgue você mesmo. Mais abaixo há sete narrações de experiências. Três delas são
passagens de narrativas de pessoas que tomaram um psicodélico químico e os outros quatro
são descrições ou discussões de experiências místicas sobrevindas sem a ajuda de uma
substância química. Marque com uma cruz o número colocado antes dos relatórios que você
julga que são inspirados pelo uso do LSD. As respostas se encontram no final.

1) "Se isto (o ego original) acontecesse, eu morreria pois ai se acharia tudo o que
restaria de mim. Neste vazio escuro só havia eu, que rezava para aceitar dessa
morte. Deus vinha em minha direção e eu gritava de alegria. Minha própria voz
parecia falar de sua vinda, mas eu não acreditava nela. De repente, e de um modo
completamente inesperado, o Zênite do vazio iluminou-se com a presença
deslumbrante do Único. Como eu o reconheci? Tudo o que eu posso dizer é que
não era possível ter dúvidas. Embaixo, abaixo; eu. Acima: o Único. De repente a
Luz de cima derramou-se sobre mim, para baixo. Então eu soube que só havia
Deus.
2) “Eu continuava a olhar as flores, e na sua luz viva, parecia-me que eu
captava o equivalente qualificativo de um sopro — mas de um sopro sem retorno
a um ponto de partida, sem refluxo periódico, somente uma onda de beleza
dirigindo-se a uma beleza maior, de profundidade a uma significação mais
profunda. Ocorreram-me palavras corno "graça" e "transfiguração" porque
naturalmente, entre as coisas, eram as que me convinham. Meus olhos
transportavam-se da rosa ao cravo e de sua ligeira incandescência às bordas lisas
de ametista que se achavam no lírio. A visão da Beatitude, o Sat Chit Ananda, A
alegria de estar Consciente, eu os compreendia pela primeira vez.”
3) “Um olho aberto para discernir os diferentes objetos intelectuais que a
sensação não compreende... a cena ilumina-se com uma luz que descobre as coisas
e objetos escondidos que o intelecto é incapaz de atingir... É como uma percepção
imediata, como se se tocasse os objetos com as mãos."
4) “... Então recebemos este conhecimento místico de Deus em nenhum
tipo de imagens, em nenhuma representação sensível que nossos espíritos
costumam empregar em outras circunstâncias. De acordo com esse conhecimento
no qual não intervém nem os sentidos nem a imaginação, não podemos retirar
nenhuma forma de expressão, nem tampouco podemos fazer nenhuma relação,
nem nenhuma semelhança, embora a sabedoria misteriosa e doce nos chegue tão
claramente das partes mais secretas de nossa alma. Imagine um homem que vê
um certo tipo de coisa pela primeira vez na sua vida. Ele pode compreendê-la,
empregá-la e desfrutar dela, mas não pode dar-lhe um nome, nem comunicar
nenhuma ideia sobre ela, mesmo se se tratar somente de uma simples
manifestação dos sentidos. Sua incapacidade será ainda maior se se tratar de uma
manifestação que ultrapassa os sentidos. Ai reside a dificuldade da linguagem
divina. Quanto mais penetrante ela for, mais íntima, espiritual e super-sensível,
mais ela ultrapassará os sentidos, no interior e no exterior ao mesmo tempo, e
imporá o silêncio. Quando a alma sente-se numa grande e profunda solidão, à qual
nada criado tem acesso, num imenso deserto sem limites, o deserto mais delicioso
é o mais solitário. Ai, nos abismos da sabedoria, a alma cresce e se nutre das
maravilhosas primaveras da compreensão do amor. . . e reconhece que os termos
que nós empregamos, mesmo que eles sejam sublimes e ensinados, são
completamente vis, insignificantes e impróprios, quando procuramos discutir as
coisas divinas com nossos pobres meios."
5) "Eu senti que era isso — que era o minuto de verdade. Soube que tudo
levava a isso — uma harmonia completa, um êxtase. Nós havíamos chegado,
estávamos unidos ao princípio da existência, já estávamos transfigurados —
mortos e ao mesmo tempo mais vivos tão intensamente como nunca. Eu fazia a
experiência do sentido da iniciação e da participação do grande mistério. Sentia-
me onipotente, dotado de poderes sobre humanos, divinos.
6) "... De repente, aquilo estava fora da intensidade da consciência da
individualidade: a própria individualidade parecia dissolver-se e desaparecer ao
longe numa existência sem limites, e não como um estado confuso mas como a
certeza mais clara, a mais segura, inteiramente além das palavras - lá onde a morte
era apenas uma impossibilidade risível. A perda da personalidade (tratava-se
exatamente disso) não parecia urna extinção, mas a verdadeira vida."
7) "... Repentinamente, sem nenhum aviso, de nenhum tipo, eu senti-me
aspirado por uma nuvem de cor de fogo. Por um instante eu pensei que havia
fogo... depois eu soube que esse fogo ardia no meu próprio interior. Logo depois,
eu fui tomado por um sentimento de triunfo, de alegria imensa, acompanhado ou
imediatamente seguido de uma iluminação intelectual impossível de ser descrita.
Entre outras coisas, eu não me contentava simplesmente em crer, mas via que o
Universo não era composto pela matéria morta, que ele era, pelo contrário, uma
presença viva. Eu tornei-me consciente da vida eterna em mim mesmo... Vi que
todos os homens eram imortais, que todas as coisas trabalhavam juntas para o
bem de cada um e de todos, que a felicidade de cada um e de todos era uma longa
busca absolutamente certa.”
RESPOSTAS

1) Sim, relatório sobre LSD de Wilson Van Dunsen, médico-chefe psicólogo do


Hospital do Estado de Mendocino – California. “LSD et experience mystique”, de
G.R. Jordan. “Bible et Religion”, abril de 1963.
2) Sim descrição de uma experiência com mescalina.A. Huxley. “As portas da
percepção”.
3) Al Ghazzali, filósofo persa do século onze
4) São João da Cruz. “La nuit noire del l’Ame”,
5) Sim Sujeito nº 142. Estudo sobre a psilocibina, Harvard, 1962.
6) Alfred Tennyson. Carta a Benjamim Paul Blood; "Mémoires d'Alfred Tennyson
7) R. M. Bucke, "La conscience cosmique".

Os depoimentos de centenas de pessoas submetidas experimentalmente ao LSD ou a


Mescalina confirmam plenamente esse exemplo de "experiência de salão” que Alpert acaba de
nos dar e nos reconduz às definições operacionais que demos acima.

As experiências de Thimothy Leary e dos seus colaboradores constituem uma


importante contribuição para o nosso estudo. Ele demonstra-nos que o LSD produz uma
experiência religiosa mesmo nos sujeitos não religiosos; ele entende por religiosa a descoberta
extática, indiscutível e subjetiva de respostas a sete questões espirituais de base. Eis aqui as
estimações dadas em várias teses e relatórios da Universidade de Hardvard:

Sujeitos Porcentagem de experiência religiosa intensas.


Grupos não influenciados por um 40-70%
ambiente religioso.
Grupos submetidos a uma influência 40-90%
espiritual e religiosa

Observa-se que si o ambiente aumenta a porcentagem de experiências místico-


religiosos, a ausência de condicionamento religioso não impede essa experiência em um grau
elevado.

Vejamos, por exemplo, os dados obtidos por Janiger Mc Glothin através de 194
sujeitos sem preparação religiosa:

Item Porcentagem
Aumento de interesses morais e éticos 35
Aumento de interesses em outros conceitos universais 48
Mudança no sentido de valores 48
O LSD devia ser empregado para:
Tornar-se consciente de si mesmo 75
Obter uma nova concepção da vida 58
Obter que as pessoas se entendam 42
Uma experiência de benefícios extremos 58

As sete questões de base às quais o autor se refere são as seguintes:

1. A questão do poder supremo, em relação com a energia e o plano do cosmo


(Cosmologia);
2. A questão da vida, do seu começo, de sua evolução, do seu destino (Gênese,
Biologia, Evolução, Genética);

3. A questão do ser humano, da sua natureza, da sua origem, da sua estrutura e função
(Anatomia e Fisiologia);

4. A questão da consciência, sensação, experiência, conhecimento (Epistemologia e


Neurologia):

5. A questão do ego, sua natureza; que lugar o ego ocupa no plano? Que fazer?
(Psicologia Social);

6. A questão emocional. Os sentimentos a esse respeito (Psiquiatria Psicologia da


Personalidade);

7. A questão da libertação suprema. Como escapar dela? (Anestesio• logia,


Escatologia).

Essas questões constituem os problemas fundamentais da consciência religiosa, assim


corno das ciências, que os tratam e que aparecem aqui entre parênteses. A religião consiste
numa tentativa de experiência direta subjetiva em busca de respostas para essas questões.
Segundo Leary, toda religião que não consegue respondê-las transforma-se em organização
política e secular e possui uma tendência para se opor à experiência direta.

Leary mostra como as experiências com o LSD conseguem dar as respostas objetivas
diretas, idênticas às respostas dadas pela ciência.

65. — Os sete níveis de consciência energética

Segundo Leary, há sete níveis de consciência energética. A cada nível de consciência


corresponde um grupo de religiões, uma ou várias ciências, um centro intelectual de
comunicação, uma estrutura de comunicação, uma ou várias espécies de drogas que permitem
experimentar esses níveis, uma arte específica, uma metáfora religiosa e um método de
sacramento.

Apresentamos
um resumo dessas
correspondências no
próximo quadro feito
pelo próprio Leary.

Os sete níveis de
consciência energética,
as drogas indutoras, as
ciências religiões que
estudam cada nível,
segundo Th. Leary:

Todas as drogas
que Leary cita na coluna
correspondente (inclusive o álcool) são, segundo ele, meios para o que ele chama de
alargamento da consciência, o que se aproxima bastante das observações feitas por Huxley no
seu livro clássico sobre as portas da percepção.

Leary acha que a administração das drogas, sobretudo do LSD, deve ser o apanágio de
especialistas; estes deveriam ser licenciados em LSD pelas Universidades, pois é preciso uma
preparação das pessoas que se submetem à droga; essa preparação é de natureza espiritual e
foi assunto de um livro, aliás inspirado no Livro dos Mortos do Tibé. A administração do LSD
em hospital psiquiátrico, feita por psiquiatras não preparados e sem nenhuma experiência
pessoal da droga, é considerada por Leary como perigosa e conto uma das origens de
acidentes psicopatológicos.

66. — Uma visão de conjunto sobre a droga

Uma análise bibliográfica dos trabalhos realizados sobre o LSD neste últimos vinte e
cinco anos, feita por Robert E. Mogard, permite um visão de conjunto objetiva da questão.
Segundo esse estudo, a experiência com o LSD provoca não somente os estados classificados
como "Peak Experience" por Maslow, mas produz também mudanças importantes no
comportamento humano, no sentido de uma abertura maior, de melhores relação
interpessoais, de uma integração melhor de si mesmo, tanto no mundo interior como no
exterior. A eficácia terapêutica é atestada por centenas de pesquisas cuja unanimidade é uma
das características fundamentais, segundo o autor. As pesquisas de Maslow parecem indicar —
e esta é também a opinião de Mogar — que essas modificações devem-se principalmente
aspectos do que Mc Kinnon chama "transliminais" da experiência.

No que diz respeito ao nosso assunto, parece que as experiências o LSD não têm
nenhuma correlação com o grau de abstinência sexual; não encontramos dados sobre esse
aspecto na literatura; seria interessante saber, por exemplo, se a frequência de experiências
consideradas "Misticas" "transliminais" durante a ingestão do LSD é maior nos sujeitos
sexualmente sublimados; aí abre-se toda uma perspectiva para pesquisas futuras.

O problema é o mesmo com relação a outras técnicas extáticas também parecem ter
poucas relações com a sublimação sexual. A meditação experimental situa-se em primeiro
lugar entre elas.

67. – A meditação experimental

Claudio Naranjo tentou dar uma definição da meditação em termos de psicologia


moderna. Nossa concepção ocidental da meditação ficou na verdade Iimitada a uma espécie
de reflexão sobre ideias, o que é um aspecto muito restrito. Para esse autor, a meditação é
antes de tudo um estado de espírito, a prática de uma certa atitude com relação à experiência.
Ela é muito mais um processo mental do que um conteúdo mental; é o desenvolvimento de
uma presença, de uma certa maneira de ser que pode exprimir-se em qualquer situação;
meditar é escolher uma morada em alguma coisa; é uma parada de nossa atividade mental
instável e uma concentração de todo o ser num objeto, numa sensação, numa parte do corpo,
num estado mental ou numa atividade. Seu objetivo é a obtenção de estados especiais de
consciência, particularmente do êxtase místico.

Naranjo distingue três tipos diferentes de meditação, que ele dispõe num triângulo:
Existem numerosos pontos comuns entre as diversas técnicas de concentração e de
meditação, utilizadas pelas diferentes culturas religiosas do mundo. É o que Arthur J. Deikman
observou, esforçando-se, depois de um estudo bibliográfico comparativo, em aperfeiçoar os
métodos experimentais que permitem a verificação das seguintes hipóteses:

a) O processo de meditação contemplativa é o agente principal que provoca as


experiências místicas;

b) O treino da meditação leva ao estabelecimento de barreiras intra-psíquicas contra


os estímulos externos, como por exemplo os ruídos as vozes, etc...

c) Numerosos fenômenos considerados místicos podem ser uma conseqüência de uma


desautomatização das estruturas psíquicas que garantem o bom funcionamento da percepção
dos estímulos perceptivos.

O processo experimental consistia em por os sujeitos numa sala de paredes verdes e


tapete amarelo; um só objeto na sala: um jarro azul. Um bom número de sessões era
acompanhado de música e de sons recreativos.

As hipóteses foram verificadas por completo. Todos os sujeitos manifestaram


modificações no campo perceptivo: mudança de cores, luminosidade intensa, deformações e
movimentos do jarro. Foram também observadas das deformações da percepção do tempo.
Além disso, os sujeitos tinham dificuldade em descrever certas experiências pessoais, porque
elas fugiam da linguagem normal; com o desenrolar das sessões, os estímulos externos eram
cada vez menos percebidos.

Certos fenômenos foram vividos apenas por alguns sujeitos; sensação de fusão entre o
vaso e o sujeito; sensação de desaparecimento do esquema corporal, percepção de irradiação
de partículas, percepção intensa de luz e de maravilhosos movimentos, transfiguração dos
objetos.

O autor reconhece que não se tratam aí de experiências místicas reais pois falta o
sentimento de sagrado, de inefável comunicação com o absoluto ou de fusão da Unidade ou
de iluminação da realidade. Mas ele insiste no fato de que suas experiências demonstram que
a meditação é instrumento importante na produção de experiências místicas.

A meditação foi muitas vezes confrontada com a hipnose. É o que trataremos agora.
68. - O papel da hipnose na produção de estados extáticos

Quando se examina de mais perto as diferentes técnicas da Ioga ou do Judaísmo,


chega-se à tentação de afirmar que se trata de sugestão e de auto-hipnose. Numerosos
especialistas modernos da hipnose têm essa opinião.

Kroger, por exemplo, retoma as diferentes etapas e preceitos da Ioga e transforma-se


em termos de hipnose; ele reconhece neles as principais características da hipnose, como o
desvio da atenção, a relaxação, as hetero-sugestões, a concentração, a crença e a fé, e a
despersonalização, que ele compara com o nirvana. A auto-hipnose também está presente aí,
sob a forma de três fases terminais: a fixação, a sugestão e a sensação.

Olwers e Glasner estudaram as técnicas da Cabala judia e até mesmo de textos por
profetas na Bíblia, chegando à conclusão que os profetas utilizavam técnicas de hipnose e de
auto-hipnose; as técnicas cabalísticas de Aboulafia, de que já falamos em algumas palavras,
que se baseiam em esforços de atenção para combinar letras, são também, para esses autores,
técnicas de auto-hipnose. O mesmo acontece com os talmudistas.

Em função dessas observações analíticas e bibliográficas, podemos nos perguntar se


não seria possível chegar a provocar experiências místicas pela hipnose. Essa questão foi
ventilada por Bernard S. Aaronson, que achou que se pode chegar a produzir estados
psicodélicos em sujeitos submetidos a uma hipnose, na qual se sugere um um aumento da
terceira dimensão, isto é, um alargamento da visão em profundidade. Os mesmos sujeitos,
submetidos à hipnose com sugestão de desaparecimento da visão em profundidade
manifestaram os fenômenos de esquizofrenia.

Charles T. Tart obteve também experiências psicodélicas ao submeter dois sujeitos a


hipnose mútua; modificações perceptivas, alterações da imagem corporal, da auto-estima,
comunicação paranormal, sentido da significação imediatas das experiências, impossibilidade
de descrever certas experiências na linguagem normal, sentimento da realidade da vivência,
tais são entre outros os fenômenos relatados.

Tudo indica que esses resultados não tem relação com as privações sexuais; pelo
menos nenhuma menção, foi feita a respeito.

É de um outro tipo de privação que trataremos agora: as privações alimentares

69. — Os efeitos da privação alimentar

Como vimos, além das restrições sexuais que constituem um fundamento do pecado
sexual, existem igualmente "pecados alimentares"; se querer cair no lugar comum da gulodice,
podemos lembrar aqui os jejuns, como o Yom Kippour judeu, ou restrições alimentares
limitadas a certos alimentos como a carne na Índia ou o porco entre os semitas.

Uma das consequências da restrição alimentar prolongada é a hipoglicemia; como se


sabe hoje, o metabolismo glucídio exerce uma ação direta sobre a célula nervosa. A
hipoglicemia é a responsável de uma grande variedade de estados de infra consciência, de
estados comatosos e de crises epilépticas.

Numerosos acidentes neuropsiquiátricos são também provocados pelo edema pré-


clínico, fruto de um desequilíbrio protídico.
Certas restrições alimentares entre os iogues têm um objetivo. de profilaxia anti-
afrodisíaca; evitar os temperos, a pimenta, a canela, o álcool e até mesmo a carne tem por
objetivo a diminuição da excitação sexual.

Assim, as restrições alimentares podem não somente gerar estados psicopatológicos,


dos quais se sabe que alguns facilitam as experiências místicas mas também permitir uma
diminuição da excitação sexual, no caso dos afrodisiacos, propícia à sublimação energética,
que é o tema deste livro.

Além disso, segundo Hubert Larcher, "a inibição das funções digestivas parece
encontrar seu término na "imodia", isto é, na vida sem ingestão de alimentos nem de bebidas.
Esse síndrome não deve ser confundido com o da anorexia mental. . . A maior parte dos
médicos negam não apenas a sua existência; mas até mesmo a sua possibilidade." (Relatório
do Congresso Mundial das Religiões, Paris. 1966).

70. — O isolamento como fonte de visões

Como vimos nos capítulos anteriores, certas técnicas de estados místicos consistem
em isolar o aspirante numa sala escura; é o que acontece sobretudo nos ritos iniciáticos.

Experiências recentes, realizadas em laboratório, fizeram ressaltar a razão pela qual


essas técnicas eram empregadas, apesar de que o seu objetivo inicial tenha sido buscar os
efeitos da monotonia no trabalho.

Woodburn Heron e D.O. Hebb fizeram numerosas experiências a esse respeito na Mc


Gill University; hoje essas experiências são consideradas como clássicas. Eles isolaram os
sujeitos durante vários dias numa cabine construída especialmente para surtir este efeito. À
medida em que o tempo passava, os sujeitos constatavam que modificações progressivas se
operavam em seus pensamentos. No início eles tentaram concentrar-se em problemas de
trabalho nos projetos pessoais ou nos seus estudos. Mas pouco a pouco eles constataram que
não conseguiam mais se concentrar nesses assuntos. Eles começaram a pensar e a se lembrar
dos incidentes pessoais, de família; outros tentara resistir contando números ou se lembrando
de filmes a que tinham assistido.

Pouco a pouco os períodos "em branco" começaram a alternar com visões em cores e
audições de sons; os sujeitos não conseguiam controlar nem parar esses fenômenos. O estado
de espírito começou a mudar; uma certa irritação e um certo comportamento regressivo
despontaram.

Foi então que surgiu um fenômeno inesperado. Os sujeitos começaram a ver imagens:
um rochedo com árvores, filas de bebés, pontos luminosos formas geométricas, animais pré-
históricos, filas de óculos, de homenzinhos de raça amarela. Os sujeitos não conseguiam
controlar as cenas que desfilava diante deles.
Ao sair da cabine, os sujeitos
queixaram-se de deformações da percepção
os objetos pareciam arredondados, os
quartos moviam-se e havia mudanças de
formas.

Os autores comparam essas visões


às que são obtidas através da mescalina (Fig.
20).

Os registros encefalográficos (EEG)


acusaram uma diminuição nítida do ritmo
Alfa durante e após as experiências, bem
como a aparição de ondas lentas, típicas do
sono, depois das experiências de isolamento.

Os autores comparam essas experiências a outras, feitas com a excitação elétrica


direta da formação reticular; seu funcionamento normal parece depender de um bombardeio
sensorial constante; essa formação reticular do mesencéfalo exerce uma função reguladora da
atividade cerebral; sem excitação sensorial constante ou sob o efeito de uma excitação
sensorial única e monótona, essa estimulação da formação reticular diminui ou para o cérebro
começa então a ter um funcionamento anormal.

Essas experiências demonstram de um modo indiscutível que é possível, provocar


visões, assim como mudanças do ritmo Alfa do cérebro, através da submissão dos sujeitos à
monotonia do isolamento.

Procurou-se também facilitar as experiências místicas pela descompressão de pontos


de tensão muscular inibidores da circulação da energia; é o que veremos a seguir.

71. - Modificações posturais e desencadeamento energético

Sabe-se que as técnicas da Ioga, corno vimos nos capítulos precedentes, tem como
principal objetivo fazer com a energia da Kundalini suba pela coluna vertebral a fim de obter a
iluminação e a libertação.

Várias técnicas modernas de remodelação das posturas e da expressão corporal visam


igualmente a essa libertação da energia.

Moshe Feldenkreis, que foi um dos primeiros deste século a elaborar tais métodos diz-
nos textualmente que a conscientização do nosso corpo permiti-nos-á "dirigir a energia em
benefício das forças criadoras". Através de uma remodelação da imagem que se tem de si
mesmo, ele consegue fazer com que as pessoas modifiquem suas posturas, de tal modo que
elas evitam gastos inúteis da energia de certos músculos e aumentam suas capacidades
criadoras; o autor consegue isso através de uma nova programação cerebral; se se deseja
modificar o movimento, é preciso antes de tudo, diz ele, modificar a imagem desse movimento
no cérebro.

Existem outros processos, especialmente nos Estados Unidos, que visam devolver ao
corpo o seu equilíbrio primordial, a reencontrar o seu centro de gravidade natural e
principalmente a eliminar os centros de tensão muscular, fruto de tensões psicológicas. Poder-
se-ia citar particularmente as técnicas de F. Matthias Alexander e de Ida Ralph. A educação. as
frustrações e as falsas noções da nossa posição "correta" inscreveram no nosso corpo uma
quantidade de deformações que impedem a circulação da energia. As pessoas que foram
submetidas a esses métodos afirmam em geral que elas sentem a energia subir pela coluna
vertebral.

Poder-se-ia supor que depois de tais exercícios e modificações posturais será facilitada
a subida de energia sexual acumulada nos centros inferiores, graças à abstinência sexual.

Depois do exame de numerosas técnicas extáticas não sexuais, chegou o momento de


procurar se existem pesquisas provando se a hipótese energética tem fundamento. Na
verdade, até o presente, somos obrigados a constatar que as experiências que acabamos de
relatar tendem a demonstrar a possibilidade de se obter estados estáticos
independentemente da frequência de atividade sexual. A existência de uma multiplicidade de
métodos levou-nos a fazer uma observação, que nos introduzirá ao estudo da sublimação.
CAPITULO QUARTO

DADOS ATUAIS SOBRE A SUBLIMAÇÃO E TRANSMUTAÇÃO DA ENERGIA SEXUAL

72. — O fruto proibido e a competição entre os "técnicos do êxtase.”

Já falamos anteriormente de uma hipótese segundo a qual o fruto proibido seria na


realidade uma substância psicodélica; como vimos, inúmeros fatos, reunidos no final do
segundo capítulo da segunda parte deste Iivro, vêm confirmar essa tese.

Um fenômeno extremamente curioso que tem se produzido nestes últimos anos


levou-nos a formular uma hipótese complementar com relação fruto proibido.

Como acabamos de ver, numerosos paralelos estão sendo estabelecidos entre os


efeitos das drogas chamadas psicodélicas e outras técnicas de estase místico. Acontece que
em alguns casos essa confrontação transforma-se em concorrência; certos técnicos do êxtase
e da experiência sublime afirmam eles obtêm resultados tão bons quanto os da droga, sem
sofrer das desvantagens que ela apresenta.

Um dos documentos mais característicos a esse respeito é um livro intitulado "Turning


on without drugs; High Play; the Edgar Cayce Approach de Harmon Harzell Bro. O autor,
psicoterapeuta, propõe, como indica o título, uma série de experiências que substituem as
drogas psicodélicas, como por exemplo a meditação, o devaneio ou a reciprocidade de
sentimentos em grupo.

Um levantamento realizado por J. P. Kulka, Th. Winquist e G. T. Slatin, de 484


estudantes, mostra que eles preferem a "meditação transcedental" de Maharishi Mahesh à
droga que eles têm a tendência de abandonar após algumas sessões de meditação. Esse
estudo é citado por um jornal brasileiro, que publica ao mesmo tempo o endereço do centro
de meditação.

No seu célebre livro "Joy", 'William Schütz declara textualmente que o interesse pelo
LSD e pelas outras drogas psicodélicas está em relação direta com técnicas da alegria e que o
objetivo é semelhante: tornar a experiência da vida mais vital. Os métodos da alegria tentam
atingir esse objetivo com a droga.

Nós mesmos interrogamos um mestre de Ioga ocidental sobre a droga; ele afirmou
que na verdade as drogas produzem experiências análogas às que são vividas pelos iogues,
mas como se trata de experiências esporádicas, elas não permitem atingir a plena libertação
permanente dos iogues.

Há uma bela descrição desse conflito em pleno século vinte no livro de Gérad Borg;
apôs haver percorrido vários países do mundo onde reina o uso das drogas psicodélicas, o
autor revela uma preferência marcante pelo LSD em oposição a outras técnicas do êxtase. Eis
aqui alguns trechos do que ele nos afirma: “Como é preciso uns cinquenta anos de experiência
antes de atingir o Satori e como ninguém está seguro de chegar a ele, eu não podia desprezar
a priori uma substância capaz de me levar ao cume do monte Meru em quarenta e cinco
minutos e de me deixar lá sozinho durante dez ou doze horas ...

A estrada do oriente não leva a parte alguma, só à do retorno e em definitivo ao


ponto de partida. Dela se voltará com menos ilusões, mas com alguma coisa a mais: a "droga"
(Entre as drogas ele condena de modo severo a coca, o ópio, a heroína, por causa dos seus
danos, e elogia o LSD, o haschiche e a maconha, acompanhados de uma preparação
especializada).

Vejamos a seguir o o depoimento de Frantz, uma das personagens do livro de Borg,


que, pelo contrário, coloca a droga num plano secundário:

“O fim último do samâdhi, o êxtase ioga... eu passo várias horas por dia e, asânas, em
posições de meditação. O "hasch" às vezes ajuda, isso só é alguma coisa, mas eu tento
progredir cada vez mais fora de toda ajuda exterior ... eu trabalho com os chakras...”.

Como se pode constar, o conflito entre os técnicos do êxtase é introjetado pelos


próprios candidatos ao êxtase, que se encontram diante de diversas opções quanto aos
caminhos a seguir.

Mircea Eliade diz-nos que o cânhamo e as drogas desse mesmo tipo provocam o
êxtase e não o Samâdhi; segundo ele, o próprio Pantajâli admite o que chama de
“simples”(ausadhi), isto é, os narcóticos e as "ervas" como meio para obter os siddhi. Eliade
afirma, por outro lado, que esses “meios místicos” foram admitidos contra a vontade na esfera
da Ioga clássica.. .; a afirmação de Pantajali prova a pressão dos "extáticos", a vontade deles de
substituir as disciplinas da Ioga clássica pelos seus métodos." Parece, pois, haver existido aí
unia concorrência entre a Ioga e os partidário da droga.

Aliás entre os xamãs, o efeito das drogas levou à deterioração da tradição; o folklore,
diz M. Eliade, mostra a decadência dos xamãs atuais, que são incapazes de obter o êxtase
"como os Grandes Xamãs de antigamente;” as regiões em que o xamanismo está em
decomposição são justamente aquelas onde o "transe" é fictício e onde os xamãs tomam
drogas. Houve portanto uma decadência de uma capacidade superior, devido à droga.

Supomos que o leitor compreendeu a que ponto queremos chegar: é possível que a
geração dos Adão tenha possuído essa capacidade de obter estados de êxtase e que seus
gurus lhes tenham recomendado para não comer do cogumelo sagrado (pelo menos sem a
instrução deles); sob o efeito da preguiça de fazer enormes esforços de ascetismo, eles
preferiram o caminho direto com os perigos de degradação (a queda de Adão) num prazo mais
ou menos longo, pelo menos no que se refere ao tipo de "fruto proibido" em questão. Embora
sendo urna hipótese, essa ideia é muito plausível.

Assim, o fruto proibido não seria- talvez a vagina de Eva, como em geral se supõe, mas
um verdadeiro fruto: o cogumelo sagrado. Pode-se observar de passagem que o fato de comer
do cogumelo sagrado permite a repressão da atividade sexual, como acabamos de ver; o
pecado original (comer do cogumelo proibido) implica portanto um pecado secundário:
renegar o caminho da castidade pela obtenção do êxtase; os sacerdotes defensores desse
caminho devem ter-se sentido bem ameaçados pela droga que entrava em concorrência com
eles. São essas técnicas de sublimação que analisaremos à luz de dados modernos.

73. — A abstinência sexual e seus efeitos

Enquanto a literatura sobre a maneira de dispender a energia sexual é abundante


mesmo no que se refere aos métodos de registro da atividade sexual, os dados científicos
experimentais ou mesmo simplesmente clínicos sobre os efeitos da abstinência sexual,
ocupou-se demais em recuperar o tempo perdido por causa do pecado e de vários milênios de
repressão sexual e em demonstrar os efeitos negativos dessa repressão. Discutir sobre a
abstinência é "remar contra a maré". E a "maré" nesse caso é um lodaçal. Para atravessá-la é
preciso que se seja santo ou louco; não somos nem um nem outro (pelo menos até o ponto
em que nos conhecemos...). Os tratados ou dicionários de sexologia deixam esse assunto
simplesmente em silêncio.

É interessante observar que foram justamente os dois autores que contribuíram mais
para a revolução sexual do século vinte que se ocuparam desse dilema da sublimação: Freud e
Kinsey; mas eles encontram-se em campos opostos enquanto Freud afirma a existência da
sublimação, Kinsey tende a demonstrar estatisticamente que não há nenhuma prova de
derivação da energia sexual em atividades úteis.

No que se refere a Freud, já mostramos, baseados em textos extraídos de sua obra,


como ele estava convencido da importância de um certo grau de abstinência sexual, não
somente para manter a ternura de um casal, ou produzir uma obra artística, mas também para
desenvolver uma civilização (V. Capitulo V sobre a hipótese energética).

Kinsey demonstra-nos através de dados estatísticos dos quais já citamos o essencial


mais acima (V. Capítulo I sobre a repressão sexual no século vinte), que as religiões tendem, na
verdade, a diminuir a frequência média de atividade sexual. Apesar disso, ele insiste nos dados
obtidos em 179 machos da sua amostra de homens de menos de trinta e seis anos, que têm a
média muito baixa de um ato sexual cada quinze dias durante pelo menos cinco anos.

Kinsey coloca, antes de tudo, o problema da objetividade das afirmações de Freud e


dos líderes religiosos e místicos que o precederam no caminho da hipótese sublimatória. Eis a
seguir alguns trechos de sua análise

"Um exame destes casos de atividade pouco desenvolvida poderia fornecer indicações
relativas a incidência do que se chama "sublimação". Esse conceito, atribuído a Freud pelos
psicanalistas (Brill, Freud, 1939), dá a entender a possibilidade de um indivíduo desviar suas
energias sexuais para “níveis superiores" de atividade, tais como a arte, a literatura, a ciência e
outros derivativos mais aceitáveis para a sociedade. Esse conceito é, evidentemente, muito
mais antigo que Freud. Sua afinidade com o ascetismo cristão, hebreu, grego e ainda mais
antigo é demonstrada pelo fato de que ele reconhece os valores sociais; ela é confirmada pela
rapidez com a qual os chefes morais de qualquer convicção adotaram esse termo para
designar tudo o que Freud quis dizer, bem como a abstinência, o controle de si mesmo, a
austeridade rigorosa, e também as outras virtudes ascéticas. Só se pode protestar dificilmente
contra o fato que um conceito supostamente científico consistia, em primeiro lugar, mais ou
menos a dar uma nova forma a um princípio antigo pertencente a diversas religiões. Sua
apresentação original (Freud, 1938, em tradução) era puramente dogmática, sem nenhum
dado que a confirme, e a utilização subsequente que se fez dela consistiu geralmente em só
aceitar essa doutrina sem quase nenhuma discussão (por exemplo, Henrv 1938; Brown, 1940;
Allen, 1940; Yong, 1940; Brill, 1944).

"Nunca seria demasiado sublinhar a importância que poderia exercer uma crítica
científica sadia de toda teoria da sublimação. Grande número de pessoas tentaram buscar sua
vida sexual no princípio da possibilidade da sublimação e da utilidade do resultado. Nas
biografias de que dispomos para o presente estudo há um número elevado de casos de
indivíduos que fazem esforços precisos e bem definidos, às vezes até heroicos (v. também
Brockman, 1902) para controlar sua atividade sexual e que reduzem, com efeito, a frequência
de seus orgasmos consideravelmente abaixo do nível que eles teriam alcançado sem isso. Mas
sempre falta determinar se essas pessoas transformaram suas energias sexuais em coisas
"mais elevadas", considerando-se que sua energia nervosa foi desviada de um setor do sistema
nervoso para outro setor, ou que sua eletricidade foi posta em curto circuito para novos
caminhos ou novos derivativos. Se a sublimação fosse urna realidade, deveria ser possível
encontrar indivíduos cujo rendimento erótico tivesse sido reduzido ou suprimido sem que
hajam perturbações nervosas, como resultado de um consumo de energia aplicada a atividade
absolutamente não sexuais. Não basta citar artistas ou homens de estado, ou outras pessoas
diligentes como exemplos de sublimação, somente porque eles denotam energia no exercício
de suas atividades não sexuais. Certamente que nenhum dos que conhecem verdadeiramente
a vida sexual de certos artistas teria pensado em tomá-los como exemplos de pessoas
sublimadas do ponto de vista sexual. Não basta citar mulheres frígidas ou tormentadas pela
apatia sexual como exemplos de sublimação, sem levar em conta a incidência elevada de
mulheres relativamente sem reações sexuais, que nunca tiveram a mínima soma de energia
sexual a derivar. É preciso determinar, à base de exames objetivos e psicológicos
conscienciosos, psicanalíticos e fisiológicos, a incidência dos indivíduos possuidores de uma
capacidade demonstrada, que gastaram pelo menos uma parte desta energia em atividades
não sexuais, e cujas energias não forma simplesmente embotadas ou suprimidas."

"Não estamos qualificados no presente estudo para fazer todas essas análises
indispensáveis. Entretanto nos é possível chamar a atenção para os casos que poderiam ser
concebidos como suscetíveis de servir de base a uma sublimação, a demonstrar também a
presença de outros fatores que podem ser levados em consideração na análise das biografias
em questão. Os casos mais plausíveis são os de dois homens, cuja média de atividade sexual é
extra-ordinariamente baixa. Possuímos os historais clínicos de 179 machos de menos de trinta
e seis anos, cuja média foi de um ato cada quinze dias, ou menos durante períodos de pelo
menos cinco anos."

Pode-se tirar as seguintes conclusões da análise da sua amostra de 179 machos de


baixa frequência sexual:

- Não há nenhuma correlação entre a atividade profissional e a freqüência de relações


sexuais; na verdade, poder-se-ia pensar que os profissionais liberais, por definição mais
"sublimados", fossem mais numerosos, o que não é o caso. Pelo contrário, os trabalhadores
braçais, que dispendem mais energia física, são os mais numerosos.

- Não há nenhuma correlação entre o grau de instrução e a frequência de relações


sexuais; poder-se-ia imaginar que os professores e os diplomados de universidades fossem
mais numerosos; pelo contrário, a maioria da amostra é composta por pessoas de nível
primário elementar.
179 MACHOS DE ATIVIDADES POUCO DESENVOLVIDAS

POPULAÇÃO
PARA TODO CASOS DE % DA
GRUPOS
ESTE MÉDIA BAIXA POPULAÇÃO
ESTUDO
NÍVEL DE INSTRUÇÃO
Primário de 0 a 4 173 19 11,0
5 a 8 129 45 6,2
Secundário 9 a 12 724 25 3,5
Universitário 13 a 16 1413 43 3,0
Professores 17 a mais 1063 47 4,4
OCUPAÇÔES
Zona 81 2 2,5
Jornaleiros 708 44 6,2
Trabalhadores semi-especializados 839 54 6,4
Operários especializados 287 21 7,3
Empregados inferiores 1116 41 3,7
Empregados superiores 1288 45 3,5
Profissionais 595 29 4,9
Comerciantes 26 1 3,8
Religião
Total de não praticantes 3049 108 3,5
Total de Praticantes 1071 70 6,5

Um dado importante para o nosso assunto: um grupo restrito de 134 machos,


elogiados por diversas organizações religiosas como exemplos de idealismo, compreende uma
elevada percentagem de neuroses e de caso psiquiátricos. Evidentemente pode-se indagar se
eles são neuróticos porque são mais abstinentes ou se eles são abstinentes porque são
neuróticos.

De qualquer modo, o grupo de 179 machos de baixa frequência é constituído mais


particularmente por elementos que não dispendem energia e nenhum dos outros níveis; eles
são astênicos e apáticos (52,5%).

Contudo, há um fato a assinalar: é a frequência bem mais elevada de praticantes


religiosos que de não praticantes; haveria nesse grupo um maior número de pessoas com uma
certa experiência mística? Não existe nenhum dado a esse respeito; o problema da influência
da sexualidade na experiência mística fica então intacto. Kinsey não ventilou nem ao menos
essa questão: formulá-la nos seus termos representaria pesquisar sobre a frequência de
sujeitos com experiências místicas numa amostra de baixo índice de relações sexuais,
comparada com uma amostra de sujeitos representativos da população em geral.

74. — Os métodos modernos de sublimação e transmutação da energia sexual.

No plano da Psicologia científica e da Fisiologia, verificou-se até o presente que é


praticamente impossível definir operacionalmente e medir objetivamente os fenômenos
supostos como energéticos da abstinência sexual. Como acabamos de dizer, só encontramos
uma análise estatística de Kinsey sobre o assunto, aliás muito pouco favorável à teoria da
sublimação em geral, embora esse autor não tenha incluído o problema do êxtase e dos
estados similares.
É no plano da Psicoterapia e dos métodos de educação do adulto que se encontram
trabalhos que, apesar de serem subjetivos, permitem ser experimentados e fornecem um
material de descrição verbal suscetível de ser submetido um dia a uma análise científica.

Roberto Assagioli, que se preocupou durante a sua vida inteira em elaborar um


método de "Psico-síntese", esforçou-se em reunir num capítulo tudo o que pode encontrar
sobre a transmutação e a sublimação da energia ("energias", como ele chama) sexual. Segundo
ele, o movimento de libertação sexual teve como único resultado levar â juventude atual ao
vazio existencial e ao desespero. Para ele, há uma outra solução: a possibilidade de
"transmutar" a energia sexual, possibilidade que existe, como ele lembra, em generos de
energia. Assagioli reúne aqui as teses freudianas e sobretudo jungianas. Ele reconhece que a
natureza do processo não é muito conhecida; como Baudoin, ele afirma que esse fato não tem
importância, visto que as pessoas se servem da eletricidade sem saber definir o que é a
energia elétrica.

Enquanto escrevemos estas linhas nos indagamos se a ereção do pênis, ou a secreção


vaginal não seriam uma medida tão "objetiva" da energia sexual quanto o movimento da
agulha de um amperímetro que mede as variações da energia elétrica.. .

De qualquer modo, Assagioli diz-nos que se pode muito bem deixar ai definir a energia
sexual, procurando ao mesmo tempo descobrir os métodos que permitem utilizar em fins
construtivos o excesso de energia sexual disponível no homem. Esse autor considera três
aspectos principais que permitem definir a natureza da sexualidade:

- Um aspecto sensual: o prazer físico;

- Um aspecto emocional; a união com outra pessoa;

- Um aspecto criativo: o nascimento de uma nova criatura.

Trata-se de uma classificação empírica mas útil. A partir daí Assagioli distingue dois
tipos de transmutação:

— A transmutação vertical, que se opera no interior das pessoas e que é encontrada


nas descrições dos grandes místicos da humanidade. Ela corresponde à noção de "casamento
místico", que evoca bem essa idéia de transmutação.

No plano da Psico-síntese, a síntese espiritual seria a união da personalidade com o


self espiritual, do polo negativo com o positivo.

A esse propósito, o autor faz uma observação importante para o nosso assunto. Ele
afirma que o fenômeno da transmutação vertical não significa que todos os fenômenos
místicos são simples fenômenos de transmutação sexual; existem pessoas sem atividade
sexual e sem experiência mística, e também certos indivíduos com verdadeiras experiências
místicas, que levam ao mesmo tempo uma vida sexual normal.

Poder-se-ia perguntar se essas experiências místicas não coincidiram com períodos de


abstinência tão curtos que eles não foram notados pelos sujeitos, que aliás não aventaram
essa questão. É um problema que colocamos aqui, rico em esquemas de pesquisas futuras.

— A transmutação horizontal, que se opera no plano externo. Existe três níveis ou três
tipos de transmutação horizontal:
— A transmutação horizontal do prazer sexual na alegria do contato com a
natureza e no prazer estético visual e auditivo;

— A transmutação horizontal da emoção amorosa no amor por um número


crescente de pessoas, chegando ao amo pela humanidade inteira;

— A transmutação horizontal do aspecto procriativo na criação artística e


intelectual.

Essa análise muito fina de Assagioli permite-nos delimitar bem onde se situa o
processo de transmutação que conduz, à experiência mística: é transmutação vertical.

Em seguida, Assagioli passa em revista os métodos de sublimação existentes na época


moderna. Damos abaixo um resumo desses processos de transmutação energética:

— Controle consciente pela respiração rítmica e a atividade muscular intensa, bem


como uma atitude de reconhecimento do homem como um ser a respeitar e não como simples
objeto de satisfação dos sentidos;

— Expressão do amor pessoal e espiritual nas atividades humanísticas e altruístas;

— Projeção consciente dos interesses e aspirações pessoais num trabalho criativo;


numerosas técnicas de criatividade são propostas pelo autor;

— Uso de símbolos, que Jung considera como a "máquina psicológica de transmutação


da energia". A identificação aos heróis e aos modelos é um exemplo disso. Como métodos
sistemáticos, ele preconiza o sonho "acordado" de Desoille e as técnicas de meditação de
Kretschmer, a análise dos sonhos e a pintura.

— Comunhão estreita com os grupos que tem os mesmos objetivos, grupos que
exercem a função de "catalisadores humanos".

Além desse métodos de transmutação da energia sexual disponível, certos autores


preconizam, visando a obter estados místicos, a transmutação da energia sexual nas relações
sexuais propriamente ditas. É o que trataremos no parágrafo seguinte.

75 — A transmutação energética durante as relações sexuais. A Ioga sexual moderna.

Na Ioga tântrica existe um conjunto de técnicas do êxtase que parte das relações
sexuais propriamente ditas; num ambiente propício, na lua cheia, com incensos, o homem
escolhe uma companheira com a qual ele tem afinidade espirituais pronunciadas; o casal
enlaçado em posição de loto retarda o orgasmo, ficando numa imobilidade sexual completa; a
meditação acompanha esse processo chamado Maithuna, ou de êxtase a dois.

Alan Watts propõe-nos uma adaptação ocidental desse método de sublimação da


energia sexual, que é bastante paradoxal, pois ele é praticado justamente durante as relações
sexuais.

Trata-se sem dúvida alguma de um processo que torna as relações sexuais . completas
e realmente vivificantes; a separação espírito-matéria, alma-corpo, cultivada pela propaganda
sensual de nossa civilização industrial, desaparece completamente para dar lugar a uma
experiência de incomparável riqueza interior.
Rudolph von Urban, médico na Califórnia, conta que um dia, praticando o Maithuma,
ele viu sua mulher envolvida por um halo de luz azul esverdeada; ao aproximar seu dedo do
seio da sua mulher, uma faísca dolorosa surgiu de repente a dois centímetros dele. Teria
havido na verdade um acúmulo de energia elétrica, devido ao retardamento do orgasmo.

Eis aqui como A. Watts nos descreve a experiência:

"A ideia que rege o maithuma e seu equivalente taoísta é que o amor sexual pode
transformar-se numa forma de adoração em que os parceiros são encarnações do divino para
ambos. Aliás, talvez seja preferível empregar as de "contemplação" e de "natureza", no
sentido profundo, aos termos 'duração" e "divino", estranhos a essas doutrinas. O abraço do
maithuma comporta também uma transmutação da energia sexual que ele provocou, e esse
processo é descrito simbolicamente como uma subida da energia dos rins a cabeça...

"... É nessa perspectiva, à imagem da "imobilização" do fôlego no domínio respiratório,


que se deve interpretar no sete sentido profundo a "imobilização do processo do orgasmo. A
verdadeira ênfase, nos dois casos, não é dada a “imobilizar”, mas a "não reter". E do mesmo
modo que a contemplação da respiração retarda automaticamente esta última, a
contemplação sexual retarda o orgasmo. Esse retardamento e a imobilidade dos corpos não
tem nenhum valor em si mesmos; mas são como o sinal do desaparecimento desse ego que
força o prazer ao invés de deixar com que ele siga o seu curso natural. O orgasmo é
espontâneo (tseu-jan) quando ele vem por si mesmo e no seu tempo próprio, e quando o
movimento do corpo é mais resposta do que apelo. O comércio sexual ativo ou forçado é a
imitação deliberada de movimentos que deveriam normalmente se produzir por si mesmos.
Considerado de um modo contrário no espírito da contemplação, o amor sexual constitui uma
verdadeira revelação. Bem antes do orgasmo o impulso sexual já se manifesta
psicologicamente com um calor que se irradia entre os amantes, tal ponto que eles se sentem
fundidos mutuamente. O "apetite físico" transforma-se aí no amor mais terno e mais
respeitoso que se possa imaginar...

"A técnica, repetimos, é secundária, pois o amor contemplativo, como toda


contemplação, não aguarda nenhum "resultado". Um homem e uma mulher estão
simplesmente explorando juntos a matéria de seu sentir espontâneo, sem antever o que ele
deveria ser. Pois a esfera da contemplação não é o que deveria ser, mas o que é. A única
condição técnica absolutamente exigida no nosso mundo de relógios e de horários é ter
bastante tempo. Ou mesmo: trata-se menos de tempo mensurável que de duração psicológica,
de uma certa qualidade de psiquismo permitindo que as coisas cheguem em seu devido
momento, de uma certa qualidade de interação entre os sentidos e seu objeto, sem
reivindicação nem precipitação. Na falta desta dimensão, a sexualidade na nossa civilização
fica muito aquém das suas possibilidades. O contato é breve, o orgasmo feminino
relativamente raro, e o do homem, precipitado ou "forçado" por movimentos prematuros. Em
contrapartida, o modo de permuta não ativo permite prolongá-la quase indefinidamente e
retardar o orgasmo masculino sem incômodo ou sem que seja necessário concentrar o espírito
em outra parte. Ou melhor: uma vez que o homem se habituou com essa aproximação passiva,
ele torna-se capaz de fazer que o abraço ativo dure bastante além dos limites habituais, dando
assim a maior satisfação possível à mulher."

"Uma das primeiras fases do amor contemplativo é a descoberta da profundidade e do


prazer implicados nos contatos mais simples, que se costuma chamar de "preliminares do ato
sexual". Neles se descobre o que significa o simples fato de olhar o outro, de lhe tocar as mãos
ou de escutar a sua voz. Contanto que não se espere que esses contatos levem a outra coisa,
mas que se os deixe aflorar à consciência como se a fonte de atividade do campo relacional
não residisse na nossa vontade mas no próprio campo, esses contatos tornam-se sensações de
uma sutileza e de uma riqueza infinitas. Recebido dessa meneira, o mundo exterior carrega-se
de urna intensidade de vida ordináriamente restrita à percepção da nossa própria atividade
corporal. Nós temos então a sensação que nosso corpo contém de algum modo o mundo
exterior.

“O correspondente psicológico dessa intimidade física e sensorial é uma abertura igual


aos pensamentos de outrem. Essa forma de comunhão, que ser tão sexualmente "carregada"
como o contato dos corpos, consiste poder dizer seus pensamentos tais como eles se
apresentam, com toda frescor e franqueza, pois nenhum dos dois amantes reivindica mais a
mínima parcela do papel convencional. Essas "palavras de verdade" são talvez o que uma
relação humana pode dar de mais delicado, de mais raro e de mais difícil. A dificuldade vem do
fato que o pensamento espontâneo é não apenas cuidadosamente dissimulado nas permutas
sociais habituais, mas que ele não consiste precisamente em "esvaziar" e em chocar o outro
com essa franqueza que é apenas outra máscara da pessoa egocêntrica, exatamente como a
sexualidade “desencadeada" agressivamente. A liberdade em questão aqui implica
necessariamente a aceitação e o reconhecimento do outro, e só os seres com uma grande
maturidade e dotados de humor são recompensados por ela. Essa troca de pensamentos —
que no máximo pode reproduzir-se quase sem palavras - constitui no entanto o mais
importante de uma relação erótica em profundidade. Von Urban desaconselha a esse respeito
a postura tântrica das pernas cruzadas, incômoda para os que não estão habituados a se
sentar desse modo. Para substituí-la, ele sugere que os parceiros se alonguem no ângulo
direito, a mulher deitada de frente, com uma perna entre as coxas do homem e com a outra
apoiada sobre os seus quadris. O contato estabelecido—assim é exclusivamente genital e todo
o campo relacional "passa através" desse centro, o que lhe confere uma intensidade
extraordinária. Essa posição é uma maneira excelente de começar a entregar-se à sexualidade
contemplativa...

". . . O sentimento de identidade com o outro se intensifica. Ou melhor; uma nova


identidade com uma vida própria forma-se entre os amantes. Ela eleva-se além deles, que se
sentem levados por uma onda de vitalidade que deve ser qualificada como "cósmica", pois já
não é o "eu" nem o "tu" que agem mas o Tao. Embora o parceiro masculino não faça nada
para estimular nem para reter o orgasmo, é possível deixar a permuta continuar durante uma
hora ou mais, enquanto que o orgasmo feminino se produz várias vezes com um mínimo de
excitação ativa. Na mulher, esse último ponto depende também da profundidade do
sentimento de estar sendo levada por um processo que a ultrapassa.

"No ponto culminante da relação, essas sensações que são chamadas o clímax do gôzo
são simplesmente a ananda, a felicidade extática que acompanha toda experiência de
comunhão cósmica.

".. . O apogeu da relação sexual, fundindo-se por si mesmo sobre nós, é ocasião para
uma das experiências mais completas de união que podemos conhecer.. .".

Essa experiência altamente subjetiva escapa à "medida" científica tradicional. Contudo


ela está ao alcance de todo casal que deseja sair das experiências frustrantes da possessão
sensual que deixa em geral um vazio desesperador atrás dela. Todos aqueles que passaram
pela contemplação sexual afirmam preferi-la a qualquer outra forma de experiência.
Aqui se encontra a diferença feita por Maslow entre D Love (Desire-Love) e B Love
(Beeing-Love), entre o amor baseado na necessidade e o amor ao ser; Maslow afirma que os
que experimentaram o B Love lhe dão uma notável preferência com relação ao D Love . O B
Love é sem dúvida um resultado da transmutação da energia sexual. Isso é evidente no plano
da experiência, como considera Laing; é apenas uma hipótese se nós seguimos o ponto de
vista da ciência experimental tradicional.

O recente desenvolvimento dos métodos de análise do comportamento de Skinner e


sua escola, talvez permita esclarecer melhor o papel da sexualidade na experiência mística;
com efeito, trata-se de uma privação; e toda experiência de laboratório skinneriana começa
por uma privação. Por outro lado, o papel da generalização de estímulos como lei que explica a
transferência freudiana parece-nos ter inúmeras aplicações no domínio que acabamos de
examinar; a evolução do comportamento, começando pelo "casamento sexual" para terminar
no "casamento místico", talvez seja apenas um caso particular dessa lei de generalização de
estímulos; é o que seria necessário demonstrar; a abertura do "terceiro olho" poderia muito
bem ser o resultado de um condicionamento operante; evidentemente que isso não anula a
hipótese de alargamento do campo perceptivo e da percepção de uma realidade mais "real"
ou de outra espécie de realidade.

Há uma explicação que se relaciona bastante à hipótese energética numa teoria citada
pelo Dr. Hubert Larcher, que nos diz que "em todas as asceses místicas, o papel da continência
sexual e da castidade parece extremamente importante, embora se conheça poucas coisas
sobre as suas consequências biológicas. Entretanto, certos autores pensam que a diminuição
da função exócrina favorece a exaltação da função endócrina e a maturação cerebral
psíquica."

Como se vê, a sublimação e transmutação da energia sexual constitui um fato que


pode ser vivido por numerosos indivíduos. Mas no terreno propriamente experimental e
científico não há nenhuma prova de sua existência nem nenhuma demonstração efetiva do
seu mecanismo. Trata-se paradoxalmente de uma certeza fenomenológica, que constitui
apenas uma simples hipótese no plano científico, tanto quanto à sua realidade quanto ao seu
funcionamento.

Veremos agora quais são as repercussões de todas essas descobertas que acabamos
de sintetizar nos últimos capítulos, sobre a evolução da civilização ocidental e sobre a vida
quotidiana do homem considerado "moderno".
CAPITULO QUINTO

UM PROBLEMA PARA O ANO 2.000:

O QUE FAZER COM A ENERGIA DISPONIYEL?

Partindo da análise das origens do pecado sexual, fomos levados aventar uma
hipótese, segundo a qual o pecado sexual seria motivado, ente outras coisas, principalmente
por um grande mal-entendido; a princípio, os indivíduos que queriam chegar ao êxtase místico
tinham à sua disposição um conjunto de técnicas altamente elaboradas; uma das técnicas
fundamenta era a supressão de toda atividade sexual, tendo em vista uma ascensão
energética, uma sublimação ou mesmo uma transmutação. No decorrer dos tempos, a lei
inexorável de deterioração de toda tradição fez esquecer os objetive primordiais e
transformou em obrigação o que antes era só uma simples opção os aspectos sócio-
econômicos, biológicos, antropo-psicanalíticos vieram sobre determinar os motivos de
repressão sexual, cobrindo-os com um véu espesso de racionalizações, que só uma análise
aprofundada como a que acabamos de fazer chegaria a eliminar.

Essa hipótese energética, como vimos no decorrer desta obra, parece ter sido
amplamente demonstrada, tanto pela análise do símbolo teriomorfo da serpente alada e do
dragão em todas as tradições religiosas, como pela análise dos textos sagrados, dos
testemunhos de grandes místicos e das antigas técnicas do êxtase.

Os dados modernos que possuímos sobre estas últimas demonstram -nos que os
caminhos do êxtase são múltiplos, indo da privação alimentar, sexual ou sensorial até à
meditação, passando pelas técnicas corporais e pelas drogas, especialmente pelo LSD.
Passamos em revista as experiências realizadas sobre a eficácia dessas técnicas; e no que se
refere à teoria da sublimação e da transmutação energética, só podemos constatar uma
realidade fenomenológica que falta ser demonstrada no plano da metodologia científica
tradicional.

Mostraremos agora quais são as consequências dessas descobertas sobre a


mentalidade do homem do ano 2.000. Poder-se-ia resumir as inferência de nossa análise, que
vem se acrescentar a tantas outras, do seguinte modo:

1 - Constatação de que a ideia de pecado sexual é uma criação do homem, e que os


motivos da repressão sexual (principalmente sócio-econômicos e higiênicos) não têm mais
nenhuma razão de ser;

2 - Constatação de que a única razão plausível da repressão sexual é a utilização da


energia disponível para fins utilitários de manutenção e de evolução da civilização industrial;

3 - Descoberta de técnicas do êxtase como o hachiche, a maconha e o LSD, que


suplantam as antigas técnicas, entre as quais a supressão da atividade sexual exercia um papel
preponderante.

A primeira constatação levou-nos à libertação sexual do fim do século vinte.

A segunda constatação provocou as reações de Marcuse à teoria freudiana da


derivação da energia em benefício da civilização; ela insere-se na revolta dos estudantes e é
responsável em grande parte pela Beatlemania e pela hippiefrenização do mundo.
O terceiro aspecto leva-nos diretamente a um vasto movimento de neomisticismo, que
se confunde parcialmente com a hippiefrenização.

São esses movimentos que tentaremos descrever rapidamente, esforçando-nos em


analizar, na medida que somos capazes de compreender a história no momento em que ela se
passa. Começemos pela libertação sexual.

76 - Libertação sexual e recalque do sublime: um novo mal-entendido

Uma desmistificação progressiva das religiões organizadas operou-se sob a influencia


da Psicanálise e das Ciências Físicas e Humanas; pouco a pouco o medo das consequências do
pecado tende a desaparecer. Por outro lado, a evolução da Medicina, graças ao uso de
anticoncepcionais e ao desenvolvimento da profilaxia e tratamento das doenças venéreas,
forneceu uma base biológica a que diminui os riscos ligados à liberdade sexual. O aumento da
igualdade entre os dois sexos e o fim do tratamento da mulher pelo homem como uma
mercadoria contribuíram de modo apreciável para o desenvolvimento de uma maior liberdade
sexual feminina.

Sob a influência de interpretações tendenciosas da Psicanálise freudiana uma ideia


espalhou-se rapidamente entre o grande público, ideia que talvez tenha feito mais mal do que
bem; segundo ela, é preciso eliminar os complexos; o único modo de eliminá-los é estar
sexualmente livre; mostra-se a todo o mundo que não se tem complexos, fazendo amor em
toda parte e com quem se quer; o medo do complexo criou um novo mal-entendido; na
realidade, a propaganda sexual, aliás intimamente ligada à promoção de vendas está
realizando o que Freud chamou de análise selvagem.

Um dia, uma cliente foi vê-lo para pedir um conselho; um de seus colegas médicos
tinha aconselhado a essa cliente solteira e neurastênica a encontrar um amante. Freud
chamou esse conselho de seu colega de análise selvagem, isto é, interpretação ou conselho
dado a um cliente sem que ele esteja preparado para recebê-lo. Se essa cliente tivesse
encontrado um amante, ela teria caído sem dúvida numa depressão maior sob a influência do
seu superego culpabilizante.

O sentimento de culpa está presente e profundamente arraigado mesmo na juventude


atual que se diz livre, mas que se encontra apenas num estado de pseudo-autonomia, como
diria Lagache. O sentimento de "pecado" esta profundamente enraizado mesmo na nova
geração; ele provoca quase sempre uma fuga inconsciente pelo álcool e pela droga,
libertadores provisórios da angústia; é um verdadeiro sofrimento viver numa civilização em
brusca transição. A análise selvagem coletiva realizada pela propaganda faz mais vítima do que
se pensa; o caminho de urna educação sadia pelo amor, de uma educação pelo amor total e
não somente sexual seria muito mais preferível. Na verdade, a associação constante entre a
mulher semi-nua ou completamente nu (e ultimamente o homem nu) e o produto à venda
reforça nos espíritos a ideia de sexo como consumo de um objeto; é urna forma de reificação
perigosa do homem pelo homem, que termina no que se observa comumente: na relação
sexual destituída de todo sentimento pelo outro; simples satisfação de um necessidade, ela
constitui na realidade um corte no ser humano, uma verdadeira esquizofrenização da pessoa
humana. O resultado disso é o vazio interior de que tantos jovens se queixam atualmente.
"Post coitum onne animal triste" é um ditado que se aplica sobretudo à relação superficial de
uma masturbação a dois; quando a relação é profunda, quando ela se baseia no encontro de
dois seres e não de dois haveres, quando ela é o resultado mie uma longa reciprocidade de
sentimentos, de emoções e de pensamentos, quando ela é o encontro de duas totalidades, o
ato sexual é, pelo contrário, algo de vivificante e de sublime; a tristeza é substituída pela
gratidão. O "Bom dia Tristeza" de Françoise Sagan poderá transformar-se em "Bom dia
Alegria" quando libertação sexual for acompanhada e integrada numa verdadeira libertação do
ser na sua totalidade.

A simples descoberta das origens humanas da noção de pecado e a desmistificação


desse instrumento de pressão das religiões burocratizadas não são suficientes; a antiga moral
sexual rígida, autocrática e cortada do seu objetivo inicial necessitará um substituto, que será
talvez uma ética fundada no encontro existencial profundo. Essa nova (e bem antiga) forma de
vivência a dois implica também uma liberdade a dois; ela encontra inúmeros obstáculos
internos e externos, que a Psicanálise e a Psicoterapia de grupo permite conscientizar e
superar em grande parte. Um deles, sem dúvida o menos conhecido, é o que foi descoberto
por Abraham Maslow. Segundo ele, corno havia o recalque do instinto sexual, haveria
também, atualmente, um recalque do “sublime": o sexo é sujeito a uma certa ridicularização
como o sublime também; tem-se medo do ridículo quando se confessa que se teve uma
experiência privilegiada sozinho ou a dois; isso não se diz; não se fala disso; tem-se medo de
ser acusado de romântico, de sonhador ou de místico; um novo tabu nasceu; de revela-se na
ridicularização do sublime; é um resultado concomitante da libertação sexual mal
compreendida, do desenvolvimento do positivismo) cientifico e da associação entre
sentimento e religião; a reação anti-religiosa, isto é, a reação contra as religiões organizadas
que perderam a memória de sua razão de ser, é tão forte que ela arrasta na sua correnteza a
repressão do sentimento e os valores elevados que são percebidos como um produto
religioso; Bach, Beethoven e Chopin são classificados como compositores eruditos e provocam
bocejos, irritados numa grande parte da juventude, que prefere a música rítmica sintonizada
com o simples cio animal. O Nirvana tornou-se uma palavra que desperta sorrisos divertidos e
incrédulos; o ridículo abafa esta perspectiva num grande número de populações de nossa
civilização industrial.

Uma grande parte da juventude começa entretanto a tomar consciência das


consequências imediatas da falsa liberdade sexual e busca outros caminhos; o maior
movimento de procura de uma solução encontra-se entre os hippies e adeptos do
psicodelismo.

77. - Psicodelismo e hippiefrenizaçõo: uma reação à alienação e reificação sexuais

Uma das melhores provas da canalização ou derivação da energia sexual, ou


simplesmente da energia, para fins produtivos é talvez a reação dos governos e das
autoridades com relação ao movimento dos hippies; esse movimento é tomado como uma
ameaça à existência da civilização industrial; é verdade que o problema não é tão simples; é
preciso reconhecer que além da liberdade sexual, os hippies abandonaram deliberadamente
toda forma de colaboração com a sociedade de consumação, da qual, paradoxalmente, eles
continua a depender se eles não estão organizados em comunidades rurais; a civilização
industrial trata-os assim: como eles se marginalizaram, ela trata-os como marginais.

Os protestos e as críticas são numerosos; no fundo, eles revelam receio de uma


destruição da civilização industrial. Eis aqui um dos depoimentos mais significativos, do qual
citamos as passagens essenciais; H. Gastaut, decano da Faculdade de Medicina de Marselha,
exprime-se nos seguintes termos:

"É notável que uma boa parte da juventude ocidental atual, desamparada diante das
incertezas e dos constrangimentos de uma inserção nas estruturas rígidas da sociedade de
consumação, reage de um modo completamente diferente da angústia existencial resultante:
seja procurando um exutório numa revolta violenta que tem por fim a destruição da
sociedade; seja procurando escapar dessa sociedade pelo niilismo não violento e sua forma
mais recente, o psicodelismo, essa busca de uma dilatação da consciência, de uma expansão
do indivíduo sobre a onda cósmica até aos confins do Universo longe das realidades
quotidianas.

“... agora se propõe obter o êxtase cósmico sem técnicas místicas, sem droga
psicodélica e sem álcool em lugares como o Eletric Circus de Nova Iorque ou o Labirinto
Psicodélico de Montreal, onde só se toma milk-shakes, mas onde o excesso de som, de luz e de
vibrações proporcionam uma verdadeira embriaguez pela saturação das sensações."

"Estas poucas reflexões levam-nos evidentemente a admitir que se a Ioga e o Za-Zen


são certamente técnicas respeitáveis, perfeitamente justificadas no seu contexto sócio-cultural
nacional, e se as drogas alucinogênas podem eventualmente ser utilizadas com proveito em
matéria de diagnóstico e de tratamento psiquiátrico, a utilização dessas técnicas e dessas
drogas, a ardentemente defendida por sociólogos, psiquiatras e legistas em certos pais da
América e da Europa, parece-nos injustificável quando ela só tem por finalidade fazer uma
parte, felizmente ínfima, da nossa juventude renuncia às suas responsabilidades no quadro de
uma ação construtiva necessária à Sociedade..."

“... Nosso único objetivo é encarar, do ponto de vista neurofisiológico que é o nosso, o
valor das técnicas utilizadas pela juventude ocidental para atingir o êxtase cósmico.

"Essas técnicas diferenciam-se em duas categorias, de acordo com as condições


materiais utilizadas para obter e manter o estado contemplativo e Ievá-lo ao êxtase, que
podem ser naturais ou artificiais."

1º) A contemplação e o êxtase místico naturais servem-se da técnica do budismo, e


mais especialmente das seitas ióguicas da índia e das seitas Zen do Japão (os hippies gostam
de se comparar com Buda, este filho de que abandonou seu palácio e sua família para se
dedicar à pobreza, e representa para eles o exemplo magistral de "runaway", do "drop out").

"... 2º) A contemplação e o êxtase místico artificiais caracterizam-se sobretudo pela


dupla condição material necessária à sua realização: por um Iado, a absorção de drogas
psicodélicas ou psicodisléticas (essencialmente representadas, na prática, pelo LSD e o
cânhamo sob a forma de maconha ou de hachiche); por outro lado, o ambiente psicodélico
criado pela música, o incenso, a promiscuidade de adeptos com mistura dos sexos, os objetos
insólitos pela sua forma e sua cor, sem esquecer a contribuição etílica .

"... Queremos admitir que a Ioga e o Za-Zen contribuem para a serenidade dos sábios
hindus e para a ação refletida dos Presidentes-Diretores-Gerais, das grandes indústrias
japonesas; mas estamos inquietos em ver essas técnicas, propostas quotidianamente à
civilização ocidental, com o fim de nelhorar os feitos dos seus esportistas ou o estado mental
das suas crianças retardadas e sobretudo de abolir, em Ashram ou Mosteiros, a angústia
existencial de uma certa juventude. Mais do que a contemplação, é a meditação que deveria
ser proposta aos jovens ocidentais; não a meditação mística que significa oração mental e se
torna sinônimo de contemplação, mas a meditação na aceitação absoluta do termo (do latim
meditare: exercer-se), que designa a atividade intelectual no nível mais elevado, pois ela
implica o máximo de concentração de espírito em um pensamento e a incessante mobilidade
dose desse pensamento para iluminar todos os detalhes do objeto meditado, a fim de explica-
lo.

“Quanto à contemplação e ao êxtase artificiais, nós os consideramos como um flagelo


para todas as civilizações. Não cremos nem mesmo que as drogas psicodélicas menores, como
o cigarro de maconha, possam ser autorizadas, -contrariamente aos psicodisléticos maiores e
perigosos, como a resina etc., pois quem procura o êxtase com as primeiras será cedo ou tarde
levado a procura-lo com as outras.. . e talvez mesmo com a heroína. Já que se luta agora
contra o alcoolismo e o vício do fumo, não vemos porque nossa sociedade adiaria para
amanhã a tarefa de lutar contra o psicodelismo artificial e suas nefastas consequências.”

"Voltando à juventude ocidental e aos problemas de adaptação social que ela


encontra, não cremos que o psicodelismo, tanto natural corno artificial, lhe convenha mais do
que a revolta para resolver esses problemas. Não acreditamos portanto que os adultos
responsáveis tenham o direito de procurar reduzir as tendências niilistas de urna parte dessa
juventude propondo-lhe a busca do êxtase, a abolição do desejo humano e, finalmente, o
êxtase no Nirvana."

Não resta dúvida que, como o afirma Gastaut, o movimento psicodélico constitui um
grave perigo e ameaça a existência até da civilização industrial em que vivemos.

Eis-nos aqui nos antípodas do mundo dos hippies e dos adeptos das experiências
psicodélicas ou místicas.

Para quem tenta ver mais claro, o problema é que o conteúdo da experiência
psicodélica seria justamente uma revelação, uma percepção dos verdadeiros valores da
humanidade, valores dos quais se excluem definitivamente da nossa civilização industrial.

O depoimento de Paulo, uma das personagens de Gérard Borg, fornece-nos


justamente a antítese das afirmações de Gastaut. Segundo ele, se há um perigo no LSD e na
maconha, é exatamente com relação ao sistema de vida em vigor, pois essas drogas o põem.
em questão. Vejamos a seguir o que ele diz:

" — Você chega a pretender que as drogas não tem perigo?

“ — Evidentemente que não, pois elas representam um perigo fantástico. Mas há uma
diferença: o verdadeiro perigo das drogas, enfim do que vocês chamam drogas, não ameaça
de modo algum os "drogados" mas vocês mesmo, as pessoas com poderes, os conservadores
do grande museu apodrecido da ordem estabelecida, sim, são vocês que nós drogamos e são
vocês que vão comemorar e no caso em que a finura da coisa lhes escape, permitam que eu
faça um desenho. Os militares foram, é claro, os primeiros a compreender que as "drogas"
seriam o começo do fim. Esses cabeças alertaram o governo americano: a liberalização
eventual ou mesmo o uso clandestino da maconha arriscava-se a acarretar no máximo uma
certa inércia, uma tendência à passividade da parte do conjunto da juventude americana. Siga
meu olhar, por favor. Não se constatou que os jovens que fumam a maconha são todos
pacifistas incondicionais?...”

“... Eu não sei se o futuro dos homens está na química do cérebro mas sei que fumar
um trago encontra-se no oposto do torpor que resulta dos seus alcoóis. Na verdade creio que
a química do cérebro explodirá tudo.
"Se você tivesse feito uma só, uma única viagem ao ácido você não duvidaria mais nem
um instante. A mescalina é um revelador extraordinário para muita gente. A psicoloeibina é
sete mil vezes mais forte do que a mescalina, o LSD é cem vezes mais forte que a psilocibina e
substâncias novas acabam de ser descobertas, depois das quais o LSD é um chá para doente!

" - Se certas substâncias químicas são verdadeiramente assim, saberíamos isso.”

Sabe-se justamente. Qual é a descoberta mais importante para o homem, que volta de
sua primeira viagem, que a de saber que nunca mais ele fará uma guerra, e que toda a sua vida
desenrolar-se-á com uma flor nos Iábios, e o Amor no coração? Enquanto vocês inventam
pílulas tranquilizantes que lhes permitirão não ver demais as monstruosidades que vocês
acabam de criar, nós procuramos, nós mesmos, ver, com o terceiro olho. Será que você já
ouviu falar disso? . . ."

"... O pior é que não se sabe como se desafogar, transmitir, explicar, comunicar. Não se
pode mais suportar ser o único a saber, a ter visto. E é preciso fingir crer nas suas estórias, nos
seus mitos, nas suas religiões infantis, no patriotismo.. ."

O próprio Gérard Gorg descreve a experiência que ele teve com o LSD; um dos
aspectos vividos é justamente sua descoberta de novos valores e do absurdo de certos
aspectos da nossa civilização:

"Eu tenho a visão de uma mistificação imensa em todos os degraus da História, em


todos os níveis da nossa civilização. O mundo está condenado a viver sob o domínio muito
tradicional de uma casta que eu chamarei os poderes, quer eles sejam de dinheiro, políticos,
religiosos ou militares. Em toda parte uma classe, a classe da possessão, oprime, pressiona,
sacrificará tudo aos privilégio. O mundo dos notáveis e da ordem estabelecida... O mundo me
agradrece como uma imensa perspectiva de dormitórios onde cochilam as consciências na
noite dos símbolos, dos estereótipos rígidos... O problema não é de modo algum a cor, o
cheiro do poder... é o próprio poder... eu não vejo o fim disso... As noções de essência e de
existência, de estruturas e de pulsões fundidas no único crisol da possessão. O superego é a
cidadela da possessão dos outros. Eu olho em torno de mim, em toda parte só há insegurança
fundamental, obsessiva. Tenho medo, logo não existo. Ou melhor, estou em vias de um existir
mais. Possuo e possuo a esperança de possuir mais, logo existo ou me torno...”

Um mal-estar, uma ligeira náusea."

É portanto a sua própria existência que as "autoridades" do mundo ocidental


defendem quando elas combatem a droga ou contestam o modo existência contestatário dos
hippies. Ao combater a droga, elas não são abslutamente conscientes de que na realidade elas
estão tentando destruir todo um movimento de neo-misticismo; como mostramos no capítulo
sobre droga (Terceira parte, capítulo III) tudo converge para afirmar que a droga, como as
outras técnicas que acabamos de descrever, é um meio de amplificar diferentes níveis
descritos por Leary, para que se "veja a Verdade".

Todo o problema reside em saber se essa visão é real ou se trata de alucinações. Se


são percepções reais, é indispensável que as "autoridade" favoreçam a pesquisa científica em
torno de um assunto que é, sem dúvida alguma, mais importante do que as viagens
interplanetárias; nós possuiríamos em nós mesmos intrumentos fisiológicos ainda
desconhecidos, que nos permitiriam "ver" nas diferentes dimensões fora do espaço-tempo.
Se, pelo contrário, as drogas e outras técnicas do êxtase são simples "alucinogênios"
que provocam visões que não correspondem à realidade, problema limitar-se-á, como o do
controle das bebidas alcoólicas, a restringir o consumo, em função dos conhecimentos
adquiridos com referência aos perigos específicos a cada urna delas.

Se tal decisão fosse apoiada por dados científicos definitivos, uma pedra seria posta
definitivamente também sobre a validez da experiência mística última razão de ser de toda
religião; não nos restaria nada mais, além da ciência experimental como critério de pesquisa
da realidade.

Embora o problema não esteja resolvido, poder-se-ia dar uma olhada no que os
psiquiatras e psicoterapeutas nos dizem a esse respeito, pois são eles que tem, atualmente,
mais experiência com as alucinações e os alucinogênos. E o que trataremos no próximo
capítulo; reservamos esse assunto para o último capítulo, pois, como acabamos de ver, trata-
se sem dúvida alguma do assunto mais importante e mais fascinante do nosso tempo; ele
situa-se no ponto de encontro da ciência, da religião e da filosofia metafísica.
CAPITULO SEXTO

ALUCINANTES OU PERCEPÇÕES DA REALIDADE?

78. - Doença mental e experiência mística

Poder-se-ia crer que o problema que tratamos é recente; na realidade, na “Fedra” de


Platão, Sócrates faz uma análise bastante ampla das relações entre o delírio e a experiência
mística. Ele diz que o oráculo de Delfos e as sacerdotisas de Dedona, em estado de delírio,
prestavam grandes serviços às pessoas e ao Estado grego. É citando os antigos que ele afirma
que o delírio que "emana dos deuses" é mais nobre do que a sabedoria que vem, dos Homens.
Ele afirma textualmente: "Há dois tipos de delírio: um que nasce de uma doença da alma,
outro um estado divino que nos conduz além dasnor mas habituais." (270)

O problema das relações entre as chamadas "doenças mentais" e os estados e


experiências místicas começa a interessar um número cada vez maior de psiquiatras e
psicoterapeutas.

O fator essencial desse aumento de interesse é sem dúvida alguma o desenvolvimento


da Farmaco-Psicologia; a constatação da evolução quase miraculosa de certos pacientes
submetidos ao LSD, a tomada de consciência das semelhanças das experiências místicas e
psicodélica e a possibilidade dos psiquiatras e psicoterapeutas de sentir neles próprios esses
estados de consciência colocaram-nos de repente diante do problema de saber se se pode
falar de alucinações na experiência mística.

Também é conhecido o fato de que um certo número de pessoas que tiveram


experiências místicas possui uma propensão psicopatológica acentuada e vice-versa; nos
hospitais psiquiátricos existe um certo número de "doentes mentais" que dizem ter
experiências de natureza mística.

Freud afirma sem hesitar que "a religião comporta entraves de natureza compulsional,
a tal ponto que só a neurose obsessiva do indivíduo os apresenta; por outro lado, ela implica
um sistema de ilusões criadas pelo desejo, com a negação da realidade, sistema tal que ele é
encontrado, em estado isolado, somente na psicose alucinatória, que é um estado bem
aventurado da confusão mental." (100). Convém observar que Freud descreve aqui sobre tudo
os aspectos institucionais, e mais particularmente rituais da religião, não da experiência
mística propriamente dita.

79. — Psicopatologia dos xamãs e iogues

Não é menos verdade que a maior parte dos psiquiatras consideram a experiências
místicas como sintomas psicopatológicos e as drogas como "alucinogênios". Franz Alexander,
por exemplo, como lembra Klineberg, considera o misticismo hindu como uma forma de
catatonia artificial. Recordando que para a maior parte de nós a alucinação é uma forma de
anomalia, Klineberg chama-nos a atenção para o fato de que um jovem índio das planície
americanas esforça-se durante vários dias para encontrar seu espírito de guarda e consultá-lo
sobre o problema de sua vocação (242).

M. Eliade tratou dessa mesma questão com relação aos xamãs; depois de haver feito
uma revisão da bibliografia a esse respeito, ele constata que realmente inúmeros autores
acharam que há um grande número de epiléticos e de histéricos entre os xamãs; essas
doenças aparecem quase sempre em concomitância com a escolha da missão de "medicine-
man"; mas o autor observa em contrapartida que o xamã é um homem que aprendeu a
controlar suas crises; por outro lado, os indígenas saberiam fazer a diferença entre, uma crise
epilética e um transe de possessão; e em geral a iniciação equivale a uma cura. Ou mais ainda,
o exercício do xamanismo exige um conhecimento profundo e um domínio de si pouco
accessível a doentes (243). Nós mesmos tivemos a oportunidade de conversar longamente
com um mestre iniciado na seita Umbanda no Brasil; trata-se de um homem de uns quarenta
anos, que foi vítima de alucinações durante muito tempo; os psiquiatras não podiam fazer
nada. Ele se fez iniciar; nós mesmos o vimos em estado de transe; os espíritos de vários índios
e até de um iogue "baixaram" nele; ele afirmou-nos que a partir de então ele nunca mais teve
alucinações.

80. — A experiência mística dos doentes mentais

Existe todo um movimento em Psiquiatria e em Psicoterapia que tende a considerar


como fenômenos diferentes certos conteúdos de consciência diagnosticados anteriormente
como alucinações.

Hans Jacobs, por exemplo, fez urna seleção de depoimentos de doentes , anotados por
Karl Jaspers. Apresentamos alguns deles mais abaixo, que poderiam ser confundidos com os
dos santos e das pessoas com experiência do LSD, relatados por Alpert (V. parágrafo 64); não
há grande diferença:

"Com os olhos fechados, um esquizofrênico percebeu uma luz difusa, de um branco


leitoso, da qual emanavam formas admiráveis de plantas e de animais exóticos de cores vivas.
A luz parecia encontrar-se nos olhos dos doente, mas as formas provinham de outro mundo.
"Quando meu estado era bom, continua o doente, a luz era mais brilhante, mas depois das
pertubações ela se escurecia ou se produzia uma noite completa. A luz não desaparecia
porque eu abria os olhos, mas porque eu tentava ver com os olhos exteriormente."
(Naturalmente). "Se eu não fizesse isso, eu podia ver essa luz com olhos abertos e durante. o
dia... Eu estava surpreendido com a graça e a beleza das formas das plantas, que colocavam as
que eu conhecia na categoria de espécies degeneradas. As formas de animais eram muito
antigas, mas de aparência amiga."

"Outro esquizofrênico: "A vida é agora como um filme que passa, mas em imagens. Ela
passa e repassa e permanece sempre a mesma. Eu ignorava que a morte era isso. Agora eu
vivo eternamente. Por fora, as coisas continuam, as folhas se agitam, alguns vão e vêm, mas
para mim o tempo não passa... É, um tempo infinito, enfadonhamente longo." (Poder-se-ia
pensar aqui na "Roda da Vida" tibetana, onde, fundamentalmente, as mesmas coisas se
repetem sem cessar.) O sujeito acrescenta, com bastante a propósito: "Isso me puxa para trás;
onde então? De onde veio isso, onde isso estava outrora, no passado."

No mesmo lugar, outro esquizofrênico: "Este tempo novo era infinitamente


multiforme e completamente incorporado, sem comparação com o que normalmente se
chama tempo. Então, eu me pus a pensar: o tempo não se apoia somente diante e atrás de
nós, mas também em outras direções.

"E então o pensamento parou, tudo parou, como se o tempo não existisse mais. Eu me
via como um ser fora do tempo, excessivamente claro e transparente, como se eu pudesse
olhar na minha própria profundidade. Simultâneamente, eu ouvi uma música suave, vindo de
longe, e percebi esculturas pouco iluminadas; tudo isso no meio de uma corrente de
movimento incessante que a distinguia de minha própria condição."
Eis aqui os comentários de Hans Jacobs, que vão bem ao encontro do que nos
preocupa aqui:

"Não existe norma para a "normalidade", e todas as experiências de um; doente


mental não são mórbidas. Como o mostram esses exemplos, aqui se encontra uma mina de
observações extranhas, se não surpreendentes, que só pedem para ser compreendidas. O
termo "alucinação" pode quase sempre levar ao erro. Pode acontecer que uma consciência
submersa volte à tona e ponha a pessoa em contato com realidades metafísicas, como as
"alucinações" do místico, que entra no seu ser interior, vive nele e dele. O único critério seria
portanto saber se uma "alucinação" particular é objetivamente verdadeira ou falsa, levando
em conta o fato que ela se materializa num plano que lhe é próprio." (245)

Encontra-se uma ideia análoga em R.D. Laing; esse autor defende tese segundo a qual
a loucura é na realidade uma viagem ao mundo interior da pessoa, viagem mal dirigida e para
a qual não estamos preparados. Segundo ele, nossa civilização condiciona-nos a viver no
exterior de nós mesmos Laing põe em questão nossa própria experiência "egótica" do mundo;
todas as filosofias religiosas e existenciais convergem no sentido de negar a sua realidade, de
afirmar que se trata de uma ilusão, de um estado de sono pré-natal que é preciso suprimir ao
morrer para encontrar a realidade através de um novo nascimento:

"O indivíduo que passa pela experiência transcendental da perda do ego pode ou não
perder o equilíbrio, de diversos modos. Ele pode então ser considerado louco. Mas ser louco
não é necessariamente estar doente, mesmo se no nosso mundo os dois termos se tenham
tornado complementares. Parte--se do princípio que se uma pessoa é louca (qualquer que seja
o significado disso) ela está ipso facto doente (qualquer que seja o significado disso). Mas a
experiência que a faz considerar pelos outros como uma doente mental pode muito bem ser
para ela um verdadeiro mana celeste. Toda a sua vida pode ser transformada por isso, mas é
difícil de não duvidar do valor de tal visão. Além disso, nem todos voltam de uma tal viagem...

". .. Esse outro mundo não é em sua essência um campo de batalha onde forças
psicológicas, derivadas ou desviadas, deslocadas ou sublimadas a partir do seu contexto
objetivo de origem, se afrontam num combate imaginário (embora tais forças possam
escurecer essas realidades exatamente como elas podem escurecer as pretensas realidades
exteriores).. .

". . . Entre os médicos e os padres, deve haver guias, capazes de conduzir o indivíduo
fora deste mundo e no outro — de guiá-lo e trazê-lo de volta.. .

"Sendo assim, o psiquiatra moderno faz quase sempre o papel do cego que dirige os
passos de um meio-cego." (244)

Baseado nessa tese, Laing cita o depoimento de Jesse Watkins, escultor que teve um
acidente psicótico durante dez dias, nos quais esteve internado; o sujeito conta esse episódio
como se se tratasse de uma viagem ao seu próprio interior. A partir de um certo momento, ele
decide "voltar" de sua viagem, recusa-se a tomar os calmantes que lhe impediam de se
controlar, repete várias vezes o seu próprio nome até que tenha a sensação de que tudo
terminou. Mais tarde ele afirma a Laing: "Na minha opinião, se alguém deve lazer esse gênero
de experiência, é em dois planos. Para que ele sobreviva é preciso que ele mantenha contato
com o mundo onde ele está e com o que ele deixou, e isso exige um tremendo esforço do qual
nem sempre se é capaz. AIguns o são mais do que outros, mas de qualquer modo é preciso ter
uma espécie de âncora que os ligue ao presente e a eles próprios para ser capaz de portar
tudo o que lhes acontece... Outros. . . nos quais se tem confiança e que sabem que é preciso
que sejam cuidados, que não se deixam ir à deriva e naufragar. É simplesmente uma questão...
quero dizer que na minha opinião essa experiência consiste para o sujeito em reconstruir sua
própria alma. . ." (246)

81. — Os alucinados somos nós mesmos.. .

Para Laing, todos os métodos atuais do tratamento psicoterápico, como eletrochoque,


os tranquilizantes, a baixa de temperatura e às vezes a Psicanálise são freios para a "viagem" e
meios de impedir que o processo siga um curso normal. "Não somos capazes, diz ele, de
compreender que esta "viagem" não é algo do qual é preciso curar-nos, mas que ela é em si
mesma um meio natural de curar nosso estado considerado normal e que ela é apenas um
terrível estado de alienação? " (246)

Laing coloca o problema das relações entre a experiência mística e alucinatória de um


modo bem claro para a nossa civilização; ao mesmo tempo, ele põe em questão a própria
realidade de nossa experiência quotidiana; os alucinados somos nós mesmos; para
escaparmos disso só há um caminho: a imagem interior, a morte de nós mesmos e um novo
nascimento. Voltamos aqui aos ritos iniciáticos através da palavra de um dos grandes
psicoterapeutas do nosso século. É exatamente a mensagem que o autor da esfinge nos
deixou, como mostramos no nosso livro precedente; o homem pode, se ele quiser, sair do seu
condicionamento animal, tomar consciência de sua alienação e responsabilizar-se por si
mesmo.

Ele poderia então atingir progressivamente um grau de consciência sem precedentes


na sua história; é provável também, como o mostra a tradição esotérica, que se trate pelo
contrário de reconquistar uma faculdade perceptiva sincrética que o homem teria perdido
através dos tempos.

É bem interessante observar que a técnica psicoterápica mais tradicional, a Psicanálise,


pelo menos num dos movimentos que a compõem, tende a evoluir para pontos de vista muito
próximos a esses de Laing; é o que mostraremos no próximo parágrafo.

89. — A Psicanálise é um método iniciático que se ignora?

Embora formada em pleno século racionalista, fundada por um exiperimentalista


rigoroso e austero, parece que a Psicanálise está impregnada de misticismo, ou pelo menos
que ela leva a ele em certos estados ou fases que são o caminho para um desenvolvimento
extático.

Poder-se-ia observar por exemplo que a Psicanálise emprega uma postura da Ioga: a
postura estendida, em relax, que se chama postura do "Cadáver" em Ioga; é uma posição que
favorece não somente a associação livre, mas também a eliminação provisória do pensamento
que, como já vimos, constitui ui obstáculo para o êxtase.

A investigação do mundo interior, a análise dos sonhos, a procura e descoberta do ego


consciente e do domínio do inconsciente pelo consciente são temas comuns à Ioga e à
Psicanálise.

A importância atribuída à libido por Freud encontra o seu paralelo apenas na ioga
tântrica, que, como já vimos, exalta a força da Kundalini, e na Cabala judia, onde temos o
Iesod, equivalente ao Mulhadara da Ioga.
Um discípulo de Freud, Wilhelm Reich, indaga sobre a fonte dessa energia; ele localiza-
a na cavidade abdominal, nos grandes centros do sistema nervoso autônomo, mais
especialmente no plexo solar, no plexo hipogástrico, no plexo lombar e no plexo pélvico; é o
Iesod dos hebreus (279).

A esse respeito, convém lembrar que Freud era judeu e que mesmo que ele tenha se
considerado ateu, ele foi educado num ambiente judeu do qual estava impregnado; é a tese
de Bakan, que nos demonstra certas ligações entre a Psicanálise e a Cabala, de um modo
bastante convincente. Eis aqui, entre outras, algumas de suas opiniões fundamentais:

"O complexo de Édipo é uma metáfora no sentido profundo que toca o grande
mistério da existência do homem. Que esse sentimento tenha sua origem na sexualidade, ai
reside uma das grandes descobertas de Freud. Mas essa descoberta que o ser tem suas origens
na sexualidade e portanto que a sexualidade é um todo com a metafísica e a teologia é uma
ideia fundamental da Cabala.

"O mistério do complexo de Édipo é o mistério da gênese da criação. Freud o explica, a


propósito do desenvolvimento da consciência sexual da criança."

"O primeiro problema que lhe preocupa, de acordo com o seu desenvolvimento, não é
saber em que consiste a diferença dos sexos, mas o grande enigma: de onde vêm as crianças.
Sob um disfarce que se pode romper facilmente, esse enigma é o mesmo que o da Esfinge de
Tebas."

"Na versão freudiana da história, o segredo da origem das coisas é o segredo da


criação do indivíduo. O que a criança quer saber é corno ela foi criada e ela descobre que o
momento da sua criação é o momento em que seu pai e sua mãe tiveram relações sexuais.
Portanto, num certo sentido, o traço essencial do desejo edipiano é o desejo de ter sido
testemunho de sua própria criação. Esse desejo se converte em fantasma da cena primitiva e
em desejo de substituir o pai no ato de criação."

"Assim como Jones e outros mostraram, o complexo de Édipo foi uma das descobertas
mais importantes de Freud. Segundo a Cabala, é no momento em que o pai é visto que se
recebe o grande conhecimento (Kabbala significa recebido). Lembremos a esse respeito que
Freud assinalou que A Ciência dos Sonhos constituia uma reação à morte do seu pai e "que tal
conhecimento só acontece urna vez na vida de cada um". O Zohar diz falando de José, com
quem Freud se identificava abertamente:

"José viu assim, graças ao espírito da Sabedoria Eterna, o rosto do seu pai em todas as
ações que ele praticava; e é por isso que ele tinha mais êxito do que ninguém. Quando o ímpio
disse a José: "Eu via diante de mim um pé de vinha", ele foi tomado pelo horror pois ele não
compreendia a significação desse sonho; mas quando o seu interlocutor acrescentou: "E o pé
de vinha tinha três sarmentos". José recuperou o seu ânimo e seu rosto irradiou-se de alegria;
pois ele tinha visto o rosto do seu pai; o José pensou: "Esse sonho anuncia certamente uma
boa notícia."

"A profundidade da sabedoria cabalística, no que se refere à sexualidade, manifesta-se


também na noção da nona Séfira. Segundo a tradição, existem dez Sefiroth, que são as
emanações místicas e os reinos de Deus. Cada Séfira é associada a uma parte de Deus; a nona
chama-se Yesod, que significa fundamento, e sua sede encontra-se nos órgãos genitais de
Deus. Essa palavra Yesod não significa só fundamento, ela contém também a palavra sod, que
significa segredo: a sexualidade é a base secreta de todas as coisas. O Malkuth, o reino, brota
do Yesod e todas as Sefiroth mais elevadas derramam-se sobre ele. Assim, o Yesod é o lugar e
a fonte de toda vida e vitalidade e é dele que o mundo extrai seu alimento.

"O Zohar fala várias vezes da união de Deus com a Shekinah, a “mãe celestial". As
principais forças de vida passam do Yesod para a Shekinah. Segundo Scholem, o autor do
Zohar estava fascinado pelo Yesod, e se se considerar a piedade que se manifesta no Zohar,
esse simbolismo fálico utilizado para discutir sobre o Yesod supõe um problema psicológico no
autor.

"A concepção da sexualidade como fonte de toda energia impregna Zohar e encontra
seu equivalente na doutrina freudiana da libido. Aliás, até mesmo o que pode ser considerado
como uma "singularidade" da doutrina. freudiana da libido encontra-se na Cabala; a
singularidade de que falamos o fato de que Freud concebe a libido como masculina." (2)

Serouya, um dos autores contemporâneos mais competentes, especialista da Cabala,


faz também uma comparação entre as concepções do Talmud e da Cabala por um lado, e a
teoria freudiana por outro lado. Depois de ter mostrado que a teoria bipolar do princípio
macho e do princípio fêmea impregna todo o universo, Serouya afirma que "Essa lei sexual, tão
bem salientada nas considerações especificamente místicas da Cabala, aparece atualmente
com uma acuidade particular na teoria de Freud. Sabe-se que para esse sábio o pansexualismo
está no fundo de tudo. A libido é inerente a todas as formas psíquicas da atividade humana. .
.." (278).

Não é pois surpreendente que a Psicanálise tenha atraído um discípulo e dissidente de


Freud como Jung, cujas características místicas não deixam nenhuma dúvida depois da
publicação de sua autobiografia. Jung apresenta-nos estados místicos dignos de urna "viagem"
ao LSD. Fato curioso, ele nos descreve o globo terrestre muito antes das viagens espaciais do
mesmo modo que ele foi visto e fotografado pelos astronautas, com a sua tonalidade azul.. .

Sua enfermeira encontrou-o envolvido por um halo luminoso. Eis aqui um trecho de
sua descrição:

"Recua-se diante do emprego da palavra "eterno"; no entanto eu só posso descrever o


que eu vivi como a beatitude de um estado intemporal, no qual passado, presente, futuro
constituem um todo. Tudo o que se produz no tempo estava concentrado aí numa totalidade
objetiva... Como eu posso imaginar que eu vivo simultaneamente anteontem, hoje e depois de
amanhã? . . . Um todo indescritível ao qual se está fundido e que todavia se percebe com uma
total objetividade." (268)

Como se sabe, J ung fez enormes esforços para penetrar na significação dos símbolos e
descobrir os "Arquetipos" na alquimia, no livro dos mortos Tibé, no I-Ching chinês; e, como já
vimos, ele interessava-se pelos chacras da Ioga é prefaciou o livro de Susuki sobre o Zen.

Assistimos atualmente a uma evolução importante no mesmo sentido de um dos


líderes mais importantes da Psicanálise contemporânea: Erich Fromm. Ele está realizando
agora notáveis esforços para estabelecer um paralelo entre o Budismo Zen e a Psicanálise.
Embora eles se diferenciem entre si como métodos, os objetivos do Zen e da Psicanálise são
praticamente comuns, como mostra o autor. Entre os pontos comuns, poderíamos citar:

-- Noção de libertação da energia;


— Visão do homem por ele mesmo;

— Independência afirmada em relação a toda forma de autoridade, mesmo religiosa;

— Busca constante da verdade impedindo toda fuga (Koan ou análise dos mecanismos
de defesa);

— Abertura do homem e libertação de suas angústias, insegurança e medo;

— Aumento do campo da consciência;

— Não ter nada, mas ser;

— Vencer a alienação e o hiato sujeito-objeto;

— Superação da avidez (oralidade).

Quanto ao objetivo final do Zen, o Satori ou a iluminação, parece que a Psicanálise


catalisa um começo de iluminação, cujo procedimento por etapas é considerado possível por
Susuki. Corno diz Fromm.

"Eu sugeri que o método de revelação do inconsciente, levado até as suas últimas
consequências, poderia ser um passo para a iluminação com a condição que ele seja
considerado dentro do contexto filosófico que é expresso pelo Zen do modo mais absoluto e
realista. Só um grande número de experiências ulteriores mostrará até onde a aplicação desse
método pode levar. O ponto de vista expresso aqui indica apenas uma possibilidade e por
conseguinte tem só um caráter de hipótese ainda a ser provada."

"Mas pode-se dizer com mais certeza que o conhecimento do Zen e o interesse que se
tem por ele podem ter a importância mais frutuosa e mais iluminante sobre a teoria e a prática
da análise." (269)

Assim, encontramos aí também, no domínio) da Psicanálise a ideia de uma percepção


deficiente e alienada da realidade pelo homem chamado “normal"; só a iluminação mística
colocar-nos-á diante da realidade, total ou "concreta", para empregar um termo preferido de
Jung.
CONCLUSÃO

AS TRÊS OPÇÕES DA HUMANIDADE NO ANO 2.000

Eis-nos aqui portanto no final de uma análise que começou com a noção de pecado e
nos levou ao êxtase místico e às técnicas que permitem chegar a ele.

Agora podemos afirmar com muita certeza que as origens reais e profundas da
repressão sexual encontram-se na metodologia do êxtase; a supressão da atividade sexual,
acompanhada sem dúvida de uma série de outras técnicas que descrevemos, favorece a
subida da energia para os centros cerebrais superiores, permitindo assim a abertura do
"terceiro olho". Pelo menos, é desse modo que os antigos o concebiam e que o percebem
ainda hoje aqueles que estão à procura do êxtase nas diferentes "escolas" esotéricas do
mundo.

As religiões, criadas a princípio com a finalidade principal de assistir os seus adeptos na


busca do êxtase místico, esqueceram pouco a pouco esse objetivo: instalou-se um grande mal-
entendido: o que antes era apenas uma opção transformou-se em norma rígida; essa
"burocratização da Kundalini" foi facilitada por razões de natureza sócio-econômica, higiênica
e antropo-psicanalítica, que vêm sobre determinar-se às razões da obtenção do êxtase.

Foi através da análise do mito da serpente alada, da constatação da existência de


teorias da sublimação e transmutação energética na Psicanálise, na Ioga, na Cabala judia e na
mística cristã, assim como através da descrição das técnicas modernas do êxtase, que
chegamos a reunir dados para apoiar o que chamamos a tese energética do pecado. Os dados
estatísticos de Kinsey mostram de fato que a religião diminui a frequência de relações sexuais
mesmo entre as pessoas casadas. Se a sublimação da energia sexual é apenas uma simples
hipótese no plano da ciência experimental, ela constitui um fato subjetivo ao alcance daquele
que deseja experimentá-lo, no plano fenomeno-lógico da experiência vivida: Freud, em
particular, mostrou o quanto a ternura tributária de uma certa abstinência sexual do casal: as
experiências do Maithuna ou Ioga sexual moderna sugeridas por Watts vêm igualmente apoiar
a nossa tese; o êxtase místico seria um grau mais avançado ou mais elevado dessa sublimação,
grau atingido possivelmente graças a um conjunto de condicionamentos.

Vimos que a desmistificação do pecado quanto às suas origens racionais, assim como o
aparecimento de meios anticoncepcionais e da profilaxia das doenças venéreas, provocaram
uma revolução sexual, facilitada pela emancipação feminina, e estão eliminando os principais
tabus ligados ao sexo.

Assistimos atualmente a um fenômeno paradoxal: paralelamente a essa revolução


sexual, e sob o efeito da sensação de vazio interior provocada pela maior parte das relações
sexuais desprovidas de sentimento e de amor, observa-se uma busca da verdade e da
realidade que terminam num neomisticismo, tanto no movimento hippie como fora dele;
libertando-se do sentimento de pecado criado pelas religiões, das pressões religiosas, o
homem moderno encontra-se de repente diante das próprias fontes de toda religião: a busca
da verdade e de uma percepção direta da realidade. Assistimos hoje a uma procura dos
diferentes caminhos que levam à experiência mística, caminhos em concorrência ou
complementares: O LSD e seus equivalentes e a meditação. Entre esses métodos, os jovens
encontram paradoxalmente a abstinência sexual; alguns chegaram até mesmo a adotá-la, após
haver rejeitado anteriormente a repressão sexual; eles transformaram o que era uma
obrigação imposta por uma autoridade numa opção livremente consentida; ao mesmo tempo,
eles rejeitam progressivamente as formas reificadas da sexualidade, nas quais o homem é
considerado como simples objeto de satisfação e não como pessoa; eles encontram por si
mesmos as fontes da repressão sexual, objeto deste livro. Os hippies que tem êxito, na sua
peregrinação à Índia, até o Nepal, desprezam a sexualidade. Como o mostra Gérard Borg, a
vida sexual do mundo hippie desaparece quase totalmente a partir da Índia.

Como o leitor prevenido já sentiu, as conclusões deste livro têm um alcance que
ultrapassa muito os limites do estudo a que nos propusemos, de fato, elas chegam a um
questionamento total das razões de ser da nossa civilização industrial.

Isto está intimamente ligado à questão fundamental posta por este livro, que já
assinalamos a propósito das relações entre a alucinação e a experiência mística: se as
experiências extáticas são de fato um alargamento do nosso campo perceptivo que nos faz
perceber a realidade de uma maneira sincrética e total; se o que percebemos no nosso estado
chamado “normal" é apenas uma percepção anormal e ofuscada por uma vida cada vez mais
artificial, será preciso concluir que a nossa vida "normal" é anormal; e que estamos
provavelmente em plena regressão em relação a outras épocas perdidas através dos tempos,
épocas em que teríamos tido essa percepção. Hoje nos são necessárias drogas para recuperá-
la artificialmente e muito provisoriamente. Como vimos, talvez seja o louco quem vê bem e o
normal quem está alucinado ou modelado pelas agências de controle da sociedade, como o
mostra Skinner.

Nossa concepção científica dos métodos que dão acesso à realidade estaria ao mesmo
tempo a ser reconsiderada: baseada na inteligência racional, ela nega na verdade qualquer
possibilidade de existência do que Guenon chama inteligência pura, isto é, uma inteligência
que é capaz de abranger totalmente e intuitivamente o campo total da realidade. Os métodos
antigos de transmutação da energia sexual no nível superior do sistema nervoso permitiriam,
graças a uma mobilização extrema de toda a nossa energia disponível, estimular centros
perceptivos insuspeitos pelo homem da nossa civilização ocidental. O LSD, produto da ciência
ocidental, coloca-a paradoxalmente diante de uma negação de sua capacidade de chegar à
descoberta ria verdade pelo uso limitado da inteligência racional.

Em termos de energia elétrica, para perceber a realidade poder-se-ia comparar o


problema a uma escolha: ligar a corrente elétrica do nosso corpo para obter uma fotografia,
uma gravação das percepções luminosas, tácteis e auditivas recebidas pela nossa visão, nosso
ouvido e nosso tato, ou ligar essa mesma corrente elétrica num aparelho completo que
corresponderia a uma espécie de televisão em relevo e em cores, em relação com a
multidimensionalidade do tempo, do espaço e da energia. A ciência ocidental só trabalha com
os nossos cinco sentidos, registrando por meio deles até os fenômenos que não são
percebidos por eles. As ciências tradicionais antigas trabalham no nível de outro sentido que
nós perdemos quase completamente e do qual restam no entanto vestígios na nossa
linguagem: o "sexto sentido.''

A que nível se pode consagrar a energia disponível, eis o verdadeiro problema que
começa a surgir e que se agravará cada vez mais, à medida do desenvolvimento do que Joffre
Dumazedier chamou "civilização do lazer”.

Até que essa nova civilização futura se instale (se a bomba atômica o permitir), não há
dúvida que uma grande parte da energia dos homens continuará sendo canalizada em
atividades "socialmente úteis". Esquivar-se dessa forma de alienação é ao mesmo tempo
renunciar a uma intervenção médica rápida, um alívio quase imediato da dor de dentes, em
dar à luz uma criança sem o risco da febre puerperal, à iluminação elétrica, ao aquecimento
central ou ao ar condicionado, e até mesmo aos livros impressos e aos discos musicais; todas
essas vantagens são produtos da nossa sociedade industrial; trata-se aqui de uma renúncia à
qual poucas pessoas estão dispostas, mesmo entre os hippies.

Freud já havia tratado da questão) no seu livro "Malaise dans la Civilisation". Para ele,
a civilização se baseia na insatisfação dos instintos, na sua repressão, recalque e sobretudo
sublimação; é através da sublimação que o homem pode dedicar-se às atividades mais
elevadas e mais úteis para a sociedade como as atividades científicas. artísticas, literárias e
filosóficas. Para Freud. o homem busca constantemente seu prazer, ou pelo menos procura
evitar a dor causada pelos fatores internos ou sociais. Nessa busca da felicidade há o que
Freud chama um "problema de economia libidinal individual". Nenhum conselho é válido aqui
para todos, cada um deve procurar por si mesmo a maneira pela qual ele pode ser feliz". Trata-
se em suma de um problema de economia da energia sexual. Freud passa em revista os
diferentes caminhos escolhidos pelo homem para obter a felicidade. Dissecando seu texto, nós
encontramos onze meios. que citamos a seguir:

1 — satisfação ilimitada de toda necessidade, que traz com ela a punição:

2 — O isolamento voluntário, que dá a satisfação do repouso; ou, ao contrárioi. . .

3 — Trabalhar com todos pela felicidade de todos, armado com as técnicas científicas
modernas;

4 — O método químico, a intoxicação, que nos proporcionam sensações agradáveis


imediatas e um certo "grau de independência desejado ardentemente com respeito ao mundo
exterior." Os entorpecentes, diz Freud, são perigosos. pois eles são "responsáreis pelo
desperdício de grandes quantidades de energia que poderiam ser empregadas para melhorar a
sorte dos homens";

5 — Matar os instintos como o ensina a sabedoria oriental e a prática da Joga: é o


abandono de toda atividade e através dele, a "conquista da felicidade da quietude". A pessoa
"assegura-se de uma certa garantia contra o sofrimento pelo fato de que a insatisfação dos
instintos refreados não é mais ressentida tão dolorosamente quanto a dos instintos não
inibidos".

6 — A deslocação da libido na sublimação energética em "atividades do espírito".


artísticas, científicas, etc., que é, segundo Freud, a técnica de economia energética mais
profunda e a que prende mais solidamente o indivíduo à realidade, sobretudo à realidade
social. Ela está ao alcance apenas de um pequeno número de pessoas e é mais "delicada e
mais elevada". Aqui se encontra a ideia de “elevação” já assinalada neste livro, que vem de
encontro a uma sugestão que Freud faz, ao afirmar que os fenômenos sublimatórios "possuem
uma qualidade particular que saberemos caracterizar um dia de modo metapsicológico”.

7 — A imaginação que encontra seu auge de satisfação no prazer proporcionado pelas


obras de arte, que Freud compara com uma ligeira narcose.

8 — O eremita que dá as costas à realidade e a transforma segundo os seus próprios


desejos: é um louco delirante. Segundo Freud. o seguinte caminho é semelhante:

9 — A religião que se forma "quando seres humanos esforçam-se juntos e em grande


número para assegurar felicidade e proteção contra o sofrimento, por meio de uma
deformação quimérica da realidade. E as religiões devem ser consideradas como delírios
coletivos dessa natureza. Naturalmente que aquele que compartilha de um delírio não o
reconhece nunca como tal";

10 — Os prazeres intrapsíquicos de amar e ser amado. Embora Freud considere este


caminho como o mais frágil (sabe-se hoje como os seus entusiasmos juvenis de noivo
transformaram-se numa relação burguesa, reificada e patriarcal). ele reconhecia que estamos
longe de haver esgotado o assunto sobre a técnica da vida que se baseia na aptidão do amor a
dar a felicidade: ainda falta muito o que dizer sobre esse assunto".

11 — Os prazeres inspirados pela beleza de gestos humanos, de paisagens. de objetos


naturais e de criações artísticas e mesmo científicas. Para Freud a beleza e o sentimento
estético também! têm suas origens na esfera das sensações sexuais, embora ele diga
igualmente que é sobre a beleza que a Psicanálise não tem quase o que dizer e que a natureza
e a origem da beleza ainda permanecem desconhecidas (254)

Esses caminhos descritos por Freud continuam. no final do século vinte, a ser as
alternativas para a utilização da energia pelo homem moderno: eles representam as opções de
que o homem realmente dispõe.

Todavia Freud não possuía no seu tempo os conhecimentos suficientes dos dados
novos (e muitos antigos na tradição orienta) obtidos a partir das experiências com o LSD. Se é
verdade que ele redescobriu as propriedades de transformação da energia sexual, ele
interrompeu, no entanto, essa transformação no nível da ternura amorosa, mostrando-se
surpreendido com as emoções que ele mesmo chama "mais elevadas", como por exemplo a
emoção estética. Isso explica que ele veja no fenômeno religioso apenas um delírio coletivo,
uma mistificação e uma ilusão, como indica o título do seu livro, "Avenir d’une Ilusion". Isso
explica também que no caminho da droga ou da Ioga não há nenhuma referência ao
fenômeno do êxtase místico. Freud antecipa-se e se opõe aos argumentos de Leary e de Laing,
que citamos no nosso livro, afirmando como conclusão do "Avenir d’nine Ilusion" que "Não,
nossa Ciência não é uma ilusão. Mas seria uma ilusão crer que nós possamos encontrar em
outra parte o que ela não pode nos dar" (255). Jung abriu uma brecha nessa afirmação.

A partir dos dados que reunimos neste livro, poderíamos propor uma nova opção, a
título hipotético e experimental (tanto fenomenológico como positivista); chamaríamos essa
opção de utilização da energia acumulada nos centros superiores a fim de viver e conhecer
suas próprias fontes; seria a energia que se descobre por si mesma; em outras palavras,
seríamos nós mesmos como energia e identificados a ela, que nos viramos sobre ela para vivê-
la e conhecer suas próprias origens.

Poderíamos agrupar nossa categoria as diferentes opções religiosas, extáticas,


psicodélicas, bem como as pesquisas instrumentais em curso, especialmente as
eletroencefalográficas.

Afinal de contas, o problema das opções encontra-se intimamente ligado ao assunto


tratado no último capítulo deste livro, que tem por título: "Alucinações ou percepções da
realidade? "Se nós todos estamos verdadeiramente em estado de semi-sonolência e se a nossa
percepção está tão deformada e tão encoberta por uma educação condicionante e
completamente alienada ao “Princípio de Rendimento", é preciso que reconsideremos as
próprias bases da nossa civilização; é necessário que encontremos o caminho do
descondicionamento para nós, adultos, e de uma nova forma de educação para os nossos
filhos e netos, que nos permita viver decentemente e não impeça mais que as gerações futuras
entrem em contato com a verdadeira realidade. Se nós somos os alucinados, é preciso que nos
livremos dessa alucinação. O verdadeiro pecado seria permanecer nela.

Se, pelo contrário, chegarmos a provar que a experiência mística é apenas uma
"mistificação", uma alucinação, só nos restará colocar-nos do lado de Jacques Monod que,
como Freud, nos anima a renunciar a qualquer forma de animismo, a qualquer espécie de
crença num outro reino que não seja do homem, fruto de um mero acaso, que não se repetiria
nunca mais; nesse caso, o homem estaria sozinho no universo, inteiramente responsável pelo
seu próprio destino e pelo destino do reino em que ele vive. Então. como diz Monod, "Como o
seu destino, o seu dever não está escrito em parte alguma. Cabe a ele escolher entre o Reino e
as trevas" (256). O verdadeiro pecado seria pois escolher as trevas.

De todo modo, nas duas hipóteses o verdadeiro pecado — e o único que exite
racionalmente — é sempre prejudicar o destino do homem, quer ele esteja nas mãos de um
conjunto de leis que lhe são exteriores, quer ele esteja nas suas próprias mãos. ]

Mesmo se o homem é apenas um mero acidente e se acha sozinho no cosmo, nada


exclui a hipótese energética; nada prova que ele não possua nele mesmo — do mesmo modo
que ele tem aparelhos para ver chamados olhos, ou para ouvir, que são os ouvidos um outro
conjunto mais aperfeiçoado ou um sistema de coordenação e de amplificação extrema de
todos os seus órgãos sensoriais existentes, que lhe permita entrar em contato com todo o
macro-cosmo e mesmo com o microcosmo, chegando até o registro de um passado longínquo,
à memória cibernética que estaria contida no DNA de seus gens.

Como vimos, o estudo do pecado sexual que nos levou a hipótese energética termina
no ponto de encontro entre a ciência, a religião e a metafísica; estas terão talvez uma resposta
no dia em que se terá a coragem de unir a perspectiva fenomenológica, que se baseia na
"inteligência pura" e constitui o apanágio da tradição oriental sincrética que produziu a Ioga, à
contribuição científica positivista baseada na inteligência racional, própria da civilização
ocidental de caráter analítico, que produziu o LSD. A Ioga e o LSD encontram-se, pois afinal de
contas o homem é o mesmo.

Assim o homem do fim do século vinte acha-se diante de três grandes opções
fundamentais, que reúnem todas as que expusemos até o presente:

1. Consagrar sua energia para obter todas as formas de felicidade conhecidas


atualmente no nosso mundo ocidental (sensoriais, estéticas, amorosas e espirituais),
equilibrando o princípio do prazer com o princípio da realidade; essa atitude leva fatalmente a
uma alienação de proporções variáveis, segundo o grau de condicionamento ou de
descondicionamento, alienação ao princípio do rendimento, que é essencial para a
sobrevivência da nossa sociedade; o homem talvez não saiba jamais até onde vai a sua
alucinação e as suas ilusões.

2. Consagrar sua energia aos caminhos tradicionais orientais ou à busca subjetiva do


tipo hippie ou psicodélico; ele tratará então de renunciar a esta sociedade ocidental, cujas
bases afundar-se-ão inevitavelmente se todos os seus membros ou mesmo a maioria deles
empenha--se nessa direção. Ele não saberá tampouco, e talvez nunca chegue a saber, até que
ponto ele é vítima de promessas mistificadoras e de alucinações, das quais justamente o
"sentimento de certeza" faria parte, e que nós apresentamos como um dos "critérios"
operacionais da experiência mística. De todo modo ficar-se-á na base da certeza da
experiência pessoal e da incerteza quanto à sua realidade.

3. Consagrar a energia de uma elite da população humana à elaboração de uma


síntese de métodos tradicionais orientais e científicos ocidentais, que talvez permitisse chegar
a maiores esclarecimentos e a conclusões gerais e controláveis quanto a validade tanto da
nossa percepção quanto às obtidas nas experiências consideradas místicas.

O aparecimento da "civilização do lazer" permitirá que cada vez mais homens se


dediquem a essa tarefa; sem dúvida serão necessárias equipes muito mais numerosas do que
as que se exigem para enviar um homem ao espaço sideral, mas o risco vale a pena, pois trata-
se afinal de contas de saber o que nós fazemos neste planeta.

Enquanto isso, novos métodos pedagógicos darão às novas gerações e até mesmo aos
adultos que o desejem. uma consciência maior das suas possibilidades energéticas; aos
psicólogos, psiquiatras, pedagogos, mestres nas diferentes técnicas orientais e ainda outros
especialistas caberá o trabalho de edificação de tais métodos. E desse assunto que trataremos
num dos nossos próximos livros, como consequência normal do nosso estudo sobre a esfinge
e do presente trabalho sobre a hipótese energética da repressão sexual.
INDICE DE CITAÇOES BIBLIOGRÁFICAS

1. Baudouin Ch., De l'Instinct a l'Es-prit, Desclée de Brouwer, Paris, 1950, p. 304.

2. Bakan D., Freud et Ia Tradition Juive, Payot, Paris, 1964, p. 219.

3. Taisen Deshimaru, Vrai Zen e Sho do Ka; Le Courrier du Livre, Paris, 1969, p. 157.

13.10, p. 485.

14.Desoille R., Le Rêve Éveillé en Psychothérapie, P.U.F., Paris, 1945, p. 295-296.

15.14, p. 129-130.

16.14, p. 298-299

18.Santos M.H.D., Rasputin, Minas Grã-4. IVIalinowski B. La sexualité et sa re- -fica, Belo
Horizonte, 1970, p. 123. pression, Payot, Paris, 1969, p. 163- -214. -164.

5. Brunton P., O Caminho Secreto, Ed. Pensamento, São Paulo, 1965, p. 103--105.

6. Padoux A., Recherches sur la Sym-bolique et I'Energie de la Parole dans les Textos
Tantriques, E. De. Bro-ccard, Paris, 1963, p. 107-109, p. 123 -124.

7. Sri Aurobindo, Le guido do Yoga, Albin Michel, Paris, 1970, p, 96-99.

8. Freud S., Essais de Psychanalyse, Payot, Paris, 1963, p. 169-171, 10.Choisy M. L'Être et le
Silence, Mont--blanc, Genève, 1964, p. 83. 11.10, p. 235-236. 12.10, p. 270-275.

19.18, p. 30-32.

20.1, p. 224.

21.Jung, C.G., "Hauers Seminar. Psy-chological comentary by C.G. Jung", Zurich, 1932, exempl.
datilografado, Bibliothèque de Jung, p. 142.

22. Wirth, O. Le Tarot dos Imagiers du Moyen-Âge, Tchou Ed., Paris, 1966, p. 71.

23. Cohn, M., Dictionnaire Français-Hé-breux Larousse, Larousse, Paris, 1966, p. 170.

24. Grand Larousse Encyclopédique, La-rousse, Paris, 1963, T.8, p. 277.

25. Teilhard de Chardin P., Science et Christ, Seuil, Paris, 1965, p. 137.

26. SP.,oher-Ha-Zohar, Le Livre de la Spiendeur, Trad. Jean de Pauly, Mai-son neuve et Larose,
Paris, 1970, T.I, p. 74-75.

27. 26, p. 109-113.

28. Guénon R., Etudes sur l'Hinclouisme, Vilain et Bolhomme, Paris, 1968, p. 41-43.

29. 26, p. 235-236. 30. 26, p. 235-265.

31. Cararil G., Rabbi Siméon B017 Yochai et la Cabbale, Ed. du Seta, Paris, 1967, p. 71.

32. Jean de Ia Croix, Oeuvres Complètes,. Desclée de Brouwer, Paris, 1958, p. 76.

33. Laplanche J. e Pontalis J.B., Vaca-bulaire de Ia Psychanalyse, P.U.F., Paris, 1967.

34. Hesnard A. L'Univers morbide de la Faute, P.U.F., Paris, 1949.


35. Berge A., Les Malaclies de la Vertu, Payot, Paris, 1960.

36. Bastida R., Sociologia das malarlies, Flammarion, Paris, 1965, p. 91.

37. Freud S., Nouvelles conférences sur la Psychanalyse, Gal I marcl, Paris, 1958, p. 94.

38. Le Coran, Garnier, Paris, 1955, p. 360.

39. Kolpakchy G., Le livre das morts des anciens Egyptiens, Ed. Champs Elysées, Paris, 1966, p.
205. 40. Bíblia Sagrada, Ed. Ave Maria Ltda., SãO' Paulo, 1960, Epístola aos Gáiatas, 5 (16-
17;21).

208

41. La Bhagavad-Gítá de Sri Aurobindo, A. Michel, Paris, 1970, p. 152.

42. Renou L., Anthologie Sanscrite Payot, Paris, 1961, p. 250. 43. Deuteronômio 28 (1, 15, 16).
44. V. 26, p. 423.

45. Deshimaru Taisen, Vrai Zen, Le Courrier du Livre, Paris, 1969, p. 90--93.

46. V. 26, p. 420.

47. Leary Th., Politics of Extasy, Gra-nada, Londres, 1970, Tábua I, p. 44.

48. Novo Testamento: Mateus, 19 (10--12).

49. Antigo Testamento: Êxodo, 19 (14--15).

50. Antigo Testamento: 1 Samuel, 21 (5).

51. Malinowski B., La sexualité et sa repression dans les sociétés Payot, Paris, 1969, p. 163. 52.
Lewinson R. A History of Sexual Customs, Fawoett World Library, New York, 1960, p. 24-26. 53.
Antigo Testamento, Levítico, 18 (6-10) e 20 (11-21).

54. Esteia de Harnurahi, 1792.1750 A.C. 55. Dt. 22 (22), Ez. 16 (40), Jn, 8 (5) 56. Mateus 5 (27-
28) 57. Corão, XXIV, 2.

58. Allegro J.M., Le Champignon et la Croix, Albin Michel, Paris, 1971 p. 108 a 114. 59. Haag H.,
Van den Born A., Ausejo de S., Diceionario de la Biblia, Herdar, Barcelona, 1964.

60. Levítico 19 (29) 61. Dt. 23 (17-18). 62. I Cor., 6 (16-18). 63. Dt., 22 (5) 64. Lev., 18 (22). 65.
Gen., 38 (9, 10). 66. Ex., 20 (26). 67. Ex., 28 (42, 43). 68. Dt., 23 (1). 69. Dt., 22 (29-29); (19,24);
(3-15). 70.1 Cor, 7 (25-28). 71. Lev., 15 (16-18). 72. Lev., 20 (18). 73. Lev., 12 (2,5). 74. Gen., 3.
75. Ex., 19 (15) 76. Dt., 24 (3-4). 77. Dupont Sommer, Les Êcrits Esséni-ans découverts près de
la Mer Morte, 3 ed., Payot, Paris, 1968, p. 382 ss. 78. 58, p. 122. 79. Douglas M., De Ir Souillure,
Ed. F. Maspéro, Paris, 1971, p. 187. 80. 79, p. 139-141.

81. Kinsey A.C., Le Comportement Sexu-al de l'Homrne, Ed. du Pavois, Pa-ris, 1948, p. 593 ss.

82. 79, p. 55 ss. 83. Freud S., Totem et Tabou, Payot, Paris, 1965, p. 198 ss. 84. 83, p. 141. 85.
Dt., 5 (21).

86. Laplanche J. Pontalis Vocabu-laire de la Psychanalyse, P.U.F., Pa-ris, 1938.

87. Engels F., A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Vitória, Rio, 1953, p. 54.

88. 87, p. 68.


89. 4, p. 170-1. 90. L.orenz 1C., "A evolução do compor-tamento", in "Psicobiologia", Polí-gono,
São Paulo, 1970, p. 40.

91. 59, p. 1, 199. 92. Segundo M. Choisy, em seu Moise, castidade de Moisés com sua mulher a
partir da revelação seria confirmada por todas as fontes antigas. Ela cita como fontes: Philon,
Vie de Moido, 2 (3), e é o Zohar, 111, 198, a. Nós buscamos esta última fonte em nosso
exemplar do Zohar e não encontra ruas nada a esse respeito. Isso devo•su talvez a diferenças
de edições; nossa edição é francesa; a de M. Choisy inglesa.

93. Gandhi, Minha vida e minhas expv, riências com a verdade, Ed. Cruzoiro, Rio, 1964, p. 261
ss.

94. Lévi-Strauss C., Antropologia Stru-cturale, Plon, Paris, 1958, p. 236. 95. 70 (32-35). 96. 25,
p. 127. 97. Freud S. lntroduction ri la Psychana lyse, Payot, Paris, 1945, p. 33. 98. "Estado de
Minas", Bolo 11,.$1.-mot,, n9 12.404, 1971.

99. Kroger W.S., Hipnosis clínica y experimental, Ed. Glem. S.A., Bu-enos Aires, 1965, p. 37.

100. Freud S., L'Avenir d'une illusion, P.U.F., Paris, 1971, p. 59-63.

101. Merton K., "Bureaucratic Struc-ture of Personality", in "Reader in Bureaucracy" Glenooe,


Illinois : Free Press, 1963, p. 361-371.

102. Lévy A., Psychologie Sociale, Text tes fondamentaux, Dunod, Paris, 1965, p. 110.

103. Weil P., Le Sphynx - Mystère et structure de l'homme, L'Epi Paris, 1972.

104. Eliade, M., Le Yoga, Payot, Paris, 1968, p. 245-6.

105. 104, p. 206. 106. 104, p. 288. 107. Chevalier J., Dictionaire des Sym-boles, Laffont, Paris,
1969, p. 692.

108. Fulcanelli, Le mystère des Cathé-drales et l'interprétation ésotérique des symboles


hermétiques du Grand-Oeuvre, Pauvert, Paris, 1964 p. 115 ss.

109. 108, p. 104-105. 110. 108, p. 180-1.

111. Cirlot J.E., Diccionaire de Símbo-los, Labor, Barcelona, 1969, p. 356-7.

112. 6, p. 108-9.

113. Jung G.C., Simbologia del Espí-ritu, Fondo de Cultura Económica, México, 1962.

210

114. 113, p. 184.

115. Jung C.G., Respuesta a Job, Fondo de Cultura Econ., México, 1964, p. 42.

117. 118.

111, p. 185-187.

Guénon R., Le Symbolisme de la croix, Union Gén. d'Editions, Pa-ris, 1957, p. 262-271.

119. Eliade M., Traité d'histoire des re-ligions, Payot, Paris, 1968,'p. 247--9.

120. Avalon A., La puissance du Ser-pent, Dervy Livres, Paris, 1971, p. 151-9.
121. Duchaussoy J., Le bestiaire divin ou Ia symbolique des animaux, La Colombe, Paris, 1958.

122. 123.

121, p. 102 ss.

Frischauer P., L'Archéologie de la Sexualité, Stock, Paris, 1969, p. 296.

124. Maruques-Rivière, Amulettes, Talis mans et Pantacles, Payot, Paris, 1950, p. 21.

125. Jung C.G., Métamorphoses de l'Ame et ses Symboles, Libr. de l'Université, Genève, 1967,
p. 341 e 315.

126. Jung C.G., Psicologia y Alquimia, Santiago Rueda, Buenos Aires, 1957, p. 149.

127. 128. 129. 130.

126, p. 119. 26, II, 35a. 26, II, 79b, 80a, b. 26, I, 13a. e 18a.

131. 26, I, 23b. 132. 26, I, 52a. 133. 26, II, 176b. 134. 26, II, 179a. 135. 26, III, 164a. 136. 58, p.
106. 137. Wilhelm R. e Perrot E., Yi King, Medicis, Paris, 1971, p. 23. Wilhelm R. e Baynes C.F.,
The I Ching, Princeton Un. Press, New York, 1967, p. 7.

138. Loeffier-Delachaux, Le Cercle, Mont-Blanc, Genève, 1947, p. 61-2.

139. Wirth O., Le Tarot, Tchau, Paris, 1966, p. 214.

140. 139, p. 163-7. 141. 139, p. 169-173. 142. Papus, El Tarot de los Bohemios, Horus, Buenos
Aires, 1970, p. 142-7. 143. Flama] N., Le Livre des figures hiéroglyphiques, Denoel, Paris, 1970,
p. 103-110.

144. 143, p. 93. 145. Nostradamus, Interprétation des hiéroglyphes de Haropollo, Pierre Rollet,
Barcelona, 1968, p. 32-35. 146. 145, p. 147. Jung C.G., L'Homme et ses sym-boles, Pont Royal,
Paris, 1964, p. 154-157. 148. 125, p. 200. 149. Beigbeder O., Lexique des Sym-boles, Zodiaque,
Genève, 1969, 168. Renou L., Anthologie Sanskrite, p. 381 ss. Payot, Paris, 1961, p. 187.

150. 59, p. 1830. 151. 120, p. 151. 152. 108, p. 143-151. 153. Auch. La Cathédrale, Lalagu e,
Auch, 1948.

154. Boucher J., La Symbolique ma-connique, Dervy, Paris, 1953, p. 42-44.

155. Guénon R., Symboles fondamen-taux de la Science Sacrée, Galli-nard, 1962, p. 332 ss.

156. Eliade M., O Sagrado e o Profano, LBL, Lisboa, p. 118-19. 157. 155, p. 324-335. 158. 42, p.
18.

159. Mandala. Essai sur l'expérience hallucinogène, P. Belfond, Paris, 1969, p. 167 ss.

160. 159, p. 228. 161. 58, p. 192. 162. 58, p. 224-225. 163. Eliade M., Le Yoga, Payot, Paris,
1968, p. 335.

164. Guénon R., La Grande Tríade, Gallimard, 7E., Ed., Paris, 1957, p. 154-5.

165. Guénon R., lnitiation et Réalisa-tion spirituelle, Ed. Traditionne-Iles, Paris, 1967, p. 131.

166. 7, p. 260. 167. 7, p. 131.


236. 99, p. 182 ss. 237. 203, p. 263-270. 238. 203, p. 291-308. 239. Schütz W., Joy, Grave Press,
N. Y., 1969, p. 12.

240. 241. 242.

163, p. 333-334,

163, p. 334.

Klineberg O., "An international view of mental health", Tatus Homo, 2 (2), Milão, 1970.

243. 190, p. 39-40.

244. Laing R.D., La Politique de l'ex-périence, Stock, Paris, 1969, p. 92-100.

252. 250, p. 101. 253. 250, p. 161.

254. Freud S., Malaise dans la Civilisa-tion, P.U.F., Paris, 1971, p. 21--31.

255. 200, p. 80. (100).

256. Monod J., Le hassard et la nécessi-té, Seuil, Paris, 1970, p. 194-5.

257. Jouve I'Abbé, Le missionnaire de la campagne, Tomo 111, Saint Joseph, Jobra, Paris, 1883,
p. 313.

258. Adam Michel, Le sentiment de Péché, Ed. du Centurion, Paris, 1967, p. 142.

245. Jacobs Hans (1964), Sagesse Ori- 259. Huygues R., L'Art et l'Homme, entale et
Psichothérapie Occiden-tale, Payot, Paris, 1964, p. 195--197.

246. 247.

244, p. 111-112.

Parrot A. (1957), Le musée du Louvre et la Bible, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel, 1957.

248. Garrison O. V. (1964), Tantra: The Yoga of Sex, Julian Press, lnc, New York, 1964.

249. Von Urban R. (1955), Sex Per-fection an Marital Happiness, Dial Press, New York, 1955.

250. Borg G., Le Voyage à la drogue, Le Seuil, Paris, 1970, p. 47, 155 e 228.

251. Choisy M. (1966), Moise, Mont-Blanc, Genève, 1966, p. 313, no-ta 199.

214

Larousse, Paris, 1957, T.I, p. 169.

260. Mandala, Ed. P. Bolfond, Paris,

1969, p. 168.

261. Miranda C., A libertação pelo Yoga, Livraria Freitas Bastos, São Paulo, 1963.

262. Leadbeater C.W., Os chakras, Ed. Pensamento, São Paulo, 1968, p. 44.

263. Tondriau J., O ocultismo, Dif. Européia do Livro, São Paulo, 1964.

264. Entralgo L., Maladie et culpabilité, Resma, Paris, 1970, p. 7.


265.

Romanelli R.C., "Os nomes de Deus no indo-europeu e no semí-tico", Rev, Univ. Minas Gerais,
no 18, Belo Horizonte, 1968-69, p. 141-142.

266. Durant-Dassier J., Psychothérapies 272. sans thérapeutes, Épi, Paris, 1969, p. 5-23

267. Sarano J., La sexualité libérée, Épi, Paris, 1969, p. 21.

268. Jung C.G., Ma vie, Gallimard, Pa-ris, 1969, p. 21.

269. Susuki D.T., Fromm E., Martino R. De, Boudhisme Zen et Psycha-nalyse, P.U.F., Paris,
1971, p. 137--157.

270. Platon, Dialogues, Phèdre, 244--245-265.

271. Flacelière R., L'Amour en Grèce, Hachette, Paris, 1971, p. 172-173.

174, p. 145 ss.

273. Gorce M. e Mortier R., Histoire Générale des Religions, T.IV, p. 179-80. 274. Adam M. e
colaboradores, Souillu-re et pureté, Privat, Toulouse, 1972, p. 76-89. 275. 274, p. 97-107. 276.
274, p. 123-135. 277. Madaule J., Le drame albigeois et le destin français, Paris, 1961.

278. Serouya H., La Kabbale, Grasset, Paris, 1947, p. 269.

279. Reich VV., La función del orgasmo, Ed. Paidós, Buenos Aires, 3a ed. 1972, p. 228.

280. Encontramos no livro de Yogananda (278), uma análise acurada do mito de Adão e Eva, à
luz da Yoga; esta análise confirma plenamente a nossa própria hipótese; mas vai muito além,
pois explica a queda de Adão e Eva como uma perda da Unidade provocada pelo ato sexual:

"O Gênese é profundamente simbólico e não se pode compreendê-lo pela interpretação


literal. A "árvore da vida" é o corpo humano; a coluna vertebral assemelha-se a uma árvore
invertida, tendo como raízes os cabelos do homem, e como galhos, os nervos sensoriais e
motores. A árvore do sistema nervoso ostenta muitos frutos apetitosos: as sensações da vista,
do som, do olfato, do gosto e do tato. Estes, o homem tem permissão de desfrutar; mas lhe foi
proibida a experiência do sexo, a "maçã" no centro do corpo ("no meio do jardim").

"A serpente representa a energia enrolada na base da espinha, a que estimula os nervos
sexuais. Adão é a razão, Eva é o sentimento, Quando o impulso sexual subjuga a emoção ou
consciência-de-Eva em qualquer ser humano, sua razão ou Adão também sucumbe.

"Deus criou a espécie humana materializando os corpos do homem e da mulher pela potência
de Sua vontade; Ele dotou a nova espécie com o poder de criar filhos de idêntica maneira
imaculada ou divina. Até ali, ao manifestar-se como alma individualizada, Deus se limitara aos
animais, regidos pelo instinto e desprovidos das potencialidades da razão plena; então, fez os
primeiros corpos humanos, simbolicamente chamados Adão e Eva. Para estes corpos, a fim de
prosseguirem vantajosamente na evolução ascensional, Ele transferiu as almas ou essência
divina de dois animais. Em Adão ou homem, a razão predominou; em Eva ou mulher, o
sentimento prevaleceu. Assim se manifestou a dualidade ou polaridade subjacente ao mundo
dos fenômenos. Razão e sentimento permanecem no paraíso da alegria cooperativa, enquanto
a mente humana não é iludida pela energia serpentina das propensões animais.
"O corpo humano, portanto, não resultou da evolução dos corpos animais; Deus o produziu
por um ato especial de criação. As formas animais eram muito rudes para expressar a
divindade em plenitude; somente ao homem e à mulher, desde a sua origem foram conferidos
centros ocultos na espinha e o lótus de mil pétalas, potencialmente onisciente, no cérebro.

"Deus, ou a Consciência Divina presente no interior do primeiro casal criado, aconselhou-os a


fruir de todas as formas de sensibilidade, com uma exceção: as sensações sexuais. Estas foram
proibidas, a fim de que a humanidade não se enredasse no método animal, inferior, de
procriação. A advertência para que não reavivassem memórias bestiais arquivadas no
subconsciente passou despercebida. Voltando atrás, à forma de reprodução dos seres brutos,
Adão e Eva conheceram a queda do estado de alegria celeste que era próprio do homem,
perfeito em sua origem.

"Ao perceberem que estavam nus perderam sua consciência de imortalidade, conforme a
advertência de Deus; colocaram-se sob a lei física, segundo a qual ao nascimento físico deve
seguir-se a morte física.

"O conhecimento do 'bem e do mal' prometido a Eva pela 'serpente' refere-se às experiências
dualísticas e opostas que todos os mortais sob o domínio de Maya devem gozar e sofrer.
Sujeitando-se à ilusão, pelo uso incorreto de sua razão e sentimento, ou consciência-de-Adão e
Eva, o homem renuncia a seu direito de entrar no jardim paradisíaco da divina auto-suficiência.
A cada ser humano cabe a responsabilidade de restituir seus pais ou natureza dual à harmonia
unificada ou Éden."

216

BIBLIOGRAFIA

ADAM Michel, Le sentiment de péché, Ed. du Centurion, Paris, 1967.

ADAM Michel e col., Souillure et pureté, Privat, Toulouse, 1972.

ALEGRO J.M., Le Champignon Sacré et Ia Croix, A. Michel, Paris, 1971.

ASSAGIOLI R., Psychosynthesis, Vicking Compass, New York, 1971.

Auch — La Cathédrale, Lalague, Auch, 1948.

AVALON A. — 1950 — La puissance du Serpent, Dervy Livres, Paris, 1971.

BACHELARD G., La Psychanalyse du feu, Gallimard, Paris, 1969.

BAKAN D., Freud et Ia tradition mys-tique ¡uive, Payot, Paris, 1964.

BASTIDE R., Sociologie des Maladies Mentales, Frammarion, Paris, 1965

I3AUDOIN Ch., De l'Instinct à l'Esprit, Desclée de Brouwer, Paris, 1950.

BEIGBEDER O. Lexique des Symboles Zodiac, Genève, 1969.

BENOIST Luc, L'Esotérisme, P.U.F., "Que sais-jo? ", no 1031, Paris.

BE RGE A., Les Maladies de la Ver-tu, Payot, Paris, 1960.

Bible "Sepher" — Deutéro nome, XXVIII, Paris, 1866.

BORG G., Le Voyage à Ia Drogue, Le Seuil, Paris, 1970.


BOUCH E R J., Études Instrumentates des Techniques du Yoga — Expéri-mentation
Psychosomatiques, Mai-sonneuve, Paris, 1963.

BRUNTON P., O Caminho Secreto, Ed. Pensamento, S. Paulo, 1965.

CARON M. e HUTIN S., Les Alchi-mistos, Seul, Paris, 1967.

CASSA RI L G., Rabbi Siméon Bar Yo-chai et la Cabbale, Ed. Seuil, Pa-ris, 1967.

CHOISY M., La Métaphysique des Yogas, Ed. Mont-Blanc, Genève, 1962.

CHOISY M., L'Être et le Silence, Mont--Blanc, Genève, 1964.

CHOISY M., Mo ise, Mont-Blanc, Genève, 1966.

CIRLOT J.E., Diccionário de Símbolos, Labor, Barcelona, 1969.

COHEN S., e ALPERT R. Fruite du Réel ou Recherche Mystique. COHN M., Dictionnaire Francais-
Hébreux Larousse, Larousse, Paris, 1966.

Coran, XXIV, 2 Cor. 6. Cor, 7.

DAM ÉLOU J., Les Symboles Chrétiens Primitifs, Seuil, Paris, 1961.

DAVID-NEEL A., lnitiations Lamaiques, Adyar, Paris, 1957.

DESHIMARU Taisen, "Vrai Zen", Le Courrier du Livre, Paris, 1969.

DESOIL L E R., Le Rêve Éveillé em Psy-chothérapie, P.U.F., Paris, 1945.

DOUGLAS M., De la Souillure, Ed. F. Maspére, Paris, 1971.

DUCHASSEY J., Le Bestiaire divin ou la symbolique des animaux, La Colombe, Paris, 1958.
DUPONT Sommer, Les Écrits Esséniens découverts près de la Mer Morté, 3a ed., Payot, Paris,
1968.

DU RAND-DASSI ER J., Psychothérapies sans Thérapeutes, Épi, Paris, 1969

ELIADE M., Le Chammanisme et k techniques archaiques de l'extase, Payot, Paris, 1946.

ELIADE M., Naissances Mystiques, Gel-limard, Paris, 1959.

ELIADE M,, Le Yoga, Payot, Paris, 1968.

ELIADE M., O Sagrado e o Profano, LBL, Lisboa.

ELIADE M., Traité d'histoire des reli-gions, PAYOT, Paris, 1968. ENGELS F., A origem da família,
da propriedade privada e do Estado, Vitória, Rio, 1953.

218

ENTRALGO L., Malaide et culpabilité, Resma, Paris, 1970.

"Estado de Minas", Belo Horizonte, no 12, 404, 1971.

EY H., BERNARD P. e BRISSET C.H., Manuel de Psychiatrie, Masson, Paris, 1963.

FELDENKRAIS M. - 1968 - La Cons-cience du corps, Laffont, Paris, 1971.

FLACELIÈRE R., L'Amour en Grèce, Hachette, Paris, 1971.


FLAMEL N., Le livre des figures hié-roglyphiques, Denoel, Paris, 1970.

FONTANA A. e col. - 1965 - Psicote-rapia com LSD, Mestre Jou, São Paulo, 1969.

FREUD S., Essais de Psychanalyse, Payot, Paris, 1963.

FREUD S., Introduction à la Psycha-nalyse, Payot, Paris, 1945.

FREUD S., L'Avenir d'une illusion, P.U.F., Paris, 1971.

FREUD S., Malaise dans la civilisation P.U.F., Paris, 1971.

FREUD S., Nouvelles conférences sur la Psychanalyse, Gailimard, Paris, 1958.

FREUD S., Totem et Tabou, Payot. Paris, 1965. FRISCHAUER P., L'Archéologie de la Sexualité,
Stoock, Paris, 1969. FULCANELLI, Le mystère des Cathé-drales et l'interprétation esotéri-que
des symboles hermétiques du Grand-Oeuvre, Pau vert, Paris, 1964

GANDHI, Minha vida e minhas expe-riências com a verdade, Ed. Cru-zeiro, Rio, 1964.

GA RRISON 0.V., Tantra: The Yoga of Sex, Julian Press Inc, New York, 1964.

GASTAUT H., "Le Psychédélisme ou Ia quête d'une extase cosmique", in Totus Homo, 2 (11:3-5,
Milão, 1970.

GI LL ES R., Le Symbolisme dans l'Art Religieux, La Cotombe, Paris, 1961.

GOETHE W. - 1935 - Le Serpent Vert-Le Symbolisme, Laval, 1964.

CORCE M. e MORTIER R., Histoire Générale des Religions, Quillet, Paris, 1948.

GOVINDA A. Lama, Les Fondements de la Mystique Thibétaine, Albin Mi-chel, Paris, 1960.

Grand Larousse Encyclopédique, Larous-se, Paris, 1963.

GUÉNON R., Apercus sur l'initiation, Ed. Trad., Paris, 1964.

GUÉNON R., Études sur l'Hindouisme, Villain et Belhomme, Paris, 1968.

GUÉNON R., lnitiation et Réalisation Spirituelle, Ed. Traditionnelles, Pa-ris, 1967.

GUÉNON R., La Grande Triade, Galli-mard, 7E., Ed., Paris, 1957.

GUÉNON R., Le Symbolisme de la Croix, Union Gén. d'Editions, Pa-ris, 1967.

GUÉNON R., Symboles Fondamentaux de la Science Secrée, Gallitnard, 1962.

GURDJIEFF G., Récits de Belzébuth son petit fils, Janus, Paris, 1956.

HAAG H., VAN DEN BORN A., AUSE-JO de S., Diccionario de la Biblia, Herder, Barcelona, 1964.

HARZELL H. - 1970 - High Play-Turning on without Drugs, Paper-back Library, New York, 1971.

HERON W., "A patologia do tédio", in "Psicobiologia", Ed. Perspecti-va, São Paulo, 1970.

HESNARD A., L'Univers morbide de la Faute, P.U.F., Paris, 1949.

HESNARD A., Morale sans Péché, P.U.F. Paris, 1954.

HUXLEY A., As portas da percepção -O céu e o inferno, Trad. do In-glês, 5a ed. Rio, 1966.
HUYGUES R., L'Art et l'Homme, La-rousse, Paris, 1957.

JACOBS Hans, 1964, Sagesse Orientale et Psychothérapie Occidentale, Payot, Paris, 1964.

JEAN DE LA CROIX, Oeuvres Complè-tes, Desclée de Brouwer, Paris, 1958.

JOUVE l'Abbé, Le missionnaire de la campagne, Tomo III, Saint Joseph Jobra, Paris, 1883. JUNG
C.G., Hauers Seminar - Psycholo-gical Comentary by C.G. Jung, Zürich, 1932, Exempl. datilogra-
fado, Biblioteca de Jung.

JUNG C.G., L'Homme et ses symboles, Pont Royal, Paris, 1964.

JUNG C.G., Métamorphoses de l'Atne et ses Symboles, Libr. de l'Uni-versité, Genève, 1967.

JUNG C.G., Psicologia y Alquimia, San-tiago Rueda, Buenos Aires, 1957.

JUNG C.G., Respuesta a Joh, Fondo de Cultura Econórn„ México, 1964.

JUNG C.G., SimbologM del Espíritu, Fondo de Cultura Econõm., Mé-xico, 1962.

KINSEY A.C., Le cotnportement sexual de l'homme, Ed. du Pavois, Paris, 1948.

KRISHNArsilURTI, La pretnière et der-nière liberté, Pref. de A. Huxley Paris, 1954.

LAING .R.D., La politique de l'expé-rience, Stook, Paris, 1969.

LAPLANCHE J. e PONTAL IS J.B., Vo-cabulaire de la Psychanalyse, P.U. F., Paris, 1967.

La Sainte Bible, L. Segond, Paris, 19!4.

LEADBEATER C.W., Os chakras, Ed. Pensamento, S.Paulo, 1968.

LEARY Th., Politics of Extasy, Granada, Londres, 1970.

LEARY Th., 1965, The Politics of Ex-tasy, Paladin, Londres, 1970.

LEARY Th., - 1964 - The Psychodelic Experiente, University Books, N. York, 1966.

Le Coran, Garnier, Paris, 1955.

Le Livre das Secrets d'Henoch, Insti-tut d'Études Slaves, Paris, 1952. LEVI-STRAUSS C.,
Antropologia Stru-cturale, Non, Paris, 1958. LEVY A., Psychologie Social°, Textes
fondamentaux, Dunod, Paris, 1965.

LEWINSON R., A History of Sexual Costoms, Fawcett World Library, New York, 1960.

LOEFLER-DELACHAUX, Le Cercle, Mont-Blanc, Genève, 1947. LORENTZ K., "A evolução do


compor-tamento, in "Psicobiologia", Po-lígono, São Paulo, 1970. MADAULE J., Le draine
albigeois et le destin français, Paris, 1961. IVIAISEL E., The Alexander Technique, University
Books, N.York, 1970. MALINOWSKI B., La sexualité et sa repression dans les sociétés primi-
tives, Payot, Paris, 1969.

MANDALA, Essai sur l'expérience hallu-cinogène, P. Belfond, Paris, 1969.

MARQUES Rivière, Amulettes, Talis-mans et Pantacles, Payot, Paris, 1950.

MASLOW A. - 1971 - The farther reaches of human nature, Viking, New York, 1971.
MAYASSIS S., Mistères et initiations dans la préhistoire et protohistoi-re, BAGA, Atenas, 1961.
ME RTON K., Bureaucratic Structure of Personality, in Reader in Bureau-cracy, Glencoe, !ninais:
Free Press, 1963.

MI R ANDA C. - 1960 - A libertação pelo Yoga, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1963.

mormo') J., Le Hasarcl et la Nécessité, Seuil, Paris, 1970.

NARANJO C. e ORNSTEIN R., On the Psychology of Meditation, Viking, New York, 1971.

NOSTRADAMUS, Interprétation des hi-éroglyphes de Haropollo, Pierre Rollete, Barcelona,


1968.

PADOUX A., Recherches sur la symbo-fique et l'énergie de la parole dans les textes tantriques,
E. De. Bro-ccard, Paris, 1933.

PAPUS, El tarot de los Bohemios, Horus, Buenos Aires, 1970.

PAPUS, Traité élémentaire d'occultisme, La Diffusion Scientifique, Paris, 1968.

PARROT A. - 1957 - Le Musée du Louvre et la Bible, Delachaux et Niestié, Neuchatel, 1957.

PLATÃO, Diálogos, Edições de Ouro, Trad. do grego por J. Paleikat, Rio, 1966.

Papal-V(1h - Las Historias Antiguas del Quiche, Fondo de Cultura Econ., México, 1952.

REICH W., La funclón del orgasmo, Ed. Paidós, Buenos Aires, 1972.

SANTA TERESA DE JESUS, Ocuvres Complètes, Ed. Seuil, Paris, 1970.

SANTOS M.H.D., Rasputin, Minas Grá-fica, Belo Horizonte, 1970.

SCHUTZ W. - 1971 /frio 1.1 rybody, Harper anil How, N I, 1971.

SCHUTZ W., Joy, Grave Press, N. Voe k, 1969.

SEC RET F., Des kabbalistes chretiens de la Renaissance, Dunod, Paris, 1964.

Sepher-Ha-Zohar Le Livre de la Splen-deur, Trad. de Pauly, Maisonneu-ve•et Larousse, Paris,


1970.

SEROUYA H., La Kabbale, Grasset, Paris, 1947.

SERRANO M., La Serpiente del Paraíso, Kier, Buenos Aires, 1970.

SRI AUROBINDO, La Bhagavad Gita, Albin Michel, Paris, 1970.

SRI AUROBINDO, Le Guide de Yoga, Albin Michel, Paris, 1970.

Stèle d'Hammourabi, 1792-1750 A.C.

SUZUKI D.T., FROMM E., I41ARTINO R. De, Boudhisme Zen et Psycha-nalyse, P.U.F., Paris,
1971.

TAISENT Deshimaru, Vrai Zen e Sho Do Ka, Le Courrier du Livre, Paris, 1969.

TART Ch., Altered States of Cansei-pus-ness, Wiley, N. York, 1969.

THEILHARD DE CHARDIN P., Science et Christ, Seul!, Paris, 1965.


TEIXEIRA NETO, "Diga a palavra má-gica de sua felicidade", Estadode Minas, 2/2/1971.

TENDRIAU J., O Ocultismo, Dif. Euro-péia do Livro, S. Paulo, 1964.

VIVEKANANDA Swami — 1963 — Les Yogas Pratiques, Albin Michel, Paris, 1970.

VON URBAN R. — 1955 — Sex Per-fection and Material Happiness, Dial Press, New York, 1955.

WEIL P., L'Affetivo-Diagnostic, P.U.F., Paris, 1953. VVEIL P., Le Sphinx — Mystère et Structure
de l'Homme, Épi, Paris, WIRTH O., Le Tarot, Tchou, Paris, 1972.

WILHELM R. e BAYNES C.F., The I Ching, Princeton Un. Press, New York, 1967.

WILHELM R. e PERROT E., Yi King, Medicis, Paris, 1971.

WIRTH O., Le Tarot des Imagiers du Moyen-Âge, Tchou, Ed., Paris, 1966.

222

1966.

:)

\(T AS:

INDICE 'CO .N O GR Á FIC

1. ();-, números refereni-se ao índice de citacoe, hiblio;isa ficas.

2. NO, não podemos garantir a exatidão de todo, o, desenhos, que foram realizados a partir de
fotografia, ou mesmo de outros desenhos. Os leitores interessados deverão recorrer às
própria, fontes; nossa intensão neste livro foi exclusivamente utilizar meios visuais para ajudar
o eitor a compreender melhor o texto.

•Nº DA FIGURA N9 DO PARÁGRAFO CITANDO A ILUSTRAÇÃO CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 1 42-45


153 e coleção do autor 2 42-45-49 261-262 3 42 263 5 47 58 6 43 125, p. 200 7 43 263, p. 261 8
45 Coleção do autor 9 45 247, p. 69 13 45 126 16 47 260 15 46-51 184, plancha IX 17 52 184,
plancha VI 19 60 219 20 63 225 10 45 153 e coleção do autor 11 . 45 259 14 45 125, p. 230 4 43
125, p. 633 12 45 Coleção do autor 18 53 Coleção do autor

Você também pode gostar