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RESUMO
Este trabalho tem por objetivo apresentar o glissando pianístico (efeito sonoro decorrente da passagem rápida
dos dedos pelas teclas do piano) sob um ponto de vista musical, espectral e psicoacústico. Será aqui abordada a
estrutura espectral das componentes em frequências sonoras e o processo de percepção deste material sonoro
pela audição. Apresenta-se aqui uma introdução ao glissando, seguido da metodologia que consta da análise
computacional da gravação de trechos musicais onde ocorrem os glissandi (plural de glissando), da Suíte para
piano a 4 mãos Ma mère l´oye (1910) de Maurice Ravel. Este trabalho pretende colaborar para a maior
compreensão musical e acústica do glissando, permitindo que o leitor obtenha maior conhecimento sobre este
recurso tão frequentemente utilizado em obras musicais.
De acordo com experimentos de Scharf (1970) e frequência da fundamental. “Dessa forma, efetua-se
outros autores, os tons graves têm um efeito de u m rastreamento da fundamental com relação ao
mascaramento sobre uma banda crítica de espectro que se faz objeto da escuta.” (MENEZES,
frequências mais extensa do que os tons agudos,
conforme disposto na Tabela 1: 2003: p. 111).
O cérebro não concede a mesma importância a
Tabela 1 – Exemplos da extensão do mascaramento dos todos os harmônicos percebidos, por deduzir a altura
tons musicais - adaptada por Scharf, 1970 (SLOBODA,
2008, p. 227). de um som composto a partir de modelos
Frequência Nota musical do Intervalo musical harmônicos. Nota-se, então, uma região dominante,
aproximada do tom mascarado aproximado de onde se situam harmônicos privilegiados pela
tom mascarado mascaramento
(Hz) percepção do cérebro. Segundo experimentos, essa
região se situa mais ou menos de 500 Hz a 2000 Hz,
110 A2 Oitava
sendo que a sensação de altura definida de um som é
220 A3 Quinta justa determinada principalmente pelos harmônicos que se
440 A4 Terça menor situam nesse âmbito dominante.
880 A5 Segunda maior
Para Schaefferiii, a massa tônica refere-se à
1660 A6 Segunda menor percepção de altura fixa e reconhecível dos
harmônicos e a massa complexa se relaciona à
Nota-se que o âmbito escalar em que se encontra o percepção de altura fixa e não-reconhecível dos
glissando escolhido para a análise (Figuras 2 e 3) inarmônicos e dos ruídos. Para Menezes (2003: p.
encontra-se nessa mesma região demonstrada pela 130), esses termos podem ser substituídos através de
tabela acima, onde os sons mais agudos exercem uma revisão terminológica, para uma melhor
mascaramento sobre outros sons que estejam em uma compreensão: o termo massa tônica é substituído por
relação intervalar a partir de segundas maiores e
segundas menores. No glissando analisado neste fusão tônica para fazer jus à maneira como os
trabalho tem-se que tanto tempo como altura harmônicos são percebidos, isto é, por fusão, como
contribuem para a ocorrência do mascaramento visto anteriormente. E o termo massa complexa
sucessivo em todas as notas da sequencia escalar permanece inalterado, por fazer referência à
formadora do glissando. percepção da estrutura harmônica aperiódica. Caso a
fusão tônica o u a massa complexa varie em
6. DISCUSSÃO f r e q u ê n c i a , s e j a p o r glissandos o u p o r
Através do glissando gravado e analisado no saltos/intervalos, tem-se, segundo Schaeffer, perfis
espectrograma (referente às Figuras 2 e 3), pode-se melódicos. Os glissandi são considerados perfis
investigar como ocorre o processo de recepção, melódicos contínuos por apresentarem uma variação
percepção e interpretação das componentes de frequencial que não põe em risco a percepção dos
frequência pelo sistema auditivo e pelo cérebro. sons, sendo que a percepção dos harmônicos dá-se
por meio de um aglomerado de frequências que
Segundo Menezes (2003: p. 107), embora o ouvido deduz a identificação de uma única altura (a
deduza da escuta de todos os componentes senoidais fundamental), enquanto a percepção dos inarmônicos
um único som de altura definida, pode-se enfocar a e dos ruídos ocorre como uma massa, onde há a
escuta em alguns harmônicos, de acordo com as escuta “difusa” dos sons, ou como uma textura, no
condições a que este isolamento perceptivo esteja caso dos ruídos.
submetido. Conforme o mesmo autor (2003: p.107-
108): “A habilidade em distinguir sons puros como
componentes de sons compostos varia de pessoa para
pessoa e segundo as condições às quais se submete à 7. CONCLUSÃO
escuta, mas, como quer que seja, vários experimentos Neste trabalho, o glissando pianístico foi tratado
comprovaram que um harmônico que seja superior sob um ponto de vista musical, acústico e
ao oitavo componente da série harmônica natural de psicoacústico, visando: o esclarecimento de sua
um som tônico somente poderá ser discernido pela constituição, segundo as definições dadas por
maioria das pessoas – quando consegue sê-lo – após diversos autores e dicionaristas, uma análise musical
um considerável esforço intelectual.” de um trecho da peça Laideronnette, Impératrice des
Pagodes, como exemplificação de uma construção
O ouvido interno ao receber esse amálgama de
escalar exótica para o glissando, neste caso, com a
sons, efetua uma análise das frequências de seus
escala pentatônica, uma análise espectral da peça Les
parciais e envia ao cérebro sinais distintos relativos
entretiens de la Belle et de la Bête, onde tratou-se
aos sete ou oito primeiros harmônicos, sendo que os
diretamente do fenômeno acústico no que se refere à
demais não serão reconhecidos pelo cérebro
identificação e localização das componentes
separadamente. O ouvido humano realiza o processo
frequenciais das notas no espectrograma e uma
d e fusão, onde a altura percebida de uma nota é
investigação acerca dos processos de recepção,
deduzida de todos os harmônicos, resultando na
percepção e interpretação das notas musicais
percepção de um único som, que corresponde à
CAVALCANTI ET AL. GLISSANDO PIANÍSTICO