Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MITCHELL - Não Existe Aquilo Que Chamamos de Cultura
MITCHELL - Não Existe Aquilo Que Chamamos de Cultura
HÁ MAIS DE UMA DÉCADA E MEIA, MARVIN MIKESELL (1978, P. 13) SUGERIU QUE JÁ ERA TEMPO DOS GEÓGRAFOS
“PENSAREM MAIS SERIAMENTE SOBRE COMO DESEJAM USAR O CONCEITO DE CULTURA”. DESDE ENTÃO SURGIU REALMENTE
UMA NOVA CONCEITUALIZAÇÃO DE CULTURA NA GEOGRAFIA. ESTA CONCEITUALIZAÇÃO NEGA EXPLICITAMENTE A VISÃO
SUPRAORGÂNICA (DUNCAN, 1980), CONSIDERANDO A CULTURA COMO SOCIALMENTE CONSTRUÍDA, ATIVAMENTE MANTIDA
POR ATORES SOCIAIS E FLEXÍVEL EM SEU ENGAJAMENTO COM OUTRAS “ESFERAS” DA VIDA E ATIVIDADE HUMANAS.
domínio ou nível permitiu que os geógrafos cul- mações sociais de uma maneira que a economia ou
turais mantivessem uma crença em uma cultura on- a política não podem explicar.
tológica que tanto deve ser explicada quanto é, Se a mudança da visão supraorgânica ou de ou-
em si, socialmente causativa (mesmo se não supra- tras teorizações inadequadas da cultura para as me-
orgânica). A cultura “em si”, sutilmente teorizada táforas referentes à espacialidade teve o efeito de
e compreendida como estando ligada a outras “es- salientar processos e de mostrar que a cultura é
feras” da atividade humana, é cada vez mais adota- socialmente construída e sempre contestada, tam-
da na geografia contemporânea como explicação bém levantou novas questões referentes ao con-
para as diferenças materiais que marcam o mundo. ceito de cultura. Em que se baseiam estas metáfo-
Conforme afirma Stephen Daniels (1989, p. 199) ras espaciais? Elas denotam processos ontologica-
“A cultura tem, por assim dizer, dissolvido as cate- mente especificáveis?2 Neste trabalho, gostaria de
gorias do marxismo clássico”, e por isso mostrado sugerir que a mudança de “coisa” determinante para
que as explicações economicistas da vida cotidia- “nível” nebuloso teve o efeito de favorecer pro-
na são demasiadamente simples. De fato, a recon- cessos mistificadores do poder social, assim como
sempre retrocedidos e adiados, incluindo sinais, tir que a cultura existe e que é importante. E, nes-
organismos, a si próprio e culturas”. Ela sugere que te sentido, “cultura” realmente passa a existir no
a questão para a ciência é: “com o que pareceria o mundo. Isto é, existe como um conceito que se
conhecimento estável, replicável, cumulativo so- torna real. O retrocesso infinito é paralisado por
bre não-unidades?” (1989, p. 309). Para Haraway, meio da prática. Como uma abstração ou termo
a resposta a esta pergunta não é técnica. Não é de proteção, seja por etnógrafos e geógrafos ou
uma questão de método, mas da “estrutura (ou anti- por críticos culturais, profissionais de marketing,
estrutura) do ‘objeto’ que é permitido se materiali- ou estrategistas geopolíticos, é feito para funcio-
zar no discurso”. Qual é sua representação? Como nar como explanação. A abstração de “cultura” é
essa representação é construída? E como essas cons- plena de significados, não interna mas externamen-
O que diferencia a época atual das épocas pas- produzem a cultura e sempre é altamente mediati-
sadas é a natureza da comodificação, não o papel zada. Não é algo que se origina, direta ou organi-
que a “cultura” desempenha. O que Harvey está camente, do gosto, distinções e desejos de socie-
sugerindo é que o que é chamado de “cultura” está dades ou grupos sociais unitários ou universais.
ção da diversidade (cf. Price e Lewis 1993), mas e valorizo: o desejo de Cosgrove de nos fazer ver a
complexidade das paisagens e compreender a histó-
como processos sociais reais, práticas de represen-
ria da idéia de paisagem; a chamada de Jackson por
tações materiais (Said 1993). Tentei esclarecer um uma geografia completamente política que não ape-
caminho para a pesquisa dentro destas linhas, re- nas inclui, mas aprende a compreender a centralida-
de do gênero, da sexualidade e da raça; a insistência
correndo à noção de Zukin (1991) sobre a infra-
de Duncan de que representações de paisagem nun-
estrutura crítica e sugerindo o papel que aqueles ca são transparentes e que sua textualidade inerente
que trabalham na infraestrutura crítica desempe- precisa de cuidados; a busca de Daniel por uma apro-
ximação entre marxismo e estudos culturais e assim
nham na designação da “cultura”. Há numerosos
por diante. É claro que há divergências dentro desta
outros caminhos que podem ser seguidos e pare- literatura e entre os que são chamados de “novos
ce-me que um reconhecimento da importância da geógrafos culturais”. Entretanto, também é verdade
que tudo começa a partir do ponto que eu nego: que
idéia de cultura muito pode levar ao tipo de ex-
o “cultural” tem uma existência ontológica e uma im-
plosão de pesquisa crítica que se seguiu ao reco- portância central para qualquer geografia humana
nhecimento de que “raça” era uma categoria soci- reconstituída.
2 Smith e Katz (1993, p. 75) sugeriram que as “metá-
al, não um atributo ou coisa essencializada. Como
foras espaciais são problemáticas na medida em que
“raça”, a “cultura” em si não possui nenhum valor presumem que o espaço não é”. Até o ponto em que
explanatório (ver Jackson 1987a). Nossa meta, seja este o caso, “a naturalização do espaço absolu-
exemplo, Cosgrove (1984, 1989); Jackson (1989, __________. The city as text: the politics of landscape
interpretation in the Kandyan Kingdom. Cambridge:
1991, 1993); Ley e Duncan (1993b); e os artigos em Cambridge University Press, 1990.
Gregory e Ley (1988). __________. Sites of representation: place, time and the
19 Muito trabalho segundo as linhas que sugiro já foi discourse of the other. In: LEY D. AND DUNCAN J. (eds.).
Place/culture/representation. London: Routledge, 1993, p.39-56.
feito, é claro. Simplesmente insisto que focalizar a
DUNCAN J. and LEY D. Structural Marxism and human
idéia de cultura como apresento neste trabalho for- geography: a critical assessment. Annals of the Association of
talecerá seu papel crítico. American Geographers, v. 72, p. 30-59, 1982.
__________. Introduction: representing the place of culture.
In: LEY D. and DUNCAN J. (eds.). Place/culture/representation.
London: Routledge, 1993, p. 1-21.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________
GARREAU J. Edge city: life on the new frontier. New York:
Doubleday, 1991.
BAKER A. Introduction: on ideology and landscape. In: GLENNIE P. and THRIFT N. Modernity, urbanism, and
BAKER A. and BIGER G. (eds). Ideology and landscape in modern consumption. Environment and Planning D: Society and
historical perspective. Cambridge: Cambridge University Press, Space, v. 10, p. 423-43, 1992.
1992, p. 1-14.
GOULD S. The mismeasure of man. New York: W W Norton, 1981.
BARNES T. and DUNCAN J. Introduction: writing worlds.
In: BARNES T. and DUNCAN J. (eds). Writing worlds; GRAMSCI A. Selections from the prison notebooks. New York/
discourse, text and metaphor in the representation of London: International Publishers Lawrence and Wishart, 1971.
landscapes. New York: Routledge, 1992. GREGORY D. Interventions in the historical geography of
BERGER P. and PULLBERG S. Reification and the sociological modernity: social theory, spatiality and the politics of
critique of consciousness. History and Theory 4, 1964-5, p. representation. In: LEY D. and DUNCAN J. (eds.). Place/
196-211. culture/representation. London: Routledge, 1993. p. 272-313.
MIKESELL M. Tradition and innovation in cultural geogra- __________. Keywords. London: Fontana Press, 1983.
phy. Annals of the Association of American Geographers, v. 68, p. 1- ZELINSKY W. The cultural geography of the United States.
16, 1978. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, NJ, 1973.
MILES R. Racism and migrant labour. London: Routledge and ZUKIN S. Landscapes of power: from Detroit to Disney World.
Kegan Paul, 1982. Berkeley: University of California Press, 1991.
MITCHELL D. Landscape and surplus value: the making of
ordinary in Brentwood, CA. Environnment and Planning D:
Society and Space, v. 12, p. 7-30, 1994.